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A METAMORFOSE ÀS AVESSAS

Paulo Mendes Campos

Ao acordar de um oco de pau, numa manhã bela, um inseto transformou-se em um homem


enorme. Ainda sem consciência do que acontecera, tentou voar a uma árvore florida: os
membros desajeitados golpearam ridiculamente o ar e as mãos estalaram de encontro às costas.
Então, viu que estava nu e sentiu vergonha e medo. Com folhas e cipós, fez seu primeiro
trabalho, numa tanga mal alinhavada.
Reduzido a duas pernas, a posição vertical o fatigava; tentou caminhar sobre os quatro
membros sem notar nenhum alívio, ferindo as joelhos e as palmas das mãos nas pedras do
caminho. Pesava-lhe, antes de tudo, a cabeça, entronizada em um pescoço longo e sem
firmeza, apercebendo lá dentro um tumulto, como um bando de insetos invisíveis, querendo
gerar em dor moral o primeiro pensamento este: Sou o rei dos animais?. Sentiu um cansaço
imensamente humano. Mas, mesmo ainda ferido pelo que julgava um ponto de partida para o
entendimento da realidade, viu que o tumulto interior aumentava: era um zumbido de idéias
confusas e fragmentadas, a exigir do antigo inseto uma teoria geral do universo. Querer
entender o mundo, era isso: reagir à insegurança fatal que o ameaçava, como se um mosquito
fosse compelido a elaborar a filosofia do sapo que o devora. E o novo homem, pela primeira
vez, sentiu nostalgia da condição de inseto, quando seria devorado pelo sapo, com a
naturalidade inconsciente e doce das leis cósmicas. Uma consciência incompleta era a doença
que roía o homem, como se víssemos não a idéia inteira. mas a metade da idéia, não a palavra
inteira, mas a metade da palavra.
O inseto que virou homem foi caminhando com esforço, encontrando montanhas e vales, rios e
florestas, pedras e pântanos, luz e sombra, o vento exaltado e a mudez do ermo. Tudo isso
passava pelas antenas de seus novos sentidos humanos e prosseguia pela rede elétrica de seus
nervos, em choques alternados de excitação e abatimento. Ao mal estar que resultava dessa
inelutável seqüência, deu o nome de alma. E a alma, que ele não sabia o que era ou onde
ficava, teve a necessidade insuportável de abrigar-se na mão de Deus. Como Deus não fosse
visível, ele deu o nome de Deus às coisas. Mas ficou insatisfeito, porque estava separado das
coisas, já que era levado a procurar entendê-las. Sem Deus, mas precisando de Deus, ele
continuou, desamparado e vazio, sentindo fome, tristeza e desejo sexual ao cair da noite.
Tentou comer um monte de estrume como de costume nos tempos de inseto. e a repugnância
provocou vômito. Uma coisa dentro de si mesmo o separava das outras coisas do mundo: era
um pobre homem só, sob o calor distante das estrelas. Adormeceu muito tarde, depois de
pensar muito na condição humana, apavorado pela morte.

COM BASE NO TEXTO ACIMA, RESPONDA À S PERGUNTAS:

a) Identifique o momento de totalidade.

b) Identifique o momento de ruptura.

c) Retire do texto 3 exemplos que ilustram a falta do novo homem.

d) Retire do texto 3 exemplos que ilustram atitudes do novo homem em direção ao caminho da
regressão.

e) Retire do texto 3 exemplos que ilustram atitudes do novo homem em direção ao caminho da
evolução.

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