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Y CRenascimento (1527-1580) jueles que devem a pobreza ino, € ao povo caridade, ‘Amam somente mandos e riqueza, Simulando justiga e integridade; Da feia tirania e de aspereza Fazem direito e va severidade; Leis em favor do rei se estabe ‘Asem favor do povo s6 pers: (CAMOES — Os Lusfadas) Portugal do século XVI apresenta uma fisionomia especial e dupla: ¢ um pafs renovado que conserva a estrutura econémica medieval. Os desco- brimentos que apresentaram novas paisagens, novos valores, costumes, faunas etc. alargam o conhecimento do mundo e do homem. Para se chegar aos descobrimentos foi necessario saber a ciéncia da navegacdo, que surgiu da pratica de navegar. Sua origem est4, portanto, na figura do navegador, dos colonos ultramarinos e viajantes. Mas a descoberta de outros mundos contribu‘ram para o avango das ciéncias: aperfeigoou-se a navegacdo, a astronomia, a matemdtica e a propria medicina. No reinado de D. Joo III (1521-1557), h4 a reforma da Universidade (1537); é a experiéncia levando a escola a se adaptar aos novos tempos. Em 1547, foi fundado 0 Colégio das Artes, em Coimbra. Para ditigi-lo e orga- nizé-lo sfio chamados da Franca mestres e pedagogos que, a exemplo de André de Gouveia (1497-1548), pedagogo portugués que vivia na Franca, professam concepgdes e ideologias inconformistas, Ensinava-se, além do latim, o grego, o hebraico, a matemética, a légica e a filosofia, com clara influéncia do racionalismo aristotélico. OpGem-se claramente 4 teologia | medieval. Com a morte de Gouveia, 0 Colégio das Artés entra em crise: sofre a agao da Inquisi¢ao. Professores sfo presos, outros condenados e alguns afastados da cétedra. E, em 1555, 0 Colégio das Artes estava por fim nas Ba: da Companhia de Jesus, transformado em centro de formago teolé- ica. Evidentemente, os avangos e recuos culturais processados na corte de D. Joao I revelam o ambiente politico e econémico de seu reinado: as foreas novas representadas pela burguesia mercante — que compreende uma Roya visdo de mundo fundamentada na experiéncia — opdem-se a tradicional © religiosa nobreza — ideologicamente conservadora. —_ — ee 33 21 A nivel econémico, Portugal nao tinha capital suficiente para suportar_ os investimentos em suas colénias. Era um grande império sem condi¢des de sustenté-lo e ndo podia concorrer com os paises protestantes. Endividado com esses paises, com empréstimos sucessivos, empregava o lucro obtido com 0 comércio em pagamento de juros. No mar, o trabalho portugués era ameacado e dificultado por piratas e corsdrios, nfo.raras vezes financiado por reis estrangeiros. E também nessa crise, 0 governo recua sentindo-se ameacado pelas idéias reformistas dos pro- testantes que ameagavam a tradigdo catélica. Nesse contexto, contraditoriamente, a arte era estimulada na corte ao mesmo tempo que o ambiente cultural era invadido pela atuagao da Inquisigao. Jesuitas, Inquisi¢éo e Coroa estavam fortemente unidos contra a heresia, o fermento cultural e qualquer desobediéncia ao Concilio de Trento (1545-1563) que reafirmou os dogmas catélicos e o purismo do Evangelho. A diregdo da cultura pela Igreja e pelo Estado nao se efetuou apenas sobre as universidades e colégios. A censura organizada se estabeleceu com a Inquisigéo (1540) apesar de, desde a década de 1520, haver uma vaga supervisdo régia sobre a imprensa. A partir de 1540 0 Santo Offcio visita livrarias e casas 4 procura de livros heréticos que falassem sobre coisas “lascivas e desonestas”. Gil Vicente, Camdes, S4 de Miranda, Antonio Ferreira, Bernardim Ribeiro entre outros foram considerados “agentes contra a Fé e os costumes”. A Inquisigdo, a censura e a ago dos jesuitas fizeram afrouxar escri- tores e editores, impedindo Portugal de acompanhar — ao mesmo ritmo — 0 desenvolvimento cientffico e cultural da Europa. Como resultado desse momento de contra-renovagao e de crise, assis- timos ao ressurgimento da teologia. Esses fatores de renovacdo e recuo revelam que as novas idéias convivem com as outras de origem medieval. Nesse clima, o Renascimento portugués teve peculiaridades proprias. O Renascimento A Epoca Cléssica abrange os séculos XVI, XVII e XVIII, isto é, os perfodos de Renascimento, Barroco e Arcadismo. O Renascimento consistiu numa concepgdo de arte baseada na identi- dade e imitagao dos clissicos gregos ¢ latinos. Essa identidade nao surge do nada: o Renascimento, evolugao natural do Humanismo, € nas artes o teflexo das transformagées sucedidas no Ocidente. No final da Idade Média, a vida econémica e social se emancipou da prisio eclesidstica e feudal, principalmente na Itdlia. Como vimos, em séculos anteriores j4 apreciam a Dante (1265-1321) e Petrarca (1304-1374), que prenunciam, respectivamente, a glorificagfo das paixGes terrenas e a adoragdo a cultura romana. 