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Texbe 5 THEODOR W. ADORNO MAX HORKHEIMER DIALETICA - DO ESCLARECIMENTO fragmentos filosdficos Tradugao: Jorge Zahar Editor Rio de Janeiro O Conceito de Esclarecimento No sentido mais amplo do progresso do pensamento, o esclareci- mento tem perseguido sempre 0 objetivo de livrar os homens do medo e de investi-los na posigdo de senhores. Mas a terra totalmente temas, Ele desprezava os adeptos da tradigao, que “primeiro acre- ditam que os outros sabem o que eles no sabem; e depois que eles proprios sabem 0 que no sabem. Contudo, a credulidade, 2 aver- Séo a diivida, a temeridade no responder, 0 vangloriar-se com o saber, lidez. no contradizer, o agir por interesse, a preguica nas inves- tigagdes pessoais, o fetichismo verbal, o deter-se em conhecimentos parciais: i i m um casamento feliz em vez disso, a conceitos véos © experiments errdticos: 0 fruto ¢ a posteridade de tG0 gloriosa unido pode-se facilmente imaginar. A Cimprensa)nao passou de uma invengao grosseira; o anhi invencdo que jé estava praticamente assegurada; a (bissola ja era, até certo ponto, conhecida. Mas que mudanga essas trés invengdes produziram — uma na ciéncia, a outra na guerra, a terceira_nas nangas, no comércio ¢ na navegagiol E fol apenas por acaso, digo eu, que @ Bente tropecou € caiu sobre elas. Portanto, a superioridade do_homem esti no saber, disso niio hé di i “estéio guardadas que ‘com todos 05 comprar, sobre as quais sua vontade no impera, das quais seus espias e informantes nenhuma noticia trazem, e que provém de patses gue seus navegantes e descobridores n&io podem alcancar, Hoje, gies Comomietee Acanings & atone. wei. de falc. estence so 20 diatética do esclarecimento metidos A sua necessidade; se contudo nos deixéssemos guiar por ela na invengo, nés a comandariamos na pratica”.? ‘Apesar de seu alheamento A matemética\ Bacon \eapturou bem a mentalidade da ciéncia que se fez depois dele. O casamento feliz . _entre_o entendimento humano e a natureza das coisas que ele tem ‘em mente é pattiarcal: 9 entendimento que vence a superstigfo deve “imperar sobre a natureza desencantada. O saber_que € poder_nao ‘Sonhece-nenbuima-barreira,-nem.na, escravizagao.da_criatura, nem 2, complacéncia.em face dos senhores.do.mundo. Do mesmo modo que est a servico de todos os fins da economia burguesa na fabrica ¢ no campo de batalha, assim também esté & disposigfo dos empresé- rios, nfo importa sua origem. Os reis nao controlam a técnica mais diretamente do que os comerciantes: ela € tao democrética quanto Q sistema econdmico com o qual se desenvolve. A técnica é a esséncia desse saber, que no visa conceitos ¢ imagens, nem o prazer do dis cernimento, mas_o método, a utilizagéo do trabalho de outros, o capital. As miltipias coisas que, segundo Bacon, ele ainda encerra nada mais sio do que instrumentos; 0 rédio, que é a imprensa subli- mada; 0 avido de caca, que é uma artilharia mais eficaz; 0 controle remoto, que é uma biissola mais confidvel. O que o8. _aprender da_natureza_& como empregé-la para doi ‘mente a ela e aos homens. Nada mais importa, Sem a menor con- sideragio consigo mesmo, o esclar _tério 0 dikime. resto de sua ‘prépria aufoconsciéncia. S60 pensamento “que “se faz violéncia a si mesmo 6 suficientemente duro para destruir os miitos. Diante do atual triunfo da mentalidade factual, até mesmo'o credo nominalista de Bacon seria suspeito de metafisica incorreria no veredicto de vacuidade que proferiu contra a escolés- sz tia. Poder ¢ conhecimento sao sindnimos.* Para Bacon, como para Lutero, 0 estéril prazer que o conhecimento proporciona nio passa de uma espécie de lascivia. O que importa nao é aquela satisfacdo que, para os homens, se chama “verdade", mas a “operation”, o procedimento eficaz. Pois ndo é nos “discursos plausiveis, capazes de proporcionar dcleite, de inspirar respeito ou de impressionar de uma maneita qualquer, nem cm quaisquer argumentos verossimeis, mas em obrar_¢ trabalhar ¢ na descoberta de particularidades ¥ conhesicas para melhor prover e auxiliar a vida”, que 1 dadeiro objetivo e fungio da ciéneia”.