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Revista de Economia Politica, Vol. 1, n° }. janetro-marco/ 1981 Estado e empresas transnacionais na indistrializagdo periférica CELSO FURTADO * A industrializagao de substituic&io de importacées foi, sem lugar a divida, um processo reativo: tratou-se de en- cher um vazio. Uma demanda que florescera no quadro da economia primdrio-exportadora deu sentido e diregao as transformagées operadas no sistema produtivo. O declinio do coeficiente de comércio exterior nao era ovtra coisa sendo uma reversio do processo de especializacio internacional. Como o voltar-se para o mercado interno significava diver- sificagao da atividade produtiva, a reversdo assumia a forma de industrializacao. Mas nfo nos equivoquemos com respeito & natureza desse processo de reversio ao mercado interno, pois ele ‘ocorria em economias destituidas de qualquer autonomia tecnolégica. A diversificaciio dos sistemas produtivos, ao guiar-se pela demanda dos bens finais de consumo, fazia ainda mais premente a necessidade de tecnologia e equipa- mentos importados. Portanto, a diferenga era consideravel com respeito as economias que, na segunda metade do sé- culo dezenove, escaparam ao poder gravitacional da: Ingla- terra para transformar-se em sistemas nacionais auténomos. Neste ultimo caso, a diversificagao das atividades econémicas * Professor da Universidade de Paris 1, Sorbonne. 41 significou verticalizago da estrutura produtiva, vale dizer, desenvolver as indiis- trias de base e de. equipamentos e ganhar autonomia tecnolégica em setores rele- vantes. A composicio do comércio exterior refletia essa evolugdo: aumentavam as exportagdes de produtos mais elaborados e nas importages ganhavam impor- tncia os produtos primérios ou de baixo grau de elaboracdo. No caso da it dustrializago de substituicdo de importagées, a evolugéo do comércio exterior era praticamente inversa: a diversificacio do sistema produtivo pouco ou nenhum efeito tinha sobre a composi¢ao das exportagdes, que continuavam a girar em torno de uns poucos produtos primérios, ¢ afetavam as importagdes fazendo-as mais sofisticadas. Com efeito, na medida em que avancava o processo substitu- tivo, as importagdes se tornavam mais “incompressiveis”, aumentando 0 peso elativo de matérias-primas que néo podiam, ou ainda no podiam, ser produzi- das localmente e de bens cuja produgdo requeria vulfosos investimentos ou avan- gada tecnologia. . O proceso de “fechamento” da economia periférica que significava a substi- tuigéo de importagées era em realidade um esforco de diversificagao da estrutura produtiva demasiado grande para o nivel de acumulagio que podia ser alcan- gado. Como a demanda engendrada pela modernizagao j4 era consideravelmente diversificada, os investimentos industriais tendiam a dispersar-se, sem que o tecido industrial adquirisse solidez. Muitas das economias que mais avancaram pela via da industrializagao substitutiva apresentavam estas duas caracteristicas aparente- mente contraditérias: um muito baixo coeficiente de importagdo de produtos ma- nufaturados finais, portanto uma aparente autonomia no que respeita ao abaste- cimento interno de produtos manufaturados, e uma total incapacidade para com- petir nos mercados internacionais desses produtos. Mais avangavam pelo caminho da diversificagéo, mais baixa era a produtividade. O fechamento refletia néo somente 0 declinio ou lento crescimento das exportagées tradicionais, mas tam- bém a incapacidade para criar novas linhas de exportacdo a partir dos setores produtivos que estavam em expansiio. A iniciativa dos Estados no sentido de criago de industrias de base deu certamente maior espessura atividade industrial, mas de nenhuma forma modi- ficou qualitativamente o quadro que vimos de descrever, cujas caracteristicas principais eram as seguintes: a) dependéncia vis-a-vis da exportagio de uns Poucos produtos primdrios; b) dependéncia crescente com respeito & tecnologia utilizada, mesmo quando se desenvolvia uma indistria local de equipamentos; c) demanda demasiadamente diversificada, relativamente ao nivel de acumulagéo alcangado, e d) nao aproveitamento pleno das possibilidades da tecnologia utili- zada, em razdo da dispersao dos investimentos. 