34 ‘A emancipagao do velho sistema implicou a descoberta de um novo mundo e de um novo homem. E a arte se volta para a realidade mais ime- Hata, As idéias acerca da eternidade, salvagdo e redengdo passam a ser secun- dérias. A certeza de que o ser humano constitui a forga racional a domina- dora e transformadora do universo — leva as pessoas cultas da época a se {dentificarem com a cultura cldssica, pelo prdprio relevo que era atribuido ‘zo homem e A vida terrena. Os deuses gregos — representativos da figura humana — passam a ser a simbologia que substitui, nas artes, a instituigao da Igreja. fs © racionalismo acaba por ser uma decorréncia natural: 0 mundo, o homem e a vida so vistos sob o prisma da razdo. Nao é o fim da emogio, mas a procura de uma expressdo impessoal, comum ao contexto em que 0 homem ganha um sentido universal. O renascentista procura entender a harmonia do universo e para par- ticipar dela é necessério utilizar a razo e a inteligéncia. ‘A nogdo de Beleza, Bem e Verdade esta associada ao equilibrio entre emogao e razio. ‘A nova cultura e a nova expressdo artistica surgiram na Itdlia porque foi nesse pafs que primeiramente se organizou uma nova vida econdmica (a partir dos mercadores de Veneza), nele se aperfeigoou o sistema de livie concorréncia, dele surgiu o primeiro sistema bancdrio, a emancipagdo da burguesia urbana e porque 0 contato didrio com as lembrangas do mundo classico criaram um clima propicio para retomar a tradigdo cultural. E o desenvolvimento da arte se torna parte desse processo de racionalizagao da vida e dos costumes. Esse processo de legitimar a razo interfere na forma da arte: era preciso obedecer as regras estabelecidas como verdadeiras. Essas regras eram as formulas empregadas pelos antigos. Esse novo ideal artistico chega a Portugal e tem como marco histérico a volta de Sd de Miranda da Itdlia, em 1527. O contexto histérico do Renascimento portugués apresentou ele- mentos desencorajantes mas ndo impediu o surgimento de grandes obras literdrias. Entretanto, seus autores (os que escreveram até 1570) revelam um claro contraste: a0 otimismo (proveniente das conquistas) sucede o desen- canto. Em Portugal, além da consciéncia do homem enquanto ser universal, ‘hé também a consciéncia de nagdo: as grandes descobertas vém acrescentar a visdo de grandeza material. Nessa euforia, é 0 luxo que sobressai na corte. Lisboa transforma-se em grande centro comercial. Mas 0 verdadeiro escritor, como Cambes, sente-se profundamente desiludido em face de tantas contra- digdes. E a concorréncia entre o desenvolvimento das capacidades humanas ea selvagem lei da competicao. Ha em Portugal, nesse perfodo renascentista, um primeiro momento de entusiasmo e depois o desencanto que expressa o germe da decadéncia. O pais que viveu a euforia dos descobrimentos e que levou a Europa a novas rotas presencia o seu desmoronamento. 35 ae Depois de D. Jodo Ill, sucedem D. Catarina e D. Sebastitio que, morto na batalha de Aledcer Quibir (1578), vem caracterizar o dominio do império portugués, pela Espanha, dominio que dura até 1640. © Renascimento portugués caracterizou-se por esse contexto his torico. A poesia renascentista Muitos dos poetas renascentistas haviam contribufdo no “Cancioneiro Geral de Garcia de Resende” (1516). Ai introduziram alguns modelos for- mais de origem classica. Francisco de Sd de Miranda (Coimbra 1481-1558?) foi formado em Leis pela Universidade de Lisboa. Depois de passar seis anos na Itélia, ao regressar (1527), comegou a poetar 4 maneira renascentista, introduzindo © decassflabo herdico (verso de dez sflabas, com a acentuacdo realgada na 62 € 102 sflabas); o terceto; a oitava rima (estrofe de 8 versos com as rimas abababcc, que foi utilizada por Camdes em Os Lusiadas); 0 soneto (Dante principalmente Petrarca divulgaram essa forma fixa: dois quartetos e dois tercetos); a cang&o (composta de introducao, texto e finda: a introdugao era as vezes de cardter geogréfico e na finda o poeta personifica 0 poema, co- mentando-o ou dedicando a alguém) e a carta (embora tenha cultivado esse género em redondilha maior). S4 de Miranda introduziu a medida nova, que é a técnica de versejar @ maneira cléssica, sem deixar de cultivar a medida velha, que é a antiga redondilha, maior ou menor, usada pelos trovadores galego-portugueses. Além disso Sé4 de Miranda cultivou, pela primeira vez em Portugal, a comé- dia cléssica em prosa: “Os Estrangeiros” (1526) e “Os Vilhalpandos” (1538). Sob a influéncia dos latinos Plauto (250-184 a.C.) e Teréncio (194-159 a.C.) dos italianos Ariosto (1474-1533), Maquiavel (1469-1527) e Bibiena (1470-1520), essas comédias apresentam temas extraidos da vida particular. Esse e mais outros poetas representam o lirismo renascentista, se bem que todos acabaram por ocupar um segundo plano frente a genialidade de Camies. Bernardim Ribeiro (? — antes de 1536) poeta que