* Nao deve haver nenhum mis- tério, mas tampouco © desejo de sua revelagio Desencantar 0 mundo é destruir o animismo. Xenéfanes zom- conoeito 21 produziram, em tudo aquilo que é contingente.¢ mau, ¢_a légica mais, recente denuncia as palavras cunhadas pela linguagem como moedas falsas, que sera melhor substituir por fichas neutras. O mundo tor- ‘oa-se 0 caos, € a sintese, a salvagao. Nenhuma distingaio deve haver entre o animal totémico, os sonhos do visiondrio ¢ a Tdéia absoluta. trajeto para a ciéncia moderna, os homens renunciaram ao sen- tido_e substituiram 0 conceito pela formula, a causa pela Tegra ¢ pela probabilidade. A causa foi apenas o ltimo conceito filosético que serviu de padrdo para a critica cientifica, porque ela era, por assim dizer, dentre todas as idéias antigas, 0, nico conceito que a ela ainda se apresentava, derradeira secularizagéo do principio cria- dor, A filosofia buscou sempre, desde Bacon, uma definigdo moderna ia e qualidade, de aco e paixio, do ser ¢ da existéncia aj podia passar_sem semelhantes categorias. Essas ca~ tegorias tinbam ficado para’ trés como idola theatri da antiga meta- fisica ¢ ja eram, em sua época, monumentos de entidades € poténcias de um passado pré-hist6rico. Para este, a vida ¢ a morte haviam se explicado e entrelagado nos mitos. As categorias, nas quais a filo- sofia ocidental determinava sua ordem natural eterna, marcavam os lugares outrora ocupados por Ocnos ¢ Perséfone, Ariadne ¢ Nereu. ‘AS cosmologias pré-socrdticas fixam 0 instante da iransigiio. O timido, © ar, 0 fogo, af citados como 2 matéria primordial da natureza, sio apenas sedimentos racionalizados da intuigo mi ‘Assim como as imagens da geragdo a partir das aguas do rio € terra se tornaram, entre os gregos, princfpios hilozofstas, elementos, assim também toda a Iuxuriante plurivocidade dos deménios miticos fualizou-se na forma pura das. entidades ontol6gicas. Com as Idéias de Platao, finalmente, também os deuses patriarcais do Olimpo foram capturados pelo logos filosdfico. O esclarecimento, porém, re~ conheceu as untiges poténcias no legado platénico ¢ aristotélico da metafisica ¢ instaurou um processo contra @ pretensio de verdade dos universais, acusando-a de superstigéio. Na autoridade dos con- \esitos universais ele cré enxergar ainda o medo pelos demdnios, cujas ae eram 0 meio, de que se serviam os homens, no ritual magico, ar ia a tentar influenciar 2 natureza. Doravante, a matéria_deve. ser dominada sem_o recurso ilusério a_forgas. soberanas ou imanentes, jsem a ilusio de qualidades ocultas. O que.ndo se submete 20 cri | da calculabilidade ¢ da utilidade torna-se suspeito para o esclareci- mento. A partir do momento em que ele pode se desenvolver sem @ interferéncia da coergao externa, nada mais pode seguré-lo, Passa-se 22. diatética do esctarecimenta passou com os universais mais antigos. Cada resisténcia espiritual que cle encontra serve apenas para aumentar sua forga.® Isso se deve a0 fato de que o esclarecimento ainda se reconhece a si mesmo nos proprios mitos. Quaisquer que sejam os mitos de que possa se valer a resisténcia, o simples fato de que eles se tornam argumentos por uma tal oposi¢fo significa que eles adotam o principio da racio- dade corrosiva da qual acusam © esclarecimento. Q esclai itério, el i sempre © antropomor- a_projegiio do Subjetivo na natureza.