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ANATOMIA DE

UMA EPIDEMIA
Pílulas Mágicas, Drogas Psiquiátricas eo
Aumento Assombrosoda Doença Mental
FUNDAÇÃOOSWALDOCRUZ
Presidente
Nísia Trindade Lama

Vice-Presidente de Educação,Informação e Comunicação


Manoel Barram Netto '

Editora Fiocruz
(Gestão 2017-2020)
Diretor
Manoel BarramNetto

Editor Executivo
Jogo Clarlos Canossa Mandes

Editores Científicos
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Conselho Editorial
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Líbia Mana Vieira da Silva
Marcos Gueto
Mlaria Cecília de Souza Minayo
Marina Santini de Oliveira
MloisésGoldbaum
Rafael Linden
Ricardo Ventura Santos
ANJ\TOMIA DE
UMA EPIDEMIA
Pílulas Mágicas, Drogas Psiquiátricas eo
Aumento Assombrosoda Doença Mental

Robert Whitaker

TrnHiirân
Mera ]iibeiro
(psicanalista)

Revisão técnica
Paulo Amarante
Ferrando Freiras

I' reimpressão
Et)llc..>lR.ai.

FIOCRUZ
Copyright © 2017 do autor
Originalmente publicado em inglês sob o título
AnatomW agan EPi&mü: mago buttets, bsDchiatüc drugs, and the mtonishing
rüe afmezzfa/ í///zeff ízzÁmedca(Broadway Paperbacks, 20 10)

Direitos para a língua portuguesa reservados com exclusividade para o Brasil à


FUNDAÇÃO OS\LIDO CRUZ/ EDHOliA

I' edição: 2017


I' reimpressão: 2017

Revisão
lvene Ernest Di,as

Índice
Cta:risseBlapo

Capa

A partir da capa da edição original, criada por Lavra Dujh sobre ilustração de © l)ietvich MadsenIGett) Imagem

Projeto grá6co e editoração


Danüt Pose

Produção gráâco-editorial
Pheiipe G$sigtia

Catalogação na fonte
Fundação Oswaldo Cruz
Instituto de Comunicaçãoe Informação Científica e 'tecnológica em Saúde
Biblioteca de Saúde Pública

W578a Whitaker, Robert


Anatomia de uma epidemia: pílulas mágicas, drogas psiquiátricas e o aumento
assombrosoda doença mental./ Robert Whitaker; tradução de Mera Ribeiro. -- Rio
deJaneiro: Editora Fiocruz, 201 7.
421 p.:il.;tab.

ISBN: 978-85-7541-492-7

1.Transtornos Mentais - terapia. 2. Psiquiatria. 3. Reforma dosServiços


de Saúde. 4. Epidemias. 5. Surtos de Doenças. 6. Saúde Mental.
7.Esquizofrenia.8. DoençaCrónica.1.Título.
CDD -- 22.ed. 362.2

2017
EDITOliAFIOCRUZ Editora filiada
Av. Brasil, 4.036,térreo, sala 112 Manguinhos
21040-361 -- Rio deJaneiro, RJ
reis: (21) 3882-9039 e 3882-9041 l Telef'ax; (21) 3882-9006
E-mail: editora@fiocruz.br l www.âocruz.br/editora
Para Lindsay
Ç2ue você possa novamente cantar
"Seasons of lave" e se encher de alegria
Sumário

9
Prefácio à edição brasileira.
15
Apresentação.............

PARTE 1 - A EPIDEMIA

2]
1. Uma Praga Moderna .....

31
2. Reflexões Experienciais

PARTE 11 -- A CIIÊNCM DAS DROGAS PSIQUIÁTRICAS

3. As Raízes de uma Epidemia .........


55

63
4. As Pílulas Mágicas da Psiquiatria ..
81
5. A Caçada aos Desequilíbrios Químicos .......

PAR.mIII -- RESUI;l:IDOS
101
6. Revelação de um Paradoxo ........-'......-..'.
137
7. A Armadilha das Benzodiazepinas ..............-
159
8. Uma Doença Episódica Torna-se Clrânica ..........
183
9. O Crescimento Explosivodo Transtorno Bipolar
215
10. Explicação de uma Epidemia..........-
225
11. A Epidemia Disseminadaentre as Clrianças.
255
12.Quando osJovens Sofrem ..............
PARI'E IV -- EXPnCAÇÃO DE UNHAII.USÃO

]3. AAscensão dc uma Ideologia ................. 271

14. A História que Foi... e Não Foi Contada 291

] 5. Contabilizando os Lucros............. 321

PARIR V SOLUÇÕES

16. Projetos de Reforma. 339

Ep/logo .«...n'o'09p+. 367

Nota.s......+B-e++B+. 369

Agradecimentos 401

Índice . .. ... -.- - ----. 403


Prefácio à edição brasileira

E com enorme satisfaçãoe honra que prcfaciamos este livro do jornalista


estadunidenseRobert Whitaker que, já traduzido em mais de uma dezenade
idiomas, finalmente chega às mãos do leitor de língua portuguesa. Desde 2010,
quando foi publicado nos Estados Unidos, .4?zaZomía
de zzmaE»{demíatem tido uma
repercussão gigantesca nos diversos cantos do mundo, seja no meio acadêmico, entre
profissionais da saúde em geral, entre pacientes psiquiátricos autodenominados
vítimas ou sobreviventes da psiquiatria, ou mesmo entre os psiquiatras, embora
não nos surpreenda que a maioria ainda reaja ao seu conteúdo.
Nosso interesse pe[o pensamento de Whitaker foi despertado pe]a ]eitura
de um artigo de MarchaAngell publicadono número59 da revistaPiauí, cm
agosto de 2011. O artigo, com o sugestivo título "A epidemia da doença mental",
é norteado por uma questão, por si própria, bastante intrigante: por que cresce
assombrosamenteo número de pessoascom transtornos mentais c de pacientes
tratados com antidepressivos e outros medicamentos psicoativos?Após haver lido
os dois livros de Whitaker sobrepsiquiatria até então publicados-- iMad!/z-4medca
e A/zafamW
agazz
E» demíf--, como membros da diretoria da Associação Brasileira de
Saúde Mental (Abrasme) não poupamos esforços para trazê-lo ao Brasil para dois
eventosde grande porte organizadospela entidade: o 3' CongressoBrasileiro de
SaúdeMenta[, rea]izadoem Manaus cm 20] 4, e o 2' Fórum Brasileiro de Direitos
Humanose SaúdeMental, em.JogoPessoa,em 2015. As contribuições trazidas por
Whitaker foram impactantes.

Gomojornalista investigativo, Whitaker ganhouvários prêmios importantes


nos Estados Unidos e tem larga experiência em editorial de periódicos científicos
em medicina. Em .4?za/temiadz zémaE» demíaele assume o desafio de decifrar um

9
enigma: está havendo um crescimento vertiginoso de pessoasdiagnosticadas com
algum transtorno mental, com parte considerávelda populaçãoentrando em
tratamento psiquiátrico e não se curandocom as abordagenspsicofarmacológicas;
muito pelo contrário, ficam mais doentes e dependentes da psiquiatria. Ora, essa
realidade contraria o pensamentodominante segundo o qual a psiquiatria tem
tido enorme progresso científico nos últimos cinquenta anos.

Essa problemática não pode deixar de nos inquietar. Particularmente a


nós, brasileiros, que temos um processo de reforma psiquiátrica reconhecido
internacionalmente. Ao deslocar a assistência para o território e oferecer aos
usuários dos serviços públicos cuidados baseados em abordagens psicossociais,
temos tido êxito em diminuir significativamenteo número de pessoastratadas
em hospitais psiquiátricos. Não obstante, verificamos que aqui no Brasil vem se
produzindo um fenómeno em muito assemelhada ao que se passa na maioria das
sociedadesque não contam com uma reforma da assistência tão radical como a que
temos obtido com muitas lutas. Trata-se do crescimento vertiginoso do número de
pessoasque são diagnosticadascom algum transtorno mental e não conseguem
deixar de ser pacientes (usuários) da assistência psiquiátrica.

Por que isso ocorre?Por que os "transtornos mentais", como as psicoses,os


transtornos depressivos,os transtornos de ansiedade, e assim por diante, são
doençascrónicas em sua maioria? Será que é porque os serviços são carentes
de recursos humanos, físicos, técnicos ou financeiros? Se assim for a dimensão
da "epidemia" é muito maior ainda, porque não faltam relatos de pesquisasa
afirmarem que há subnotificação diagnóstica, que haveria muito mais pessoas
que deveriam estar em tratamento se os profissionais estivessemmais bem
formados academicamente. Será que vivemos uma "epidemia" de transtornos
mentais de fato?

O sensocomumdiz que siml O impactante na leitura de .4/zafomiaé que


vários dos fundamentos que sustentam essesenso comum são ilusóriosl São mitos
criados com nenhuma ou pouca fundamentação científica.

Whitaker nos motiva a reíletir profundamente e com coragem sobre o que


está errado e não sabemosdizer o que é. Guiados pelo senso comum, fazemos
esforços para escapar dessa "epidemia", mas não podemos. Nosso sofrimento e o
do outro -- depressão,psicoses,dificuldades de relacionamento, insónia, ou medo --
precisa ser compreendido. Tentamos de todas as maneiras negar o sofrimentos
E quando buscamos um médico, uma orientação, um suporte afetivo-emocional,

10
é-nos apresentado um determinado diagnóstico, quase sempre acompanhado
por uma droga psiquiátrica. O enigma é: por que continuamosa sofrer física,
fisiológica e/ou psicologicamente?Por que o sofrimento parece ficar ainda mais
acentuado com as formas de tratamento hegemónicas?

O primeiro mito abordado por Whitaker é o de que, graças aos avanços


científicos das últimas décadas, a sociedadeconta, cada vez mais, cóm diagnósticos
psiquiátricos precisos,com protocolos de intervenção obÚetivose confiáveis,
capazesde identificar problemasque até então ou não eram percebidosou
eram abordadosde forma não cientíâca, os quais devem orientar o tratamento
adequado.Por conseguinte,não é surpresa que o número de pessoascom algum
"transtorno mental" estqa sempre aumentando. Sendo isso quase senso comum
entre nós, o desafio maior seria dotar o sistema de saúde de capacidades para dar
conta das demandas(das quais uma parte significativa ainda estaria reprimida!).
Whitaker desconstróiessemito recapitulando a história das maneiras como
a psiquiatria tem tornado problemas normais, usuais -- comuns ao cotidiano da
maioria das pessoas-- em "transtornos mentais". Em sua desconstrução,adota a
própria lógica que supostamente sustenta o discurso psiquiátrico: a das evidências
científicas.Com a leitura do livro, a cadapágina somossurpreendidoscom a
constatação de que faltam justamente evidências científicas para a construção das
categorias de diagnóstico. As sucessivas revisões do l){ag zoif c a7zdS/af sfíca/.4da7zzza/
af.44erz/a/
Z)Íaorders
(Z)S21/))
dizem os seusformuladores,apenastornam oficial o
que é observadona prática. Dizem ainda que a causa dos transtornos mentais é
essencialmente biológica, e por isso mesmo a medicação psiquiátrica é essencial.
Ç2uerdizer historicamenteo que a psiquiatria tem feito é primeiro nomear
transtornos para depois buscar causasbiológicas.A lógica que fundamenta a
construção dessesmanuais é que se um número importante de clínicos sente que
determinada categoria de diagnóstico é importante em seu trabalho, então essa
categoria merece estar no manual (muito em particular no-DS.44,objeto de análise
de Whitaker). As sucessivasversões do -DS/t/ têm como questão saber o quanto de
consensohá para se reconhecere incluir um transtorno mental qualquer. Porém,
para a ciência acordo não necessariamente significa verdade.

O segundo mito é o de que as drogas psiquiátricas iniciaram um extraordinário


avanço científico. Para a visão oficial, a introdução da clorpromazina na medicina
asilar em 1955 foi o ponto de partida para uma revolução na psiquiatria,
comparável à introdução da penicilina na medicina. E em 1989,com a introdução
dos medicamentos da segunda geração, argumenta-se que ocorre uma nova

1}
etapa revolucionária. Com "transtornos mentais" bem definidos e medicamentos
adequados para atingir o "alvo", eis que nós, contemporâneos, podemos, cada vez
mais, nos ver livres do "sofrimento psíquico" é o que nos fazem pensar! Ora,
quando se faz um tratamento para determinada doença, o que se espera é que esta
desapareça ou pelo menos seja submetida a controle. No entanto, cada vez mais há
mais pessoas"doentesmentais" e em tratamento por médio e longo prazos.

Como o medicamento psiquiátrico age no cérebro? Segundo a teoria, há


um desequilíbrio químico subjacente a cada "transtorno mental". Por exemplo,
a teoria da dopamina para a esquizohenia e da serotonina para a depressão.Não
obstante essa crença, há muito poucas evidências científicas a confirmar tal teoria.
Ao contrário, o que aparece são evidências que a desmentem. O que cada vez mais
tem âcado evidente é que as drogas psiquiátricas criam perturbações nas funções
dos neurónios;temporárias,mas desgraçadamente
muitas vezesdefinitivas.
O que explicaria a razãopela qual aspessoasque começama tomar antipsicóticos,
antidepressivos, ansiolíticos não possam mais interromper o tratamento
medicamentoso,sob o risco de terem recaídasque as deixam em condição muito
mais grave do que o estado em que se encontravam inicialmentel Tudo parece
indicar que apóspoucassemanasde uso de drogas psiquiátricas,o cérebro da
pessoapassaa funcionar de modo qualitativa e quantitativamente diferente
daquele como funcionava nos estados normais.

E o que não faltam sãoevidências científicas para se entender essefenómeno,


tradicionalmente conhecido como iatrogenia. São evidências interculturais
investigadas pela própria Organização Mundial da Saúde, com clássicos estudos
de Jn//am-u@, nos quais "países em desenvolvimento", cuja população está
menos psiquiatrizada, apresentam muito melhores resultados de cura dos seus
cidadãos do que aqueles paísesonde a presença da psiquiatria é muito forte. São
experlmentos em animais nos quais as patologias "psiquiátricas" são encontradas
após o uso de drogas psiquiátricas. São estudos prospectivoslongitudinais
que acompanham pessoas,entre pacientes diagnosticados com esquizofrenia, que
foram ou não tratadas com medicamentos psiquiátricos ao longo de dois, cinco,
dez, quinze, vinte e 25 anos. São pesquisas com imagens de ressonância magnética
que demonstram a redução da massa encefálica ao longo do tempo de tratamento
com medicamentos psiquiátricos.

Muito provavelmente, o leitor de .4zza/orla


d#umaEpidemiaficarásurpreso
como a maioria dos seus leitores nos diversospaísestêm ficado. Os desafios
para nós, brasileiros, são enormes, sobretudo porque o uso de medicamentos

12
psiquiátricos está tão generalizado entre nós, no cotidiano da nossa população,
mesmo nos serviços e dispositivos clínicos construídos no bojo do processo de
reforma psiquiátricas

Assim como tem sido trabalhoso para nós superar o modelo asilar de
assistência, certamente não será menos difícil conseguirmos mudar o paradigma
da psiquiatria biológica que domina a nossaassistência.Como tratar as pessoas?
Relativizando não apenas os diagnósticos, mas sobretudo o papel hegemónico
que a medicaçãopsiquiátrica exerce no cotidiano? É possívelobter os resultados
esperados com as diversas abordagens de natureza psicossocial se os pacientes
estão sendo submetidos a tratamentos psicofarmacológicos? Como livrar o grande
número de pacientes das drogas psiquiátricas após meses ou anos de uso?

Whitaker apresenta alternativas. Detalha o exemplo das experiências na


Finlândia, conhecidas pela expressãodiálogo aberto, em que, com o emprego
ao nível mais reduzido quanto possívelde drogas psiquiátricas, e sempre a curto
prazo, os resultados com o tratamento da esquizofrenia são os melhores de todo
o mundo ocidenta!.O princípio fundamentalque orienta essaabordagemé o
diálogo entre os profissionais, os pacientes, suasredes sociais, explorando todos
os recursos psicossociais disponíveis no território. A maioria das pessoas é tratada
em sua própria casa,reduzindo-seao máximo a necessidadede espaçosfísicos
especializadosem cuidadosem saúdemental.
Esperamos que este livro seja um instrumento de reflexão para todos os seus
leitores, mas principalmente para os profissionais que atuam nas práticas clínicas
e institucionais e que, por uma série de razões-- dentre as quais se destacam as
maciças propagandas e promoções dos laboratórios, inclusive com o financiamento
de pesquisas, publicações, programas de formação e eventos médicos. E que esses
profissionais acreditem que é possível melhorar o cuidado dirigido às pessoasem
sofrimento, assimcomo a vida destase a de seusfamiliares.

Ferrando Frestas Pauta Amarante


Psicólogo,doutor em psicologia Médico, doutor em saúdepública
Pesquisadores titulares do Laboratório de Estudos e Pesquisas em
Saúde Mental e Atenção Psicossocialda Escola Nacional de
Saúde Pública Sergio Arouca/Fundação Oswaldo Cruz
Apresentação

A história da psiquiatria e de seus tratamentospode ser uma questão


controvertida em nossasociedade, tanto assim que, quando escrevemossobre ela,
como íiz num livro anterior, l/ad !/z.4meüca[Loucosnos EstadosUnidos], é comum
as pessoas perguntarem como viemos a nos interessar pelo assunto. A suposição é
que o sujeito deve ter uma razão pessoal para sentir curiosidade sobre essetema,
casocontrário preferiria ficar longe do que pode ser um tremendo campominado
político. Além disso, em geral, quem pergunta está tentando determinar seo autor
tem alguma inclinação pessoalque iníiuencie seu texto.
No meu caso, eu não tinha nenhuma ligação pessoalcom o assunto. Cheguei a
ele de uma forma muito indireta.

Em 1994, depois de trabalhar alguns anos como repórter de um jornal, deixei


o jornalismo diário para ser cofundadorde uma editora, a CenterWatch, que fazia
relatórios sobre os aspectoscomerciais dos testes clínicos de novos medicamentos.
Nossosleitores vinham de empresasfarmacêuticas, faculdades de medicina, da
clínica médica particular e de Wall Street, e, na maioria dos casos,escrevíamos
sobre essa iniciativa de uma forma receptiva à indústria. Víamos os testes clínicos
como parte de um processoque trazia para o mercado melhores tratamentos
médicos e informávamos sobre os aspectos financeiros dessa indústria crescente.
Então, no começode 1998,deparei com uma matéria que falava dos maus-tratos
a pacientespsiquiátricos nos meios de pesquisa.Mesmo sendocoproprietário da
CenterWatch, vez por outra eu escrevia artigos como#eelazzce
para revistas ejornais
e, naquele outono, fui coautor de uma série sobre esse problema para o Baila/z GZaóe.

Havia vários tipos de "maus-tratos" em que Dolores Kong e eu nos concentramos-


Examinamos estudos financiados pelo Instituto Nacional de Saúde Mental

15
ANATOÀ41ADE UMA EPIDEMH

(NIMH): que envolviam administrar a pacientes esquizofrênicos um medicamento


destinado a exacerbar seus sintomas(os estudos serviam para investigar a biologia
da psicose).Investigamos as mortes quc haviam ocorrido durante os testes dos
novos antipsicóticos atípicos. Por fim, informamos sobre estudos que envolviam
retirar de pacientes esquizon'ênicos os seus medicamentos antipsicóticos, o que
nos pareceu ser antiético. Na verdade, consideramos que era ultrajante.

Nosso raciocínio era fácil de compreender. Diziam que essas drogas eram "como
a insulina para o diabetes". Fazia algum tempo que eu sabia que isso era "verdade",
desdea ocasiãoem que fizera a cobertura do campo da medicina no .4/óanU71mei
U?zlo/z.
Claramente, portanto, era um abusoos pesquisadorespsiquiátricos fazerem
dezenas de estudos sobre a suspensão dos medicamentos, nos quais calculavam
cuidadosamente a percentagem de pacientes esquizoh'ênicos que tornavam a
adoecere tinham que ser reinternados. Por acaso alguém conduziria um estudo
que envolvesseretirar a insulina de diabéticos,para ver com que rapidez eles
tornavam a adoecer?

Foi assim que descrevemosna nossasérie os estudossobre retirada da


medicação, e esseteria sido o fim dos meus escritos sobre psiquiatria, não fosse o
fato de ter me restado uma questão não resolvida que me incomodava. Enquanto
preparava as reportagens dessa série, eu havia deparado com duas constatações de
pesquisasque simplesmente não faziam sentido. A primeira era de investigadores
da Faculdade de Medicina de Harvard que anunciaram, em 1994, que os resultados
observadosnos pacientes de esquizofrenia nos Estados Unidos haviam piorado
durante as duas décadasanteriores, e não estavam melhores agora do que tinham
sido cem anos antes. A segunda era da Organização Mundial da Saúde(OMS), que,
em duas ocasiões,havia constatadoque os resultados referentes à esquizofrenia
eram muito melhores em paísespobres,como a Índia e a Nigéria, do que nos
Estados Unidos e em outros paísesricos. Entrevistei vários especialistas a respeito
dos dados da OMS e eles sugeriram quc os maus resultados nos Estados Unidos
se deviam a políticas sociais e valores culturais. Nos países pobres as f'amílias
davam mais apoio aos esquizofrênicos, disseram eles. Embora isso parecesse
plausível, não era uma explicação inteiramente satisfatória e, depois de publicada
a série no -Boiãoz G/oóe,voltei atrás e reli todos os artigos científicos relacionados
com o estudo da OMS sobre os resultados referentes à esquizofrenia. Foi então
que fiquei sabendode um fato estarrecedor: nos paísespobres, apenas ]6% dos
pacientes eram sistematicamente mantidos com medicamentos antipsicóticos.

Sigla da denominação original, Nacional Instítute of Mental Health. (N.T)

16
Apresentação

E esta a história da minha entrada no "campo minado" da psiquiatria. Eu


havia acabadode ser coautor de uma série que, numa de suaspartes, tinha
se concentrado no quanto era antiético retirar a medicação de pacientes
esquizofrênicos,e, no entanto, ali estava um estudo da OMS que parecia haver
encontrado uma associaçãoentre os resultados positivos e a /zãoutilização contínua
dessesmedicamentos. Escrevi Z,ozzc;oi
/zoiExfadai ZI/ndai, que se transformou numa
história do tratamento dos doentes mentais gravesem nossopaís,para tentar
compreender como isso era possível.

Confesso tudo isto por uma razão simples. Uma vez que a psiquiatria é um tema
tão controvertido, considero importante os leitores compreenderem que iniciei
esta longajornada intelectual como alguém que acreditava no saber convencional.
Eu acreditava que os pesquisadores psiquiátricos estavam descobrindo as causas
biológicas das doençasmentais e que esseconhecimento levara ao desenvolvimento
de uma nova geração de drogas psiquiátricas que ajudavam a "equilibrar" a
química cerebra[. Essesmedicamentoseram como "insu]ina para o diabetes". Eu
acreditava que isso era verdade, porque era o que me diziam os psiquiatras na
épocaem que eu escreviaparajornais. Depois, no entanto, tropecei no estudo de
Harvard e nasdescobertasda OMS, e issolevou a que eu me lançassenuma busca
intelectual que acabou por se transformar neste livro, .4zzafoma deumaE»{demÍa.

17
PARTEI

A EPIDEMIA
l
Uma PragaModerna
'Esta é a essênciada ciê ia:faça uma pergunta impertinente
e vocêestará a caminho de uma respostapertinente."
--Jacob Bronowski, 1973:

Esta é a história de um enigma da medicina.Trata-sede um enigmade


natureza extremamente curiosa, mas que nós, como sociedade,precisamos
desesperadamenteresolver pois ele fala de uma epidemia oculta que vem
reduzindo a vida de milhões de norte-americanos,inclusive de um número
rapidamente crescente de crianças. Essa epidemia teve um aumento de tamanho
e alcance nas últimas cinco décadas, e hoje incapacita 850 adultos e 250 crianças
diadamezzfe.E esses números estarrecedores dão apenas uma sugestão do
verdadeiro alcance dessapraga moderna, pois são somente a contagem dos que
ficaram tão doentes que suas famílias ou seus cuidadores foram autorizados a
receber do governo federal um cheque de pensão por invalidez.

Então, eis o quebra cabeça.

Como sociedade, passamos a entender que a psiquiatria fez grandes


progressosno tratamento dasdoençasmentais nos últimos cinquenta anos.Há
cientistas descobrindo as causas biológicas dos distúrbios mentais, e as empresas
farmacêuticas desenvolveram diversos remédios eficazespara essesproblemas de
saúde.Essa história tem sido contada em jornais, revistas e livros, e a prova de
nossa crença nela como sociedade pode ser encontrada em nossos gastos habituais.
Em 2007, gastamos 25 bilhões de dólares em antidepressivos e antipsicóticos e,
para situar essacifra no panorama geral, ela foi superior ao produto interno bruto
de Camarões, uma nação de 18 milhões de pessoas.2
Em 1999, David Satcher, o diretor nacional de Saúde dos Estados Unidos,
resumiu bem essahistória de progresso científico, num relatório de 458 páginas
intitulado Saz2de Me/z/a/.Segundoele, podia-sedizer quc a era modernada
psiquiatria tivera início em 1954.Antes dessadata, a psiquiatria não dispunha
de tratamentos que pudessem "impedir que os pacientes ficassem cronicamente

21
ANATOMH DE UMA EPIDEhaA

enfermos". Mas então foi introduzido o Thorazine.: Essa foi a primeira droga a
constituir um antídoto específicopara um distúrbio mental -- era um medicamento
a?z/iPs2cóf
ca-- e ela deu o pontapé inicial numa revolução psicofarmacológica. Logo
em seguida, foram descobertos agentes a/zfiaã@zzsiÍz'oi
eazziáa/íf2coi,
e, como resultado,
hoje desfrutamos de "uma variedade de tratamentos, de eâcácia bem documentada,
para o conjunto de transtornos mentais e comportamentais claramente definidos
que ocorrem ao longo da vida", escreveuSatcher. A introdução do Prozac e de
outros medicamentos psiquiátricos de "segunda geração", acrescentou o diretor
nacional de Saúde, foi "instigada por avanços das neurociências e da biologia
molecular" e representou mais urn avançono tratamento das doençasmentais.:
Os estudantes de medicina que fazem formação em psiquiatria leem sobre essa
história em seuslivros didáticos, e o público lê sobre ela nas matérias populares
a respeito desse campo A torazina, escreveu Edward Shorter catedrático da
Universidade de Toronto, em seu livro Z:/ma-lÊs/óüada P3 guíafda, de 1997,"iniciou
na psiquiatria uma revolução comparável à introdução da penicilina na medicina
geral".' Esse foi o começo da "era psicofarmacológica", e agora podíamos ter
certeza de que a ciência havia provado que as drogas do armário de medicamentos
da psiquiatria eram benéâcas. "Dispomos de tratamentos muita eficazes e seguros
para uma ampla gama de distúrbios psiquiátricos", informou Richard Friedman,
diretor da clínica de psicofarmacologia da Faculdade de Medicina Weill Cornell,
aos leitores do iVew yort 72mei,em 19 de junho de 2007.' Três dias depois, num
editorial intitulado "Ç2uando as crianças precisam de remédios", o -Bos/a z GJoóe

fez eco a esse sentimento: "0 desenvolvimento de medicamentos potentes


revolucionou o tratamento da doença mental".6

Psiquiatras que trabalham em países do mundo inteiro também creem que


isso seja verdade. Na 161' Conferência Anual da Sociedade Norte-Americana de
Psiquiatria (A])A),nrealizada em maio de 2008 em Washington,quasemetade
dos vinte mil psiquiatras presentesera estrangeira. Nos corredoresfervilhavam
conversas sobre esquizofrenia, transtorno bipolar, depressão, distúrbio do pânico,
transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e uma multiplicidade de outros
distúrbios descritos no 4anzza/.Díagzzósficoe Esfafúfíca de -DoezzfaJ.AZe/z/aíS,nida APA,
e, ao longo de cinco dias, quase todas as palestras, seminários e simpósios falaram
de avançosnesse campo. "Percorremosum longo caminho na compreensãodos
l
Torazina, vendida no Brasil com o nome comercial de Amplictil.(N.T.)
n
Sigla da denominação original, American Psychiatric Associatian.(N.T)
In
Diagnas#c and Sfaf sf ca/ i14aaua/a# 4enfa/Dhozzüm,comumente citado pela abreviatura DSil/
(N.T)

22
Uma Praga Moderna

transtornospsiquiátricos, e nossosconhecimentoscontinuam a se expandir", disse


à plateia Carolyn Robinowitz, presidente da APA, em seu discurso de abertura.
"Nossotrabalho salva e melhora inúmeras vidas."'

Mas aí é que está o enigma. Dado essegrande avanço no tratamento, seria de se


esperar que o número de inválidosw por doença mental nos Estados Unidos, numa
estatística per c;a@
fa, houvesse declinado nos últimos cinquenta anos. Também
seria de se esperar que o número de doentes mentais inválidos, numa proporção
per caPífa, houvesse diminuído desde a chegada do Prozac, em 1988, e dos outros
medicamentos psiquiátricos de segunda geração. Deveríamos ter visto uma queda
em duas etapas nas taxas de invalidez. Ao contrário, à medida que se desdobrou a
revolução psicofarmacológica, o número de casosde invalidez por doença mental
nos Estados Unidos teve um arame/zfo
z,erfígzzaso.
Além disso, tal aumento desse
número de casos acelerou-se ainda mais desde a introdução do Prozac e das outras
drogaspsiquiátricas de segundageração.E o mais perturbador de tudo é que esta
praga da era moderna vem se espalhando agora entre as crianças do país.

Os dados sobre invalidez, por seu turno, levam a uma pergunta muito mais
ampla. Por que tantos norte-americanos, na atualidade, ainda que não se hajam
tornado inválidos por doençasmentais, sãoatormentados por problemas mentais
crónicos -- por depressões recorrentes, sintomas bipolares e uma ansiedade
incapacitante? Se dispomos de tratamentos que lidam de maneira eficaz com esses
distúrbios, por que a doençamental tem se tornado um problema de saúdecada
vez maior nos Estados Unidos?
lv
O termo diraó/edpode ser traduzido para o português como inválido, deficiente, incapacitado.
No Brasil, tal terminologia não é empregada no campo da saúdemental, por ser considerada
politicamente incorreta. NosEstadosIJnidos, o governofederal, por intermédio da Administração
do SeguroSocial (SocialSecurity Administration), tem dois programas para pes?oasque se
tornam inválidos(dísaóled) e incapazes para trabalhar. Os doentes mentais considerados inválidos
mencionados no texto de Whitaker são aquelas pessoasque se encontram entre os considerados
com alguma incapacidade (deficiência, invalidez) devida a doença. Whitaker utiliza o termo com
o sentido muito específicoempregado nos EstadosUnidos: o número de pessoasque recebem
o pagamento do governo por invalidez, porque podem ser declaradas incapacitadaspor doença
mental. Anualmente, os pesquisadoresque buscamrastrear o número de inválidos por doença
mental na era moderna comparam-nocom o número de pessoasem hospitais psiquiátricos
antes da desinstitucionalízação,na medida em que eram vistos como uma populaçãoincapaz de
cuidar de si própria. Algo, portanto, muito importante: Whitaker não faz uso de "inválidos por
doença mental" com algum tipo de sentido genérico para descrever o doente mental. Mas usa tal
expressãopara definir um número de pessoasque recebemdo governo federal pagamentospor
incapacidade, porque são considerados incapacitados para trabalhar devido à sua doença mental.
(N.R.T)

23
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA

A Epidemia
Bem,juro que este não será apenas um livro de estatísticas. Estamos tentando
solucionar um mistério neste livro, e isto nos levará a uma exploração da ciência
e da história e, em última análise, a uma narrativa com muitas reviravoltas
surpreendentes. Mas essemistério brota de uma análise profunda das estatísticas
do governo e, portanto, como primeiro passo,precisamos levantar os números da
invalidez nos últimos cinquenta anos, para ter certeza de que a epidemia é real.

Em 1955,os doentesmentais inválidos eram primordialmente tratados


em manicómios municipais e estaduais. Hoje em dia, é típico receberem um
pagamento mensal da Renda Complementar da Previdência (SSI)v ou uma
pensão do Seguro da Previdência Social por Invalidez (SSDI),vi e muitos vivem em
abrigos residenciais ou em outras instituições residenciais subsidiadas.Essasduas
fontes estatísticas fornecem uma contagem aproximada do número de pessoassob
a assistência do governo por terem sido incapacitadas por doenças mentais.

Em 1955, havia 566.000 pessoas em hospitais psiquiátricos municipais e


estaduais. Entretanto, apenas 355.000 delas tinham um diagnóstico psiquiátrico,
uma vez que as demais sofriam de alcoolismo, demência ligada à sífilis, mal de
Ajzheimer e retardos mentais, populaçãoesta que não íiguraria numa contagem
dos atuais casos de invalidez por doença mental.8 Portanto, em 1955, um em cada
468 norte-americanos era hospitalizado por doença mental. Em 1987, havia 1,25
milhão de pessoasrecebendo pensõesda SSI ou do SSDI por invalidez decorrente
de doença mental, ou um em cada 184 norte-americanos.

Doentes mentais hospitalizados em 1955


Primeira internacão Pacientes residentes
ltanstornos nsicóticos
Esquizofrenia28.482267.603
Psicosemaníaco-depressiva 9.679 50.937
Outros 1.387 ] 4.734
Psíconeurose
(Ansiedade) 6.549 5.4]5
Transtornos de personalidade 8.730 9.739
lodos os demais 6.

Embora houvesse558.922pacientes residentes em hospitais psiquiátricos municipais e estaduaisem


1955, apenas 355.000 sofriam de doenças mentais. Os outros 200.000 eram pacientes idosos que sofriam
de demência, sífi]is em estágio fina], alcoolismo, retarda mental e diversassíndromes neurológicas.
Fonte: G. Silverman, Z»eE»ídemíaZogp aVl)ePxpssion,
1968: 139.

V
VI
A sigla da denominação original, Supplemental Security Income, foi mantida nesta tradução.(N.T)
A sigla da denominaçãooriginal, Social SecurityDisability Insurance,foi mantida nesta tradução
(N.T)

24
Uma Praga Moderna

Ora, pode-seargumentar que issoé comparar alhos com bugalhos. Em 1955,


talvez os tabus da sociedade a respeito da doença mental levassem a uma relutância
em procurar tratamento e, por isso, a baixos índices de hospitalização. Também
é possívelque a pessoaprecisasseestar mais doente para ser hospitalizada em
1955do que para receber uma pensãoda SSI ou do SSDI em 1987,e por isso o
índice de invalidez em 1987 seria tão mais elevado. Entretanto, também seria
possível elaborar argumentos no sentido inverso. Os números da SSI e do SSDI
fornecem apenas uma contagem dos doentes mentais inválidos com menos de 65
anos de idade, ao passo que os hospitais psiquiátricos de 1955 abrigavam muitos
esquizofrênicos idosos. Também havia muito mais doentes mentais que eram
moradores de rua e estavam na cadeia em 1987 do que em 1955,e essapopulação
não aparece nos cálculos da invalidez. A comparação é imperfeita, mas é a melhor
que se pode fazer para levantar os índices de invalidez entre 1955 c 1987.

Felizmente, a partir de 1987, a comparaçãotorna-se direta, envolvendo


apenasos números da SSI e do SSDI. A Administração Federal de Alimentos e
Medicamentos (FDA)w: aprovou o Prozac em 1987 e, nas duas décadas seguintes,
o número de inválidos por doença mental nas listas da SSI e do SSDI saltou
para 3,97 milhões.9Em 2007, o índice de invalidez era de um em cada 76 norte-
americanos.Isso equivale a mais do dobro do índice de 1987 e a seis vezeso de
1955. A comparação direta prova que há alguma coisa errada.
Se vasculharmos um pouco mais os dados sobre invalidez, encontraremos
um segundo quebra-cabeça. Em 1955, a depressão grave e o transtorno bipolar
não incapacitavammuita gente. Havia apenas50.937 pessoasem hospitais
psiquiátricos municipais e estaduais com diagnóstico de um dessestranstornos
afetivos.'' Durante a década de 1990, entretanto, pessoas em luta com a depressão
e com o transtorno bipolar começaram a aparecer nas listas da SSI e do SSDI em
número cada vez maior. e hoje estima-se que haja 1,4 milhão de pessoasde 18 a
64 anosque recebempensãofederal por invalidez em decorrência de transtornos
afetivos.: l Acresce que essa tendência vem sc acelerando: de acordo com o relatório
de 2008 do General Accountability Ofhce(GAO),v':' 46% dos adultosjovens(de 18
a 26 anos) que receberam pensão da SSI ou do SSDI por invalidez psiquiátrica em
2006 foram diagnosticadoscom algum transtorno afetivo (e outros 8% tornaram-
se inválidos por "transtorno da ansiedade").':

Siglada denominaçãooriginal, FederalDrug Administration.(N.T)


órgão que tem, nosEstadosl.Jnidos,fllnções similares às da Controladoria Geral da União(CGU)
no Brasil. (N.T)

25
AIqATOAdHDE UMA EPIDEMM

Invalidez por doença mental na era do Prozac


BeneHlciários da SSI e do SSDI abaixo de 65 anos com invalidez por doença mental,
1987-2007

Benaüiciáfiosda SSI
BeneficiáíiosdoSSD

1987 19© 1997 2002 2007

Um em cada seis beneâciários do SSDI também recebe pagamentos da SSI, de modo que o número total
de bene6ciários é inferior à soma dos números da SSI e do SSDI. Fonte: relatórios da Administração
de Segurídade Social,1987-2007.

Essa praga das doenças mentais incapacitantes também se espalhou agora


entre nossascrianças. Em 1987, havia 16.200 crianças abaixo de 18 anos que
recebiam pensão da SSI como incapacitadas por doença mental grave. Essas
crianças correspondiam a apenas 5,5% das 293.000 incluídas no rol dos inválidos
-- na época,a doençamental não era uma causapreponderante de invalidez entre
as crianças do país. A partir de 1990,porém, o número de crianças com doenças
mentais começoua sofrer uma elevaçãodrástica, e no üm de 2007 havia 561.569
delas no rol dos inválidos da SSI. No curto intervalo de vinte anos, o número de
criançasincapacitadaspor doençasmentais aumentou35 rezei.Hoje em dia, a
doença mental é a principal causa de invalidez nas crianças, e o grupo dos doentes
mentais abrangeu 50% do total de crianças no rol da SSI em 2007.:'

A natureza desconcertante dessaepidemia infantil aparece com especialclareza


nos dados da SSI de 1996 a 2007. Enquanto o número de crianças incapacitadas
por doençasmentais mais do que duplicou durante esseperíodo, o número de
criançasno rol da SSIpor todas as outras razões-- câncer retardo mental etc.--
dminzzizz,baixando de 728.1]0 para 559.448. Ao que parece, os médicos do país
estavam progredindo no tratamento de todas essasoutras doenças, mas, no que
dizia respeito às doenças mentais, constatava-se exatamente o inverso.

26
Uma Praga Moderna

Uma Investigação Científica


Agora o quebra-cabeça pode ser resumido com precisão. Por um lado, sabemos
que muitas pessoas são ajudadas por medicamentos psiquiátricos. Sabemos que
muitas pessoasse estabilizam bem com eles e dão depoimentos pessoaissobre
como os remédios as ajudaram a levar uma vida normal. Além disso, como assinalou
Satcher em seu relatório de 1999, a literatura científica realmente documenta que
as drogas psiquiátricas, pelo menosa curto prazo, são "eâcazes".Os psiquiatras e
outros médicos que as receitam atestam essefato, e muitos pais de crianças que
tomam remédios psiquiátricos também juram por sua eâcácia. Tudo isso compõe
um poderoso consenso: as drogas psiquiátricas funcionam e ajudam as pessoas a
levarem uma vida relativamente normal. No entanto, ao mesmo tempo, ficamos
às voltas com fatos perturbadores: o número de pessoascom invalidez por doença
mental teve um crescimento drástico desde 1955, e, nas duas últimas décadas,
período em que houve uma explosão nas receitas de medicamentos psiquiátricos, o
número de adultos e crianças incapacitados por doençasmentais subiu de maneira
estarrecedora. Chegamos assim a uma pergunta óbvia, ainda que de natureza
herege: poderia o nosso paradigma de atendimento medicamentoso, de alguma
forma imprevista, estar alimentando essapraga dos tempos modernos?
É minha esperança que .4/zafomZa de zzmaE» gemiasirva como uma exploração
dessapergunta. Também é fácil perceber o que deveremos encontrar sc quisermos
resolver esse quebra-cabeça. Precisaremos descobrir uma história da ciência que
se desdobreno correr de 55 anos,provenhadas melhorespesquisase explique
todos os aspectos do nosso quebra-cabeça. A história deve revelar por que houve
um aumento drástico do número de inválidos por doença mental, deve explicar
por que os transtornos afetivos incapacitantes são tão mais comuns hoje do que
há cinquenta anos, e deve explicar por que atualmente tantas crianças vêm
sendo derrubadas por doenças mentais graves. E, se encontrarmos essa história,
deveremos estar aptos a explicar por que ela permaneceu oculta e desconhecida.

Tambémé fácil percebero que está emjogo. Os númerosda invalidezsão


apenasum indício do extraordinário tributo que a doençamental tem cobradode
nossa sociedade. Em seu relatório de junho de 2008, o GAO concluiu que um em
cada 16 adultosjovens dos EstadosUnidos tem hoje "uma doençamental grave".
Nunca houve uma sociedade que visse tamanha praga de doenças mentais em
seusadultosjovens, e os que entram nas listas da SSI e do SSDI nessafaixa etária
precoce tendem a passar o resto da vida recebendo pensão por invalidez. Ojovem

27
ANATOÀaA DE UMA EPIDEMIA

de 20 anos que entra nas listas da SSI ou do SSDI receberá mais de um milhão de
dólares em benefícios nos próximos quarenta anos, aproximadamente, e esseé
um custo -- casoa epidemia continue aumentando -- que nossasociedadenão terá
como bancar.

Há outro aspecto,mais suti], nessaepidemia.Nos últimos 25 anos,a


psiquiatria remoldou profundamente a nossa sociedade.Por meio do seuiWanua/
Dias/zóifícae Exfafíffico, ela traçou uma fronteira entre o que é "normal" e o que
não é. Nossa compreensão social da mente humana, que no passadoprovinha
de uma mesclade fontes (grandesobras de ficção,investigaçõescientíficas
e textosfilosóficose religiosos),
é hojefiltrada peloZ)SÀ4'.
Na verdade,as
histórias contadas pela psiquiatria sobre "os desequilíbrios químicos" do cérebro
reformularam nossacompreensãode como funciona a mente e questionaram
nossas concepções do livre-arbítrio. Será que somos realmente prisioneiros de
nossos neurotransmissores? Mais importante, nossas crianças são as primeiras da
história humana a crescerem sob a sombra constante da "doença mental". Não faz
muito tempo, os vadios, os gaiatos, os valentões, os cê-dê-efes, os tímidos, os xodós
dos professores e um sem-número de outros tipos reconhecíveis enchiam os pátios
das escolas, e todos eram considerados mais ou menos normais. Ninguém sabia
realmente o que esperar dessascrianças quando chegassemà idade adulta. Isso
fazia parte da gloriosaincerteza da vida -- o mandrião da quinta série podia aparecer
na comemoração de vinte anos de formatura do curso médio como o empresário
rico, e a menina tímida, como uma atriz de sucesso.
Hoje em dia, no entanto,as
crianças diagnosticadas com problemas mentais -- em especial transtorno do déficit
de atenção com hiperatividade [TDAH], depressão e transtorno bipo]ar -- ajudam
a povoar o pátio estudantil. Essascrianças são informadas de que há algo errado
com seu cérebro e de que talvez tenham que tomar remédios psiquiátricos pelo
resto da vida, assim como "o diabético toma insulina". Essa máxima da medicina
ensina a todos os alunos do pátio uma lição sobre a natureza da humanidade, e
essalição difere radicalmente do que se costumava ensinar às crianças.