compartilha com Sé de Miranda a gloria de introduzir, em Portugal, a écloga, poesia de tema bucélico desenvolvida por Virgilio, no século I a.C., e difundida por Dante, no século XVII. Além de poeta, Bernardim Ribeiro escreveu Menina e moga, novela sentimental (oposta a novela de cavalaria porque nfo hd o predominio da a¢ao) em que o autor analisa a alma humana dominada pelo amor. Anténio Ferreira (1528-1569), autor de sonetos insertos nos Poemas lusitanos (1598); também foi doutrinador do Classicismo. Sua obra mais famosa é 0 A Castro — de 1587 — baseada no caso amoroso de Inés de Castro e D. Pedro I. Trata-se de uma tragédia escrita em versos, 4 maneira grega, cabendo ao autor a gloria de haver introduzido em Portugal a tragédia em lingua portuguesa. 36 . 13 Luis Vaz de Camées Oriundo de uma familia fidalga mas empobrecida, parece ter nascido Lisboa, em 1524 ou 1525. Talvez tenha freqiientado as aulas do Mos- teiro de Santa Cruz, em Coimbra, sob a protecdo de um tio, D. Bento de Camoes. O certo é que sua obra revela uma s6lida formagfo cultural: escri- tores cldssicos, renascentistas, cronistas portugueses, obras de cosmografia, de filosofia, tudo esta nitidamente expresso na sua obra. Em 1545, regressa a Lisboa, centro comercial, lugar de boémias, de vida intensa, Teria sido freqlentador dos serdes do Pago Real, mas certa- mente foi freqiientador das ruas onde se envolveu com brigas ¢ prostitutas. ‘A formacdo no Mosteiro de Santa Cruz associa uma vida fundamentada na experiéncia tumultuada e aventuresca. em A semelhanca de muitos fidalgos empobrecidos, inscreve-se em 1550° para ir 4 India. Nao chegou a partir e continuou a morar em Lisboa, no bairro da Mouraria, até que é obrigado a partir; em 1552, envolve-se numa desordem e fere um oficial do Pago. Preso, D. Jofo o perdoa em 1553 (estra- nho perdio, pois o poeta tem de pagar 4000 réis de multa). O perdao est4 fundamentado em dois motivos: nfo ter deixado 0 oficial com deformidade e por ser CamGes um mancebo pobre que tencionava ir para a India. Pouco depois de libertado parte para a India a servigo de Portugal. Suas experiéncias nao diminuem: na ida, perto do cabo da Boa Espe- ranga, sofre uma grande tempestade; em 1553 chega a Goa e dois anos depois parte para o Cruzeiro de Meca, para guerrear contra naus turcas. Saindo de Goa as naus portuguesas foram ancorar no Monte Félix, sobre qual o escritor escreveu: “Junto de um seco, fero e estéril monte, Inatil e despido, calvo, informe, Da natureza em tudo aborrecido; Onde nem ave voa ou fera dorme, Nem rio claro corre ou ferve fonte, Nem verde ramo faz doce rufdo; Cujo nome, do vulgo introduzido, E Félix, por ant(frase infelice;”” De volta a Goa, em 1556, representou a peca “Auto de Filodemo” na casio em que D. Francisco Barreto assumia 0 cargo de governador da India. Um ano depois foi nomeado “provedor-mor dos bens de defuntos e ausentes”’, em Macau, na China. Acusado de “prevaricador” no desempenho do cargo, volta a Goa, sob prisdo. Durante essa viagem (inicios de 1559 ?) 0 poeta naufragou junto a foz do rio Mecao; salvou-se a nado mas morreu a moga chinesa com quem vivia conjugalmente (a Dinamene de suas poesias). 37 2.3.1 Preso outra vez por dividas ndo pagas, depois vivendo miseravelinen; renascentista) que junto de outros amigos Ihe oferece roupas ¢ a passagi de regresso a Lisboa. Por essa altura j4 preparava, para impressdo, Os Lusiadas e compilaya suas poesias liricas com 0 titulo de Parnaso (que lhe foi roubado). Paupérrimo, chega a Lisboa em 1570. Publica Os Lusiadas em 1572, no mesmo ano D. Sebastido Ihe concede a tenga (renda) anual de 15.000 réis: pelo trabalho feito na India e pelo que mostrou no livro. Isso nao o tira da miséria. Morre em 1580, no mesmo ano em que Portugal caiu sob 0 dominio da Espanha. O grande génio da literatura portuguesa foi enterrado por uma companhia beneficente, a Companhia dos Cortesios. Esse grande contraste foi mais um dos que envolveu a existéncia de Camaes. A experiéncia pessoal do poeta nao estd dissociada do contexto social, também repleto de contradigGes, Vivendo intensamente sua época, soube perceber que no grande império portugués jé se anunciava a sua pro- pria decadéncia, como prenunciou em Os Lustadas. Camées lirico O poeta morreu sem ter publicado as liricas. Mas as primeiras edigdes de sua obra comecaram a ser publicadas j4 no século XVI. Eram poesias compiladas de varios manuscritos que estavam nas maos de colecionadores de poesias. Cam@es € 0 grande autor da literatura portuguesa. Sua obra reflete © tempo histérico a que pertenceu. E um tempo em que desenvolvimento associa-se a decadéncia, viver a morrer, alegrar-se a entristecer-se. E um tempo cujos valores se fundamentam na razfo e na experiéncia. Mas a emogio ganha forga porque é individualizada e simultaneamente nao indi- vidual. Esses elementos antag6nicos fazem de CamGes