Você está na página 1de 5

Inicialmente, é preciso falar sobre o caráter misto da Lei 9.

099, pois abriga normas de


direito material e normas de direito processual, e para buscarmos a ratio assendi da lei
cremo de valia uma separação destes planos.

No campo do direito penal material, a base do novo diploma está na constatação da


falência da pena de prisão, especialmente nas penas de curta duração. É sabido e
consabido por todos que nossas prisões são "universidades do crime", onde, sob o
inexplicável argumento da falta de vagas, criminosos andam soltos dentro das
dependências a maior parte do tempo, propiciando-se o contato entre presos com
condenações oriundas de diversas espécies de delitos e com diverso grau de
periculosidade. Abre-se espaço para que os "mestres" ensinem os alunos menos
experientes nas diversas "cátedras". Este contato permite ainda que sejam feitos ajustes
criminosos para os que saem, permite a organização de facções, a existência de
pressões, abrem os caminhos, dentro e fora das grades, ao crime. Dificilmente um ser
humano convive em um ambiente destes sem padecer de uma degradação moral
completa. Mas note-se bem que apontar estes fatos não significa pura e simplesmente
advogar a supressão da pena de prisão. Muito antes pelo contrário. A pena de prisão é
um mal necessário e cogitar-se sua abolição é lamentável engano e desmesurada utopia
em que se forram alguns apologistas extremos do direito penal mínimo ou, o que é mas
grave, pseudo-juristas que preconizam o fim puro e simples do Direito Penal. Costuma-
se argumentar que o encarceramento não reduz os índices de criminalidade e cita-se
como exemplo os E.U.A, cuja população carcerária é estimada em torno de 1.7 milhão
e pelo menos o dobro de indivíduos em gozo de benefícios penais. Mas à afirmação de
que não houve redução dos índices de criminalidade se apõe uma pergunta: Como
estaria a criminalidade naquele país não estivessem encarcerados estes 1.7 milhão?
Certamente seria o caos. Portanto há que se obrar com cuidado para não cairmos em
extremos, O que está em questão com a Lei 9.099 não é a abolição da pena de prisão, as
sim a sua aplicação dentro de um princípio de necessidade porque quanto às penas de
curta duração realmente se pode irrogar a pecha de instituição falida para a pena de
prisão. Com efeito, por ser de curta duração o encarceramento, não chega a intimidar
ou ter algum efeito ressocializador, levando em conta, neste último caso, que tivéssemos
um sistema de ressocilaização em nossas prisões. Mas este pouco tempo já é suficiente
para degradar moralmente o apenado, mormente quando a liberdade de circulação quase
irrestrita possibilita amplo contato entre os presos, recolocando-o na sociedade para por
em prática os ensinamentos auferidos na sua breve estadia na prisão. Principalmente o
apenado que cometeu delito esporádico e que não se enquadra no fugurino do
delinquente habitual sofre as consequências de uma estadia na prisão porque é
submetido a toda a espécie de violência que é obrigado a presenciar, ou que contra si é
cometida. Em síntese, as penas de curta duração não só são ineficazes como ainda
pioram a condição do apenado, não apenas não ressocializando mas contribuindo para o
oposto, ou seja, afasatando-o da sociedade e de seus valores que ela defende que, certos
ou errados, são os condicionantes da vida em sociedade.

Sob o prisma processual a Lei 9.099/95 procura criar um alternativa à carcerização,


visando atingir principalmente o delinquente de pequena monta ante à constatação de
que se já está corrompido de nada lhe adianta impor uma expiação encarcerado de
pequena duração, que tampouco impõe temor ao delinquente pertinaz, ao passo que se é
um delinquente não habitual, cuja personalidade anda apresenta traços de personalidade
compatíveis com a vida em sociedade, submetê-lo a cárcere implicaria em um mal
maior à sociedade, tanto mais quando verificamos que por detrás de cada apenado quase
sempre há uma família entregue ao abandono. O CP, antes da reforma levada a efeito
pela Lei 9.714/98, já possuía penas alternativas mas seu âmbito de abrangência era
muito acanhado frente as mudanças dos últimos anos. A composição de danos, a
transação penal e a suspensão do processo, frente aos acanhados termos que o CP
ostentava então, representam uma verdadeira revolução.