* O sobrenatural, o es- € 0s deménios seriam as imagens especulares dos homens que ixam amedrontar pelo natural. Todas as se reduzir, segundo o esclarecimento, a0 mesmo denominador, a sa- ber, 20 sujeito. A resposta de Edipo ao enigma da esfinge: informaco estereotipada invariavelmente repetida pelo ndo importa se este se confronta com uma parte de vo, 0 esbogo de uma ordem, o medo de poténcias 86 reconhece como ser © acontecer 0 que se deixa captar pela unida- de. Seu ideal é 0 sistema do qual se pode deduzir toda e cada coisa. Nao € nisso que sua versio racionalista se distingue da versio em- pirista. Embora as diferentes escolas interpretassem de maneira dife- rente os axiomas, a estrutura da era sempre a mesma as coisas A matéria. Ainda de acordo com Bacon, fpios © os enunciados observacionais deve ine idole d’échel- agio. Ela oferecia yua- jo de toda desmitologizacio: ecimento, As_mesmas equagdes mercantil. “Nao & a regra: nares 0 desigual ao igual obterds algo de desigual’ (Si inaequalibus aequalia addas, omnia erunt inaequalia) um prinefpio tanto da justica quanto da matemética? E nfo existe uma verdadeira coincidéncia entre a justiga cumulativa ¢ distributiva por um lado ¢ conceito 23 as proporcies geométricas ¢ aritméticas por outro lado?”® A_socie- dade burguesa esté dominada pelo equivalente. Ela torna o hetero- géneo compardvel, reduzindo-o a grandezas abstratas. Para 0 escla- recimento, aquilo que nfo se reduz a niimeros e, por fim, go_uno, passa a ser ilusio: 0 positivismo, moderno remete-o para a literatura. “Unidade” continua a, ser a divisa, de, Parménides a Russell. O que se continua a exigir insistentemente € a destrui¢ao dos. deuses © das ‘qualidades. ‘Mas_0s_mitos que caem vitimas do esclarecimento j4 cram o produto do, proprio esclarecimento. No célculo cientifico dos aconte- cimentos anula-Se a conta que outrora o pensamento dera, nos mitos, gem, mas também expor, dos mitos, essa tendéncia reforgou-se. Muito ced um relato, para se tornarem uma doutrina, Todo ritual inclui uma Fepresentagao dos acontecimentos bem como do processo a ser in- fluenciado. pela . Esse elemento te6rico do ritual tornov-se auténomo nas px como os en- contraram os poetas trégicos, jf se encontram sob 0 signo daquela disciplina e poder que Bacon enaltece como. o objetivo a se. alcangar. © lugar dog espititos e deménios locais foi tomado pelo céu e sua lugar das priticas de conjuragao do feiticeiro ¢ da tribo, bem dosado e pelo trabalho servil mediado pelo co- As deidades olimpicas_nio_sc.identificam mais dirctamente aos elementos, mas passam.a.significd-los. Em Homero, Zeus preside © céu diumno, Apolo guia o sol, Hélio e Ko j4 tendem para o alegé- rico, Os deuses separam-se dos elementos materiais como sua supre- ma manifestagao. De agora em diante, o ser se resolve no logos — = que, com o progresso da filosofia, se reduz A mOnada, mero ponto de teferéncia — e na massa de todas as coisas e criaturas exteriores a ele, Uma tinica distingao, a distingdo entre a prépria existéncia.¢ a re de, engolfa todas as outrasdistineSes.. Destruidas..as distin ‘ges, 0 mundo 6 submetido ao domfnio dos homens. Nisso estio de acordo a histor + ¢ do- hicrarquia: judia da criagio e a religiéo olimpica. minario os peixes do mar ¢ as aves do céu ¢ o gado ¢ a terra inteira ¢ todos os répteis que se arrastam sobre a terra.” 9 “Zeus, nosso p: sois 0 senhor dos eéus, e a vosso olhar nfio escapa nenhuma obra nem mesmo a turbuléacia dos ani- assim se passa que um expia logo, um outro mais tarde. E mesmo que alguém escape 20 castigo © 0 fado ameagador dos deuses nfio 0 alcance, este acaba sempre pot a dialética do esclarecimento hogar, © séio pessoas inocentes — seus filhos ou uma outra gera. ‘go — que terdo de expiar 0 crime.” Perante os deuses, s6_con- jp segue se afirmar quem se submete som Testrigées. O despertar di Sujéito tem por prego"o'revomthecimento do poder como o principi de iodas as relagdes. Em face da unidade de tal razio, a separagio dé Deus e do homem reduz-se aquela irrelevancia que, inabaldvel, a razo assinalava desde a mais antiga critica de Homero. Enquanto soberanos da natureza, 0 deus criador ¢ 0 espirito ordenador. se igua- Jam. A imagem e semelhanca divinas do homem consistem na sobe~ ania sobre 2 existéncia, no olhar do senhor, no comando. ureza_em_mera os homens. Este conhece-os na medida..em. que pode manipul Q.homem.de.ciéncia, conhece, asc ‘na