Portanto, eis o que está em jogo nesta investigação: sefor verdadeira a história
convencional, e se a psiquiatria de fato houver obtido grandes progressosna
identificação das causasbiológicas dos distúrbios mentais e no desenvolvimento
de tratamentos eficazespara essasdoenças,poderemosconcluir que tem sido
benéficaa remoldagemde nossasociedadepela psiquiatria. Por pior que possa
ser a epidemia de doençasmentais incapacitantes, será razoávelsupormos que,
sem essesavançosda psiquiatria, ela seria muito pior. A literatura científica

28
Uma Praga Moderna

mostrará que milhões de crianças e adultos estão sendo auxiliados pelos


medicamentos psiquiátricos,e que sua vida tem se tornado mais rica e mais
plena, como disse Carolyn Robinowitz, a presidente da APA, em seu discurso na
conferência de 2008 dessa entidade. Mas, se desvendarmos uma história de outra
natureza -- uma história que mostre que as causas biológicas das doençasmentais
continuam por ser descobertas e que, na verdade, os medicamentos psiquiátricos
vêm a/{mezz/azado
a epidemia de doençasmentais incapacitantes --, o que dizer?
Teremosdocumentadouma história que fala de uma sociedadeterrivelmente
desencaminhada e, poderíamos dizer, traída.

E, sefor esseo caso,passaremosa última parte destelivro examinandoo que,


como sociedade, podemos fazer para construir um futuro diferente.

29
2
Refllexões Experienciais
"Se ualoTicamos a busca do conhecimento, devemoster a liberdade
de l)rosseguiT nessa busca aonde quer que eLa nos leve."
-- Adlai Stevenson, 1952:

O Hospital McLean, em Belmont, no estadode Massachussetts,é um dos


manicómios mais antigos dos Estados Unidos, pois foi fundado em 1817, quando
um tipo de atendimento conhecido por terapia moral vinha sendo popularizado
pelos quacres. Era convicção deles que se devia construir um retiro para os
doentes mentais num ambiente bucólico, e até hoje o calnPzói
do McLean, com suas
belas construçõesde tijolos e seusjardins cheiosde sombra,dá a impressãode
um oásis. Na noite de agosto de 2008 em que lá cheguei, para comparecer a uma
reunião da Aliança de Apoio a Depressivos e Bipolares (DBSA),: essa sensação de
tranquilidade foi acentuadapelas condiçõesclimáticas. Foi uma das noites mais
gloriosas do verão e, quando me aproximei da lanchonete onde deveria realizar-
se o encontro, imaginei que talvez a frequência noturna fossereduzida. A noite
estava agradável demais para se ficar num recinto fechado. Tratava-se de uma
reunião para moradores da comunidade, o que significava que eles teriam que
sair de suascasase apartamentos para ir até lá, e, considerandoque o grupo do
Hospital McLean se reunia cinco vezespor semana-- havia uma sessãovespertina
todas as segundas,quintas, sextas e sábados,bem como uma reunião noturna
todas as quartas-feiras --, calculei que a maioria das pessoasligadas ao grupo
faltaria a esseencontro.
Eu estava errado

Clercade cem pessoasenchiam a cafeteria, numa cena que atestava, em


pequena escala, a epidemia de doenças mentais incapacitantes que eclodiu em
nossopaís nos últimos vinte anos.A Aliança de Apoio a Depressivose Bipolares
foi fundada em 1985 (a princípio conhecida como Associaçãodos ])epressivose
Maníaco-Depressivos), iniciando-se esse grupo do McLean pouco depois disso,

Sigla da denominação original, Depression and Bipolar Support Alliance. (N.T)


ANATOMH DE UMA EPIDEMIA

e hÜ e a organização conta com quase mil desses grupos de apoio em todo o território
nacional. Existem sete deles somente na área da Grande Boston, e a maioria --
como o grupo que se reúne no McLean -- oferece às pessoasa oportunidade de se
reunirem e conversarem várias vezes por semana. A DBSA cresceuPaü paiizz com
a epidemia.

A primeira hora da reunião foi dedicadaa uma palestra sobrea "terapia da


flutuação" e, à primeira vista, a plateia não era realmente identificável pelo
menos não para uma pessoa de fora, como eu -- como um grupo de pacientes. Os
participantes tinham idades muito variadas, estando os mais jovens no final da
adolescência e os mais velhos na faixa dos 60 anos, e, embora houvesse um número
maior de mulheres, talvez essadisparidade de gênero fosseesperável,dado que
a depressãoafeta mais as mulheres do que os homens. Ç2uasetodos na plateia
eram brancos,o que talvez refletisse o fato de Belmont ser uma cidade abastada.
Talvez o único sinal revelador de que a reunião era para pessoasdiagnosticadas
com algum distúrbio mental fosse o fato de um bom número delas estar acima do
peso.As pessoasdiagnosticadascom transtorno bipolar é muito comum receitar
um antipsicótico atípico, como o Zyprexa, e essesremédios costumam fazer as
pessoas engordarem.

Terminada a palestra, Steve Lappen, um dos dirigentes da DBSA em Boston,


listou os novos grupos que passariam a se reunir. Havia um de "recém-chegados",
outro de "familiares e amigos",um terceiro de "adultosjovens", um quarto de
"manutenção da estabilidade" e assim por diante, e a última das oito opçõesera
um "grupo do observador",que Stevehavia organizadopara mim.
Havia novepessoasno nossogrupo (excetuandoeu mesmo)e, à guisa de
introdução, cada um fez um rápido resumo de como vinha passando, ultimamente
-- "tenho atravessado
uma fase difícil" era um reílão comum-- e nosfalou de
seu diagnóstico específico.O homem à minha direita era um ex-executivo que
havia perdido o emprego por causa de sua depressão recorrente e, à medida
que dizemosa ronda da sala, essashistórias de vida foram surgindo. Uma mulher
mais moça falou de seu casamento problemático com um chinês que, em função de
sua cultura, não gostava de falar em doença mental. Ao lado dela, um ex-promotor
público contou ter perdido a mulher dois anos antes e disse que, desde então,
"tenho a impressão de não saber quem eu sou". Uma mulher que era professora
adjunta numa faculdade da região contou como estava difícil o seu trabalho
naquele momento, e por fim, uma enfermeira recém-internada no McLean por
depressãoexplicou o que a levara para esselugar sombrio: ela enfrentava a tensão

32
Reflexões Experienciais

de cuidar do pai doente, a tensão do trabalho e anos de convívio com "um marido
agressivo

O único momento mais leve dessarodada de apresentaçõesveio do membro


mais velho do grupo. Ele andava passandomuito bem nos últimos tempos, e
sua explicação para sua relativa felicidade agradaria ao personagemGeorge
Constanza, do seriada Se{/!#e/d:
"0 verão costuma ser uma épocadifícil para mim,
porque todos parecem muito felizes. Mas, com toda a chuva que temos tido, não
tem sido bem esse o caso neste verão", declarou.

Ao longo da hora seguinte, a conversa saltou de um assunto para outro.


Houve uma discussãosobre o estigma enhentado pelos doentes mentais na nossa
sociedade,particularmente no trabalho, e sobre como os familiares e amigos,
passadoalgum tempo, perdem a empatia. Ficou claro que era por isso que muitos
integrantesdo grupo estavamlá -- achavamútil a compreensãocompartilhada.
A questão da medicação veio à baila e, nesse tema, as opiniões e experiências eram
muito variáveis. O ex-executivo, embora ainda sofresseregularmente de depressão,
disse que sua medicação fazia "maravilhas" por ele e que seu maior medo era que
ela "parasse de funcionar". Outros falaram de haver tentado um remédio após
outro, até encontrarem um regime medicamentoso que proporcionasse algum
alívio. Steve Lappen disse que os remédios nunca haviam funcionado para ele,
enquantoDennis Hagler, o outro dirigente da DBSA na reunião (que também
concordou em ser identificado), disse que uma dose alta de um antidepressivo
tinha feito toda a diferença do mundo em suavida. A enfermeira disse ter reagido
muito mal aos antidepressivosem sua hospitalizaçãorecente: "Tive uma reação
alérgica a cinco remédios diferentes", afirmou. "Agora estou experimentando um
dos novos [antipsicóticos] atípicos. Espero que funcione."

Terminadas assessõesgrupais, as pessoassereuniram na lanchonete em grupos


de duas ou três, conversando informalmente. Isso criou um momento agradável;
havia na sala um sentimento compartilhado de entusiasmo,e era perceptível
que a noite havia levantado o ânimo de muitos. Era tudo tão comum que aquilo
poderia facilmente ser o encerramento de uma reunião de pais e professores, ou
uma reunião social da igreja, e, enquanto eu andava para o carro, foi esseaspecto
corriqueiro que mais me impressionou.No grupo do observador,houvera um
homem de negócios,um engenheiro, um historiador, um promotor público, uma
professora universitária, uma assistentesocial e uma enfermeira (as outras duas
pessoasdo grupo não tinham falado de sua história profissional).No entanto,
até onde pude perceber apenas a professora universitária estava empregada

33
AIMTOhHA DE UMA EPIDEMIA

naquele momento. E este era o enigma: as pessoasdo grupo do observador tinham


instrução e todas tomavam medicamentos psicotrópicos, mas, ainda assim, muitas
eram tão atormentadas pela depressãopersistente e por sintomas bipolares que
não conseguiam trabalhar.

Mais cedo, Steve me dissera que cerca de metade dos membros da DBSA
recebia pensão da Renda Complementar da Previdência (SSI) ou do Seguro
da Previdência Social por Invalidez (SSDI) porque, aos olhos do governo, essas
pessoas estavam incapacitadas por suas doenças mentais. E esse o tipo de paciente
que vem inchando as listas da SSI e do SSDI nos últimos 15 anos, enquanto a
DBSA tornou-se a maior organização de pacientes com doenças mentais do país
durante esseperíodo. Agora a psiquiatria tem três classesde medicamentosque
usa para tratar os distúrbios afetivos -- antidepressivos, estabilizadores do humor
e antipsicóticos atípicos --, mas, seja por que for, um número cada vez maior de
pessoasaparece nas reuniões da DBSA em todo o país, para falar de sua luta
persistente e duradoura com a depressão, a mania, ou ambas.

Quatro Histórias
Na medicina, as histórias pessoaisdos pacientesdiagnosticadoscom uma
doença são conhecidas como "estudos de caso", e há um entendimento de que,
embora essesrelatos experienciais possam trazer a compreensão profunda de uma
doençae de seustratamentos, não têm como provar se determinado tratamento
funciona. Somente os estudos científicos que examinam os efeitos do conjunto
podem fazê-lo e, mesmo assim, é comum ser nebuloso o quadro que emerge.
A razão de os relatos experienciais não poderem fornecer essa comprovaçãoé
que as pessoaspodem ter reações sumamente variáveis aos tratamentos médicos.
o que é particularmente verdadeiro na psiquiatria. Podemosencontrar pessoas
que nos falam de como os remédios psiquiátricos lhes trouxeram imensa ajuda;
podemosencontrar pessoasque nos dirão como os remédios arruinaram sua
vida; e podemos encontrar pessoas-- e estas parecem ser a maioria, na minha
experiência -- que não sabem o que pensar. Não conseguem propriamente decidir
se os medicamentos as ajudaram ou não. Ainda assim, ao nos propormos resolver
o enigma da epidemia moderna de doençasmentais incapacitantes nos Estados
Unidos, os relatos experienciais podem ajudar-nos a identificar perguntas que será
conveniente vermos respondidas em nossa investigação da literatura científica.

Vejamos quatro dessas histórias de vida.

34
ReHexões Experienciais

CathDLeuin
Conheci Cathy Levin em 2004, não muito depoisde publicar meu primeiro
livro sobrepsiquiatria, Z,ouros
/zoiExfadoii./nidoi.Tornei-me um admirador imediato
do seu espírito de luta. A última parte deste meu primeiro livro indagavase os
medicamentosantipsicóticos estariam piorando o curso da esquizofrenia a longo
prazo (tema explorado no Capítulo 6 do presente livro), e Cathy objetou a essa
ideia, de certa maneira. Apesar de ter sido inicialmente diagnosticada com um
transtorno bipolar (em 1978), seu diagnóstico fora posteriormente substituído
por um distúrbio "esquizoafetivo" e, na sua própria avaliação,ela fora salva por
um antipsicótico atípico, o Risperdal. Em certo sentido, a história que eu havia
relatado em Z,ozzcoilzoiExfadoi t/n dasameaçavaa experiência pessoalde Cathy,
que me telefonou várias vezespara me dizer o quanto essadroga Ihe fora útil.

Nascida em 1960num subúrbio residencial de Boston, Cathy havia crescido no


que recordava como um mundo "dominado pelos homens" Seu pai, professor de
uma universidade na área de Boston, era veterano da Segunda Guerra Mundial, e
sua mãe, do estilo dona de casa, via esseshomens como "a espinha dorsal da ordem
social". Seusdois irmãos mais velhos, ela se lembrou, costumavam "intimida-la"
e, em mais de uma ocasião,desdequando cra bem pequena, vários meninos do
bairro a haviam molestado. "Eu vivia chorando quando era criança", disse ela, que
não raro fingia estar doente para não ter de ir à escola, preferindo, em vez disso,
passar os dias sozinha em seu quarto, lendo livros.

Embora se saíssebem no segundograu, cm termos acadêmicos,Cathy


tinha sido "uma adolescentedifícil, hostil, raivosa,retraída". No segundoano
do bacharelado, na Faculdade Earlham, em Richmond, estado de Indiana, seus
problemas afetivos se agravaram. Ela começou a se divertir com os rapazes do
time de futebol americano,ansiosa"por trancar", disse,mas,ao mesmotempo,
com medo de perder a virgindade. "Eu âcava confusaquanto a me envolvercom
algum cara. la a uma porção de festas e não conseguiamais me concentrar nos
estudos. Comecei a levar pau na faculdade."

Cathy também estavafumando muita maconha,e logo começoua agir de


maneira excêntrica.Pegavaroupas emprestadasde outras pessoaspara usar, e
circulava pelo ca?naus
com "tamancos enormes, um macacão por cima da roupa
comum, uma jaqueta de aviador e um chapéu engraçado, que comprei numa loja
de artigos do Exército e da Marinha". Uma noite, ao voltar de uma festa para
casa, elajogou fora os óculos, sem a menor razão para isso. Suas ideias sobre sexo

35
ANATOMÜ DE UMA EPIDEMIA

evoluíram aos poucos para uma fantasia com o comediante Steve Martin. Sem
conseguir dormir a noite inteira, ela acordava às 4 horas da manhã e saía para
caminhar, e às vezes, era como se Steve Martin estivesse no ca/nPuia espreita-la.
"Eu achava que ele estava apaixonado por mim e correndo pelos arbustos, sem se
deixar ver", disse. "Estava me procurando."

A mania e a paranoia foram se combinando numa mistura volátil. O ponto


de ruptura veio na noite em que ela atirou um objeto de vidro na paredede seu
quarto, no dormitório. "Não limpei aquilo, fiquei andandoem volta. Fiquei tirando
cacosde vidro dos pés, sabe?Estava completamente fora de mim."

Funcionários da faculdade chamaram a polícia e Cathy foi levada às pressas


para um hospital,e foi nessemomento,dias antesde ela completar 18 anos,
que teve início sua vida medicada.Ela foi diagnosticadacom psicosemaníaco-
depressiva,informada de que sofria de um desequilíbrioquímico no cérebro e
tratada com Haldol [haloperidol] e lítio.

Nos 16 anos seguintes,Cathy entrou e saiu ciclicamentede hospitais. Ela


"detestavaos remédios" o Haldol Ihe enrijecia os músculos e a fazia babar, ao
passo que o lítio a deixava deprimida -- e, muitas vezes, parava abruptamente de
toma-los. "Era maravilhoso sair da medicação", disse-me, e até hoje, ao se lembrar
dessasensação,ela parece perder-se no puro deleite de uma lembrança do passado
distante. "Ç2uandovocê larga os remédios, é como tirar um casacode lã molhado
que estava usando, apesar de ser um lindo dia de primavera, e, de repente, sentis-
se muito melhor, mais livre, com mais prazer." O problema era que, sem os
medicamentos, ela "começava a descompensar e a ficar desorganizada"

No início de 1994,Cathy foi hospitalizadapela décimaquinta vcz. Era vista


como doente mental crónica, passara a ouvir vozes de vez cm quando, e recebeu
um novo diagnóstico (transtorno esquizoafetivo) e um coquetel de drogas: Haldol,
Ativan, Tegretol, Halcion e Cogentin, sendoesta última droga um antídoto contra
os efeitos colaterais desagradáveisdo Haldol. No entanto, depois de receber alta
naquela primavera, um psiquiatra ]he disse para experimentar o ]iisperdal, um
novo antipsicótico que acabara de ser aprovado pela Administração Federal de
Alimentos e Medicamentos (FDA). "Três semanas depois, minha mente estava
muito mais clara", disseCathy '!Asvozescomeçarama desaparecer.
Deixei os
outros remédios e passei a tomar apenas esse. Melhorei. Pude começar a fazer
planos. Parei de conversar com o Diabo.Jesus e Deus pararam de travar batalhas
na minha cabeça."

36
Reflexões Experienciais

O pai de Cathy assim resumiu a situação: "A Gathy voltou"

Embora vários estudos financiados pelo Instituto Nacional de Saúde Mental e


pelo governo britânico tenham constatado que, de modo geral, os pacientes não
se saem melhor com o Risperdal e os outros antipsicóticos atípicos do que com
os antipsicóticos mais antigos, ficou patente que Cathy respondeu muito bem a
essenovo agente. Voltou a estudar e se formou em rádio, cinema e televisão na
Universidade de Maryland. Em 1998, começou a sair com o homem com quem
vive hoje, Jonathan. Em 2005, aceitou um emprego de meio expediente como
editora de HoíceiJor
C/za?zge,
um boletim de notíciaspublicadopelo M-Power,um
grupo de consumidores de Massachusetts, e conservou esse emprego por três
anos.Na primavera de 2008, ajudou a conduzir uma campanha do M-Power para
fazer a Câmara dos Deputados de Massachusettsaprovar uma lei para proteger
os direitos dos pacientes psiquiátricos nos prontos-socorros.Apesar disso, ela
continua a receber pensãodo SSDI -- "sou uma mulher sustentada", brinca -- e,
embora haja muitas razões para isso, acredita que o Risperdal,justamente a droga
que tanto a ajudou, tem se reveladouma barreira ao trabalho em horário integral.
Ainda que ela costume ter muita energia no começo da tarde, o Risperdal a deixa
tão sonolenta de manhã que ela tem dificuldade de se levantar. O outro problema
é que sempre teve dificuldade para se relacionar com outras pessoas,e o Risperdal
agravaesseproblema, ao que ela diz. "Os remédiosisolam a gente. Interferem na
empatia. liá uma certa apatia, e por isso a gente sempre se sente constrangida com
as pessoas.Eles tornam difícil nós nos relacionarmos. Os remédios podem cuidar
da agressividade, da ansiedade e de um pouco da paranoia, sintomas desse tipo,
mas não ajudam na empatia que contribui para nos darmos bem com as pessoas.

C) Risperdal também cobrou um tributo físico. Cathy tem 1,58m de altura,


cabelo castanho ondulado e, apesar de sua razoável forma física, deve estar uns 27
quilos acima do que seria considerado o peso ideal. Também desenvolveu alguns
dos problemas metabólicos,como o colesterol elevado,que os antipsicóticos
atípicos sempre costumam causar."Possoenfrentar qualquer velhinha, em pé de
igualdade, com um rosário dos meus problemas de saúde", diz ela. "Problemas
com os pés, a bexiga, o coração, os seios nasais, o aumento de peso, tudo isso eu
tenho." Mais alarmante ainda foi que, em 2006, sua língua começoua enrolar
na boca, sinal de que ela estaria desenvolvendo
uma discinesiatardia. Quando
aparece, esse efeito colateral significa que os gânglios basais, a parte do cérebro
que controla o funcionamento motor, está ficando permanentemente disfuncional,
danificadapor anosde tratamentos medicamentosos.
Mas Cathy não consegue

37
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA

passarbem sem o Risperdal e, no verão de 2008, issoa levou a um momento de


profundo desespero:"E claro que, daqui a alguns anos, terei um aspecto meio
horripilante, com os movimentos involuntários na boca"

Assim tem sido o curso da sua vida com os medicamentos. Dezasseisanos


terríveis, seguidospor 14 anos bastante bons com o Risperdal. Gathy acredita
que hcje essadroga é essencialpara sua saúdemental e, na verdade,poderia
ser vista como uma garota-propagandalocal na promoção das maravilhas desse
remédio. No entanto, se pensarmos no longo curso de sua doença e remontarmos
à sua primeira hospitalização, aos 18 anos de idade, seremos forçados a perguntar:
ela teve uma história de vida aprimorada por nossoparadigma de tratamento
medicamentosodos distúrbios mentais, ou será que teve uma história de vida
piorada? De que maneira poderia ter se desenrolado a sua vida se, ao sofrer seu
primeiro episódio maníaco, no outono de 1978, ela não tivesse sido imediatamente
medicada com lítio e Haldol, e se, em vez disso, os médicos houvessem tentado
outros meios -- repouso,terapias psicológicasetc. -- para restaurar sua sanidade?
Ou se, depois de estabilizada por essesmedicamentos, ela tivesse sido incentivada
a se desabituar deles?Teria ela passado16 anos entrando e saindo de hospitais?
Teria sido incluída no SSDI e permanecidonele desdeentão?Como estaria hoje a
sua saúde física? Como teria sido sua experiência iué/efiua da vida ao longo desses
anos? E, se houvesse conseguido passar bem sem as drogas, quantas outras coisas
teria realizado na vida?

Esta última era uma questão em que Cathy, dada a sua experiência com o
Risperdal, não havia pensado muito, antes de nossasconversas.Mas, depois que a
levantei, pareceu obcecadacom essapossibilidade, a qual trouxe à baila repetidas
vezes em nossos encontros. "Eu teria sido mais produtiva sem os remédios", disse,
na primeira vez. "Eu ficaria desolada" se pensassenisso, afirmou posteriormente.
Em outra ocasião,lamentou que, passandoa vida com antipsicóticos,"a gente
perca a alma e nunca mais a recupere. Fiquei empacada no sistema e na luta para
tomar remédios". Por fim, ela me disse isto: "0 que eu lembro, quando olho para
trás, é que, no começo,eu não estava realmente tão doente assim. Na verdade.
só estava confusa. Eu tinha todas aquelas questões, mas ninguém conversava
comigo sobre isso. Ainda hoje, cu gostaria de poder largar os remédios, mas não
há ninguém para me ajudar nisto. Não sei nem começar um diálogo".

Não há como saber é claro, o que teria sido uma vida sem remédios para Cathy
Levin. Entretanto, mais adiante neste livro, veremoso que a ciência tem a revelar
sobre o possível curso que sua doença teria tomado se, naquele momento fatídico

38
Reíiexões Experienciais

de 1978, depois do episódio psicótico inicial, ela não tivesse sido medicada nem
informada de que teria de tomar remédios pelo resto da vida. A ciência deveria
poder dizer-nos se os psiquiatras têm razões para acreditar que seu paradigma
de tratamento medicamentoso altere para melhor ou para pior os efeitos a longo
prazo Mas Cathy acredita que essaé uma questãoque os psiquiatras nunca
consideram:"Eles não fazem a menor ideia de como essasdrogasnos afetam
a longo prazo. SÓtentam estabilizara pessoanaquelemomento,e procuram
controla-la de semanaem semana,de um mês para outro. É só nisso que eles
pensam"

Georpe Badà,l,l,o

Atualmente, George Badillo mora em Sound Beach, em Lona lsland, e sua casa
caprichosamente arrumada fica a uma pequena distância da praia. Aos quase 50
anos, ele está em boa forma, penteia o cabelo ligeiramente grisalho para trás e tem
um sorriso fácil e caloroso. Seu filho de 13 anos, Brandon, mora com ele -- "Está no
time de futebol americano, na equipe de luta romana e no time de básquete, e está
no quadro de honra", disse-me George, com compreensível orgulho --, e a filha de
20 anos, Madelyne, que é aluna da Faculdade de Staten lsland, estava Ihe fazendo
uma visita no dia em que estive com ele. Mesmo à primeira vista, era patente que
os dois estavam felizes por passarem essetempo juntos.
Como muitas pessoasdiagnosticadas com esquizofrenia, George se lembra de
ter sido "diferente" na infância. Quando menino, crescendo no Brooklyn, sentia-
se isolado das outras crianças, em parte porque seus pais porto-riquenhos só
falavam espanhol: "Eu me lembro de todos os outros garotos conversando e sendo
camaradas e extrovertidos, convivendo uns com os outros, mas eu não sabia fazer
isso. Sentia vontade de falar com eles, mas sempre ficava apreensivo", recordou.
George também tinha um pai alcoólatra que sempre batia nele, e por isso começou
a achar que "as pessoasviviam tramando coisase querendo me machucar:
Ainda assim, ele se saiu bem na escola, e só no íim da adolescência, quando era
aluno do Baruch College, foi que sua vida começou a dar errado: "Entrei numa
vida de discotecas",explicou. "Comecei a usar anfetaminas, maconha e cocaína,
e gostei. As drogas me relaxavam. SÓque a coisa fugiu do controle e a cocaína
começoua me fazer pensar numa porção de maluquices.Fiquei paranoicode
verdade. Achava que havia conspirações e tudo o mais. As pessoas me perseguiam,
e o governo estava envolvido nisso". George acabou fugindo para Chicago, onde
foi morar com uma tia e se retirou do mundo que julgava persegui-lo. Assustada, a

39
AN/WOÀaA DE UMA EPIDEhm\

família o persuadiu a voltar para casae o levou à unidade psiquiátrica do Hospital


Judaico de Long lsland, onde ele foi diagnosticado como esquizofrênico paranoide.
"Ficaram todos me dizendo que meu cérebro estava estragado e que eu ficaria
doente pelo resto da vida", comentou.

Os nove anos seguintespassaram-senum remoinho caótico. Tal como Cathy


Levin, Georgedetestava o Haldol e os outros antipsicóticosque os médicoso
mandavam tomar e, em parte por esse desespero induzido pelas drogas, f'ez
múltiplas tentativas de suicídio.Brigou com a família por causadosmedicamentos,
largou as drogas e voltou para elas,passoupor um ciclo de várias hospitalizações
c, em 1987, tornou-se pai, quando sua namorada de ] 8 anos deu à Juz Madelyne.
Casou-secom a namorada,decidido a ser um bom pai, mas Madelyne era uma
criança doentia, e ele e sua mulher sofreram crises nervosas na tentativa de
cuidar da menina. A avó dele levou Madelyne para Porto Rico, e George acabou
divorciado e morando num asilo para inválidos. Ali conheceu e se casou com uma
mulher igualmente diagnosticada como esquizofrênica paranoide e, após uma
série de aventuras e desventuras em San Francisco, também eles se divorciaram.
No começo de 199] , desanimado e novamente paranoide, George baixou no Centro
]'siquiátrico lçings Park, um hospital estadualdilapidado em Lona lsland.
E veio então scu mergulho no desamparo completo. Depois de tentar introduzir
clandestinamente uma pistola no hospital, para poder se matara ele recebeu uma
sentença de dois anos numa ala de acessorestrito. Em seguida, ao se aproximar o
Natal daquele ano, aborreceu-se quando vários pacientes que eram seus colegas
não receberamautorizaçãopara passaras festas em casa e ajudou-osa fugir:
quebrando uma janela em scu quarto e amarrando lençóis uns nos outros para
que eles pudessem descer até o chão. O hospital reagiu mandando-o para uma ala
destinada a pessoasque estavam internadas havia décadas."Fiquei então numa
ala com pessoasque se urinavam", recordou. "Eu era um perigo para a sociedade
c fui dopado. A pessoafica sentada o dia inteiro, vendo televisão. Não pode nem ir
para o lado de fora. Achei que minha vida tinha acabado."

George passou oito meses nessa ala de doentes mentais incuráveis, perdido
numa névoade drogas.Entretanto, foi finalmente transferido para uma unidade
em que podia sair dos recintos fechados e, de repente, lá estavam o céu azul para
ver e o ar puro para respirar.Ele começoua reter a medicaçãoantipsicóticana
língua e a cuspi-la quando o pessoal hospitalar não estava olhando. "Voltei a poder
pensar", contou. "As drogas antipsicóticas não me deixavam pensar.Eu parecia
um vegetal e não conseguia fazer nada. Não tinha emoções.Ficava lá sentado,

40
Reíiexões Experienciais

vendo televisão. Mas, nessa ocasião, eu me senti com um controle maior. E fbi
ótimo voltar a me sentir vivo.

Por sorte, George não sofreu um retorno dos sintomas psicóticos e, não mais
tendo o corpo amolecido pelos remédios, começou a fazerjoggÍng e levantamento
de peso. Enamorou-sede mais uma paciente do hospital, Tara McBride, e, em
1995,depois que os dois receberam alta e se transferiram para uma residência
comunitária próxima, Tara deu à luz Brandon. George,que nunca havia perdido
inteiramente o contato com a filha, Madelyne, passoua ter um novo objetivo na
vida: "Percebi que eu tinha uma segundachance.Eu queria ser um bom pai"
No começo, as coisasnão correram bem. Tal como Madelyne, Brandon nasceu
com problemas de saúde-- tinha uma anomalia intestinal que precisou de cirurgia --,
e Tara entrou em crise, em função do estresse, e tornou a ser hospitalizada. Como
George continuava morando numa residência para doentes mentais, o Estado
.julgou que cle não tinha condiçõespara cuidar de Brandon, que foi entregue à irmã
de Tara para ser criado. Em 1998, porém, George começou a trabalhar em regime
de meio expediente como íacilitador entre pares no Serviço de Saúde Mental do
Estado de Nova York, orientando pacientes internados sobre seus direitos, e, três
anos depois, pede apresentar-se ao tribunal como alguém capaz de ser um bom
pai para Brandos. "Minha irmã Madeline e eu obtivemos a custódia", contou. "Foi
a melhor sensaçãopossível. Simplesmente dei pulos de alegria. Parece ter sido a
primeira vez que alguém no sistema obteve a custódia dos filhos."

No ano seguinte, uma das irmãs de Georgecomprou'lhea casaem que ele


mora anualmente.Embora ainda recebapensãodo SSDI,ele trabalha sobcontrato
para um órgão federal, a Administração de Serviçosde SaúdeMental e Controle
de Abuso de Drogas, e faz trabalhos voluntários com jovens hospitalizados em
Lona lsland. Suavida é repleta de sentido e, como atesta o sucessode Brandos na
escola,George tem se revelado o bom pai que sonhavatornar-se. Madelyne, por
sua vez, orgulha-se escancaradamente do pai. "Ele queria o Brandon e eu na sua
vida", disse. "Isso o fcz querer dar a volta na sua situação. Ele queria ser um pai
para nós.E é a prova de que uma pessoapode se recuperar da doençamental."
Embora a história de George seja claramente inspiradora, ela não prova
nada, em um sentido ou em outro, sobre os méritos globais dos antipsicóticos.
Mas instiga uma indagaçãode ordem clínica: dado que sua recuperaçãocomeçou
quando ele parou de tomar antipsicóticos, será possível que algumas pessoasque
sofrem dc doenças mentais graves, como a esquizofrenia ou o transtorno bipolar
venham a se recuperar na ausênciade medicação?Porventura a história dele é uma

41
ANATOMIA DE UMA EPIDEAaA

anomalia, ou proporciona um discernimento do que seria um caminho bastante


comum de recuperação?George, que hoje toma Ambien [zolpidem] ou uma dose
baixa de Seroquel[quetiapina],ocasiona]mente,
para dormir à noite, acredita
que, pelo menos no seu caso, foi o abandono dos medicamentos que Ihe permitiu
melhorar: "Se eu tivessecontinuado a tomar aquelesremédios,não estaria onde
estou hoje. Estaria preso num asilo para adultos em algum lugar ou no hospital.
Mas estou recuperado. Ainda tenho umas ideias estranhas, mas agora as guardo
para mim. E superoqualquer estresseemocionalque apareça.Ele fica comigo
algumas semanas,depois vai embora"

Mono,ca Bri,pps

Monica Brigas é uma mulher alta, marcante e, como tantas pessoasque atuam
no movimento de "recuperação dos pares", imensamente agradável. No dia em
que almocei com ela, num restaurante do bairro de South Bostan, Monica chegou
à mesa mancando, apoiada numa bengala, por ter se machucado em data recente,
e, quando Ihe perguntei como tinha ido até lá, ela sorriu, discretamente satisfeita
consigo mesma: "Vim de bicicleta", disse.

Nascida em 1967, Monica é de Wellesle)ç no estado de Massachusetts, e, como


adolescentecriada naquela comunidade abastada, parecia ser a última pessoa
fadada a ter pela frente uma vida de doença mental. Vinha de uma família culta
-- a mãe era professora da Universidade de Wellesley e o pai lecionava em diversas
faculdades da área de Boston -- e, na infância, tinha sido uma criança que se
sobressaíaem tudo que fazia. Era boa atleta, tirava as mais altas notas e exibia um
talento especial para a pintura e a literatura. Ao concluir o curso médio, recebeu
vários prêmios sob a forma de bolsas de estudos e, ao ingressar na Faculdade de
Middlebury, em Vermont, no outono de 1985,acreditou que suavida seguiria um
rumo muito convencional: '!Acheique eu iria para a faculdade, me casaria, teria
um labrador cor de chocolate e uma casa num subúrbio residencial, com um SUV
(...) Eu achavaque tudo aconteceriaassim".

Depois de um mês como caloura na Middlebury, Monica foi atingida de


surpresa por um grave episódio depressivo, que pareceu não ter causa alguma.
Ela nunca tivera problemas afetivos até então, não havia acontecido nada de mau
em Middlebury e, ainda assim,a depressãoa atingiu com tal força que ela teve de
deixar a faculdade e voltar para casa. "Eu nunca tinha abandonado coisa alguma",
disse. "Achei que minha vida estava acabada. Achei que aquilo era um fracasso de
que eu nunca poderia me recuperar."

42
Reíiexões Experienciais

Meses depois, ela regressou a Middlebury Estava tomando um antidepressivo


(desipramina) e, com a aproximação da primavera, seu estado de ânimo começou
a melhorar, Mas não melhorou simplesmente num nível "normal". Em vez disso,
seu ânimo disparou para além do que parecia ser uma situação muito melhor. Ela
Êcoucom energia para dar e vender.Passoua fazer longas corridas e se entregou
à pintura, produzindo rapidamente autorretratos esmeradasa carvão e a pastel.
Sentia tão pouca necessidadede sono que abriu uma empresa de camisetas. "Era
fantástico, genial", disse. "Eu não me achava Deus nem nada, mas me sentia muito
perto de Deus, àquela altura. Isso durava várias semanas, e depois eu desabava
durante o que parecia ser uma eternidade.

Era o começoda longa batalha de Monica com o transtorno bipolar. A depressão


dera lugar à mania, seguida por uma depressãoainda pior. Apesar de ter conseguido
concluir o primeiro ano com média 9, ela começou a passar por episódios cíclicos de
depressão e mania e, em maio do segundo ano, tomou um punhado de comprimidos
para dormir com a intenção de se matar. Nos 15 anos seguintes, foi hospitalizada
três vezes.Embora o lítio mantivesse a mania sob controle, a depressãosuicida
sempre voltava, e os médicos receitavam um antidepressivo após outro, na tentativa
de encontrar a pílula mágicaque a ajudaria a ficar bem.

Entre as internações, houve períodos em que Monica ficou razoavelmente


estável, e ela os aproveitou ao máximo. Em 1994,bacharelou-se na Faculdade de
Pintura e Desenho de Massachusetts e, depois disso, trabalhou para várias agências
de publicidade e editoras. Tornou-se membro atuante da Associação Nacional de
Depressivos e Maníaco-Depressivos e desenhou o logotipo da instituição, o "urso
bipolar". Em 2001, porém, depois de ser demitida do emprego, por haver passado
uma semana em casa por causa da depressão, seus impulsos suicidas voltaram
para valer. Ela comprou um revólver mas só conseguiu que ele falhasse seis vezes
quando tentou se matar. Passoutrês noites num viaduto acima de uma rodovia,
querendo desesperadamente atirar-se na autoestrada lá embaixo, mas se abatendo
por achar que poderia causar um acidente que ferida outras pessoas.Foi internada
várias vezese então, em 2001, sua mãe morreu de um câncer no pâncreas, e suas
batalhas mentais tomaram um rumo ainda pior. "Fiquei psicótico, alucinando,
vendo coisas.Achei que tinha superpoderese podia alterar o curso do tempo.
Achei que tinha asasde três metros e podia voar."

Foi nesse ano que ela entrou no SSDI. Dezessete anãs depois de seu episódio
maníaco inicial, ela se tornou oâcialmente inválida, em decorrência de transtorno
bipolar. "Detestei isso", afirmou. "Eu era uma moça de Wellesley dependendo

43
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA

da previdência social, e não era isso que se esperavaque fizessem as moças de


Wellesley.Aquilo era muito corrosivo para a autoestima."

Como se poderia supor,considerandoque Monica chegou ao restaurante de


bicicleta, havendopedaladoaté lá no seu intervalo de almoçono trabalho, sua
vida acaboudando uma guinada para melhor. Em 2006, ela parou de tomar um
antidepressivo e isso desencadeou uma "mudança drástica". A depressão cedeu
e ela começou a trabalhar meio expediente no Centro de Transformação, uma
organizaçãode pares em Boston que ajuda pessoascom diagnósticos psiquiátricos.
Embora o lítio que ela continua a tomar tenha seus inconvenientes -- "minha
capacidade de criar trabalhos artísticos acabou", disse-me --, ele não Ihe cobrou
um tributo Hsico demasiadamente grande. Apesar de Monica ter problemas de
tireoide e sofrer tremores, seusrins estão bem. "Agora estou em recuperação",
disse ela, e, ao nos levantarmos para sair do restaurante, deixou claro que gostaria
de obter um emprego de horário integral e sair do SSDI. "Depender da previdência
é uma fase da minha vida", afirmou em tom enfático, "não um fim."

Foi esse o arco longo da sua doença. Como estudo clínico, sua história
simplesmente parece falar dos benefícios do lítio. Ao que parece, essa droga
tcm mantido sua mania sob controle há décadase, como monoterapia, tem
contribuído para mantê-la estável desde 2006. Apesar disso, após anos de
tratamento medicamentoso, Monica acabou no rol do SSDI e, nessas condições,
sua história ilustra um dos mistérios centrais da epidemia de invalidez. Como é
que uma pessoa tão inteligente e preparada acabou nesse programa de governo?
E, se retrocedcrmoso relógio para a primaveradc 1986,veremossurgir uma
pergunta intrigante: ela sofreu seu primeiro episódio maníaco por ser "bipolar",
ou o antidepressivo induziu a mania? Será possível que a droga a tenha fra?z{/armado
dc alguém que sofreu um episódio depressivonuma paciente bipolar e com isso
a tenha colocadono caminho da doençacrónica?E será que o uso posterior de
antidepressivos alterou para pior o curso de sua "doença bipolar", por uma razão
ou poroutra?

Dito de outra maneira, no mundo das pessoasque frequentam as reuniões


da DBSA, com que frequênciaelas falam em ter se tornado bipolaresa:Paísdo
tratamento inicial com um antidepressivo?

44
Reflexões Experienciais

Dorna Vie ling-Gtaassen


Sevocê tivesse conhecido Dorea Vierling-Claassen em 2002, quando ela estava
com 25 anos, ela Ihe diria que era "bipolar". Havia recebido essediagnóstico
em 1998e ouvidodo psiquiatra a explicaçãode que sofria de um desequilíbrio
químico no cérebro, e, em 2002, tomava um coquetel de drogas que incluía um
antipsicótico, o Zyprexa. No entanto, no outono de 2008, ela havia suspendido
toda a medicaçãopsiquiátrica (já fazia dois anos), prosperavanuma vida que
girava em torno do casamento,da maternidade e de sua pesquisapós-doutoral
no Hospital Geral de Massachusctts,e estavaconvencidade que seusanosde
"bipolaridade" tinham sidoum grandeerro. Ela acredita ter sidoum dosmilhões
de norte-americanos apanhadosno frenesi de diagnosticar essedistúrbio, o que
por muito pouco não acaboupor transforma-la em paciente mental por toda a
vida. "Escapeipor um triz", diz ela.
Dorea contou-me sua história na cozinha de seu apartamento em Cambridge,
no Massachusetts. Sua companheira, Angela, estava presente, e a filha de 2 anos
das duas dormia no quarto ao lado. Gom suassardas e o cabeloligeiramente
eriçado, além de seu evidente gosto pela vida, Dorea dá a impressão de ter sido
uma criança meio travessa e, em certa medida, é assim que se lembra de si mesma:
"Eu era extremamente inteligente, ficava na ponta desseespectro,e por issoera
a menina zzerd.
Mas tinha amigos. Era hábil no convívio social, porque era também
a garota engraçada:

Se houvera alguma coisa fora de esquadro na sua vida de menina, tinha sido o
fato de ela ser sumamente emotiva, propensa a "explosões de raiva" e a "crises de
choro". "Encantadora, mas esquisita" -- foi assim que resumiu a descriçãodo que
era aos7 anos.

Como muitas crianças brilhantes e "esquisitas", Dorna encontrou atividades


em que se destacava.Desenvolveuuma paixão pelo trompete e se tornou uma
musicista consumada. Aluna excelente, tinha especial talento para a matemática.
No segundociclo, fez parte da equipe de atletismo e tinha muitos amigos.No
entanto, continuava bastante emotiva -- essaparte de sua personalidade não tinha
desaparecido e havia uma fonte muito real de aflição em suavida: ela estava
começando a compreender que era lésbica. Seus pais eram "cristãos extremamente
conservadores", e embora ela os amasse e sentisse profunda admiração pela
devoção de ambos à justiça social -- o pai, médico, dedicava metade do seu tempo
ao trabalho voluntário numa clínica que havia fundado em Five Points, um bairro

45
ANATOMIA DE UMA EPIDEhaA

decadente da cidade de Denver --, temia que, por causa das convicçõesreligiosas,
eles não aceitassem sua homossexualidade.Terminado o primeiro ano de seu
curso no Instituto Peabody,um prestigiado conservatório de música em Baltimore,
Dorea respirou fundo e revelou seu segredo aos pais. "Foi basicamente tão terrível
quanto se poderia esperar", contou. "Houve lágrimas e ranger de dentes.Aquilo
estava desesperadamente arraigado nas convicções religiosas deles."

