Você está na página 1de 4

OBRAS DE MISERICÓRDIA

– Jesus misericordioso. Imitá-lo.

– Preocupar-nos pela situação espiritual dos que estão ao nosso lado.

– Outras manifestações da misericórdia.

I. JESUS VOLTOU A NAZARÉ, onde se tinha criado, e, conforme o


costume, entrou na sinagoga no sábado1. Entregaram-lhe o livro do profeta
Isaías para que lesse. Jesus abriu o livro numa passagem directamente
messiânica: O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para
evangelizar os pobres; Ele me enviou para pregar aos cativos a liberdade e
devolver a vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, para anunciar
um ano de graça do Senhor.

Jesus, enrolando o livro, devolveu-o e sentou-se. Havia uma grande


expectativa entre os presentes, seus conterrâneos, com os quais tinha
convivido tantos anos. Todos na sinagoga tinham os olhos fixos n’Ele. Muito
provavelmente a Virgem estaria entre os assistentes. Então, o Senhor
disse-lhes com toda a clareza: Hoje cumpriu- se esta Escritura que acabais de
ouvir.

Isaías2 anunciava nessa passagem a chegada do Messias, que livraria o


povo das suas aflições, e as palavras do Senhor “são a sua primeira
declaração messiânica, à qual se seguem os actos e as palavras conhecidas
por meio do Evangelho. Mediante tais actos e palavras, Cristo torna o Pai
presente no meio dos homens. É muito significativo – continua a comentar
João Paulo II – que estes homens sejam em primeiro lugar os pobres sem
meios de subsistência, os que estão privados de liberdade, os cegos que não
vêem a beleza da criação, os que vivem com a amargura no coração ou sofrem
por causa da injustiça social e, por fim, os pecadores”3.

Mais tarde, quando os enviados de João Batista lhe perguntarem se é Ele o


Cristo ou se devem esperar outro, Jesus responde-lhes que comuniquem a
João o que viram e ouviram: Os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos
ficam limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, os pobres são
evangelizados...4

O amor de Cristo expressa-se especialmente no encontro com o sofrimento,


em todos os campos em que se manifesta a fragilidade humana, tanto física
como moralmente. Desta maneira revela a atitude que Deus Pai, que
é amor5 e rico em misericórdia6, manifesta continuamente em relação aos
homens.

A misericórdia será o núcleo central da pregação de Cristo e a principal


razão dos seus milagres. E, seguindo os seus passos, a Igreja também “cerca
de amor todos os afligidos pela fraqueza humana; mais ainda, reconhece nos
pobres e sofredores a imagem do seu Fundador pobre e sofredor. Faz o
possível por mitigar-lhes a pobreza e neles procura servir a Cristo”7.

Que outra coisa podemos nós fazer, se queremos imitar o Mestre e ser bons
filhos da Igreja? Temos diariamente diversas oportunidades de pôr em prática
os ensinamentos de Jesus a respeito do nosso comportamento perante a dor e
a necessidade. É uma atitude compassiva e misericordiosa que não espera por
ocasiões excepcionais, como visitar um preso ou um doente, ou socorrer
alguém que está à beira de morrer de fome, mas vai-se exercitando nas
pequenas ocasiões do dia e com aqueles que se têm ao lado. Se vejo um
colega de trabalho de cara abatida, se uma pessoa da família se mostra
particularmente cansada e sem ânimo, se um amigo me telefona a contar uma
aflição em que está, sei ver nessas situações uma oportunidade única de ser
“outro Cristo”, sem fechar os olhos ou mostrar-me indiferente e
apressado? Hoje cumpriu- se esta Escritura que acabais de ouvir...

II. ...UNGIU- ME PARA EVANGELIZAR os pobres; enviou- me para pregar


aos cativos a liberdade e devolver a vista aos cegos, para pôr em liberdade os
oprimidos... Não há maior pobreza do que a provocada pela falta de fé, nem
cativeiro e opressão maiores do que esses que o demónio exerce sobre quem
peca, nem cegueira mais completa do que a da alma que ficou privada da
graça: “O pecado produz a mais dura das tiranias”, afirma São João
Crisóstomo8.

Se a maior desgraça, o pior desastre que existe é afastar-se de Deus, a


nossa maior obra de misericórdia será, em muitas ocasiões, aproximar os
nossos familiares e amigos dos sacramentos, fontes de vida, e especialmente
da Confissão. Se sofremos com as penas, doenças e desgraças que os
afligem, como não nos havemos de doer se vemos que não conhecem Jesus
Cristo, que não o procuram ou se afastaram d’Ele? A verdadeira compaixão, a
grande obra de misericórdia começa pelo apostolado.

Entre essas obras, a Igreja destacou desde há muito tempo a que nos anima
a “ensinar a quem não sabe”. Quando o número de analfabetos decresceu em
tantos países, aumentou em proporções assombrosas a ignorância religiosa,
mesmo em nações de antiga tradição cristã. “Por imposição laicista ou por
desorientação e negligência lamentáveis, milhares de jovens baptizados vêm
chegando à adolescência no desconhecimento total das mais elementares
noções da Fé e da Moral e dos rudimentos mínimos da piedade. Actualmente,
ensinar a quem não sabe significa, sobretudo, ensinar aos que nada sabem de
religião, isto é, “evangelizá-los”, falar-lhes de Deus e da vida cristã. A
catequese passou a ser na actualidade uma obra de misericórdia de primeira
importância”9.