42 O IMPACTO DAS EMPRESAS TRANSNACIONAIS A evolugio subseqiiente das economias periféricas ser4 profundamente in- fluenciada pelas modificagdes estruturais ocorridas nas economias centrais, uma vez superado o longo processo de crise a que fizemos referéncia. A reconstrucdo do sistema capitalista, sob a tutela dos Estados Unidos, no terceiro quartel do século atual, fez-se no sentido de integragdo dos mercados nacionais dos paises centrais. Os sistemas nacionais, cujas rivalidades conduziram 0s dois conflitos mundiais, foram progressivamente desmantelados, passando as suas grandes empresas a estruturar-se globalmente. Esse processo de unificagéo do espaco econémico no Centro seria o fator determinante da extraordindria acumulacdo que ai ocorreria no perfodo referido. A nova orientagéo tomada pelo capitalismo privilegiou a tecnologia que se havia desenvolvido nos Estados Unidos sob a influéncia de seu imenso mercado interno. E também acicatou a concen- tragio do poder econdmico, favorecendo as empresas com capacidade de aco global. Do ponto de vista da Periferia, essas modificagdes adquiriram uma grande significagdo, pois enquanto o capitalismo dos sistemas nacionais, tutelados por Estados rivais, era por definig&o nacionalista, voltado para a integracao interna, © capitalismo das grandes firmas é naturalmente cosmopolita, orientado para o livre-cambismo e a livre transferéncia de recursos entre paises. © impacto na Periferia das transformagées estruturais que tém lugar no Centro desdobra-se em duas fases. Numa primeira,-as firmas centrais procuram participar da industrializagao substitutiva de importagdes, consolidando posigdes jé ocupadas anteriormente ou conquistando novas posigdes. As indtistrias com- plementares das importacées, pelo fato mesmo de que dependem de marcas de fabrica, de tecnologia e de insumos de dificil substituigéo adquiridos no exterior, funcionam como cabecas de ponte para a penetracio em maior profundidade das firmas centrais, que se dispdem a cooperar no processo de fechamento da econo- mia, Em uma segunda fase, essas firmas se empenharao em reabrir as economias periféricas, mediante a diversificagio de suas exportagdes, no quadro de uma reconstrugao sobre bases novas do sistema de divisdo internacional do trabalho. Assinalamos que na economia que toma o caminho da industrializacio substitutiva engendra-se uma contradicéio — com efeitos negativos na produtivi- dade e a fortiori na capacidade competitiva externa da indistria — entre a con- siderdvel diversificago do sistema produtivo e a disponibilidade de recursos para acumulagdo. Essa contradigéio, que se resolve mediante a concentracao da renda, responde pela prioridade dada aos investimentos industriais localizados mais perto da demanda final. A agdo do Estado pode corrigir certos efeitos dessa tendéncia estrutural, mas nfo modifica 0 quadro de base, no qual se integram dois tracos caracteristicos da industrializagdo periférica: a primazia da tecnologia do produto e a subutilizacdo de capacidade produtiva, ou deseconomias de esca- 43 Ja. Gragas a estes dois tragos, as grandes empresas centrais — 0 que veio a chamar-se de empresas transnacionais — assumiram um papel dominante na industrializagao periférica, ndo obstante essa industrializagéo fosse acompanhada de redugao do coeficiente de comércio exterior. Se a dependéncia externa ganhou profundidade, enraizando-se no sistema produtivo exatamente no momento em que este se voltava para o mercado interno, foi em razdo do estilo de desenvolvimento, ao qual se deve atribuir a contradi¢ao referida. Mais o desenvolvimento de uma economia é comandado pela dindmica da demanda de produtos finais, mais importante