Sob o prisma processual, A Lei 9.099/95 busca uma prestação célere e


desburocratizada, ciente , como já dizia o douto Rui, que justiça tardia não é justiça,
antes é uma rematada injustiça. Ao se produzir uma pronta resposta á violação da norma
penal, estar-se-á trabalhando eficazmente na prevenção especial e principalmente geral.
O rito sumaríssimo e a suspensão do processo evitam cerimônias degradantes, ao
mesmo tempo em que trazem pronta repressão para acalmar o clamor público contra
impunidade que causa alarma social e conspira contra a credibilidade do Judiciário e da
Justiça que ele almeja produzir. A nova Lei se insere em uma nova política criminal,
estabelecendo a justiça consensuada, rompendo com um ciclo de repressão cada vez
mais pesada denominado por alguns como tendência "paleorepressiva", observada em
movimento de incremento punitivo contida nas Lei 8.072/90 ( Crimes Hediondos) e
9.034/95 (Crime Organizado), e buscando uma realidade penal mais adequada e eficaz,
com penas mais humanas e não contra-producentes, almejando uma efetiva e real
ressocialização, impostas através de um processo judicial informalizado, célere e
simples.

É necessário antes que prossigamos estabelecer uma diferenciação entre


descriminalização e descarcerização. A descriminalização é consequência do Direito
Penal Mínimo e surge quando determinadas condutas tidas por ilícitas em termos penais
deixam de sê-lo tendo em vista a absorção destas condutas pela ordem moral então
vigente. A descarcerização, ao revés, não afasta a conduta punível desta condição, mas
tão somente altera a espécie de pena, priorizando alternativas à pena de prisão. Em
ambas as hipóteses é necessário muita cautela por que ambas representam um
afrouxamento dos mecanismos de controle social. Destarte não queremos defender aqui
um retrocesso, mas o fato é que nunca poderemos deixar de reconhecer que a pena
cumpre uma função intimidatória. A bem da verdade, as diversas teorias que tentaram
explicar a pena sob um ponto de vista restrito falharam, pois a pena é um fenômeno
complexo e não possui uma função única, senão que são várias as suas eficácias no
contexto social em que se aplica. A pena cumpre pelo menos quatro funções:
retributiva, prevenção especial, prevenção geral e ressocialização. A função retributiva
está em franca decadência e diz respeito a um direito penal de parcas bases científicas.
Se a pena é resultado da atividade do Estado e o Estado representa e serve a sociedade,
só tem sentido uma pena que cumpra uma função social. O punir-se pelo punir-se não
tem sentido porque não se pode admitir que em um Estado Democrático de Direito e em
uma sociedade moderna se conceba a pena com a simples finalidade de produzir
sofrimento o que seria substituir a vindita privata por uma vindita pública.

A função de prevenção especial se relaciona com o delinquente e se materializa no


intuito de impedir que o criminoso volte a delinquir sponte sua ou por influência do
ambiente que foi o fator propulsor para o delito. Esta função realmente tem claro
cabimento quando tratamos de delinquentes habituais já que com o criminoso eventual,
que cometeu um ato de insensatez motivado por circunstâncias momentâneas, este
fundamento não serve, muito pelo contrário deserve, se nos permitem o trocadilho. De
fato isolar este criminoso quando se tem a certeza de que delinquiu em circunstâncias
que não se repetirão ou que não estão relacionadas a uma ambiência tem efeito inverso
ao pretendido. O afastamento do convívio familiar e social pode ter nefastas
consequências, provocando o estigma e alimentando a revolta. Pelo contrário, o
convívio com os valores violados pelo delinquente pode despertar-lhe a consciência da
necessidade de respeito à esfera de direitos alheia.

A prevenção geral diz respeito paradoxalmete, ao não delinquente, e se baseia na


mensagem transmitida à sociedade em geral de que a lei penal será eficaz e punira
aqueles que a infringirem. A preevenção geral figura portanto como uma espada de
Dâmocles que paira sobre a cabeça de todos como a dizer dos males que lhe advirão se
descumprir a pauta de condutas preconizadas pela lei através da violação
consubstanciada na infração penal. Trata-se portanto de uma eficácia difusa que atinge a
todos indistintamente. A eficácia da lei penal materializada pela efetiva aplicação da lei
representa em última análise o cumprimento de uma das finalidades do direito que à de
produzir a paz social cuja antítese é o alarma e a inquietude produzidos pelo delito. A
impunidade só tende a favorecer o comportamento delinquente por que a pena tem
ainda uma função intimidatória.