Dorea mal falou com os pais nos dois anos seguintes.Saiu do Peabodye
passoua se dar com uma turmapuzzÁque morava no centro de Denver.A antiga
aspirante a trompetista passoua circular pela cidade com a cabeçaraspada
e usando botas de combate . Depois de um ano de trabalho numa lqa de restauração
de tapetes,matriculou-sena FaculdadeEstadualMetropolitana de Denver uma
instituição em que a maioria dos alunos não morava no caznPzzi.
Ali, travou
uma luta constante com suas emoções,chorando com frequência em público, e
logo começou a consultar um terapeuta, quc a diagnosticou como deprimida.
A terapia da fala não trouxe grande alívio e, na semana das provas anais, na
primavera de 1998,Dorea descobriu que não conseguia dormir. Quando apareceu
agitada e meio maníaca no consultório do terapeuta, ele teve uma nova explicação
para tudo que a infernizava: transtorno bipolar. "Fui informada de que aquilo era
uma doença crónica e de que a frequência dos meus episódios aumentaria, e de
que eu precisaria tomar remédios pelo resto da vida", recordou.

Embora isso pronunciasseum futuro sombrio, Dorea consolou-secom esse


diagnóstico. Ele explicava as razões de ela ser tão emotiva. Era também um
diagnóstico comum a diversos grandes artistas. Dorea leu ZocadasPe/a
.l;:)go,de Kay
Jamison,n e pensou:"Sou igualzinha a todos essesescritores famosos,que ótimo".
Passoua ter uma nova identidade e, ao retomar sua carreira acadêmica,chegou
a cada nova instituição -- primeiro à Universidade de Nebraska, para obter o
diploma de bacharel, depois à Universidade de Boston, para fazer o doutorado em
matemática e biologia -- com uma "caixa gigantesca de comprimidos". O coquetel
que ela tomava costumava incluir um estabilizador do humor, um antidepressivo e
um benzodiazepínico para tratar da ansiedade, embora a combinação exata fosse
sempre mutável. Uma droga a deixava sonolenta, outra Ihe causavatremores, e
nenhum doscoquetéisparecia Ihe trazer tranquilidade afetiva. E então, em 2001,
ela foi tratada com um antipsicótico, o Zyprexa, que, em certo sentido, funcionou
como um passe de mágica.

Kay R. Jamison, ZacadaiPe/o Mago.'


a düenfamazíafa-í/ePresd
a e a /em@eramenfo
a única,s/indicação de
tradutor prefácio do dr.José Manueljara. Colares, Portugal: Pedra da Lua, 2007. (N.T)

46
Reflexões Experienciais

"Sabe de uma coisa?", disse ela, admirada com o que estava prestes a confessar,
"Eu adorava aquele troco. Era como se finalmente eu houvesseencontrado a
resposta. Porque, imagine só, eu não tinha emoções. Era ótimo. Eu não chorava
mais'

Embora Dores se saíssebem em termos acadêmicosna Universidadede


Boston, continuou a se sentir "realmente burra" com o Zyprexa. Dormia dez, 12
horas por dia e, como inúmeras pessoasque usam essemedicamento, começou
a virar um balão, engordando quase 14 quilos. Angela, que tinha conhecido e se
apaixonado por ela antes de Dorea começar a tomar Zyprexa, experimentou um
sentimento de perda: "Elajá não era tão animada, não ria", afirmou.

Mas as duas entendiam que Dorea precisava dos medicamentos, e começaram


a organizar sua vida e seus planos de futuro -- em torno do transtorno bipolar.
Frequentaram reuniões da DBSA e começaram a achar que Dorea devia reduzir
seusobjetivos de carreira. Provavelmente, não conseguiria lidar com o estrcsse
das pesquisaspós-doutorais; seu trabalho anterior numa loja de tapetes seria mais
ou menos a coisa certa. "Hoje isso parece loucura", disse Angela, que é professora
de matemática na Universidade Lesley, "mas, naquela época,ela não era uma
pessoade grande resiliência, e estava ficando cada vez mais dependente. Eu tinha
de arcar com o peso de cuidar dela.

As possibilidades de Dorna foram diminuindo e ela poderia ter prosseguido


nessecaminho, não fosseo fato de, em 2003,haver tropeçadonuma literatura que
levantava dúvidas sobre a segurança do Zyprexa a longo prazo e sobre os méritos
das drogas antipsicóticas. Isso a levou a procurar reduzir esse remédio e, embora
o processotenha sido "um perfeito inferno" -- Dorna sofreu com uma ansiedade
terrível, gravesataques de pânico, paranoia e tremores pavorosos--, ela acabou
suspendendo por completo essa medicação. Em seguida, decidiu ver se poderia
suspendera benzodiazepinaque vinha tomando, o K]onopin [c]onazepam],e isso
setransformou em outra experiência terrível de abstinência, com dores de cabeça
tão agudas que ela ia para a cama ao meio-dia. Mesmo assim, aos poucos Dorea
foi desfazendo seu coquetel de drogas, o que a levou a questionar seu diagnóstico
de bipolaridade. Ela havia procurado um terapeuta, inicialmente, porque cÀoaoa
domas. Não houvera mania -- a insónia e a agitação só tinham surgido depois de
ela ser medicada com um antidepressivo. Seria possívelque ela tivesse sido apenas
uma adolescenteinstável, que precisavacrescerum pouco?

"Até então, eu sempre havia pensado ser um daqueles casosem que a doença é
claramente biológica", disse ela. "Não podia ser situacional. Não havia acontecido

47
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA

nada de terrível na minha vida. Mas então, pensei: bem, eu assumi que era lésbica
e não tive nenhum apoio familiar. Ora, era o óbvio. Isso podia ter sido meio
estressante."

C)sestabilizadoresdo humor foram os últimos a ser suspensose, em 22 de


novembro de 2006, Dorna se declarou livre das drogas. "Foi fabuloso. Foi uma
surpresa descobrir quem eu era, depois de todos aqueles anos", disse ela,
acrescentandoque, ao se livrar mentalmente do rótulo de bipolar, seu senso de
responsabilidade por sua personalidade também mudou. "Ç2uandoeu era 'bipolar',
tinha uma desculpapara qualquer comportamento imprevisível ou instável. Tinha
permissão para me portar daquela maneira, mas agora me pauto pelos mesmos
padrões de comportamento das outras pessoas,e me descubro capaz de satisfazer
a esses padrões. Isso não quer dizer que eu não tenha dias ruins. Tenho, e é possível
que ainda me preocupemais do que a média das pessoas,masjá não tanto quanto
nle
a.ates."

A pesquisa feita por Dores no Hospital Geral de Massachusetts concentra-se


em averiguar como a atividade vascular afeta o funcionamento do cérebro, e, dado
que suas lutas com a "doença mental" parecem passíveis de ser registradas como
um casode erro de diagnóstico -- "Tenho uma fantasia de ser 'desdiagnosticada'
como bipolar", diz ela --, sua história talvez pareça irrelevante para estelivro. Na
verdade, porém, levanta uma possibilidade que contribuiria muito para explicar a
epidemia de doenças mentais incapacitantcs nos Estados Unidos. Se expandirmos
os limites da doença mental, o que claramente tcm acontecido neste país nos
últimos 25 anos, e se tratarmos com drogas psiquiátricas as pessoasque recebem
essesdiagnósticos, será que corremos o risco de transformar um adolescente
angustiado num paciente psiquiátrico vitalício? Dorna, que é uma pessoa
extremamente inteligente e capaz, escapou por pouco de trilhar esse caminho.
Sua história é a de um possívelprocessoíafragê?zlc:o
em ação,a história de uma
pessoanormal quc se transforma em doente crónica por causade um diagnóstico
e do tratamento subsequente. E assim, cabe perguntarmos: será que temos um
paradigma de tratamento que às vezespode criar doenças mentais?

O Dilema dos Pais


No início da preparaçãodo material para este livro, conheci duas famílias
da região de Syracuseque, anos atrás, viram-se diante da decisãode dar ou não
medicamentospsiquiátricos a um filho. A razão de eu ter juntado mentalmente

48
Reflexões Experienciais

essasduas famílias foi que elas chegaram a conclusões opostas sobre o que era
melhor para seusfilhos, e senti curiosidadede saber de que informaçõeseles
haviam disposto ao tomarem suas decisões.

Primeiro fui conversar com Gwendolyn e meanOates. Eles moram na zona


sul dc Syracuse, numa casa agradável que sc ergue sobre uma pequena colina.
Essegentilíssimocasalbirracial tem dois filhos, Nathan e Alia, e, enquanto
conversávamos, Nathan, então com 8 anos, passou quase o tempo todo esparramado
na sala de estar, fazendo desenhos com lápis de cor num caderno de rascunho.

"Começamos a nos preocupar com o Nathan quando ele tinha 3 anos", disse a
mãe. "Notamos que eJc era hiperativo. Não conseguia ficar sentado até o íim de
uma refeição, não conseguia nem mesmo se sentar. A hora das refeições consistia
em ele correr em volta da mesa. Era a mesma coisa no maternal: ele não conseguia
parar quieto. E também não dormia. Íamos até as 9 ou 10 horas da noite para
fazê-lo adormecer. Ele dava chutes e gritos. Não eram acessosde pirraça normais."

Primeiro eles levaram Nathan à sua pediatra. Mas ela relutou em diagnosticá-
lo, e assim, os pais o levaram a um psiquiatra, que concluiu rapidamente que o
menino soh'ia de "transtorno do déficit de atenção com hiperatividade [TDAH] "
Seuproblema, explicou o psiquiatra, era de natureza "química". Apesar de ficarem
nervososcom a ideia de dar Ritalina ao filho -- "Estávamospassandopor tudo
aquilo sozinhos, e não sabíamos nada sobre TI)AH", disse a mãe --, aproximava-
se a hora do jardim de infância e eles ponderaram que isso seria o melhor para
Nathan. "A hiperatividade o estavaimpedindo de aprender", dissea mãe. '!A escola
nem queria que o puséssemosnojardim de infância, mas nós dissemos: 'Não, nós
vamos manda-lo'. Tomamos a decisão de fazer com que ele seguisseem frente."

No começo, houve um período de "tentativa e erro" com a medicação. Nathan


recebeu uma dose alta de Ritalina, mas "ficou parecendo um zumbi", recordou a
mãe. "Ficava calmo, mas não se mexia. Olhava para o espaço." A medicação foi
trocada e Nathan passoua tomar Concerto, um estimulante dc efeito prolongado
com o qual se estabilizou bem. Em algum momento, porém, começou a exibir
comportamentosobsessivos,como se recusar a pisar na grama, ou precisar
constantemente ter alguma coisa nas mãos, e foi medicado com Prozac, para
controlar essessintomas. Enquanto usavaessacombinaçãode dois remédios,
começou a ter "acessosde fúria" terríveis. Chutou a janela do seu quarto, num
episódio,e fazia ameaçasreiteradas de matar a irmã e até a mãe. O Prozac foi
suspenso,mas, embora o comportamento do menino melhorasseum pouco, ele

49
ANATOÀ41ADE UMA EPIDEMH

continuou bastante agressivo, e foi diagnosticado como portador de transtorno


bipolar e de TDAli[.

"Dizem que o TDAH e o transtorno bipolar caminhamde mãosdadas",


comentoua mãe. "E, agora que sabemosque ele também é bipolarl achamos
provável que use medicamentos pelo resto da vida."

Desde aquela época,Nathan toma um coquetel de drogas. Por ocasiãoda minha


visita, estavatomando Concerta pela manhã, Ritalina à tarde e três dosesbaixas
de Risperdal, um antipsicótico, em diferentes horários do dia. Essa combinação,
dizem os pais, funciona bastante bem para ele. Embora Nathan continue mal-
humorado,já não explode em acessosde fúria, e sua hostilidade em relação à irmã
menor diminuiu. Ele tem dificuldade com os deveres escolares,mas vai avançando
de uma série para outra e se dá bastante bem com os colegas. A maior preocupação
dos pais com os medicamentosé que eles inibam o crescimento do filho. Nathan
é menor do que a irmã, apesar de ser três anos mais velho. No entanto, o auxiliar
médicoe outras pessoasque tratam dele não falam muito de como as drogas
poderão areia-lo a longo prazo: "Eles não se preocupam com isso", disse o pai.
'!A medicação está ajudando agora."

No final da entrevista, Nathan me mostrou seusdesenhos.Gosta de tubarões


e dinossaurose, quando Ihe falei do quanto havia apreciadoseu trabalho artístico, l

ele quase pareceu enrubescer. Ficou quieto durante a maior parte do tempo em
que estive em sua casa, sendo até meio reservado, mas trocamos um aperto de mão
quando eu me preparava para sair e, naquele momento específico, ele pareceu um
menino muito meigo e gentil.

Jason e Kelley Smith moram na zona oeste de Syracuse,a uma distância de


uns trinta minutos da família Oates, e, quando bati à porta, foi sua filha de 7
anos,Jessica, quem atendeu. Parecia estar à minha espera e, depois que liguei o
gravador arriou o pesodo corpo no sofá entre a mãe e eu, pronta para participar
da conversa com seu lado da história. '!AJessica", disse seu pai, pouco depois, "tem
muito carisma."

Os problemas comportamentais da menina começaram aos 2 anos de idade,


quando ela foi colocada na creche. Quando ficava com raiva,Jessica batia nas outras
crianças e as mordia. Em casa,começou a ter "terrores noturnos" e verdadeiros
pitis. "A coisa mais insignificante precipitava o acesso,e ]á ia ela", contou a mãe.

50
Reíiexões Experienciais

Os Smith recorreram ao distrito escolarlocal em buscade ajuda. O distrito


recomendou que Jessica fosse para uma pré-escola "de ensino especial" na zona
norte de Syracusee, quando ela continuou a ter um comportamento agressivo
nessa escola,os pais foram instruídos a leva-la ao Centro de Ciências da Saúde
da Universidade Estadual de Nova York para uma avaliação psiquiátrica. Lá eles
consultaram um enfermeiro clínico,m que imediatamente concluiu qucJessica era
"bipolar". O enfermeiro explicou que a menina tinha um desequilíbrio químico e
recomendouque fossetratada com um coquetel formado por três medicamentos:
Depakote, Risperdal e lítio.

'lAquiio me deixou chocado,especialmente a ideia de dar um antipsicótico a


minha olha", disseJason.':Jessicatinha 4 anosl"

Ele e a mulher saíram da consulta sem saber o que fazer. Kelley trabalha na
agência de assistência à família do condado de Oswego, e conhecia muitas crianças
problemáticas que tinham sido tratadas com medicamentos psiquiátricos. Naquele
contexto, o município esperavaque os pais seguissema orientação médica.
"Havia uma parte de mim que pensava: talvez aJessica seja bipolar, então, é isso",
disse Kelley. Ademais, o Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual
de Nova York disse aos Smith que não tornaria a examinarJessicase ela não
fosse medicada. Tudo isso apontava para que se seguissea sua orientação. "Os
especialistas estavam dizendo que era preciso fazer aquilo, e que o problema era
biológica", disseJason; mas ele havia trabalhado como técnico em farmácia e sabia
que os remédios podiam ter efeitos colaterais potentes. "Fiquei morto de medo."

Kelley usou a internet para pesquisar os medicamentos receitados. No entanto,


não conseguiu encontrar nenhum estudo que falasse sobre bons resultados a longo
prazo para crianças medicadas com essescoquetéis de drogas, e até os efeitos
colaterais a curto prazo, recordou ela, "eram assustadores".Entrementes, a
pediatra de Jessica lhes disse achar "um absurdo" tratar a menina com drogas
psiquiátricas.Jason lembrou-se de que, alguns anos antes, a terapia da fala o havia
ajudado a lidar com seus próprios problemas de "controle da raiva", e achou que,
se tinha conseguidomudar semo usode remédios,será que suafilha também não
poderia modificar seu comportamento?

"Simp]esmentenão quisemosaceitar [o diagnósticode transtorno bipolar] .


A Jessica era uma menina muito extrovertida, e gostávamosde achar que era
IH
Nos Estados Unidos, o(a) enfermeiro(a) clínico(a)(/zuzxepracf fáolzer)é um pro6ssional da saúde
com formação em enfermagem e mestrado(no mínimo) ou doutorado em áreas médicas
especializadas, que agua sobretudo na atenção primária e na medicina interna.(N.T)

51
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA

talentosa", disse Kelley. "E ela havia progredido muito desdeos 2 anos. Não
conseguimos pensar cm Ihe dar aqueles remédios.

Os pais tomaram essa decisão em 2005 e, três anos depois, segundo dizem,
Jessica está passando bem. Quase só tira notas 10 na escola, e agora seus professores
achamque o diagnóstico anterior de transtorno bipolar era "maluquice". Embora
ela brigue com outras crianças, de vcz em quando, e dê respostas malcriadas
quando outra criança a provoca, ela sabe que não pode bater em ninguém. Em
casa, ainda tem pitis ocasionais, mas suas explosões afetivas não são extremadas
como antes.Jessica tem até uma recomendação pessoalsobre como os pais devem
[idar com esses chi]iques: "E]es devem dizer]à criança] 'vem cá', e fazer massagem
nas costas dela, pra ela se sentir melhor e não poder ter um pib, e aí, quando ela
para de ter o pib, é disso que ela se lembra"

Antes de eu ir embora,Jessica leu para mim o livro T»e-Lift/eO/dZ,adg}lüo Wm


.profalPpaÍd
of,4nWf#í?zg,v
e em mais de um momento pulou do sofá para encenar
uma situação. "Mesmo com os problemas de comportamento, todos gostam dela",
disse o pai. "E foi disso que tivemos medo, de que a medicação a modiâcasse por
completo, a ela e sua personalidade. Não queríamos prqudicar as faculdades dela.
SÓqueremos que cresça saudável e tenha sucessona vida."

Duas famílias diferentes, duas decisõesdiferentes. As duas viram sua decisão


como a correta, e ambas disseram acreditar que seu filho ou filha estava num
caminho melhor do que estaria, se não fosse assim. Foi animador, e prometi voltar
a falar com ambas mais tarde, ao final de meus levantamentos para este livro.
Não obstante, Nathan e Jessicaestavam claramente seguindo rumos distintos e,
na viagem de regresso a Boston, tudo em que consegui pensar foi em como os
dois casais de pais haviam precisado tomar sua decisão de medicar ou não um
filho em meio a um vazioc e/zfe#co.
Será que seusfilhos realmente sofriam de um
desequilíbrio químico? Havia estudos mostrando que o tratam ente medicamentoso
do TDAH ou do transtorno bipolarjuvenil é benéfico a longo prazo? Se uma criança
pequenafor tratada comum coquetcl de drogasque inclua um antipsicótico,de
que modo issoafetará sua saúdeflísica?Pode-seesperarque essacriança se torne
um adolescente saudável, um adulto saudável?

Em tradução !ivre,.'L Ue/hizÃagaeirão Z! zÃaJ4edüdeNada,de Linda D. Williams, com ilustrações de


MleganLioyd. NovaYnrk: HarperCollins, reimpr. 2002.(N.T)

52
PARTEII

A CIÊNCIA DAS DROGAS PSIQUIÁTmCAS


3
As Raízes de uma Epidemia
"Os norte-americanos
puxaram a acreditar
quea ciência é capta de quasetudo."
Dr. Louis M. Orr presidente da Sociedade
Norte-Americanade Medicina,1958:

Talvez pareça estranho iniciar uma investigação de uma epidemia moderna


com uma visita ao passado, voltando a um dos grandes momentos da história da
medicina, mas, se quisermos compreender como nossa sociedade veio a crer que
a torazina desencadeouuma revolução psicofarmacológica,precisamosvoltar ao
laboratório do cientista alemão Paul Ehrlich. Foi ele quem originou a ideia de que
era possível encontrar uma "pílula mágica" para combater doençasinfecciosas
e, quando logrou êxito, a sociedadeachouque o futuro traria toda sorte de curas
milagrosas.

Nascido na Prússia Oriental em 1854, Ehrlich passou seus primeiros anos como
cientista pesquisando o uso de corantes à base de anilha como corantes biológicos.
Ele e outros pesquisadoresdescobriramque os corantes,que eram usadosna
indústria têxtil para colorir tecidos,tinham uma afinidadeseletiva na coloração
das células de diferentes órgãose tecidos.O azul de mutila corava um tipo de
célula, ao passo que o vermelho de mutila corava um tipo diferente. No esforço de
explicar essaespecificidade,Ehrlich formulou a hipótesede que as células tinham
moléculasque se proHetavamno meio circundante e de que determinado corante
químico se encaixava nessasestruturas, que ele chamou de receptores, do mesmo
modo que uma chave encaixa numa fechadura. Cada tipo de célula teria uma
fechadura diferente, e era por issoque o azul de metila marcava um tipo celular,
ao passo que o vermelho de metila marcava outro -- eram chaves específicas para
essas fechaduras diferentes.

Ehrlich começou a fazer essa pesquisa na década de 1870, quando cursava o


doutorado na Universidade de Leipzig, no mesmo período em que Robert Koch e
Louis Pasteur vinham provando que os micróbios eram os causadoresdas doenças
infecciosas.As descobertasdessescientistas levaram a uma ideia empolgante:se
fosse possível matar o organismo invasor a doença poderia ser curada. O problema,

55
AjqATOMIA DE UMA EPIDEMIA

segundoa conclusãoda maioria dos cientistas da época, era que aquilo que era
tóxico para o micróbio certamente envenenada o hospedeiro. 'eA desinfecção
interna é impossível", declararam cientistas presentes num Congressode
Medicina Interna na Alemanha, em 1882.Mas os estudosde Ehrlich com corantes
de anilha o levaram a uma conclusãodiferente. Um corante podia colorir um
único tecido do corpo e deixar todos os demais incolores. E se ele conseguisse
achar uma substância química tóxica que interagisse com o micróbio invasor, mas
não com os tecidos do paciente? Se assim fosse, ele mataria o germe sem causar
qualquerdano ao paciente.
Escreveu Ehrlich

Seimaginarmos um organismoinfectado por determinada espéciede bactéria, será


fácil realizarmos a cura, ca.sese hajam descoberto substânciasque tenham uma
aânidade específicacom essasbactérias e que 4am unicamente sobre elas. (Se)
não tiverem afinidade com os componentes normais do corpo, tais substâncias serão
pílulas mágicas.2

Em ]899, Ehrlich foi nomeado diretor do Real Instituto de Terapia


Experimental,em Frankfurt, onde iniciou sua buscade uma pílula mágica.
Concentrou-se em encontrar uma droga que matasse seletivamente os
tripanossomos, parasitas unicelulares que causavam a doença do sono e várias
outras moléstias, e logo se deteve num composto de arsênico, o atoxil, como o
melhor candidato a pílula mágica. Seria essaa substância química que ele teria de
manipular para encaixa-la na "fechadura" do parasita, mas sem abrir ao mesmo
tempo, a fechadura de qualquer célula humana. Ehrlich criou sistematicamente
centenas dc derivados do atoxil, testando-os repetidas vezes com os tripanossomos,
mas deparando em igual número de vezescom o fracasso. Por fim, em 1909, depois
de ele haver testado mais de novecentos compostos, um de seusassistentes decidiu
verificar se o compostode número 606 mataria outro micróbio recém-descoberto.
o S»!focar/apa//ida, causador da síâlis. Em poucos dias, Ehrlich obteve seu triunfo.
A droga, que ficou conhecida como salvarsan, erradicou o micróbio da sífilis de
coelhos infectados, sem causar qualquer dano aos coelhos. "Era a pílula mágica!",
escreveuPaul de Kruif num livro que foi campeãode vendasem 1926."E que
pílula segura!" A droga, acrescentou ele, produzia uma "cura que só se podia
chamar de bíblica".s

C) sucessode Ehrlich inspirou outros cientistas a buscarem pílulas mágicas


contra outros micróbios causadoresde doençase, embora tenha levado 25 anos,
em 1935 a empresa química Bayer ofereceu à medicina sua segunda droga

56
As Raízes de uma Epidemia

milagrosa. A Bayer descobriu que a sulfanilamida, um derivado de um antigo


compostodo alcatrão de huiha, era bastante eficaz na erradicação de infecções
por cstaÊlococos e por estreptococos. A revolução da pílula mágica estava
realmente em andamento, e em seguidaveio a penicilina. Apesar de Alexander
Fleming ter descoberto esse bolor que matava bactérias em 1928,ele e outros
haviam constatado ser difícil cultiva-lo e, mesmo quando obtiveram êxito em
sua cultura, não conseguiram extrair e purificar quantidades suhcientes do
ingrediente ativo (penicilina) para transforma-lo num medicamentoútil. Todavia,
em 1941 , quando campeava a Segunda Guerra Mundial, a Inglaterra e os Estados
Unidos perceberam a necessidadedesesperadade superar esseobstáculo,já que
as infecções dos ferimentos sempre tinham sido os grandes matadores durante
a guerra. Os EstadosUnidos pediram a cientistas das empresasMcrck, Squibb
e Pfizcr que trabalhassem
juntos nesseprojcto c, no Dia D, em 1944,as fontes
britânicas e norte-americanas haviam conseguido produzir penicilina suficiente
para todos os feridos na invasão da Normandia.

"A era das curas milagrosas finalmente chegou", escreveu Louis Sutherland em
seu livro ]Maglc-Bzz//efs
[Pílulas mágicas] , e de fato, encerrada a guerra, a medicina
deu continuidade a seu grande salto à frente.' As companhiasfarmacêuticas
descobriram outros antibióticos de amplo espectro -- estreptomicina, cloromicetina
[cloranfenicol] e aureomicina, para citar alguns -- e, de repente, os médicos
passaram a dispor de remédios capazesde curar pneumonia, escarlatina, difteria,
tuberculose e uma extensa lista de outras doenças infecciosas. Essas doenças
tinham sido o flagelo da humanidadedurante séculos,e tanto líderes políticos
quanto médicosfalaram no grande dia que se aproximava.Em 1948,George
Marshall, secretário de Estado norte-americano, fez a previsão confiante de que
as doençasinfecciosas não tardariam a ser varridas da face da Terra. Alguns anos
depois,o presidente Dwight D. Eisenhowerreivindicou a "rendição incondicional"
de todos os micróbios.s

Ao se iniciar a décadade 1950,a medicinapede olhar para trás e


contabilizar também outros numerosossucessos.As empresasfarmacêuticas
haviam desenvolvido melhores anestésicos, sedativos, anui-histamínicos e
anticonvulsivantes, prova de como os cientistas vinham se aprimorando na síntese
de substâncias químicas que agiam de maneiras proveitosas sobre o sistema
nervoso central. Em 1922, a companhia Eli Lilly havia descoberto como extrair
o hormânio insulina das glândulas pancreáticos de animais de matadouro, o que
proporcionara aos médicos um tratamento eficaz do diabetes. Embora a insulina

57
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA

para reposição não houvesse alcançado o nível de uma cura milagrosa da doença,
chegara perto disso, por fornecer uma correção biológica de algo que faltava no
corpo. Em 1950, o cientista britânico sir ]:lenry Dali, numa carta ao periódico
.BdfísÀ]Medica/Jaur/za/,
resumiu essemomento extraordinário da longa história
da medicina: "Nós que tivemos a possibilidade de assistir aos primórdios desse
grande movimento podemos sentir alegria e orgulho por ter vivido esta época,
e confiar em que um avanço ainda maior e mais majestososerá visto pelos que
viverem os cinquenta anos que agora se iniciam".'

Os EstadosUnidos se prepararam para essemaravilhosofuturo. Antes da


guerra, quase toda a pesquisa básica era financiada por verbas particulares,
com destaque para Andrew (]arnegie e John D. Rockefeller como os principais
benfeitores; entretanto, terminada a guerra, o governo norte-americano criou a
Fundação Nacional de Ciências para prover esseesforço de verbas federais. Ainda
havia muitas doençaspor vencer, e quando os líderes nacionais olharam em volta,
à procura de um campo da medicina que estivesse atrasado, logo depararam com
um que parecia se destacar de todos os demais. A psiquiatria, ao que parecia, era
uma disciplina à qual um pouco de ajuda faria bem.

Imaginando uma Nova Psiquiatria


Como especialidade médica, a psiquiatria radicava-se nos hospícios do
sécu[oX.]X], e seu momento fundador ocorrera em 1844, quando ] 3 médicos que
dirigiam pequenosmanicómios reuniram-se em Filadélfia para criar a Associação
de SuperintendentesMédicos de Instituições Norte-Americanaspara Doentes
Mlentais.Na época,os hospíciosofereciam uma forma de atendimento ambiental
que hoje se conhececomo terapia moral, que fora introduzida nos Estados Unidos
pelos quacres e, durante um período, produziu bons resultados. Na maioria dos
hospícios, mais de 50% dos pacientes recém-internados recebiam alta em menos
de um ano, e uma percentagem significativa dos que saíam nunca retomava. l.Jm
estudo dos resultados a longo prazo, feito no século XIX no Manicómio Estadual
de Worcester, em Massachusetts, constatou que 58% dos 984 pacientes que
receberam alta da instituição permaneceram bem pelo resto da vida. Entretanto,
os manicómios tiveram um grande aumento de tamanho na última parte da década
de 1800, à medida que as populações foram largando idosos senis e pacientes com
sífilis e outras doenças neurológicas nas instituições; como tais pacientes não
tinham chancede recuperação,a terapia moral passoua servista comouma forma
falha de tratamento.

58
As Raízes de uma Epidemia

Em sua reunião de 1892,os superintendentesdos manicómiosjuraram


deixar de lado a terapia moral e, em vez dela, utilizar tratamentos físicos. Era o
alvorecer de uma nova era na psiquiatria, e em pouquíssimo tempo eles começaram
a propalar os beneíícios de numerosos tratamentos dessanatureza. Várias formas
de hidroterapia, inclusive duches de alta pressão e banhos prolongados, eram tidas
como úteis. Relatou-se que a injeção de extrato de tireoide de ovelha produziu um
índice de cura de 50% num manicómio; outros médicosanunciaram que injeções
de sais metálicos, soro equina e até arsênico eram capazesde devolver a lucidez
à mente enlouquecida.Henry Cotton, superintendentedo Hospital Estadual
Trenton, em NovaJersey,relatou em 1916haver curado a insanidade mediante a
extração dos dentes de seus pacientes. Aârmou-se que terapias usadas nas febres
eram benéâcas, assim como tratamentos baseados no sono profundo [sonoterapia] ,
mas, embora as informações iniciais sobre todas essasterapias somáticas dessem
conta de um enorme sucesso,nenhuma delas resistiu à prova do tempo.

No fim da décadade 1930e início da de ]940, os psiquiatras manicomiais


abraçaram um trio de terapias que agiam diretamente sobre o cérebro, e que
os meios de comunicação populares -- pelo menos de início -- descreveram como
curas "milagrosas". Primeiro veio a terapia por coma insulínico. Injetava-se
nos pacientes uma dose elevada de insulina, o que os levava a entrar em coma
hipoglicêmico, e quando eles eram trazidos de volta à vida por uma injeção de
glicose, segundo a explicação do -NewyorÉ lImeS, os "curtos-circuitos cerebrais
desapareciam e os circuitos normais eram restabelecidas, trazendo de volta
consigo a sanidade e a realidade".' Depois vieram as terapias convulsivas. Usava-se
um venenoconhecido como metrazol, ou então o eletrochoque, para induzir uma
convulsão no paciente; quando este voltava a si, estava livre das ideias psicóticas e
num estadode ânimo mais feliz -- ou assimafirmavam os psiquiatras manicomiais.
O último tratamento "inovador" foi a lobotomia frontal -- a destruição cirúrgica
dos lobos frontais, que aparentementeproduzia uma cura instantânea. Essa
"cirurgia da alma", explicou o Nem yorÉ lImeS, "transforma animais selvagens em
criaturas gentis, no curso de algumas horas".ü

Com a publicaçãoregular de tais artigos nos grandesjornais e em revistas


como a .IZaryer'i, a -leader,x Z)ígeif e The Safzirdag -EziezzÍlzg
naif, o público teve motivos
para crer que a psiquiatria vinha dando passoslargos no tratamento das doenças
mentais e participando dos grandesavançosda medicina; todavia, na esteira
da Segunda Guerra Mundial, o público foi forçado a confrontar uma realidade
muito diferente, que produziu um grande sentimento de horror e incredulidade.

59
ANATOMIA DE LMA EPIDEMIA

Na época, 425.000 pessoas achavam-se trancafiadas nos hospitais psiquiátricos do


país, e primeiro a revistaZ,{P,depoiso jornalista Albert Deutsch,em seu livro
ZZeSãameof/ãe Sfa/es[A vergonha dos Estados Unidos], conduziram os norte-
americanos numa turnê fotográfica pelas instalações decrépitas. Homens nus,
amontoados em quartos vazios, chafurdando em suas próprias fezes. Mulheres
descalças,vestidas em túnicas de tecido grosseiro, amarradas a bancos de madeira.
Os pacientes dormiam cm catres sem colchão, em dormitórios tão abarrotados que
para sair eles tinham de pular por cima dos pés da cama. Essasimagens revelaram
um descasoinimaginável e enormessofrimentos, e, para concluir, Deutsch traçou
a inevitável comparação:

Ao passarpor algumasalas do [Hospital Estadual] ByberWjvieram-me à lembrança


os campos de concentração nazistas de Belsen e Buchenwald. Entrei em prédios em
que formigavam seres humanos nuS, Lambidosfeito gado e tratados sem a menor
consideração, perpassados por um odor fétido tão pesado, tão nauseante, que a
fetidez quase parecia ter vida própria. Vi centenasde pacientes vivendo sob tetos
cheios de goteiras, cercados por paredes mofadas e deterioradas, e estirados em
pisos pútridos, por falta de cadeiras ou bancos.o

Claramente, a nação precisava reformular sua assistência aos doentes mentais


hospitalizados e, no momento mesmo em que contemplava essa necessidade,
encontrou motivos para se preocupar com a saúdemental da populaçãoem geral.
Durante a guerra, psiquiatras haviam sido encarregadosde fazer a triagem de
problemaspsiquiátricos nos recrutas, e consideraram que 1.750.000homens
norte-americanos estavam mentalmente inaptos para o serviço militar. Ainda que
muitos dos recrutas rejeitados pudessemter fingido alguma doençapara evitar o
alistamento, o número revelou um problema social.Muitos veteranos, de regresso
da Europa, também vinham enfrentando batalhas no plano emocional e, em
setembro de 1945, o general Lewis Hershey, então diretor do Sistema de Seleção
para o Serviço Militar, disse aci Congresso que a nação tinha uma necessidade
premente de abordar esseproblema, que se mantivera oculto por muito tempo.
"A doençamental foi a principal causade ineficácia e perda de pessoalcom que
deparamos" durante a guerra, declarou.''

Com a doençamental transformada numa preocupaçãoprioritária do país -- e


surgindo essa conscientização na mesma época em que os antibióticos vinham
domando os assassinosbacterianos --, foi fácil para todos ter uma visão de onde
se poderia encontrar uma solução de longo prazo. O país podia depositar sua
confiança nos poderes transformadores da ciência. Os tratamentos "médicos"
existentes e tidos como úteis coma insulínico, eletrochoque e lobotomia -- teriam

60
As Raízes de uma Epidemia

de ser oferecidos a mais pacientes, e então poderiam surgir soluçõesa longo prazo,
advindas do mesmo processoque havia produzido o assombrosoprogresso da luta
contra as doenças infecciosas. As pesquisas sobre as causas biológicas das doenças
mentais levariam a tratamentos melhores, tanto para os gravemente enfermos
quanto para os que tinham apenas transtornos moderados."Possovislumbar
a chegada de um tempo em quc nós, do campo da psiquiatria, abandonaremos
inteiramente nossosancestrais, esqueceremoster tido nossosprimórdios no asilo
para pobres, na casade correção e no presídio", disse Gharles Burlingame, diretor
do Instituto dos Vivos, em Hartford, estado de Connecticut. "Posso vislumbar um
tempo em que seremosmédicos,pensaremoscomo médicos e dirigiremos nossas
instituições psiquiátricas exatamente do mesmomodo e com as mesmasrelações
que prevalecem nas melhores instituições de medicina e cirurgia."''
Em 1946,o Congresso
aprovouuma Lei Nacionalde SaúdeMentalque
pâs o poder económico do governo federal na base dessa reforma. O governo
patrocinada pesquisas sobre prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças
mentais, e concederia verbas a estados e cidades para ajuda-los a criarem clínicas
e centros de tratamento. Três anosdepois, o Congressocriou o Instituto Nacional
de Saúde Mental (NIMH) para supervisionar essareforma.

"Devemos reconhecer quc os problemas mentais são tão reais quanto as doenças
físicas, e que a angústia e a depressãoexigem uma terapia tão atavaquanto a
da apendicite ou da pneumonia", escreveuo Dr. Howard Rusk, um professor da
Universidade de Nova Vork que redimia uma coluna semanal para o BreuyorÉ7}mei.
"Todos eles sãoproblemas médicosque exigem atendimento médico."':

Assim, estava preparado o cenário para uma transformação da psiquiatria


e de sua terapêutica. O público acreditava nas maravilhas da ciência, a nação
via uma necessidadepremente de melhorar o atendimento prestado aosdoentes
mentais e o NIMH tinha sido criado para fazer com que isso acontecesse.Havia
uma ex@ecfafiua
pelas grandes coisasque viriam e, graças às vendas de antibióticos,
uma indústria farmacêutica em rápido crescimento estavapronta para capitalizar
essaexpectativa. E, com todas essasforças alinhadas, talvez não seja de admirar
que logo tenham surgido drogas maravilhosas para doençasmentais graves e não
tão graves -- esquizofrenia, depressão e ansiedade.

61
4
As Pílulas Mágicas da Psiquiatria
"Foi a pümeira cava medicamentosa
em toda a hist6 ia a psiquiatria."
Nathan Kline, diretor de pesquisasdo Hospital
Estadual Rockland, em Nova York, 1974:

O modelo de medicina calcado na "pílula mágica", que levou à descoberta dos


medicamentos baseadosna sulcae dos antibióticos, era de natureza muito simples.
Primeiro, identiRcar a causa ou a natureza do distúrbio. Segundo, desenvolver um
tratamento que agissecontra ela. Os antibióticos matavam invasoresbacterianos
conhecidos.A terapia insulínica da companhia farmacêutica Eli Lilly era uma
variação sobre o mesmo tema. A empresa desenvolveuessetratamento depois
que os pesquisadores compreenderam que o diabetes se devia a uma deficiência
de insulina. Em todos essescasos,o conhecimentoda doençaveio em primeiro
lugar -- essaera a fórmula mágica para o progresso.No entanto, se observarmos
como foi descoberta a primeira geração de drogas psiquiátricas, e se também
examinarmos de que modo elas passaram a ser chamadas de a?zf@sicóficoi,
anuía/ífícos
e 'znzídepzpsiáz,oi
palavras indicativas de que se tratava de antídotos
para distúrbios específicos
--, veremosum processomuito diferente em ação
A revolução psicofarmacológica nasceu de uma parte de ciência e duas partes de
racionalização do desejo, confundido com a realidade.

Neurolépticos, Tranquilizantes Leves


e Estimulantes Psíquicos
A históriada descoberta
da torazina,drogahoje lembradacomoa que
desencadeou a "revolução" psicofarmacológica, teve início na década de 1940,

quando pesquisadoresda Rhâne-Poulenc, uma companhia farmacêutica francesa,


testaram uma classe de compostos conhecidos como fenotiazinas, para verificar
suas propriedades de pílula mágica. As fenotiazinas tinham sido sintetizadas
pela primeira vez em 1883,para serem usadascomo corantesquímicos, e os
cientistas da Rhâne-Poulenc vinham tentando sintetizar fenotiazinas que Fossem

tóxicaspara os micróbios causadoresda malária, da doençaafricana do sonoe

63
ANATOMH DE UMAEPIDEÀaA

de moléstias transmitidas por vermes. Embora essas pesquisas não houvessem


logrado êxito, elas realmente descobriram, em 1946, que uma de suas fenotiazinas,
a prometazina, tinha propriedades anta-histamínicas,o que sugeriu que poderia
ser útil nascirurgias. O corpo libera histamina em respostaa ferimentos, alergias
e um leque de outras situações,e, quando a resposta histamínica é muito forte,
pode levar a uma queda vertiginosa da pressão sanguínea,o que, na época,às
vezes se revelava fatal para pacientes cirúrgicos. Em 1949, um cirurgião de 35 anos
da Marinha h'ancesa,Henri Laborit, deu prometazina a vários pacientesseusno
Hospital Naval de Bizerta, na Tunísia, e descobriu que, além de suas propriedades
anti-histamínicas, ela induzia a uma "serenidade eufórica. (...) Os pacientes ficam
calmos e sonolentos, com expressãorelaxada e desligada".'

Aparentemente, a prometazina poderia ser útil como a/zei/áíco. Naquela época,


os barbitúricos e a morfina eram regularmente empregadosna medicina como
sedativos e analgésicosgerais, mas eram drogas que reprimiam o funcionamento
global do cérebro, o que as tornava bastante perigosas. A prometazina, no entanto,
parecia agir apenas em regiões seletivas do cérebro. Ela "permitia desligar algumas
funções cerebrais", explicou Laborit. "Os pacientes cirúrgicos não sentiam dor
nem ansiedade, e era f'requente não se lembrarem da operação."' Se a droga fosse
usada como parte de um coquetel cirúrgico, ponderou Laborit, seria possível usar
doses muito menores dos anestésicos mais perigosos. Um coquetel que incluísse a
prometazina -- ou um derivado ainda mais potente dela, caso se pudessesintetizar
tal composto-- tornaria as cirurgias muito mais seguras.
Os químicos da Rhâne-Poulenc lançaram-se imediatamente ao trabalho. Para
avaliar um composto, eles o davam a ratos engaiolados que haviam aprendido, ao
ouvirem o som de uma sineta, a trepar numa corda que levava a uma plataforma
de repouso,a fim de evitar choques(o piso das gaiolasera eletrificado).Os
experimentadores souberam ter encontrado um sucessorda prometazina quando
in[etaram o composto 4560 ]iP nos ratos, e estes ficaram não só fisicamente
incapazesde subir na corda, mas também emocionalmentedesinteressados de
fazê-lo. Essa nova droga, a clorpromazina, parecia desligar as regiões cerebrais
que controlavam a atiüdade motora e o aumento das respostas afetivas, mas o
fazia sem levar os ratos a perderem a consciência.

Laborit testou a clorpromazinaem pacientescirúrgicos,como parte de um


coquete] de medicamentos, emjunho de 1951. Como era esperado, ela os deixou
num "estado crepuscular". Outros cirurgiões também a testaram, relatando que
ela servira para "potencializar" os efeitos dos outros anestésicose que o coquetel

64
As Pílulas Mágicas da Psiquiatria

induzia a uma "hibernação artificial". Em dezembro do mesmoano, Laborit falou


dessenovo avançopara a cirurgia numa conferência de anestesiologia em Bruxelas,
e ali fez uma observaçãosugestiva de que a clorpromazina também poderia ter uso
na psiquiatria. Ela "produzia uma verdadeira lobotomia medicamentosa",disse.'