é o papel desem- penhado pela tecnologia do produto. Ora, é exatamente esta a situacdo dos paises periféricos, onde a demanda de produtos finais foi modelada por importagdes procedentes de economias muito mais avancadas no processo de acumulagio onde a industrializagéo tem sua origem num esforco para cobrir vazios deixados pela insuficiéncia dessas importagées. Ora, a tecnologia do produto é a principal fonte do poder de mercado, razdo pela qual aqueles que a controlam somente a cedam mediante condigGes muito restritivas. De maneira geral, as licencas de cesso dessa tecnologia ndo sio mais do que uma preparagdo de terreno, visando a uma implantagdo efetiva no mercado. Segue-se uma participagéio no capital da firma que utiliza a tecnologia e finalmente o seu controle. Pela simples razio de que se “fecham” numa época em que no Centro a tecnologia orienta-se para a globalizacéo, as economias periféricas tiveram que enfrentar por toda parte, na fase de industrializagao substitutiva, problemas de estreiteza de mercado ou de subutilizacio de capacidade produtiva em miltiplos setores. A aco do Estado, conduzindo a descapitalizacio de certas indistrias de base durante uma primeira fase, permitiu contornar parcialmente esse obstaculo, No que respeita aos produtos finais, esse obstdculo se transformaria em arma eficaz nas maos das empresas transnacionais, pelo fato de que podem utilizar tecnologia j4 amortizada e, em muitos casos, equipamentos total ou parcialmente amortizados. Nos setores em que a dimensao do mercado € insuficiente — setores em que a demanda se diversifica mais rapidamente — as empresas transnacionais tendem a predominar ou sao as tnicas com condigdes para implantar-se. Para uma empresa local que devesse pagar a tecnologia ao preco de mercado e re- cuperar o capital investido nos prazos correntes, os custos de produgdo seriam demasiadamente elevados, o que agravaria a estreiteza do mercado. Nos setores mais afetados pela modernizagdo, que sdo os de demanda mais dinamica, a forma de mercado que prevalece apresenta uma dupla face. Para as empresas transnacionais que a observam do exterior, essa forma de mercado se assemelha & concorréncia monopolistica: a barreira 4 entrada é inexistente e ai defesa pela empresa de seu setor do mercado deve fundar-se na propaganda e na! individualizagdo do produto. Com efeito, para penetrar no mercado de um pais} periférico, uma empresa transnacional nao necessita mobilizar mais do que uma’ 44 pequena fracdo de seus recursos ¢ a subutilizagio de capacidade durante uma primeira fase nao significa para ela um grande esforco financeiro. Ora, vista do fingulo de uma firma local, essa forma de mercado define-se claramente como ‘um oligopblio, posto que o maior obstdculo se apresenta sob a forma de barreira @-entrada. E natural, portanto, que nesses setores as firmas locais tendam a instalar-se no regime de subcontratacdo no quadro de um sistema de precos ‘administrados pelas transnacionais, para as quais trabalham. No que respeita a ‘produgéo de equipamentos a sobrevivéncia das firmas locais depende essencial- ‘mente do apoio financeiro do Estado e também da reserva de mercado no setor piblico. Mas, como neste setor 0 acesso A tecnologia é particularmente dificil, as vinculagdes com as transnacionais se impdem de uma ou outra forma, Oca- sionalmente, como ocorreu com a indistria de material elétrico no Brasil, a estrutura do oligopélio internacional é imposta localmente. Gracas a essas circunstancias, a penetraco das empresas transnacionais no setor industrial das economias periféricas acelerou-se a partir dos anos 50. O instrumento essencial dessa penetragio foi o controle da tecnologia, concebida esta em seu sentido amplo: pesquisa e desenvolvimento, engineering, produgdo de equipamentos, montagem e operagio das usinas, etc. De uma maneira geral, 0s recursos financeiros foram derivados de operagdes comerciais no mercado local, da poupanca do pais em questdo, da