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| 51MILHOES DE GEDDEIS VITORIA DAS TREVAS Ca APF suspeita que os peemedebistas q A lamentavel hist6ria da exposigao 1 tinham um “banco clandestino” de arte cancelada em Porto Alegre tae ete) TT TES m Temer é denunciado pela segunda NACHO (OE ROR At tROCM I tc1M 0 “quadrilhao” do PMDB m Aprisdo dos irmaos Batista Eo Reec teen sh T Paieemeneniaee Wel31-(ec(ofe cH 7] eee AT) Trelnslel Bic] cree as OMe 100) Oey Ciinnerenas | ty DINHEIRAMA 0 edificio do apartamento-cofre virou ponto CIFROES de selfies entre os moradores da vizinhanga ACRONICA dos escandalos na- cionais habituou o brasileiro a imagem de dinheiro vivo em mo- chilas, cuecas, calcinhas, malas — mas nada preparou o pais para a fotografia dos 51 milhdes de re- ais, guardados em um aparta- mento-cofre, que levaram 0 ex- ministro Geddel Vieira Lima de volta 4 prisao. E possivel que, amanha ou depois, apareca uma imagem ainda mais superlativa para ilustrar os desvaos da rou- balheira, mas, até que isso acon- tea, a foto dos 51 milhées de re- ais de Geddel permanecera firme no imaginario nacional sobre os deslimites da corrupgio. Desde o primeiro instante em que a Policia Federal divulgoua Ciinnerencd dinheirama, VEJA interessou-se por conhecer a biografia daqueles cifrdes. De inicio, diante de tanto dinheiro, duas conclusées quase undnimes se produziram: aquilo nao poderia ser obra de um tinico ladr4o, muito menos saldo de rou- bo recente. Com certeza, haveria dezenas de envolvidos em crimes diversos e a dinheirama toda seria produto de alguns anos de mili- tancia criminal. VEJA destacou o reporter Ullisses Campbell para seguir 0 rastro do dinheiro em Salvador. Seu trabalho constatou que ne- nhuma das duas conclusées, que pareciam tao 6bvias, correspon- de inteiramente a realidade: tudo indica que o dinheiro todo era mesmo coisa de Geddel e asse- clas, e nado de quadrilhas diferen- tes, e a policia estima que asoma tenha sido acumulada ao longo de apenas um ano. S6 nao se sa- be, ainda, se o dinheiro vinha sendo roubado havia um ano ou se estava apenas sendo transferi- do para o apartamento em Salva- dor nos uiltimos doze meses. A apuracdo de Campbell mos- tra que, como suspeita a policia, 0 apartamento fazia as vezes de um. “banco clandestino”. O repérter entrevistou quinze pessoas — en- tre vizinhos, entregadores e poli- ciais — para reconstituir parte da historia. Conta ele: “Diversos mo- radores do prédio estavam assus- tados com 0 risco que acreditavam, haver corrido por terem dormido ao lado daquela fortuna”. Agora, esto aliviados. O prédio, alids, vi- rou ponto de selfies entre os mora dores da vizinhanga. A reporta- gem comega aqui. © Para‘o consultor internacional, a ver fo Feromrelac(e gn = 619 Coe el Mess oc) 0 OMe Te kcaeea S(O AUS Mee] haveré novos Trumpsie Brexits ‘nao sera bonito’ GIULIANO GUANDALINI c EXGETS£Y vommic sarton O ECONOMISTA canadense Dominic Barton, diretor global da consultoria McKinsey, uma das mais respeitadas do mundo, mantém uma rotina didria de reu- niées com ao menos dois presi dentes de empresas ou autorida- des internacionais. E assim que ele busca ficar atualizado a res- peito das transformacoes rapidas e profundas em curso na socieda- de. Desses encontros saiu sua percep¢ao de que o mundo nio. esta se adaptando na velocidade nece: ia. O setor publico, por exemplo, ndo cumpre adequada- mente seu papel de preparar as pessoas para as novas possibil dades tecnolégicas. Essa é uma das razGes para o aumento da de- sigualdade e 0 achatamento da classe média nos paises ricos. Pa- ra ele, as empresas terao de assu- mir novas responsabilidades e ter um papel mais ativo. “Do contra- rio cairo em descrédito na socie- dade”, afirma Barton. O executi- vo, de 55 anos, conversou com VEJA durante uma recente visita a Sao Paulo. Omundo passa por transforma- g6es radicais, com a populari- zacg&o dos robés e da inteligén- cia artificial. Como os paises e as empresas devem se prepa- rar para enfrentar esses novos tempos? Os proximos vinte anos serao um dos periodos mais radicais da histéria, por causa de todas essas transforma- Ges. Ao mesmo tempo, o poder econdmico vai se deslocando para a Asia em uma velocidade superior a imaginada. Outra das grandes tendéncias da atualida- de € 0 envelhecimento popula- cional. Todas essas mudangas ‘ocorrem ao mesmo tempo € re- querem uma nova mentalidade. A inovacao é essencial, bem co- mo a readaptaciio das pessoas. E preciso treinar os trabalhadores para as novas exigéncias da eco- nomia e da sociedade. Temo que nao estejamos prontos para en- frentar esses desafios. Por qué? Pessoas nos seus 40 ou 50 anos que hoje estao em car- gos razoaveis no setor privado poderao ver seu emprego ser ra- dicalmente transformado. Por is- so a inovacao é essencial. O setor publico e os sistemas educacio- nais nao tém sido velozes 0 bas- tante para acompanhar essas transformagées. air ETRETS2Y vominic sarton O setor privado 6 mais veloz nessa adaptag4o? As empresas precisam reagir se quiserem so- breviver. Em 1935, o tempo mé- dio de vida de uma empresa lista- da na bolsa de valores de Nova York era de noventa anos. Essa era a expectativa de vida de uma companhia. Atualmente, o tempo. médio é de quinze anos. As em- presas precisam inovar e inovar, e nao assumir como liquido e cer- to que o negocio delas continuara rentavel para sempre. Essa adap- tacao significa avaliar a todo mo- mento como os produtos sao fei- tos, que pessoas contratar, como “Nos 25 paises mais ricos, $6 2% das pessoas nao melhoraram de vida entre 1993 e 2005. Entre 2005 e 2014, porém, 70% das chegar ao cliente. A resisténcia maior a mudangas nao esta no se- tor privado, mas no piiblico. Por isso, acredito que as companhias terio de assumir um papel mais ativo na sociedade. Como o senhor imagina que isso acontecera? As empresas e seus executivos terao de assumir novas responsabilidades. Algumas ja fa- zem isso. Cuidam da educagao dos funciondrios, da assisténcia médi- ca, da aposentadoria. As compa- nhias encarregam-se muitas vezes de projetos em suas cidades, de agdes ambientais. Osenhor conhece casos concre- tos? Gosto de citar Randall Ste- phenson, o presidente da AT&T. A empresa de telecomunicacdes €a que mais investe em infraes- trutura nos Estados Unidos. Ste- phenson percebeu que 120000. de seus funciondrios nao esta- riam preparados para realizar 0 trabalho necessario daqui a cinco ou sete anos, por catisa das novas tecnologias. Ele poderia simples- pessoas no tiveram aumento real de renda ou tiveram queda” mente demitir esses funcionarios e contratar novos, mas decidiu investir em um programa de trei- namento. Outro exemplo é Paul alr EXGETS£Y vommic sarton Polman, da Unilever, que estabe- leceu como objetivo reduzir a metade o impacto ambiental do grupo e, ao mesmo tempo, do- brar o volume de vendas. As em- presas precisam agir, do contra- rio cairao em descrédito na socie- dade. As pessoas estao perdendo a paciéncia. Nao estao satisfeitas com 0 governo, com as grandes corporagées, com ninguém. Euma reacao contra o capitalis- mo? Sim, mas nao apenas contra 0. capitalismo. E contra todo o siste- ma politico e econdmico. Se dei- xarmos que isso continue e ganhe forca, o desfecho dessa histéria nao sera nada bonito, £ verdade que, no passado, houve crises e 0 sistema politico e econdmico con- seguiu reagir e adaptar-se. Mas, agora, creio que a reacao esteja le- vando tempo demais para ocorrer. Por isso, enfatizo a necessidade de recapacitar as pessoas. Basta ob- servar 0 que tem acontecido com a classe média nos paises mais ricos. Fizemos uma andlise em 25 dos paises mais ricos do mundo. Entre 1993 e 2005, apenas 2% das pes- soas nao haviam melhorado de vi- da. Entre 2005 e 2014, no entanto, 70% das pessoas nao tiveram au- mento real de renda ou mesmo so- freram uma queda em seus ga- mhos. Coma tecnologia, a deman- da por trabalho caiu e os salarios esto estagnados. Mas 0 1% no to- po dos rendimentos esta muito bem. Se essa tendéncia persistir, havera novos fenémenos como a eleicao de Donald Trump e 0 Brexit (a decisdo dos britanicos de deixar a Unido Europeia). Segundo alguns pesquisadores, aconcentragéo de renda ocorre em parte por causa da falta de competicao. Os gigantes da tec- nologia, por exemplo, sdo virtuais monopolistas em suas dreas. Qual 6 sua avaliagdo? Nao creio que falte competicdo no mercado, mas existem mercados em que cer- tamente a concentracao foi muito grande. A Amazon esta avancando sobre 0 negocio de todo mundo. O mesmo vale para o Google, para o Facebook. A Europa esta procu- rando maneiras de combater essa concentracao. Existe um paralelo com 0 inicio do século passado, quando havia os gigantes do petrd- leo e do ago, como a Standard Oil, a US Steel. Entao veio o governo de Theodore Roosevelt, que decidiu regular as grandes corporagées, e alr EXGETS£Y vommic sarton as autoridades chegaram a obrigar algumas delas a dividir-se. Osenhor acha que o Estado pre- cisa intervir na economia nos mesmos moldes agora? Existe um papel a ser cumprido pelo se- tor piiblico. Mas isso nao quer di- zer que 0 governo deva adminis- trar empresas. Um bom ambiente regulatério é essencial: deve per- mitir que os jovens empreendedo- res possam abrir negécios e pros- perar. Na maior parte do mundo, isso ainda é algo bastante compli- cado, favorecendo as companhias estabelecidas no mercado. Essas barreiras contribuem para 0 au- mento da informalidade. Parece ser ocaso do Brasil. Pessoalmente, acredito que o governo deva con- centrar mais sua atencao no senti- do de incentivar 0 acesso de novos competidores em vez de tentar di- vidir as grandes empresas. O Goo- gle nao existira para sempre, assim como a Microsoft nao tem hoje 0 poder que teve no passado. O senhor compartilha da opiniéo de economistas que so céticos quanto ao potencial de cresci- mento econémico mundial para os préximos anos? E verdade que em alguns paises 0 crescimento tem sido anémico, mas existem ra- z0es para otimismo. Nas proximas duas décadas, 2,4 bilhdes de pes- soas vao ingressar na classe mé- dia, principalmente na Asia e tam- bém na Africa. Ha um potencial enorme ai. A produgao de alimen- tos tera de avancar muito. A edu- cacao € outra area promissora. AS oportunidades existem. O baixo crescimento decorre de falhas na gestao publica. Nao deveriamos aceita-lo como algo inevitavel. Em 2016, ao lado de outros execu- tivos e lideres globais, o senhor participou de uma conferéncia no Vaticano sobre como tornar o capitalismo mais justo. Quais sao as principais criticas da Igreja? Os pontos principais da discussio ficaram em torno do aumento da desigualdade, do desemprego e de como treinar as pessoas para as no- vas necessidades do mercado. O pa- pa Francisco nao participou pesso- almente do encontro, mas esteve envolvido nos debates. Fizemos também algumas sugest6es para a Igreja. Existe, por exemplo, uma reflexdo ética a respeito da inteli- géncia artificial, ainda que a Biblia nada fale sobre o assunto. Um no- al7 ETRETS2Y vominic sarton vo encontro ocorrera em duas se- manas, em Nova York. Osenhor da aulas de administra- Gao de empresas em uma univer- sidade chinesa. Como é a experi- 6ncia de ensinar a fazer negocios emum pais comunista? Em mui- tos aspectos, a China é um dos pa- ises mais capitalistas do mundo. ‘Tem uma longa tradigéo de em- preendedorismo. Quando veio a revolugdo comunista, houve uma diaspora para outros paises asiati- cos. Nas tiltimas décadas, os chi- neses criaram algumas das maio- res e mais dinamicas empresas da atualidade. S40 grupos como Ten- cent, Baidu, Alibaba. “Em muitos aspectos, a China é um dos paises mais capitalistas do mundo. Os chineses criaram algumas das maiores e mais dinémicas empresas da atualidade” Osenhor acredita que a China va se tornar uma democracia libe- ral, ao modo ocidental? O Partido Comunista tem pensado muito sobre qual sera 0 impacto politico da urbanizacao, do enriqueci- mento da populac¢ao. Sao feitas periodicamente simulacGes de ce- narios para 0 caso de o sistema entrar em colapso. Para manter a estabilidade, os planos quinque- nais so focados na geracao de empregos. Recentemente, partici- pei de um encontro com dirigen- tes chineses em que fomos convi- dados a analisar 0 novo plano quinquenal. Estiveram presentes os economistas Joseph Stiglitz e Michael Spence (ambos agracia- dos com o Nobel de Economia). Nao vejo muitos governos fazen- do isso pelo mundo. Havera mu- dangas, mas graduais. Eles devem. estar olhando para o que ocorre atualmente nas democracias oci- dentais e questionando-se: sera que é isso que queremos? OBrasil acaba de viver a pior re- cessao de sua historia. Antes mesmo da crise, o pais crescia relativamente pouco. Qual a sua avaliagao da economia brasilei- ra? Sou otimista com relacgdo ao sl? EXGETS£Y vommic sarton Brasil. A demanda mundial por alimentos é absolutamente avas- saladora. A agua sera uma riqueza a cada dia mais valorizada. Os re- cursos brasileiros nessas areas sio expressivos. Mas, para 0 pais tirar proveito de seus potenciais, tera de enfrentar algumas questées. A pri- meira delas 6a produtividade dos trabalhadores. © Brasil tem ficado para tras na comparagao com ou- tros paises. O sistema regulatério e tributario precisa melhorar. Con- verso com administradores de re- cursos e empresarios de todo 0 mundo, ¢ eles sempre dizem que a economia brasileira nao é das mais amigaveis aos investidores. Outro aspecto éa educacao. O esforcgo de combate a corrup¢ao tem sido no- tavel. E uma oportunidade de re- comegar do zero. As oportunida- des sdo enormes, mas as reformas precisam prosseguir. = 117 A reportagem “O que a JBS nao contou” traz, erroneamen- te, informagado de que o minis- tro Sebastiao Reis Junior é in- vestigado no Supremo Tribu- nal Federal (STF). O inquérito citado pelo texto foi arquivado: ha mais de quatro meses, a pe- dido da Procuradoria-Geral da Republica. As investigacdes continuam quanto aos demais envolvidos no ambito do TRF da 1* Regiao. Secretaria de Comunicacao Social ‘Superior Tribunal de Justiga (STJ) Brasilia, DF eu OS BRASILEIROS E 0S FURACOES POR ONDE ELE PASSOU, provocou alvorogo na populacio, despertou sentimentos apocalipticos, destruiu até as estruturas mais solidas e modificou a paisagem, deixando-a por vezes irreconhecivel. Essa descri¢ao serve ao saldo deixado pelo furacao Irma, que, depois de uma passagem devastadora por ilhas caribenhas, aportou na Fl6rida, nos Estados Unidos, com uma forca que nao se via fazia doze anos, deixando 24 mortos e 65% das casas do estado sem eletricidade. Da mesma forma poderia ser descrito 0 furacdo politico, policial ¢ institucional que varreu 0 Brasil nos tiltimos dias, que igualmente provocou certo alvoroco, despertou alguns sentimentos apocalipticos eabalou estruturas sélidas. Assim como parte das aguas da Baia de Tampa foi arrastada pelos ventos do Irma, expondo oleito do mar (acima, moradores registram o fendmeno em selfies), 0 olho do Grande Escandalo de Corrup¢ao Extratropical — que é como 0 ciclone politico provocado pela Lava-Jato e seus desdobramentos poderiam ser chamados — parece arrastar para a lama toda reputagdo politica e parte do poder econémico. Mas os brasileiros, talvez por cansaco ou exaustdo, mostraram-se mais interessados no furacdo Irma do que no Grande Escandalo de Corrupgao Extratropical. No domingo 10, quando a tempestade castigou a Florida, a expressao “furacdo Irma” venceu “Joesley Batista”, que foi preso no mesmo dia (veja a reportagem @), na proporcao de trés para um nas buscas do Google. E desolador perceber que, quando nao houver mais esperangas no Brasil, talvez nem Miami esteja a salvo de furacées. m LUIZ PHILIPPE DE ORLEANS E BRAGANCA CARA OU COROA Orleans e Braganca: “A solucdo é um Estado minimo” “A MONARQUIA ESO ROTULO” Membro da familia real brasileira e apoiador do impeachment de Dilma Rousseff, o cientista politico diz num novo livro que o Brasil saiu dos trilhos ao se afastar da cartilha liberal do Império 2 Seu livro, publicado pela Novo Conceito, questionano titulo: Por que o Brasil E um Pais Atrasado? Qual a res- posta? Historicamente, a percepcdo geral fomentada pelos agentes do governo e por setores da sociedade é que se trata de um defeito do povo brasileiro. Somes bombardeados com tum mantra de que oatraso é um problema cultural intrinse- co A nossa etnia e religiio. Nao tem nada a ver. Somos atra- sados porque nossas oligarquias tomaram decisoes que nos levaram para o caminho errado. Que decisées? Comegoita dar errado no fim do século XIX, quando a oligarquia deu um golpe de Estado eassumiu o po- der por meio da Proclamagio da Repiblica. Ali se jogou fora a Constituicao mais liberal que o Brasil jé teve. Pedro I organi- zou um Estado com separacao de poderes, diteito do indivi- duo e de propriedade. Era um Estado liberal na sua essén« O senhor diz que 0 modo como o Estado brasileiro se organiza € o problema. Qual seria a saida? A solucao é um Estado minimo, descentralizado, com unidades federa tivas aut6nomas. A volta da monarquia seria um caminho? 