Embora hoje pensemosna lobotomia como uma cirurgia mutiladora, naquela


época ela era vista como uma operação útil. Fazia apenas dois anos que o Prêmio
Nobel de Medicina havia sido conferido ao neurologista português Egas Moniz,
que a tinha inventado. A imprensa, em seus momentos mais empolgados, chegara
até a enaltecer a lobotomia como uma operação que, de forma habilidosa, extirpava
a [oucura da mente. (]ontudo, o que essacirurgia ]'aziade maneira mais confiáve],
como era bem entendido pelos que a realizavam, era modificar profundamente as
pessoas. Ela as tornava letárgicas, desinteressadas e infantis. Isso era visto pelos
que a promoviam como uma melhora em relação ao que os pacientestinham sido
até então -- ansiosos, agitados e cheios de ideias psicóticas --, e agora, a se acreditar
em Laborit, havia sido descoberta uma pílula capaz de transformar os pacientes
de maneira similar.

Na primavera de 1952, dois eminentes psiquiatras franceses,Jean Delay e


Pierre Deniker, começaram a administrar a clorpromazina a pacientes psicóticos
no Hospital Sainte-Anne,em Paras,e o uso dessadroga logo se espalhoupelos
manicómios da Europa inteira. Em toda parte, as informações eram as mesmas:
as enfermarias dos hospitais âcavam mais calmas, os pacientes, mais fáceis de
manejar. Numa série de artigos publicados em 1952,Delay e Deniker descreveram
a "síndrome psíquica" induzida pela clorpromazina:

Sentado ou deitado, o paciente permanece imóvel na cama, amiúde pálido e com


as pálpebras abaixadas.Mantém-se em silêncio na maior parte do tempo- Quando
interrogado, responde após uma pequena demora, devagar, em tom monótono e
indiferente, expressando-seem poucas palavras e emudecendo depressa. Sem
exceção, a resposta costuma ser válida e pertinente, o que mostra que o sujeito é
capaz de atenção e reflexão- No entanto, raras vezes toma a iniciativa de formular
alguma pergunta; não expressa preocupações, desejos nem preferências. Em geral,
tem consciênciada melhora trazida pelo tratamento, mas não manifesta euforia.
A aparente indiferença ou a demora na reação aos estímulos externos, a
neutralidade emocional e afetiva, a redução da iniciativa e da preocupação, sem
alteração da percepção consciente ou das faculdades intelectuais, constituem a
síndrome psíquica decorrente do tratamento.'

Os psiquiatras norte-americanos chamaram a clorpromazina, que era


comercializada nos Estados Unidos como Thorazine, de "tranquilizante potente"

65
ANATOMH DE UMA EPIDEMIA

Na França, Delay e Deniker cunharam um termo científico mais preciso, a nova


droga era um "neuroléptico", o que significava que eja se apoderavado sistema
nervoso. A clorpromazina, concluíram os dois, induzia déficits semelhantes aos
que se viam nos pacientes com encefalite letárgica. "Clom efeito", escreveu
Deniker "seria possível causar uma verdadeira epidemia de encefalite com
as novas drogas. Os sintomas evoluíram da sonolência reversível para todos os
tipos de discinesiae hipercinesia e, por fim, para o parkinsonismo."ÕMédicos dos
Estados Unidos compreenderam, similarmente, que essanova droga não curava
nenhuma patologia conhecida. "Temos de lembrar que não estamos tratando de
doenças com essa droga", disse o psiquiatra E. H. Parsons num congresso sobre
a clorpromazina, realizado em Filadélfia em 1955."Estamos usando um agente
neurofarmacológico para produzir um ef'eito específico."'

Ao mesmo tempo que a companhia Rhâne-Poulenc tentava fenotiazinas


para investigar suas possíveispropriedades de pílula mágica contra a malária,
Frank Berger, um químico nascido na Tcheco-Eslováquia,fazia pesquisasum
tanto similares em Londres, e em 1955 seu trabalho levou à introdução dos
"tranquilizantes leves" no mercado.

Durante a guerra, Berger foi um dos cientistas da Grã-Bretanha que ajudaram


a desenvolver
métodosparaa produçãomedicinalde quantidades
úteis de
penicilina. Mas a penicilina sóera eficazcontra bactérias eram-positivas (micróbios
quc assumiam uma coloração desenvolvida pelo cientista dinamarquês Hans
Christian Gram) e, uma vez terminada a guerra, Berger procurou encontrar uma
pílula mágica que pudessematar micróbios gram-negativos -- os que causavam uma
multiplicidade de doençasrespiratórias, urinárias e gastrintestinais incómodas.
Na época,havia um desinfetante comercial vendido na Grã-Bretanha, chamado
Phenoxetol, que era anunciado como eficaz no combate às bactérias gram-
negativas do ambiente, e Berger que trabalhava na British Drug Houses, Ltd., fez
umas experiências com o ingrediente ativo desse produto, um éter fenilglicerol,
no esforçode produzir uma substânciacom efeitos antibacterianossuperiores.
Quando um composto chamado mefenesina revelou-se promissor Berger o deu
a ratos, para testar sua toxicidade. "0 composto, para minha grande surpresa,
produziu uma paralisia flácida reversível nos músculos esqueléticosvoluntários,
diferente de tudo que eu já tinha visto", escreveuo cientista.'

Berger havia tropeçado num poderoso relaxante muscular. Isso .já era bem
curioso, porém ainda mais surpreendente foi que os ratos paralisados pela droga

66
As Pílulas Mágicas da Psiquiatria

não davam qualquer sinal de estarem estressadoscom sua nova situação. Berger
deitava os animais de costas e eles não conseguiam se endireitar, mas seu "ritmo
cardíaco era regular e não havia sinais sugestivos de envolvimento do sistema
nervoso autónomo". Os ratos permaneciam parados e tranquilos, e o cientista
constatou que, mesmo quando lhes administrava doses baixas desse admirável
novo composto -- doses pequenas demais para causar paralisia muscular --, os
animais exibiam essa curiosa tranquilidade.

Berger percebeu que uma droga dessanatureza teria possibilidades comerciais


como agente atenuador da ansiedade em sereshumanos. Entretanto, a mefenesina
era uma droga de ação muito curta, que proporcionava apenas alguns minutos de
paz. Em 1947, Berger mudou-se para os Estados Unidos e foi trabalhar na Wallace
Laboratories, em Nova Jersey] onde sintetizou um composto, o meprobamato,
que durava oito vezesmais no corpo do que a mefenesina. Ao dá-lo a animais,
Berger descobriu que a droga também tinha poderosos efeitos de "domesticação".
"Depois de receberem meprobamato, os macacosperderam sua indocilidade e se
tornaram mais fáceis de mandar", escreveu.g

A Wallace Laboratories introduziu o meprobamato no mercado em 1955,


vendendo-o sob o nome de Miltown. Outras empresas farmacêuticas se alvoroçaram
para desenvolver drogas concorrentes e, ao fazê-lo, procuraram compostos que
tornassem os animais menos agressivos e os insensibijizassem à dor. Na Hoffmann-
La Rocha, o químico Leo Sternbach identificou o clordiazepóxido como dotado de
um efeito tranquilizador "potente e singular", depois de administra-lo a ratos que
eram comumentc instigados à luta pela aplicação de choques elétricos nas patas.:'
Mesmo com uma dose baixa da droga, os ratos continuavam não combativos ao
levarem choques. Esse composto também revelou ter efeitos domesticadores
potentes em animais de maior porte -- transformava tigres e leões em gatinhos.
A prova final dos méritos do clordiazepóxido envolveu outro teste com choque
elétrico. Ratos famintos foram treinados a pressionar uma alavancapara obter
comida e, depois, ensinados a saber que se a pressionassemquando havia uma
luz acesana gaiola, levariam um choque. Embora eles aprendessemrapidamente
a não pressionar a alavancaenquanto a luz estava acesa,mesmo assim exibiam
sinais de extrema tensão -- derecação etc. -- toda vez que ela acendia na gaiola.
Mas, e quando recebiam uma dose de clordiazepóxido?A luz acendia e eles não
se importavam minimamente. Sua "ansiedade"desaparecia,e eles chegavam
até a pressionar a alavancapara arranjar alguma comida, despreocupadoscom o
choque que viria. A Hoffmann-La Roche introduziu o clordiazepóxido no mercado
em 1960,vendendo-o como Librium.

67
ANATOÀaA DE UMA EPIDEMIA

Por razões óbvias, o público recebeu poucas informações sobre os testes com
animais que tinham dado origem aos tranquilizantes leves. Todavia, um artigo
publicado na arie/zce
premil,e//er foi a exceçãoà regra, e o repórter que o escreveu
situou os experimentos com animais num quadro de referência humano. Sevocê
tomasse um tranquilizante leve, explicou, "isto significa que ainda poderia sentir
medo ao ver um carro acelerar na sua direção, mas o medo não o/a faria correr".' '

Agora a psiquiatria dispunha dc uma nova droga para acalmar os pacientes


internados e de uma segunda droga para diminuir a ansiedade,sendo que esta
última podia ser comercializada para a população em geral; depois, na primavera
de 1957,ela ganhou um medicamento para pacientesdeprimidos, a iproniazida,
comercializadacomo Marsilid. Essa droga, que foi rotulada de "energizante
psíquico", originava-se numa fonte de poética pertinência: combustível para foguetes.

Quase no fim da Segunda Guerra Mundial, quando a Alemanha enh'entava


uma escassez do oxigênio líquido e do etanol que usava para propelir seus foguetes
V-2, seus cientistas desenvolveramum novo composto, a hidrazina, para servir
dc combustível substituto. ltrminada a guerra, empresasde produtos químicos
dos países aliados precipitaram-se para obter amostras do composto,pois suas
divisões farmacêuticas estavam ansiosas para ver se suas propriedades tóxicas
poderiam scr exploradas para criar pílulas mágicas. Em 1951, os químicos da
Hoffmann-La Rocha criaram dois compostos de hidrazina, a isoniazida e a
iproniazida, que se revelaram eficazescontra o bacilo causador da tuberculose. Os
novos medicamentos foram prontamente postos em uso em vários sanatórios para
tuberculosos e, em pouco tempo, surgiram relatos de que pareciam "energizar"
os pacientes. No Hospital SeaVíew, em Staten lsland, conforme reportagem da
revista Time, "os pacientes que haviam tomado os medicamentos dançaram nas
enfermarias, para deleite dos fotoJornalistas".i2

A visão de pacientes tuberculosos dançando sugeriu que essasdrogas poderiam


ser úteis na psiquiatria, como tratamento da depressão. Por várias razões,
considerou-se que a iproniazida era a que tinha maior potencial, mas nos primeiros
testesnão julgaram essadroga particularmente eficaz para levantar o ânimo,
e houve relatos de que era capaz de provocar mania. Os pacientes tuberculosos
tratados com iproniazida também vinham apresentando tantos ef'oitoscolaterais
tonteira, constipação, diâculdade para urinar, neurite, sensaçõesirritantes na pele,
confusão e psicose -- que seu uso teve de ser limitado nos sanatórios. Entretanto, na
primavera de 1957,Nathan Kline, um psiquiatra do Hospital Estadual Rockland,

68
As Pílulas Mágicas da Psiquiatria

em Orangeburg, no estadode Nova Vork, reabilitou a iproniazida ao relatar que,


quando os pacientes deprimidos eram tratados com o medicamento por tempo
suficiente, durante pelo menoscinco semanas,ele surdia efeito. Quatorze dos 16
pacientes tratados por ele com iproniazida haviam melhorado, e alguns tiveram
"remissão completa de todos os sintomas".':

Em 7 de abril de 1957,o New Boné71meiresumiu a estranhajornada da


iproniazida: "Um efeito colateral de um medicamento contra a tuberculose pode
ter aberto caminho para a terapia química dos inatingíveis pacientesque sofrem
de depressão aguda. Os responsáveispor seu desenvolvimento o chamam de
estimulante, em contraste com os tranquilizantes".''

Foram essasas drogas que desencadearam a revolução psicofarmacológica. No


curto espaço de três anos ( 1954-1957),a psiquiatria ganhou novos medicamentos
para acalmar os pacientes agitados e maníacos nos manicómios, para a ansiedade
e para a depressão. Mas nenhuma dessas drogas foi desenvolvida depois de os
cientistas identificarem algum processo patológico ou anormalidade cerebral que
pudesse causar esses sintomas. Elas provieram das pesquisas pós-Segunda Guerra
Mundial para encontrar pílulas mágicas contra doenças infecciosas, quando os
pesquisadores, durante esse processo, tropeçaram em compostos que afetavam o
sistema nervoso central de maneiras desconhecidas.Os testes da clorpromazina,
do meprobamato e do clordiazepóxido com animais revelaram que essesagentes
cerceavam acentuadamente as respostas físicas e afetivas normais, porém o
faziam sem causarperda da consciência.Foi isso que houvede tão inédito nos
tranquilizantes potentes e leves. Eles cerceavamo funcionamento cerebral de
modo seletivo. Não se sabia ao certo como funcionava a iproniazida -- ela parecia
acelerar o cérebro, de algum modo --, mas, como assinalou o New YorÉlimes, suas
propriedades de melhoria do humor foram adequadamente vistas como um "efeito
colateral" de um agente antituberculoso.

Seria mais apropriado descrever essasdrogas como "tónicos". Nos meios de


comunicação, entretanto, contou-se uma história muito diferente.

Uma Aliança Espúria


As forças narrativas da medicina norte-americana passaram por uma profunda
mudançana décadade 1950;para constata-lo,precisamoscontar a história da

69
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA

SociedadeNorte-Americana de Medicina (AMAR antes dessa época.Na virada


do séculoXX, a AMA estabeleceu-secomo a organizaçãoque ajudaria o público
norte-americano a distinguir o bem do mal. Na época,havia cerca de cinquenta
mi] produtos medicinais vendidos nos EstadosUnidos, e eles eram de dois tipos
básicos.Havia milhares de pequenasempresasque vendiam xaropes,elixires e
remédios à base de ervas diretamente ao público (ou nas lojas, como produtos
embalados), e essesmedicamentos "de marca registrada", vendidos sem receita,
eram tipicamente feitos de ingredientes "secretos".Entrementes, a Merck e
outros "fabricantes de remédios" vendiam suas preparações químicas, que eram
conhecidascomo drogas "éticas", a farmacêuticos, que então funcionavam como
vendedores varejistas dessesprodutos. Nenhum dos dois grupos precisava provar
a um órgãoregulador do governoque seusprodutoseram segurosou eficazes,e
a AMA, ansiosa por estabelecer um lugar para os médicos nesse mercado livre
de restrições, instituiu-se como a organização que faria essa avaliação. Criou um
"departamento de propaganda" para investigar os remédios vendidos sem receita,
assim protegendo os norte-americanos da "charlatanice", e criou um Conselho
de Farmácia e Química para conduzir testes químicos das drogas éticas. A AMA
divulgava os resultados dessestestes em seus periódicos e fornecia seu "selo de
aprovação"às melhores drogas éticas. Também publicava anualmente um livro
sobre "medicamentos úteis", e suas publicações médicas não aceitavam anúncios
de nenhum remédio que não tivesse sido aprovado em seu processo de veto.

Gom essetrabalho, a AMA se transformou no cão de guarda da indústria


farmacêutica e de seus produtos. Ao fazê-lo, a organização estava prestando
um serviço valioso à população e promovendo os interesses financeiros de seus
membros, porque suas avaliaçõesdos medicamentosdavam aos pacientes uma
boa razão para consultarem um médico. Munido de seu livro sobre medicamentos
úteis, o médico podia receitar o que fosseapropriado. E foi esseco/zãecámezzfo,
em
contraste com qualquer poder normativo autorizado pelo governo, q ue conteriu aos
médicos o seu valor no mercado (em termos de darem acessoaos medicamentos).

A venda de remédios nos EstadosUnidos começoua mudar com a aprovação


da Lei de Alimentos,Medicamentose Closméticos,
em 1938.A lei exigiu que
as empresasprodutoras provassemà Administração Federal de Alimentos e
Medicamentos [FDA] que seusprodutos eram seguros(elas ainda não tinham de
provar que eram úteis) e, na esteira dessalegislação,a FDA começoua decretar

A sigla da denominaçãooriginal, AmericanMedical Association,foi mantida nestatradução.

70
As Pílulas Mágicas da Psiquiatria

que alguns medicamentossó poderiam ser compradoscom receita médica.u


Em 1951, o Congresso aprovou a Emenda Durham-Humphrey a essa ]ei, que
decretou que a maioria dos novos medicamentos só hcaria disponível mediante
a apresentaçãoda receita, e que também seriam exigidas receitas na compra de
novas doses de uma mesma medicação.

Os médicospassaramentão a desfrutar de um lugar muito privilegiado na


sociedade norte-americana. Controlavam o acesso do público aos antibióticos
e a outros novos medicamentos.Em síntese, tinham se tornado os vendedores
varejistas dessesprodutos, com os farmacêuticos simplesmente cumprindo suas
ordens, e, na qualidade de vendedores, passaram então a ter uma razão financeira
para alardear as maravilhas de seusprodutos. Quanto melhor fossea percepção
dos novos remédios, mais o público se inclinada a procurar os consultórios
para obter receitas. "Ao que parece, a posição do próprio médico no mercado é
fortemente influenciada por sua reputaçãode uso das drogasmais recentes",
explicou a revista Xorfzzlze is

Os interessesfinanceiros da indústria farmacêutica e dos médicosalinharam-


se como nunca havia acontecido até então, e a AMA adaptou-seprontamente a
essanova realidade. Em 1952, parou de publicar seu anuário sobre "medicamentos
úteis". Em seguida,passoua permitir em suaspublicaçõesa propagandade
remédiosnão aprovadospor seu Clonselhode Farmáciae Çjluímica.Em 1955,a
AMA abandonou seu famoso programa do "selo de aprovação". Em 1977, havia
reduzido o orçamento de seu Conselho sobre Drogas a míseros 75.000 dólares,
o que era compreensível,dado que a AMA já não estavano ramo da avaliação
dos méritos dessesprodutos. Três anosdepois, chegou até a fazer campanha
contra uma proposta do senador Estes Kefauver, do Tennessee,de que as
empresas farmacêuticas provassem à FDA a eficácia de suas novas drogas. Em
seu relacionamento com a indústria farmacêutica, a AMA "tornou-se o que eu
chamaria de maricas", confessouo professor Maxwe]] Finland, da Faculdade de
Medicina de Harvard, em depoimento perante o Clongresso.''

Mas não se tratou apenasde que a AMA abrissemão de seu papel de cão
de guarda. Ela e os médicostambémpassarama trabalhar com a indústria
farmacêutica para promover novas drogas. Em 1951, ano em que foi aprovada a
Lei de Durham-Hlumphrey,
a companhiaSmith Kline, a Sociedade
Francesade

Em 1914. a Lei Harrison sobre Narcóticos havia exigido receitas médicas para o uso de opiáceos
e cocaína. A Lei de Alimentos, Medicamentos e Cosméticos de 1938 estendeu essaexigência de
venda exclusiva com receita médica a um número maior de medicamentos.

7]
AN/COMIA DE UMA EPIDEMIA

Medicina e a SociedadeNorte-Americana de Medicina passarama produzirjuntas


um programa de televisão chamado T»e.MarcaofMedíf ?ze[A marcha da medicina] ,
o qual, entre outras coisas,ajudava a apresentar aos norte-americanosas drogas
miraculosas" que estavamchegandoao mercado. Os artigos dejornais e revistas
sobre novos medicamentos incluíam, inevitavelmente, depoimentos de médicos
que enalteciam seus benefícios, e, como mais tarde confessou a uma comissão
do Congressoo médicoHaskell Weinstein,da Pfizer,"muito do que aparece[na
imprensa popular] é essencialmente divulgado pelas equipes de relações públicas
das empresas farmacêuticas".'' Em 1952, uma publicação comercial dessa
i ndústria, arde-Reporf.f, assinalou que a indústria f'armacêutica \unha desf'rutando
de uma "crítica sensacionalmente favorável" e, alguns anos depois, comentou
sobre a razão disso: "Praticamente todos os remédios importantes" recebiam
uma profusão de elogios da classe médica, ao serem apresentados".:'

Esse novo mercado de fármacos revelou-se lucrativo para todos os envolvidos.


A receita da indústria f'armacêutica ultrapassou um bilhão de dólares em 1957,e
as empresas farmacêuticas tiveram lucros que as transflormaram "nas qucridinhas
de Wall Street", segundoum autor.'9Agora que os médicoscontrolavam o acesso
aos antibióticos e a todos os outros medicamentos que exigiam retenção da receita,
sua renda começou a aumentar rapidamente, duplicando entre 1950 e 1970(depois
de f'eitos os ajustes da inflação). Na AMA, a receita proveniente da propaganda de
remédios em suas publicações subiu de 2,5 milhões de dólares em 1950 para lO
milhões de dólares em 1960, e, como não é de surpreender, esses anúncios pintavam
um quadro róseo. Uma resenha de 1959 sobre os medicamentos anunciados nas
seis principais publicações médicas dos Estados Unidos constatou que 89% dos
anúncios não traziam informações sobre os ef'eitos colaterais dos remédios.20

Era esse o ambiente, nadécadade 1 950, em que as primeiras drogas psiquiátricas


foram introduzidas no mercado. O público estavaansiosopor saber dos remédios
milagrosos, e era exatamentc essaa história que a indústria farmacêutica e os
médicos do país estavam ansiosos por contar.

Pílulas Milagrosas
A Smith Kline and French, que obteve uma licença da Rhâne-Poulencpara
vender a clorpromazina nos Estados Unidos, obteve aprovação da }'DA para o
Thorazine em 26 de março de 1954.Dias depois,a companhiausou seu programa
.4 MaxrÀada .A/edicizza
para lançar o produto. Embora a Smith Kline and French

72
As Pílulas Mágicas da Psiquiatria

tivesse gostado apenas 350.000 dólares no desenvolvimento do Thorazine e o


houvesseadministrado a menos de 150pacientes psiquiátricos, antes de submeter
o pedido de aprovação à FDA, o presidente da empresa, Francis Boyer, disse
aos telespectadoresque aquele era um produto que havia passadopelos mais
rigorosos testes imagináveis. "Foi administrado a bem mais de cinco mil animais
e se revelou ativo e seguro para administração em sereshumanos", alarmou."Em
seguida, pusemos o composto nas mãos de médicos de nossos grandes centros
médicos norte-americanos, para explorar seu valor clínico e suas possíveis
limitações. Ao todo, mais de dois mil médicos deste país e do Ganadá o usaram.
(...) O desenvolvimento de um novo medicamento é diflícil e dispendioso, mas é um
trabalho que nossaindústria tem o privilégio de realizar."''
A história contada por Boyer foi a de uma ciência rigorosa em ação e, menos
de três meses depois, num artigo intitulado "A droga milagrosa de 1954?", a 7%me
declarou que o Thorazine tinha um "desempenhoexcepcional". Após uma dose
de Thorazine, explicou a revista, os pacientes "sentam-se e mantêm conversas
sensatascom [o médico], talvez pela primeira vez em meses".22 Num artigo
que deu continuidade a esse,a Time relatou que alguns pacientes"tomaram
voluntariamente [as] pílulas" e, depois de fazê-lo, "alimentaram-se, comeram com
apetite e dormiram bem". O Thorazine, concluiu a revista, era tão importante
"quanto as sulfas bactericidas descobertas na década de 1930"."
Tratava-se de uma referência a uma solução mágica que era impossível deixar
escapar, e outrosjornais e revistas fizeram eco a esse tema. Graças à clorpromazina,
explicou o [/.S. À'emi a zd Hor/dRePorf, "pacientes antes intratáveis transformaram-
se, em questão de semanas ou meses, em seres humanos sadios e racionais".24
O ]VewYorX; 7'amei,numa série de reportagens em 1954 e 1955,chamou o Thorazine
de pílula "milagrosa", que levara a "paz de espírito" c a "liberdade da confusão"
a pacientes psiquiátricos. O Thorazine, concordaram jornais e revistas, havia
introduzido uma "nova cra da psiquiatria"."
Com essashistórias contadas sobre o Thorazine, não era de admirar que o
público ficassebabandoquando, na primavera de 1955,o Miltown foi introduzido
no mercado. Esse medicamento, relatou a revista Time, era para "neuróticos
ambulatoriais, não para psicóticosinternados", e, de acordo com o que diziam os
psiquiatras aos repórteres dos jornais e revistas, tinha propriedades incríveis.2õ
A ansiedade e as preocupações fugiam tão depressa, explicou a C/ba/zgí/zg
71mei,
que o remédio podia ser considerado a "pílula da felicidade". A -Reader}-Digeif
assemelhou-oa "um banho turco em forma de comprimido". O remédio, explicou

73
ANATOAaA DE UMA EPIDEAaA

a Ca/zizzme2'
-Repor/í,"não amortecenem embota os sentidos,além de não criar
hábito. Relaxa os músculos, acalma a mente e dá às pessoas uma nova capacidade
de aproveitar a vida".27

Tamanha foi a corrida popular para conseguir o novo medicamento que a


Wallace Laboratories e a Carter Products, que vendiam juntas o meprobamato,
tiveram que fazer um grande esforçopara atender à demanda.As farmácias que
tinham a sorte de possuí-lo em estuque exibiam cartazes que gritavam: SIM, NÓs
REMOS MinOWNIO comedianteMilton Berle disse gostar tanto do remédio que
talvez trocasseseu prenome por Miltown. A Wallace Laboratories contratou
Salvador Dali para ajudar a atiçar a febre do Miltown, pagando 35.000 dólares ao
grande pintor para criar uma instalação numa convençãoda AMA, com a intenção
de captar a magia dessa nova droga. Os participantes entravam num túnel escuro
e gerador de claustrofobia, que representava o interior de uma lagarta seria
essa a sensação da ansiedade --, e ao emergirem de novo na luz deparavam
com uma dourada "borboleta da tranquilidade", metamorfose que se devia ao
meprobamato. '!Ao Nirvana com Miltown", foi como a revista 7'imedescreveua
instalação de Dali."

Houve uma ligeira nota de hesitação surgida em matérias de jornais e


revistasdurante a introdução do Thorazine e do Miltown. Na décadade 1950,
muitos psiquiatrias das melhores faculdades de medicina norte-americanas
eram freudianos que acreditavam que os distúrbios mentais eram causadospor
conflitos psicológicos,e sua influência levou a Smith Kline and French, em sua
promoçãoinicial do Thorazine, a alertar os repórteres para o fato de que "não
existe a ideia de que a clorpromazina seja a cura da doença mental, mas ela pode
ter enorme valor se relaxar os pacientes e os tornar acessíveisao tratamento".29
Tanto o Thorazine quanto o Miltown, explicou o New YorÉlImeS,deviam ser
considerados "adjuvantes da psicoterapia, não a cura".3' O Thorazine foi chamado
de "tranquilizante potente" e o Miltown, de "tranquilizante leve", e, quando a
Hoffmann-La Roche introduziu a iproniazida no mercado, ela foi descrita como
"estimulante psíquico". Esses remédios, embora talvez fossem notáveis em sua
natureza, não eram antibióticos para a mente. Como observou a revista -Lê#e,
num
artigo de 1956 intitulado "A busca apenas começou", a psiquiatria ainda estava
nos estágiosiniciais de sua revolução,pois as "bactérias" dos distúrbios mentais
ainda estavam por ser descobertas.:'

Contudo, em curtíssimo prazo, até esse toque de cautela foi posto de lado.
Em 1957, o .NemYór#71mei noticiou que agora os pesquisadores acreditavam que

74
As Pílulas Mágicas da Psiquiatria

a iproniazida poderia ser um "potente regulador do metabolismo cerebral em


desequilíbrio".32 Isso sugeria que o remédio, que fora desenvolvido para combater
a tuberculose, poderia consertar algo errado no cérebro dos pacientes deprimidos.
Uma segunda droga para essespacientes, a imipramina, chegou ao mercado nessa
época e, em 1959, o AlemYor#7:nzeireferiu-se aos dois pela primeira vez como
"antidepressivos". Ambos pareciam "reverter estados psíquicos", disse o jornal."
Essas drogas estavam ganhando um novo i/afzzs e, finalmente, o psiquiatra Harold
Himwich, num artigo de 1958na revista ScÍe?zre,
explicou que elas "]podiam] ser
comparadasao advento da insulina, que neutraliza os sintomasdo diabetes"."
Os antidepressivos consertavam alguma coisa errada no cérebro e, quando
introduziu o Librium no mercado, em 1960,a Hoffmann-La Roche retomou essa
mensagemcurativa. Seu novo remédio não era apenasmais um tranquilizante,
porém "o sucessorde todo essegrupo. (...) O Librium é o maior passodado até
hoje em direção ao aZíoo ura' da amiedade,em contraste com a sedaçãocentral
ou a ação hipnótica".3' A Merck fez o mesmo, comercializando seu Suavitil como
"um normalizador do humor. (...) O Suavitil oferece um tipo novo e específicode
tratamento neuroquímicopara o pacienteincapacitadopela ansiedade,tensão,
depressão ou manifestações obsessivo-compulsivas".sõ

C) último passo nessa recauchutagem da imagem das drogas psiquiátricas


veio em 1963. O Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH) havia conduzido
um teste de seis semanas com o Thorazine e outros neurojépticos, e quando âcou
demonstrado que essasdrogas eram mais eficazes que um placebo para acabar
com os sintomas psicóticos, ospesquisadoresconcluíram que elas deviam ser vistas
"como antiesquizofrênicos em sentido lato. De fato, é questionável se convém
conservar o termo 'tranquilizante"'.37

Com esse pronunciamento do NIMH, a transformação das drogas


psiquiátricas estava basicamente concluída. No começo, o Thorazine e outros
neurolépticos tinham sido vistos como agentes que deixavam os pacientesmais
sossegadose emocionalmente indiferentes. Nesse momento, transformaram-
se em medicamentos "antipsicóticos". Relaxantes musculares que tinham sido
desenvolvidos para uso na psiquiatria, por suas propriedades "domesticadoras",
passarama ser "normalizadores do humor" Os estimulantes psíquicosviraram
"antidepressivos". Todas essasdrogas pareciam ser antídotos para distúrbios
específicos,e, nesse sentido, mereciam ser comparadasaos antibióticos. Eram
agentes que combatiam doenças,e não meros tónicos. A única coisa que faltava
nessahistória da medicina das pílulas mágicasera a compreensãoda biologia

75
ANATOMH DE UMA EPIDEhaA

das doenças mentais, mas, reconcebidas as drogas dessa maneira, quando os


pesquisadoreschegaram a entender de que modo elas afetavam o cérebro,
elaboraram duas hipóteses que, pelo menos em tese, preenchiam essa lacuna.

As Substâncias Q.uímicas do Cérebro


No início da década de 1950,havia um debate contínuo entre os neurologistas
sobre o modo como os sinais atravessavam as minúsculas sinapses que separavam
os neurónios no cérebro. A visão predominante cra que a transmissão dos
sinais era de natureza elétrica, mas outros defendiam a transmissão química,
num debate que o historiador Elliot Valenstein, em seu livro B/aming fáe -Brairz

[Culpando o cérebro], caracterizou como a "guerra entre as faíscas e as sopas"


I'odavia, em meados dos anos 1950, os pesquisadores haviam isolado alguns
possíveis mensageiros químicos no cérebro de ratos e outros mamíferos, inclusive
a acetilcolina, a serotonina, a norepineftina e a dopamina, e o modelo da "sopa"
não tardou a prevalecer.

De posse dessa compreensão, um investigador do NIMH, Bernard Brodie,


plantou a sementeintelectual que viria a evoluir para a teoria segundoa qual
a depressão
sedeviaa um desequilíbrio
químicono cérebro.Em 1955,em
experimentos com coelhos,Brodie relatou que a reserpina, uma erva medicinal
usada na Índia para acalmar pacientes psicóticas, reduzia os níveis cerebrais
da serotonina. Ihmbém deixava os animais "letárgicos" e "apáticos". Arvid
Carlsson, um farmacologista sueco que havia trabalhado durante algum tempo no
laboratório dc Brodie, não tardou a comunicar que a reserpina também reduzia os
níveis cerebrais da norepinefrina e da dopamina(conjuntamente conhecidas como
catecolaminas).Assim, uma droga que reduzia a serotonina, a norepinefrina e a
dopamina no cérebro parecia deixar os anim ais "depri medos". Mas os inves tigadores
descobriram que se os animais fossem previamente tratados com iproniazida ou
ímipramina antes de receberem a reserpina, não ficavam letárgicos nem apáticos.
Aparentemente, de um modo ou de outro, os dois "antidepressivos" bloqueavam a
habitual redução da serotonina e das catecolaminas pela reserpina.sa

Durante os anos 1960,cientistas do NIHM e de outras instituições descobriram


como funcionavam a iproniazida e a imipramina. A transmissão de sinais do
neurónio "pré-sináptico" para o "pós-sináptico" precisa ser veloz e aguda como
um raio e, para quc o sinal sela concluído,o mensageiroquímico tem que ser
retirado da sinapse. Isso pode se dar de duas maneiras. Ou a substância química
é metabolizada por uma enzima e despachadacomo um resíduo, ou ref:lui para o
76
As Pílulas Mágicas da Psiquiatria

neurónio pré-sináptico. Os pesquisadoresdescobriram que a iproniazida atrapalha


o primeiro processo.Ela bloqueia uma enzima, conhecidacomo monoamina
oxidase,que metaboliza a norepinefrina e a serotonina. Como resultado, os dois
mensageirosquímicos permanecem por mais tempo que o normal na sinapse.
A imipramina inibe o segundoprocesso.Bloqueia a "recaptação" de norepinefrina
e serotonina pelo neurónio pré-sináptico e, desse modo, mais uma vez, as duas
substânciasquímicas permanecem na sinapsepor mais tempo que o normal. As
duas drogas produzem um resultado final semelhante,embora o façam por meios
diferente:s.

Em 1965, num artigo publicado no .Amedca z Joarza/ oí PsWcÀiafW, Joseph

Schildkraut, do NIHM, examinou essecorpo de pesquisase propôs uma teoria do


desequilíbrio químico nos distúrbios afetivos:
Essasdrogas]como a reserpina] que causam a redução e a inativação da norepineftina
no nívelcentral produzemvedação
ou depressão,
ao passoque as drogasque
aumentam ou potencializam a norepinen'ina estão associadasà estimulação
ou excitação comportamental, e costumam exercer no ser humano um efeito
antidepressivo. A partir dessas constatações,alguns investigadores formularam
uma hipótese sobre a fisiopatologia dos transtornos afetivos. Essa hipótese, que
foi denominada "hipótese catecolaminérgica dos transtornos afetivos", propõe que
algumas formas de depressão, se não todas, estão associadasa uma deficiência
absoluta ou relativa de catecolaminas, particularmente da norepinefrina.'g

Embora essahipótese tenha limitações óbvias nas palavrasde Schildkraut,


ela foi, "se tanto, uma supersimplificação reducionista de um estado biológico
muito complexo"--, estavaerigida a primeira pilastra da construçãoda doutrina
hoje conhecida como "psiquiatria biológica". Dois anos depois, pesquisadores
erigiram a segunda: a hipótese dopaminérgica da esquizofrenia.

Os indícios para essa teoria vieram de investigações sobre o mal de Parkinson.


No fim da década de 1950, Arvid Carlsson, da Suécia, e outros investigadores
sugeriram que o parkinsonismo poderia se dever a uma deficiência de dopamina.
Para testar essapossibilidade, o neurofarmacologista vienense Oleh Hornykiewicz
aplicou iodo no cérebro de um homem que havia morrido dessadoença, uma vez que
essasubstância dá à dopamina uma coloração rosada. Os gânglios basais,uma área
do cérebro que controla a atividade motora, eram sabidamente ricos em neurónios
dopaminérgicos; no entanto, nos gânglios basais do paciente parkinsoniano, "mal
[houve] um toque de descoloração rosada", informou Hornykiewicz.'o

Pesquisadores psiquiátricos compreenderam imediatamente a possível rele-


vância disso para a esquizofrenia.O Thorazine e outros neurolépticos induziam
77
ANATOMH DE UMA EPIDEMH

regularmente sintomas parkinsonianos-- os mesmostremores e tiques e o andar


mais lento. E, se o mal de Parkinson resultava da morte de neurónios dopaminérgicos
nos gânglios banais, era razoável supor que as drogas antipsicóticas, de um modo
ou de outro, obstruíssema transmissãode dopamina no cérebro. A morte de
neurónios dopaminérgicos e o bloqueio da transmissão da dopamina produziriam
uma disfunção dopaminérgica nos gânglios basais. Carlsson não tardou a relatar
que o Thorazinee os outrosmedicamentos
usadosna esquizofrenia
faziam
exatamente isso.

Mas essaera uma descoberta que falava sobre drogas que "desligavam" certas
regiõescerebrais. Não normalizavam o funcionamento do cérebro; criavam uma
patologia profunda. Ao mesmo tempo, entretanto, os pesquisadoresinformaram
que as anfetaminas -- drogas que sabidamente desencadeavamalucinações e
delírios paranoicos -- elevavam a atividade dopaminérgica no cérebro. Assim,
deu-se a impressão de que a psicose seria causada pelo excesso de atividade
dopaminérgica, a qual os neurolépticos cerceariam (com isso reequilibrando
essaatividade). Se assim fosse,seria possíveldizer que essasdrogas eram de
natureza antipsicótica,e, em 1967,o cientista holandêsJacquesVan Rossum
formulou explicitamente a hipótese dopaminérgica da esquizofrenia. "Ç2uando
a hipótese do bloqueio dopaminérgico por agentes neurolépticos puder ser mais
consubstanciada,talvez tenha enormes consequênciaspara a patoflsiologia da
esquizofrenia. A hiperestimulação dos receptores dopaminérgicos poderia então
fazer parte da etiologia" da doença.':

A RealizaçãodasExpectativas
A revolução na assistência em saúde mental que o Congresso havia esperado ao
criar o Instituto Nacional de Saúde Mental, vinte anos antes, estava -- ou parecia
estar -- conc]uída. ]Hlaviamsido desenvolvidas drogas psiquiátricas que eram
antídotos para transtornos biológicos, e os pesquisadoresacreditavam que estas
funcionavam corrigindo desequilíbrios químicos no cérebro. Os terríveis hospitais
psiquiátricos que tanto haviam envergonhado a nação, no fim da Segunda Guerra
Mundial, poderiam agora ser fechados, já que os esquizofrênicos, graças às novas
drogas, poderiam ser tratados em suas comunidades. Os que sofriam de distúrbios
mais brandos, como depressãoou ansiedade,simplesmente precisariam buscar
alívio em seus armários de remédios. Em 1967, um em cada três adultos norte-
americanos recebeu uma receita de um medicamento "psicoativo", e o total de
vendas dessasdrogas atingiu 692 milhões de dólares.42

78
As Pílulas Mágicas da Psiquiatria

Era a narrativade umavitória científicae, no fim da décadade 1960e


início da de 1970,os homensque tinham sido pioneiros nessenovo campo da
"psicofarmacologia"olharam com orgulho para o trabalho realizado. "Foi uma
revolução, e não apenasum período de transição", disse Frank Ayd Jr., editor
da in/er/zafía/za/ Z)rug Theraêp ]Ve s/e/[er. "Houve uma revolução real na história
da psiquiatria e uma das epopeiasmais importantes e dramáticasna história
da própria medicina."'sRoland Kuhn, que havia "descoberto"a imipramina,
ponderouque era apropriado ver o desenvolvimentodos antidepressivoscomo
"uma conquista do intelecto humano em desenvolvimentoprogressivo"." Os
medicamentos ansiolíticos, disse Frank Berger, o criador do Miltown, estavam
"contribuindo para a felicidade, a realização humana e a dignidade do homem".':
I'ais eram os sentimentos dos que haviam liderado a revolução, e por âm, num
simpósio de 1970 sobre psiquiatria biológica em Baltimore, Nathan Kline resumiu
o que a maioria dos presentes entendia ser verdade: todos haviam conquistado um
lugar no panteão dos grandes nomes da medicina.

'lA medicina e a ciência Êcarão umpougzzlzz/zo


dê#exP/zfei
por termos existido",
disse ]Uine a seus colegas. "0 tratamento e a compreensão da doença [mental] se
alterarão para sempre(...) e, à nossamaneira, persistiremos por toda a eternidade
nesta pequena contribuição que demos para a Aventura Humana.""

Uma Revolução Cientíülca...


ou um Delírio da Sociedade?
Hoje, ao refazermos o caminho da descoberta da primeira geração de drogas
psiquiátricas e acompanharmos suatransformação em pílulas mágicas,podemosver
que, em 1970,duas histórias possíveisse desenrolavam. Uma possibilidade era que
a psiquiatria, numa guinada incrivelmente fortuita dos acontecimentos,houvesse
tropeçado em vários tipos de drogas que, apesar de produzirem comportamentos
anormais nos animais, corrigiam diversas anormalidades na química cerebral
dos que estavammentalmente enfermos. Se assim fosse,haveria realmente uma
verdadeira revolução em andamento, e poderíamosesperar que, ao examinar os
resultados produzidos por essas drogas a longo prazo, constataríamos que elas
ajudavam as pessoasa melhorar e a permanecer bem. A outra possibilidade era
que a psiquiatria, ansiosapor ter suaspróprias pílulas mágicas e por ocupar seu
lugar na corrente dominante da medicina, houvessetransformado as drogas em
algo que elas não eram. Essasdrogas da primeira geração seriam simples agentes

79
ANATOMMDE UMAEPIDEMIA

que perturbavam de algum modo o funcionamento normal do cérebro, que era


o que haviam mostrado as pesquisascom animais, e, se assim fosse, seria lógico
que os resultados produzidos pelas drogas a /a/zgoPraZO
viessem a ser problemáticos.

Havia duas histórias possíveis em andamento e, nas décadas de 1970 e 1980,


os pesquisadoresexaminaram a questão crucial: as pessoasdiagnosticadascom
depressãoe esquizofrenia sofrem de um desequilíbrio químico passível de ser
corrigido pela medicação? Será que as novas drogas eram realmente azz/ídolospara
algo quimicamente errado no cérebro?

80
5
A Claçada aos Desequilíbrios Químicos
"Eis a grande tragédia da ciência -- o assassinato
de uma bela hil)ótesepor umlato abominável."
-- Thomas Huxley, 1870'

O cérebro humano adulto pesa cerca de 1,4 kg e, quando o examinámos de


perto, retirado do crânio, é um pouco maior do quc se imaginaria. Eu pensava
que ele caberia facilmente na palma da mão, mas, na verdade, precisamos
das duas mãos para levanta-lo com segurança.{2uando o cérebro está fresco,
ainda não transformado em conserva num molho de formol, uma teia de vasos
sanguíneos torna rosada a sua superfície, e o tecido é mole, quase gelatinoso.
Decididamente, ele é de natureza "biológica", mas, de algum modo, dá origem
a todos os misteriosos e admiráveis talentos da mente humana. A convite de um
amigo, Jang-Ho Cha, que é neurocientista no Hospital Geral de Massachusetts,
assisti a um seminário de secçõesdo cérebro no hospital, na suposiçãode que ver
um cérebro humano mc ajudaria a visualizar melhor as vias neurotransmissoras
tidas como originárias da depressão e da psicose,mas, naturalmente, minha visita
se transformou em algo mais do que isso. O cérebro humano, visto de perto, é de
tirar o fôlego.

A mecânicade seu sistemade transmissãode mensagensé bem conhecida.