um autor de carac- teristicas universais. Portanto, sua obra reflete o tempo histérico no qual viveu e um tempo sem limites cronolégicos. Sensivel 4 cultura do seu tempo, envolvido pela filosofia clissica, define-se como renascentista, mas suas reflexes 0 tornam além do Renas- cimento: barroco ou moderno sua poesia trata de temas atemporais. Nota- -se por isso sua influéncia em Gregorio de Matos ou em Vinicius de Morais, entre outros. Escreve poesias que revelam a tradi¢do popular dos trovadores medie- vais, como, por exemplo, as redondilhas. Também escreve éclogas, odes (exaltagdo entusidstica), cangGes, sextina, elegias, oitavas, sonetos, epopéia, tudo sob influéncia classica. Essa variedade de formas nos mostra a variedade de temas. Mais ainda: a variedade de formas nos mostra o conflito cultural de uma época em que valores medievais se unem a valores renascentistas. Um mundo fechado 38 ‘ to e movel dos burgueses; um mundo existe com o mundo aber el Feudal aM gja cultura se assenta sobre as tradigGes populares ¢ © mundo ee nit cuja cultura se assenta na leitura. dos cldssicos (somente pelos ren ém acesso a cultura). a que (em arma face, a tradigfo crista oriunda da Idade Média; de outra, a descoberta do mundo de prazer. O resultado disso ¢ a mistura do cristia sere a neoplatGnica concepego de vida: a vida terrena é um caminho para Bisthopar ao mundo das idéias; o Bem e a Verdade platOnica se ligam @ idéia Deus. 7 de ew sou lirismo, hé uma sondagem em tomo dos paradoxos interiores ao homem, Hé uma dramética reflexio sobre os mistérios da condi¢o humana: “Oh! Como se me alonga de ano em ano A peregrinacao cansada minha! Como se encurta e como ao fim caminha Este meu breve e vo discurso humano! \Vai-se gastando a idade e cresce 0 dano; Perde-se-me um remédio que inda tinha; . Se por experiéncia se adivinha, Qualquer grande esperanca é grande engano”. A vida € 0 carcere, sem alternativas: “No cuide 0 pensamento que pode achar na morte (O que néo pode achar tua longa vida"’. O conhecimento mais profundo da realidade coloca em relevo nume- rosos paradoxos: “amor é fogo que arde sem se ver”. O aspecto dual das emogées e da propria vida convergem para a certeza da morte (tudo ¢ tragi- camente irremediavel) ou para um total descrédito da vida material, expres- sando uma viséo neoplaténica: 0 mundo terreno é constitufdo apenas por sombras das realidades verdadeiras que se encontram no mundo do qual descendemos. E 0 caso de Babel e Sido: “Quem do vil contentamento Ca deste mundo visivel Quanto ao homem for possivel, Passar logo 0 entendimento Para o mundo inteligivel: Ali achara alegria Em tudo perfeita e cheia De tio suave harmonia ‘Que nem por pouca escasseia Nem, por sobeja, enfastia”. 39 | Esse lugar puro representado por Cam@es pode ser simbolizado pela mulher, aquela que diviniza o poeta, que é capaz de levé-lo a um processo de purificagéo, como vemos num dos mais famosos sonetos do autor: “Alma minha gentil, que te partiste ‘Téo cedo desta vida, descontente, Repousa Id no Céu eternamente E viva eu cé na terra sempre triste. Se ld no assento etéreo, onde subiste, Meméria desta vida se consente, Néo te esquecas daquele-amor ardente Que jé nos olhos meus téo puro viste. E se vires que pode merecer-te Alguma cousa a dor que me ficou Da magoa, sem remédio, de perder-te, Roga a Deus, que teus anos encurtou, Que téio cedo de cé me leve a ver-te, Quéo cedo de meus olhos te levou. Podemos dividir sua lirica em duas correntes: a tradicional e a renas- centista. Sdo caracteristicas da poesia tradicional: a redondilha (onde os temas remontam os cancioneiros; fazem lembrar as pastorelas, as barcarolas e as serranilhas; temas da moga que vai a fonte; temas humoristicos; 0 estilo palaciano fatil, com trocadilhos e jogos de palavras; e o tema neoplaténico. Sao caracteristicas da corrente renascentista, que é a medida nova, © amor petrarquista (a mulher é idealizada; expressa as contradigdes cau- sadas pelo amor por meio de antiteses; na auséncia da mulher amada, sua imagem ideal mais se ativa; a natureza se transforma mediante o estado interior do poeta). Mas hd em Camées a unido do petrarquismo ao sensual: em “Trans- forma-se 0 amador na cousa amada” a posse abstrata e imaterial nao satisfaz 0 poeta. Por isso o amor puro e vivo necessita concretizar-se. Também hd a expresso autobiogréfica: fala em Dinamene (a chinesa que amou); nos seus erros (“erros meus, mé fortuna, amor ardente”); as injustas perseguigdes estdo aludidas em toda obra; o desconsolo (““O dia em que nasci moura e pereca”). Ao “desconcerto do mundo”, ao contexto em que os maus siio pro- tegidos e os bons, castigados, Camdes apresenta as seguintes alternativas: aurea mediocritas (tranqiiilidade da vida rdstica) e a resignagdo perante os designios de Deus, incompreensiveis para o nosso entendimento. E na corrente renascentista