0 movimento monarquista cresceu muito. Em 1993 (ano do plebiscito que manteve o sistema presidencialista), eu estava seguindo meus tios e dava para ver que nfo era ainda um movimento organico. Era cedo. Desde entao, amplion-se em alguns s tores uma boa percepcio sobre a monarquia. Mas a familia imperial passou a ser vista em revistas de socialites, como uma Caras. A monarquia nio é isso. ‘Afinal, o senhor defende a volta da monarquia? Minha mi- litancia é por uma estrutura de poder de sucesso. Nao neces- imenite a monarguia. Ela s6 caberia se viesse como uma base disso, Meu avd foi chamado pelos militares, em 1967. Eles pegaram o aviio, pousaram na fazendinha dele Id no Pa- rande o convidaram para ser um novo monarca em um novo sistema. Ele disse nfo, Tinha a nogo de que no poderia ser algo imposto. A volta tetia de ser por aclamacio popular. Alguma chance de haver aclamagio? No momento, omo- vimento que meus tios lideram nao esté organizado, nem tem recursos para surtir efeito. Bles jd estao velhinhos. B uma situacdo limitante. Daria certo? O que importa nao ¢ ser monarquia ou Repa- blica, mas a estrutura de poder por tras do regitne. A monar- quiaés6 rétulo. m LEILOES DO PRE-SAL PRECO DA GASOLINA TORNOZELEI Dezessete empresas, O valor médio atingiu o TLETHONCA nacionais e estrangeiras, recorde de 3,85 reais Projeto aprovado pela habilitaram-se para os por litro, segundo Comissao de Constituigéo certames do pré-sal, levantamento da ANP. e Justiga do Senado marcados para outubro. O maximo encontrado resolve o impasse sobre Os leilées nao ocorrem em alguns postos foi o custo do equipamento ha quatro anos 4,95 reais de monitoramento de condenados: ele tera de ser pago pelos prdprios usuarios HILLARY CLINTON VACINAGAO A candidata derrotada O ano de 2016 teve o BOMBEIROS @ Presidéncia dos manor indlee.stn lima Mais de trinta integrantes Estados Unidos anunciou decada. Segundo 0 da corporacao foram sua retirada das disputas Ministério da Saude, ante no fs soba eleitorais: nao concorrera 53% do publico-alvo — ees de cobrar mais a Casa Branca menores de até ropina para autorizar nem a nenhum outro ‘anos ~ ndo tomou i funcionamento de cargo legislativo as vaaines devidas estabelecimentos comerciais (bombeiros, até vocés?!) ste —_teste__ Ghost writer A mais de um interlocutor, Joesley Batista disse que Marcello Miller ajudou a redigir um dos anexos da delagdo de Ricardo Saud. DOIS CHAPEUS Miler: na PGR, ele ofereceu servigos & Odebrecht Rodando a bolsinha O que diz o grampo Na gravacio ainda nao apresen- tada por Joesley Batista 4 PGR, José Eduardo Cardozo fala de cinco ministros do STF, dando a entender que os teriana mao. So- bre Luis Roberto Barroso, diz que ele sofreria influéncia de Sér- gio Cabral. Nada comprova esse comentario, Faceta machista No Audio, Cardozo é bastante deselegante nos comentarios sobre Carmen Liicia e tam- bém sobre Dilma Rousseff, sua ex-chefe. Meses antes de sair da PGR, Miller manteve encontros no. Rio com Adriano Maia, diretor juridico da Odebrecht. Nes- sas ocasides, ja manifestava claramente seu interesse em migrar para a iniciativa privada a fim de ajudar a empreitei- ra. A oferta foi recusada. Com Gabriel Mascarenhas, Ernesto Neves e Pedro Carvalho Seis anos de recluséo Pelo acordo firmado coma PGR, Licio Funaro deixar a ca- deia em meados de 2018. Depois, ele cumprira mais dois anos em regime semiaberto e outros dois em prisdo domiciliar. Forga do habito Joesley Batista continuou a gravar seus interlocutores até recentemente. Parece ter gostado da brincadeira. Papo de boteco No encontro com Janot, Pierpaolo Bottini disse que nio sabia do dudio em que Joesley e Saud se gravaram. Queria limpar a sua barra com a PGR. Em nome do pai Os problemas de Janot sé comecaram. A CPI da JBS vai con- vocar sua filha, Leticia Ladeira. Como se sabe, ela advogou para a OAS na Lava-Jato. Ficou para a proxima ‘A proposta de delacao de Bike Batista recebeu o aval do MP do Rio. Agora, entrar na fila das que aguardam a bén- cao de Raquel Dodge. Juntos novamente A relacao entre Aécio Neves e Jodo Doria, que estava abalada, foi restabelecida. Amigos em comum fizeram a ponte para o entendi- mento. PAZ Doria: a relacao com Aécio Neves, antes desgastada, foi reconstruida Com Gabriel Mascarenhas, Ernesto Neves e Pedro Carvalho Em baixa Ainfluéncia de Aécio fora dos bastidores politicos, porém, anda desgastada. O tucano tentou ser o padrinho da sala de sua filha numa escola bilingue de Brasilia. Perdeu a votagao. Sonho meu Em prognésticos para aliados, Geraldo Alckmin prevé que disputara 0 segundo turno em 2018 com Jair Bolsonaro. Ele aposta que Lula nao sera candidato. Falta sé combinar com Doria, O mesmo placar Com mais uma flecha a caminho, o objetivo do Planalto no Congresso é repetir a votacdo da primeira dentincia. Retomno as origens Temer, alias, esta tao confiante na sua permanéncia que en- comendou ao Itamaraty uma viagem ao Libano, terra de sua familia, no inicio de 2018. Com Gabriel Mascarenhas, Ernesto Neves e Pedro Carvalho Dai-me, mas ndo agora Rodrigo Maia, Henrique Meirelles e Eunicio Oliveira defini- ram que a reforma da Previdéncia entra em pauta até o fim de outubro. A base prefere 2019. Menos rigoroso Depois de rejeitar varios negocios, o Cade deve aprovar (com ressalvas) a fusdo entre AT&T e Time Warner no Brasil. Negécio desfeito Dono da Qualicorp, José Junior depositou um sinal para comprar a ilha de Milton Afonso, da Golden Cross, em An- gra. Desistiu na ultima hora. Esse filme eu ja vi A Disney comecaria as filmagens de Jungle Cruise no Brasil a partir desta semana. Mas pendéncias com a Ancine atrasa- ram a produgao. Com escripulos Marcado pelo escandalo da parabolica, Rubens Ricupero langa em outubro 0 livro.A Diplomacia na Construgdo do Brasil. Desta vez, com escriipulos. m Ey Lava-sato A PATRIA DAS QUADRILHAS NO CENTRO A Lava-Jato reconstituiu 0 organograma do “quadrilhao”: Temer, diz 0 documento, tinha poder de comando 13 LAVA-JATO Quanto mais o pais se espanta com a proliferagao de organizagées criminosas, mais cresce a gritaria contra a suposta ma qualidade das investigagdes. Parece um paradoxo, mas nao é TODAS AS FLECHAS 0 PowerPoint virou piada nacional, por sua inconsisténcia, mas a situacao de Lula sé piora PowerPoint em que todas as flechas apon- tam para Lula virou piada nacional por sua inconsisténcia, mas nem por isso 0 ex-pre- sidente pareceu ino- cente da enormidade de acusa- Ges que Ihe sao feitas e que, ago- ra, ganham o reforgo notavel do ex-ministro Antonio Palocci. Ou- tra imagem no mesmo formato, divulgada na semana passada, coloca o presidente Michel Te- mer no centro do comando de uma organiza¢a4o criminosa que ganhou 0 apelido aumentativo de “quadrilhao”. Ao mesmo tempo, EES avnsaro um dos mamutes do mundo dos negocios, a JBS, gigante mundial de carne processada, perde seus dois principais acionistas para a prisdo, numa sugestao de que, sob 0 comando dos irmaos Batis- ta, a empresa se tornou, ela mes- ma, uma espécie de quadrilha. A proliferagao de grupos crimi- nosos organizados no ponto mais alto do poder nacional nao cessa de provocar espanto entre os brasileiros e, naturalmente, pro- duz crescentes protestos contra a Lava-Jato, a investigagao que, nas indignadas palavras dos sus- peitos, “nunca termina”. Pode pa- recer um paradoxo que, quanto mais profundas ficam as investi- gacoes, mais se ouvem criticas ao trabalho do Ministério Publico, sobretudo do procurador-geral Rodrigo Janot, que encerra ago- ra seu mandato. E, no entanto, um sintoma pré- prio da patologia criminal em que vivemos. A Lava-Jato nunca che- gou tao longe e, quanto mais longe chegar, mais barulho havera de provocar. Nas matérias seguintes, leitor poder conferir a extraor- dindria extensao que as investiga- ¢Oes atingiram sobre o envolvi- mento do presidente Michel Te- mer no propinoduto peemedebis- ta @, os meandros da incandes- cente delacao da JBS @e, por fim, a lama em torno do ex-presidente Lula, segundo novo capitulo da delagdio de Palocci LAVA-JATO. A Policia Fed n Temer figura como 4 parlamentares do P que recebia propinas d participagao de Temer no qué beneficiou o setor de ae A Procuradoria-Geral ofereceu a segunda deniincia criminal contra o presidente, desta vez por organizaco criminosa e obstrucao da Justica SOFIA FERNANDES lusresgl HAMPERS MANGA. COM FTO BE RSTIONAE EES avnsaro QUANDO MICHEL TEMER as- sumiu a Presidéncia, em maio de 2016, reuniu sua turma de longa data — homens acima de 70 anos e origindrios do PMDB da Céma- ra dos Deputados — e proferiu um discurso pontuado por mes6- clises e palavras como “confian- ca”, “moral” e “uniado”. Petistas ainda empacotavam suas caixas para deixar 0 Palacio do Planalto quando Temer terminou sua fala, construida para apresentar um presidente pr6-reformas, anticri- se ea favor da Lava-Jato. Nem 500 dias se passaram para que dessa imagem pouco restasse. Te- mer nao conseguiu fazer com que as reformas andassem, a crise po- litica s6 se aprofundou e a Lava- Jato engoliu metade, a principal metade, do seu governo. Além disso, Temer estabeleceu, ele pro- prio, um recorde penal: acaba de ser denunciado criminalmente pela segunda vez. Antes da segunda dentincia, ja tinha cravado dois marcos. 1) Pas- sou a ser investigado criminal- mente: o ministro do Supremo Tri- bunal Federal (STF) Luis Roberto Barroso autorizou a abertura de inquérito contra ele para apurar sua participacgdo no esquema que teria beneficiado empresas do se- tor de portos, em especial a Rodi mar. 2) Foi acusado pela Policia Federal de liderar uma organiza- ¢4o crimino: PF enviou ao Su- premo um relatério em que diz ha- ver indicios de que o presidente era a figura central de um organo- grama composto de mais de uma dezena de peemedebistas dedica- dos a pratica de ilicitudes diversas, notadamente a da corrupcao. No fim da tarde da quinta-feira 14, surgiu 0 terceiro marco: Te- mer foi denunciado formalmente pela Procuradoria-Geral da Re- publica, que, com base no relaté- rio da PF, 0 acusou de organiza- ¢ao criminosa e tentativa de obs- trucao da Justiga. A dentincia da PGR diz que, apds a queda de Dil- ma Rousseff, houve uma “refor- co do niicleo politico da or ganizacao criminosa” dedicada a atica de corrupcao no governo. isso, “integrantes do PMDB da Camara, em especial o presi- dente Michel Temer, passaram a ocupar esse papel de destaque”. O grupo de Temer, diz a deniincia, valeu-se de seu poder em érgaos publicos para receber 587 milhdes de reais em propinas. Isso mesmo: mais de meio bilhdo de reais. Fa- LAVA-IATO AESCALAGA eg GEDDEL EDUARDO CUNHA, VIEIRA LIMA, EX-PRESIDENTE EXCMINISTRO DACAMARA i Umdos principais | Omaior operador aliados de Temer, do nticleo politico fol ‘peca da organizagao. fundamental’no __Indicava aliados grupo no periodo cargos em que dirigiu a estratégicos Caixa -viabilzava —_ealinhava alliberacao de interesses de dinheiro para empresas as leis corruptores. Foi em tramitagao em detido depois troca de propina. que a PF achou Recebeu Similhoesde 90 milhes de reais em um. reais soem apartamento que Ppagamentos tinha sua digital _feltos por Funaro ziam parte desse grupo — e foram denunciados por organizacao cri- minosa — os ex-ministros Henri- que Alves e Geddel Vieira Lima, os ex-deputados Eduardo Cunha e Rodrigo Rocha Loures e os mi- nistros Eliseu Padilha e Moreira Franco. Temer foi o tinico politico O que diz 0 relatorio da Policia Federal sobre cada investigado ligado a0 grupo do “PMDB da Camara’, comandado pelo presidente Temer e classificado pela PF como uma “organizagao criminosa” JOSE YUNES, Lucio CI FUNARO, DOLEIRO A Em PRESIDENCIA Operador financelo do interlocutor PMDB da Camara, de Temer com prospectava empresarios no negocios ilicitos recebimento de com empresarios dinheiro ilicito. interessados em Foi apontado obter vantagens pordelatores no Legislativo ena da Odebrecht Caixa, além de como receptor coletar e distribuir de parte dos propina entre os 10 milhdes de membros do reais que a grupo. Seu empreiteira principal parceiro repassou ao de atividade era PMDB em 2014 Eduardo Cunha denunciado também pelo crime de obstrug4o da Justiga por ter, segundo a PGR, instigado 0 em- presario Joesley Batista a com- prar o siléncio do doleiro Lucio Funaro e do ex-deputado Eduar- do Cunha, conforme revelou a gravacao feita por Joesley. ANTONIO ANDRADE, EX-MINISTRO DA AGRICULTURA Indicado por Temer ao cargo de ministro, foi responsdvel pela ‘edic&o de atos normativos que beneficiavam os negécios da JBS. Por sua atuagao emnome da empresa, recebeu 7 milhdes de reais, segundo as planilhas de Funaro SANDRO MABEL, EXASSESSOR ESPECIAL DA PRESIDENCIA SOLTO Fazia lobby em da Lava-Jatona provisérias. do doleiro Luicto Funaro como receptor de Nas planithas da Odebrecht, teria recebido | Copa de 2014 favor de empresas _ edigao de medidas Consta da planitha 2milhoes de reais. _ | 10 milhées de reais | TADEU LIPPELLI, EXASSESSOR ESPECIAL DA PRESIDENCIA Homem de confianga do presidente, foi detido em malo, | depois de ser alvo de operagao da PF que apurava desvios nos contratos de reforma do estadio Mané Garrincha, em Brasilia, para a Faziaa interlocugao entre Temer e ‘empresarios para recebimento de dinheiro ikeito. Celebrizou-se a0 ser surpreendido com uma mala com 500000 reais em propina da JBS, destinada a Temer, segundo aacusagao LUCIO VIEIRALIMA, DEPUTADO FEDERAL Inmao de Geddel, aludou a editar medidas i provisorias que | atendessem ainteresses de grandes construtoras, com mediagao de Eduardo Cunha. Recebeu 720000 reais da OAS @ 1 milhdo de reais da Odebrecht por sua atuagao, segundo