Existem, observou Cha, cem bilhões de neurónios no cérebro humano. O corpo
celular de um neurónio "típico" recebe informaçõesdc uma vasta rede de
dendritos e envia sinais por um único axânio, que pode se proUetarpara uma área
cerebral distante(ou descer pela medula espinhal). Em sua extremidade, o axânio
se ramifica em numerososterminais, e é por essesterminais que os mensageiros
químicos -- dopamina, serotonina etc. são liberados na fenda sináptica, que é
uma lacuna de uns vinte nanâmetrosde largura (o nanâmetro equivale a um
bilionésimo do metro). Um único neurónio tem entre mil e dez mil conexões
sinápticas, e o cérebro adulto tem ao todo uns ] 50 grilhões de sinapses

81
AIqATOMIA DE UMA EPIDEMIA

Os axânios dos neurónios que usam o mesmo neurotransmissor costumam


juntar-se em feixes,quasecomoos fios de um cabode telecomunicações,
e
quando os cientistas descobriram que a dopamina, a norepineh-ina e a serotonina
fluorescem com cores diferentes ao serem expostas a vapores dc formol, tornou-se
possívelacompanhar os trajetos dessasvias neurotransmissoras cerebrais. Embora
Joseph Schildkraut, ao formular sua teoria dos distúrbios afetivos, tenha pensado
que a norepinefrina era o neurotransmissor mais propenso a serevelar escassonos
deprimidos, os pesquisadoresnão tardaram a voltar grande parte de sua atenção
para a serotonina, e assim, para nossosobjetivos, no tocante a nossainvestigação
da teoria do desequilíbrio químico dos transtornos mentais, precisamos examinar
essavia cerebral na depressão e a via dopaminérgica na esquizofrenia.

Vias serotoninérgicas do cérebro

Córtexcenbral

Gânglios W
s. Núcleosderaphe
basals
g se
Lobo

Hipotálamo

Glândula
pituitária
Para a medula

A via serotoninérgica é uma das antigas raízes da evolução.Neurónios serotoni-


nérgicos são encontrados no sistema nervosode todos os vertebrados e da maioria
dos invertebrados e, nos seres humanos, seus corpos celulares localizam-se no
tronco encefálico, numa área conhecida como núcleos de raphe. Alguns desses
neurónios enviam axânios compridos pela medula espinhas,num sistema que
está envolvido no controle das atividades respiratória, cardíaca e gastrintestinal.
Outros neurónios serotoninérgicos têm axânios que sobem para todas as áreas do
cérebro -- o cerebelo, o hipotálamo, os gânglios basais, os lobos temporais, o sistema

82
A Caçada aos Desequilíbrios Químicos

límbico, o córtex cerebral e os lobos frontais. Essa via está envolvida na memória,
na aprendizagem,no sono, no apetite e na regulaçãodos estadosde humor e
dos comportamentos.Como assinalouEfrain Azmitia, professorde biologia
na Universidade de Nova York, "o sistema serotoninérgico do cérebro é o maior
sistema cerebral conhecido e pode ser caracterizado como um sistema neuronal
'gigantesco"'.*

As vias dopaminérgicas do cérebro

Há três grandes vias dopaminérgicas no cérebro. Os corpos celulares de todos


essestrês sistemas localizam-se acima do tronco encefálica, seja na substância
negra, seja no tegmento ventral. Seus axânios se proHetampara os gânglios basais
(sistema nigroestriatal), para a região límbica (sistema mesolímbico) e para os
lobos frontais (sistema mesocortical). Os gânglios basais iniciam e controlam o
movimento. As estruturas límbicas -- o tubérculo olfativo, o núcleo acumbente e a
amígdala, entre outros -- localizam-seatrás dos lobos frontais e ajudam a regular

83
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA

nossasemoções.É aí que sentimoso mundo, num processoque é vital para nosso


sensode identidade pessoale nossasconcepçõesda realidade. Os lobos frontais são
o aspectomais distintivo do cérebro humano e nos fornecem a capacidadequase
divina de monitoras nossopróprio eu.

Toda essafisiologia -- os 100 bilhões de neurónios, os 150 trilhões de sinapses,


as diversasvias neurotransmissoras-- refere-se a um cérebro de complexidade
quase inânita. No entanto, a teoria dos desequilíbrios químicos dos transtornos
mentais reduziu essa complexidade a um simples mecanismo patológico
fácil de apreender. Na depressão, o problema estaria em que os neurónios
serotoninérgicos liberariam muito pouca serotonina na fenda sinóptica e, por
isso, as vias serotoninérgicas do cérebro ficariam "subativas". Os antidepressivos
elevariam e normalizariam os níveis de serotonina na fenda sinóptica, e isso
permitiria que essasvias transmitissem mensagensnuma velocidade adequada.
Enquanto isso, as alucinações e vozescaracterísticas da esquizofrenia resultariam
de vias dopaminérgicas hiperativas. Ou os neurónios pré-sinópticos jogariam um
excesso de dopamina na sinapse, ou os neurónios-alvo teriam uma densidade
anormalmente alta de receptores dopaminérgicos.Os antipsicóticos poriam um
freio nessesistema,o que permitiria às vias dopaminérgicas
füncionarcmde
maneira mais normal.

Foi essaa teoria do desequilíbrio químico proposta por Schildkraut c Jacques


Van Rossum, e a própria pesquisa que levou Schildkraut a sua hipótese também
forneceu aos investigadores um método para testa-la. Os estudos da iproniazida
e da imipramina haviam mostrado que os neurotransmissoreseram removidos
das sinapses de uma de duas maneiras: ou a substância química era recaptada
pelo ncurânio pré-sinóptico e restaurada para uso posterior, ou era metabolizada
por uma enzima e descartada como resíduo. A serotonina é metabolizada cm
ácido 5-hidroxi-indolacético (5-HIAA); a dopamina é transformada em ácido
homovanílico (HVA). Os pesquisadorespoderiam buscar essesmctabólitos no
líquido cefalorraquidiano, e as quantidades encontradas serviriam dc medição
indireta dos níveis sínápticosdos neurotransmissores.Como a teoria dizia que
o nível baixo de serotonina causava depressão, qualquer pessoa nesse estado
emocional deveria ter níveis de 5-HIAA inferiores ao normal em seu líquido
cefalorraquidiano. Similarmente, como se teorizava que o sistema dopaminérgico
hiperativo causava a esquizofrenia, as pessoasque ouviam vozes ou eram paranoicas
deveriam ter níveis anormalmente altos de H\a\ no líquido ceíalorraquidiano.

Essa linha de pesquisa manteve os cientistas ocupados por quase 15 anos.

84
A Caçada aos Desequilíbrios Químicos

A Hipótese Serotoninérgica Posta à Prova


Em 1969,MalcolmBowers,da l.Jniversidade
Ihle, tornou-seo primeiroa
relatar se os pacientes deprimidos tinham ou não baixos níveis de metabólitos
de serotonina no líquido cefalorraquidiano. Num estudo de oito pacientes
deprimidos (todos previamente expostos a antidepressivos), ele anunciou que
seusníveis de 5-HIAA eram inferiores ao normal, mas não "significativamente".'
Dois anos depois, investigadores da Universidade McGill afirmaram que também
eles não haviam encontrado uma diferença "estatisticamente significativa" nos
níveis de 5-HIAA de pacientes deprimidos e controles normais, c que também
eles não haviam encontrado nenhuma correlação entre os níveis de 5-HlIAA e a
gravidade dos sintomas depressivos.' Em 1974, Bowers retornou com um estudo
de acompanhamento mais aprimorado: pacientes deprimidos que não tinham sido
expostosa antidepressivosexibiam níveisperfeitamente normais de 5-HIAA.'
A teoria serotoninérgica da depressãonão parecia estar sendo confirmada e,
em 1974, dois pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, Joseph Mendels e
Alan Frazer, reexaminaram os dados que tinham levado Schildkraut a propor sua
teoria, para começo de conversa. Schildkraut havia observado que a reserpina,
que reduzia as monoaminas cerebrais (norepinefrina, serotonina e dopamina),
costumava deprimir as pessoas.No entanto, quando Mendels e Frazer examinaram
de perto a literatura cientíÊca, constataram que quando se administrava reserpina
a pacientes hipertensos, apenas6% deles ficavam realmente deprimidos. Além
disso, em 1955, um grupo de médicos na Inglaterra tinha dado essa erva medicinal
a seuspacientesdeprimidose ela havia e/coado
o estadode ânimo de muitos.
A reserpina, concluíram Mendels e Frazer não era, de modo algum, uma indutora
confiável da depressão.' Eles observaram ainda que, quando pesquisadores davam
às pessoas outras drogas depressoras da morioamina, essesagentes também
não induziam à depressão.'!A literatura aqui recxaminada sugere fortemente
que a redução da norepinefrina, da dopamina ou da serotonina cerebrais não é
suficiente, por si só, para responder pelo desenvolvimento da síndrome clínica da
depressão", escreveram eles.z

A teoria parecia prestes a ser declarada morta e enterrada, mas então, em


1975,Made Asberg e seus colegasdo Instituto Karolinska, em Estocolmo, deram-
Ihe vida nova. Vinte dos 68 pacientesdeprimidos testadospor eles sofriam de
níveis baixos de 5-HIAA, e essespacientes com baixa serotonina eram um pouco
mais suicidas que os outros, sendo que dois dos vinte acabaram se suicidando.

85
ANArOMH DE UMA EPIDEMIA

Isso era prova, no dizer dos pesquisadores suecos,de que haveria "um subgrupo
bioquímico de transtorno depressivocaracterizadopeia perturbação da circulação
serotoninérgica".'

Em pouco tempo, psiquiatras proeminentes dos Estados Unidos estavam


escrevendo que "quase 30%" dos pacientes deprimidos haviam apresentado
baixos níveis de serotonina. A teoria serotoninérgica da depressão parecia enfim
parcialmente corroborada. Hoje, porém, ao reexaminarmos o estudo de Asberg
e verificarmos seus dados, podemos ver que sua constatação de um "subgrupo
biológico" de pacientesdeprimidos foi sobretudo uma história de racionalização,
confundindo desço com realidade.

Em seu estudo, Asberg relatou que 25% de seu grupo "normal" tinham níveis
cefalorraquidianos de 5-HIAA abaixo de 15 nanogramaspor mililitro. Cinquenta
por cento tinham de 15 a 25 nanogramasde 5-HIAA por mililitro, e os 25%
restantes tinham níveis acima de 25 nanogramas.A curva em forma de sino de
seussujeitos "normais" mostrou que os níveis de 5-1:11AAeram bastante variáveis.
Mas o que Asberg não observouem sua discussãofoi que a curva de distribuição
normal dos 68 pacientes deprimidos de seu estudo era quase exatamente idêntica.
Vinte e nove por cento (20 dos 68) tinham contagensde 5-HIAA abaixode 15
nanogramas, 47% tinham níveis entre 15 e 25 nanogramas, e 24% tinham níveis
acima de 25 nanogramas. Vinte e nove por cento dos pacientes deprimidos podiam
ter níveis "baixos" de metabólitos de serotonina no líquido cefalorraquidiano
(esseera o "subgrupo biológico" da investigadora), mas, por outro lado, o mesmo
acontecia com 25% das pessoas "normais". O nível médio dos normais era de 20
nanogramas e, como se constatou, mais de metade dos pacientes deprimidos 37
em 68 -- tinham níveisiaPeHozei
a essevalor.

Visto dessa maneira, o estudo de Asberg não tinha fornecido nenhuma nova
razão para se confiar na teoria serotoninérgica da depressão. Investigadores
japoneseslogo revelaram, invo]untariamente, a lógica equivocadaque estava em
ação. Relataram que alguns antidepressivos (usados no Japão) bloqueavam os
receptores de serotonina, inibindo o disparo dessasvias, e assim, raciocinaram
que a depressãoseria causadapor um "excessode serotoninalivre na fenda
sináptica".9 Eles empregaram o mesmo raciocínio retroativo que dera origem à
teoria da depressãoexplicada pela baixa serotonina e, se o tivessemdesejado,os
cientistas japoneses poderiam ter apontado o estudo de Asberg para corroborar
sua teoria, uma vez que os suecoshaviam constatadoque 24% dos pacientes
deprimidos tinham níveis "altos" de serotonina.

86
A Caçadaaos Desequilíbrios Químicos

Em 1984, investigadores do NIMH estudaram mais uma vez a teoria


serotoninérgica da depressão. Queriam verificar se o "subgrupo biológico" de
pacientes deprimidos com níveis "baixos" de serotonina era o que melhor respondia
a um antidepressivo, a amitriptilina, que bloqueava seletivamente sua recaptação
Seum antidepressivo servia de antídoto para um desequilíbrio químico no cérebro,
a amitriptilina deveria ter sua eficácia máxima nessesubgrupo. No entanto, como
escreveuo chefe da equipe de investigadores,James Maas, "contrariando as
expectativas,não foram encontradasrelaçõesentre o 5-HIAA cefalorraquidiano e
a resposta à amitriptilina".'o Além disso, ele e os outros pesquisadores do NIMH
descobriram como tinha feito Asberg -- que os níveis de 5-HIAA variavam
muito nos pacientes deprimidos. Alguns tinham níveis altos de metabólitos de
serotonina no líquido cel'alorraquidiano, ao passo que outros tinham níveis baixos.
Os cientistasdo NIMH extraíram a única conclusãopossível:"As elevaçõesou
diminuições do funcionamento dos sistemas serotoninérgicos, por si mesmas, não
tendem a estar associadasà depressão".:

Mesmo depois desse relatório, a teoria serotoninérgica da depressão não


desapareceu por completo. O sucessocomercial do Prozac, um "inibidor seletivo
de recaptaçãode serotonina" [lSRS], introduzido no mercadopela companhia
farmacêutica E[i Li[[y em ] 988, alimentou uma nova rodada de afirmações públicas
de que a depressão se devia a níveis baixos desse neurotransmissor e, mais uma
vez. um sem-número de investigadores conduziu experirnentos para verificar
se isso era fato. Todavia, essasegunda rodada de estudos produziu os mesmos
resultadosda primeira. "Passeiosprimeiros anosda minha carreira num regime
de dedicação exclusiva a pesquisas sobre o metabolismo da serotonina cerebral,
mas nunca vi nenhuma prova convincente de que algum distúrbio psiquiátrico,
inclusive a depressão, resultasse de uma deficiência da serotonina cerebral",
disse David Burns, um psiquiatra de Stanford, em 2003.': Muitos outros fizeram
a mesma colocação."Não há nenhuma comprovação cientíhca de que a depressão
clínica se deva a qualquer tipo de estado de déficit biológico", escreveu Colin Ross,

l
Os pesquisadores do NIMH também examinaram algumas outras associações possíveis entre
níveis variáveis de neurotransmissores e a resposta a um antidepressivo. Mediram metabólicos
da norepinefrina e metabólitos da dopamina; dividiram seus pacientes deprimidos em grupos
de bipolares e unipalares; e avaliaram a resposta deles a dais antidepressivos a imipramina
e a amitripúlina. Encontraram associaçõesdiscretas entre vários dessessubgrupos e sua respo:ta
a uma ou outra das drogas; no texto acima eu me concentrei nas suas constatações quanto a (a) a
depressão dever-se a níveis baixos de serotonina e (b) o subgrupo de pacientes com níveis baixos
de serotonina responder melhor a uma droga que bloqueia seletivamente a recaptação desse
neurotransmissor.

87
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA

um professor adjunto de psiquiatria do Centro Médico Southwest, em Dálias, em


seu livro de 1 995, PKezldoicie/zce í/z -BÍo/og ca/PiWcÁiafp [Pseudociência na psiquiatria
biológica] .'2 Em 2000, os autores de -Esse/alia/ -lt7c#oPAarmaco/OK7 [Fundamentos de

psicofarmacologia] disseram a alunos de medicina que "não há nenhuma prova


clara e convincente de que a deficiência de monoamina responda pela depressão,
ou seja, não há nenhum déficit 'real' de monoaminas".'s Entretanto, impulsionada
pela propaganda farmacêutica, essa crença continuou viva e levou o psiquiatra
irlandês David HealyJque escreveuvários livros sobre a história da psiquiatria, a
dizerJem 2005,que essateoria precisavaser jogada na lata de lixo da medicina,
onde era possível encontrar outras teorias igualmente desacreditadas.':A teoria
serotoninérgica da depressão", escreveu cle com evidente exasperação, "é
comparável à teoria masturbatória da loucura".i4

O .D©à-Huda Dopamina
Ao formular sua hipótese dopaminérgica da esquizofrenia, Van Rossum
assinalou que a primeira coisa que os investigadores precisavam fazer era
"consubstanciarmelhor" o fato de que as drogas antipsicóticasrealmente
reduziam a transmissão da dopamina no cérebro. Isso levou algum tempo, mas,
em 1975,SolomonSnyderlda Faculdadedc Medicina Johns Hopkins, e Philip
Seeman,da Universidade de Toronto, explicaram como as drogas surtíam esse
eleito. Primeiro, Snyder identificou dois tipos distintos de receptoresde dopamina,
conhecidos como D: e D,. Em seguida, os dois pesquisadoresdescobriram que os
antipsicóticos bloqueavam de 70% a 90% dos receptores D,.'' Os jornais passaram
então a falar de como essasdrogas poderiam corrigir o desequilíbrio químico no
cérebro.

"0 excessode função dopaminérgica no cérebro poderia explicar a esmagadora


enxurrada de sensaçõesque atormenta o esquizofrênico", explicou o Nem Yor#
7}mei. 'fAo bloquear os receptores cerebrais da dopamina, os neurolépticos põem
fim às visões e sons que não estão realmente presentes."ia

Entretanto,justamente enquanto Snyder e Seeman relatavam seusresultados.


Malcolm Bowers anunciava descobertas que lançavam uma sombra sobre a hipótese
dopaminérgica. Ele tinha medido o nível de metabólitos de dopamina no líquido
cefalorraquidiano de esquizofrênicos não medicados e considerou-osbastante
normais. "Nossos resultados", escreveu, "não fornecem provas neuroquímicas
de um excesso de excitação nesses pacientes que provenha de um sistema

88
A Caçadaaos DesequilíbriosQuímicos

dopaminérgico mesencefálico.":' Outros não tardaram a comunicar resultados


semelhantes. Em 1975, Robert Post, no NIMH, determinou que os níveis de HvA
no líquido cefalorraquidianode vinte esquizofrênicosnão medicados"não eram
significativamente diferentes dos observadosnos sujeitos de controle".'' Estudos
feitos em autópsias também revelaram que o tecido cerebral de esquizofrênicos
não medicados não apresentava níveis anormais de dopamina. Em 1982,John
Haracz, da Universidade da (]alifórnia em Los Angeles, examinou esse corpo
de pesquisas e tirou a conclusão final óbvia: "Esses resultados não corroboram a
presença de uma circulação elevada de dopamina no cérebro de esquizoílrênicos
[não medicados] ".i9

I'ando descoberto que os níveis dopaminérgicos de esquizofrênicos nunca


medicados eram normais, os pesquisadores voltaram a atenção para uma segunda
possibilidade. Talvez as pessoascom esquizofrenia tivessem uma abundância
excessivade receptores dopaminérgicos. Se assim fosse,osneurónios pós-sinápticos
seriam "hipersensíveis" à dopamina, e isto causaria uma hiperestimulação das vias
dopaminérgicas. Em ] 978, Philip Seeman, da Universidade de lbronto, anunciou
na revista A/a/zzze
que acontecia exatamente isso. Na autópsia, os cérebros de vinte
esquizofrênicosrevelaram 70% mais receptores D: do que o normal. À primeira
vista, a causa da esquizofrenia parecia ter sido encontrada, mas Seeman advertiu
que todos os pacientes haviam tomado neurolépticos antes de morrer. "Embora
essesresultados sejam aparentemente compatíveis com a hipótese dopaminérgica
da esquizofrenia em geral", escreveu ele, podia ser que o aumento dos receptores
D, "houvesseresultado da administração de neurolépticos por longo prazo ""
Vários estudos provaram rapidamente que as drogas eram de fato os culpados.
Quando se administravam neurolépticos a ratos, aumentava rapidamente o
número de seusreceptores D,.2' Ç)uandoeles recebiam uma droga que bloqueava os
receptor'es D. esse subtipo de receptor tinha sua densidade aumentada." Em todas
as situações, o aumento foi prova da tentativa do cérebro de compensar o bloqueio
de seus sinais pela droga. Em seguida, em 1982,Angus MacKay e seus colegas
britânicos relataram que, ao examinarem o tecido cerebral de 48 esquizofrênicos
falecidos, "os aumentos dos receptores [D2] só foram observadosem pacientes em
quem a medicaçãoneuroléptica tinha sido mantida até a épocada morte, o que
indicou que eram inteiramente iatrogênicos [causadospela drogam
".'3Alguns anos
depois, investigadores alemães relataram os mesmos resultados em seus estudos
de autópsias.2'Por fim, investigadoresda França, Suéciae Finlândia usarama
tomogralia por emissão de pósitrons para estudar a densidade dos receptores

89
ANATOMH DE UMA EPIDEMIA

D, em pacientes vivos que nunca tinham sido expostosa neurolépticos, e todos


relataram a "inexistência de diferenças significativas" entre os esquizofrênicose
os "sujeitos de controle normais".:'

Desde então, os pesquisadorescontinuaram a investigar se haveria algo


errado nas vias dopaminérgicasde pessoasdiagnosticadascom esquizofrenia e,
vez por outra, alguém relatou ter encontrado algum tipo de anormalidade num
subconjunto de pacientes. No entanto, no fim da década de 1980, estava claro
que a hipótese de desequilíbrio químico na esquizofrenia -- a de que esta seria
uma doença caracterizada por um sistema dopaminérgico hiperativo, que depois
seria como que reequilibrado pelas drogas -- havia caído estrondosamentepor
terra. '!A teoria dopaminérgica da esquizofrenia tem pouca credibilidade para os
psiquiatras", observouPierre Deniker em 1990." Quatro anos depois,John Kane,
um conhecidopsiquiatra do Centro MédicoJudaico de Long lsland, fez eco a esse
sentimento, observando que não havia "boas provas de nenhuma perturbação
da função dopaminérgica na esquizofrenia".27Ainda assim, o público continuou
a ser informado de que as pessoasdiagnosticadascom esquizofrenia tinham um
sistema dopaminérgico hiperativo, sendo as drogas assemelhadas à "insulina no
diabetes", e por issoum ex-dirctor do NIMli, Steve liyman, em seu livro de 2002,
.A/a/ec;zz/ar NeunaPáamzaco/agy [Neurofarmacologia mo]ecu]ar] , foi ]evado a ]embrar

mais uma vez aos leitores a verdade. "Não há provas convincentes de que uma lesão
no sistema dopaminérgico seja uma causa primária da esquizofrenia", escreveu.2a

Réquiem para uma Teoria


A hipótese da depressãopor baixa serotonina e a hipótese da esquizofrenia
por excessode dopamina sempre tinham sido os pilares gêmeos da teoria dos
transtornos mentais calcada nos desequilíbriosquímicos, e, no hm da década
de 1980,as duas haviam se revelado falhas. Outros distúrbios mentais também
tinham sido alardeados para o público como doençascausadas por desequilíbrios
químicos, mas nunca houve nenhuma comprovaçãoque corroborasseessas
afirmativas. Informou-se aos pais que as crianças diagnosticadascom transtorno
do déficit da atençãocom hiperatividadesofriam de baixosníveis de dopamina,
masa única razão dc lhes ser dada essainformação foi que a Ritalina estimulava
os neurónios a liberarem uma quantidade extra de dopamina. Essase tornou a
fórmula narrativa enganosaem que as companhiasfarmacêuticasse apoiaram
repetidas vezes: pesquisadoresidentificavam os mecanismos de ação de uma
classe de drogas, viam como essasdrogas reduziam ou elevavam os níveis de um

90
A Caçada aos Desequilíbrios Químicos

neurotransmissor cerebral e, em poucotempo, o público era informado de que as


pessoas tratadas com esses medicamentos sofriam do problema oposto.

Do ponto de vista científico, hoje se evidencia que a hipótese do desequilíbrio


químico sempre foi de natureza duvidosa, e muitos cientistas que assistiram à
sua ascensão e queda rememoraram isso com certo embaraço.Já em 1975,Joseph
Mendels e Alan Frazer tinham concluído que a hipóteseda depressãoformulada
por Schildkraut havia brotado do "raciocínio monotemático" que confiava numa
"avaliação insuÊciente de certos resultados incompatíveis com a suposição inicial".29
Em 1990,Deniker disse que o mesmo se aplicava à hipótese dopaminérgica da
esquizon'enia. Ç2uando os pesquisadores psiquiátricos rebatizaram as drogas de
agentes "antiesquizofrênicos", observou eje, foram "um pouco longe demais (...)
pode-se dizer que os neurolépticos diminuem certos fenómenos da esquizofrenia,
mas [as drogas] não têm a pretensão de ser um tratamento etiológico dessas
psicoses"." A teoria dos transtornos mentais calcada no desequilíbrio químico,
escreveu David Healy em seu livro Tbe Creafío z o#PTgcáaP#armaca/agp[A criação da
psicofarmacologia],foi abraçadapelos psiquiatras por ter "preparado o terreno"
para que eles "se tornassem médicosde verdade".s'Na medicina interna, os
médicos dispunham de seusantibióticos, e agora os psiquiatras também poderiam
ter suas pílulas "antidoença"
No entanto, a crença da sociedadenos desequilíbrios químicos persistiu (por
razõesque serão exploradas mais adiante), e levou as pessoasque investigavam
e escreviam sobre essahistória a enfatizar repetidas vezes,a mesma conclusão
essencial. "Os dados não corroboram nenhuma das teorias bioquímicas da doença
mental", concluiu Elliot Valenstein, professor de neurociência da Universidade
de Michigan, em seu livro de 1998, -B/aming fãe -traí?z [Cu]pando o cérebro].32
Até David Satcher diretor nacionalde SaúdedosEstadosUnidos, confessouem
seu relatório de 1999, .Ade/zfa/ .17ea/f# [Saúde menta]], que "as causas [etiologias]
exatas das doençasmentais não são conhecidas".S3 Em /%'azar Bac#lasÀ[0 efeito
bumerangue do Prozac], Joseph Glenmullen, um professor de psiquiatria da
Faculdadede Medicina de Harvard, observouque "em todos os casosem que
se julgou encontrar esse desequilíbrio, posteriormente ele se revelou falso".S4
Finalmente, em 2005, Kenneth Kendler coeditor-chef'e da revista .I'sWcÀo/oyíca/

iUedíc;i/ze,
escreveuum epitáfio admiravelmentesucinto para toda essahistória:
"Saímos à caça de grandes e simples explicações neuroquímicas dos transtornos
psiquiátricos e não as encontramos"."

91
AIqATOAaA DE UMA EPIDEMIA

Isso nos leva à nossa próxima grande indagação: se as drogas psiquiátricas não
regulam uma química cerebral anormal, o que elasfazem?

Prozac na Cabeça
Durante as décadas de 1970 e 1980, os investigadores montaram descrições
detalhadas de como as várias classes de drogas psiquiátricas amuamno cérebro
e de como o cérebro, por sua vez, reage a elas. Poderíamos relatar a história dos
antidepressivos, dos neurolépticos, das benzodiazepinas ou dos estimulantes,
e todas as narrativas f'dariam de um processomais ou menos comum em ação.
Entretanto, visto que a história dos desequilíbriosquímicos, na mentalidade
popular, realmente deslanchoudepois que a Eli Lilly introduziu no mercado o
Prozac (fluoxetina), parece apropriado revermos o que os cientistas da Eli Lilly
e outros investigadores, em relatórios divulgados em publicações científicas,
tiveram a dizer sobre como funciona de fato esse"inibidor seletivo de recaptação
deserotonina"

Clomojá foi observado,depoisque um neurónio pré-sinóptico libera a serotonina


na lenda sináptica, ela tem que ser retirada com rapidez, para que o sinal possaser
concluído com precisão. Uma enzima metaboliza uma pequena quantidade; o resto
é devolvidopara o neurónio pré-sináptico,entrando nele por um canal conhecido
como SERT (transportadorde recaptaçãode serotonina).A fiuoxetina bloqueia
essecanal de recaptação e, como resultado, escreveu em 1975James Clemens, um
cientista da Eli Lilly] ela causa uma "acumulação de serotonina na sinapse".s6
Entretanto, como descobriram investigadores da Eli Lilly] nesse momento um
mecanismode realimentaçãoentra em ação.O neurónio pré-sinápticotem em
sua membrana terminal "autorreceptores" que monitoram o nível de serotonina
na sinapse. Ç2uandoos níveis de serotonina ficam muito baixos, disse um cientista,
essesautorreceptores gritam "liguem a máquina da serotonina". Quando os
níveis ficam altos demais, eles gritam "desliguem a máquina". Trata-se de um
circuito dclzedóac#proHetadopela evoluçãopara manter em equilíbrio o sistema
serotoninérgico, e a fluoxetina desencadeiaa segunda mensagem.Já não sendo
a serotonina retirada da sinapse, os autorreceptores dizem aos neurónios pré-
sinápticos para dispararem num ritmo drasticamente menor. Eles começam a
liberar na sinapse quantidades de serotonina abaixo do normal.

Os mecanismosde realimentação também modificam os neurónios pós-


sinápticos. Em quatro semanas, a densidade de seus receptores serotoninérgicos

92
A Caçadaaos Desequilíbrios Químicos

cai 25% abaixo do normal, informaram os cientistas da Eli Lilly em 1981.;'


Posteriormente, outros investigadoresrelataram que "o tratamento crónico com
Huoxetina" pode levar a uma redução de 50% dos receptores serotoninérgicos em
algumas áreas do cérebro.3; Como resultado, os neurónios pós-sinópticos ficam
"dessensibilizados" para esse mensageiro químico.

Nesseponto, o cérebro talvez pareça ter se adaptado com sucessoà droga.


A íluoxetina bloqueia a recaptaçãonormal de serotoninada sinapse,mas os
neurónios pré-sinápticos começam então a liberar menos scrotonina, e os neurónios
pós-sinópticosficam menossensíveisa ela, e por isso não disparam com a
mesma presteza. A droga foi concebida para acelerar a via serotoninérgica; o
cérebro respondeu pisando no freio. Manteve sua via serotoninérgica mais ou
menos equilibrada, numa resposta adaptativa que os pesquisadoreschamaram
de "resiliência sináptica".se
Mas há outra mudançaque ocorre durante esse
período inicial de duas semanase que, em última instância, impede a resposta
compensatória do cérebro. Há um declínio no número de autorreceptores de
serotonina nos neurónios pré-sinópticos. Como resultado, esse mecanismo
de realimentação fica parcialmente incapacitado, e a mensagem do "desligar a
máquina da serotonina" diminui. Os neurónios pré-sinápticos voltam a disparar
em velocidadenormal, pelo menospor algum tempo, e a liberar mais serotonina
do que o normal a cada vez.40,1r

Ao montaram essaimagem dos efeitos cerebrais da fluoxetina, os cientistas


da Eli Lilly e outros especularam sobre qual parte desse processo seria responsável
pelas propriedades antidepressivas da droga. Os psiquiatras observavam
desde longa data que os antidepressivos levavam de duas a três semanas para
"funcionar", e assim os pesquisadores da Eli Lilly raciocinaram, em 1981, que era
o declínio dos receptores serotoninérgicos, que levava várias semanaspara ocorrer,
que constituía "o mecanismo subjacente associado à resposta terapêutica".''
Se assim fosse, seria possível dizer que a droga funcionava por levar o sistema
serotoninérgico a um estado menos reativo. Contudo, depois que os pesquisadores
descobriram que a fluoxetina inviabilizava parcialmente o mecanismo de./êedóac#,
Glaude de Montigny, da Universidade McGill, afirmou que era isso que permitia
que a droga começassea funcionar. Esseprocessode inviabilização também levava
de duas a três semanaspara ocorrer e permitia que os neurónios pré-sinápticos
começassema liberar na sinapse quantidades de serotonina superiores ao normal.

H
A longo prazo, parece que a liberação de serotonina cai a um nível anormalmente baixo, pelo
menos em algumas regiões do cérebro.

93
ANATOMH DE UMA EPIDEMH

Nesseponto, com a fluoxetina continuando a bloquear a retirada da serotonina. o


neurotransmissor podia realmente "acumular-se" na sinapse, e isso levaria "a uma
intensificação da neurotransmissão serotoninérgica central", escreveu Montigny.'2

Essaé a história científica de como a fluoxetina altera o cérebro, e é possível


que esseprocessoajude as pessoasdeprimidas a melhorarem e a permanecerem
bem. Somente a literatura sobre resultados poderá revelar se é este o caso. Mas o
que está claro é que o medicamento não "conserta" um desequilíbrio químico do
cérebro. Na verdade, faz exatamente o inverso. Antes de ser medicada, a pessoa
deprimida não tem nenhum desequilíbrio químico conhecido.A íluoxetina então
atrapalha a retirada normal de serotonina da sinapse, o que desencadeiauma
cascata de mudanças, e, algumas semanas depois, a via serotoninérgica opera de
maneira decididamentea/zozv7za/.
O neurónio pré-sináptico libera mais serotonina
que de hábito. Seus canais de recaptação da serotonina são bloqueados pela droga.
O circuito de realimentação do sistema é parcialmente desligado. Os neurónios
pós-sinópticossão"dessensibilizados"para a serotonina. Em termos mecânicos.o
sistema serotoninérgico fica bastante bagunçado.

Os cientistas da Eli Lilly estavam bem cônscios disso. Em 1977, Ray Fuller e
David Wong observaram que, por perturbar as vias serotoninérgicas, a ftuoxetina
poderia ser usada para estudar "o papel dos neurónios serotoninérgicos em várias
funções cerebrais -- comportamento, sono, regulação da liberação de hormânio
pituitário, termorregulação, reação à dor e assim por diante". Para conduzir tais
experlmentos, os pesquisadorespoderiam administrar nuoxetina a animais e
observarquais funções ficavam comprometidas. Eles buscariam o surgimento de
pala/ogías.Na verdade, esse tipo de pesquisajá vinha sendo feito: em 1977, Fuller e
Wong relataram que a droga provocava "hiperatividade estereotipada" em ratos e
"eliminava o sono ]iEM" em ratos e gatos.43

/t
Em 1 991, num artigo publicado nolozzr7za/ af C;/ ?zic;a/ c;éíafp, BarryJacobs,
neurocientista de Princeton, frisou exatamente issoa respeito dos ISRS,escrevendo
que essasdrogas

alteram o nível de transmissão sinóptica além da faixa fisiológica alcançada


em condiçõesambientais/biológicas
[normais]. Por isso, seria mais apropriado
considerar patológica qualquer modificaçãocomportamentalou fisiológica
produzida nessascondições,e não um reflexo do papel biológico normal da 5.HT
jserotonina] .«

Durante as décadasde ]970 e 1980, os pesquisadoresque estudavamos


efeitos dos neurolépticos levantaram uma história semelhante. O Thorazine e

94
A Caçada aos Desequilíbrios Çjluímicos

outros antipsicóticos-padrão bloqueiam de 70% a 90% de todos os receptores D,


do cérebro. Em resposta, os neurónios pré-sinópticos começam a bombear mais
dopamina e os neurónios pós-sinápticos aumentam a densidade de seus receptores
D., num total de 30%ou mais.Dessemodo, o cérebrotenta "compensar"os
efeitos da droga, para poder manter a transmissãode mensagensem suasvias
dopaminérgicas. Contudo, passadascerca de três semanas, o mecanismo de
realimentação da via começa a falhar e os neurónios pré-sinápticos começam a
disparar em padrões irregulares, ou se imobilizam. E essa "inativação" das vias
dopaminérgicas que "talvez constitua a base da ação antipsicótica", explicou o
Zexlóaokof/)xgcÃnpáamaco/agp
[Manua] de psicofarmaco]ogia] da SociedadeNorte-
Americana de Psiquiatria."

Mais uma vez, temos aí uma história de vias neurotransmissorasque são


transformadas pela medicação. Passadasalgumas semanas, seus circuitos de
realimentação ficam parcialmente inativos, os neurónios pré-sinápticos liberam
menos dopamina do que o normal, a droga impede os efeitos da dopamina,
bloqueando os receptores D:, e os neurónios pós-sinópticos têm uma densidade
anormalmente alta dessesreceptores.As drogas não normalizam a química do
cérebro, mas a transtornam, e, a seguirmos o raciocínio deJacob, fazem isso num
grau que poderia ser considerado "patológico"

Um Paradigma para Compreender


as Drogas Psicotrópicas
Atualmente, como reitor da UniversidadeHarvard, SteveHyman dedica-se
sobretudo às muitas tarefas políticas e administrativas que vêm com a direção
de uma grande instituição.Por íbrmação,entretanto, ele é neurocientista,e,
no período de 1996a 2001,quandofoi diretor do NIMH, escreveuum artigo a
um tempo memorável e provocador,que resumia tudo o que se havia aprendido
sobre as drogas psiquiátricas. No artigo, intitulado "Iniciação e adaptação: um
paradigma para compreender a ação das drogas psicotrópicas" e publicado no
,'lmerícazzlourzza/
of/)WcÀÍafW,
Hyman falou de como se podia afirmar que todos os
medicamentos psicotrópicos atuavam no cérebro de um modo comum."

Os antipsicóticos, os antidepressivos e outras drogas psicotrópicas, escreveu


Hyman, "criam perturbações nas funções neurotransmissoras". Em resposta, o
cérebro passa por uma série de adaptaçõescompensatórias. Se uma droga bloqueia
um neurotransmissor (comofazem os antipsicóticos), os neuróniospré-sinópticos

95
ANAL'Oh4HDE UMAEPIDEMH

passama funcionar mais e ]iberam maior quantidade dele, e os neurónios pós-


sinápticos aumentam a densidade de seus receptores desse mensageiro químico.
Inversamente, se uma droga aumenta os níveis sinópticos de um neurotransmissor
(como fazem os antidepressivos), ela provoca a resposta inversa: os neurónios
pré-sinápticos reduzem sua velocidade de disparo e os neurónios pós-sinópticos
reduzem a densidade dos receptores desse neurotransmissor. Em ambos os casos.
o cérebro tenta anular os efeitos da droga. "Essasadaptações",explicou llyman,
enraizam-se em mecanismos homeostáticos que existem, ao que se supõe, para
permitir que as células mantenham seu equilíbrio diante de alterações do meio
ambiente ou de mudanças no meio interno."

Entretanto, após transcorrido certo tempo, essesmecanismos compensatórios


falham. A partir daí, a "administração crónica" da droga causa "alterações
substanciais e duradouras no funcionamento neurológico", escreveu Hyman.
Como parte desseprocessode adaptaçãoa longo prazo, ocorrem mudanças
nas vias intracelulares de sinalizaçãoe na expressãogenética. Após algumas
semanas,concluiu Hyman, o cérebro da pessoaftlnciona de um modo "qualitativa
e quantitativamente diferente do estadonormal".

O artigo de Hyman foi concisoe resumiu o que se havia aprendidoapós


décadas de impressionante trabalho científico. Ç2uarenta anos antes, quando
foram descobertoso Thorazine e as outras drogas psiquiátricas da primeira
geração,os cientistas pouco compreendiam como os neurónios se comunicavam
entre si. Agora dispunham de uma compreensãoadmiravelmente detalhada dos
sistemas neurotransmissores do cérebro e de como as drogas agiam sobre eles.
E o que a ciência revelou foi isto: antes do tratamento, os pacientes diagnosticados
com esquizofrenia, depressãoe outros transtornos psiquiátricos não sofrem de
nenhum "desequilíbrio químico" conhecido.Entretanto, depois que a pessoa
começaa tomar a medicaçãopsiquiátrica, a qual, de um modo ou de outro, causa
um estrago na mecânica costumeira de uma via neuronaJ, seu cérebro começa a
funcionar como observou liyman, a/forma/me/z/e.

De Volta ao Começo
Ainda que o artigo do dr. Hlymanpossaparecer espantoso,ele servede coda
para uma narrativa científicaque, na verdade,é coerentedo começoao fim.
A conclusão dele foi algo que se deva ver não como inesperado, mas como previsível
no capítulo inicial da psicof'armacologia.

96
A Caçadaaos Desequilíbrios Químicos

Como vimos, o Thorazine, o Miltown e o Marsilid foram todos derivados de


compostosque tinham sido desenvolvidos para outras finalidades-- para uso
na cirurgia ou como possíveis "pílulas mágicas" contra doenças infecciosas.
Em seguida, verificou-se que esses compostos causavam alterações nos estados
de humor, no comportamento e no pensamento,c essasalterações foram vistas
como úteis para pacientes psiquiátricos. Em síntese, notou-se que as drogas
tinham #eífoico/aferaÍibenéficos. Elas perturbavam o funcionamento normal, e
essacompreensãose refletiu nos nomesiniciais que receberam. A clorpromazina
era um "tranquilizante potente", e tida como produtora de uma mudançade
identidade que se assemelhavaà de uma lobotomia frontal. O meprobamato era
um "tranquilizanteleve" e, em estudoscom animais,ficara demonstradoque
01470161770eraum relaxante muscular potente, que bloqueava a resposta
emocionalnormal aosestressoresdo ambiente. A iproniazida era um "estimulante
psíquico" e, se foi verdadeira a história dos pacientes tuberculosos dançando nas
enfermarias, tratava-se de uma droga capaz de provocar algo semelhante à mania.
Posteriormente, porém, a psiquiatria reconcebeu essas drogas como "pílulas
mágicas" para os transtornos mentais, ao levantar a hipótese de que as drogas
eram antídotos para desequilíbrios químicos do cérebro. Contudo, essateoria, que
brotou tanto de uma racionalização fantasiosa quanto da ciência, foi investigada
e não se confirmou. Em vez disso, como escreveu Hyman, constatou-seque os
psicotrópicos eram drogas que perturbavam o funcionamento normal das vias
neuronaisdo cérebro.A percepçãoinicial que a psiquiatria tivera de suasnovas
drogas revelou-se a que era cientificamente exala.
Tendo agora em mente essacompreensão dos medicamentos psiquiátricos, é
possível formularmos a indagação científica que está no cerne deste livro: essas
drogas ajudam ou prejudicam os pacientes, a longo prazo? O que mostram os
resultados de cinquenta anos de pesquisas?