que CamGes explora o tema da efemeri- dade das emogoes e da vida: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a contianga;’* 40 Nas composigées de medida nova (soneto, cangdes, odes, éclogas, sextina, oitavas, elegias) hd evidente predominio das antiteses e paradoxos; hipérboles, andforas e outras figuras poéticas que implicam maior trabalho formal. Seja na corrente tradicional ou renascentista, o certo é que a obra camoniana apresenta uma variedade de visdes sobre o desconcerto do mundo. As idéias contrérias — provenientes de uma formago renascen- tista e da cultura medieval — fundamentam sua obra lirica. As contradi- g6es sfo expressdes dum mundo em desalinho, que através do tempo ga- nharé relevo, como aconteceu na literatura barroca no século XVII. E Camées nao apenas o reflete como também antevé esse mundo a medida que-coloca em destaque (no uso abundante de paradoxos e antiteses) a nao-estabilidade e a nfo-harmonia existentes no universo dos seres e das coisas. O universo fixo, estdvel e harménico est desconcertado nas poesias liricas de CamGes. Poesia que nfo reflete o entusiasmo momentaneo, nem o instante aparentemente farto em riquezas. A lirica camoniana exprime tensdes fundamentais: concepgdes de amor e mulher neoplaténica e sensual; espiritualidade e carnalidade; a vida é tracada sem que o homem disso participe; para a desordem do mundo, a solugao € 0 retiro bucélico e/ou a recordagfo do mundo ideal, platénico. As tensOes, o paradoxos e a visto de um mundo que se define por antiteses revelam que Cam6es viveu em uma época de contradigdes; em um contexto cuja ordem é aristocrdtica e simultaneamente burguesa; em um tempo em que a visio feudal e crista do mundo é abalada pela visio racional e burguesa, sem que uma suceda a outra, mas ambas coexistem. Logo, as duas visdes de mundo so expresses de dois grupos sociais distintos. Ca- mées as assimilou porque viveu nessa época. Viveu o periodo em que esses grupos mais se antagonizaram. A consciéncia desalentada de que tudo é paradoxal e nenhuma verdade terrena é absoluta advém do instante em que a experiéncia prova que a vida é norteada por contrastes (que a morte de um mundo implica o surgimento do outro; Morte e Vida,Eternidade e Efe- meridade etc.). Autor que apresenta o complexo de eontradigdes, acaba por mergu- Ihar nos paradoxos do homem medieval renascentista ou moderno, afinal © homem de hoje é o resultado ampliado das expectativas ¢ afligdes, diividas © incertezas daquele que viveu na infancia da histéria burguesa. Dizer que Camées fala para um piblico do século XX 6 confirmar a sua grandiosidade de artista, porque soube poetar sobre uma temdtica que expressa as indefi- nigdes da prépria burguesia. Camées épico A épica é a poesia que trata de assunto grandioso ¢ heréico: de aconte- cimentos histéricos. a4 Homero (séc. IX a.C.) foi quem introduziu esse tipo de poesia; autor _ de Iiada (que narra a desavenga entre os chefes gregos Agamenon e¢ Aquiles) _ ¢ de Odisséia (que narra as peripécias de Ulisses). Os romanos, herdeiros da cultura grega, seguem a trilha de Homero: Virgilio (séc. I a.C.) escreve Eneida (que narra a destrui¢do de Trdia e a fuga de Enéias para a Itdlia), Durante a Idade Média, surgiram obras épicas sob a influéncia da cul- tura romana, na Franga, Cangdo de Rolando (séc. XII); na Espanha, Poema del Cid (XII); e na Itdlia, A divina comédia (séc. XIV), de Dante Alighieri. Com o Renascimento, a redescoberta do mundo greco-latino estimula a criag&o de epopéias nacionais: na Itdlia, Boiardo (1441-1494) escreve Orlando enamorado, que apresenta o herdi Orlando que se enamora de Angélica, princesa infiel que procura a discérdia entre os cavaleiros cristaos. Ariosto (1474-1533) escreve Orlando furioso, que continua a narrativa de Boiardo, apresentando a fiiria do herdi Orlando porque Angélica apaixona- -se por outro. Mas o tema central é a luta entre cristfos e mouros, sendo esses os derrotados. Torquato Tasso (1544-1595) escreve Jerusalém liber- tada, epopéia de menor importancia, cujo tema é a libertago de Jerusalém pelos cruzados de Godofredo de Bouillon. Em Portugal, Camdes escreve Os Lustadas. O autor se utiliza da viagem de Vasco da Gama para contar a histéria de Portugal, desde sua formagao. Do lirismo universalizante, agora é 0 poeta do assunto coletivo. E o cantor dos portugueses ou dos lusfadas, que so os descendentes de Luso — companheiro do deus Baco. ‘A exaltacdo a historia de Portugal implica cantar a expansao maritima e as decorrentes conquistas. Os antecedentes dessa expansio so entusiasti- camente apresentados. Mas sio os descobrimentos que propiciam o canto e a imortalizagdo dos heréis, porque com eles surgiu um novo reino. Portugal foi o desbravador do caminho maritimo e sua contribuigao para o desenvol- vimento comercial do mundo implicou o golpe definitivo contra as forgas do