Por fim exsurge a função de ressocialização que é uma preocupação recente no âmbito
do direito penal e que surge de uma compreensão multidisciplinar do delito através de
conhecimentos de sociologia, antropologia, psicologia dentre outras. O delinquente não
pode ser visto isoladamente. É um ser humano e como tal interage na sociedade. A
condição de delinquente não lhe suprime tal condição como outrora ocorria, e se
delinquiu, refugindo dos padrões sociais de conduta, deve-se buscar adaptá-lo, ou
readaptá-lo, à vida em sociedade pois certamente a sociedade tem interesse em ter cada
um de seus membros como um individuo ativo e produtivo. Assim sendo, na esteira das
teorias que viam no crime uma doença, tal como a doutrina lombrosiana, associada e
referida visão multidisciplinar, a ressocialização foi se tornando um objetivo declarado
da pena. Com efeito, quase sempre o crime tem como elemento causal ou como
elemento componente dos antecedentes causais, um desajuste comportamental e uma
rejeição a valores de convivência em sociedade e que constituem a pauta mínima que
ela impõe a seus membros. A expiação pura e simples devolve à sociedade um
indivíduo que presumivelmente continua com a mesma pauta de valores e que poderá
delinquir novamente se a oportunidade ou a circunstância surgir. É justamente para
impedir, ou melhor, tentar impedir que isto aconteça que surge a função
ressocializadora como uma tentativa de implantar e desenvolver os valores que a
sociedade reputa necessários naquele momento. Note-se bem, que a sociedade reputa
necessários equivale dizer em termos de Direito Penal ao que a lei reputa desejáveis e
como a lei nem sempre, ou quase nunca representa em verdade a vontade soberana do
povo senão de grupos que tem acesso ao processo legislativo e lá exercem influência, a
pauta de comportamento da lei é a pauta de comportamento que estes grupos desejam e
portanto a dita ressocialização nada mais é do que um mecanismo de dominação social,
como de resto todo o Direito. Não estamos aqui analisando o mérito ou o acerto ou
desacerto deste mecanismo e de fato não se pode simplesmente recolocar o indivíduo
delinquente na sociedade sem uma preparação que no mínimo o faça pensar duas vezes
antes de voltar a delinquir.

Isto posto, embutida nesta proposta ressocializadora encontramos uma puta de valores
dentre os quais a disciplina, o trabalho, a retomada do convívio familiar. Mas o que
jamais se poderá esquecer é que a pena quase sempre é um mecanismo emergencial e
traumático de controle e portanto sua eficácia enquanto tal está intimamente relacionada
com o potencial intimidatório que é capaz de produzir, mormente quando vemos
que, ao contrário do que pensam os leigos, quem está hoje cumprindo pena de prisão
não são os ladrões de galinha como usualmente se tem dito sem conhecimento de causa
e para fins demagógicos. Quem está atrás das grades, salvante raras exceções, são
criminosos renitentes e perigosos. Por isso a descarcerização e a descriminalização não
se podem dissociar da realidade e embarcar em ondas doutrinárias abolicionistas do
Direto Penal e da Pena como mecanismo de controle mínimo. Consideramos
precipitadas certas críticas apaixonadas que se fazem contra o movimento de
exacerbação penal que seria uma tendência paleorepressora. É preciso verificar o
ambiente social em que são aplicadas as sanções e o único modo de se produzir uma
obtenção rápida e eficaz da redução criminalidade é pelo aumento do potencial
intimidatório das penas. Ninguém nega que boa parte da criminalidade está relacionada
com questões econômico- sociais e à ausência do Estado ou de sua ineficiência em
prover um mínimo de justiça social. Porém, a solução destas questões não se faz em um
passe de mágica. É necessário muito tempo e investimento e comprometimento de toda
a sociedade, coisa certamente para longo prazo. Por ora, como forma de reduzir a
escalada do crime, outra saída não resta que não incrementar a intimidação penal.

Quanto à nova Lei parece estar no caminho certo, distinguindo a criminalidade de pouca
monta da criminalidade grave e estabelecendo medidas de descarcerização naqueles
casos em que realmente é a alternativa menos gravosa à sociedade.