medida em Tas, E assim que seu em-si to para-ele. Ness das coisas revela-se,como sempre a mesma, como substrato ‘ui um pressuposto iam-se a0 vento, & chuva, & serpente 1d fora ou a0 deménio dentro do doente, nao a matérias ou exemplares. Nao era um e 0 mesmo espfrito que se dedi- cava & magia; ele mudava igual as méscaras do culto, que devi se assemelhar aos miltiplos espititos. A magia é a pura e simples inverdade, mas nela a dominagdo ainda nfo 6 negada, ao se colocar, transformada na pura verdade, como a base do mundo que a ela feiticeiro torna-se semelhante aos deménios; para as- unificado, no conjunto de todas as possi Yainda nfo se declarou & imagem e¢ semelhanca do poder invi E, 56 enquanto tal imagem e semeihanca que o homem alcanga a identidade do eu que nao pode se perder na identifi outro, mas torna definitivamente posse de si como mascara impenetré- vel. E A identidade do espirito. ¢ @ seu correlato, A unidade da na- tureza, que sucumbe iplas qualidades. A natureza desqua- lificada torna-se 2 m: \Stica para uma agdo, © © ew todo-poderoso torna-se 0 mero ter, a identidade abstrata. Na magia existe uma substitutividade especifica. O que acontece & Ianga concetto 25 do inimigo, A sua cabeleira, a seu nome, afeta ao mesmo tempo a pessoa; em vez do deus, 6 0 animal sacrificial que 6 massacrado. cordeiro em lugar do primogénito ainda devessem ter qualidades proprias, eles jé representavam o género e exibiam a indiferenga do exemplar. Mas a sacralidade do hic et nunc, a singularidade histérica do escolhido, que recai sobre 0 clemento substituto, distingue-o ra- ha nenhuma_substitutividade rificiais, nfo hé mais Deus. A subs tituig&o, mas como um espécime da matéria, e a cobaia atravessa, fio, mas desconhecida como um simples exemplar, 2 paixdo do laboratério. Porque na ciéneia funcional as di s que tudo desaparece na matéria una, o_ obje! ivel_por- ainda cadas pela ti objeto sem sei € 0 portador ocasio- nal do significado. No estigio magico, sonho e imagem ndo eram tides como meros sinais da coisa, mas como ligados a esta por semethanga ou pelo nome. A relagdo no é.a da, intenedo,, mas do gia visa fins, mas cla os persegue segundo se diz, assim como Nao_pode_haver uma i psiquicos por. oposicio ‘quando 0 pensamento ¢ a reali- dade nfo estéo radicalmente separados, A “confianga inabalavel na ir 28 priticas localizadas do curandeiro pela técnic universal foi preciso, primeiro, que os pensamentos se ayténomos em face dos objetos, como ocorre no ego ajustado A realidade. ~Enquanto |, com sua pret samente, que desva- a mais antiga: lidade desenvolvida so de verdade, a crenga lori agtio. dos processos ” 26 Uiatética do esctarectmento io popular, o mito patriarcal solar € ele proprio esclareci- mento, com © qual 0 esclarecimento filoséfico pode-se medir no smo plano. A ele se paga, agora, na mesma moeda. A propria logia desfecha 0 processo. sem fim do esclarecimento, ‘no qual ‘oda concepedo tedrica determinada acaba fatalmente por’ sucumbir até | | que os préprios conceitos de espirito, de verdade, e até mesmo de esclarecimento tenham-se convertido em magia animista, © principio da necessidade fatal, que traz a desgraca aos herdis desdobra a partir da sentenca oracular como ume no apenas domina todo sistema racionalista da filosofia ociden- tal, onde se vé depurado até atingir o rigor da Igica formal, mas impera até mesmo sobre a série dos sistemas, que comega com a hierarquia dos deuses ©, num permanente crepésculo dos idolos, transmite sempre 0 mesmo contetido: a ira pela falta de honestidade. Do mesmo modo que os mitos j ir prio, uma retribuicao. lo fato de ter acont principio do préprio mito. A insossa sabedoria para a qual nfo hd nada de novo sob,0 Sol, porque todas as cartas do jego if teriam sido jogadas, porque todos grandes pensamen- pensados, porque as descobertss possiveis pode- tiam ser projetadas de antemdo, cos homens estariam forcados. a assegurar a autoconservagio pela adaptacio — ¢ésa insossa sabe- doria reproduz tio-somente ‘a sabed6ria fantistice que ela rejeita: 4 ratificacio do destino que, pela retribuigio, reproduz sem cessar 0 ie jd era. O que seria diferente é igualado. Esse & o veredicto que x \ ‘conceito a estabelece criticamente os. limites da experiéncia possivel. O prego ‘que se paga pela identidade de tudo com tudo é 0 fato de que nada, ao mesmo tempo, pode.ser. idéntica..consigo. mesmo, O_esclareci mento. corréi a injustia da_antiga desigualdade, o senhorio ni ‘iatizado; perpetua-o, porém, ao mesmo tempo, na mediagdo sal, ma relagdo de cada ente com. cada ente, Ele faz aquilo que Kirkegaard celebra em sua ética protestante ¢ que se encontra no €pico de Héracles como uma das imagens primordiais ele elimina o incomensurdvel. Ndo apenas. $40.8. qualidades dissolvidas no pensamento,..mas.os homens so forcados a real con- formidade. O prego dessa vantagem, que 6a indiferenga do mercado ‘pela origem das pessoas que nele vém trocar suas mercadorias, & lades inatas 2 podem: com- eae ‘igo perten- cente 2 cada um, diferente de todos os outros, para que ele possa com tanto maior seguranga se tornar igual. Mas, como isso nunca, se realizou inteiramente, 9 esclarecimento sempre simpatizou, mesmo” ~ iberalismo, com a coergHo social. A unidade ste na négagio de cada individuo; ‘a Sociedade que conseguisse_transformar_os ‘homens em individuos. A horda, cujo nome sem divida esta pre- sente na organizagio da Juventude Hitlerista, nfo é nenhuma recafda ic, mas © triunfo da is da igualdade do direito 2 uma submissdo ainda mais profunda as imposicdes da natureza. Tal foi o rumo tomado pela civilizagéo européia. A abstragao, que é 0 instrumento do esclarecimento, comporta-se com sc s do mo modo que © destino, cujo conceito é por ele eliminado, ou s¢ja, ela se comporta como im processo de liquidacio.. Sob o dominio velador do abstrato, que transforma todas as coisas na naturez algo de reproduzivel, ¢ da indastria, para a qual esse dominio do abstrato prepara 0, reproduzi i rads se transformar naqu: © resultado do esclarecimento. distancia do ‘sujcito com relagdo ao objeto, que 6 0 pressu- 28, diatética do eselatecimento que o senior conquista através do dominado. Os cantos dé Homero € 08 hinos do Rigveda datam da época da dominagio territorial dos lugares fortificados, quando uma belicosa nacido de senhores se estabeleceu sobre a massa dos autéctones vencidos." O deus supremo entre os deuses surgiu com esse mundo civil, onde o rei, como chefe da nobreza armada, mantém os subjugados presos A terra, enquanto ‘0s médicos, adivinhos, artesdos ¢ comerciantes se ocupam do inter- ‘cambio social. Com 0 fim do nomadismo, a ordem social foi instau- rada sobre a base da propriedade tixa. Dominagio e trabalho separam-se. Um proprietério como Ulisses “dirige a di pessoal numeroso, meticulosamente organizado, composto de si Gores e pastores de bois, de ovelhas e de porcos. Ao anoitecer, depois de ver de seu palicio a terra iluminada por mil fogueiras, pode regar-se sossegado ao sono: ele sabe que seus bravos servidores wm, para afastar os animais ‘selvagens ¢ expulsar os ladrdes dos / coutos que estdo encarregados de guardar”.1* A universalidade dos”) Pensamentos, como a desenvolve a légica discursiva, a dominagio na estera_do conceito, cleva-se fundamentada na dominagao do real rica, isto 6, das antigas representa- ‘g6es difusas, peld unidade conceptual que exprime a nova forma de vida, organizada com base no comando e determinada pelos homens | livres. O cu, que aprendeu a ordem ¢ a Subordinagao com a sujeicd do mundo, nao demorou a identificar a verdade em geral com o pensamento ordenador, e essa verdade no pode subsistir sem as rigi- das diferenciagdes daquele pensamento ordenador. Juntamente com a magia mimética, ele tornou tabu o conhecimento que atinge efeti- ‘Seu édio volta-se contra a imagem do mundo jindria, Os deuses ctdnicos © céu € 0 inferno, porém, esto ligados um ao outro. Assim como, em cultos que ndo se exclufam, o nome de Zeus era dado tanto a um deus subterraneo quanto a um deus da luz,?