dolatores HENRIQUE EDUARDO ALVES, EX- PRESIDENTE DA CAMARA Dividia com Cunha a funcao de. acomodar aliados ‘em cargos estratégicos. Ebeneficiario de uma conta em ‘Singapura com dinheiro de origem ilicita. Foi detido ‘em unho, acusado de ter desviado dinheiro publico naconstrucao da ‘Arena das Dunas MOREIRA FRANCO, MINISTRO DA SECRETARIA- GERAL Considerado “prago-direito” de | Temer, acomodava indicagoes politicas em cargos na Esplanada e 6 investigado por ter negociado 9mithoes de reais em propina ‘em nome do presidente comaQAS @ a Odebrecht ELISEU PADILHA, MINISTRO-CHEFE DACASA CIVIL Encarregado de indicagdes polticas na Esplanadae propina em nome de Temer edo PMDB, segundo delatores. Participou da articulagao para obter 10 milhoes de reais da Odebrecht para oPMDB EES avnsaro Da primeira dentincia crimi- nal, por corrupgao passiva, Te- mer se livrou gragas 4 boa vonta- de e gratidao de deputados que, por 263 votos a 227, impediram que se transformasse em réu no STF. Agora, Temer tera de rea- glutinar sua base para se livrar da segunda deniincia. Nao ha paralelo na hist6ria do Brasil de uma situacao em que um presidente tenha sido alvo de tan- tos percalcos penais no exercicio do mandato. Fernando Collor foi investigado somente depois de re- nunciar, em 1992 — e terminou absolvido pelo STF 22 anos de- pois das acusagées de peculato, falsidade ideolgica € corrupcaio passiva. Luiz Inacio Lula da Silva nao chegou nem sequer a ser in- vestigado no processo do mensa- lao. Ja Dilma Rousseff foi alvo de um impeachment decorrente de uma infragéo administrativa. A chamada “pedalada fiscal” inte- gra orol de “crimes de responsa- bilidade”, mas nao tem nenhuma relacdo com a esfera penal. Na América do Sul, ha alguns exem- plos de presidentes investigados no decorrer do mandato: Cristina Kirchner, na Argentina, por ten- tar maquiar 0 suposto papel do Ira num atentado antissemita de 1994, e Carlos Menem, também na Argentina, investigado em mais de uma ocasiao por corrup- cao passiva. Depois de deixar a Casa Rosada, Menem chegou a ser condenado a sete anos de pri- sao pela venda ilegal de armas ao Equador e a Croacia entre 1991 e 1995. Mas cumpriu pena domici- liar. Na Venezuela, o presidente Carlos Andrés Pérez, reeleito em 1989, foi investigado e acusado de desvio de recursos publicos, o que acabou motivando seu impeach- ment, em 1993. ‘A segunda denincia também se baseia, em parte, no relatério de 494 paginas da PF. Ela diz que o presidente lidera uma or- ganizacao criminosa composta de parlamentares do PMDB da Camara dos Deputados — 0 cha- mado “quadrilhao” do PMDB. Segundo a PF, Temer detinha “poder de comando” sobre 0 grupo e ha indicios de que tenha recebido, sozinho, 31,5 milhdes de reais em vantagens, sob o dis- farce de doagées eleitorais. Na terca-feira 12, ao tomar conheci- mento do teor do documento, Temer distribuiu nota 4 impren- sa em que afirmava que “facino- EES avnsaro ras roubam do pais a verdade”. Nao disse, contudo, quem seriam os malfeitores. A exemplo da primeira dentin- cia apresentada, a de agora tera de ser submetida 4 Camara dos Deputados. S6 com a aprovagao dos parlamentares é que Temer podera responder ao processo no Supremo. Poucos apostam que o resultado sera diferente desta vez. Isso porque, assim co- mo nas ruas, as vozes contrarias ao presidente no Congresso qua- se nao se tém feito ouvir. O veto a primeira denincia cristalizou a alianga de Temer com 0 centrao, soldada a base de promessa de cargos, distribuigéo de emendas e temor de retaliagao aos infiéis. “A classe politica esta assustada e sofrendo de escassez de recur- sos. O custo de pular fora do barco é alto”, afirma o cientista politico Christopher Garman, diretor-geral para as Américas da consultoria Eurasia. Ainda que resista no cargo até o fim do mandato, Temer tera pouco tem- po para dar algum sentido as promessas que fez no seu discur- so de estreia na Presidéncia. Acusado, investigado e duas ve- zes denunciado na Justiga, po- rém, o peemedebista ja garantiu seu lugar na historia. = LAVA-JATO 0 GOLPE (QUASE) PERFEITO A Policia Federal prende os irm&os Batista, acusa um procurador da Reptiblica de corrupeao e diz que a JBS faturou 100 milhdes de reais com a sua delacdo premiada RODRIGO RANGEL REVIRAVOLTA Joesley (acima) e Wesley Batista, donos da JBS, presos: lucros com delagao g @ g 2 EES avnsaro HA QUATRO MESES, a delacio dos executivos da JBS provocou 0 tremor politico de maior intensi- dade desde 0 inicio da Lava-Jato. Em segredo, os executivos da em- presa gravaram conversas com 0 presidente da Republica, filma- ram entregas de dinheiro, apre- sentaram planilhas e envolveram. mais de 1800 politicos em tran- sagoes financeiras suspeitas. Em troca, ganharam o maior dos be- neficios j4 concedidos aos envol- vidos no escandalo: a imunidade total. Mesmo tendo confessado centenas de crimes, 0 grupo, além da liberdade, manteve seu patriménio — carros, avides, lan- chas, mans6es, iméveis no exte- rior. Um acordo de leniéncia tam- bém permitiu que a empresa con- tinuasse operando, inclusive em. negocios com o préprio governo. No domingo 10, esse mundo apa- rentemente perfeito para os dela- tores comegou a ruir. Joesley Ba- tista, um dos sécios do conglome- rado, foi preso sob a acusa¢ao de ter omitido crimes em seu acordo de delagao e sob a suspeita de ter contado com a ajuda profissional, as escondidas, de um auxiliar do procurador-geral da Republica, Rodrigo Janot. Joesley e um de seus subalter- nos, Ricardo Saud, também pre- so provisoriamente, prestaram depoimento, deram sua versio para uma conversa em que gra- varam a si mesmos e ficariam de- tidos por cinco dias até que os in- vestigadores checassem as infor- magoes para avaliar se 0 acordo de delagdo havia sido comprome- tido. Apesar da gravidade das suspeitas, nao era ainda o pior. Os executivos justificaram que a gravacao, aparentemente feita por descuido, se resumia a uma “conversa de bébados”. As cita- Ges comprometedoras a respeito de algumas autoridades, segundo eles, ndo passavam de bravatas. Os irmaos também negaram que Marcello Miller, o auxiliar do procurador-geral, tivesse presta- do assessoria informal ao grupo. Na quarta-feira 13, 0 caso sofreu uma nova reviravolta. Uma investigacao da Policia Fe- deral demonstrou que os donos da JBS continuaram praticando cri- mes mesmo durante a negociacao do acordo de delagdo com o Mi- nistério Publico. Os policiais des- cobriram que, valendo-se do pre- visivel abalo sismico que os depoi- mentos provocariam no mercado SE hava-sato FORA DA AGENDA Janot ¢ 0 “encontro fortuito” com o advogado da JBS num bar de Brasilia: a mesa, antes escondida entre caixas de cerveja, desapareceu financeiro, Joesley e Wesley fize- ram bilionarias transagGes que en- volveram contratos futuros de d6- lar e manipularam operagées de compra e venda de agdes das em- presas do grupo. Peritos que tra- balharam no caso estimam que, as vésperas de a delacao vir a puibli- co, eles faturaram mais de 100 mi- ThGes de reais no mercado finan- ceiro. A revelacao, por si s6, ja se- ria suficiente para cancelar todos os beneficios concedidos aos em- presdrios, mas descobriu-se mais. Durante a investigacdo, a PF te- ve acesso aos arquivos do celular de Wesley Batista e acabou, quase que por acidente, colhendo fartas evidéncias sobre a parceria entre a ctipula da JBS e o ex-procurador Marcello Miller, que fora brago- direito de Rodrigo Janot na Lava- Jato. Os agentes descobriram que, antes de se desligar formalmente do Ministério Pablico, Miller ja participava de um grupo de Whats- App com os irmaos Batista e ou- tros executivos da JBS em que eram discutidas, passo a passo, as estratégias da delacdo. Revelado pelo site de VEJA, o contetido das mensagens agravou ainda mais a situacao de Miller e, de quebra, foi usado pela Policia Federal, em eterna guerra com 0 Ministério Publico, para engrossar as suspei- tas sobre a conduta de Janot € seus auxiliares mais proximos. EES avnsaro Para os delegados do caso, as mensagens indicam que o gabi- nete do procurador-geral tinha conhecimento de que Miller pu- lara para o outro lado do balea’o e vinha atuando, “de forma indi- reta”, nas negociacdes sobre o acordo de delagao. A Procurado- ria negou. Nos bastidores, acu- sou a Policia Federal de se apro- veitar do caso para enfraquecer o MP na sua disputa por poder. “Ndo quero crer que as conclu- sdes desse relatério tenham a ver com as pretensées relativas a competéncia da PF para celebrar acordo de colaboragao”, quei- xou-se Janot a VEJA. Ha outras mensagens capazes de sustentar as mais variadas teo- rias da conspiragao, Os donos da JBS discutem, por exemplo, os termos de uma proposta agressi- va para que Miller os ajudasse a “atravessar a tempestade” e tro- cam impressées, a certa altura, sobre o impacto que as revela- ¢Ges dos dois teria sobre o gover- no do presidente Temer. “Nao sei, nao, estou com a impressio de que a velocidade est ligada a nao dar tempo de deixar a turma que esta ai conquistar avancos, tanto do lado do julgamento 1a, que comegou anteontem, como do lado de reformas, essas coi- sas”, comentou Wesley com 0 ir- mao. A PF viu nesse didlogo uma demonstra¢a4o cabal de que os dois tinham a nogao exata do po- der de fogo daquilo que conta- riam na delagao. “Esse trecho mostra como Wesley entendia que as informagées encaminha- das Procuradoria teriam capa- cidade de ‘derrubar’ o presiden- te”, escreveram os investigadores — 0 que, convenhamos, nao che- ga a ser uma conclusao inalcan- cavel por mentes mundanas. As mensagens deram origem a nova apuracao, em que os irmaos Ba- tista e o ex-procurador serao in- vestigados por corrup¢ao. Mesmo com a decisao de rea- valiar o prémio da delacdo da IBS, a suspeita sobre uma parce- ria ilegal entre a Procuradoria- Geral da Republica e a JBS pés Janot sob critica cerrada as vés- peras de deixar o cargo. Teriam os donos ¢ executivos da JBS ob- tido os beneficios generosos por causa de sua ligacao estreita com Miller, até hd pouco braco-direito do procurador-geral? Janot sabia desse vinculo? Foi Miller quem orientou Joesley Batista a gravar 5l6 EES avnsaro clandestinamente o presidente ‘Temer? Para turvar ainda mais 0 cenario jd repleto de teorias, no sabado 9, um dia depois de pedir a prisdo dos executivos, Janot foi fotografado em um bar em Brasi- lia conversando com Pierpaolo Bottini, advogado da JBS. Os dois disseram que 0 encontro foi for- tuito e que trataram apenas de amenidades, mas a explicagéo nao parou em pé. Na verdade, 0 proprio procurador, frequentador assiduo do estabelecimento, pe- diu aos funcionarios que colocas- sem uma mesa num canto escon- dido, entre engradados de cerve- ja, de modo que pudesse ter com. o advogado da JBS uma conversa. sem testemunhas — 0 que s6 faz desconfiar que a tal conversa foi além das amenidades. = Com reportagem de Hugo Marques Eas Lava-sato EMBATE Laurita Vaz e Noronha: ela fez a coisa certa AMENSAGEM E 0 MENSAGEIRO Na edic&o passada, VEJA revelou o contetido de arquivos entregues ao Ministério Publico com evidéncias de que a JBS ocultara em sua delagao sucessivas tentativas de comprar sentencas em tribunais superiores. A reportagem desencadeou diversos pedidos de investigagao. A OAB clas- sificou as suspeitas como “graves e preocupantes” e pediu as autorida- des competentes cdleridade na apuracéo. 0 ministro da Justica, Torquato Jardim, determinou que a Policia Federal abrisse inquérito, As evidéncias, uma colegio de mensagens e gravagbes de uma advogada da JBS des- crevendo investidas suspeitas sobre trés ministros do Superior Tribunal de Justica (ST), foram enviadas a Procuradoria-Geral da Republica. O caso deflagrou uma crise intema no tribunal. Em nota oficial, a minis- tra Laurita Vaz, presidente da corte, cobrourépida investigagao sobre os “fatos graves” que, em suas palavras, “atingem a dignidade e a honradez do tribunal e de seus membros’. “A sociedade ndo pode conviver com qualquer tipo de duvida sobre a honra ea isenctio de membros do Supe- rior Tribunal de Justica, cuja respeitabilidade ¢ premissa inarredavel para Eas Lava-sato EMBATE Laurita Vaz e Noronha: ela fez a coisa certa AMENSAGEM E 0 MENSAGEIRO ‘opleno exercicio da jurisdic”, diz o texto. Os ministros cujo nome apare- cia nas mensagens da JBS nao gostaram do tom da manifestac&o oficial. Queriam uma defesa corporativa, jogando tudo para debaixo do tapete, mas nao foi o que aconteceu. O grupo de WhatsApp que retine os integrantes da corte ardeuem criti cas 4 presidente, Citado nas tramoias dos advogados da JBS, o ministro Joao Otavio Noronha foi um dos mais veemente: rita, se vocé nao tem coragem e estrutura emocional para defender os membros da casa, que aliés te élegeram presidente, no os exponha como acaba de fazer’. Ele prosseguiu, dirigindo-se a colega: “Continue a lavar as maos para os problemas institucionais, mas ndo ofenda mais aqueles que ja vém sendo injustamente atacados”. Napoleao Nunes Mala, também citado nas men- sagens suspeitas, alinhou-se ao protesto: “Excelente a sua repulsa. Con- cordo tim-tim por tim-tim, tudo por tudo. Lamentavel. Entristecedor. Preo- cupante”. Diante da posicao firme da presidente, Noronha subiu ainda mais o tom na sesso do Conselho Nacional de Justica, no dia seguinte. Desta vez, porém, o alvo do ministro era VEJA e seus jornalistas. No en- tender de Noronha, a revista nao deveria ter publicado a reportagem. Pouco falou dos advogados que envolveram a ele mesmo e sua filha no enredo que mistura tréfico de influéncia, dinheiro e corrupcéo. Mas, para ‘quem é contra investigar suspeitas, até que faz sentido, LAVA-JATO LULA RECEBIA PACOTES DE 40, 50 000... Em sua proposta de delacdo a que VEJA teve acesso, o ex-ministro Palocci diz que entregava dinheiro regularmente ao ex-presidente e afirma: “Vio Lula dominado pelo poder” ROBSON BONIN wm Empresas pagaram propina em troca de influéncia no governo = 0 suborno que impediu que o petrolao fosse descoberto anos antes mw Aempresa que foi criada para financiar as campanhas do PT m Atrama para tentar barrar as investigacdes da Lava-Jato SEGREDOS Oex-ministro Antonio Palocci Pee ee Relea B-lp 22 Coscd Cees fee) Ee Lava-sato ANTONIO PALOCCI pode ser acusado de muita coisa, menos de nao conhecer os segredos do PT e de seus dirigentes. Fundador do partido, ex-prefeito de Ribeirdo Preto, ex-ministro da Fazenda do governo Lula e ex-ministro-chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, Palocci esteve no centro das mais importantes decisées do PT nas ultimas duas décadas. Por isso, sua delacao é considerada letal para 0 partido e seus principais li- deres. Em depoimento ao juiz Ser- DESVIO Paulo Okamoto, presidente do Instituto Lula: verbas do 6rgao bancavam despesas pessoais do ex-presidente gio Moro, 0 ex-ministro ja contou que houve “um pacto de sangue” entre Lula e a Odebrecht. Pouco antes de deixar o governo, em 2010, 0 entao presidente acertou com o empresario Emilio Ode- brecht uma espécie de pacote de aposentadoria, segundo o qual te- ria a sua disposigao um fundo de 300 milhdes de reais, receberia uma remuneragao regular disfar- cada de palestras e ainda ganha- ria agrados pontuais, como a re- forma de seu sitio em Atibaia. A revelacgao, partindo de quem par- tiu, foi comparada a um tiro no coragdo do ex-presidente — razio pela qual Lula se