13- Transação Penal

Segundo o artigo 75, uma vez frustrada a tentativa de composição cível, abre-se ensejo
a que a vítima, ou aquele que assim se diz, ofereça, desde já a representação, sem que o
não exercício de tal direito lhe tolha a faculdade de fazê-lo nos seis meses de que dispõe
para tanto conforme lhe garante o CP como regra. Abre-se espaço, com tal condição ou
em sendo a ação penal pública, para a transação, novel instituto contemplado no artigo
76 da Lei 9.099/95. Convém ressaltar que embora se possa reconhecer alguma
semelhança com o "plea guilt" e o "plea barganing" em verdade deles se difere a
transação penal . No plea barganing o conteúdo da discricionaridade do Ministério
Público é bem maior em extensão, tanto no que diz respeito às questões passíveis de
transação, como na intensidade da disponibiliadade, o que não condiz com a
discricionaridade regrada. Quanto ao plea guilt, implica o instituto necessária assunção
de culpa com a mesma força com que seria reconhecida em sentença, o que não ocorre
nos casos previstos na lei dos juizados. Trata-se de novo instituto pelo qual,
obedecidas certas condições e requisitos, o Ministério Público, antes de oferecer
denúncia, propõe a aplicação imediata de penas restritivas de diretos ou multa, cujo
cumprimento implicará extinção da punibilidade. Fica de fora a ação privada embora se
cogite o contrário por analogia, o que reputamos de bom alvitre pois medidas com a
natureza que possuem das medidas que implanta a nova lei carecem de aplicação a mais
ampla possível. A decisão que aplica a medida é de natureza homologatória segundo o
entendimento dominante. Segundo César Roberto Bittencort podemos alinhar como
características da transação o ser: personalíssima, voluntária, formal e tecnicamente
assistida. Embora a lei fale em poderá, a doutrina a entende como um poder-dever cujo
não oferecimento implica aplicação do artigo 28 do CPP que determina a remessa ao
Procurador Geral de Justiça, repudiando-se a ação ex officio do magistrado na
concessão.
Tem como requisitos: a) Existência de uma infração de menor potencial ofensivo, ou
seja , cuja pena máxima abstratamente cominada, incluídas majorantes e minorantes,
seja igualou inferior a 1( um) ano. b) Ausência de condenações anteriores por crime à
pena de prisão. c) Não ter se beneficiado do instituto nos últimos 05 anos. d) Prognose
favorável da necessidade e suficiência, aferível segundo os critérios do art. 72, inc II do
CP, obviamente com exclusão da culpabilidade. Sendo a pena de multa a única, poderá
o juiz reduzí-la até metade. A aplicação da medida requer proposta clara e explícita , a
ser feita ao acusado devidamente orientado e assistido por defensor, cabendo-lhe aceitar
ou não. Dada a natureza da medida, entende-se cabível que o próprio acusado apresente
a proposta. A sentença que homologa o acordo, imprescindivelmente realizado ante o
juiz, e que é apelável, não implica reincidência (art. 76,§ 4 ), sendo registrada apenas
para fins de não concessão de benefício nos próximos cinco anos (Art. 76, § 4º) o que
faz com que não conste nos registros e consequentemente em certidões, nem mesmo
judiciais (Art. 76, § 6), não gerando título executivo judicial cível.

Questão que sobreleva em importância é de saber se a submissão à transação penal


implica assunção de culpa. Cremos que na esfera civil não há de se cogitar de levar em
conta para fim de indenização, nem mesmo como indício, não só porque a lei determina
o contrário mas também porque estar-se-ia desprestigiando e onerando a medida,
obstaculizando a sua aplicação. Na esfera penal divergem os doutrinadores quanto a
implicar ou não assunção de culpa. Não resta dúvida de que há aplicação de sanção
penal. A questão é saber se é ou não possível pena sem culpa. Uma primeira corrente
afirma haver assunção de culpa. Outra nega haja culpa na simples aceitação. A questão
é espinhosa, mas a nosso ver a melhor solução é não ver aí assunção de culpa para não
piorar a situação do acusado, ainda que se viole o "nulla pena sine culpa". Não é a
solução tecnicamente correta, mas a prática certifica seu acerto face ao princípio do
favor rei.

Você também pode gostar