capitalizagdo da técnica. A mio-de-obra especializada e 0s quadros dirigentes também foram formados localmente na maioria dos casos. Os setores em que penetraram de preferéncia as transnaciondis sé’ certa- mente aqueles em que a demanda resultou ser a mais dinamica, mas nfo se pode desconhecer que esse dinamismo deve-se em parte a essa penetracio. A modemizacio traduzia-se em forte diversificagio da demanda, vale dizer, em estreiteza do mercado. A superagiio desse obstdculo deveu-se em grande parte a acio do Estado, que socializou as perdas mediante diversas formas de subsidios. Criadas essas condicdes bisicas, as empresas transnacionais puderam abrir cami- nho utilizando tecnologia e equipamentos de baixo custo de oportunidade. As empresas locais encontravam-se evidentemente em posigio de inferioridade, par- ticularmente na fase inicial, mais marcada pela subutilizacio da capacidade produtiva. Contudo, seria um equivoco imaginar que a penetracio das trans- nacionais conduziu a um controle total por parte destas das atividades industriais na Periferia. A experiéncia tem indicado que a participagdo dessas empresas tende a um ponto de inflexdo, pelo menos nas economias periféricas que retmem as condigdes necessrias para um amplo desenvolvimento industrial. Nos paises latino-americanos de industrializagio mais avangada esse ponto critico situa-se entre 35 e 40 por cento do valor da producio industrial. Concomitantemente com as transnacionais, o setor estatal amplia-se e ganha solidez. As empresas privadas locais devem reciclar-se, em fungio da lideranga exercida pelas trans- as nacionais ¢ pelas empresas estatais, mas nem por isso deixam de crescer consi- deravelmente. A expanséo das empresas do Estado reflete, em certos casos, 0 volunta- rismo de grupos dirigentes. Mas, independentemente desse fato, por toda parte na Periferia o Estado tende a desempenhar o papel de socializador de parte dos custos de produgdo, sem o que nao se obteria a estrutura de pregos relativos requerida para dar continuidade & expansio no quadro da modernizacao. Se os pregos dos insumos industriais se definissem nos mercados em condigdes normais, © problema da estreiteza dos mercados de muitos produtos finais, em particular os bens durdveis de consumo, seria ainda mais grave. O Estado situa-se de prefe- réncia ali onde a rotagdo do capital é mais lenta e as exigéncias de escala na fase inicial séo maiores. Mas, alcancada certa dimensio, as empresas estatais ganham crescente autonomia, tanto mais que elas tendem a guardar sob seu controle os lueros de um capital que pertence a coletividade. A articulacdo entre bancos especializados e empresas do Estado poe em marcha um processo de acumulagao que tende a orientar-se em fungdo da rentabilidade dessas empresas e dos inte- resses da burocracia que as dirige. Com base no poder financeiro que acumulam, as referidas empresas diversificam suas atividades em miltiplas diregdes, muitas vezes aliando-se aos grupos internacionais que controlam a tecnologia de que necessitam. A expansdo do grupo de empresas locais é uma decorréncia do fato de que elas emprestam flexibilidade ao conjunto do sistema industrial. Esse setor opera como mecanismo descentralizador de decisdes e também como laboratério de ensaio. Demais, essas empresas esto em condigdes de absorver parte dos custos mediante uma politica de saldrios mais baixos, muitas vezes contornando as exi- géncias da legislacao social. Mas, em razao de sua dependéncia tecnolégica, muito raramente chegam a disputar posigdes nos setores mais dindmicos as trans- nacionais. NOVO SISTEMA DE DIVISAO INTERNACIONAL DO TRABALHO? ‘As economias industriais que emergiram na Periferia no quadro da substi- twigdo de importagées so 0 fruto de um esforgo para prosseguir com a moder- nizagdo face a condigées externas adversas. Nascidas na fase de desorganizaga0 do sistema de diviséo internacional do trabalho, elas continuardo a “fechar-se” no periodo subseqiiente, no