¥ © os deuses olimpicos cultivavam toda espécie de relagdes com os ct6nicos, assim também as poténcias do bem © do mal, a graga e a desgraca, noso da religido groga perdura a obscura indivisio do principio reli- gioso venerado sob 0 nome de “mana” nos mais antigos estégios que se conhecem da humanidade. Primério, indiferenciado, ele € tudo 0 que € desconhecido, estranho: aquilo que transcende o ambito da conceito 29 experiéncia, aquilo que nas coisas é mais do que sua realidade jé conhecida. O que o primitivo af sente como algo de sobrenatural ‘ndo é nenhuma substincia espiritual oposta A substdncia mates face do conhecido e, as- co da natureza como ‘provém do medo do homem, cuja expressio se fa para a natu- cdo. Nao é a alma que & transp Teza, como 0 psicologismo faz cret. O mana, o espi nao € nenhuma projecdo, mas o eco da real supr: nas almas fracas dos selvagens. A separacao do anit dades, tem origem nesse pré-ani contida até mesmo a separagio do Arvore € considerada ndo mais simplesmente como drvore, mas como testemunho de uma outra coisa, como sede do mana, .a linguagem ‘a0 mesmo tempo cla 0 gees Hele” subst || mento dialético, no qu: aquilo que ela nfo é, Eis ai a forma pi tivadora na qual se separavam o concei essa que ja estd_amy “Saque se aceléta na cién © produto do pensa- cada coisa s6 € 0 que cla é tornando-se tiva da determinagao obje- cole, deteemlnactio jente_desenvolvida na. epopéi positiva moderna. Mas essa di manece impotente na medida em que se deser ai de terror que € a propria duplicagdo, a tautologia do terror. Os deuses no podem livrar os homens do medo, pois séo as vozes petrificadas do medo que eles trazem como nome, Do medo 0 ho- ‘mem presume estar livre quando nao hé nada mais de desconhecido. $0 que determina o trajeto da desmitologizagao e do esclareci- i i. Nada mais pode ficar de fora, porque. si + “fora” é a verdadeira fonte da angiistia... Se 0 primitivo apaziguava, £ |As vezes, seu desejo de vingar o assassinato de um dos seus acolhendo 30 © assassino na prépria familia? vinganca, a infusiio do sangue alk no pr6prio sangue, a restaura- nao ultrapassa 0 ambito da existéncia. O mundo totalmente dominado pelo mana, bem como o mundo do mito indiano ¢ grego, sio, a0 mesmo tempo, sem safda e eternamente iguais. Todo nascimento se paga com a morte, toda ven- tura com a desventura. Homens e deuses podem tentar, no prazo que hes cabe, distribuir a sorte de cada um segundo critérios diferentes do curso cego do desti eles. Até mesmo sua justica, arrancada que foi a fatalidade, exibe ainda os seus tragos, Ela corresponde ao olhar que os homens, tanto ‘08 primnitivos quanto os gregos ¢ os brbaros, langam sobre o mundo ir de uma sociedade da opressio e da miséri a mitica como a esclarecida consideram a culpa’e @ expiagio, | a'vVentira © a desventura como os dois lados de uma tinica equagio. A justica se absorve no direito. © xama esconjura o perigo com a imagem do perigo. A igualdade é o seu instrumento. E ela que, na civilizagio, regula o castigo.¢_o mérito. As representages miticas também podem se reduzir integralmente a relagdes naturais, Assim como a constelacio dos Gémeos remete, como todos os outros sim- ‘olos da dualidade, aa ciclo inescap4vel da natureza; assim como este mesmo ciclo tem, no sfmbolo do ovo, do qual provém os demais, seu ‘simbolo mais remoto; assim também a balanca nas méos de Zeus, que simboliza a justia de todo o mundo patriarcal, remete A mera natu- reza. A passagem do caos para a civilizagio, onde as condigGes natu- rais nfo mais exercem seu poder de mancira imediata, mas através da sciéncia dos homens, nada modificou no prinefpio da igualdade, os homens expiaram essa passagem justamente com a adora- favam outrora submetidos como as demais cria- fetiches cstavam sob a lei da igualdade. Agora, a aldade torna-se fetiche. A