Você está na página 1de 11
88. ‘Asgumenta Journal Lawn. 2 jan jul 2015 Maria foto VAZ" OS DIREITOS SOCIAIS: REFLEXAO CRITICA A UMA VISAO REDUTORA BASEADA NOS CUSTOS SOCIAL RIGHTS; CRITICAL REFLEC REDUCTION FOR A VISION BASED DERECHOS SOCIALES: REFLEXION CRITICA UNA. REDUCCION DE VISION BASADA PARA A COST 0 impulso em direcsao a uma igualdade cada vez maior entre os homens é, como ‘Tocqueville havia abservado no século pas- sado, irresistivel. Cada superagdo desta ow daguela discriminagao com base na qual ‘0s homens se dividiram em superiores¢ in- {feriores, em dominadores e dominados, em ricos epobres, em senhores eexcraves, repre- senta uma etapa ndo necesséria, mas pos sivel, do processo de civilizacdo. (Norberto Bobbio, in Direita-Esquerda) SUMARIO: 1. A evolugio da solidariedade até ao welfare state: o nascimento dos direitos sociais; 2. Direitos so- ciais: investimentos ou custos?; 3. Os direitos sociais como investimentos; 4. Os direitos sociais como cus- tos: reflexio critica; Conclusio; Bibliografia, RESUMO: Os direitos sociais consolidaram-se com a edifi cagio do Welfare State, numa Europa acabada de sair da segunda grande guerra, enquanto materializacées, concretas da ideia de solidariedade. Destarte, pode- mos dizer que se consubstanciaram em factores de equalizagao das assimetrias sociais, na medida em que conferiam uma protecsao estatal, aos cidadaos, peran- te os riscos a que o ser humano, pela sua natural fragi- lidade, se encontra sujito. Argumenta Teoral Law a bapras09 jj Como cares aig WAZ, Mais. (Osteo Soca eden vsoredtor bed Aspsreca Jura Lawheeanio-PR. Bras 2p. 49108, aude submis 19052015 Ditadesprorsi avs acldadede Dien hUnversdaede ‘Cara 90 Argumenta Journal Law n,22jan-jul 2015 Com base no supra mencionado, procuraremos analisar as perspec- tivas que vislumbram aqueles direitos como investimentos e as que, pelo contrério, os reduzem a meros custos, Centraremos a nossa reflexio criti- ca nesta Ultima perspectiva, uma vez que a escassez de recursos origina a incerteza ¢ 0 risco da sua nao efectivagio. ABSTRACT: Social rights were consolidated with the building of the Welfare Sta- te, in a Europe recently out of the Second World War, as concrete embo. diments of the idea of solidarity. Thus, we can say that social rights were materialized in equalization factors of social inequalities, confering for citizens a state protection relative at the risks to which human being, for its natural fragility it is subject. Based on the mentioned, we will try to analyze the prospects that looking those rights as investments and, on the contrary, the prospects that reduce them to mere costs. We will center our critical reflection on. the latter perspective, since the lack of resources leads to the uncertainty and to the risk of their non efectivation, RESUMEN: Los derechos sociales se consolidaran con la construccién del Estado de bienestar, en una nueva Europa salida de la Segunda Guerra Mundial, como realizaciones concretas de una idea de solidaridad. Por lo tanto, po. demos decir que se materializé en factores de equiparacién e superacién de las desigualdades sociales constituindo una proteccién del Estado, alos, ciudadanos, relativamente a riesgos a que los humanos, por su fragilidad natural, se encontrén sometidos Con base en lo anterior, trataremos de analizar las perspectivas con vista sobre los derechos sociales como inversiones y las que, por el contra- rio, os reducén a meros costos. Vamos a centrar nuestra reflexién critica sobre este timo punto de vista, ya que la falta de recursos lleva ala incer- tidumbre y a el riesgo de non efectivacién. PALAVRAS-CHAVE: direitos sociais; investimentos; custos; meritocracia; incerteza. Argomenta Journal Lawn. 22jan jul 2015. 91 KEY WORDS: social rights; investments; costs; meritocracy; uncertainty. PALABRAS-CLAVE: derechos sociales; inversiones; costos; meritocracia; incertidumbre. 1. A EVOLUGAO DA SOLIDARIEDADE ATE AO WELFARE STATE : O NASCIMENTO DOS DIREITOS SOCIAIS Podemos encontrar as raizes dos direitos sociais numa ideia de solidariedade. Uma solidariedade nascida nos primérdios da civilizagio helénica € que se consolidou, em termos casufstico-privatisticos, na ci- vilizago romana ~ altura em que se passou a admitir a possibilidade de extravasar a, até entao, comum bilateralidade das declaragdes negociais, ~, possibilitando, assim, o surgimento de mais do que um sujeito no lado passivo das relagées juridicas (obligatio in solidum), e, consequentemen- te, promovendo uma ideia de solidariedade entre devedores, diminuin- do 0 risco de incumprimento, Assim, mergulhados no pragmatismo que miscigenou o ius coma actio (respectivamente accionada pela violagao de ‘uma obligatio), definimos, de acordo com ANTUNES VARELA (2000, p. 751), que “uma obrigacio é solidaria, pelo seu lado passivo, quando o cre- dor pode exigir a prestagao integral de qualquer dos devedores e a presta- «40 efectuada por um deles os libera a todos perante o credor comum’ ‘A solidariedade helénica era vislumbrada como um caminho para a obtengéo de um ‘bem comum! como o resultado de pertenga ao espirito de comunitas que cercava a polis. Segundo GUY HAARCHER (1993, p. 59), comunitarismo de que aqui falamos resulta da nao atomizagao do in- dividuo, difundindo-se num espirito holista, Deste modo, podemos dizer que a solidariedade alimentava, aqui, esse caminho para o bem comum, que mais nao seria do que um projecto de felicidade colectiva ‘Nao obstante os méritos evolutivos até ao final das civilizagdes clas sicas, a solidariedade encontrava-se, ainda, presa ao pragmatismo de uma solidariedade puramente convencionada — que fugia Aquele espfrito uni versalista ou holista -, que nitidamente vigorou na civilizagao helénica. 