qual as economias centrais se empenham em integrar os respectivos mercados em um espago econémico unificado. Continuam, em conseqiiéncia, a fundar sua competitividade internacional na base de fecursos naturais, a despeito dos avangos que sealizem pelos caminhos da industrislizacao. Contudo, com o tempo essa situagao far-se-4 insustentdvel em razio dos limites do “fechamento” e das novas exigencies de importagao e de pagamentos no ex- 46 terior criadas pela modernizagao orientada pelas empresas transnacionais. Nesta fase da industrializacao, a modernizag&o tende a assumir a forma de modelagem da demanda final com vistas a facilitar a implantagao da tecnologia amortizada das empresas transnacionais. As facilidades que estas criam sao insepardveis da adogio de certo estilo de desenvolvimento. Este, por seu lado, requereré a con- centracéo da renda, a manutencdo dos baixos saldrios. Assim, os aumentos de Produtividade trazidos pela industrializacdo pouca ou nenhuma modificagio traréo ao nivel do saldrio basico. Gragas a estas circunstancias, mais uma vez caberé as empresas trasnacionais papel de relevo na remogdo dos obstéculos que se apre- sentam & industrializagdo periférica. A estreiteza da capacidade para importar seré superada mediante a reinsergio dos paises periféricos, ou de alguns dentre eles, n0 comércio internacional como exportadores de produtos manufaturados. Gracas 4 manutengiio dos baixos saldrios na Periferia, as empresas trans- nacionais esto tentando reconstruir o sistema de divisdo internacional do traba- tho mediante deslocacao para a Periferia de parte crescente da atividade industrial. Uma Periferia semi-industrializada emerge assim sob a forma de um espaco em que se localizam atividades industriais controladas do Centro e orientadas em boa parte para o mercado deste. Posto que a busca da modernizagao na Perife- tia exclui a possibilidade de elevacao do saldrio real basico, as empresas trans- nacionais encontram-se em renovada posicéo de forca, frente a outras forcas sociais no Centro. A nova divisdo internacional do trabalho permite-Ihes alcangar um duplo objetivo: abrir espaco para a industrializagdo periférica no quadro da modernizagio — 0 que amplia o espaco de utilizagdo da técnica disponivel — e reforcar a posicdo que ocupam no sistema capitalista, em particular a posicdo frente As poderosas organizagées sindicais do Centro. O dinamismo da economia industrial central decorre, conforme assinalamos, da interagao de forcas sociais que esto na base do fluxo de inovagGes e da difu- so do progresso técnico. Certas forcas pressionam no sentido da introdugao de novos produtos ¢ outras no da difusio do uso de produtos j4 conhecidos e utili- zados. Essas transformagées vao acompanhadas da introdugdo de novos proces- sos produtivos ¢ da difusdo de outros. Esse quadro somente se constitui ali onde se manifesta uma efetiva presséo no sentido de elevacio da taxa de saldrio bisico da populacao, ou seja, onde emerge uma tendéncia virtual A escassez de mao-de-obra. Na economia periférica que se industrializa 0 processo é fundamentalmente diverso. No comego de tudo esté a modernizaco, que define o perfil da demanda e pressiona no sentido de utilizar o excedente para ampliar e diversificar o con- sumo de uma minoria que se diferencia por seu estilo de vida. As limitagdes a essa tendéncia ndo vém das forcas sociais e sim do Estado. B gragas as iniciativas deste que a parcela do excedente canalizada para os investimentos é aumentada. Tambien € gragas & avio do Estado gue os investimentos tigades ao mereads 47 interno deixam de ser apenas um complemento do proceso de modemnizagéo para adquirir um sentido social mais amplo. Em todo caso, é a interagdo dessas duas forgas — 0 processo de modernizagao ¢ a aco do Estado — que alimenta a industrializagdo periférica e define 0 quadro social que dela emerge. Mas néo imaginemos que a agio do Estado faz-se em contradicio com a modernizago, ou se apresenta