feudalismo (se bem que na terra portuguesa ndo chegou a ser um golpe definitivo). Os novos horizontes, os obstdculos enfrentados, 0s novos povos ¢ culturas diferentes sfo conquistas do povo portugués. O expansionismo portugués se concretizou pela agdo colonialista. Mas é inegdvel que aos des- cobrimentos estava ligada uma visdo de mundo fundamentada na dnsia de liberdade. A possibilidade de locomogio, de viagens e de comércio signi- ficava para o homem a liberdade desconhecida no mundo medieval. Os homens dessa época acreditavam que por esse caminho a sociedade seria mais justa, porque o referencial significativo de injustiga estava ligado ao mundo feudal. Alidés, CamBes é um renascentista e esse perfodo cultural estd ligado estreitamente as descobertas. O autor enaltece os feitos nacionais porque foram os lusitanos os desbravadores. Portugal das grandes descobertas foi conseqiiéncia de sua primeira revolugfo popular (1383, com D. Jofo, o Mestre de Avis). 42 ‘As nogdes de tomada e conquista nfo se associam a faganha da no- breza feudal cavaleiresca € sim a um empreendimento da burguesia comer- cial, representante das idéias antifeudais. Portanto, cantar as descobertas é cantar suas origens, e elas estao ligadas a um mundo que se transforma fubvertendo a ordem feudal. Cantar as descobertas ndo ¢ cantar a cruel expansio mercantilista — que assim se caracterizou depois —, mas cantar 0 homem, agente da hist6ria e transformador do universo. ‘Mas Cam@es ndo s6 cantou a histéria que antecede as descobertas e as proprias descobertas: no epis6dio do Velho do Restelo (canto IV), ele critica e lamenta — na hora da partida da armada de Vasco da Gama — a aventura maritima: “© gloria de mandar, 6 va cobica Desta vaidade, a quem chamamos Fama! 6 fraudulento gosto, que se Cia aura popular, que honra se chama! ‘Que castigo tamanho e que justiga Fazes no peito véo que muito te ama! Que mortes, que perigos, que tormentas, Que crueldades neles experimentas! Dura inquietaggo d’alma e da vida, Fonte de desamparos e adultérios, Sagaz consumidora conhecida De fazendas, de reinos e de impérios! Chamam-te ilustre, chamam-te subida, Sendo dina de infames Vitupérios; Chamam-te Fama ¢ Gléria soberana, Nomes com quem se 0 povo néscio engana”. Esténcias 95/96 Nessa recriminagaéo Cam@es procura evidenciar o contraste entre o desenvolvimento de uma politica de navegaco e a triste condicao do povo que — vivendo de uma economia de base agrdria — fica 4 mercé dos grandes feitos. E, além disso, j4 existe para o autor a perspectiva de que a conquista estd associada 4 formagao do império colonial. Essa perspectiva nao é predo- minante na obra, mas é {ndice da capacidade camoniana de antever as conse- qiiéncias das descobertas. Porém, essa atitude critica, original em poema épico — pelo seu cardter de exaltacdo —, nfo é tnica. O poeta soube perceber a decadéncia de Portugal: “Nao mais, Musa, ndo mais, que a Lira tenho Destemperada e a voz enrouquecida, E indo do canto, mas de ver que venho Cantar a gente surda e endurecida. O favor com que mais se acende o engenho Nao no dé a patria, ndo, que esta metida No gosto da cobica e na rudeza Dhiia austera, apagada e vil tristeza”. Estdncia 145-C X 43 Caracteristicas do poema épico “Os Lusiadas” Os principais elementos da épica sfio: a ago, a personagem, o mara. vilhoso e a forma, Na épica cldssica o herdi € um semideus, ou um ser superior. Na obra Os Lusiadas hd um herdi individual, Vasco da Gama, e 0 herdi coletivo, que é 0 povo portugués. Nessa inovagdo camoniana hé um duplo aspecto: o heréi pode ser considerado um ser real e nfo mitolégico; eo herdi portugués € semideus, o que diferencia o lusitano dos demais homens. Cam@es canta “as armas e os bardes assinalados” que edificaram o novo império ¢ atribui a eles poderes especiais, como se percebe na 33 es- trofe do primeiro canto: “Cessem do s4bio Grego ¢ do Troiano : As navegacdes grandes que fizeram; Cale-se de Alexandro e de Trajano A fama das vitérias que tiveram; Que eu canto o peito ilustre Lusitano, ‘A quem Neptuno e Marte obedeceram, Cesse tudo o que a Musa antiga canta, ue outro valor mais alto se alevanta’’. A agéo € o desenvolvimento do fato heréico. Na obra hé uma dupla agdo histérica e uma aco mitoldgica: a primeira acdo histérica é a nar rago da viagem de Vasco da Gama a India e 0 seu regresso (1497-1499). A segunda agdo historica é a exposicao da histéria de Portugal (desde as origens do condado), feita pela voz de Vasco da Gama ao rei de Melinde, e feita por seu irmao, Paulo da Gama, ao Catual. A ago mitolégica com- preende a luta travada entre Vénus — protetora dos portugueses — e Baco, que os combatia. Os episédios so, portanto, hist6ricos ¢ mitolégicos. Os histéricos se baseiam na histéria de Portugal. Entre varios, hd, como exemplo, a Batalha de Ourique (canto III), a Batalha de Aljubarrota (canto IV) etc. Os