92 Argumenta Journal Lae n,22jan-jul 2015 Destarte, podemos dizer que s6 no inicio da Idade Média - devido ao desenvolvimento da filosofia crista e ao papel fundamental que aque- Ia religiéo desempenhou em termos de coesio cultural, apés a queda do Impétio Romano do Ocidente -, comegamos a vislumbrar uma solidarie- dade caridosa, Uma caridade com raizes no catolicismo e que - seguindo © pensamento de DELIUS, GATZEMEIER, SERTCAN ¢ WUNSCHER (2000, p. 21) -, se consolidou ao longo da Idade Média com os contributos de SANTO AGOSTINHO e SAO TOMAS DE AQUINO, Contudo, nao nos parece que possamos dizer que estivéssemos, jf, perante um verdadeiro espirito de solidariedade. E dizemos isso pelo facto de a caridade nao constituir, no nosso entendimento, uma forma de fazer co bem pelo bem do todo ow da colectividade havendo, na grande maioria dos casos, a necessidade de receber 0 sentimento de gratidao de outrem em troca, Em tom de critica, vislumbramos a caridade crista - nao obstan- teo facto de nao podermos negar a suma importincia do seu papel na luta contra a pobreza ¢ na ajuda aos mais necessitados -, como um imperati- vo de ‘ever ser’ ético-religioso que, muitas vezes, descura o outro como igual para o ver enquanto semelhante; uma caridade em que se encontra tum sentimento de superioridade moral no caminho para a perfectividade. Deste modo, s6 com a difusto dos ideais da revolugao francesa (li- berte, egalité, fraternité) é que a solidariedade alcancou alguma expressio horizontal, pela raiz. do espirito de fraternidade ndo meramente altruis ta, comecando, entéo, a vislumbrar-se o préximo como pessoa igual em dignidade: uma ideia de dignidade humana com matizes kantianas. f de acordo com esta linha de pensamento que podemos dizer que somente apés a revolugdo francesa se deu uma atomizagio do individuo enquanto pessoa: uma atomizagao reconhecedora da igualdade do valor do outro enquanto pessoa, gerando um espirito fraterno, na medida em que se per cebeu que toda a gente se encontra sujeita a atrocidades ou imprevisibili- dades — nao numa acep¢ao fatalista de destino -, nascidas do risco da vida quotidiana em sociedade, enquanto consequéncia de ‘ser com os outtos. Foi na linha da difusdo daquele espirito de fraternidade - apés a as- sungéo da ruptura com os ideais do ancién régime e a, consequent, laici- zagao do Estado -, que a Constituigao francesa de 17932 promoveu uma participacao estatal na subsisténcia daqueles que nao podiam trabalhar. Por outras palavras: podemos dizer que, a partir de entdo, o Estado passou ArgomentaJousnal Lawn. 22jan jul 2015.93 a aceitar que deveria suportar riscos sociais, em razdo de um projecto de felicidade colectiva. ‘Assim, depois do surgimento dos direitos humanos de primeira ge- ragio ou direitos-liberdades ~ com o advento do Estado Liberal -,coloca- ram-se problemas de igualdade, em matéria de participagéo democratica, devido ao facto de existir uma diferenga (pelo menos teorética) entre in- dividuos ¢ cidadaos. A produgao exacerbada ~ aliada a uma confianga cega nos ditames de uma economia de mercado baseada na concorréncia perteita -, moti- vada pela crenga de que os mercados se auto-regulavam (aludindo a “mio invisivel” de ADAM SMITH) sem necessidade de intervengao estatal, ori ginou problemas na distribuicio do trabalho. Assim, passou a se verifi car que ~ na medida em que nem todos tinham direitos de participacao democritica -, 0 meio social em que se nascia passava a funcionar como ‘uma espécie de orientagdo deterministicamente orientada para a futura ocupagao social a desempenhar do individuo. Na linha de pensamento de SERGE PAUGAM (2007, p. 7), nao po- demos falar de solidatiedade sem analisar a tese de DURKHEIM, que - precedendo o solidarismo ¢ 0 republicanismo -, distinguiu a solidarie- dade mecanica da solidariedade orginica: a primeira, consubstanciava-se numa solidariedade enraizada numa ideia de partilha de cultura, crengas e sentimentos de pertenca que ligam os individuos a determinada socie- dade; a segunda, relaciona-se com a capacidade de compatibilizagao da individualidade das pessoas entre si, funcionando como factor de consen. so necessério em sociedade complexas (SAUQUILLO, 1992, p. 260) Com base naquele pensamento, DURKHEIM chegou 4 conclusio de que a falta de solidariedade entre os individuos poderia originar virias, patologias sociais, de entre as quais a mais gravosa e a que mais sobressafa era a anomia, funcionando como elemento desagregador da supra referi- da solidariedade mecnica, © mesmo autor alertou, ainda naquele tempo, para os efeitos nefastos que a quebra dos lacos de solidariedade poderiam reptesentar em termos de distribuigao do trabalho e em consequentes va- riagdes ou descontinuidades de produsao (PAUGAM, 2007, p. 10). Nascido da stimula destes pensamentos inovadores na época, 0 mo- vimento solidarista insurgiu-se na Europa, tendo como principal lema a promogao da solidariedade. Assim, podemos dizer que os seus seguidores

Você também pode gostar