venda sobre os olhos da Justica ica aperias qtié fio se deve interferir no direito, mas que ele nia nasceu da liberdade. A doutrina dos sacerdotes era simb6lica no sentido de que nela coin- ier6glifos, a palavra agem. Esta funcio ' €omo o8 ritos mégicos, tém em vista a natureza que se repete. Ela 6 0 Amago do simbélico: um ‘ser ou um processo representado como eterno porque deve voltar ‘sempre a ocorrer na efetuaco do simbolo, Inexauribilidade, renova- conceit aL ita, permanéncia do significado néo sdio apenas atributos de mbolos, mas seu verdadeiro conteddé. As representagics da criagio nas quais o mundo surge da Mi a natureza como um poder uni ’igos pré-animistas, cles sé destacam io esclarecimento. Sob 9 véu pudico da chronique scandaleuse olimpica j4 havia se formado a doutrina da mistura, da pressiio e do choque dos elementos, que logo se estabeleceu como ciéncia e transformou os mitos em obras Com a nitida separagao da ciéncia e da poesia, a divi (ja efctuada com sua ajuda estende-se & linguagem. B en- avra chega & ciéne agen, enquant palavia ‘proprianieats as diferentes artes, sem jamais deixar-se reconstit adig&o, através da’sinestesia ou da arte total. Enquanto signo, a guagem deve resignar-se ao cfilculo; para conhecer a natureza, deve renunciar & pretensfio de ser semelhante a ela. Enquanto imagem, dove resignar-se & c6pia; para ser totalmente natureza, deve renun- ciag A pretensio de ee ears aes eas “as_obras de arte auténticas conseguiram escapar A mera imitagio| 2,.de um modo qualquer, j4 € A aniftese corzente da arte que as separa como dominios culturais, a fim de torné- las administraveis conjuntamente como dominios culturais, faz com gue elas acabem por se confundirem como opostos exatos. gragas as suas proprias tendéncias. A ciéncia em sua i ‘Vista torna-se esteticismo, sistema de signos desligados, de: de toda intened transcendendo o sistema: ela se toma aquele jogo que 0s mateméticos ha im orguthosamente declararam assunto gral, porém, entregou-se até mesmo ‘sta, De fato, ela retorna mais uma vez a0 mundo, na, duplicago ideolégica, na reproducio décil. A @ separagio do signo ¢ da imagem € inevitdvel, Contudo, se ela é, uma ja numa atitude ao mesmo tempo inconsciente © autocomplacente, entio cada um dos dois principios isolados tende Para’ a destruico da verdade. © abismo que se abriu com a separacio, a filosofia enxergou-o ; {Ba relagio entre a intui¢do €.0 conceito ¢ tentou sempre em vaio feché-lo de novo: alids, & por essa tentativa que ela é definida. Na 32 dialética do esctarecimento maioria das vezes, porém, ela se colocou do ladé do qual recebia o nome. Platio baniu a poesia com 0 mesmo gesto com que o positi-” «vismo baniu a doutrina das Idéias. Com sua arte celebrada, Homero, segundo se diz, nao levou a cabo nem reformas piblicas nem priva- das, nfo ganhou nenhuma guerra nem fez-nenhuma invengao. Nao sabemos, diz-se, da existéncia de numerosos soguidores que o tenham honrado ou amado. A arte teria, primeiro, que mostrar_a_sua utili- _dade.#* A imitagéo 8ét4"préserita’ tanto em Homero como entre os judeus. A razfo e a religifio declaram andtema o principio da magia. Mesmo na distancia renunciadora da vida, enquanto arte, ele per- manece desonroso; ag pessoas que o praticam tornam-se vagabundos, némades sobreviventes ie’ iO encontram pétria entre os que se tornaram sedentdrios. A natureza nfo deve mais ser influenciada pela assimilagdo, mas deve. ser.dominada pelo trabalho, A obra de arte ainda tem em comum com a magia o fato de estabelecer um domfnio préprio, fechado em si mesmo e arrebatado ao contexto da vida profana, Neste domfnio imperam leis particulares. Assim como a primeira coisa que 0 feiticeiro fazia em sua ceriménia era delimitar em face do mundo ambiente o lugar onde as forgas sagra- das deviam atuar, assim também, com cada obra de arte, seu circulo fechado se destaca do real. E exatamente a rentincia a agir, pela qual a arte se separa da simpatia