episédios mitoldégicos se baseiam na mitologia paga, como exem- plos, 0 Coneflio dos deuses no Olimpo (canto 1), ou quando Vénus pede a Jupiter protegao para os portugueses (canto II) etc. Mas hd outros tipos de epis6dios: os liricos (epis6dio de Inés de Castro — canto III —, episédio do Velho do Restelo — canto IV —), em que Cam@es expressa sua emocSo mais particular: enaltece a histérica Inés de Castro, a do amor ilicito (e observar que a colocacdo desse episédio significa eternizar historicamente um caso de amor abominado), ou enaltece o velho que é contra a politica de expansio. Camées mais uma-vez contraria as epopéias clissicas: nelas, 0 epis6dio litico é obra do heréi. NOs Lusiadas, os episddios liricos sao obras das per- 44 Mas se os herdis so Vasco da Gama e 0 povo portu- secundarias tém de ganhar relevo, spo séo pave: ios simbolicos — que contém um significado simboli ans & Baie cal (canto IV), ate é simbolo da politica de expansio; 3 Velho do Restelo (canto IV), que é simbolo da politica agréria; o Gigante Peetitor (canto V), que é simbolo da forga da natureza e dos perigos a ‘la opée ao trabalho do homem; os Doze da Inglaterra (canto VI), simbolo do cavaleirismo medieval portugués; a Tha dos Amores (canto 1X-X), simbolo das honras e prémio a que os herdis tém direito etc, Hi os episdios naturalistas — que so os que apresentam fenémenos naturais, Entre varios exemplos, hé a tempestade (canto V1). f Segundo as regras clissicas, a agdo deve ter as seguintes qualidades: unidade (a aco deve ter harmonia); variedade (a agfio deve ser diversificada, conter epis6dios que dinamizem a obra); verdade (agao baseada em assunto hist6rico, apesar de poder ter mitologia); integridade (ago com comego, meio e fim). Os Lustadas téri essas qualidades, bem como a estrutura da obra est harmoniosamente dividida em quatro partes: sonagens secundarias. gués, as personagens — a proposi¢éo: parte em que o poeta expde o assunto de que vai tratar (cantard armas e bar6es); — invocagdo: parte em que roga aos entes sobre-humanos inspiragao para escrever 0 poema (invoca a Tégides); — dedicatéria: parte em que 0 poeta dedica o poema a alguma perso- nagem (a D. Sebastifio); — narragao: que € o desenvolvimento da narrativa. No nivel formal, Os Lusiadas estao divididos em 10 cantos, cada um com numero varidvel de estrofes. As estrofes sdo oitavas, com versos decas- silabos herdicos (acentuagao nas 62 e 10 silabas) e séficos (acentuacdio nas 48, 82 e 104 sflabas). A rima obedece ao seguinte esquema: abababce. Para escrever a obra, Camées utilizou-se de varias fontes histéricas (de cronistas portugueses, como Ferndo Lopes) e também de fontes lite- rarias: Eneida, de Virgilio, e mesmo a Inés de Castro — trovas de Garcia de Resende, poeta e compilador do Cancioneiro Geral, de 1516. Camées e 0 teatro No teatro, Camées retine duas influéncias diferentes: a do auto vicen- tino e a da comédia classica. Repetem na sua obra 0 reflexo de duas culturas. Auto dos anfitrides (publicado em 1587) — escrito em porte caste- Thano, em redondilha maior. O assunto — extraido da comédia Amphitruo de Plauto — esté aliado a forma medieval. Auto d’El-Rei Seleuco — em porte castelhano — tem o prélogo e o epflogo escritos em prosa e 0 auto propria- mente é composto em redondilha maior. 45 Auto de Filodemo — representado na India — escrito em portugués castelhano, em prosa e em redondilha maior. O tema dos casamentos de condigao social diferente ser muito explorado, no século XIX, pelo Roman- tismo. Todo teatro do século XVI estd caracterizado pelas duas influéncias que marcam Cames. A chamada escola vicentina, que envolve varios escri- tores de temdtica e forma populares, convive com o teatro renascentista. Representando essa corrente, temos Antonio Ferreira (1528-1569) com Castro (tragédia sobre Inés de Castro); Jorge Ferreira de Vasconcelos (15157-1585?) com as comédias Eufrosina (proibida pelo index inquisitorial em 1581; trata da oposigo entre amor petrarquista e sensual); Ulissipo — 1547? — trata-se de uma critica 4 burguesia lisboeta do século XVI e Aulegrafia — que significa “descrigdo da corte” — escrita entre 1548-1554. Historiografia No século XVI a historiografia revela também duas tendéncias que caracterizam bem o contexto social, dividido entre os valores culturais da Tdade Média e do Renascimento. Gaspar Correia (14952-1561?) — autor de Lendas da India — narra a histéria da India desde 1498 até 1550. Tem um conceito de histéria muito semielhante ao de Ferndo Lopes: reconstituicdo da verdade dos fatos. Fiel a esse conceito, denuncia roubos, mortes, adultérios etc. Os acontecimentos so dispostos em ordem cronoldgica e enriquecidos por anedotas, aventuras romanescas, outros costumes, hdbitos e superstigdes do oriente. Fernio Lopes de Castanheda (15002-1559), autor de Historia do descobrimento e conquista da India