empenhou, em seu depoimento ao juiz Moro na quarta 13, em desqualificar Pa- locci (veja o quadro @) Mas ha outras historias mais graves e comprometedoras para Lula, Dilma, 0 PT, aliados, magis- trados e grandes empresérios. Preso ha quase um ano, Palocci viu seu poder e prestigio evapo- rar-se. Condenado a doze anos de cadeia pelos crimes de corrup¢ao passiva e lavagem de dinheiro, ce- deu aos apelos da familia e decidiu colaborar com a Justiga. VEJA. acompanhou os desdobramentos, das negociagées do ex-ministro Ee Lava-sato com a Laya-Jato e teve acesso a parte do contetido do que ele pre- tende delatar. As historias de frau- des, subornos e enriquecimento ilicito que ele se prop6e a entregar as autoridades, muitas das quais documentadas, ja constituem um calhamago de mais de quarenta anexos com centenas de paginas destinadas, sobretudo, a devassar os subterraneos dos governos Lu- lae Dilma. Naturalmente, as reve- lagdes nao constituem prova em si e, no decorrer da investigagio, te- rao de ser comprovadas. Os trechos mais surpreendentes da delacao do ex-ministro dizem NAJUSTIGA Navarro e Asfor Rocha: acusagéo de suborno respeito ao seu relacionamento fi- nanceiro com 0 ex-presidente. Pa- Jocci garante que Lula nao apenas sabia dos esquemas ilegais como construiu um belo patriménio pessoal com a corrupcao. O ex- presidente, declara ele, orientava pessoalmente como o dinheiro desviado da Petrobras deveria ser usado para bancar o projeto do PT — e também reservava um quinhao para si. Oex-ministro conta que, devido Arelagao de confianca que sempre teve com Lula, era encarregado de executar tarefas mais delicadas. Uma delas era levar dinheiro ao presidente. Palocci afirma que, em. 2010, quando ja coordenava a campanha de Dilma, encontrou-se varias vezes com Lula para entre- gar “pequenas quantias” pedidas pelo presidente. Eram magos de 30000, 40000, 50 000 reais, le- vados a lugares previamente com- binados. Palocci disse aos investi- gadores que Lula usava o dinheiro para custear despesas particula- res. O ex-ministro narra pelo me- nos cinco ocasides em que passou Ee Lava-sato e : & 3 GAZUA A sede do Instituto Lula, em Sao Paulo: tAo pequenas”, de acordo como ex- doacbes em dinheiro vivo para evitar registro no sistema bancério os pacotes a Lula. Havia também entregas de quantias maiores. Quando os pedidos de dinheiro do ex-presidente envolviam cifras mais elevadas, Palocci conta que acionava seu “faz-tudo”, o socidlo- go Branislav Kontic, que deixava a encomenda na sede do Instituto Lula, em Sao Paulo. Tanto as “pe- quenas quantias” quanto as “nao ministro, saiam da conta “Amigo” — fundo que a Odebrecht criou pa- ra custear as despesas pessoais de Lula e que movimentou 40 mi- Indes de reais de propinas. Eram miltiplos os esquemas que alimentavam o ex-presidente. Palocci diz que Lula desviava di- nheiro até do seu instituto. Existia na entidade, segundo 0 ex-minis- tro, uma contabilidade paralela que era administrada por Paulo Okamotto, braco-direito de Lula e EES avesaro q 4 as ql PROJETO DE PODER Plataforma da Sete Brasil: ‘empresa para financiar o PT presidente da institui¢do. Oficial- mente, a organizacao recebia doa- cdes milionarias para atuar na “promogao da inclusio social alia- da ao desenvolvimento econdémi- co”, mas desviava recursos para bancar despesas do ex-presidente. Para dificultar investigagées, Okamotto pedia doagdes em di- nheiro vivo, sem passar pelos ban- cos. Palocci informa ainda que Clara Ant, uma das diretoras do instituto, tem todos os registros dessas operacées guardados em. Ee Lava-sato um HD, que armazena também documentos que podem compro- var aacusacao. Palocci descreve pelo menos du- as ocasides em que Lula atuou dire- tamente para atrapalhar as investi- gagdes da Lava-Jato. Conta que, em. marco de 2016, foi chamado ao Instituto Lula para uma reuniao. O ex-presidente, que acabara de ser conduzido coercitivamente para depor sobre seu envolvimento no. escandalo, estava preocupado com uma informacao que recebera se- gundo a qual seria preso. De acor- do com Palocci, Lula disse que a entao presidente Dilma havia dado. a ideia de nomear Lula ministro para livra-lo das mos do juiz Ser- gio Moro. Lula queria aconselhar- se com Palocci. “Eu tenho a infor- macdo de que vou ser preso. Estou. pensando em aceitar (0 convite de Dilma). O que vocé acha?”, disse Lula ao ex-ministro. “Acho muito ruim. Acho que o melhor é ser pre- so e lutar”, respondeu Palocci, se- gundo ele proprio. Lula, como se sabe, foi nomeado ministro, mas acabou impedido de assumir 0 car- go por decisao judicial. Outro episddio citado por Paloc- ci éa operacio que levou a nomea- ¢ao de Marcelo Navarro Dantas como ministro do Superior Tribu- nal de Justica (STJ). Como ja reve- lado por outros delatores, Navarro teria ganho a vaga no STJ depois de se comprometer a libertar o em- preiteiro Marcelo Odebrecht, de modo a evitar a sua delacao. O ex- ministro diz que o proprio Lula Ihe confirmou esse acerto clandestino. Palocci narra episddios que mostram que a ex-presidente Dil- ma também participava das joga- das coordenadas por Lula. Cita uma reuniao, em 2010, no Palacio da Alvorada, a qual estiveram pre- sentes Lula, Dilma, 0 entao presi- dente da Petrobras, Sergio Ga- brielli, e ele proprio, Palocci. Em pauta, a criacdo da Sete Brasil, empresa que, no discurso oficial, deveria fabricar sondas de perfu- racao para a exploracao de petré- leo no pré-sal. A Sete Brasil movi- mentaria valores bilionarios. Se- gundo Palocci, Lula deixou claro no encontro que parte dos recur- sos precisaria ser usada para cus- tear o PT e financiar a campanha de Dilma, perpetuando o partido no poder. O ex-ministro afirma que ficou preocupado com os pla- nos do ex-presidente: “Essa vez me assustou. Eu vio Lula domina- do pelo poder”. Ee Lava-sato Em seus anexos, Palocci tam- bém conta como Lula e Dilma acompanharam a derrubada da Operacao Castelo de Areia, que descobriu, em 2009, a mesma re- lac&o esptiria entre empreiteiras e politicos que viria a ser desvenda- da pela Lava-Jato. De inicio, uma liminar do entao presidente do STJ, Cesar Asfor Rocha, suspen- deu a operacao. Posteriormente, uma decisao colegiada confirmou. o arquivamento. Segundo Palocci, Asfor Rocha recebeu 5 milhées de reais em propina da construtora Camargo Corréa para conceder a liminar. O dinheiro foi depositado em uma conta no exterior. O ex- ministro afirma que 0 acerto com o entao presidente do STJ foi feito pelo advogado Marcio Thomaz Bastos, morto em 2014. Rocha aposentou-se em setembro de 2012 e refuta a acusacao. Em seus anexos, Palocci conta que 0 PT foi regiamente pago pela anulacao da Castelo de Areia: recebeu 50 mi- IhGes de reais da Camargo Corréa. O dinheiro foi pulverizado nas campanhas de candidatos do par- tido, em 2010. Uma das campa- nhas beneficiadas, segundo ele, foi a da atual presidente do PT, a se- nadora Gleisi Hoffmann. Em outra parte explosiva do acordo, guardada a sete chaves pe- Jos procuradores, Palocci decodifi- ca. os negécios sujos da famosa lista de clientes de sua consultoria, a Projeto, aberta em 2006, logo de- pois de sua saida do Ministério da Fazenda. Em quase uma década de atividade, a Projeto foi contratada por algumas das maiores empresas brasileiras, bancos e multinacio- nais em troca do acesso exclusivo que seu dono garantia aos mais im- portantes gabinetes de Brasilia. Na delacao, Palocci fornece as notas fiscais e as copias de contrato e narra as histérias de corrup¢ao que envolvem pelo menos dez grandes clientes de sua consultoria. Entre 2006 e 2015, a Projeto teve 47 grandes clientes e faturou oficial- mente 107,6 milhdes de reais. Parte do dinheiro foi paga por servigos licitos, e Palocci comprova isso apresentando os relatorios de ativi- dades que desempenhou. Ja no ca- so da outra parcela dos clientes, que pagou propina em troca de in- fluéncia, nao ha comprovagio de servico. Palocci promete revelar a identidade desses clientes quando fechar 0 acordo. = Com reportagem de Hugo Marques Ee Lava-sato ENCURRALADO Lula: tentativa de desqualificar seu ex-brago-direito MENTIROSO E SIMULADOR Para o ex-presidente Lula, Antonio Palocci sempre foi “uma das maiores inteligéncias politicas do pais” e “mais que um irmao”. Em 2002, coube ao ex-ministro convencer o empresariado de que 0 candidato petista, se eleito, nao enveredaria por caminhos econdmicos heterodoxos. Lula se elegeu. No governo, Palocci representava a garantia de que a promessa de campanha seria cumprida ~ foi. Em 2010, coma desconfianca gene- ralizada sobre Dilma Rousseff, Palocci foi novamente convocado para o papel de Ancora. Dilma foi eleita. No governo, ele assumiua Casa Civil. Era ‘oelo com Lula, a garantia de que nada mudaria substancialmente, o en carregado, entre outras tarefas, de pavimentar o caminho da volta do ex- -presidente ao Palacio do Planalto em 2014. Essa etapa nao saiu como planejado. Suspeito de trafico de influéncia, Palocci caiu em desgraca lo- g0 no primeiro ano de governo, Dilma nao abriu mo de disputara reelet- cdo eo resto ja se sabe. Ee Lava-sato ENCURRALADO Lula: tentativa de desqualificar seu ex-brago-direito MENTIROSO E SIMULADOR Esse infiuente e poderoso assessor foi reduzido na quarta-feira 13 4 condigao de mentiroso, frio e calculista, capaz de inventar historias “cine- matogrdficas” para se safar da cadeia e que “talvez queira um pouco de dinheiro”, segundo disse Lula em seu depoimento ao juiz Sergio Moro. O ‘expresidente é acusado de receber propina da empreiteira Odebrecht. Ouvido no processo, Palocci contou que Lula fizera um “pacto de sangue” com os donos da empreiteira pouco antes de deixar o governo. Em troca de ajudar os negécios da Odebrecht, recebeu dinheiro, um terreno para construir seu instituto e outros agrados de menor valor. ‘Sobre a acusacao, Lula nada esclareceu. Disse que nunca conversou com Palocci sobre o assunto, negou que tivesse recebido dinheiro da em- presa @ empenhou-se em desqualificar o ex-ministro. “Palocci, se néo fosse um ser humano, seria um simulador. Ele 6 to esperto que é capaz de simular uma mentira mais verdadeira que a verdade’, disse 0 ex-presi- dente. A verve de Lula sugere que ele sabe quanto é letal o que seu agora “ex-irmao” ainda tem arevelar. Hugo Marques Eas Lava-saTo Para a PF, o apartamento que abrigava 51 milhdes de reais era um entreposto para guardar e distribuir propina destinada a aliados do partido ULLISSES CAMPBELL, de Salvador CAIXA GORDO 0s 51 milhdes, ja ensacados e contabilizados: o dinheiro comegou a chegar ao apartamento ha um ano Ee Lava-sato A DINHEIRAMA continua, ofi- cialmente, sem dono. Desde o til- timo dia 6, os 51 milhées de reais encontrados em um apartamento: no bairro da Graga, em Salvador, usado pelo ex-ministro Geddel Vieira Lima, esto depositados em juizo sem que ninguém tenha reclamado sua posse. O produto da maior apreensao jé feita pela Policia Federal, no entanto, néo tem um tnico proprietario, suspei- tam os investigadores, mas per- tence a mesma quadrilha. Os indi- cios coletados até agora apontam para a hip6tese de que o aparta- mento funcionava nos moldes de um banco clandestino que servia aos interesses do PMDB — um bunker de armazenamento e dis- tribuicgdo de dinheiro arrecadado em forma de propina e caixa dois por operadores a mando de caci- ques do partido. Sao dois os elementos-chave que sustentam a linha de investi- gacao. O primeiro é a confissao do advogado Gustavo Ferraz, ti- do como brago-direito de Geddel € preso no mesmo dia que seu che- fe. Ferraz foi filmado por cameras do circuito de seguranca do edifi- cio da Graca entrando e saindo do. imével pelo menos doze vezes com malas, mochilas e caixas. Fa- zia pelo menos seis meses que o advogado vinha sendo monitora- do pela policia por uma suspeita sem nenhuma relagdo com a for- tuna encontrada no apartamento em Salvador — havia sido citado em 2016 num anexo sigiloso da delagdo de um ex-diretor da Pe- trobras, Nestor Cerver6, como in- termediario do ex-ministro para recebimento de propina. Na sema- na passada, em seu primeiro de- poimento apés a prisdo, Ferraz ad- mitiu ter sido encarregado por Ged- del de coletar, periodicamente, em Sao Paulo, quantias em dinheiro vivo que lhe eram entregues por um assessor de Eduardo Cunha, o ex-presidente da Camara, preso desde 0 ano passado. O segundo elemento a susten- tar a hipotese de que o aparta- mento abrigava um alto fluxo de entrada e saida de recursos ilicitos administrados por integrantes do PMDB é 0 depoimento do opera- dor Lucio Funaro. Em agosto, ele declarou a Policia Federal ter en- tregue “malas e sacolas” com di- nheiro vivo ao ex-ministro Geddel entre 2014 e 2015. S6 nesse perio- do, o montante totalizou 11 mi- Ihdes de reais, afirmou. A policia LAVA-JATO ee - “BANQUEIROS” DO GRIME Fernando Baiano e Nelma Kodama: confiss6es sobre a geréncia de “bancos” de propina Ee Lava-sato acredita que 0 valor esteja incorpo- rado a dinheirama do imével da Graca. Funaro esta preso desde ju- Tho do ano passado e acaba de ter homologado na Justiga seu acordo de delagao feito com a Procurado- ria-Geral da Reptblica. Ele atuava como 0 operador financeiro do chamado “PMDB da Camara”, in- termediando o pagamento de pro- pina de grandes empresas ao grupo politico ao qual pertenciam, entre outros, Eduardo Cunha ¢ 0 presi- dente Michel Temer. Funaro tinha papel fundamental no esquema porque fazia o trabalho de trans- porte ¢ lavagem de dinheiro para empresas que nao tinham um de- partamento estruturado de propi- nas, como era o caso da Odebrecht. Quando “estourou” o aparta- mento da Graga, a PF ja dispunha de imagens de Ferraz entrando e saindo com malas ecaixas — esus- peitava que elas pudessem conter dinheiro. Mas nao imaginava a magnitude do que iria encontrar. Tanto assim que se dirigiu ao apar- tamento, no dia da operacdo, em. um grupo de apenas quatro agen- tes. Quando eles depararam com as malas transbordantes de notas, viram que nao conseguiriam conta- Jas a mao. Ligaram para a delegacia pedindo uma maquina de conta- gem de cédulas. Ainda assim, cal- cularam que levariam pelo menos cinco dias para chegar a um valor. Depois de uma hora de conferéncia, a PFresolveu contratar uma empre- sa especializada, que escalou oito funciondrias e seis maquinas de conferir dinheiro. A PF analisa cerca de 1000 ho- ras de gravacées das cameras de seguranca do edificio para tentar identificar outros individuos que tenham entrado e saido com ma- Jas do apartamento — uma movi- mentacao que comecou ha pelo menos um ano, segundo as inves- tigagdes. Além de Geddel e Fer- raz, mais seis pessoas, das quais a policia nao revela o nome, foram filmadas. Os policiais ja sabem também que, por mais de uma vez, lotes de caixas chegaram ao apartamento da Gra¢a por meio de empresas transportadoras. Agora, a policia pretende con- vocar para novos depoimentos a doleira Nelma Kodama e 0 lobis- ta Fernando Baiano. Hoje delato- res, os dois também eram admi- nistradores de “bancos infor- mais”. Quando Nelma foi presa no Aeroporto de Guarulhos, em. 2014, tentando embarcar para a Ee Lava-sato Europa com 200 000 euros na calcinha, confessou a PF que mantinha um banco clandestino em um dos cémodos do seu apartamento em Sao Paulo. Nos momentos de pico, sua “institui- financeira” chegou a ter 22 milhées de reais em espécie — dinheiro vindo de comerciantes estrangeiros em situa¢ao irregu- Jar e que nao podiam abrir conta bancaria no Brasil, e de politicos que a usavam como ponte para enviar dinheiro sujo ao exterior. Nelma contou que ganhava di- nheiro cobrando um porcentual pelos depésitos, que variava conforme o valor e 0 risco embu- tido na operagao. Dinamica parecida era pratica- da por Fernando Baiano, 0 ope- rador do esquema de propina dos senadores peemedebistas na Pe- trobras. Baiano confessou ter operado, no auge do esquema do petrolao, mais de 50 milhdes de reais em propina guardados em um bunker particular. Declarou que, em uma tinica operagao pa- ra Eduardo Cunha, retirou do seu “banco” 4 milhdes de reais, entregues ao ex-deputado em di- nheiro vivo. O banco do PMDB, suspeitam os investigadores, é mais rudi- mentar: ainda que nem Ferraz nem 0 ex-ministro Geddel te- nham dado mostras de suspeitar que estavam proximo de ser des- cobertos, ndo deixaram no apar- tamento nenhum vestigio de tran- sacdo financeira, como um livro contabil detalhando entradas e saidas. Mas as pecas que faltam para tragar o caminho percorrido pelo dinheiro antes de chegar ao edificio podem estar perto de se encaixar. O advogado Ferraz ja deu sinais de que sua boca esta Jonge de ser um cofre-forte. = Ee Lava-sato NAPAPUDA, CHOROERECLAMACOES ‘Ao entrar na ala principal do presidio da Papuda, na sexta 8, algemadoe ‘acompanhado de agentes penitenciarios, o ex-ministro Geddel Vieira Lit ma (PMDB-BA) ndo conseguiu segurar as ldgrimas. Ele j4 permanecera ld uma curta temporada em julho, quando foi preso por dez dias, acu- sado de obstruir a Justia. Desde entdo, estava em prisdo domiciliar, mas a descoberta da dinheirama no apartamento da Graga levou-o de volta ao regime fechado. Ao atravessar o corredor central do presidio, foi vaiado pelos detentos. Passou por eles de cabega baixa e entrouno Bloco 5, onde esto os presos com curso superior. 