magica, que fixa ainda mais pro- fundamente a heranga magica. Esta rentincia coloca a imagem pura em oposi¢ao a realidade mesma, cujos clementos cla supera reten- do-os (aujhebt) dentro de si. Pertence ao sentido da obra de arte, da aparéncia estética, ser aquilo em que se converteu, na magia do primitive, o novo e terrfvel: a_mianifestagao do todo no particular. Na obra de arte volta sempre “a 8¢ Féaliztit a”duplicagao pela qual a coisa se manifestava como algo de espiritual, como exteriorizagio do mana. £ isto que constitui sua aura, Enquanto expresséo da tota-)j lidade, @ arte reclama_a dignidade do_absoluto, Isso, 48 vezes, levou ceitual. Segundo Schelling, @ arte entra em aco quando o saber desampara os homens. Para ele, a_arte & “o modelo da ciéncia, ¢ € saonde esté’a arte que a ciéncia deve ainda chegar”.** Em sua dou- trina, a separacdo da imagem ¢ do signo é “totalmente suprimida por cada representaco artistica”.** $6 muito raramente o mundo burgués esteve aberto a semelhante confianga na arte. Quando ele limitava o- saber, isso acontecia via de regra, no para abrir espago para a arte, mas para a £6. B através da {6 que a religiosidade militante dos novos tempos — Torquemada, Lutero, Maomé — pretendia recon- ée coneeito 33 ‘ciliar_o espirito ¢ a. vida. Mas a f& 6 um conceito privativo: ela se ‘aula com £6 se nao ressalta Continuamente sua oposigvo ao saber ‘ou sua concordancia com ele. Permanecendo dependente da limita gdo.do, saber, cla propria fica limitads empresn- dida no protestantismo, de encontrar, como outrora, 9 principio da verdade que a transcende, ¢ sem a qual ndo_pode existir diretamente, na propria palavra e de restituir a esta a forga simbélica — essa tentativa teve como prego a obediéneia 8 palavra, alias a uma palavra que no era a sagrada, Permanecendo inevitavelmente presa ao saber como amiga ou, inimiga, a fé perpetua a-separacZo na luta para yeré-la: seu fanatismo € a marca de sua inverdade, a confissio objetiva de qué quem apenag eré por isso mesmo néo mais eré. A ma consciéncia é sua segunda natureza. Na secreta consciéncia da defi ciéncia que Ihe € necessariamente inerente, da contradigdo imanente ela e que consiste em fazer da reconciliagao sua vocagio, est a razio por que toda a honestidade dos figis sempre foi irascivel e perigosa Nao foi como exagero mas como realizagao do préprio principio da fé {que se cometeram os horrores do fogo ¢ da espada, da contra-reforma ¢ da reforma. A fé no cessa de mostrar que é do mesmo jaez que 2 hist6ria universal, sobre a qual gostaria de imperar; nos tempos mo- dernos, ela até mesmo se converte em seu ceferido, sua astticia particular. No é apenas 0 esclarecimento do séeulo dezoito que.€ irresistivel, como atestou Hegel, mas (e ninguém sabia melhor do que ele). 0 movimento do préprio pensamento. Tanto o mais superficial quanto 0 mais profundo discernimento ja contém o dis- cernimento de sua disténcia com relagdo a verdade que faz do apolo- geta tim mentizoso. O paradoxo da fé acaba por degenerar no embus- te, no mito do século vinte, enquanto. sua irracionalidade degenera ‘na ceriménia organizada racionalmente sob 0 controle dos integral- ménte ésclarecidos ¢ que, no entanto, ditigem a sociedade em diregio & barbie. ‘Quando a linguagem penetra na hist6ria, seus mestres ja sto sacerdotes ¢ feiticeiros. Quem viola os simbolos fica sujeito. em nome das poténcias supraterrenas, as poténcias errenas, cujos representantes, sio esses Grgios comissionados da sociedade. O que precedeu a isso esté envolto em sombras. Onde quer que a etnologia o encontre, 0 sentimento de horror de qué’s¢ origina o mana jé tinha recebido a sangio pelo menos dos mais velhos da tribe. O mana n&o-idéntico € difuso é tornado consistente pelos homens e.materializado a forga. Logo 08 feiticeiros povoam todo lugar de emanagées e correlacionam a multiplicidade dos ritos sagrados & dos dominios sagrados. Eles

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