97
PARTEIII

RESUI;].ANOS
6
Revelação de um Paradoxo
"Se quiseTmoslundamentara bsiquiatTiü na medicina baseada
em evidências, covTeremoso uevdadeiro risco de examinar mais
le perto o quehâ muito secomidera uma realidade."
-- Emmanuel Stop, psiquiatra europeu, 2002'

O subsoloda Biblioteca Countway,na Faculdadede Medicina de Harvard, é


um dos meus lugares favoritos em Boston. Ao sair do elevador, entra-se num salão
imenso e meio lúgubre, tomado pelo cheiro bolorento de livros velhos. E comum
eu parar poucos passos depois de cruzar a porta e absorver aquela visão grandiosa:
fileiras e mais fileiras de exemplares encadernados de publicações médicas que vão
desde o começo da década de 1800 até o ano de 1986. O lugar está quase sempre
vazio, mas ali existem ricas histórias por descobrir e, em pouco tempo, à medida
que começa a juntar os pedaços de determinada narrativa da medicina, você vai
saltando de uma publicação para a outra, e a pilha de livros na sua mesa cresce cada
vez n ais. Existe a emoção da caçada,e essaparte da biblioteca também parece
nunca decepcionar. Todas as publicações são organizadas em ordem alfabética e,
sempre que você encontra num artigo uma citação que Ihe interessa, tudo que
tem de fazer é dar alguns passospara encontrar inevitavelmente a publicaçãode
que necessita.Pelo menos até recentemente, a Biblioteca Countway parecia ter
comprado praticamente todas as publicações médicasjá lançadas-

E aí que podemosiniciar nossa busca,para descobrir de que modo as drogas


psiquiátricas afetam os resultados a longo prazo O método de pesquisa que
precisaremosseguir é direto. Primeiro, teremos de fazer o melhor possívelpara
desvendaro espectronatural dos resultadosde cada transtorno específico.Na
falta de medicamentos antipsicóticos, como tenderiam a se sair ao longo do tempo
as pessoas diagnosticadas com esquizofrenia? Ç)ue probabilidade teriam -- se é que
haveria alguma -- de se recuperar? Como se sairiam na sociedade?Essasmesmas
perguntas podem ser feitas a respeito da ansiedade, da depressão e do transtorno
bipolar, Ç2uaisseriam os resultados, na ausênciade ansiolíticos, antidepressivos
e estabilizadoresdo humor? Depois de termos uma ideia da linha basal de um
distúrbio, podemoslevantar a literatura acercade resultados relacionadosa essa

10]
ANXFOMH DE UMA EPIDEMH

doença e esperar que ela conte uma história consistente e coerente. Será que os
tratamentos medicamentososalteram para melhor o curso a /pago,pra,zode uma
doença mental -- na população geral dos pacientes --, ou será que o alteram para
pior

Uma vez que a clorpromazina (Thorazine) foi a droga que lançou a revolução
psicofarmacológica,parece apropriado investigarmos primeiro os resultados da
esquizofrenia.

A História Natural da Esquizofrenia


Atualmente, é habitual pensar-se na esquizofrenia como uma doença crónica
da vida inteira, e essefoi o entendimento que se originou no trabalho do psiquiatra
alemão Emir Kraepelin. No íim dos anos 1800,ele levantou sistematicamente
os resultados dos pacientes de um manicómio na Estânia, e observouque havia
um grupo identificável em que era possível contar com uma deterioração para
a demência. Tratava-se de pacientes que, ao entrarem no manicómio, exibiam
uma falta de emoção.Muitos eram catatânicos,ou estavamirremediavelmente
perdidos em seu próprio mundo, e era frequente apresentarem sérios problemas
físicos. Tinham um andar estranho, sofriam de tiques faciais e de espasmos
musculares,e não conseguiamcompletar atesfísicos voluntários. Em seu manual
de 1899, intitulado ZeáróacÁder .f'TWcáÍa/de,Kraepelin escreveu que esses pacientes
sofriam de dome/afia.praerox
e, em 1908,o psiquiatra suíçoEugen Bleuler cunhou o
vocábulo "esquizofrenia" como um termo diagnóstico substituto para os pacientes
nesse estado de deterioração.

Entretanto, como argumentou de maneira convincentea historiadora britânica


Mary Boyle, num artigo de 1990intitulado '!A esquizofrenia é o que era? Uma
reanáliseda populaçãode Kraepelin e de Bleuler«, muitos dos pacientesde
Kraepelin com demência precoce sofriam, sem dúvida, de uma doença viral, a
e/zcePãa/Ífií
/efáargíca[encefalite letárgica], que, no fim da década de 1800, ainda
estava por ser identificada. Essa doença fazia as pessoas se tornarem delirantes.
ou entrarem num estupor, ou começarem a andar aos arrancos, e, quando
o neurologista austríaco Constantin von Economo a descreveu, em 1917. os
pacientes de encefalite letárgicajá não faziam parte do grupo da "esquizofrenia";
outrossim, depois que isso aconteceu, o grupo restante de pacientes mostrou-se
bem diferente do grupo de demência precoce de Kraepelin. "Os inacessíveis,os
catatânicosem estupor os intelectualmente deteriorados", essestipos de paciente

102
Revelação de um Paradoxo

de esquizofrenia, observou Boyle, haviam praticamente desaparecido. Como


resultado, as descrições da esquizoh'enia dos manuais de psiquiatria das décadas
de 1920 e 1930 se alteraram. Todosos antigos sintomas físicos -- a pele oleosa,o
andar estranho, os espasmosmusculares,os tiques faciais desapareceramdos
manuais de diagnóstico. O que restou foram os sintomas mentais -- as alucinações,
os delírios e as ideias bizarras. "Os referenciais da esquizofrenia", escreveu Boyle,
"modificaram-se aos poucos,até que o diagnóstico passoua ser aplicado a uma
população que tinha apenas uma semelhança ligeira, e possivelmente superficial,
com a de Kraepelin."z

Agora, portanto, temos que perguntar: qual é o espectro natural dos resultados
desse
grupo de pacientes psicóticas?Aqui, infelizmente, esbarramos num segundo
prob[ema. De ] 900 até o fim da SegundaGuerra Mundia], as atitudes eugênicas
em relação aos doentesmentais eram muito popularesnos EstadosUnidos, e
essafilosofia social afetou drasticamente os resultados. Os eugenistas afirmavam
que os doentes mentais precisavam ser isolados em hospitais, a fim de serem
impedidos de ter filhos e de espalhar seus "genes ruins". O objetivo era mantê-los
confinadosem manicómios,e em 1923um editorial doloama/ of.IZexediO
concluiu,
com ar de satisfação, que "a segregação dos loucos está praticamente concluída".s
Em consequência disso, muitas pessoasdiagnosticadas como esquizofrênicas, na
primeira metadedo séculoXX, foram internadase nunca mais tiveram alta, e
essapolítica sacia! foi então erroneamente percebida como um dado sobre os
resultados. O fato de os esquizofrênicos nunca deixarem os hospitais foi visto
como prova de que a doença era crónica e irremediável.

Depois da SegundaGuerra Mundial, porém, a eugenia caiu em descrédito.


Ela era a própria "ciência" que Hitler c a Alemanha nazista haviam abraçado
e, depoisda descriçãode Albert Deutschsobre as condiçõesaterradorasdos
hospitais psiquiátricos norte-americanos, na qual ele os assemelhoua campos
de concentração, muitos estados começaram a falar em tratar os doentes
mentais no seio da sociedade.A política social se modificou e os índices de alta
hospitalar dispararam. Como resultado, há um breve intervalo, entre 1946 e
1954,no qual podemosverificar como se saíam os pacientes recém-diagnosticados
como esquizofrênicose, dessemodo, ter uma ideia dos "resultados naturais" da
esquizofrenia antes da chegada do Thorazine.:

l
Durante esseperíodo, a esquizofrenia era um diagnóstico largamente aplicada aos indivíduos
hospitalizados.Hoje, muitos dessespacientes seriam diagnosticadoscomo portadores de
transtorno bipolar ou de transtorno esquizoafetivo. Não obstante, esseera o diagnóstico das
pessoas mais "gravemente perturbadas" na sociedade norte-americana daquela época.

103
ANATOMH DE UMA EPIDEMH

Eis osdados.Num estudoconduzidopelo Instituto Nacionalde SaúdeMental


(NIMH), 62% dos pacientes internados após um primeiro episódio psicótico no
Hospital Estadual Warren, na Pensilvânia, no período de 1946 a 1950,receberam
alta em até 12 meses.Ao fim de três anos, 73%estavamfora do hospital.' Um
estudo de 216 pacientes esquizofrênicos internados no Hlospital Estadual de
Delaware, no período de 1948a 1950,produziu resultados semelhantes. Deles,
85% receberam alta em cinco anos e, em I' dejaneiro de 1956 seis anos ou mais
depois da internação inicial --, 70%viviam com sucessono seio das comunidades.'
Enquantoisso, o Hospital Hillside, no Queens,na cidadede Nova York, fez
um ]evantamentode 87 pacientesesquizon'ênicosque tiveram alta em 1950,e
determinou que pouco mais da metade deles nunca teve recaídas nos quatro anos
seguintes.' Durante esse período, as análises de resultados na Inglaterra, onde
a esquizofrenia era definida com mais rigor, pintaram um quadro similarmente
animador: 33%dos pacientesgozaram de "recuperaçãocompleta" e outros 20%,
de "recuperação social", o que significava que podiam se sustentar e levar uma
vidaindependente.'

Essesestudos fornecem uma visão bastante surpreendente dos resultados da


esquizoítenia durante aquele período. Segundoo entendimento convencional, foi o
Thorazine que permitiu que as pessoasesquizofrênicas vivessem em comunidade.
Mas o que constatamosé que a maioria das que foram internadas após um
primeiro episódio esquizofrênico, durante o íim da década de 1940 e o início da
dc 1950,recuperou-sea ponto de poder, dentro dos primeiros 12 meses,retornar
à sociedade.Ao cabo de três anos, isso se aplicava a 75%dos pacientes. Apenas
uma pequena percentagem -- cerca de 20% precisou manter-se continuamente
hospitalizada. Além disso, os quc retomaram ao seio da sociedade não foram morar
em abrigos e residências coletivas, uma vez que esse tipo de instituição ainda não
existia. Não recebiam pensõesdo governo federal por invalidez, e os programas
SSI (Renda Complementar da Previdência) e SSDI (Seguro da Previdência Social
por Invalidez) ainda estavam por ser criados. Na maioria dos casos, as pessoas
que recebiam alta dos hospitais estavamvoltando para suasfamílias e, a julgar
pelos dados de recuperação social, muitas estavam trabalhando. No cômputo
geral, havia razão para que as pessoasdiagnosticadas com esquizofrenia, naquele
período do pós-guerra, fossem otimistas quanto a sua possibilidade de melhora e
de um funcionamento bastante bom na comunidade.

Também é importante assinalar que a chegadado Thorazine não melhorou


os índices de alta na década de 1950 entre as pessoas recém-diagnosticadas

1o4
Revelação de um Paradoxo

com esquizofrenia, nem tampouco sua chegadadesencadeoua alta de pacientes


crónicos.Em 1961,o ])apartamentode Higiene Mental da Califórnia fez um
relatório sobre os índicesde alta de todosos 1.413pacienteshospitalizadoscom
um primeiro episódio de esquizofrenia em 1956, e constatou que 88% dos que
não foram tratados com neurolépticos receberam alta no espaçode 18 meses.
Os tratados com neurolépticos -- cerca de metade dos 1.413pacientes -- tiveram
um índice ma i baixa de altas; apenas 74% receberam alta em 18 meses. Esse é
o único estudoem larga escala,na décadade 1950,a compararos índicesde
alta dos pacientes de primeiro episódio tratados com e sem medicamentos,e os
investigadores concluíram que "os pacientes tratados com medicamentos tendem
a ter períodosde hospitalizaçãomais longos. (...) Os pacientesnão tratados
exibem, sistematicamente, uma taxa de internação um pouco mais baixa".'

A alta dos pacientes esquizofrénicos cró?zicoi dos hospitais psiquiátricos


estaduais-- e portanto, o início da desinstitucionalização-- teve início em 1965,
com a entrada em vigor da legislação sobre o Medicara e o Medicaid. Em 1955
havia 267.000 pacientes esquizofrénicos nos hospitais psiquiátricos estaduais
e municipais e, oito anos depois, essenúmero mal se havia alterado. Ainda
havia 253.000 esquizofrênicos residindo nos hospitais.9Mas houve então uma
mudança na economia do atendimento aos doentes mentais. A legislação de
1965sobre o Medicara e o Medicaid previa subsídiosfederais para o tratamento
em sanatóriosou clínicasdc rcpouõo>mas não subsídiospara atendimentoem
hospitais psiquiátricos estaduais, e assim, na tentativa de economizar dinheiro,
naturalmente, os estados começaram a despachar seus pacientes crónicos para
sanatórios. Foi nessa ocasião que o recenseamentodos hospitais psiquiátricos
estaduaiscomeçou a apresentar uma queda notável, e não em 1955,quando da
introdução do Thorazinc. Infelizmente, nossa crença societária de que foi esse
medicamento que esvaziouos manicómios, uma crença tão central para a narrativa
da "revolução da psicofarmacologia", é desmentida pelos dados censitários
hospitalares.

Olhando por uma Lente Escura


Em 1955, as empresas farmacêuticas não eram solicitadas a comprovar
à Administração Federa[dc A[imentos c Medicamentos[FDA] que seusnovos
medicamentos eram eficazes (essa exigência foi acrescentadaem 1962) e, por
isso, coube ao Instituto Nacional de Saúde Mental avaliar os méritos do Thorazine
e das outras novas "drogas miraculosas"que estavam entrando no mercado.

105
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA

Justiça seja feita, o NIMH organizou uma conferência, em setembro de 1956, para
"examinar cuidadosamente toda a questão dos psicotrópicos", e as conversas dessa
conferência acabaram por se concentrar numa questão muito específica: de que
modo poderia a psiquiatria adaptar para seu uso uma ferramenta científica que
recentemente provara seu valor na medicina das doenças infecciosas -- os testes
clínicos aleatórios, duplos-cegos e controlados por placebos?''

Como observaram muitos oradores, essa ferramenta não se prestava


especialmente bem para avaliar os resultados de uma droga psiquiátrica.
Como poderia ser "duplo-cego" o estudo de um neuroléptico? O psiquiatra logo
perceberia quem estava e quem não estava usandoo medicamento, e qualquer
paciente a quem fosse administrado o Thorazine também saberia estar usando
um medicamento. Além disso, haveria o problema do diagnóstico: como poderia o
pesquisador saber se os pacientes aleatórios incluídos num teste eram realmente
portadores de "esquizofrenia"? Os limites diagnósticos dos transtornos mentais
estavam sempre se modificando. Igualmente problemático era saber o que definia
um "bom resultado". Os psiquiatras e o pessoal hospitalar talvez quisessemver
mudanças comportamentais medicamentosasque tornassem o paciente "mais
socialmenteaceitável", mas que talvez não se dessem"em benefício último
do paciente", disse um orador .da conferência.'' E como seria possível medir os
resultados?Num estudo de uma droga criada para uma doençaconhecida,os
índices de mortalidade ou os resultados laboratoriais podiam servir de medidas
objetivaspara saberse um tratamento funcionava.Por exemplo,para testar a
eficáciade um remédio contra a tuberculose,uma radiografia do pulmão poderia
mostrar seo bacilo causador da doença havia desaparecido. Ç2ualseria a meta final
mensurável no teste de um medicamento contra a esquizofrenia?O problema,
como disse na conferência Edward Evarts, um médico do NIMH, era que "os
objetivos da terapia, na esquizofrenia, exceto o de fazer o paciente 'melhorar', não
foram claramente definidos".i2

Todas essasquestões infernizavam a psiquiatria, mas, apesar disso, como


resultado dessa conferência, o NIMH planejou montar um teste sobre os
neurolépticos. A pressão da história era simplesmente grande demais. Os testes
eram o método científico usado naquele momento, na medicina clínica, para
avaliar os méritos de uma terapia, e o Congressonorte-americanohavia criado o
NIMH com a intenção de quc ele transformasse a psiquiatria em uma disciplina
científica mais moderna.A adição dessaferramenta pela psiquiatria provaria que
ela estava caminhando para esseobjetivo. O NIMH criou um Centro de Serviços

106
Revelação de um Paradoxo

de Psicofarmacologiapara dirigir esseesforço,eJonathan Cole, um psiquiatra do


Conselho Nacional de Pesquisa, foi nomeado seu diretor.

Nos dois anos seguintes,Clolee o resto da psiquiatria chegarama um


modelo de teste para avaliar as drogas psicotrópicas.Os psiquiatras e o pessoal
de enfermagem usariam "escalas de avaliação" para medir numericamente
os sintomas característicos da doença a ser estudada. Será que um dado
remédio contra a esquizofrenia reduzia a "ansiedade" do paciente? Reduzia
sua "megalomania"? Sua "hostilidade"? Sua "desconfiança"? Seu "conteúdo
inusitado do pensamento"? Sua "falta de cooperação"?A gravidade de todos esses
sintomas seria medida numa escala numérica, tabelando-se então um encore dos
"sintomas", e um medicamento seria considerado eficaz se reduzisse o escora total
significativamente mais do que um placebo, num período de seis semanas.

Pelo menos em tese, a psiquiatria passou então a dispor de um modo de realizar


testes de drogas psiquiátricas que produziam resultados "objetivos". Mas a adição
dessaavaliação a fez enveredar por um caminho muito específico:a psiquiatria,
a partir daí, veria a reduçãode sintomasa curto prazo comoprovada eficácia
de um medicamento.Assim como o clínico geral prescreviaum antibiótico para
uma infecção bacteriana, o psiquiatra passaria a prescrever um comprimido que
derrubasse um "sintoma-alvo" de uma "doença distinta". O "teste clínico" de seis
semanasprovaria que essaera a coisa certa a fazer.Entretanto, esseinstrumento
não trazia nenhum discernimento sobre como se saíam os pacientes a longo prazo.
Ficavam aptos a traba]har? Sentiam prazer na vida? Tinham amigos? (]ontraíam
matrimonio? Nenhuma dessasperguntas seria respondida.

Foi nesse momento que a medicina das pílulas mágicas moldou o futuro da
psiquiatria. O uso do teste clínico levaria os psiquiatras a verem suas terapias
por um prisma muito particular, e, já na conferência de 1956,Joseph Zubin,
pesquisador do Instituto Estadual de Psiquiatria de Nova brk, alertou para o fato
de que, quando se tratava de avaliar uma terapia para um transtorno psiquiátrico,
um estudode seissemanasinduziaa uma espéciede miopia científica."Seria
temerário reivindicar uma vantagem definitiva para determinada terapia sem um
acompanhamento de dois a cinco anos", disse ele. "Um acompanhamento de dois
anos seria o mínimo para avaliar os efeitos a longo prazo.""

107
ANATOMH DE UMA EPIDEMIA

A DefesadosNeurolépticos
O Centro de Serviçosde Psicofarmacologia
lançou seu teste sobre os
neurolépticos em nove hospitais, em 1961,e foi esseestudo que marcou o início do
registro científico que hoje serve de "base de comprovação" dessasdrogas. No ensaio
feito em seis semanas,270 pacientesforam medicadoscom Thorazine ou outros
neurolépticos (que também eram conhecidos como "fenotiazinas") , enquanto outros
74 receberamum placebo. Os neurolépticos ajudaram, de fato, a reduzir alguns
sintomas-alvo ideias irrealistas, ansiedade, desconfiança, alucinações auditivas
etc. -- melhor do que o placebo, e, portanto, de acordo com o escore cumulativo das
escalas de avaliação, eram eficazes. Além disso, os psiquiatras do estudo julgaram
que 75% dos pacientes medicados haviam "melhorado bastante" ou "melhorado
muito", em contraste com 23% dos pacientes que receberam o placebo.

Depois disso, centenas de testes menores produziram resultados semelhantes,


e assim,a comprovaçãode que essasdrogas reduziam os sintomas a curto prazo,
melhor do que fazia um placebo, tornou-sê bastante robusta.u Em 1977, Ross
Baldessarini, da Faculdade de Medicina de Harvard, reexaminou 149dessestestes
e constatou que a medicaçãoantipsicótica se revelavasuperior a um placebo em
83%deles.'' A EscalaBreve de Avaliação Psiquiátrica (BPRS):nfoi regularmente
utilizada nesses ensaios, e a Sociedade Norte-Americana de Psiquiatria acabou
decidindoque uma reduçãode 20% na pontuaçãototal da BPRS representava
uma resposta clinicamente significativa a um medicamento.'sCom base nessas
medidas, estimou-se que 70% de todos os pacientes esquizohênicos que sofriam
de um episódio agudo de psicose "respondiam", num período de seis semanas, a
uma medicação antipsicótica.

Depois que os investigadores do NIMH determinaram que os antipsicóticos


eram eÊcazesa curto prazo, naturalmente eles quiseram saberpor quanto tempo
os pacientes esquizofrênicosdeveriam usar essamedicação.Para investigar essa
Em 2007, a CochraneCollaboration,um grupo internacional de cientistas que não recebem
financiamento das empresasfarmacêuticas, levantou questõessobre essehistórico de eficácia a
curto prazo Eles conduziram uma meta-análise de todos osestudos de clorpromazina uenzziplacebo
na literatura científica e, depois de identificar cinquenta de qualidade razoável,concluíram que
a vantagem da droga em relação ao placebo era menor do que se costumava supor.Calcularam
que era preciso tratar sete pacientes com clorpromazina para produzir o benefício !íquido de
uma única "melhora global", e que "até esseresultado podeser uma superestimaçãodosefeitos
positivos e 'uma subestimaçãodos efeitos negativos da administração de clorpromazina". Os
investigadoresda Cochrane, meio estarrecidos com seusresultados, escreveramque "as provas
confiáveis sobre a eficácia [da c]orpromazina] a curto prazo são surpreendentemente fracas"
A sigla da denominaçãooriginal da escala,Brief PsychiatricRating Scale,foi mantida nesta
tradução. (N.T)

108
Revelação dc um Par:\doxo

questão,conduziram estudosque tinham, em sua maioria, o seguinte modelo: os


pacientes que respondiam bem à medicação continuavam medicados com a droga,
[)u esta cra abruptamente retirada. Em 1995,Patrícia Gilbert, da Univcrsid;tde
da Califórilia eill San Diego, exatilinou 66 estudos sobre rccitídtts, envolvendo
4.365 pacientes, e constatou blue53% dos pacientes dos quítis a droga fora retirada
tiver;tm liiii:\ recaída num pr:\zodc dcz meses,em contraste com 16%daquelescm
que a medicação foi mantida. "A ehcácia desses nledicamcntos iia redllção do risco
dc recaída psicóticit foi bem documentada", concluiu ela.tõ,v

São esses os dados científicos que sustentam o uso dc medicamentos


antipsicóticosna esquizofrenia,tanto no ambientehospitalarquanto a longo
prazo. Como escrevell John Geddcs, um enlincnte pesquisador britânico,
nuns artigo de 2002 publicado no .Nêw .E?z.g/a/zdlozl?/ia/ og .A4edÍcí/?e,"as drogas
alltipsicóticassão eficazesno tratamento de sintomas psicóticasagudos c na
prc:venção das recaídtts".'7 Apesar disso, cuido obscrvaiam muitos investigadores,
há uma lacuna nessabase dc dttdos comprobatórios, que é cxatamente a que Zubin
tinha\ previsto quc surgiria. "Pouco se pode dizer sobre a c6lcáciae ít eficiência dos
itiitipsicóticos convencionaisnos efeitos não clhlicos", confessaramLisa Dixotl c
outros psiquiatras da Faculdade de Medicina da Universidade dc Nlaryland, em
1995."Praticamente incxistem estudos de longo prazo bem conduzidos, dc Díodo
qtic o impacto longitlidinal do tratamento com antil)sicóticos convencionaisnão
ê clitro.'''''

Ess:\dúvida\instigou um editorial cxtntordinário publicadoem 2002 ila revista


Eu oPeíz/l
/)WcAÍaf?,assinado por Einmaiiuel Stop, um professor dc psiquiatria
da Univeisidadc dc:Montrcal. "Após cinquciita alias de ncurolépticos,será quc
estamostLptosil respondera esta pergunta simples: os ncurolépticos são eficazes
no tratamciito d:t esquizofrenia?"Não havia, no dizer dele, "ncnhutita prova
coiivinccilte sobreo assunto,quitado sc considertto 'longo prazo"'.'

l\' 1-=1á
liina fallla t:videnteila meta-ailáliscdc Gill)trrt.Ela irãodc'tciillinoti sca vc:locidadc
da retira(la
das drogas alctou o ín(vicede i'ccaídas. Depois da pu])]icação de scu esttt(]o, A(lcle Viguera, da
Faculdadede Medicina de l larvar(l, rc:titalisou os iilcsiilos (i6)c'stu(losc (lcteiiiiinoti (luq (luaitdo
s cli'ocas cl'aili i'ctii'a(líts aos l)éticos, o iil(licc (le t'c(.at(lít cllegava a apeitíts uin tet'ço (lo coilstíitaclo
nos cstti(los sobre rctira(l;t abitll)ta. O inodc]o de i'ctiril(]a abril)ta (la nlaioriii dos estudos sobre
recíií(la atiillcntava diítsticamcilte o risco dc (luc os pítcientes cs(luizofi'eólicostoiilasscnl a adoccei:
C;omefeito, o índice(lc rccaídítdos pítciciltcs entre os(leais a (drogafoi giaclualmc:ircrctii'a(la
lsscincllioti-se ao observado entre os pacientes (lttc tiveram a medicação menti(la

l oç)
ANATONIIA DE UN;L\ EPII)ICh,IIA

Surge um Enigma
Embora os comentários de Dixon c Stip sugiram que não há dados de longo
prazoa reexaminarna verdadeé possívelconstruira históriade comoos
antipsicóticosalteraram o cursoda esquizofrenia,e essahistória tem início, muito
apropriadamente, com o estudo de acompanhamento feito pelo NIMH com os 344
pacientes de scu teste inicial em nove hospitais. Em alguns aspectos, os pacientes
- independentemente do tratamento que haviam recebido no hospital não
estavam muito mal. Ao cabo de um ano, 254 viviam na comunidade, e 58% dos que
seria espeiávelque estivessemtrabalhando, de acordo com sua faixa etária e seu
sexo, de fato estavam empregados. Dois terços das "donas dc casa" funcionavam
l)em nessepapel doméstico.Embora os pesquisaclorcsnão tenham informado
sobre o uso de medicamentos pelos pacientes no acompanhamento feito após
un] ano, eles 6lcaiam chocados ao descobrir que "os pacientes (lue recel)eram o
tratamento com o placebo [no teste de seis scmanas] tinham //?e/zai
probabilidade
cle voltar a ser hospitalizados do que aqueles que receberam qualquer das três
fenotiazinas ativas".20

Temos aí, exatamente nessemomento inicial da literatura científica, a sugestão


de um paradoxo: emboi'a as drogas fossem eGtcazcsa curto prazo, talvez tornassem
as pessoasmais vulnci'áveis à psicosea longo prazo, donde os índices mais altos
de reinternação de pacientes medica(los ao final de um ano. Os investigadores do
NIMH logo retol'fiaram com outro insultado surpreendente.Em dois testesde
retirada dos medicamentos, ambos os quais incluíram pacientes que não estavam
sendo medicados com ncilhuina droga no começo do estudo, os índices de recaída
rrl///ze/zfa/a//z
correlativamcnte à dose dos remédios. Apenas 7% dos que haviam
recebido um placebo no início do estudo sofreram recaídzts,comparadosa 65%
tios que tomavam mais de 500 miligramas de clorpromazina antes da suspensão
clo medicamento. "Constatou-se que a recaída tinha uma relação significativa
com a dose da medicaçãotranquilizante t'ccebida pelo paciente antes de Ihe ser
administrado um placebo -- quanto mais alta a dose, maior a probabilidade de
recaída", escreveram os pesquisadores.2i

Havia algo errado, e as observaçõesclínicas aprofundaram a suspeita. Os


pacientes esquizofrênicos que haviam recebido alta usando medicamentos
estavam retornando aos prontos-socorros em tamanha\ quantidade que o pessoal
hospitalar deu a isso o nome de "síndrome da porta giratória". Mesmo quando se
podia confiar em que os pacientes tomavam regulaiinente a medicação, as recaídas

110
Rcvclação dc una I'aradoxo

eram comlms, e os pcsquisíldorcs obscrvaram que "a recaída tem maior gravidade
durítnte a administntçãodc drogas do quc quando não é fornecida nenhuma
mcdicitção".a2Ao incsmo tenipq quando os pacientes sofriam recaídas depois dc
abandonar os mcdicamciitos, Cole notou que seus sintomas psicóticos tendiam a
"pcisistir e sc intensihcttr" e, pelo llienos por algum tempo, eles sofriam tambéti] de
llilla ]llultiplicidade dc novos sintonias: náusea, vâmiLos, diarreia, agitação, insónia,
dores dc cítbcça e tiques illotorcs cstrtuihos.23A exposição inicial a um nctiroléptico
parecia preparar os pacientes para unl futuro de cl)isódios psicóticos graves, c isso
ocorria indepcndeiitemcnte dc eles continuarem ou não com os rcméclios.

Essesrt'sttltados precários instigar:tm dois psiquiatras do Hospital de Psicopati:\s


de Boston,J. Satlbourne Bockovcit e Harry Solomon, a recxatitinarcm o passttdo.
Fazia décadasqtic trabalhavaill nessehospital e, no período posterior ao término
da SegundaGuerra hlundial, ao tratarem paciei]tespsicóticasconauma forilaa
l)rogrcssista de atendimc'fito psicológico,eles tinham visto a tnaioria apresentar
uma melhora sistemática. Isso os levou a crer quc "a ntaioria das doenças incntais,
cspccialmcllte as mais graves, é dc natureza picdonlinantemcnte autolimitante, se
n paciente não for submetido a experiências humilhantes ncm à perda dc direitos
e libcrdadcs". Os antipsicóticos, poilderantnl eles, dcvt:riam acelerar esse processo
natiiral dc clara.Mas estavamas drogas melhorando os resultadosa longo pntzo?
Num estudo retrospectivo, eles constataram quc 45% dos piLcientes tratados cm
It)47 ní) scu hnsl)ital não tinham sofrido rt caídítsnos cinco anos scgliintes, c
que 76% levavam a vida com sucessoila comunidade, ao final desse período dc
?lconlpanhameiito. Em contraste, ztpenas3 1% dos pacientes tratados ilo hospital
com ncurolépticos cm 1967 pcrmaiieceratn livres dc reco\idaspor cinco anos e,
cume grupo, cranl muito mitos "depeiideiites do incite social" -- ncccssitíLvam da

previdência c clc outras formas dt: apoio. "Dc modo biLstanteint'spc';'do, esses
dados sugerem quc as drogas psicotrópicas talvez não sejtun indispensáveis",
cscrevcran] Bockovcii c Solomon. "Sctt uso coiitíntlo nos cuidados pós-internação
pode prolongar a dependêitcia social de nlllitos l)acientes que receberatlt ilha."z'
Com o crcscimciito do debate sobre os illéritos dos ncuiolépticos, o NIMIH
íiitanciou três estudos, durante a década dc 1970, para recxaminar sc os pacientes
csquizofrênicos
-- e, em particlilar, os que sofriam lim primeiro episódiodc
esquizofrenia podiaili scr tratados caiu sucessosem mcdicainc nãos.No primeiro
estudo, que foi conduzido por Williitm Carpcnter e Thotllas NlcGlashan ila
tii)idadedr' pesquisasclínicasdo NINll-l, em Bethcsda,no estadade Nlaryland,
os pacientes trlltaclos senoremédios i'ccebeiam ÍLlt;l //lrríscí'daque us tratados com

l ll
AN,\TOXINA DI; UX[A EPII)I=NIIA

medicamentos, e apenas 35% do grupo não medicado sofreram recaídas no período


de um ano depoisda alta, comparadosa 45% do grupo tnedicado.Os pacientes
scm medicação também sofreram menos com clcpressão,enlbotamento afetivo
e retardação dos movimentos. Com efeito, disseram a Carpenter c McGlashan
que havittm considerado "gratihcante e informativo" passar por seus episódios
psicóticos sem ter seus sentimentos entorpecidos pelas drogas. Os pacientes
medicados não tiveram essa mesma experiência de aprendizagem e, como
resultado, concluíram Carpenter e McGlashan, mostraram-se, a longo prazo,
"DIGnos capazes de lidar com as tensões posteriores da vida".z'

Um ano depois, Nlaurice Rappaport, na Universiditde da Califórnia cm San


Francisco, anunciou resultados quc contavam a illesma história, só qttc com
mais força ainda. Ele havia separado aleatoriamente oitenta indivíduos do sexo
masculino recém-diagnosticadoscomo esqtiizofrênicos, internados no Hospital
Estadual Agnews, em grupos de pacientes medicados e não mcdicítdos, e, embora os
sintomas se atenuasscm mais depressa nos que eram tratados com antipsicóticos,
os dois gnipos, em média, passaram apellas seis semanas no hospital. Rappaport
:acompanhouessespacientesdurante três anos, c fol'am os não tratados com
antipsicóticos no hospital, c que contiiiuaran] scni mcdiciLçãodepois dü alta, quc
obtiveram os melhores resultados, sem termos dc comparação.Apcnas dois dos
24 pacientesdessegrupo nunca exposto a antipsicóticostiveram uma rcctlída
no período dc três anos de acompanhamento. Enquanto isso, os pacientes que se
podia ctizer que se haviam saído pior foram os que usaram medicamentos dui'ante
todo o estudo. O padrão de atendimento que, de acordo com a orientação "baseada
nas evidências" da psiquiatria, deveria ter produzido os melhores resultados foi
justamente o que, ao contrário, produziu os piores.

Nossosdados sugerem que a medicação antipsicótica não é o tratamento


preferencial, pelo menos para algtms pacientes, quando estamos interessados
na melhora clínica a longo prazo") escrevculeal)paport. "Muitos pacientes não
medicadosdurante a internação hospitalar mostrar'anl maior melhor'a a longo
prazo, menos patologias dti unte o período de acompanhamento, menor número de
reintei'nações c melhor funcionamento geral na comunidade do quc os pacientes
que receberamclorpronlazina durante a internação hospitalar."ac

112
Revelação dc una Paradoxo

Estudo de Rappaport: rcsultaclos da esquizofrenia após três anos

Usodt: incdicação Nútllcrod(. Escí\lado gt'avidadc da(lot:nça Reintcrnação


(nc) hosl)it;tl/d''pois (la alta) I'ac'cntc's (l = ni{ Ihor rcsultaclo;
7 = pior rt:sulcado)

Placcbo/sc
111
medicação 24 1,7 }i%

*"di«çã.," ''"' 17 2,79 47%

I'laccbo/commt:dicação 17 3,54 5i3%

"''P"':'.i«;/"" 22 3,51 73?

Nesteestu(lo,os l)acieiltes foram agrtil)idos de acordocoill scu trzttamcilto cltirante[t internação


hospitalar (placcbo ou rt:mé(lio) t' clc at:ardocom o usoou não dc antipsicóticos dcl)ois dc t'cct'bcrt'm
Ita. Assim, 24 dos 41 pacientes tnitados com o placcl)o no hospital pcrn]ancc('ram scn] i'cmédios
durante o pcríoclo dc acompailhalllcllto. Esse grupo finca t:aposto aos m( dicanlt'ntos foi o (luc obteve
os illclltoics i'csultíl(los, scni tei'lhos clccoinpai'ação. M. Ral)})apoi't) «Ai'c thcic scliizophrenlcs for wltonl
drugs may bc n nneccssaryor contraindicated?", /lz/cr/nz/cona/
.füap'p/irzraPsgc/zíaf7
13 ( 1978): 100- 111

O terceiro estudo foi cotlcluzido por Loreit Moshcr, que chegava as l)csquisas
sobre esquizofrenia no NIN'IH. Embora l)udesseser o principal médico do país
nessa matéria, na época, sua visão da esquizofrciiia discos'davada(lucla de muitos
de seus p:trem que haviam passadozl }tchar quc os csquizufrênicos sofriam dc llm
'cérebro avariado". Mosher acreditada (luc a psicosc podia surgir em resposta a
tríttimas al'etivose intcrnus, c que, à sua maneira, podia scr um mecanismo de
enfrcntiunt'nto. Assim, acreditava haver a possibiliclacledc as pessoaslide\rcm
com suas alucinaçõese delírios, lutarci]] para atravessar surtos esquizofrénicos
r' rccuperarcnl a sanidade. E, se assim ei'a, ele ponderou que, se pioporcionassc
aos píLcientes com psicoses recentes uma tnorada segura, onde os profissionais
tivessem uillít evidente empatia com outras pessoasc não sc ítssustasscmcom
comportamentos cstraiihos, inliitos íicariitm bons, mesmo não scitdu tratadas covil
antipsicoticos."Eu ;achavaqtic o cnvolvinlcnto hutnano sincero (' a conipreelisão
eram cruciais para as intcraçõcs cunltivas", disse. "A iclcia era tratztr as pessoas
como pessoas,como seres humanos, com dignidade e respeito.

A c=tsavitoriana dc 12 quartos(lue ele abriu em 1971cm SantaClara, na


Califórnia, podia acolhi I' seis pacientes dc cada vcz. Nloshcr a chíutiou dc Cítsa
Soteria,v c acal)ou inaliqrlirando também unia segunda residência, a Emanon. Ao

\'

o termo vcm (lo git:go ió/ê4 -êzos, ''protetor salvador", c (lc .fó/êdo/z, "salvítção"; o nlcsmo ra(local
oi'iginou sotérias, antigas festas dc ação dt' graças para agiadcct i' aos deuseso al'astamento dr um
l)t'rico grave, c também sotcriologia, a l)iLrtc da teologia quc trata da salvação do Homem.(N.T)

1 13
ANATOXIIA 1)1;UNIA EPII)I{XII/\

todo, o Projeto Soteria funcionou durante 12 anos, com 82 pacientes tratados nas
duas casas.Já em 1974, Moshcr começou a relatam que seus pacientes da Soteria
passavammclhor do que uma coorte equiparável de pacientesque vinham sendo
convencionalmentetratados com nledicamcntos num hospital, e, cm 1979,cle
anunciou seus resultados após dois anos. Ao cabo dc seis scmanas, os sintomas
psicóticashaviam se atenuado tanto cn] seus pacientes da Soteria quanto
nos pacienteshospitalizados,e, ao cabo de dois anos, os pacielltesda Soteria
tinham "escoras psicopatológicosmais baixos, menor número de rcinternações
[hospitalares] e melhor adaptação glol)al"." Nlais tarde, ele eJohn Bola, um professor
assistenteda Universidadeda ClaliíbrniaMeridional, apresentaramum relatório
sobre scu uso de medicamentos: 42% dos pacientes da Casa Soteria nunca tinham
sido expostos a t'emédios,39% haviam-nos usado temporariamente, e apenas 19%
haviam ncccssitado deles durante todo o período de dois anos dc acompanhamento.

:Contrariando a visão popular, o uso mínimo de medicêtmentosantipsicóticos,


combinado com uma intervcnção psicossocial especialmente concebida para
pacientes recém-identi6lcados com transtornos do espectro da cs(ltiizofrenia, não
é prejudicial, mas parcce ser vantajoso", escreveram h'loshcr c Bola. "Acreditamos
club o balanço dos riscos e benefícios assuciaclos à prática comum dc mcdicar quttsc
todos os episódios iniciais da psicosedeve scr reexaminado."2"

Três estudos finttnciadospelo NIMFI, c todos apontam'am


para a mesma
conclusão.w Talvez 50% dos pttcientes recém-diagnosticados com esquizofrenia,
se tratados sem antipsicóticos, sc rccupcrasscm e coiltinuasscm bcm por extensos
períodos de acompanhamento. Apentts uma minoria dos pacientes pai'coa
neccssitai' da administração contínutt dc remédios. A "síndroin c cla porta giratória",
que se tomara tão conhecida, devia-se, cm.grandc parte, aos medicamcntos, muito
embota, nos testes clínicos, eles se houvesseill pi'ovado cíicazes piora atenuar os

No conlcço (la década dc 1960, Philip }.'lay conduziu um estudo (luc coillparou cinco formas de
\J

tratamcnto cin t'cgimc dc internação hospitalar: mcclicatln:fetos,cletrocon\ulsoterilpia (ECT),


psicotel'afia, psicotenlpia aliada a mcclicamcnlosc tcral)ia ambiental (mim ambiente dc apoio).
A curto l)i'azo, os pacientes tratados com remédios saíram-sc nlutto nlclltoi: (Jorro resulta(lo,
o estudo passoua scr cita(lo como prova dc (luc os pacientes cs(luizofrênicos não podiam scr
tratados scm medicação.ICntrctanto, os resulta(los após dois anos contaram uma história com
mais nuances.Cinquenta c nove por cento dos pacientesinicialmcnte trata(los com terapia
am))mentalc sem medicação receberam alta, com succssq no pcrío(lo inicial do cstuclo,e esse
grupo ''funcionou durante o aconlpztnhamcnto pelo menos tão bcm (quanto os casosdc sucessodos
outros tratanlcntos, sc não inclllor". Assim, o estudo dc N'layj(luc costuma ser citado como pi'ova
clc c]uc todos os pacientes ])sicóticos devem scr medicados, ila verdade sugciiu club a maioria dos
pacientes nuns prinlciro episódio sc sairia nlcllloB a longo prazo) sc inicialmente tratada com a
terapia anlbieiltal, c não com rcnlédios. l?ontc: R Nlayl "Schizophl'unia: a f't)llow-tipstudy of thc
l esu]ts of fivc foi ms of trcatmcnt", .4rc/liu '.f afGenera/ .f»c/iía]p 38 ( 198 ] ) : 776-7ti4.

114
Revelaçãodc um Paradoxo

sintoillas psicóticas. Carpcnter e McGlashan resumiram com clareza o enigma


cientíhco então enfrentado pela psiquiatria:
Não há dúvida de que, quando tratados cota mcdicamcntos, os pitcientcs mostrztm-
sc menos vulneráveis a rccaíclas,ao sc miulter a medicação com neurolépticos.
falas, c se csscs pacientcs nunca fossem tnltados com remédios, pi\ra começar?
(-.) Levantamos a possibilidade dc quc a medicação antipsicótica toinc alguns
pacientes esqtiizofrênicos dais vulneráveis a recaídas futuras do que aconteceria no
curso natural da doença.ao

E, se assim fosse, essasdrogas estariam aumentando a probabilidade de a


pessoaque sofresse lim surto psicótico vir a se totn2tr um doente ciânico.

Uma Cura Pior que a Doença?


Todos os medicamentos têm um pcríil de riscos e benefícios, c o pcnsameilto
habitual, na medicina, é que o rcmédio dcvc fornecer um benefício que sqa maior
do qttc os riscos. Um rcnlédio quc controla sintomas psicóticos proporciolla,
claramente, uni benefício acentuado, c foi por isso que os antipsicóticos puderam
ser vistos como úteis, embora fosse longa a lista cle aspectos iicgativos dessas
drogas. O Thorazínc e outros lieurolépticos da primeira geração causavam
sintomas parkinsoniaitos c espastnos musculares extraoidinariamentc
dolorosos. Os pacientes queixavam-se com regularidade de que os remédios
os transformavam em "zunlbis" afetivos. Em 1972, pesquisadores concluíram
que os neurolépticos "piqudicavam a api'enclizagcm".30 Olitros relataram que,

mesmo quando os pacientes mcdici\dos permailcciam fora do hospital, pareciam


Lotalnicnte clcsniotivados e socialmente desligados. Muitos viviam "praticamente
ila solidão" em lares coletivos,passandoa maior parte do tempo "olhando com
ai' vago l)ara a televisão", escreveu uill investigador.:;'Nada disso indicava que
os })acientescs(ltiizofrênicos medicadossc saíssembem, e havia ainda o dilcma
enfrentado pela psiquiatria: se os remédiosaz///ie/?/at'rz/?z
os índicesde recttídaa
longo prazo qual era o benefício?Essapcrglinta tomou-se ainda mais premente
pelo fato de mliitos pacientesmantidos com a medicaçãoestarem desenvolvendo
discinesia tardia(DT), uma grtulde disfunção iitotora quc persistia mesmo del)ois
dc serem suspensosos remédios, numa prova de lesão cerebral permanente.