0 ex-ministro foi posto na mesma cela em que havia ficado da primeira vez, a de numero 1 da Ala A. Com 12 metros quadrados, ela abriga agora nove presos, que dormem em camas de trés andares e tomam banho frio. Jéno primeiro dia de prisdo, Geddel parou de chorar, mas ndo salu da cama. Recusou o banho de sol e a marmita com arroz, feijao, saladae carne. No fim da tarde, aceitou o lanche, composto de café com pao. ‘Sono segundo dia é que 0 ex-ministro recebeu a visita de tras de seus advogados. No parlatorio, voltou a chorar, Na segunda-feira 11, quei~ xou-se de estar com febre. Um agente penitencidrio foi até sua cela eo levou, algemado, para a enfermaria, onde foi atestado que a pressdo dele estava alta (19 por 10). Ao médico, Geddel reclamou de dores nas costas, disse que o beli- che reservado para ele tinha 0 colchéo muito fino e que precisava fa- zer uma consulta com seu médico particular. Aos advogados, pedi que tentassem uma peticdo para que ficasse em um hospital, como havia conseguido 0 ex-médico Roger Abdelmassih, em Sao Paulo. Mas seus defensores nao acharam adequado entrar com esse recurso. No terceiro dia em cana, Geddel jé parecia mais resignado. Tomou banho de sol e parou de recusar a comida. 0 ex-ministro foi preso por deter- minagao do juiz Vallisney de Souza Oliveira em carater preventivo, o que significa que nao hd prazo determinado para sua libertago. ry DORA KRAMER CASTELOS DE AREIA (MOVEDIGA) As torcidas festejam agruras do inimigo — e logo sao contrariadas 3 UM DOS POUCOS consensos existentes no Brasil é 0 de que o pais nao serd mais o mesmo a par- tir das eleigdes de 2018. Nao ha co- mo discordar, embora seja neces- sario registrar, a titulo de adendo, que o Brasil j4 nao é mais o mesmo desde a condenagao e prisio da primeira leva de poderosos da Re- publica, hé pouco menos de cinco anos, no processo que puxou 0 pri- meiro fio da meada de ilicitos que assolam instituigdes, empresas, go- vernos ¢ partidos no pais. Tal espetaculo de horrores arrai- gados na vida nacional, ao qual o Ministério Piblico e o Supremo ‘Tribunal Federal comecaram a im- por rigorosos limites no caso do mensalao, assusta menos pelos fa- tos revelados e mais pelo rompi- mento da rotina de impunidades. Nesse desarvoro, brotam as rea- Ges e/ou interpretagdes mais esta- paftirdias. De parte a parte, igual- mente desmentidas pelo andar da carruagem investigativa. As torcidas, pobres desavisadas, lutam bravamente por suas ver- sGes que nao resistem ao vigor dos fatos. Quanto mais festejam as desventuras dos inimigos (sim, na atual conjuntura nao ha mais ad- versarios), mais sao contrariadas pelo momento seguinte em que a situacdo se inverte. Dias atras era voz corrente entre alguns autores que a investida dos investigadores sobre o governo de Michel Temer teria resultado na redengao e, por consequéncia, res- surreigdo politica de Lula da Silva. De acordo com esses relatos, 0 ex- presidente teria se tornado um competidor de peso na proxima eleicao presidencial. Hoje, depois de tornar-se réuem seis ages penais, ser denunciado em outras trés e alvo de um depoi- mento arrasador de Antonio Pa- locci, niio ha bom-senso que consi- ga enxergar Lula como objeto do alegado beneficio eleitoral. Nem ele, esperto que , acha que tera chance de concorrer e muito me- nos de ganhar. Reza uma lenda que 0 ideal seria deixar Lula disputar e perder para ser politicamente enterrado pelo voto popular. O raciocinio aparen- temente faz sentido, a nao ser pelo fato de que isso implica a defesa da tese de que todas as ages e proces- sos contra ele devam ser deixados de lado, a Justiga ignorada, para que 0 veredicto seja dado na elei- ais © cao. Argumento flagrantemente contrario a lei, cujo respeito é um. dos pressupostos democraticos, junto com eleigées livres. A mesma sindrome do autoenga- no afeta os partidarios de Temer e/ou adversarios dos métodos da Lava- Jato. Supostas bandidagens de pro- curadores e a comprovada vulgari- dade criminosa de Joesley Batista resultariam necessariamente em prova de inocéncia do atual presi- dente, razao pela qual petistas acre- ditam ter sido uma injustiga o im- peachment de Dilma Rousseff. E deixa-la prosseguir no caminho da loucura seria bom para o pais? Nem uma nem outra. Nada disso. Ambas as opcées sao péssimas. O melhor mesmo é que a sociedade derrube castelos de areia e que os acusados que nado conseguem res- ponder as acusagGes afundem-se to- dos na areia movedica dos respec! ‘vos atos criminais e condutasilicitas. Vamos combinar? Esto os dois hoje, Lula e Temer, como chefes de quadrilha. m als MIANMAR, UM SILENCIO IMORAL Aung San Suu Kyi, Nobel da Paz de 1991 e lider da maior forga politica de Mianmar, € criticada internacionalmente por silenciar a respeito do massacre de uma minoria étnica de seu pais JOHANNA NUBLAT éxopo Integrantes da minoria muguimana rohingya chegam a Bangladesh em barcos improvisados, no domingo 10. Mais de 370000 jé fugiram eee MiANMAR 0 intervalo de apenas cinco anos, a vencedo- ra do Prémio Nobel da Paz de 1991, Aung San Suu Kyi, de Mianmar (antiga Birmania), pas- sou de festejado icone da democracia a alvo de condena- cao internacional. Em junho de 2012, apos duas décadas de pri- sao, quando enfim estava livre pa- ra viajar, Aung foi a Noruega para discursar no Nobel e de 1a seguiu para Dublin, a capital da Irlanda, no jato particular do cantor Bono, do U2. No palco, em um show da banda pop, foi homenageada por seus esforgos em proteger os direi- tos humanos e por sua resisténcia pacifica contra a junta militar que controlou Mianmar por quase cin- co décadas. Bono a considerava “o Nelson Mandela dos nossos tem- pos” e“um simbolo do que ha de melhor na nossa humanidade”. ‘Nas tiltimas semanas, contudo, Aung passou a ser criticada pu- blicamente por outros ganhado- res do Nobel. Na internet, prolife- ram os pedidos para que ela per- caa condecoracao. Seu pecado: calar-se diante da matanga de muculmanos em seu pais. Pouco conhecidos ao redor do mundo, os rohingyas sao uma minoria ét- nica do sul da Asia. Em Mianmar, sio 1 milhao de pessoas, um tergo da populacdo do pobre Estado de Rakhine, na fronteira com Ban- gladesh. Eles vivem na regio desde o século XV, quando mi- graram para formar o ja extinto reino islimico de Arakan. Os rohingyas de Mianmar sao aj tridas, pois o governo do pais, cuja populagao é 88% budista, nao lhes concede cidadania. Desde 2011, com a relativa abertura politica, alguns rohin- gyas foram cooptados por radi- cais muculmanos. Em 25 de agosto, um grupo conhecido co- mo Exército da Salvagéo Arakan Rohingya atacou postos da poli- cia e uma base militar. Desde en- tao, houve uma retaliacado do go- verno. Ainda que 0 budismo no Ocidente ostente valores nobres, no Sudeste Asiatico ele esté mais ligado a observancia dos rituais e a preservacdo da ordem. Aos olhos dos birmaneses budistas, 0 Estado de Rakhine é um portio que, se nao estiver bem protegi- do, pode permitir uma invasio que implantaria o dominio mu- culmano em todos os paises da regiao. Assim, a reacdo ao ataque 215 eee MiANMAR de 25 de agosto foi desmedida e dirigida contra toda a populagao. “Os militares usaram a tatica da terra arrasada e queimaram um. vilarejo atras do outro, matando civis. Até agora, ja registramos cinco massacres”, diz Chris Lewa, diretora do Projeto Arakan, ONG com sede na Taildndia que moni- tora a situagdo em Rakhine desde 2000. Vilas foram queimadas. Mulheres e criangas foram estu- pradas. Homens foram degolados. Nas tltimas duas semanas, mais de 370 000 rohingyas cruzaram a fronteira com Bangladesh. A atro- cidade foi definida como “limpeza étnica” pelo alto-comissario das Nagées Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein. Para desapontamento geral, Aung deu raras e infelizes declara- ges sobre os rohingyas, todas an- tes da escalada do conflito étnico. Em entrevista ao canal inglés BBC em abril deste ano, a vencedora do Nobel da Paz disse que chamar o conflito de limpeza étnica era “uma expressao forte demais”, Em. 2013, disse que o problema em Rakhine se devia ao “medo de am- ‘bos os lados”, tanto dos muculma- nos quanto dos budistas naciona- listas. Agora, em meio as criticas, ela cancelou sua ida 4 Assembleia- Geral da ONU em Nova York, que comega nesta ter¢a-feira, dia 19. Uma possivel explicacdo para o siléncio de Aung é que ela nao tem todo o poder que se imagina. Ape- sar de terem permitido eleigdes ge- rais, os militares ainda influenciam a politica e a economia do pais. Aung nem sequer ostenta o titulo de presidente, apesar de ser consi- derada a chefe do governo. Filha do general Aung San, heréi nacional que negociou um acordo de inde- pendéncia com os ingleses em 1947 e morreu assassinado antes de ver seu pais livre, ela viveu por trés dé- cadas no exilio antes de retornar a sua terra natal para visitar a mae convalescente, em 1988. Acabou fi- cando por la, e rapidamente se tor- nou uma das liderancas do partido de oposigao Liga Nacional Demo- cratica. Foi presa em 1989 e passou quinze dos 21 anos seguintes atras das grades ou proibida de sair de casa. Carismatica, costumava ter orespeito de todos os grupos étni- cos de Mianmar. Em 1990, seu partido venceu a eleigao com 60% dos votos. O resultado foi descar- tado pela junta. Durante 0 longo periodo de de- tengdo, Aung viveu longe dos | mianmar dois filhos e do marido, britanico, que moravam na Inglaterra. Com. medo de deixar 0 pais e nunca mais poder voltar, ela rejeitou a oferta de sair da pris&io domiciliar para visitar o marido antes que ele morresse de cancer, em 1999. No pleito de 2015, cinco anos de- pois de ser libertada, seu partido saiu-se novamente vencedor, des- sa vez com 77% das cadeiras, com maioria nas duas casas legis- lativas. Em Mianmar, 0 presiden- SEM DIREITO A DEVOLUGAO Nem todos os vencedores do Prémio Nobel da Paz honraram titulo que receberam Henry Kissinger (1973) Por que fol premiado Negociou o cessar-fogo da Guerra do Vietnd com o vietnamita Le Duc Tho O que fez depois Como secretério de Estado, em outubro de 1976 apoiou a recém-instaurada ditadura militar na Argentina Aung San Suu Por que foi premiada Foi homenageada por sua luta nao violenta pela democracia e pelos direitos humanos O que fez depois Conseiheira de Estado de Mianmar desde 2016, 6 conivente com o massacre da minoria rohingya at (1994 Por que foi premiado Assinou, com Shimon Peres e Yitzhak Rabin, o Acordo de Oslo, em 1993, para encerrar o confit 4rabe-israelense Por que foi premiado No ano da sua posse, foi condecorado pela promessa de priorizar a diplomaciae ‘encerrar intervengées militares O que fez depois Langou ofensivas militares contra cinco paises (além de Iraque e Afezanistao, ‘em cujas guerras os EUA ja estavam envolvidos) eee MiANMAR te € eleito pelos congressistas. Aung era o nome natural para o cargo, mas a Constituicao exige que o ocupante tenha experiéncia militar e nao possua lacos fami- liares com estrangeiros. Ela aca- bou sendo algada ao posto de conselheira de Estado, funcao criada especialmente para ela. Ainda que seja considerada a li- der de fato do pais, ela nada pode fazer sem a anuéncia dos milita- res. “As Forcas Armadas sao res- ponsaveis pelos abusos em Rakhine e s6 elas podem acabar com isso”, diz a inglesa Laura Haigh, pesquisadora da Anistia Internacional para Mianmar. Apesar da pressao internacio- nal, o risco de Aung perder 0 No- bel é nulo. Como lembrou um ex- integrante do comité que lhe con- cedeu o prémio, o titulo nao é uma declaragao de santidade. Além disso, depois da decisao, a responsabilidade da instituigdo acaba. Muitas vezes, a escolha é feita mais com 0 objetivo de esti- mular um certo comportamento. futuro do que de parabenizar um comportamento passado. Quan- do Barack Obama ganhou 0 No- bel da Paz, em 2009, ele nem se- quer tinha completado um ano na Presidéncia dos Estados Unidos. No cargo, nao conseguiu fazer por merecer o titulo de pacifista (veja 0 quadro @). A dimensio do Nobel, contudo, pressupde que seus agraciados entendam a universalidade dos direitos humanos, que nao podem. estar circunscritos a fronteiras re- ligiosas ou étnicas. O arcebispo sul-africano Desmond Tutu, que recebeu 0 Nobel da Paz em 1984, escreveu uma carta aberta a Aung em 7 de setembro: “Minha querida irma, se o prego politico de sua ascensio ao mais alto pos- to em Mianmar é seu siléncio, 0 preco é certamente exorbitante”. A paquistanesa Malala Yousaf- zai, Nobel da Paz de 2014, disse: “Nos tltimos anos, condenei re- petidamente esse tratamento tra- gico e vergonhoso. Ainda estou esperando minha colega laureada pelo Nobel Aung San Suu Kyi fa- zer o mesmo. O mundo esta espe- rando, e os muculmanos rohin- gyas também”. = iQ VILMA GRYZINSKI OS ESCORPIOES QUE VIVEM ENTRE NOS As pragas estruturais da América Latina estaéo assanhadas VILMA GRYZINSKI TALVEZ PASSEM para a historia como os Cinco Dias de Setembro, talvez sejam enterrados na memoria por outra avalanche de espantos. Mas entre 5 e 10 deste més, os dias transcorridos entre a surpreendente autodelacao do sujeito que procla- mava “nds nao vai ser preso” e seu recolhimento a uma cela, outros acontecimentos, fora do eixo Brasi- lia-Brasilia de corrupcao cosmolé- gica, criaram quase que uma cons- telacdo de grandes ou pequenas pragas sobre a América Latina. No Uruguai, o pais do brilhante escritor que criou a empulhagao das “veias abertas da América Latina”, um vice-presidente renunciou. Nao