como uma opgdo a ela. A verdade é que o Estado intervém para ampliar as avenidas de uma industrializagdo que tende a perder folego quando apoiada apenas na modertiizagio. A acéo do Estado define-se como essencial j4 na fase anterior, quando a modernizacao via importagao de produtos finais entra em crise. Mas nada disso impede que as iniciativas do Estado conduzam por vezes a resultados diversos dos buscados, ou que sejam desviadas de seu curso inicial por presses sociais de varias ordens. A verdade & que por toda parte na Periferia a acdo do Estado tendeu a ganhar autonomia, sendo mesmo utilizada para circunscrever ou frear 0 proceso de modernizacio. Apro- priando-se de uma parcela crescente do excedente, o Estado transformou-se no fator decisivo do volume dos investimentos nas forcas produtivas e tam- bém do custo de reproducio da sociedade, fonte que é de uma legislacdo social de crescente abrangéncia. Se a modernizacio opera como fonte de inovagao, 20 Estado cabe o papel de difusor do progresso técnico, na medida em que decide ‘© volume de emprego ¢ o nivel do salério basico. A partir do momento em que a industrializago passa a ser uma condicéo necesséria da modernizacao, 0 problema da dimensdo do mercado faz-se crucial. Se 0 custo de reprodugéo da populagdo cresce lentamente — 0 salério bisico mantém-se praticamente estével — a evolugio da produtividade do trabalho define o nfvel do excedente. Ora, numa economia que se industrializa voltada para o mercado interno, os ganhos de produtividade podem ser freados pela estreiteza do mercado. Maior a pressio da modemnizagéo no sentido da diversi- ficagiio da demanda, com mais freqiiéncia se apresentario problemas de rendi- mentos decrescentes ou de capacidade ociosa. Na primeira fase da substituicdo de importagées, contava-se com um mer- cado que fora criado com base em excedente derivado da atividade primério- exportadora e 0 aumento da produgdo fundava-se em boa medida no uso mais intensivo de recursos disponiveis ou numa oferta eldstica a médio prazo. Mas se 6 a propria atividade industrial que deve ela mesma formar o seu mercado, 0 problema passa a ser diferente, posto que o excedente que se origina nessa produgdo seré a fonte dos rgcursos para a ampliaco do mercado e também dos novos investimentos. Em outras palavras: a formagio do mercado seré em con- corréncia com o desenvolvimento das forgas produtivas. Desta forma, se 0 ex- cedente € canalizado de preferéncia para a acumulagéo ao nivel das forcas produtivas, cresceré mais lentamente o mercado ligado A modernizacio, o que niio poderd deixar de repercutir negativamente na produtividade e a fortiori no 48 Volume do excedente. Pela mesma raziio, se o excedente é canalizado de prefe- réncia para a formacao do mercado, freia-se o desenvolvimento das forcas produ- tivas, com repercusséo negativa na produtividade e portanto no crescimento do excedente. © problema jé referido da estreiteza do mercado € visto aqui de wa Angulo dinamico. Se se preservou a modernizagdo como quadro do processo de industrializagao foi porque as empresas transnacionais deram contribuigdo subs- tancial para solucion4-lo. Nao somente descapitalizando-se numa fase inicial — mediante a utilizagao de tecnologia e equipamentos total ou parcialmente amorti- zados — mas também apelando para o mercado financeiro internacional. O excedente localmente formado péde assim ser utilizado em grande parte para a ampliagéo do mercado. Contudo, a solucdo definitiva somente poderia vir das exportagdes industriais, vale dizer, no quadro de um novo sistema de divisio internacional do trabalho. O controle das atividades industriais periféricas pelas transnacionais conduz, portanto, de uma ou outra forma, ao reforgamento da estrutura de dominacdo Centro-Periferia. Nao ser4 por outra razfio que os paises periféricos empenham-se de forma crescente em reconstruir a ordem econdmica internacional.

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