Tudo isso cxigiu que a psiquiati'ia recalculasse os riscos e benefícios dos


antipsicóticos, e, em ] 977, assim fezJonathan Cole, nuill artigo provocadoramente
intitulado ':Acura é pior quc a doença?".Ele reexaminoutodos os prquízos que
essesmedicamentos podiam causar, a longo prazo, e observou que os estudos

115
ANA'rOhlIA DI.; UÀI/\ EPmI: [I/\

haviam demonstrado que pelo mcnos 50% de todos os esquizofrênicos podiam sair-
se bem sem medicamcntos.Havia apenasuma atitude moralmente correra que
a psiquiatria podia tomar: "Todo paciente esquizofrênico ambulatoi'ial mantido
com medicação antipsicótica deve ter o benefício de uma experiência adequada
sem drogas". Isso, cxplicou ele, salvaria muitos "dos perigos da discinesia tardia,
bem como dos ânus financeiros e sociais da terapia medicamentosa prolongada".3'

A base de dados comprobatórios para a manutenção do tratamento com


antipsicóticos em pacientes esquizofrênicos havia desmoronado. "Devem os
antipsicóticos ser retirados?", indagou Pierre Dcniker o psiquiatra francês que,
no começo dos anos 1950, tinha sido o primeiro a promover seu uso.s]

Psicose por Hipersensibilidade


No fim da década de 1970, dois médicos da Universidade McGill, Guy Chouinard
e BarryJones, deram um passoadiante, oferecendouma explicaçãobiológica de
por que as drogíts talhavam os pacientes esqiiizofrênicos mais biologicamente
vttlncrávcis à psicose. O entendimento deles proveio, em grandc parte, das
investigações sobre 2thipótese dopaminérgica da esquizofrenia, (luc havia dctalhaclo
de que macio as drogas perturbavam essc sistema ncui'otransnlissor.

O Thorazine e outros antipsicóticos-pedi'ão bloqueavam de 70% a 90%de todos


os rcccptores D2do cérebro. No esforço de compcnsar essebloqueio, os neurónios
pós-sinópticos aumentavam a densidade de seus receptores D, em 30% ou mais.
O cérebro tomava-se então "hipctsensívcl" à dopamina, explicaram Chouinttrd
e Jones,e esseneurotl'ttnsmissoi'
era tido comomediadorda psicose."Os
neurolépticos são capazesdc produzir uma hipersensibilidade à dopamina que leva
[ sintomas discinéticos e psicóticos", escrcveran] eles. "Uma das implicações é que
a tendência para recaídas, nos pacientes quc dcscnvolvenl casahipcrscnsibilidade,
é determinada por mais do que o mero cllrso normal da docnça.":''

Uma mctáfora simples l)oclc nos ajudar il comprccndcr melhor essa


vulncrabilicladc à psicose, induzidzt pelos mcclicamcjltos, c a razão por quc esta
cclode quando zl mcclicação é suspensa. Os itcurolépticos rcfrciam a tnulsnlissão
claclopainina e, colho rcspostb o cércbio al)cna o ;\celerador dopar)enérgico(os
rcccptoi'cs D, extra). Q.uandoo remédio é abruptamcnte rctirado, solta-sc clc
repente o freio da dopanaina,enquanto o acelerador itinda está apertado até o
fundo. O sistema Glcaclitão eill ciiormc dcscqtiilíbrio e, clo mesmomodo quc uin
cilrro poderia dcrntpar t: fugir do controle, dcscontrolaill-scas viasclopaininérgicas

116
Revelação dc una Paradoxo

nu cérebro. Os neurónios dopaininérgicos tios gânglios casais podcnl disparitr


tão dcl)resma(lue o ptlcieilte dc qucni as drogttssão retiradas passaa sofrer de
tiques estnulhos, agitação c outras atiormalidadcs motortts. O mesmo disparar
descontrolado acontece com a via dopaminérgica para a rcgião límbica, o que pode
levei à "i ecaída na psicose Oll à deterioração psicótico", escreveram Ghouinat'd e
lonas.''

Esse foi um extraordinário trabalho detetivesco dos dois invcstigtldores


caitadenscs. Eles idciitificaram pelo mcnos em tese -- a razão dc serem tão altos
os índices de recaída nas tentativas dc ictirada da it)edicação, o quc a psiquiatria
havia inttrl)rctado, crroiieatncnte, conto prov;t dc que os remédios impediam
[ recaída. A grave recaída sofrida por muitos pacientes dos quais sc retiraviu]]
os alitipsicóticos não rcsllltava, necessariamente,de uin retorno da "doença",
mas se relacionava, antes, com os medicamentos.O trabalho de Clhouinard e
Joiies também revelou qtic tanto os psiquiatras quanto seus pacientes sofriam
i'cglilanllcnte dc uma ilusão clhlica: viam o retorito dos sintomas psicóticos
ila retirada das drogas como piov:t de qtic os alltipsicóticos eram nccessát'iosc
:funcionavam".Assim, o paciente cm recaídavoltava para ztmedicaçãoe, muitas
vezes,a psicosese atenuava,o que se tornavaunia novaprovada eficáciado
remédio. Médico e paciente viveiiciavaitl isso como uma "verdade", qualtdo, dc
fato, ;i razãodc a psicosese abnuldar com o retorno da medicaçãocra que o freio
da tnlnsmissãoda dopi\minavoltavii a sc:rapertado,o que contnlbí\lançavao
:aceleradordopaminérgico preso iio fundo. Como explicaratn Chouinard c Jones,
'A própria necessidade do tratamento curtinho com ilcurolépticospoclcser
induzida pela medicação
Em suma, a exposição Inicial aos iiettrolépticos colocava os pacientes i]un] cllrsu
em que, piovavclmente,eles prccisarianl dessasdrogaspt:lo resto da vida. Nt)
t:iitanto t' este cra o segtmcloaspt:cto :tssonlbrosodc:ssahistória da incdicin:t --, a
continuaçãodo liso dos nlcclicamc:altos
levavasistem;ltic;lmcilte ;ulm final infeliz.
Com o tempo, assinalar;tm Chouinard e Joiles, as vias dopaminérgicas teia(liam
:l sc- tornar pcrillailcilteinrnte disfuitcionais. Ficttvam ír??uerlíz;e/mr/i/e presas nulii

estado hipc:rativo e, em pouco tempo, a Iníqua clo l)ilciente passavita cittrar c sair
i'itnlicilmeilte cl{ slil bocít (discint'sia tardia) {' os sintomas psicóticas sc agiavavitili
(psicosetardia). Assim, os médicos prccisaviiiil reco'içardosesmítis altas clc
aiitipsicóticos, a hin clc atenuar c'ssc's
sintomas tardios. "0 trzttatncnto itiais clicaz
é o próprio agente causal: o iicuroléptico", ;lHlnilaramChouinilrtl cJoncs.

1 17
ANATON[IA DE UNIA EPIDENIIA

Nos anos seguintes,essespesquisadorescontinuaram a investigar e testar


sua hipótese. Em 1982, relataram que 30% de 216 pacientes esquizofrênicos
ambulatoriais estudados pol' eles manifestavam sinais clc psicose tardia.S'
Observaramtambém que esta tendia a afligir os pacientes que, quando do
diagnóstico original, tinham um "bom prognóstico" e,portanto, teimamapresentado
uma possibilidade clese saírem bem a longo prazo se nlmca tivessem sido expostos
a neurolépticos. Tratava-se dos "rcspondentes com placebo" que se saíram melhor
nos estudosconduzidospor Rappaporte Mosher e agora Clhouinarcle Jones
informaram que essesdoentes estavam se tornando psicóticas crónicos, após anos
tomando antipsicóticos. Por último, Chouinard quantiíicou o risco, informando
que a psicosetardia parecia desenvolver-scnum ritmo ligeiramente mais lento
do que a discincsia tardia. Afetava 3%tios pacientes por ano, e o resultado era que,
após 15 anos com os medicamentos, cerca de 45% deles sofriam desse problema.
Quando se instala a psicosetardia, acrescentou Clhouinard, "a doença parece pior"
do que nunca. "Surgem novos sintomas esquizofrênicos, ou os sintomas originais
lparccem com maior gravidade."37

Estudos com animais também confirmaram essequadro. Philip Seeman relatou


(luc os antipsicóticos causavam um aumento tios receptores D, em ratos e, embora
a densidade dessesreceptores pudessevoltar ao normal com a retirada da droga
(ele informou que, para cada mês de exposição, eram necessários dois meses para
ocorrer a normalização), em algum momento o aumento dos receptores tornava-
se irreversível.3+1

Em 1984, o médico succo Lars Martensson, numa apresentaçãofeita na


Conferência da Federação Mundial de Saúde Mental, em Copenhague, i'csumiu a
síntese devastadora: "0 uso de neurolépticos é uma armadilha", afirmou. "E como
ter um agente indutor da psicose incorporado ao cérebro."'o

Uma Ideia Maluca. ou Não?


A conformaçãoclcssavisão sobre os neurolépticos no começodos alias 1980
constituiu uma história da ciência no que esta tem de melhor. Os psiquiatras
viram que as drogas "funcionavam". Viram que os antipsicóticosderrubavam os
sintomas psicóticos e observaram quc os pacientes que paravam de tomar esses
medicamcntos com i'cgularidade voltavam a ficar psicóticos. Testes científicos
reforçaram suas percepçõesclínicas. Testes dc seis semanas provaram (lue os
i'emédioseram eficazes.Estudos sobrea recaída provaram que ospacientes deviam

118
Rc:vt:lapãode um I'aradoxo

ser mantidos no tratamento medicamentoso. Todavia, quando os pesquisadores


vieram a ct)iitpl'meti(lcr como as drogas agiam no cét'abro, e quando comcç:\ram a
investigar por qtic os pacientesvinham desciivolveiidodiscincsia tardia, c por qtic
iam sc tnlnsfoi mando cin doentes crónicos, emergiu essa imagem co/r/rrzi/z/u!/{i'a
dos i'emédios-- a inca.iremcle que eles estavam }tumcntando a pl'obabilidade de
os l)acientes ficatetn crnnicanlente enfermos. Focam Chouinard c Joncs quc
ligatain explicitar ente todosos pontinhos, e, durante algum telTlpq seu trabalho
realmente mexeu CONum ninho cle vespasiut psiquiatl'ia. Numa palestra (la qual
os dois médicos da Universidade McGill l)articipítntni, um médico perguntou,
perplexo: "Prescrcvi ncui'olépticos a meus pacientes por eles serem psicóticas.
Agora, vocês cotão dizendo que a incsm:\ droga que controla a cscltiizofrciiia deles
tzlml)ém causa psicose?".4''

Rias o qut' sc esperavaquc a psiquiatria fizessecom essasinfolinações? Elas


claramente puiihtun cm risco os próprios alicercesclessccampo. Seria rcttlnlcnte
possívela psiquiatria confessarao público,Oll até admitir para si mcsnla,quc
:l própria classedc mcdicaiiicntos quc teria "rt:volucionado"o tnttamt'nto elos
doentes mentais estava, ila verdade, transformando [)s pt\cientes em doentes
crónicos? Admitir quc os antipsicóticos, pelo menos cin teimas cumulativos,
Lorilavani (]s pítcieiltes mais psicóticos, covil o correr do tempo? A psiquiatria
prccisav:t desesperadamente quc essa discussão acabasse. Em pouco tempo, os
iLrti.gl)s cle Ghouinarcl c Joncs soba'c il "psicose l)oi' hipcisctisibiliditdc" foritnt
incluídos ila cíltegoria das "hipótc'scsintei'cssantes", e todos os integrantes
dc:ssccampo profissional deram um suspiro dc alívio quando Solomon Silyderl
qtlc c'nteiidia tanto dc receptores dopaminérgicos qu;alto qualquer cientista do
nluiido, asscguroti a todos, c'nl seu livro dc 19R6, Z)ruas r//ld fAe .B/r/tpz [As drogas c o
cércbro], quc tudo não havia passadodt ]]ii] alarme falso:
Sc a stnsibiliditdc dos rt:cc'pLorcts
dopaminérgicosé maior nos pacientescí)ni
discintsia tardia, st'ria possívelindagar sc eles Lalnbémsofreriam llm atimeitto
corresp{)ildcnteelos sii)tomas {'sqtiizofrCnicns.Cliriosalnt'nte, cmbont {)s
pesquisadores tenham buscado critcriosaillente qtt;tlqlit'r pt)ssível ('xacerbztção
dc sintoniils t'squizofrCnicos nos l)acientes quc começam a dt:scnvolver discincsia
tardia, nunca sc constatou nt:nhunla.

Essemoineiito dc crise na psiquiatria, quitado cla sc prcoctipoubrevcincnte


coill a psicosepor hipersensibilidade, ocorreu há quttsctrinta nulos,c hoje a
ideia dc que os alltipsicóticos possamatiillcntar a probabilidade dc unia posso:'
diagnosticadacom csquizofreiiia tornar-sc um doente crâiiico parccc absurda, à
primeira vista. Pcrglmte aospsiquiatras das mt:lhorcs facul(ladosdc medicina, às

1 19
ANA'l'OÀII/\ I)E UMA EPIDER{IA

equipes dos hospitais psiquiátricos, aos funcionários do NIMH, aos dirigentes da


Aliança Nacional Conta'aa Doença Nlental, aos redatores científicos dos grandes
jornais, ou à pessoacomum na rua, c todos ahrmarão quc os antipsicóticos são
essenciaispara tratar a escluizofrenia,que sãoa própria pedra fundamentaldo
tratamento, e que qualquer um que defenda uma ideia diferente é, digamos, meio
óizzz/a.
Entretanto, enveredamospor estalinha dc pesquisae convideios leitores
a entrarem nessa casa de doidos, e por isso, agot'a pl'ecisamos subir um andar
na Biblioteca Countway. Os volumes do subsolo terminam em 1986, e agora
precisamos vasculhama literatura científica a partir daquele ano, e descobrir quc
histói'ia cla tem para contar. Terá sido tudo un] alarme falso... ou não?

A maneira mais ehcientede respondema essapergunta é restimirl um por um,


os estudos e as vias de pesquisa iclevantes.

O estudo Lon,situ,dinal de Ve'rmont


No íim da décadade 1950e início da de 1960, o Hospital Estadual dc Vermont
deu alta a 269 esquizofrênicoscrónicos, a maioria na meia-idade, libci'ando-os
para n convívio na comunidade. Vinte anos depois, Courtcnay Hlarding entrevistou
168 pacientes desse grupo (os que aindtt estavam vivos) e constatou quc 34%
tinham sc recuperado, o que significava que ei'am "assintomáticos e levavam vida
independente, tinham relacionamentos íntimos, estavam emprcgaclos ou eram
cidadãos produtivos de outras maneiras, eram capazcsde cuidar dc si e, dc modo
gei'al, levavam uma vida plena".42Foi um resultado surpreendenteillcnte bom,
l longo prazo, para pacientesque tinham sido vistos como incuráveis na década
de 1950,c os quc se haviam recuperado tinham uma coisa em comum, como
disse Harding à my Àdo/! /or: todos "haviam parado de tomar mcdicilmeiitos,
fazia milita tempo".43Ela concluiu que era um "mito" a6lrmar que os paciejltes
esquizofrénicos"tinham que tomar remédios durante a vida inteira", e dcclaiou
que, na verdade, "talvez seja pequena a percentagcn] dos quc necessitam dc
medicação indefinidamente".«

Os estudos transcul,tuTai,s da Organi,ração Mlundiat da Saúde


Em 1969, a Organização Mundial da Saúde (ONÍS) lançou uma iniciativa
dc levalltamcnto dos resultados da esquizofrenia em nove países. Ao cabo de
cinco anos, os paciei]tes de três países "ei]] desenvolvimento" -- Índia, Nigéria c
Colâmbia -- exibiram um "curso e um resultado consideravelmente melhores"

120
R(.vclação clc um Píu'acloxo

blue os dos pacientes dos Estados IJnidos c de outros cinco "países desenvolvidos"
Os priitleiros tinham lama probabilidade muito ntaior de estarem assintomáticos
durante o períodode acompanhamento
e, o que era ainda i)leis importante,
desfrutavam de "uin rcsliltado social excepcioilalnlcntc bom"

Essasconstataçõesdcixaranl mordidas as comunidítdcs psiquiátricas elos


Estados Unidos e da Europa, que protcstaram dizeitdo que devia tei hztvidu
llm;t falhít ntl cotlccpção do estudo. Talvez os pacientes da Índia, cla Nigéria c cla
Colâmbia não fossa'lltrealmente csqtiizofrêilicos. Em resposta,a OMS lançou cm
11)7H
uni estudo sobre dez paísese, dessavcz, incluiu primorclialmeiite pacientes
quc haviam sofrido un] pritnciro episódio clc csquizofrciiia, todos cliagilosticadus
por ci'itérios ocidclttais. Nlais uli)a vez, os rcsllltiLdosforam praticamente os
nlcsmos. At) citbo dc dois anos, quase dois terços dos pacientes dos "países oit
clescnvolvinici[to" tiiihz]ni obtido resultadus positivos, c pouco i]]ais cle un] terço
havi;t sc transformado em docntcs ciânicos. Nos países bicos, apenas 37% dos
ptLcientestinham resultados positivos, ao passo que 59% tornaram-se doentes
crónicos. "A constatação dc um resultado melhor lias pacientes dos países cnl
dcscnvolvinlento I'oi confirmada", cscrcvcram os cientistas da OlçlS. "Estar num
país dc'scnvolvido revelou-se uin forte prcditor dc nãu obtc'nção da remissão
completa."4s

Embont não teilhani idciitificadn villa razão pane il flagnlntc disparidade


dos rcstiltaclos, os investigadores dít ON{S fizcntm um lcvantamcnto do uso
de antipsicóticos no scguncloestudo e foi'mularai l a hipótcsc dt que talvez os
l)acientcs dos paísc'spobres sc saíssemmelhor por ton]arcm a mcclicaçãocona
mais regularidade. No cittanto, constataram quc a verdade cr;t o inverso. Apenas
16%dos pacientesdessespaísescram rcglllarnlcilte tríltados com antipsicóticos,
cm contraste colll 61% dos píicieiltcs dos [)aísesricos. Além disso, cm Agra, na
liidia, ondecra possívelafirmar quc os pacientestinham sesaído melhor apenas
3%dt les cnlm lnaiitidos ilo tnttamcnto com antipsicóticos. O uso mais intenso da
medicação c'ni feito cm Nloscou, c c'ssíl cidade revelou a m;tis alta pci'cent2Lgenl
(lc pílcleiltes coilstantcitlcttte t'ilferinos.4í'
Nesse estudo transcultural, os nlelhorcs resultados associarztm-sc claraincntc
ao bitixo uso da incdicação. Postcriormc:nte, edil 1997, pcsquisadorcs dít OMS
voltaram a entrevistar os pacientes dos dois prima'iras estudos(15 a 25 anos depois
dos estudos iniciais) c cuiistataritm qtic os tios países pobres continuavam a se sair
muito mc'lhos. O "dií'ereiicial de resultados" se manteve (quanto ao "estado clínico
geral, à silltoillatologia, à invalida'z e ao fuilcionanlcnto social". Nos países cm

121
ANATONIIA 1)1:UX,[AEPII)I.:N]IA

desenvolvimento, 53% dos pacientes esquizofrênicos simplesmente "nunca mais


tiveram surtos psicóticas" e 73%estavam ompi'egados.+7
Embora os investigador'es
claOMS não tenham dado informações sobre o uso de remédios cm scu estudo de
acompanhamento,o resultado final é claro: nos paísescm que os pacientes não
tinham sido regularmente tratados com antipsicóticos na faseinicial da doença,a
maioria estava iccuperada c passando bcm, 15 anos depois.

Di,sci,Ttesia tarei,a e dectíni,o gl,oral,


A discinesia tardia c a psicose tardia ocoricm porque as vias dopaminérgicas
para os gângliosbanaise o sistema límbico tornam-sedisfuncionais. Mas existem
frü vias dopaminérgicas, donde seria razoável supor que a terceira, quc transmite
mensttgensaos lobos frontais, também se toinaiia disfuncioital conao' tempo. Se
assim fosse,os pesquisadorespoderiam ter a expectativa de constatar um declínio
global do funcionamento do cérebro em pacientesdiagnosticadoscom discinesia
tardia, e, cle 1979 a 2000, mais de duas dúzias de estudosconstataram que isso
acontecia. '!A relação parece ser linear", infonnou cm 1987 o psiquiatraJames
Wade, da Faculdade de Me(licina da Virgínia. "Os indivíduos com as formas gravcs
do transtorno são os mais pi'ejudicados no plano cognitivo."'': Os pesquisadores
dotei'minaram
(lue a discinesiatardia associava-se
a um agravamento
dos
sintomas negativos da esquizofrenia (desapego afetivo, prejliízo psicossocial e
clcclínio cla mcmória, da retenção visual e da capacidade dc aprendizagem). As
pessoas com discinesia tardia perclcm seu "mapa rodoviário da consciência",
concluiu um investigador.'o Alguns pesquisadores chamaratn essa dcterioraçãa
cognitiva a longo prazo de demência tardia; em 1994, outros constataram que três
quartos dos pacientcs es(luizofrênicos medicados dc 70 alias ou mais sofriam dc
uma patologia cerebral associadaà doençadc Alzheimer."'

Estudos por ressonãnci,amagnética


A invenção da tecnologia dc imagcns por i'essonânciamagnética ofereceu
aos pesquisadoresa oportutiidadc de medir volumes das estrutui'as cerebrais
em pessoasdiagnosticadas com esquizofrenia e, apesar dc terem a esperança de
identificar ttnormalidadcs que pudessem caractcrizai' a doença, eles acabaram
documentando, cm vez disso, o efeito tios antipsicóticos nos volumes cerebrais.
Numa série de estudosfeitos de 1994a 1998,investig;tdorcsrelataram que
as drogas causavam edemit nas estruturits dos gânglios banais e no tálamo e

122
Revelação clc lml Pai'adoxo

faziam os lobos frontais encolher e que essasmudançasde volume estavam


relacionadas com a dose".s' Em seguida, em 1998, Raquel Gur, do CoentroMédico
da Universidade da Pensilvâiiia, relatou que o aumcilto dos gânglios basaise do
tálamo estava "associado à maior gravidade dos sintomas negativos e positivos".S2

Este último estudo forneceu uma imagem muito clara de um processo


iatrogênico. O antipsicótico pi'evocavauma mudança nos volumes cercbrais e, à
medida que isso ocorria, o paciente tomava-se mais psicótico (o cine se conhcce
como "sintomas positivos" da esquizofrenia) e mais desligado afetivamente
("sintomas negativos"). Os estudos por ressonância magnética mostraram que os
antipsicóticospioraram os próprios sintomasquc dcvcriam tratar, c qtic csszlpiora
começava a ocorrer dlliantc os primeiros três anos de tratamento iliedicainentoso
tios pacientes.

Criação de motel,os depsicose


Como parte de suas investigações sobre a esquizofrenia, pesquisadores
procuraram clal)orar "modelos" biológicos da psicose, c uma dc suas manciras
de fazê-lo 6oi estudítr as alterações cerebrais induzidas poi' diversas drogas --
anfetaminas, pó de anjo [fenilciclidina] etc. -- capazes de desencadear delírios e
alucinações. Eles taml)ém criaram maneiras (lc induzir comportamentos dc tipo
psicótico cm ratos e outros ztnimais. As lesões no hipocampo podem causar esses
comportamcntos perturbados, c alguns gencs podcnl scr "csgotados" para produzir
tais sintomas. Em 2005, Philip Sccman informou qtic /odaí csscs dcsencadcadores
de psicose provocam um aunacnto dc rcceptoi'es cei'ebrais D2 com "Ai;rA afinidade
conaa dopanlina, com o qtic pretendeu dizer que csscsreceptores sc ligam com
muita facilidade a esse ncurotransnlissor. Tais "resultados implicam quc pode
haver caminhos para a psicose,inclusive múltiplas mutações gciléticas, uso
Abusivode drogas, ou lesões cerebrais, todos os quais podeili coilvcrgir pela AC'rX
de D2 para a produção de sintomas psicóticas", escreveu.s3

Sceman pondcrou quc cia por isso que os antipsicóticos funcionavam: pelo
bloqueio dos receptores D,. Em sua pesquisa, entrctanto, também constatou
que essesmedicamcntos,inclusive os rllais novos,como o Zyprexa e o Rispci'clal,
duplicavam a densidade dos receptores D: dc "alta agilidade". Eles induziam
a mesma anos'validade induzida pelo pó de anjo, dc modo qtic essa pesquisa

123
ANATOX.[I/\ DE UMA EPID]=NIIA

con6lrmou o que Lars Mai'tensson havia observadoem 1984: tomar um neuroléptico


é como ter "um agente indutor da psicose incorporado ao cérebro"

O estudo l,ongitudâ,nal.deNanc?Andreasen
usando a ressoa,â,n,cia
tnagnética
Em 1989, Nancy Anda'easen, uma professora de psiquiatria da Univcrsidade
de lowa, que viria a ser editora-chefe do 4//zedfa/zoar/r/za/
of.l)gcÀia/p de 1993a
2005,deu início a um estudo a longo prazo com mais dc quinhentos pacientes
csquizofrênicos. Em 2003, informou que, na época do diagnóstico inicial, os
pacientes tinham lobos frontais ligeiramente menores do que o tamanho normal,
e que, nos três anos seguintes, seus lobos frontais continuaram a encolher.
Além disso, essa"redução progressiva do volume de substância branca dos lobos
frolltais" foi associadaa um agravamentodos sintomas negativose dos prejuízos
funcionais, c assim Andreasen concluiu que esseencolhimento cra prova de que
a esquizofrenia eia um "transtorno progressivo do desenvolvimento neurológico",
o qual, infelizmente, os antipsicóticos não conseguiamdeter. "Os medicamentos
attialmente usados não conseguem modificam'um processo lesivo que ocorre nn
cérebro c quc é a base subjacente aos sintomas.""

O que Andreasen forneceu foi uma imagem dos antipsicóticos como


terapeuticamente ineficazes, em vez de nocivos, e, passados(tais anos, cla
consubstanciou essaimagem. As aptidões cognitivas de seuspacientes começaram
a "piorar significativamente", cinco anos depois do diagnóstico inicial, declínio
este que foi associadoàs "reduçõesprogressivasdo volume cerebi'al após a
instalação da doença".SSEm outras palavras, à medida que os lobos frontais de
seuspacientes foram encolhendo, sua capacidade de pensar diminuiu. Mas outros
pesquisadores que conduziam estudos usando a ressonância magnética haviam
constatado quc o encolhimento dos lobos frontais estava / gaja aoi /?dedica//ze/z/ai,

e, numa entrevista de 2008 ao .NbmVor#7 me.í,Andreasen admitiu que, "(luailto


mais remédios são administrados ao paciente, iliais cle perde tecido cerebral"
A reduçãodos lol)osfrontais poderia fazer parte dc um processopatológico, que os
medicamentos eÀaceróauam.
"0 que fazem essesremédios, exatamente?", indagou
Andreasen. "Bloqueiam a atividadc dos gânglios banais.O córtex pré-frontal não
recebe aquilo dc quc necessita e é isolado pelas drogas. Isso reduz os sintomas
psicóticos. E também faz o córtex pré-frontal atrofiar-se lentamente."s"

Nfais uma vcz, as investigações de Andrcasen ievelaríull um processo


iatrogênico em ação. As drogas bloclueavam a atividade dopaminérgica cercbi'al

124
Revelação clc un] Para(luxo

e isto levava a um encolhimento do cérebro, o qual, por sua vez, correlacionava-se


covil unia piora dos sintomas negativose com prquízos cognitivos. Foi mais uma
descoberta inqliietante, quc instigou Thonlas McGlashan o psiquiatra de l/ale
quc se perguntara, três décadasantes, se os antipsicóticos estavamtornando os
pacientes "mais biologicamente vulnei'áveis à psicose" -- a questionar novamente
Lodo esseparadigm:t de ateilclimcnto. Ele situo]] saiasreflexões inquietas t]uin
contexto cientíHco:

A curto prazo, o bloqticio aguda [dos rccel)torcs] D, isola a relevância c o investi


mento do paciente cm sintomas positivos. A loitgo prazo, o bloqueio crâitico de D,
cmboti\ a relevância dc todos os acontecimentos da vida cotidiana, induzindo a uma
ancdonia química quc é às vezes rotulada dc depressão pós-psicótica, ou disporia
ncuroléptica. (-.) Será quc libcrtilmos os pacientes do manicómio, usando agentes
bloquc;tdl)rcs dc D,, apctias p;triobloquear o inccntivo, o cilgalanlciito no mundo c it
./aiede uízl?fwida vida cotidiana? A medicação pode salvar a vida numa crise, mas pode
Loriutr o [)aciente mais propenso à psicose,sc for interrompida, c iiiais carrcgado dc
déficits, sc for mantida.

Os coniciiLários de McGlashan foram publicados numa edição dc 2006 do


ScAÍ oPÀ?r/?ia
BI///e/ín, e, naquele momento, foi como se o final da década de 1970 sc
repetisse. A "cura", ao quc Falecia, mais uma vcz sc revelartt "pior do quc a doença

A Ilusão do Clínico
Comparcci ao coilgrcsso dt' 20o8 dtt SociedadeNorte-Anicricana dc Psiqtliatria
(APA)poi' diva'sasrazões,masa pessoaquc cu mais qticria ouvir cra Martiil
Hairow, u]]] psicólogo da Faculdade dc Nledicina da Universidade de lllinois. De
1975 a 1983, elc incluiu 64 jovens esqttizofrêilicos nuill estudo dc longo prazo
íiiiaticiado pelo NIMH, recrutando os píLcientesdc dois hospittlis de Chicttgo.
Unl deles era particlilar o outro, público, pois isso gaialltia quc o grupo fosse
cconomicaincntc diversificado. l)esdc então, Hlarrow avztlia pcriodicanlente o
estado desses pacientes. Eles estão síiltonláticos? Em recuperação? Empregados?
Tomam medicamentos ítntipsicóticos? Os resultados dc Hanow proporcioilanl lim
quadro iltualizado dc como têm se saídoos pacientesesquizofrénicosnosEstados
Unidos, dc modo qttc seu estudo pode levei nossa invcstigação da lutei'atura
científica a um clímax apropriado. A acreditarmos ilo saber convencional, os
pacientes que continuassem tl tomar tultipsicóticos deveriam ter os melhoics
rcsliltados. A acredit;limos na literatuni científica quc acab2tmosdc examinar, o
resultado deveria scr o inverso.

Alt:aria dc viver cm francês no original. (N.T)

125
ANATOX[I/\ DE UNIA EPI])ENFIA

Vejamosos dadosde Harrow. Em 2007, ele publicou nolozzr/za/ofNemauirz/rd


.44e/z/a/
.Diseaieum relatório sobre os resultados dos pacientes no acompanhamcnta
feito após 15 anos, e atualizou mais essa desenha em sua exposição no congresso da
APA de 2008.SO
Ao cabo dc dois anos, o grupo que não tomava antipsicóticos cstava
ligeiramente melhor numa "escalade avaliaçãoglobal", do que o grupo que usava
essesmedicamentos. Depois, nos cinco anos seguintes, o destino coletivo dos dois
grupos começoua divergir drasticamente. O grupo sem medicaçãocomeçoua ter
melhoras significativas e, ao final de 4,5 anos, 39% dessespacientes estavam "em
recuperação" e mais de 60% trabalhavam. Em contraste, os resultados do grupo com
medicação.píoraríz/?z
nesseperíodo cle trinta meses.Como grupo, scu funcionamento
global teve um ligeiro declínio e, após 4,5 anos, apenas6% deles estavam cm
recupei'ação e poucos estavam trabalhando. Essa divergência marcante tios
resultados se manteve nos dez anos seguintcs. No acompanhamento de 15 anos, 40%
dos que não tomavam remédios estavam em tccuperação, mais da metade trabalhava
e apenas 28% sofriam dc sintomas psicóticos. Em contraste, apenas 5% dos quc
tomavam antipsicóticos estavam em recuperação, c 64%eram ativamente psicóticos.
;Concluo quc os pacientes esquizofrênicos não medicados com antipsicóticos por
uin longo período têm uni funcionaincnto global sigiiiíicativaiiicntc inclhor quc o
dos que tomam antipsicóticos", disse Hlarrow à plateia da APA.

Taxas de recuperação a longo piano para pacientes com esquizofrenia

50%

45%

Sem
40%
antipsicóticos

35%

30%

25%

20%

15%

10%

5%

o%
Acompanhamento Acompanhamento Acompanhamento Acompanhamento Acompanhamento
do2anos de4.canos do7anos de10anos de15anos

Fonte: M. Harrow) "Factors involvcd in otitcomc anel rccovery in scllizopllrcnia paticnts not on
antil)sy'chotic mcclication", 7Zflazír/ra/ afNenazn andzt4elz/a/
J)üeasf, 195 (2007): 406-414.

126
Revelação dc um Paradoxo

Nít vcrdacle, não se tratou apenas de haver anais recuperações nu grupo não
ilicdicado. llouvc tanlbéili nleiius desfechosruins nessegrupo. Observou-scnula
muclançttcin todo o esPec/ra dos resultados. Dez dos 25 pacientesque paraiatn de
tomar ailtipsicóticos sc rccul)cl'eram, ll tiver'am rcsttltados razoáveisc apenas
quatro (16%) tivcranl uil] "resultado llniformenlente ruim". Em contraste,
itpcnas dois dos 39 pacientes qttc continuai'am cona a tnedicação antipsicótica
sc rccul)cl'arara, 18 tiveram resultaclusrazoáveise 19 (49%) incluíram-sc na
categoria dos rcsliltados "ttniforilicmcnte ruins". Os pacientes ineclicados tiveram
1/8 da taxztdc recuperaçãodos não medicadosc um índice três vezesmaior dc
pessimos resultados a longo prazo.

Espcctro dc result;idos de pacientes csquizofrêiiicos

Com antipsicóticos Sem antipsicóticos

Rosutbdos razoáveis

Espectro (los resultados dc l)acientcs nlcdicados c não mc(picados.Os quc toiilaranl antipsicóticos
tivcranl um índice illtiito menor (]c rcctipcração c uma tcndência muito maior a chegar a resultados
unia'ormcnlcnteruins". Fonte: NI. }-larrow "Factors involvcd in otitcomc:and rccovcryin scllizopllrcnia
patients not on antipsJchotic mt:dication", Tire./aur/ia/efWert-ous
a/idÀ/e/lfa/l)ísraie, 11)5(2007): 406-414.

Foi esseo (luadru dc resultados rcvclado lio estudo financiado pelo NIMH, o
mais atualizado dc que dispomoslio nloii)unto. Ele também lias pt:rmitc discernir
gr/rz/z/íi
/e//zPr/
deilaorít l)ai'a quc sc tornem aparcntcs os resultados mclhures dos
pacientes não medicados. Embora essa diferença tenha começado a se mostrei'
10 filial dc dois anos, só na marca tios 4,5 ;anosé quc se tomou evidente que o
grua)o não medicado, como lim todo, vinh;t sc saindo muito melhor. Além disso,
por meio dc self rastrcamento rigoroso dos pacientes,H:\rrow descobriu por que
os psiquiatras continuam ccgos para cssc fato. Os clocntes quc largam os remédios
antipsicóticossaem do sistema, disse ele. Param de fre(lucntar programas
anibulatoriais, partamdc coilsultt\r terapeutas, panelade dizer às pessoasque já
foi'21mdiagnostica(los com esquizofrenia e desaparecem na sociedade. Algumas
das pessoas não medicados do estudo de Harrow chegarzun até a ter "empregos
de alto nível" - uma se tornou professorauniversitária, outra virou advogada--

127
ANATOhIIA 1)1;UNIA EPII)I;NII/\

e várias tinham "empregosde níve] médio".Harrow explicou:"Nós [clhticos]


extraímos nossa experiência da visão da(lueles quc nos deixam e depois retornam,
poi' terem uma recaída. Não vemos os quc não têm recaídas.Eles não voltam.
Estão muito felizes"

Mais talcle, perguntei ao dr. Harrow por que cle achavaque os pacientes não
medicados se saíam muito melhor. Ele não atribuiu esseresultado ao fato de eles
não tomarcm antipsicóticos e disse,antes,que oscomponentes dcsscgrupo "tinham
um senso interno de identidade que era mais forte" e, depois dc inicialmente
cstabilizados com os medicamentos, esse "melhor senso dc identidade" lhes deu
confiançapara abatldotlai a medicttção "Não é quc os que hcarttm sem remédios
tenham se sttído melhor, e sim quc acluelesquc sc saíram melhor [inicialmente]
deixaram a medicação,mais tarde." Q.uandoinsisti em indagar se os resulta\dos
dele corroboravam uma interpretação diferente -- a de que os remédios piorav:tm
os i'esultadosa longo prazo --, o dr. Harrow focoumoo irritado: "Essaé uma
possibilidade, mas não a estou clefeildendo", disse. '!As pcssoasreconhecem que
pode haver efeitos colaterais. (...) Não estou simplesmente tentando evitar a
pergunta. Sou uma clãs poucas pessoas (leste campo que não recebem dinheiro das
empresas f'arlnacêuticas.

Fiz-lhe uilla última pclgunta: não deveriam os seusresultados, no mínimo, scr


incorporttdos ao paradigma de atendimento usado na nossa sociedade para tratítr
as pessoasdiagnosticadas com csqtiizofrenia? "Quanto a isso, não há dúvida", foi a
resposta. "Nossos claclossão uma prova esmagadora dc que nem todos os pacientes
esquizofrênicos])recis2tmtomar antipsicóticos dui'ante a vida inteira."

Reexaminando as Provas
Scguimos uma trilha de doclimcntos até um final surpreendente, e por isso creio
quc precisamosfazer uma última pcrgunta: scrá que todas as provasquc refutam
n saber comum se sustentam? Em outras palavras, a literatura sobre os resliltados
conta uma história coerente c sistemática? Precisamos reexaminar tudo, parti ter
certeza dc não deixar escapar alguma coisa, porque é sempre incomodo chegar a
uma conclusão que discos'dít do quc a sociedade "sabe" sci' verdade.

Primeiro, como reconheceramos pcs(luisadoresLisa Dixon c Emnlanuel Stop,


não há uma boa comprovação de que os antipsicóticos melhorcm os resliltados da
esquizofrenia a longo prazo. Scndo assim, podemos confiar em quc não deixamos
escapar nenhum estudo dcssc tipo ilo nosso levantamento. Segundo, indícios de

128
Revelação dc uin Paradoxo

que os medicamentos podem piorar os resultados a longo prazo apareceram logo


no primeiro estudo de acompanhamento cotldtizido pelo NIMH, e depois voltaram
:\ aparecer repetidas vezes nos cinquenta anos seguintes. Podemos liga\r os autorcs
dc:ssítpesquis;t tt umtl extensa linhagem: Cole, Bockoven, Rappaport, Carpenter,
Moslicr Harding, }l Ol\'lS c Harrow. Terceiro, depois quc us pesquisadores passaram
a compreender colho os antipsicóticos afetavam o cérebro, Chouinard e Joiics
lpicsentaram uma cxl)licação biológictt sobre a razão dc os rcriiédios tornarcnl
os pacientes mais vulneráveis à psicose, a loitgo prazo. lànlbéni souberam
explicar por que as iliudailças ccrcbrais induzidas por medicamciltos tornavam
tão ari'iscado as pessoasstispcildcrcm a medicação, c com isso revelaram por que
os estudos sobre desabituação iludiam os psiqliiatras, levando-os a crer quc os
remédios preveniam }\ rt'caída. Q.uarto, provas dc blue}ls taxas dc rccupcrttção
:l longo prazo são anais altas entre pacientes irão tncdicadus }tpitrccerai]] en]
estudos c investiga\çõesde illuitos til)os diferentes. Apare'coram nos estudos com
grupos ;\leatórios conduzidos por Rappaport, Carpenter e Nloshcr; nos estudos
transcllltllrais conduzidos pela OMS; e nos estudos naturalistas conduzidos por
Harding e Harrow. Quinto, nos estudossobre discincsia tai'dia, vimos provas dc
quc os remédios induzem à disfunção global do cérebro mima alta percentagcm
dc pacientes, a longo l)r;tzo. Scxto, após o surgimcnto de uma nova fei'ramcnta
para estudar as estruturas cerebrais(a ressonância magnética), os investigaclorcs
descobriram que os antipsicóticns causam alterações morfológicas no cérebro, c que
c'asasillteiíLções estão associadasa unia piora dos sintomas positivos c ncg:ltivos,
bem como íl um prejuízo c(]gnitivo. Poi' último, cm sua maioria, os pcsquisadorcs
psiquiátricos que condttzintm essesestudostinhan] a esper:liça c a expectativa dc
constatar o invcrso. Qucliam cnntztr uma história dc medicamentos quc ajudam
os pacientes csquizofrênicos a mclhnrai' caiu o tempo suas prcferêiicias sc
inclinavam ness:\dircção.

Estamos tentando resolver uin ciiign)a neste livro saber por quc o número
dos doentes mentais inválidos teve lim aumento vertiginoso lias últimos cinquenta
anos --, e creio que agoi'a temos nas mãos o pi'imciro pedaço do (lttebra-cabeça.
Vimos que, na década anterior à introdução do Thorazine, ccrca clc 65% dos
pacientescomum primeiroepisódiodc esquizofrenia
recebiamalta ematé 12
meses,c a maioria dos qttc saíam não voltava a ser internada nos períodos cle
acompanhamento dc quatro e cinco alias. Também foi isto quc vimos no cstudo
dc Bockoven: 76% dos pacientes psicóticas tratados com uma forma progrcssista de
atendimento psicossocial,em 1947,viviam com sucessocn] sociedadccinco anos
depois. Nuas,como vimos ilo estudo d( Hairow apenas 5% dos esquizofrénicos cujít

129
AN,VI ObIIA DE UMA EPII)I;XII/\

medicaçãofoi'a mantida a longo prazo acabaramrecuperados.Esseé um declínio


drástico das taxas de recuperação na era moderna, e os psiquiatras mais velhos,
que ainda sc lembram de como era trabalhar com pacientes nãu medicados, podem
dai um testemunho pessoaldessa diferença de resultados.

"Na cra da não medicação, meus pacientes esquizofrênicos passavam muito


melhor que osda era mais modcina", disseAnn Silvar, uma psiquiatra de Maryland,
durante uma entrevista. "Eles escolhiam e seguiam carreiras, e se casavam. Uma
paciente que tinha sido internada como a pessoacom o quaclio mais grave no
setor de ac]o]escentcs[do scu hospital] está criando três filhos c trabalha como
cnfeimeira dip[omada. No período mais recente [com mcdicação], itenhum dc]es
seguiu carreira, embora alguns tenham tido vários empregos e nenhum se casou
Oll sequer teve relacionamentos duradoui'os."

També m podemos verde quc modo essact'onicidaclc induzida pelos medicamentos


contribuiu para a elevação do número de doentes mentais inváli(los. Em 1955, havia
267.000 pessoascom esquizofrenia em manicómios estaduais e municipais, ou um
em cada617 norte-americanos.
Atualmente, estima-seque haja 2,4 milhõesde
pessoasrecebendo pensõesda SSI ou do SSDI por sofrerem de esquizofrenia (ou de
algum outro transtol'no psicótico), o que cora'espondea uma taxa de invalidez de um
em cada 125 norte-americanos.S9 Desde a chcgacla do Thorazine, a taxa de invalidez
poi doençaspsicóticas quadruplicou na nossasociedade.