um vice qualquer. O popular Ratil Sendic ja estava com os espetos prontinhos para fincar na parrilla presidencial de 2019. Seria o equi- valente, no Brasil, a elei¢do do de- putado Zeca Dirceu. Sendic ¢ filho de um dos lideres da insurreigao armada que empurrou para as tre- vas da ditadura um Uruguai demo- cratico, vitimado pelo mesmo fend- meno de jovens brilhantes, idealis- tas e envenenados pelas tais veias entupidas de asneiras sobre a perversidade de uma conspiragao capitalista mundial. O inimputavel Pepe Mujica, outro ex-tupamaro, tentou aliviar e comparou 0 uso de cartéo corporativo para compras mitidas aos apartamentos cheios de dinheiro de corrupto no Brasil eum. convento de freiras idem na Argen- tina. Detalhe: 0 cartao era da em- presa de petrdleo que Sendic presi- dia, o que praticamente ja diz tudo. Embriagado pela mesma sindro- me de vitimologia, especialmente forte no México, Vicente Fox, um ex- presidente que perdeu qualquer sus- peita indevida de dignidade, tuitou contra sua némesis, Donald Trump, reclamando de uma mudanga de le- gislacao relativa a imigrantes clan- destinos. Fox jamais chegou perto de uma autocritica sobre os motivos que levam mais de 11 milhdes de mexicanos a viver nos EUA, pouco mais da metade legalmente, os de- mais por baixo do pano. Depois do tuite e do terremoto monstro, 0 Mé- xico voltou ao normal: dezenove pessoas torturadas, picadas e deca- pitadas em guerra de gangues de drogas em Michoacan. Um dos car- téis chama-se Los Viagras. Reabre-se, assim, 0 bati de expli- cacdes sobre a combinacio de atra- so sistémico e canalhice institucio- nal que nos empurra de volta ao buraco. E destino? Colonizacéo toxica, cultura do atraso? Estrutu- VILMA GRYZINSKI ra produtiva manca, economia de subsisténcia tosca, classes gover- nantes cegas? Alguns dos outros motivos levantados por estrutura- listas como Celso Furtado, um de pelo menos uma dezena de pensa- dores espetaculares cuja genialida- de mereceria ser mundialmente admirada, mas que se tornaram prisioneiros do carma de decifrar um enigma chamado Brasil? Ao final dos Cinco Dias de Setem- bro, em Americana, no interior de Sao Paulo, um caso quase desperce- bido teve seu desfecho. Um pedinte foi preso depois de ameacar moto- ristas com escorpides vivos, expos- tos em recipientes variados. Desfe- cho, no caso, é uma expressao de desejo. Tal como certas malas de dinheiro, apés um pequeno interva- Jo, pedinte, motoristas e escorpides continuarao onde estavam. Mas se- ra que desta vez expurgaremos cor- ruptos peconhentos? Ou “nds nao vai ter jeito” nunca? m= INTERNACIONAL BTIINLU CAIU Rail Sendic (4 esq.), que jé foi considerado uma estrela da Frente Ampla, com o ex-presidente José Mujica (a dir.) MAIS DO QUE CUECAS Arentincia do vice-presidente uruguaio, acusado de fazer gastanga com cartao corporativo, oferece uma boa li¢éo ao Brasil: partidos néo devem proteger corruptos LUIZA QUEIROZ 4 INTERNACIONAL BTIINLU UM ESCANDALO de corrupgio derrubou o vice-presidente do Uruguai. Ratil Sendic, no cargo desde 2015, renunciou no sébado 9 depois de ter sido revelado que ele gastou cerca de 56000 ddlares com cartées corporativos da em- presa estatal de petrdleo, a Ancap, entre 2005 e 2009. Sem pegar re- cibo de nada, ele se esbaldou em compras em lojas de roupas co- mo H&M, Adidas, Tommy Hilfi- ger e Macy’s em viagens pelo ex- terior. Também fez a festa em uma unidade da Apple, em joa- lherias, livrarias, supermercados € lojas de suvenires. ‘Todas as autoridades uruguaias de renome o condenaram pelo comportamento, embora 0 ex-pre- sidente uruguaio José Mujica te- nha relativizado 0 desvio. “En- quanto no Brasil aparecem malas de dinheiro e na Argentina umas monjas escondem sacolas, nds Em 2016, Raul Sendic jé havia sido flagrado mentindo sobre seu titulo académico aqui estamos discutindo cuec Vamos dar a devida dimensao as coisas, por favor”, disse Mujica. De fato, o valor gasto por Sendic parado aos 51 milhées de reais en- contrados no apartamento-cofre do ex-ministro Geddel Vieira Li- ma (veja reportagem @). Também & bem pouco diante do caso das trés freiras que foram flagradas no ano passado escondendo 165 sa- colas com euros, délares e joias (num total de 9 milhdes de déla- res) do corrupto José Lopez, se- cretario de Obras nos governos de Néstor e Cristina Kirchner, no mosteiro Irmas Orantes e Peniten- tes de Nossa Senhora de Fatima, perto de Buenos Aires. Mas redu- zir a gravidade do episédio que envolve Sendic, como fez Mujica, serve apenas de biombo politico para esconder a questao moral. O Uruguai é 0 pais coma menor percepgdo de corrupcaio da Amé- rica Latina, segundo a ONG Transparéncia Internacional. No ranking mundial da honestidade, esta em 21° lugar, muito a frente do Brasil, na 79* posigao. A boa pontuaciio do Uruguai no ranking da Transparéncia Internacional tem relagao direta com a rejei¢ao 2i4 INTERNACIONAL BTIINLU ie H i A é A NOVA VICE A senadora Lucia Topolansky, mulher de Mujica: ascenséo ao posto dos uruguaios aos desvios cometi- dos no setor piiblico. “Nossos ci- dadaos exigem dos politicos um comportamento de acordo com os. valores éticos predominantes na nossa sociedade”, diz Ricardo Gil, presidente da Junta de Transpa- réncia e Etica Publica (Jutep), que esta ajudando o Poder Judicial do Uruguai na investigagao sobre 0 caso. A postura dos cidadaos é re- fletida em seus partidos politicos. Depois que o semanario liberal Buisqueda divulgou os gastos cor- porativos de Sendic, o politico ten- tou virar a mesa apelando para 0 Tribunal de Conduta da Frente Ampla, a coalizdo de partidos pela qual foi eleito na chapa encabega- da por Tabaré Vazquez. “Sendic acreditava realmente que era ino- cente e que seria poupado”, diz o cientista politico Daniel Chasquet- ti, da Universidade da Republica, em Montevidéu. O érgao partida- rio concluiu que o vice-presidente tinha mesmo cometido faltas éti- cas graves no manejo de verbas publicas. Menos de uma semana depois, Sendic entregou sua rentin- cia. “No Brasil, nunca houve uma responsabilizacao intrapartidaria por parte de nenhuma agremiacgao ao longo da Lava-Jato. Os partidos brasileiros tém uma postura cor- Pporativista e defendem seus mem- bros até as tiltimas consequéncias. No Uruguai, isso nao acontece”, afirma Thomaz Favaro, diretor as- sociado para o Cone Sul da consul- toria de risco politico Control Risks, em Sao Paulo. Exemplar no caso uruguaio também foi a postu- ra do presidente Tabaré Vazquez. Nao protegeu Sendic e apoiou a de- cisdo do tribunal partidario. Filho de um guerrilheiro do grupo tupamaro (movimento ar- mado de esquerda durante a di- tadura militar), Ratil Sendic for- mou-se em medicina na Univer- sidade de Havana, em Cuba. Mu- INTERNACIONAL BTIINLU jica, ele mesmo um ex-tupamaro, disse que considera Sendic o filho que nunca teve. Em 2005, Sendic chegou 4 vice-presidéncia da pe- troleira estatal Ancap e passou a presidi-la em 2008. Apés um pe- riodo de auséncia, assumiu nova- mente o posto em 2010 e ficou ne- le até 2013, quando pediu demis- sao para dedicar-se 4 campanha presidencial do ano seguinte. Em. 2015, Sendic assumiu a Vice-Pre- sidéncia do pais. No mesmo ano, 0 Senado criou uma comissao para. investigar dentincias contra a sua administragao na Ancap. Entre as suspeitas estavam superfatura- mentos, concessées sem licitagao, prévia e uma festa organizada pe- la empresa que custou 370000 délares. No total, o rombo causa- do na petroleira foi de 600 mi- IhGes de délares. Além dos escan- dalos da Ancap, Sendic foi acusa- do em 2016 de turbinar indevida- mente seu curriculo académico. Era falso seu titulo de licenciatura em genética humana. Primeiro, Sendic negou a acusacao. Depois, admitiu que de fato nao tinha feito 0 curso e se prontificou a fazé-lo em alguma universidade, como se isso apagasse a mentir: Pela lei uruguaia, a vacdncia no posto de vice-presidente deve ser preenchida pelo senador mais vo- tado — atualmente, ninguém me- nos que o proprio Mujica. O ex- -presidente, no entanto, nado pode assumir pois no Uruguai nao é permitido ocupar o cargo em dois mandatos consecutivos, e ele nao estaria apto, portanto, a substituir Tabaré Vazquez quando neces: rio. A Vice-Presidéncia do pais acabou sendo ocupada pela se- gunda parlamentar mais votada do Senado — atualmente, nin- guém menos que a mulher de Mu- jica, Lucia Topolansky, de 72 anos, também ela ex-tupamaro. De cer- ta forma, ficou tudo em familia, mas com uma diferenga crucial: Sendic dificilmente conseguir re- tomar sua carreira politica. Os uruguaios nao perdoam. = ala TY wercano VOLTA DOS CONFETES Executivos da Petrobras da Eletrobras, ao aderir a0 programa de transparéncia da bolsa: euforia UMA APOSTA NO FUTURO As agdes batem recorde com a recuperac4o das empresas e o cenario de juros baixos, mas 0 avanco de candidatos populistas poderé estragar o animo dos investidores MARCELO SAKATE 4 Eee MERCADO economia brasileira es- ta longe de viver dias de euforia como os vis- tos dez anos atras, an- tes da debacle interna- cional e da crise gesta- da pelos governos Lula e Dilma. Por isso, é surpreendente que o principal indice de ages da bolsa de valores de Sao Paulo, 0 Tbovespa, tenha atingido a maior pontuacdio de sua historia. Afinal, o pais sofre para sair da recessio, o desemprego ainda é extraordi- nariamente alto e muitas empre- sas e consumidores estao atola- dos em dividas. E, por tiltimo, mas nao menos importante, 0 go- verno enfrenta sérias dificulda- des politicas ¢ fiscai: Ainda assim, no inicio da sema- na, o Ibovespa superou 74000 pontos pela primeira vez em sua histéria. Anteriormente, o pico de valorizagao havia ocorrido em maio de 2008 (veja 0 quadro @). Naquele periodo, a situagao era outra: a economia crescia ao ritmo de 5% ao ano, o pais era celebrado internacionalmente como um caso de sucesso e os investidores es- trangeiros faziam fila para deposi- tar délares nas companhias brasi- leiras. O fato de a bolsa ter saido do buraco, agora, significa em pri- meiro lugar a percep¢ao da me- Thora no ambiente econémico, de- pois da mais profunda e duradou- rarecessao brasileira. Costuma-se dizer que o mercado financeiro antecipa a economia real. Esta se- ria a hora, portanto, de fazer as apostas e colher os lucros mais adiante. O quadro de juros em queda também ajuda. O rendi- mento de aplicagdes mais seguras, como 0s fundos DI e de renda fixa, desabou, A taxa Selic, referéncia para diversas aplicagGes, devera recuar para 7% nos préximos me- ses. Dessa maneira, os grandes in- vestidores passaram a cagar opor- tunidades na chamada renda va- ridvel: agdes e fundos mais arris- cados. Nesse mercado é possivel obter rentabilidade superior, mas as oscilagGes sao constantes. Tra- ta-se de um ambiente indspito aos investidores despreparados, so- bretudo em uma economia insta- vel como a brasileira. A receita classica para aqueles que quiserem se aventurar nessa seara é procu- rar informag6es detalhadas sobre as empresas e os fundos, além de diversificar as aplicagées. Entre as empresas mais valori- zadas neste ano aparecem gran- 2i4 MERCADO des grupos de varejo, porque 0 alivio no bolso dos brasileiros tem se traduzido em um aumen- to do consumo. £ 0 caso do Ma- gazine Luiza (+469%), da Gua- rarapes, a dona da Riachuelo (+130%), e das Lojas Renner (466%). Os papéis das estatais Petrobras e Eletrobras também subiram nos tiltimos meses, gra- cas a fatores como a redugdo da interferéncia politica eo combate ARECUPERACAO DAS ACOES Ibovespa, em pontos B56 Promogao do Bras de grau de in sategoria stimento Estouro da bolha K_s financeira internacional a corrupcao. A conjuntura exter- na, de juros historicamente bai- xos, é outro componente que aju- da na valorizacao das agées bra- sileiras: os estrangeiros sao atrai- dos pelas perspectivas de ganhos. superiores aos que seriam obtidos em paises desenvolvidos. Embora a alta recente seja al- vissareira, parte dela nado passa de uma recuperacdo do tempo perdido. Se o Ibovespa for ajusta- Retomada da economia © ~~ Conjuntura externa favordvel 1418] Queda de Dima Rousset 2013 2015 2017-18 Eee MERCADO do pelo dolar ou pela inflacdo acumulada no periodo desde o recorde anterior, em 2008, vai se perceber que ha espaco para ga- nhos. Em délares, 0 preco médio das agdes equivale aproximada- mente 4 metade de seu valor de nove anos atras. Para os estran- geiros, os papéis ficaram baratos. ‘Ajustado pela inflacdo, o indice atual esté 40% abaixo do pata- mar de 2008. Os calculos sao da empresa Economatica. Tudo leva a crer, portanto, que ha espaco para novas altas. Isso dependera da credibilidade da gestao econdmica e dos ajustes das contas pitblicas. Caso algum candidato presidencial populista, A esquerda ou a direita, ganhe for- ¢a nas pesquisas, os investidores vao rever suas compras de aces. Mas, se as reformas prosseguirem e se houver uma aceleragao do crescimento, as agdes deveriio su- bir mais — especialmente se 0 Brasil recuperar o grau de investi- mento. Espera-se que seja esse 0 caminho: assim, as empresas te- rao mais capital para investir, in- centivando a criagdo de empregos eo desenvolvimento. m ala | is O obscurantismo do MBL gritou) 0 marketing f Gere nsncomey cour) agente) Porto Alegre yee \ Fras OBRA-PRIMA Leda e o Cisne, do século XV seo MBL visse essa obra Cole Tacos lie ke (ca ell nolo) be ore eer IDEIAS = MMT a ETS Tey E PORQUE AS PESSOAS ESTAO Gael ool nue EXPOSICAO DO SANTANDER a © Assista a algumas das reagées ao conteudo da exposigao IGNORANCIA Memes distribuidos pelo MBL: confusdo entre QUE PROMOVE Pokey aii IDEOLOGIA DE GENERO aberragOes e sua representacao artistica SE DEPENDESSE da régua éti- ca do Movimento Brasil Livre (MBL), que na semana passada saiu clamando nas redes sociais 0 boicote de uma exposicao de arte brasileira contemporanea em Porto Alegre, sob a alegacgao. de uma suposta celebragao da pedofilia e da zoofilia, além de blasfémia, a obra-prima de Leo- nardo da Vinci que aparece no inicio desta reportagem @— Leda eo Cisne — jamais viria 4 luz. O MBL gritaria contra. A tela ori- ginal foi pintada no século XVIe sumiu do mapa, masa partir de- Ja foram feitas dezenas de copias que enfeitam grandes museus do mundo. A mais famosa, atribui- da aum discipulo de Da Vinci, pode ser vista na Galleria Borghese, de Roma. Ha ainda versdes de Michelangelo, Ru- bens e Cézanne. O quadro exalta um mito grego. Leda era a mu- Iher de Tindaro e rainha de Es- parta. Zeus, encantado com a beleza feminina, transformou-se num cisne de longuissimo pesco- ¢0 ¢, feito animal, pode seduzir a moga. Da relagdo nasceram qua- tro filhos, a partir de dois ovos: Castor, Clitemnestra, Polux e Helena — cujo rapto deflagraria a Guerra de Troia. Os cavalos de Troia comanda- dos pela rapaziada do MBL, a pretexto de condenar 0 que con- air 0 QUE QUEREM ESCONDER A mostra Queermuseu tinha 263 obras. As trés que aparecem acima séio as que provocaram mais dio, Cruzando Jesus Cristo com Deusa Shiva, feita em acrllico pelo porto-alegrense Fernando Baril, de 1996, traz.o simbolo maximo do cristianismo cercado por referencias pop (1); Cenas de Interior Il, de Adriana Varejdio, de 1994, com 1,2 metro de altura por 1metro de largura, “é uma compilacao de praticas sexuais existentes, algumas historicas e outras baseadas em narrativas literarias ou coleta~ dasem viagens pelo Brasil’, segundo a