pelos portugueses (1551-1561), em 10 livros. Faltou-lhe o alvard régio para impressdo do 9° e 10° livros ¢ estes acabaram por desaparecer. Sob influéncia de Ferndo Lopes, entende que é preciso reconstituir os acontecimentos sem deturpagdo. Como Camées, também refletiu o periodo das descobertas e entendeu que os feitos histéricos dos portugueses eram superiores aos dos povos da Antiguidade. Jodo de Barros (14962-1570?) autor de Panegiricos (de D. Joao III, 1533 e da Infanta D. Maria, 1555); de as Décadas da Asia: Década I, 1552, narra os sucessos histéricos desde o inicio dos descobrimentos — promo- vidos pelo Infante D. Henrique; Década II, 1553; Década III, 1563; Década IV, publicada s6 em 1615. Mais comprometido com uma concep¢do apo- logética, entendia que o historiador devia cultuar a verdade mas poderia ocultar o que nao fosse dignificante. Joao de Barros acreditava nas fungdes formadora e utilitéria da his- toria: os governantes deviam aprender com ela a evitar os erros passados ea prever o futuro, enfim, a governar melhor. Opondo-se a isso, Damido de Géis (1502-1574), autor de Crénica do {felictssimo rei D. Manuel (1560-1567) e da Crénica do principe D. Jodo (1567), com uma concepgao cientifica e critica da hist6ria, procura recons- 46 contecimentos e também criticar as personalidades que neles tituir os a anew seguindo essa linha esti Diogo do Couto (1542-1616), que continuo + 4s Décadas de Joffo de Barros, escrevendo desde 4 4 123. "Além da historiografia, houve em Portugal narrativas de viagens e de naufrdgios, literatura muito interessante como documento da face oculta das descobertas. Ferndo Mendes Pinto (15092-15832), em Peregrinagio, ndo s6 apresenta 0 exotismo do Oriente (costumes, justiga, comércio etc.) como satiriza o contraste entre o modo como os portugueses teorizam o cristianismo e as ages que pratica. Sua obra nos mostra uma concepgdo anticléssica do homem: o herdi € o anti-heréi que tem mais medo que coragem. : Na Histéria tragico-maritima (narrativas de varios autores, compilada por Bernardo Gomes de Brito — 1688-17602), temos uma série de motivos que levaram a sucessives naufrégios no século XVI como, por exemplo, 0 uso de madeiras improprias para embarcagdes, ambigao de oficiais para terem a gloria de chegar primeiro e ter promogGes (afastavam suas naus de outras), ignorancia de pilotos, ataques de corsérios etc. Novelas de Cavalaria A Cronica do imperador Clarimundo (15202), de autoria de Jodo de Barros, apresenta a vida aventurosa desse Imperador — herdeiro do trono da Hungria e de Constantinopla —, av6 do conde D. Henrique. Ao percorrer © mundo passa pelo territério que mais tarde serd Portugal. As faganhas herdicas de seus descendentes, desde D. Afonso Henriques até as navegacdes e conquistas na Africa e Oriente, sao profetizadas. A novela de cavalaria se nacionaliza: os herdis so portugueses porque © século XVI apresenta farto material. Mas 0 género literdrio, de origem medieval, vem nos confirmar mais uma vez que o Renascimento apresenta uma face dupla, porque retine as caracteristicas da cultura medieval e da cultura cldssica: € 0 mundo da ordem feudal e o mundo da ordem burguesa coexistindo ¢ provocando uma estrutura de pensamento paradoxal e con- trastante. Assim se processou o Renascimento portugués. Sugestées para leitura Em ‘’’Os Lusfadas’ e o Ideal Renascentista da Epopéia — Comentarios em torno de um pseudoproblema” (Para a histéria da cultura em Portugal. Lisboa, Publicagdes Europa-América, 1961. v. |, p. 83-132), de Antonio José SARAIVA, encontra-se uma leitura da épica camoniana em que fatos e 47 episédios histéricos sio comentados ¢ esclarecidos, bem como o autor anal a técnica de composicao utilizada pelo poeta épico. O Renascimento portugués — em busca de sua especificidade (Lj boa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1980), de Joaquim Barradas CARVALHO, é um “breve estudo” sobre o Renascimento portugués que ty de diferenciar Humanismo de Renascimento, bem como de caracterizar producio literria em rela¢So com 0 contexto das descobertas. ——— Sintese — Renascimento Portugal e a convivéncia feudalismo e mercantilismo As grandes descobertas e o Renascimento Cultural — Sd de Miranda: marco de uma nova forma literéria Caracteristicas do movimento ¢ Imitaco dos cl&ssicos gregos e latinos * Racionalismo Antropocentrismo * Neoplatonismo Principais autores — Sd de Miranda — introdutor do movimento — Bernardim Ribeiro -- poeta e novelista — Anténio Ferreira — poeta e dramaturgo — Lufs Vaz de Camées Lirico Epico Dramaturgo renascentista Prenunciador do Barroco Escritor mais representativo Prosa historiogréfica — Gaspar Correia — Ferndo Lopes de Castanheda — Jodo de Barros — Damio de Géis e outros Novela de Cavalaria — Joao de Barros — nacionalizagao da novela de cavalaria 48

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