Quanto bem não faz a mãe que ensina o catecismo aos seus filhos, e talvez
aos amigos dos seus filhos! Que enorme recompensa não reservará o Senhor
aos que dedicam com generosidade o seu tempo a um trabalho de formação
doutrinária cristã, aos que aconselham um livro adequado que ilustra a
inteligência e desperta os afectos do coração! É abrir aos outros o caminho que
conduz a Deus; não há outra necessidade maior que esta.

III. IMITAR JESUS na sua actividade misericordiosa para com os mais


necessitados significa consolar e acompanhar os que se encontram sós, os
doentes, os que passam pelas agruras de uma pobreza envergonhada ou
descarada. Faremos nossa a dor que suportam, ajudá-los-emos a santificá-la,
e procuraremos solucionar esse estado na medida em que nos for possível.
Quanto podemos confortar essas pessoas com uma visita oportuna, com uma
conversa simples e amável, bem preparada, procurando dar às nossas
palavras e comentários um tom sobrenatural que deixe no doente ou no idoso
uma luz de fé e confiança em Deus! Com delicadeza e oportunidade,
atrever-nos-emos a prestar-lhes alguns serviços, a arrumar-lhes a cama, a
ler-lhes um trecho de algum livro ameno e mesmo divertido10.

Cada dia é mais necessário pedir ao Senhor um coração misericordioso para


todos, pois na medida em que a sociedade se desumaniza, os corações
tornam-se duros e insensíveis, e cada qual tende a viver exclusivamente para
si próprio. A justiça é uma virtude fundamental, mas só a justiça não basta; é
necessária, além dela, a caridade. Por muito que melhore a legislação
trabalhista e social, sempre será necessário proporcionar aos outros o calor de
um coração humano, fraternal e amigo, que se abeira compassivamente dos
homens como filhos de Deus que são, pois a misericórdia “não se limita a
socorrer os necessitados de bens económicos; o seu primeiro propósito é
respeitar e compreender cada indivíduo como tal, na sua intrínseca dignidade
de homem e de filho do Criador”11.

A misericórdia leva-nos a perdoar prontamente e de todo o coração, mesmo


quando aquele que nos ofende não manifesta o menor arrependimento. O
cristão não guarda rancores na alma; não se sente inimigo de ninguém.
Devemos esforçar-nos por estimar mesmo os que são infelizes por culpa
própria, ou em consequência da sua própria maldade. O Senhor só quer saber
se esta ou aquela pessoa é infeliz, se sofre, “pois isso basta para que seja
digna do teu interesse. Esforça-te por protegê-la contra as suas más paixões,
mas desde o momento em que sofre, sê misericordioso. Amarás o teu próximo,
não por ele o merecer, mas por ser o teu próximo”12.

O Senhor pede-nos uma atitude compassiva que se estenda a todas as


manifestações da vida, incluído o juízo que fazemos sobre o nosso próximo, a
quem devemos olhar sempre sob o ângulo que mais o favorece. “Ainda que
vejais algo de mau – aconselha São Bernardo –, não julgueis imediatamente o
vosso próximo, mas antes desculpai-o no vosso interior. Desculpai a intenção
se não puderdes desculpar a acção. Pensai que a terá praticado por
ignorância, por surpresa ou por fraqueza. Se o erro for tão claro que não o
possais dissimular, mesmo então procurai dizer para vós mesmos: a tentação
deve ter sido muito forte”13.
Temos de lembrar-nos frequentemente de que, se formos misericordiosos,
nós mesmos obteremos do Senhor essa misericórdia de que tanto
necessitamos para a nossa vida, especialmente para as fraquezas, erros e
fragilidades em que incorremos a cada passo e que Ele bem conhece.

Maria, Rainha e Mãe de Misericórdia, dar-nos-á um coração capaz de


compadecer-se eficazmente dos que sofrem ao nosso lado.

(1) Lc 4, 16-30; Evangelho da Missa da segunda-feira da vigésima segunda semana do TC; (2)
cfr. Is 61, 1-2; (3) João Paulo II, Enc. Dives in misericordia, 30-XI-1980, 3; (4) Lc 7, 22 e segs.;
(5) 1 Jo 4, 16; (6) Ef 2, 4; (7) Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 8; (8) São João
Crisóstomo, Comentário ao Salmo 126; (9) J. Orlandis, As oito bem- aventuranças, págs.
104-105; (10) cfr. Cura d’Ars, Sermão sobre a esmola; (11) São Josemaría Escrivá, É Cristo
que passa, n. 72; (12) G. Chevrot, O Sermão da Montanha, 2ª ed., Quadrante, São Paulo, pág.
115; (13) São Bernardo, Sermão 40 sobre o Cântico dos Cânticos.

(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI)

Você também pode gostar