artista (2); Travesti da Lambada e Deusa das Aguas, de Bia Leite, de 2018, que faz parte da série Crianca Viada, tem, nas palavras da autora, “aradical estratégia de 'retornar’ simbolicamente uma agresséo a0 universo social do agressor,transformando o precon- ceito em experiénoia de alteridade” (3), t Ea tetas sideraram abusivo e despudora- do, transportaram tropas mal dissimuladas de intolerancia. A exposicao, batizada de Queer- museu — Cartografias das Dife- rencas na Arte Brasileira, estava em cartaz no espaco do Santan- der Cultural desde 15 de agosto e fecharia as portas em 8 de ou- tubro. Com os ataques do MBLe de alguns outros grupos meno- res, como 0 Centro Dom Bosco, associacdo privada de cariocas catélicos, o nticleo de artes do banco espanhol antecipou o en- cerramento para domingo 10. Em nota oficial, o Santander pe- diu “sinceras desculpas” a todos Os que se sentiram ofendidos pe- las pecas e dizia reconhecer que “algumas obras desrespeitavam. simbolos, crencas e pessoas”. Nada como a pressao feroz das redes sociais para tamanha epi- fania de conveniéncia. O Santan- der Cultural conhecia bem 0 contetido da exposicao desde, pelo menos, outubro de 2016, quando o projeto de patrocinio foi aprovado pelo Ministério da Cultura, ¢ com ele a autorizacio para abater em impostos os 800 000 reais investidos, que agora serao devolvidos. Naquele documento, a exposicao ja se chamava Queermuseu (queer 6 0 termo em inglés para algo estra- nho, peculiar, mas mais usado hoje como sindnimo de gay), tra- taria de “diversidade” e “ques- tdes de género”, receberia alunos de escolas publicas e particula- res ¢ teria trabalhos como O Eu e o Tu, da mineira Lygia Clark (1920-1988), um par de roupas escuras semelhantes as de um apicultor, com algumas abertu- ras pelas quais duas pessoas po- dem explorar o corpo uma da outra — um dos trabalhos cita- dos pelos esbravejadores. No langamento da mostra, antes de a gangorra do marketing pender para 0 outro lado, o discurso era de celebracao. “A diversidade é um valor para 0 nosso negécio”, jactava-se na ocasiao Marcos Madureira, vice-presidente de marketing e sustentabilidade do Santander, em texto publicado no site do banco. Kim Kataguiri, um dos lideres do MBL, recusa a pecha de cen- sor. Diz ter feito legitima pres- sao, multiplicado 0 desconten- tamento. De fato, quem fechou a exibicdo foram os organizado- res do evento, que num passe de aly t Ea tetas magica inverteram o raciocinio original. Mas os militantes do MBL bradaram vit6ria nas re- des sociais — ¢ seguem pedindo boicote a instituigdo financeira, como, alias, também o fazem grupos da militancia contraria, descontentes com o recuo do Santander. “O banco fechoua mostra porque quis, nao houve coagao”, diz Paula Cassol, coor- denadora do brago gaticho do MBL, que reconhece nem ter ido a exposicAo que condenou com tanto empenho. O prefeito de Porto Alegre, o tucano Nel- son Marchezan Jr., comparti- lhou a noticia do fechamento em sua pagina no Facebook em- barcando na histeria de que a retrospectiva fazia “apologia da pedofilia e da zoofilia”. Horas depois, assustadico, apagou 0 post — e nunca mais quis tocar no assunto. A arquidiocese local foi mais enfatica: “Em tempos de terrorismo e intolerancia, nao se constroem pontes com agressao e desrespeito pelo que é mais intimo e sagrado no ou- tro: sua fé e seu corpo”. Manifestar opinides é um di- reito inalienavel. Ninguém é obrigado a gostar de uma obra de arte — muitas sao realmente ruins, tolas, mas nao importa. Uma coisa é a pedofilia ou a zoo- filia — outra, obviamente, é are- presentacao artistica dessas aberragGes. A Promotoria da In- fancia e da Juventude, que foi conferir as pegas depois das acu- sacées, nada de errado consta- tou. Uma delas seria 0 quadro Travesti da Lambada e Deusa das Aguas, de Bia Leite, de 2013, que faz alusao a pagina de inter- net Crianga Viada, uma resposta de humor de gays adultos ao pre- conceito sofrido na infancia. Um pouco de pesquisa permitiria al- cancar a referéncia. O que a diatribe conservadora nao percebeu é que é possivel atacar a pedofilia e a zoofilia e ao mesmo tempo defender 0 di- reito de uma exposicao de arte permanecer aberta. Um racioci- nio de Umberto Eco (1932-2016) pavimenta esse terreno: “E pos- sivel que, diante de uma obra de arte, eu compreenda os valores que ela comunica e, ainda assim, nao os aceite. Nesse caso, posso discutir uma obra de arte no pla- no politico e moral e posso rejeita-la, contesta-la justamente porque é uma obra de arte. Isso sly t Ea tetas significa que a arte ndo é 0 Abso- luto, mas uma forma de ativida- de que estabelece uma relagio. dialética com outras atividades, outros interesses, outros valo- res”. Empurrar 0 raciocinio de Eco para debaixo do tapete, tini- cae simplesmente para evitar 0 debate, criando um comporta- mento monolitico (leia artigo @). € postura inaceitavel e, sobretu- do, autoritaria. E desnecessario e quase repe- titivo lembrar 0 que o nazismo de Adolf Hitler chamou de “ar- te degenerada”, porque sabe- mos claramente 0 que desejava e como a histéria terminou, e também porque haveria algum exagero na comparacao com 0 episddio brasileiro. Mas, sem- pre que alguém se arvorou a definir o que é arte, houve imenso recuo, e s6 a patina do tempo seria capaz de devolver um pouco de sensatez. Em 1917, uma mostra de Amedeo Modi- gliani numa galeria de Paris foi interrompida depois de um tni- co dia, porque alarmistas con- servadores que diziam querer uma “Franga livre” se incomo- daram com os nus expostos. A policia foi chamada e as telas mais evidentes, escondidas. Uma delas foi adquirida em lei- Jao ha dois anos por estratosfé- ricos e nada pudicos 170 mi- Ihdes de délares. O comprador foi um chinés. Os olhos que ha 100 anos enxergaram porno- grafia — um século atras, an- tes, portanto, de Coco Chanel, Marilyn Monroe, Brigitte Bar- dot, Bob Dylan, Beatles, Mick Jagger, a revolucdo sexual e Michael Jackson — hoje nada veriam, a nao ser que fossem olhos treinados pelo MBL. Ha saida para a estupidez da sema- na passada, 0 ataque dos con- servadores e a capitulacgdo do Santander Cultural? Sim, como nos ensinam eventos semelhan- tes. A tinica resposta contra a censura 4 arte é mais arte. No fim dos anos 80, uma re- trospectiva de nus e retratos do fotégrafo americano Robert Mapplethorpe (1946-1989), The Perfect Moment, foi inau- gurada na Corcoran Gallery de Washington. Senadores con- servadores aproveitaram 0 fato de a colecao ter recebido di- nheiro publico para pressionar pelo fim da retrospectiva, fa- zendo vista grossa a Primeira lr pm Emenda da Constitui¢ao, aque- la da ampla e irrestrita liberda- de de expressao. Venceram, mas foi uma vitéria de Pirro. Nas semanas seguintes, as fotos proibidas foram lindamente projetadas nos muros externos da galeria para milhares de americanos avessos 4 censura. As impresses das fotos de Mapplethorpe, que eram ava- liadas em 10 000 dolares, ime- diatamente passaram a ser ne- gociadas a 100 000 dolares. Em Sao Paulo, na quarta-feira, REAGAO Projecto de fotos de Mapplethorpe imagens de obras da Queermu- em galeria de Washington nos anos 80 (acima) seu foram projetadas em um @ reproduco de um quadro no protesto em prédio da regio central. Um Porto Alegre: nos dois casos, apresentar obras dia antes, em Porto Alegre, a do lado de fora foi a resposta a censura atte proibida ganhou visibilida- de na rua. Em meio a protestos com militantes antimostra e anticensura que terminaram na repressao policial com gas de pimenta, réplicas dos quadros vetados, sobretudo os mais agressivos (veja 0 quadro @), eram orgulhosamente apresen- tadas do lado de fora do San- tander Cultural. Nao sera facil a vida do obscurantismo. = © 17 t A CENSURA DAS REDES O cancelamento da exposigao Queermuseu demonstra que hoje as ameagas a liberdade de expressdo néo vém mais do Estado, mas de grupos de pressdo organizados na internet RODRIGO DE LEMOS* VOZES TRIBAIS Manifestantes tentam impedir a conferéncia de Charles Murray (no fundo): supressao da discordancia O SECULO XX éconhecido como | (0 nazifascismo e 0 comunismo), um tempo sangrento: duas Guerras | colonialismos e um cordao de di- Mundiais, duas grandes revolu- | taduras castigando a Africa, a des violentas (a russae achinesa), | Asiae as Américas. Em uma coisa, totalitarismos dividindo a Europa | entretanto, viver naquele tempo 15 f ers talvez fosse relativamente menos complicado do que no nosso: to- dos sabiam o que era a opressiio quem era o opressor. A liberdade de expressao era 0 que nds queria- mos. A censura era 0 que eles, os governos ditatoriais, nos impu- nham, a partir dos seus Departa- mentos da Verdade e de seus Secre- tariados da Informagao. O recente fechamento precoce da exposigao Queermuseu, com curadoria de Gaudéncio Fidelis, no Santander Cultural de Porto Alegre, indica uma mudang¢a grave no conceito e na pratica da censura nos nossos tempos. Sob 0 pretexto de que as obras expostas nessa mostra LGBT fariam a apologia da zoofi- lia e da pedofilia, além da blasfé- mia, militantes de direita (alguns dos quais autointitulados liberais) organizaram ataques coordenados por meio das redes sociais. Estes teriam compreendido desde 0 boi- cote ao banco até agressdes ver- bais a visitantes ¢ a depredacdo de agéncias. O deputado estadual Marcel Van Hattem (PP), um dos proceres locais do liberal-direi- tismo, decidiu introduzir mais Es- tado para levar o caso até o fim, ameacando acionar 0 Ministério Pablico contra a exposicao. Muitos desses grupos de direita denunciam pr: di semelhantes quando empreendid: por seus inimigos ptblicos preferi- dos, os militantes de minorias se- iinhados a esquerda. Essas ocorréncias sao de fato fre- quentes. Em marco deste ano, estu- dantes do Middlebury College, nos Estados Unidos, tentaram impedir violentamente uma palestra do cientista social Charles Murray (au- tor do polémico livro A Curva do Sino, que demonstraria a existéncia de supostas diferengas cognitivas entre as racas); para 0s militantes, ‘Murray era “racista, sexista e anti- gay”. O caso, por 6bvio, repercutiu negativamente nos meios direitistas brasileiros. Em maio deste ano, os genéricos nacionais do progressis- mo americano realizaram um pro- testo semelhante contra a mera pre- senca, no festival de cinema do Re- cife, do documentario O Jardim das Afligées, sobre o intelectual conser- vador Olavo de Carvalho. Sete dire- tores solicitaram a retirada de seus filmes de um pareo em que consta- va representante da temida direi- ta reacionaria. O episédio encer- rou-se pela eleicdio do documenta- rio de Josias Tedfilo como o melhor filme da 21* edicdo do festival. f ers O caso do Santander teve um desfecho bem menos positivo. Charles Murray terminou por fazer a conferéncia pela internet. O filme sobre Olavo de Carvalho foi pre- miado. Ja 0 banco Santander deci- diu unilateralmente encerrar a ex- posigdo. Isso indicaria que a direita aprendeu a exercer pressdo em fa- vor das suas pautas, assim como a esquerda vinha fazendo em nome do seu conceito de igualdade, e que agora os direitistas superaram seus mestres? Se for 0 caso, havera mo- tivos para comemorar — para essa direita, e talvez s6 para ela. E duvi- doso que o debate pitblico saia ga- nhando com o mimetismo do fun- cionamento de bando que caracte- rizava até ha pouco o outro lado do. debate. Quando nao mais, porque esse funcionamento de bando re- dunda em um verdadeiro empo- brecimento dos termos da discus- so, quando nao na sua morte. (E “Os liberais esto perdidos. Nada os preparou para onovo sufocamento do individuo sob a voz coletiva” sabemos 0 que se segue a morte da discussao: 0 confronto direto na vil.) as que impediram a 10 LGBT (as militantes contrarios a Charles Murray ou a Olavo de Carvalho) reivindicaram pura e simplesmente a supressao do seu objeto de des- gosto da arena publica. E a nova forma que assume a censura em nosso tempo: nao mais a decisiio de um burocrata insignificante em um bureau do Leste Europeu ou da América Latina nos anos 70, mas 0 clamor mais ou menos andnimo, reverberado pelas redes sociai contra a mera existéncia do que de- sagrada a certa maioria. ‘Tal coisa ofende; logo, deve su- mir. Simples assim, como pensam as criangas. Nao apenas os que gos- tam de arte queer (ou de Charles Murray ou de Olavo de Carvalho) sio prejudicados. Sobretudo, sio poupados todos os que nao gostam de arte queer (ou de Charles Mur- ray ou de Olavo de Carvalho), de analisar, de criticar, de tentar en- tender, de rejeitar racionalmente até de repudiar com veeméncia o que fere as suas concep¢oes religio- sas, politicas ou morais. Um texto, um bom texto argumentativo, estu- ers dado e inteligente, mostrando por que a arte queer (ou Charles Mur- ray ou Olavo de Carvalho) nao me- rece atengao seria a resposta civili- zada. Mas nao; para tanto, seria necessario criar algum tipo de rela- ¢4o com aquilo que eu repudio, dar uma chance aque a coisa se mostre e até, talvez, se revele menos ruim do que eu havia imaginado. Acontece que o homem das redes sociais pode nao ter um intelecto muito auténomo, mas tem seu gru- po, ao qual se funde como numa. tribo, unida pelo ddio aos simbolos da tribo contraria. Exigir a destrui- ¢ao desses simbolos basta para promover aquele gostoso senti- mento de pertenga. Pensar e escre- ver em tensiio com sua tribo, dife- renciando-se da sua tribo, cavando espagos de autonomia quanto a tri- bo, sabendo que os simbolos da tri- bo se interpdem a realidade e que se comprazer neles é rumar a estu- pidez — eis algo de terrivelmente solitario, um ato dissuadido no dia a dia das redes sociais, em que se teme a reprovacao dos amigos e em. que se busca a todo custo a aprova- cao imediata (“quantos likes na mi- nha foto?”; “viu o que eu postei?”). Vivemos e pensamos e fazemos es- colhas sobre o fundo dessa voz que nao chega a ser bem uma conversa, mas que ja é bem mais do que um simples rumor. essa terrivel nova voz, coletiva e andnima, autoritdria e caética, imperativa e manipulavel, que re- presenta, hoje, o maior perigo as liberdades individuais — e, em primeiro lugar, a liberdade de ex- pressao. Stendhal viu-a nascer no século XIX francés e chamou-a de opinido; Tocqueville viu-a reinar na América dos 1830 e batizou-a de tirania de maiorias. Nenhum deles podia imaginar a proporgao que ela ganharia na sociedade da conexao total. Os préprios autoproclamados li- berais estao perdidos. Foram com- pletamente ultrapassados pelos acontecimentos. O episédio do Santander mostra isso muito bem. Continuam a raciocinar como no século XX, como se a censura, esse poder de um ente social de fazer uma mensagem incdmoda desapa- recer do espaco publico, fosse ain- da atributo exclusivo do aparelho estatal. Uma boa parte nao viu anormalidade alguma em obras de arte sumirem por pressao tribal, ao podendo mais sequer ser obje- tos de desgosto. E como se, em ndo havendo coer¢ao do Estado, nada 4ls ers que mereca tanta preocupacao as- sim pudesse ocorrer no campo das liberdades individuais: os clientes do banco escolheram livremente fechar suas contas; 0 banco esco- lheu livremente suspender a expo- si¢do; o Estado nao se intrometeu, ea democracia liberal reina sobe- rana. Nada preparou os novos libe- rais para analisar esse novo sufo- camento do individuo sob o poder avassalador, truculento e capilar da voz coletiva. Ha resposta para essa nova ameaca? Certamente ela nao esta- ria em mais regulacées, na reto- mada por meio judicial de exposi Ges ou de palestras vitimadas pe- los novos censores — tudo o que significaria resolver os problemas com mais Estado. Por enquanto, 0 que se pode fazer é explorar os es- pacos ainda preservados: transmi- tir pela internet a conferéncia ve- dada; nao dobrar-se pressao dos pares profissionais; quem sabe re- montar uma exposi¢ao interrom- pida em um espaco alternativo (in- clusive e acima de tudo com as obras que mais incomodaram). E manter-se vigilante — sobretudo quanto a nds mesmos e ao nosso prazer de finalmente encontrar- mos nossa turma. m *Rodrigo de Lemos 6 doutor em literatura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sule professor da Universidade Federal de Ciencias da Satide de Porto Alegre CE ampiente CENARIO AMARGO Fazenda no Rio de Janeiro atingida por seca em 2016: © Brasil pode ser um dos paises mais afetados A XICARA VAI SECAR? Estudo mostra que o aquecimento global ameaga a industria cafeeira, o que podera ser um golpe duro para os consumidores. da bebida — e para o Brasil JENNIFER ANN THOMAS CE AMpiente OS BRASILEIROS tomam, em média, cinco xicaras de café todos os dias. A bebida é a segunda mais consumida no pais — perde ape- nas para a 4gua. A demanda é al- ta, mas, hoje, a oferta também. O Brasil domina 32% da produgao mundial do grao e é 0 lider do se- tor. Toda essa fartura, no consu- mo € na producao, no entanto, po- de ser abalada. Um estudo divul- gado na segunda-feira 11 pela Uni- versidade de Vermont (EUA), refe- réncia em climatologia, apontou para um futuro amargo. Segundo. a pesquisa, efeitos do aquecimento global, que tem desbalanceado o clima no planeta, podem reduzir em até 88% as areas proprias para cultivo de café na América Latina — principal polo produtor — nos proximos quarenta anos. Sao duas as principais espécies de café: a arabica, que representa 70% da safra mundial, e a robusta, ambas presentes no Brasil. Tanto uma como a outra necessitam de condigées muito especificas para crescer. A arabica tem de ser culti- vada em temperaturas que vao de 15 a 24 graus. A robusta floresce entre 22 e 26 graus. Assim, qual- quer variacao no clima acaba por prejudicar as plantagdes. De acor- oy 50% da drea global em que se pode cultivar café corre o risco de se tornar impropria 88% das éreas de cultivo na América Latina podem sumir até 2050 60% 60 impacto previsto apenas no Brasil, em redugao de 4reas préprias para o cultivo do com o Painel Intergoverna- mental sobre Mudangas Climati- cas (IPCC), érgao da ONU, um aumento de 3 graus na temperatu- ra global ja reduziria em 50% as dreas cultivaveis em paises como Brasil, Vietna, o segundo maior produtor mundial, e Colombia, 0 terceiro da lista. Disse a VEJA 0 agr6nomo ar- gentino Pablo Imbach, do Centro Internacional de Agricultura Tro- 215 CE AMpiente pical, integrante da equipe que fez o novo estudo: “Um dos diferen- ciais da nossa pesquisa é que, em vez de s6 focarmos medidas pre- ventivas que poderiam ser aplica- das nas fazendas, mostramos a importancia de também preservar florestas e proteger polinizadores EM 36 ANOS, O CONSUMO DE CAFE QUASE DOBROU EMBILHOES DE QUILOS 95 43 100 milhdes de pessoas em todo o mundo trabalham na industria do café das plantagdes, como as abelhas, de modo a mitigar esse problema”. O trabalho publicado pela Univer- sidade de Vermont, e apoiado fi- nanceiramente por instituicgdes como a Iniciativa Global do Clima eo Banco Mundial, é0 primeiro a balancear as consequéncias de efeitos diretos e indiretos das mu- dangas climaticas nos cafezais. Com isso, revelou-se, por exem- plo, que a redu¢ao no ntimero de insetos no ambiente — como as abelhas, responsaveis pela polini- zacao de 40% das fazendas de ali- mentos consumidos por humanos — seria devastadora para a produ- cao de café. Ainda nao se sabe ao certo por que as abelhas estdo su- mindo, mas a aposta mais concor- rida sugere que seja uma combina- cao de fatores: a disseminagao do uso de pesticidas, a acao de parasi- tas, a perda de habitat pelo desma- tamento de florestas e, por fim, 0 vaivém do clima, que deixa esta- ¢Ges menos definidas, além de le- var a altas e quedas bruscas nas temperaturas, baguncando o ciclo de desenvolvimento de flores das quais aqueles insetos so depen- dentes. Resultado: nos Estados Unidos, as colénias foram reduzi- das A metade e, na América Lati- GERAL AMBIENTE na, estima-se que o ntimero caia 65% até o ano de 2050. Oestudo da universidade ame- ricana analisou as consequéncias desse somatério de problemas nas plantagdes de café do tipo arabica. O continente latino-americano, responsavel por mais de 80% do abastecimento global do grao, se- ria o mais afetado. S6 no Brasil, calcula-se que o impacto chegara auma diminuigdo de 60% dos ter- renos férteis. J4 é possivel sentir os primeiros ventos desse desastre. Em 2016, apds um periodo de se- cas, o Estado do Espirito Santo viu sua producao de café encolher 30%, e, com isso, 0 prego do pro- duto capixaba aumentou 43% pa- rao consumidor final. Segundo calculos do sindicato da indistria no Espirito Santo, a dramatica si- tuagao deve se estender ao menos até 2019, quando se espera que as chuvas voltem. Entretanto, pelo que indica a nova pesquisa da Uni- versidade de Vermont, 0 cenario positivo nao se prolongara por muito tempo. Obviamente, a economia mun- dial sofrera o impacto da provavel crise a ser enfrentada pelo setor cafeeiro. Cerca de 20 bilhdes de délares sio movimentados com a exportacao do grao, resultado do consumo diario de 2,25 bilhdes de xicaras de café. Ha setenta paises que comercializam a commodity e todos devem ser afetados. De acordo com o bidlogo americano Taylor Ricketts, da Universidade de Vermont, e também autor do novo trabalho, “25 milhdes de fa- zendeiros e cerca de 100 milhées de trabalhadores, a maioria habi- tantes de areas pobres, dependem da lida nos cafezais”. O café nao é 0 primeiro — e pro- vavelmente nao sera o ultimo — produto a receber progndsticos de teor apocaliptico atrelados as mu- dangas climaticas que tomaram o mundo de assalto em consequéncia de agGes humanas como a emissio de gases de efeito estufa pela indis- tria. As plantagGes de cacau, por exemplo, também se veem amea- cadas. Estima-se que ja em 2020 a demanda por chocolate ultrapasse a producaéo — mais em fungao de uma reducao da segunda e nao apenas pelo aumento da primeira. Se essa situagao se concretizar, bar- ras da iguaria devem encarecer 60% mundo afora. O assim chama- do “chocalipse” impactara princi- palmente nagGes que se situam. prximo da linha do Equador, tida als GERAL AMBIENTE como a regiao ideal para a germi- nagao das sementes de cacau. HA, no entanto, um alento. Com a palavra, o bidlogo Ricketts, da Universidade de Vermont: “Assim como em outros casos de risco diante de mudancas climaticas, a previsao nao é definitiva”. Segun- do o IPCC, se a humanidade con- tinuar a emitir gases poluentes na mesma toada de hoje, o aumento da temperatura mundial superara os 4 graus ainda neste século, um desastre para a agricultura. Mas, se houver substituicdo total das fontes energéticas sujas pelas sus- tentaveis até 2050, como quer a ONU, a elevacio se restringira a 1,5 grau — diminuindo a probabi- lidade de desastre. Ou seja, ha ain- da saborosa esperanga de que 0 habito do cafezinho pés-almogo possa ser desfrutado pelas proxi- mas geracées. m nm! FERNANDO GROSTEIN ANDRADE Por que discordo de quem diz que “quanto pior a cadeia, melhor” FERNANDO GROSTEIN ANDRADE O DOUTOR Drauzio Varella mar- cou um café comigo num lugar muito depré. Era proximo ao Hos- pital Sirio-Libanés, onde pessoas conversavam com médicos sobre assuntos indigestos. Eu, que tenho pavor de hospital, s6 nao sai cor- rendo porque sou fascinado pelo doutor. Ele comentou que nds, que nascemos do outro lado da ponte, onde estao os bairros de Pinheiros, Jardins e Lapa, vivemos numa bo- Tha. E que, quando entramos num presidio, achamos que estamos in- do ld ajudar, mas sao eles, os deten- tos, que acabam nos ajudando a ampliar nossa visio de mundo. Diagndstico preciso. Eu queria fazer uma experiéncia em um longa-metragem com um grupo de teatro dentro de alguma cadeia. O doutor me encorajoua ir em frente. Cheguei a Penitencidria de Guarulhos. Era divertido ver a rea¢do dos bandidos na primeira aula, quando o agente anunciava que ninguém poderia ter precon- ceito ali. Era preciso interpretar po- licial, dancar balé, viver outras “personas”. No primeiro dia, havia oitenta candidatos. No segundo, sobraram apenas doze corajosos. Foram muitas as trocas de experi- éncias com 0s presos, mas uma me marcou mais. Havia na penitencia- ria um famoso bandido, dos mais perigosos, do qual nao constava re- gistro de ter sorrido um dia. Co- nheci-o trabalhando na oficina. No turno dele ndo sumia nada. Com- parando as nossas vidas, tinhamos pouco em comum: nasci numa fa- milia de classe média, mae profes- sora universitdria, pai, jé falecido, jornalista respeitado. Ele, de fami- lia pobre, viu o pai matar a mae a facadas na adolescéncia, matou 0 pai, mastigou (dizem) seu coragdoe comec¢ou a matar a partir dali sem parar quem ele achava que mere- cia. Por incrivel que pareca, fica- mos “amigos” — entre muitas as- pas mesmo, Quando ele resolveu fazer a aula de teatro, formou-se uma fila na porta da sala para vé-lo praticando exercicios de interpretagao. Ele sorriu. O boato correu a cadeia. No- vas turmas de teatro vieram. Al- guns dos atores fizeram pequenas aparicdes em filmes e disseram coisas que me marcaram para sem- pre. “Tenho finalmente algo para meu filho se orgulhar quando eu sair deste inferno.” Uma luz de es- peranca brotou no carcere e come- cou a inspirar muita gente. Ficou um pouco menos dificil sonhar 1. FERNANDO GROSTEIN ANDRADE @ Conto essa experiéncia porque, quando o assunto € bandido, voltae meia leio nas redes sociais: “T com pena? Pega para criar”. Ou, entao, vejo gente que acha que “quanto pior a cadeia, melhor”. Pois bem, acredito que quem escreve palavras como essas esta de acordo com 0 diagndstico do doutor Drauzio — preso a um mundo muito limitado. Nao por maldade, mas por desco- nhecimento. Claro que nem todos os bandidos conseguirao se reinte- grar 4 sociedade. Mas, nessa jorna- da, tao importante quanto ajuda-los pela via do emprego e da geracéo de renda é contribuir com eles na esfera intima e afetiva. E impossivel uma coisa vingar sem a outra. Um dado que pode servir de pista: gundo os agentes da Penitencidria de Guarulhos, desde que eles cria- ram 0 grupo de teatro, em 2010, 180 detentos frequentaram as aulas e em torno de 90% nao voltaram para ocrime. = ROBERTO POMPEU DE TOLEDO LUTA N21 ALUTA N®1 que se trava hoje no Brasil é pelo direito a um governo moralmente sustentavel. Contra es- se direito avultam nestes dias trés grandes forgas, a saber: Gilmar Mendes, Carlos Marun e a Bolsa de Valores. Gilmar Mendes dispensa apresentagdes. O deputado sul-ma- to-grossense Carlos Marun, aquele corpulento, de cara redonda, cabelo cortado rente e voz forte e firme, pa- ra quem nao esta ligando o nome a pessoa, evoluiu de general da tropa de Eduardo Cunha para general da tropa de Michel Temer, e na terga- feira 12 foi premiado com arelatoria da CPI nominalmente concebida para investigar a famigerada JBS dos Joesley/ Wesley, mas na realida- de um fortim de onde se pretende acertar a Lava-Jato. A Bolsa de Va- lores bateu os maiores recordes de sua centendria histéria, nos tiltimos dias, em parte pelo regozijo de ver enfraquecido o procurador Janot e, com ele, 0 combate ao governo Te- mer (portanto, a corrup¢ao).. O PEN (Partido Ecoldgico Na- cional, vejam s6!), que abriga o fa- migerado Bolsonaro, mudou 0 no- me para Patriotas. Segue a tendén- cia entre os partidos brasileiros de mudar de nome para disfargar seu passado e apostar no engodo futu- ro. Outro partido, o PTN (Partido Trabalhista Nacional), mudou para Podemos. Nesse caso, como antes no do Solidariedade do famigerado Paulinho, copia-se sacrilegamente onome de celebrados movimentos europeus, o Podemos espanhol eo Solidariedade polonés. As mano- bras ratuinas do submundo par- tidario brasileiro trabalham, em outra frente, contra a construgao de um pais moralmente sustentavel. Gilmar Mendes e Carlos Marun sao dois destemidos, isso nao se Thes pode negar. Marun postou-se ostensivamente ao lado de Eduar- do Cunha, os dois de pé, a trocar cochichos, até o amargo fim da ses- a0 em que a Camara votou a cas- io de Cunha. Gilmar é destemi- do nao s6 na agressividade, mas também em nao disfarcar as efu- sdes. Num recente fim de semana, ao término de um convescote na residéncia do presidente da Cama- 3 ROBERTO POMPEU DE TOLEDO 0 Brasil quer ter odireito a um governo moralmente sustentavel ra, todos de roupas esporte, a tele- visio flagrou Rodrigo Maia a des- pedir-se de Gilmar, na porta, com um tapinha nas costas. Pode um ministro da Suprema Corte permi- tir um tapinha nas costas do presi- dente da Camara? O colunista, que é ingénuo, acha que nao. Magistra- dos, especialmente de cortes supe- riores, devem ter gravitas. E gravi- tas em magistrados supée distancia de agentes politicos. O novo nome de Patriotas dado ao partido de Bolsonaro nos leva, numa magica viagem, a Tancredo Neves. Em seu discurso de vitéria, ao ser éleito presidente, em 15 de ja- neiro de 1985, Tancredo pronun- ciou repetidamente a palavra “pa- tria’”. A alguns ouvidos, como os do colunista, isso soou a uma epifania. Entiio ja se podia falar em patrial!? Nos anos de ditadura, patria, tanto a palavra quanto seu contetido, era propriedade dos donos do poder. ‘Tanto eles falavam em patria que quem também usasse a palavra se confundiria com eles; e tanto se identificavam com ela que quem fosse contra seria traidor da patria. Com Bolsonaro e seu partido, da-se uma meia-volta, volver. Patria tor- na-se de novo propriedade de apre- ciadores de ditaduras. Melhor ficar com a célebre definigdo de Samuel Johnson: “O patriotismo é 0 tiltimo reftigio dos calhordas”. A Bolsa de Valores segue a logi- ca de certos empresarios e econo- mistas que se entusiasmam a ¢a- da vitéria de Temer (e, portanto, da corrupgdo) por achar que aju- da as sonhadas “reformas”. Recu- sam-se a entender que reformas respeitaveis e para durar sio ex- clusividade de governos moral- mente sustentaveis. Outros eco- nomistas se insurgem, sim, con- tra a corrupcdo. Um grupo deles, com Edmar Bacha, Gustavo Franco e Elena Landau 4 frente, deu um ultimato ao PSDB: ou o partido deixava 0 governo, ou eles deixavam o partido. Tanto voltaram a ameagar e recuar, em seguida, que ficaram parecendo, eles proprios, o PSDB. Outro eco- ROBERTO POMPEU DE TOLEDO nomista, Paulo Guedes, em artigo no jornal O Globo, foi claro em sua posi¢do € lapidar na descrig do presente embate: “Em tempos extraordinarios, mais vale uma atabalhoada busca da coisa certa do que uma competente defesa da coisa errada”. ‘Tancredo Neves, no seu discur- so: “Nao ha patria onde falta de- mocracia. (...) A patria é escolha, feita na razao e na liberdade. Nao basta a circunstancia de nasci- mento para criar esta profunda li- gacdo entre o individuo e sua co- munidade”. Nao parece ser 0 caso da patria de Bolsonaro.

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