Cath)G George e Kate


No segundo capítulo, eitcontramosduas pessoas-- Cathy Levin e George
Badíllo quc tinham sido diagnosticadas com um transtorno csquizoafetivo
(Cathy) ou com esquizofrenia (Gcorge). Agora podemosver de quc maneira suas
histórias se encltiadram na literatura sobre resultados.

Como eu disse, Cathy Lcvin é uma das pessoasque melhor respondem'am


a
antipsicóticos atípicos dentre asquejá conheci. Ela poderia ser garota-propaganda
cla ompi'esa fai'macêutica Janssen para promover o Rispei'dal. Apesar disso,
continua a receber pensão cloSSDI e vê os mcdicainentos como uma barreira a seu
trabalho em horário integral. Agora, voltemos ao momento em que ela teve seu
primeiro episódiopsicótico,na Faculd2tde
Earlham. Cloro teria sido suavida se
não a houvessemmedicado imediatamente com neurolépticos e se, em vez disso,
ela tivesse recebido algum tipo de tratamento psicossocial? Ou se, em algum ponto
linclainicial, tivesse sido estimulada a retirar aos poucos a mcclicação antipsicótica?

13o
Revelação dc um Paradoxo

Teria ela passadoos 12 anos seguintes entrando e saindo dc hospitais? Teria


acabado com uma pensão do SSDl? Emboi'a não possamos realmente responder
a casaspcrgLmtas,podemosdizer que o tratamento medicamentosoaumentou a
probabilidade de ela sofrer aquele longo período de hospitalizações constantes, e
reduziu a pior)abilidade de ela se i'ecuperar plenamente do surto inicial. Como
disse QathN," O queeu lentbro, quattdo olho para trás, é que, tlo começo,eu não estada realmente
tão doelüe assim. Na verdade, s6 estada confusa" .

Enqullnto isso, a história de George Badillo ilustra como o abandonodos


remédios pode ser a chave da recuperação, ao menos para algumas pessoas
diagnosticadas com csquizofi'Chia. Ajornada de Georgc para longe dos pavilhões
dos fundos de um hospital estadual teve início quando ele começou a reter a
medicação antipsicótica na língua, sem engoli-la. Hoje ele cstá são, tem um gosto
visível pelavida e fica radiante por ser um bom pai para o Galho,
e por ter sua filha,
Madelyne, de volta ao seu convívio. É um excmplo das muitas pessoas recuperadas
qiie ;tpareceiam nos estudosde longo pt'azoconduzidospor Harcling e Harrow --
ex-pacientes que pararam clc tomar antipsicóticos c passam bem.

Vejamosuma terceira história, esta de uma jovem que chamarei dc Kate,


porque ela não quis quc seu nome verdadeiro fosseusado. Diagnosticada cona
esquizofrenia aos 19 anos, ela se deu bem com os antipsicóticos. No estudo dc
Harrow, teria íicado entre os 5% que se recupei'arara tomando medicamentos. Mas
Kate taml)ém sabe como é ficar sem i'enléclios e passar bem e, em sua perspectiva,
este último tipo de recuperação é totalmente diferente do primeiro.

Antes (lc conhecê-lapessoalmente,cli soube das linhas gci'ais de sua história


[)oi unia conversatelefónica;sotibcquc cla havia passadodez anostomando
:lntipsicóticos e, dado quc casesremédios podem cobrar um enorme tributo físico,
fiquei meio pasmo com a aparência de Kate, quando ela chegou ao meu escritório.
Para falar sem i'odeias, as palas'as "linda de morrer" mc vieram à cabeça. Com seus
cabelos pretos, ela usavajea/zs,uin /oP i'usado e maqtiiagem leve, e sc apresentou dc
modo calor'osoe conhante. Logo depois, mostrou-ine uma foto do "antes", tirada
fazia três altos. "Eti l)esava l)em mais de noventa (quilos", disse. "Erít muito lenta,
tinha o rosto caído. Fumavamuito. (...) Aquilo inibia muito qtialqucr possibilidade
dc cu ter uma inlagcm profissional.
O relato dc Kate sobresua infância é limo histói'ia batida.Os pais se
divorciaram quando cla contava 8 anos, c cla se lembra de ter sido socialmente
desajeitadae terrivclmcntc tímida. "Eu só tinha habilidade social suficiente para
interagir cona meus familiares", disse, e essainabilidadc tl acompanhou no curso

13
ANATOXIIA DE UNHA EPII)ENFIA

universitário. Q.uandocaloura na Universidade de Massachusettsem Dartmouth,


ela teve dificuldade para fazer amizadese se sentia tão isoladtt quc choi'ava
constantemente. Logo no começo do primeiro ano, abandonou o curso e foi morar
com a mãe cm Boston, na esperança de encontrar "um propósito na vida". Em vez
disso, "meu senso de realidade começou a se desintegrar", recordou. "Clomecci
a me preocupar com Deus contra o Diabo e a sentir medo de tudo. Perguntei a
unia amiga da mamãs se a comida estava envenenada.Agia de um modo muito
bizarro e não conseguia compreender as convci'sasà minha volta. Dizia essas
coisasestranhíssimas,c falava muito devagar,com muita deliberação,e de um
jeito esquisito."
Quandocla começoua dizer que estavavendolobos no quarto, a mãe a
intcrnou num hospital. Apesar dc ter sc estabilizado bastante com a nlcdicação
antipsicótica, Kate detestava a sensaçãoque os remédios Ihe davam e, não
muito depois de recel)er alta, largou tudo abruptamente, o que desencadeouum
exuberante surto psicótico. Durante sua segunda internação, en] feverciro dc
1997,ela foi diagnosticadacomo esquizofrênica e, dessavcz, aceitou o fato de
quc teimade tomai tulti])sicóticos pelo resto da vida. Acabou encontrando uma
combinaçãode dois remédios quc funcionou bem e começou a reconstruir sua
vida. Eln 2001, formou-se na Universidade de Massachusetts em Boston e, um
lno depois, casou-sccom um homem que havia conhecido num programa de
tratamento ambulatorial. "Nós dois tínhamos uma incapacidade psiquiátrica e
ambos fumávamos demais", disse Kate. "Fazíamos terapia diariamente. Era isso
que tínhamos em comum."

Kate arranjou emprego numa instituição residencial para clehcientesmentais


e, embora às vezes tivesse dificuldade em ficar acordada -- efeito colateral dos
medicamentos--, passou a ganham'o bastante para não mais ser pensionista do
SSDI. Para uma pessoacom esquizofrenia, vinha sesaindo extremamente bcm. No
entanto, não estavafeliz. Havia engoi'dadoquase 45 quilos e era comum o marido
zombar cruelmente dela, chamando-a de "feia" e dc "builda gorda". Kate também
seirritava com a maneirít dc todos a tratarem no sistema de saúde. ':A rccuperaçãa
no modelo médico exige quc a pessoaseja obediente como uma criança", explicou.
"A gcntc obedeceaos médicos,é submissacom o terapeuta e toma os remédios.
Não se investe nenhum esforço em maiores interesses intelectuais."

Em 2005, ela sc aproximou mais de un] velho amigo, vinte anos mais velho
c pertencente a uma comunidade religiosa fundamentalista. Katc comcçou
a frequentar as reuniões deles e, por sua vez, eles começaram a orienta-la a sc

132
Revelação cle um I'aradoxo

vestir, a falar c a se }ll)resentai ao mundo de maneira mais 6oimal. "Eles me


diziam: 'Você representa Deus, e leãohá dc querer envcrgoiihar Deus'", contou
Kate. Seu amigo mais velho também insistiu cm quc ela parasse dc pensar
[m si como csquizofrêiiica. "Ele me fazia pensar de forma não convcncional t
pcnsar dc maneiras quc zultes cll jamais aceitaria. Eu sempre queria dcfender
mcli terapeuta, defender meu psiquiatra, dcfendci' os retnédios c defender minha
doença.Ele inc pedia par;t abi'ir ntãn da minha identidade dc pessoalilcntalmente
incítpaz.

Poucadepois,sua antiga vida dcsmoronoupor completo.Ela descobriuque


o marido vinha durinindo com unia dc suas amigas e, depois quc sc mudou do
lpartamcnto clo casal, teve de passar algum tempo dormindo enl scu cara'o.
Eml)r)ra, a princípio, durilnte essa fase cle dcsespei'o,ela se agarrasse aos
nlt'dicainciltos, a visão não esquizofrêilica de si mesma também a atraía e, em
fevereiro dc 2006, ela resolveudar o salto: pararia dc fumar, t)ataria dc tomai
caféc faria o "desmaine"v"'da medicaçãopsiquiátrica. "AÍ fiquei sem remédios,
scm nicotina c scm café, c iiicu corpo foi entrando cm cho(lue. Ett ficava docntc
com aquilo tudo e chegava quase a vibr;tr porque precisava dos meus cigarros, dos
illeus remédios.

Essa decisão também a levou a sc (lcscntcndcr com quase todtts as pessoas


dc sua vida. "Parei dc falar com minha família, porque não queria voltar àquela
idcntidíLde[de pessoainválida]. Nriiihít nlcnLccra muito clt-licílda,por issocu tive'
que inc desligar do que collhecia e inc desligar do meu tertlpcuta." Em pouco
tcinpo, Katc comcçull a t'inagreccr tanto que os amigos pcnsaram que devia estar
doente. Enquanto lutavzl pane sc' m:enter sã, ela sc agai'rou à orientação do self
grupo religioso, falando caiu os outros dc inancir;t muito formal, c essaconduta
convenceusua inãc clc (lut' cla t:atavasofrendo uma recitada."Estranho irão é a
palavra, nlcu bem", c:nl o qut' Ihc dizia sua mãe, c até Kate temia, iio íntimo, cstar
voltandoa tei um surto psicótico."Mas cu tinha aquela esperança,aquela fé, e
por isso disse a mim iilcsnia: 'Xzouanda\r nesta corda bítinba parir atravessar esse
cânion i[[cdottho e, (ltiando chegar ao outro lado, espero quc haja un] cume cm
que cli possa ficar dc pé'. Eu tinha de mc cotlccntrar em scgtiir cm frente, para
\lll
Embora, rigor'osanlc'nte,seja unia expressãoinít(lc(suada,l)orquc o dcsnlainc propiianacnte (fito
c linl l)roccsso natura] dc desapegoc]o seio nlatet'no, dc autonomia, (]c perda da (]cl)cn(lência
infantil cnl i'claçao à itlãe, ao passo quc com drogas esseprocesso nao c natural, porque a (Iroga
It)i artificialmclltc introduzi(la na iclação do scu usuário com o mundo, é usual o emprego do
termo pai'a sc rcfclir ao processodc desintoxicação, interrupção, abandono dc alguma sul)stância
psicoativa. Pot' isso, ao longo do livro a l)alavra zo//2drazaa/,usada cm cxpi'cssõcscomo drlzg
rcif/rdrm(-rz/,
zcif/tdrrr?cra/
afdrugst'tc., lbi traduzida coillo clcsmamcc gradadaentre aspas.(IV.R.T)

133
ANATONÍIA DE UNIA EPII)EMPA

onde (suei que aquilo me levasse, porque, se caísse da corda bamba, voltaria para
o hospital.

Foi nesse momento perigoso, (quando parecia [)rcstes a desabar que Kate
concordou em sc cnconti'ar com a mãe para jantar. "Achei que ela estava tendo
um surto", disse a mãe. "Ela se sentou toda certinha, com um ar disperso e
desorganizado. O corpo estava rígido. Vi muitos dos mesmos sintomas de antes.
Os olhos estavamdilatados e ela paiccia paranoide." Ao saírem do restaurante,
a mãe começou a conduzir o cano na direção do hospital, mas mudou de ideia no
último segundo.Katc "não estava tão maluca" que precisasseser internada. "Fui
para casa c chorei", recordou a mãe. "Não sabia o quc estava acontecendo.

Pelos cálculos da mãe, Kate levou seis meses para atravessar esse processo cle
desabituação.Nuasemergiu do outro lado /7alzlÉnrpzrzda.
"VI que o rosto dela estava
cheio de vida e que ela estava mais ligada ao corpo", contou a mãe. "Sentia-se à
vontade no próprio corpo c mais cm paz do quc nunca com ela mesma. Estava
fisicamente saudável.Eu não sabia que esse tipo de recuperação cra possível."
Em 2007,Katc casou-secom o homemmais velho quc a tinha incentivadoa
seguir essecaminho; também logrou êxito em seu ti'abalhn de gel'ente de uma
instituição para pcssoascom problemas psiquiátricos, e a cmprcsa reconheceu scu
desempenho "extraordinário" em 2008 -- reconhecimento que veio acompanhado
por um prêmio em dinheiro.
As vezes,Kate ainda luta. A instituição que ela dirige abriga vários homens
com desvios sexuais -- ':Já tive gente dizendo quc ia atear fogo em mim, ou quc ia
urinar na minha boca", disse --, e suas reações emocionais a essa tensãojá não são
embotadas pelos medicamentos. "Faz dois anos que não tomo remédios e, àsvezes,
é muito, muito difícil lidar com as minhas emoções.Tendo a ter uns acessosde
raiva. Sela que os remédios cobriram minha mente com uma nuvem tão grande,
me deixaram tão comatosa quc nunca desenvolvi habilidades pai'a lidar com
minhas emoções?Hoje eu me descubro ficando com mais raiva do quc nunca e mc
sentindo mais feliz do que nunca. O círculo dos meus abetos está aumcntanclo. E,
sim, é fácil lidamcom isso na hora em que a gente está feliz, mas como lidar com o
abetoquando a gente está furiosa? Tenho me empenhado em não me deixar ficar
defensiva demais e procurado levar as coisascom calma."

A história de Kate é de naturezaidiossincrática, é claro. Seuêxito ao deixar os


remédios não significa que todos possamlarga-los com sucesso.K.ate é uma pessoa
rzd//líráue/
-- incrivclmcntc voluntariosa e incrivelmcnte corajosa. Com efeito,

134
R(:vclação dt: um Paradoxo

o que a literatura científicalcvela é que, depoisquc a pessoacomeçaa tomar


:liitipsicóticos, pode ser muito difícil c arrisczldo suspctidei essaincdicação, c (luc
muitas pcssoassofrcm recaídasagudas. Mas a literatura também revela qttc há
pessoascapazesde abandonarcota sucessoos medicamciitos, c que é essegrupo
que se sai itlclhor a longo prazo. Kate conseguiu cntntr nessegnipo

'Aquele(lia dc 2005cm quc cu resolvi mclhontr foi o divisor de águasiul minha


vida", diz cla. "Eu enl uma l)cssoacompletamentediferente.Ent niliito gorda,
fumava o tempo todo e cni cmocion;llnlcnte zlpática.Hcje, quando topo com
pessoasque illc cotiheccntm naqttcla época,elas ilein nlc reconhecem.Até minha
mãc diz: 'Você não é a mesma

135
7
A Armadilha das Benzodiazepinas
O queparecia nutilo bottt nas l)enaodia(epinm, (lüaltdo ett brittcaua
co»l elm, ela quereíilmeittepareáait\n\ dispor de urna droga quenão tinhti
iltnitos probLentas. Em reLrosbectiua, Pllrém, uê-se que ela co?ltopõr culta chave
de Brida dentro de unl relógio de bula c esperar que ela ttão cau\asseestragos.
-- AlccJcljller mé(fico britânico quc conduziu os primeiros
ensaios com ui la benzodiazepina no Reino Unido, 2003

Os fãs de J4ad.A4elz,
seriada d;t televisão a cabo quc fala d:t vida de Don Draper
c outros l)ublicitários da avcilid:t Àladisoil lio começoda décadítdc 1960,talvez
se recordem de uma ccna do último cpisó(lio da segunda temporada cm qut'
unia amiga da mtilhcr dc Draperl Betty,diz a cla: "\vocêquer um Nliltown? E a
únicít coisa qtic tem nle impedido dc i'oer as unhas até o sabugo". Foi um toqlic
interessante, historicamente corneto, e, se os criadores dc ã4ad .A4e/imantivercm
essaexatidão na reprodução de época, ila terccini temporada e lias scguintes, que
contarão a história dos hoincns claptiblicidadc e suas famílias nos anos turbulentos
dc tiieados tla década dc 19(iO,os telespectadorespoderão esperar que BeLty
Draper e suas amigas vasculham alias bolsas c façam referências dissimuladas
[o "a:judantczinho da mamãs'". A companhia fan1]21cê]itica Hoffn)ztnn-La Rocha
introduziu o Valiuni no nlci'cada em 1963,ítiiunciando-o pai'ticularnlente para as
mu[hercs, e, de ]968 a 1981, c]e foi o remédio mais vendido no mundo ocidental.
No ciitanto, cilquanto os noite-americanos devoravamcssccomprimido destinado
il mantê-los tranquilos, aconteceuuma coisa muito estranha: disparou o número
de pessoítsaclmitidzts cm hospícios,prontos-socorros psiquiátricos c clínicas paUL
pacientes cxtenlos com l)roblemas mentais.

A literatura científica sabeexplicar por que essasduas coisassc ligaram.

A Ansiedade Antes do Miltown


Embora a }ulsiedadc sqa um compoiicnte habitual do psiquismo humatto,
da nossa nleiite nloldadit pela evolução para se prcocttpar e se afligir há pessoas
dais ansiosas quc outras, e a ideia de qtir' essa &tligústia afetiva é uma doença

137
ANATOhIIA 1)1;UX{A EPII)I:X[IA

diagnosticável remonta a um neurologista nova-iorquino, George Bcaid. Em


1869, cle anunciou quc o medo, a preocupação, a fadiga e a insónia resultavam
do "cansaçodos nervos", uma docnça física à qual deu o nome dc "neulastenia"
Esse diagnóstico revelou-sc popular a doença foi vista como um subproduto cla
rcvolução industrial qtic varria os Estados Unidos na esteira da Gucrnt da Secessão,
e, naturalmente, o mercadocriou unia variedade de tei'apias que seriam capazes
dc restaurar os nervos "cansados"das pessoas.Os fabricantes dc medicamentos
registrados, do tipo vendido sem receita, vendiam "fortihcantes para os nervos
com uma pit:tda de opiáccos,cocaínae álcool. Os neurologistasalardeavamos
poderesrevigoiantcs da eletricidade, o que levou os neurastênicosa coinprarcnl
cintos, suspensóriosc massageadorcsportáteis, todos elétricos. Os mais ricos
po(liam internar-se en] xPai quc ofereciam "curas de i'epouso") nas quais os nervos
dos pacientes eram restaui'idos pelo toque tei'apêutico dc banhos calmantes,
massaueils e divcr : p".,p«h",.,. .latrina.

Sigmund Frcud proporcionou à psiquiatria uma lógica pala o tratamento desse


grupo de pacicntes e, ao fazê-lo, permitiu que cla saíssedo manicâtnio e entrasse no
consultório. Nttscidocm 1856,Frcud pendurou sua tabuleta cleneul'ologista num
consultót'io em Viena em 1886, o quc significou que muitos dc seuspacientes eram
mulheres que sofriam de neuiastenia(a doença de Beard também se popularizada
na Europa). Após horas de conveistls com seus clicntcs, Freud convenceu-se dc que
os sentinlcntos dc pavor c prcoctipação quc eles apresentavam eram dc oiigcm
psicológica, e não resultantes de nervos cansados. Em 1895, ele escreveu sobre
a "medi'osede angústia" nas molhei'es, teorizando que ela brotava, em grande
parte, do recalcaillento inconsciente dc desejosc fantasias sexuais. As mulheres
que sofriam dessesconflitos psicológicospodiaill encontrar alívio por nlcio da
psicanálise, na qual a l)acientc clcitada no divã eia con(luzida pelo médico a fazer
uma explontção dc scu inconsciente.

Na época,a psiquiatria cra a procissãodc quem tratava de pacientesloucos


cn] hospícios ou manicómios. As pessoas com os nervos cansados procuravam
neurologistas ou clínicos gerais cm busca de ajuda. Mas, sc a angústia surgia de um
distúrbio psicológico no cérebro, c não de um cnn'aquecimento dos nervos, fazia
sentido que os psiquiatras cuidassem dessespacientes, e, depois quc Freud visitou
os Estados Unidos, cm 1909, começaram a sc formar sociedadcs psicanalíticas,
sendo Nova York o centro dessa nova terapia. No âmbito nacional, apenas 3% dos
psiquiatras tinham consultórios particulares em 1909; trintit anos depois, 38%
delesatendiam pacientes cm ambientes privados.ZAlém disso, a temi'iafreudiana

138
A Armadilha clãs Benzocliazepinas

transformou quase todos em candidatos ao divã do psiquiatra. "Os neuróticos",


explicou Freud durante saiavisita de 1909,"adoecem dos mesmoscomplexoscom
que lutam as pessoassadias."j

Graças às teorias freudianos, os transtornos psiquiátricos passarama scr


divididos em duas categorias básicas: psicóticos e neuróticos. Em 1952, a Sociedade
Norte-Americana de Psiquiatria publicou a primeira edição de scu B4a/zzza/
de
Z)iag/zósf co e Es/afãs/ica dox.Dís/zíróíoi .A4e/zlaü, o (lual descreveu nos seguintes termos
o paciente neurótico:

A principal característica dos distúrbios [neuróticos] é a "ansiecladc", quc pode scr


diretamente sentida c expressada,ou controlada dc forma inconsciente c automática
pela utilização clevários mecanismos dc defesa psicológicos. (-.) Em contr:\ste com
os psicóticas, os pacientes cona distúrbios psiconcuróticos não cxibcm uma grave
distorção ou falsificação da realidade externa (delírios, alucinações,ilusões) c não
apresentam lmla desorganização maciça da personalidade.'

Era essa a visão da ansiedade quando o Nliltown chegou ao mercado. As


pessoas ansiosas tinham os pés firmemente plantados na realidade, e raras vezes
a ansieditde constituía lama docnça quc cxigissc hospitalização. Em 1955, havia
tpcnas 5.415 "psiconeuióticos" eili hospitais psiquiátricos estaduais.SComo
confessouo psiquiatnl Leo Hollister apósa introdução dasbenzocliazepinas,essas
drogas "ldcstinavaml-se a tratar do que muitos veriam colho 'distúi'bios leves'".r'
Essesmedicamentos(,i tm um bálsamo p;tra os "feridos ambulantes", (- pnr isso,
ao cxanlinarmos a literatura sobre resultados referentes às bcitzodiazcpinas,
deveremos esperar quc esse grupo dc pacientes funcione bem. Afinal, ítssim cra o
futuro prometido poi Frank Bcrger o inventor clo Miltown: "Os traiiquilizantcs,
aoatenuarctlt a influência disruptiva da tiisiedadc na ineitte, abrem caminho para
um uso mclhoi' e initis coordenado dos dons existentes", afirmou.7

Os Tranquilizantes Leves Caem em Desgraça


Çjluando surgiu o Miltown, divulgaram-sc alguns estudos cn] publicações
médicas cine falavam como mais tardc recordaram dois pcsquisaclorcsda
Faculdadede Medicina da Universidade[larvard, David Grccnb]att e Richard
Shader de sua "ehcácia (luasc illágica na redução da ansiedttdc". Todavia, como
muitas vezes aconteceu na psiquiatria, havendo aparecido um sucessor no mcrcado
(o Librium, em 19(50),a cllcácia do antigo medicamento começousubitamente a
se reduzir. Em seu exainc da litcratuia sobre o h/liltowii cm 1974,Grcenblatt e
Shader constataram que, em 26 ensaiosbcm controlados, houve apenas cinco ein

139
ANATOXIIA DE IJbIA EPIDEMIA

que o Miltown "foi mais eficazdo quc um placcbo" comotratamento da ansiedade.


E não havia nenhum indício de que cle fosse melhor' quc um barbitúrico para
acalmei' os nervos. A popularidade inicial desse medicamento, escreveram eles,
"ilustra como outros favores que não a comprovação cientíGlcapodem dctelnlinar
os padrões de uso dc medicamentos pelos médicos".'

Mas a razão de o Miltown ter caído cm desgraça perantc o público veio de um


prol)lema diferente da falta de eficáciacientíhca. Muitos dosquc experimentaram
esseremédio constataram quc adoeciam ao suspeitdê-loe, ein 1964,Carl Essig,
um cientista do Centro de PesquisassobreVícios, em Lexington, no estadode
Kentucky, informou quc cle "podia induzir à dependência física no ser humano".9
A revista Soe/?cgemi apressou-sea anunciar que a pílula da felicidade podia scr
"viciante" e, em 30 de abril de 1965, a 7}/?zepraticamente sepultou o medicamento.
Havia "uma decepçãocrescentecom o Miltown por parte de muitos médicos",
escreveua rcvista. ':Alguns duvidatn que ele tenha mais efeito tranquilizante do
quc um placebofeito de açúcar.(...) Alguns médicosrelataram que, em certos
pacientes, o Miltown pode calisai' um verdadeiro vício, seguido por sintomas ctc
síndrome de abstinência semclhaiites aosdos ustiáriosdc narcóticos em processo
dc 'sclivrar do hábito'."in

Publicamente, a maioria das bcnzodiazepinas escapoudesseopróbrio durante a


década de 1960. Quando introduziu o Librium no mercado, em 1960, a Hoffmann-
La Rocha afirmou que scu medicamento proporcionavaum "alívio puro da
ansiedade" e, ao contrário do Miltown e dos l)arbitúricos, era "seguro, inofensivo
c não viciantc". Essacrençavingou e }t Administração Fedcial dc Alimentos c
Medicamentos(FDA) pouco fez para questiona-la, muito embora comcçasscdesde
muito cedo a reccber carttts de pessoasque vinham expcrimeiltando sintonias
cstrailhos e muita aílitivos, ao teiitarcm deixar de tomai' bcnzodiazepínicos. Elas
fa[avam dc uma insâtlia terrível, dc ansiedade mais aguda do qttc httviam sentido
até então, c clc umil profusão de sintomas físicos -- trcmures, dores clc cabeça c
nervos com "lama irritação dc cnlouquccer". Como escreveuu m homcm à l?DA, "cu
não doiinia e, clc modo geral, sentia-mc péssimo. Às vczcs, achava qtic ia inorrcr
c noutras, queria tcr morrido".li Apesítr dc ter pi'omoviclo uma ;audiência sobre o
assunto, a FDA não impôs às bcnzodiazcpinas ncilhum contro]e legal semelhante
ao quc havia instaurado cm relação às anfetaminas e aosl)aibitúricos, c cota isso
It crença popular ali (lue essesillcdiciimcntos eram rclativamcntc não viciantcs
c inofensivossobreviveuaté 1975,quando o Ministério da Justiça dos Estados
Uitidos exigiu que eles fossem classificitdos como substâncias cla catcgoi'ia l\( nos

14o
A Armadilha das Bcnzodiazepinas

termos da Lei de Substâncias Controladas. Essa designação limitava o número cle


vezesquc o paciente podia voltar a comprar o medicamento sem uma nova receita,
e revelou ao público quc o governo havia concluído que as benzodiazepinas eram
viciantes,de fato.
PERIGO A VISTASVALIUNI -- O CoN'II'RINÍIDO QUE Voei': AMA -- PODE VoI;rali-SII; CONTRA

você", gritou uma mancheteda revista Hogzle. Os benzodiazepínicos, cxplicou a


revista, podiatn ]evílr a llm "vício muito pior que o da heroína".iaEstava iniciada
;l reaçãocontra o Valium, particularmente nas páginasdas revistas femininas, e a
l avista 7Ms.logo ofereceuao público leitor relatos em primeira mão dos horrores
da privação do mcdicamcnto. "Meus sintomas dc abstinência são uma dose
dupla da }tnsiedade,dztirritabilidade e da insâitia que eu sentia", afirmou uma
usuária. Outra confessou: "Nem sei colho descrever a angústia física c mcntal que
icompaithou minha suspensãodo remédio".'s A pílula da felicidade da décadadc
1950estavasc transformandona pílula da infelicidade da décadadc 1970,caiu
o .Nê?u
Maré71/ncxrelatando,em 1976,quc "algtms críticos chegama dizer que [o
Valiui)i] tem causado mais estragos do que benefícios, ou chegam até }t negar
quc cle faça algum bem para a grande maioria dos pacientes.Alguns, alarmados,
gritan] que ele cstá longe dc scr tão seguro quanto se proclama,que podc
viciar de foritia horrcltda c perigosa,c (luc podeser a causadireta da it)arte (los
viciados".n Afirmou-se quc dois milhões dc norte-americanos estavan) viciados ntls
b( nzndiazt l)inlts -- quatro vez('s o númt ro dc viciados cm heroína ilo país --, ( um
dos usuáriosdo comprimido veio a se revelar a cx-prinlcira dama Bctty Ford, quc
sc internou nlln] ccntro dt' reabilitação do consumo dc álcool c drogas cm 1978.
O abuso dc tn\ilquilizantes, disse scu médico, Joseph Pui'sch, cra "o problema
número um dc saúde:dtt nação".n

Nos altos seguintes, as benzodiazcpinas cair;lin oíicialmciite t-in clesgiaça.


Ein 1979, o seitador Eclw;trd Kenncdy conduziu llmit attdiêticia da Subcoiliissão
dt Saúda' do Senado sobra' os perigos dita betlz.odiazepinas, as quais alarmou
terem "produz.idollni pesadelode dt'pciidêtlciae vício, ninhos(It' tratamento
I' recuperação muito difíceis".to Depois dc ret'xitininar il literatura científica, o
Gítbint te da C;tsa Br;bica sobrea Política Nacional dc Controle dc Diogits concluiu
quc {)s efeitos soníferosdessesreillédios não duravam mais quc duas seilltulas, c
essaconsLaLaçã{)logo foi respaldada pela Colilissão dt Revisão clt Medical)lentos
do Rt'ino Unido, que constatou quc os efeitos }lntiaiisiccladc-dos bciizodiazepínicos
não iaii) além dt' qllatro ilicses. Nessascondições,il coitlissãorccuillcndou club
;os pacientes que i'ecrbcin terapia bt't)zodiazcpínica sejam cuidzLdoszutlente

141
AN,\TOhI[A DI,; UNIA E],IDENIIA

selecionadose monitoiados, e quc as receitas se restrinjam ao uso poi períodos


curtos".i7 Como questionou um editorial do .Bd/üi% .44edira//ozzr/za/, "Agora que sc
mostrou que as l)enzodiazepinascausam dependência,não deveria seu uso sei
controlado mais de perto, ou até banido?".i'

O ABC das Benzodiazepinas


Esta história cle como as benzodiazcpinas caíram em desgraça poderia parecem
antiga e ultrapassada-- uma nota de rodapé em nossatentativa clecompreenclci-
por quc houvc tamanho aumento do número de pessoasincapacitadas por docnças
mentais nos EstadosUnidos, nos últimos cinquenta anos --, não fosse o fato de
que essesmedicamentos nlmca desapareceram,na verdade. Embora o número
clc receitas de benzocliazepinas tenha caído, depois de elas selim classificztdas
como drogas da categoria lv. de 103 milhões em 1975 para 7 1 milhões cm 1980,no
ano seguinte a companhia farmacêutica Upjohn introduziu o Xlanax no mercado,
e isso ajudou a estabilizar as vendas de benzodiazepínicos.t9Os psiquiatras
continuaram a presclevê-lospara muitos dc seuspacientes nervosose, em 2002,
Stephen Stahl, um famoso psicofarmacologista da Universidade da Clalifóinia em
SanDiego, confessouo segredinhosujo da psiquiatria num artigo intitulado "Não
pergunte nem conte, mas as benzocliazepinasainda são o principal tratamento
para o transtorno da ansiedade".ZO Desde então, a prescrição desses remédios nos
EstadosUnidos aumentou, passandocle 69 milhões de ieccitas cm 2002 para 83
milhões em 2007, o que não hca muito abaixo clo número alcançado no auge da
febre do valiam, cm 1973.Zi

Por isso, visto (lue as benzocliazepinas têm sido largamente usadas há cinquenta
anos,precisamosver o que a ciência tem a nosdizer sobre essasdrogas,e se o uso
delas estaria contribuindo de algum modo pala o aumento do número de inválidos
por doença mental nos Estados Unidos.

EÓ,cá.ci,a
a culto pTa
Como pode atestar qualquer um que tenha tomado uma benzodiazcpina,ela
age com rapidez e, se a pessoanão se houver habituado à droga, esta entorpccerá
seu sofrimento emocional. Desse modo, as benzodiaze])mastêm uma evidente
utilidade para aluclar pcssoasa atravessar ct'ises situacionais. A escritora Andrea
Tome,em seu livro ZZeHgeof 4zzxieZg
[A era c]a ansiedade],re]ata como uma
benzodiazepina Ihe pcrmitiu entrar num avião, depois dc ela ter desenvolvido um

142
A Armadilha das Bcnzodiazepinits

misterioso medo cle voar. Alas, cume revelantm os ensaios clínicos, essa eGlcácia
inlcdiata começaa diminuir depressac prtlticanicnte desttpareceao cabo dc
quatro a seissemanas.

Em 1978, Kenncth Solomon, da Faculd;tdc dc Nlcdicina dc Albaily, no estado de


Nova York, examinou 78 ensaiosduplo-cego de benzodiazepinas c determinou quc
os inedicanlcntos só se revclaraiil signihcativanicilte melhores do quc lim placcbo
cm 48 deles.Q.uandomuito, seria possíveldizer quc os resulttLdoscoletivos
sugereill unia eficácia tenlpêutica", escreveu.22Cinco anos depois, Arthur Shapiro,
da I'acuidade dc Nlcdicina Mt. Sinai, na cidade dc Nova Vork, cunsubstaiiciou um
pouco mais essequadro dc eficácia, relatando que, nujn ensaio com 224 pacientes
ansiosos,o Valiuill revelou-se sul)criar it um placebo na prinlcira semana, porém,
cm seguida, csslt vaiiLagc'm coiilcçou a se reduzir. Coiit base na autoavaliação dos
sintoni is feita pelos pacientes, não havia, ao término da scgunda semana,nenhumtt
diferença eiltrc a droga e um placa:bo,e, ao cabo dc seis scnianas,o grupo que
tomavlt o placcbo saiu-sc ligeirlunente melhor. "E improvável, na nossa opinião,
quc estudos cuidadosalncnte controlados clcmonstrcm, de modo consistente,
Efeitos terapêuticos clãsbcnzudiazt:l)mas contrít a ansiedade", escreveu Shapiro.2'

Essequadro d;t eficáciadas benzodiazc'l)mas


a curto prazo não sofrcti
mudanças nlarcaiites desde't:ntão. Essas drogas mostram clara clicácia iia
primeira scmaiia e, cm seguida,sua vantagem cnl relação a iim placcbo diminui.
lbclavia, como assinalantnl invcstigaclorcs l)ritíliiict)s clip 1991,essebicvt: período
dc eficácia sc dá a llm custo bastante alto. "0 funcionanlcnto psicomotor c o
funcionamento cognitivo podctlt scr prejudicados, e a amnésia é uin efeito conlliili
dc todas as benzodiazcpinas",dissciam.2' Enl 2007, pt'squisadoresda Espttnha
averigttaram se essesefeitos advci'sosailulaviuil o pt:quero "benefício da cíicácia"
proporcion:\do pelos mcdicamcntos, e constataram qut: as taxas dc abandoito nos
ensaiosclínicos -- medida comumcnte usadapara avaliar a "eficiência" global dc
uin nlcdicamellto fiam idênticas lias pacientesquc recebiam a bcnzodiazcpinac
o placcbo. "Esse exame sistemático não encontrou provas convincentes da eficácia
;t curto prazo dasbeiizodiazcpinasno tratamcllto do transtorno gencializttdode
ansiedade", afitmantnl.2s

Nlalcolm Ladcr psiqlliatrtl do Instituto dc Psiqliiatria dc Londres quc é um dos


maiores especialistas mttncliais en] beiizodiazcpinas, explicou illlnla entrevista a
importância desseresultado: "A eficáciaé unia medida do que sc dá ila realidade
da clínica".a'i

143
ANATOÀ[IA DE UNÍ/\ EP]])ENFIA

Si,ndromes de abstâ,nênci,a

Embora o primeiro relato cle dependênciade benzodiazepínicos


tenha
aparecido na literatura científica cm 1961, quando Leo llollister, da Universidade
Stanford, relatou que pacientesque suspendiamo tratamento com Librium
vinllam experimentando sintomas estranhos, foi só quando o Níínistério daJustiça
classificou as benzodiazepinas como drogas da categoria IV que os pesquisadores
começarama investigar o problema com algum vigor. Em 1976,os médicos
Barry Maletzky eJaines Kotter derttm a partida nessainvestigação,infoimaildo
que, quando seuspacientes paravamde tomar Valium, muitos se queixavam
de "extrema ansiedade".27Dois anosdepois,médicosda UniversidadeEstadual
da Pensilvânia anunciaram que cra frequente os pacientes que suspendiam o
tratamento cona a benzodiazepina experimentarem "um aumento da ansiedade
acima dos níveis banais (-.), um estado que chamamos dc 'ansiedade dc rebote'".2n
Na Grã-Bretanha, Lader relatou resultados similares. "A ansiedade teve uma
acentuaçãomarcante durante a retirada da droga, a ponto dc chegar ao pânico
cm vários pacientes. Foi comum eles experimentarem sintomas corporais dc
ansiedade,tais como sensaçãode sufocainento,bocaseca,sensaçõesde calor e
frio, pernas bztmbascoma gelatina ctc.""

Ansiedade de rebote com o Valium

40

35
=


30

25

20 Retiradado
medicamento
15

10
' 'D

5
ã
UJ

0
0 7 14 28 42 56
Diasde tratamento

Nesse estudo de 1985, feito por invcstigadol'cs britânicos, os pacientes tratados com Valium não
sc saíram nlclhor quc os pacientes tratados com um placcbo clurantc as primeiras seis semanas.
A administração do Valiam foi então suspensanos pacientes club os recebiam, c seus sintomas dc
tnsic(lado dispai':ll'am l)ai'a um nível ijluito mais alto (luc o dos sintoiii;ls dos pacientes tnltados com
o placcl)o.l?onte:K. Powcr "Controlled studyofwitlldi'awal symptomsand icboun(lanxiety aftci' six
wcck couist: of cliazcpanlForgcncralist:d anxicty", BdZÜAã4cdicrz/Jarfr/za/
2ç)0( 1ç)85): 1.246-1.248.

144
A Armadilha dtts Bcnzocliazepinas

Aparentemente, os pacientes dos quais eram retirtLdas as benzodiazcpinas


ficavam m;tis ansiosos dn qttc nunca. Ao longo da décad;t seguinte, Lidei' e
outros mé(licor ingleses (em c'spccial Hcathcr Ahston, médica da Universidade
de Ncwcastle ul)on Tyne quc dirigia alIaRclínica para pacientes conasíndrome dc
:abstinência)contiiiuzu'am a investigar esse problema c cotilpilaram uma longa
lista de sintomas qttc podiam atormentar os que deixavam limo benzodiazepina.
Além da ansiedadedc rebote, os pacientespodiam sofrcr dc insónia, convulsões,
ti'cinorcs, dores de cabeça, cmbotanlcnto da visão, unidos auditivos, extrema
sensibilidade ao ruído, sensttção de insctos iastqaildo ilo corpo, pesadelos,
alucinações, depressão extrema, despersonalizaçãoc dcsrct\lização (sensação
de quc o mundo externo é irreal). A abstinência, segundo disse um paciente a
Hcathei Ashton, eia coillo "a morte cm vidit(...) itchei qtic cu tinhtt cnlouqticcido:

Essesresultados mostram com muita clareza que a síndrome de abstinência


da benzodiazepina é limo doença grave", escreveu Ashton. "Os pacientes
costumavam ficar atcrrorizztdos,amiúde com dores intensas c vcrdadeiramcntc
pi'estrados. (...) Sem quc tivcsseiTI a incnor culpa por isso, os pacientes sofreram
consideráveis aíliçõcs físicas e mentais.""'

Ne ilatodas aspessoassofrem dessatnancira com a retirada das bctlzodiazepinas.


O risco de sofre:ros sintomas da abstinência variado acordo com o tempo durante o
qual o indivíduo usou o iiledicamcnto, a potência da bei)zodiazcpina c a velocidade
do processo de desnlame. A maioria dos pztcientcs quc tomaram benzodiazcpina
pur um prazo rclativan[cntecurto, colho un] ou dois meses,conseguesuspct)dcr
seu lista cona pouca dificuldade. Entretanto, algumas pt'ssoas experimentam
sintoin \s dc abstitlêiicia depois dc tontareiil limíl benzodiazcpina por apenas
tlgum2tsst'mtlnas e, pai'a o usttário dc longo prazo, o "desmíune" do remédio pode
levar um ano Oli tllais. Além disso, unltl pequena pciccntagcm das pessoassofre
dc un a "síndrome retardada de abstinência", c sua aitsieditdc pcriTlanccc cm
iiívcis elevados "por mllitos meses i\pós a suspctisão da benzodiazcpina", observou
Ashton.3i A depressão pode agravam'-se
e os sintomas perceptivos estrtlnhos --
despersonalização,dcsiealintção, sensaçãode insctos rastejando na pele -- l)odcm
atornlciitar a pc'ssoapor uni pcriodo pi'alongado.E, o que e mais alarmante, uma
pcqucna pcrcciitagcn] de usuários dc longa data nuil(a sc recttpcra inteirítmcnte
Isso é muito preocupante", disse Líder numa entrevista. "Dc algum modo, há
ulntl mttdatlçaEno céit bro]. Não possodizer que todos se recuperarão a ponto de
voltar à tlormaliclade,qtiaildo suspenderemo uso prolongado."

145
AN,\roxa.\ nl; UNIA Epmi;Niu

A biologia do "desmente" das benaodiazePi,nas


Em 1977, alguns pesquisadores descobl'irttm quc as benzodiazcpinas afetam
um neurotransmissor cereal'al conhecido como GABA. Ao contrai'io da dopamina
e da seiotonina, que transmitem uma mensagem"cxcitatói'ia" que impele o
neurónio a disparar, o GABA (ácido gama-aminobutírico) inibe a atividadc
neuional. O neurónio que recebe a mensagemdo GABA dispara em ritmo mais
lento, ou para dc clispaiar por um pcríoclo.A maioria dos neuiânios ceicbrais tem
ieceptoies GAMBA, o que significa que esseileuiotlansmissoi atua como o frcio
da atividade neuroiial ilo cét'abro.As benzudiazcpinasligttm-sc aos receptores
GABA e, com isso, ampliam os efeitos inibitórias desse ácido. Apertam mais fundo
o freio do GABA, por assim (lizcr c o result2tdoé que isso reprime a atividade do
sistema nervoso central.

Enl resposta,o cércbio reduz sita produçãode GABA e a densidttclcdos


respectivos receptores. Tenta "restabelecer a transmissão normal do GABA",
como explicaram cientistas britânicos em 19H2.s2 Todavia, cm consequência dessas
mudanças adaptativas, o sistema dc frenagem do cérebro passa íl funcionar num
[:atado fisiologicamente prejudicado. Seu fluido de freio (a produção de GABA)
hca baixo c seus pcclais dc freio (os receptores GABA) se dcsgastam. Como
rcsultado, quando a bcnzodiazcpina é retirada, o cérebiojá não consegue inibir de
foi'ma adcquaclaa ativiclade neuronal, e seus neurónios podcm começar a disparar
nlin] ritmo atabalhoado. Essa hiperatividade, concluiu Heathcr Ashton, talvez
"responda por muitos efeitos dtt abstinência".3sA ansiedade,a insónia, a sensação
de insetos rastejando na pele, a paranóia, a desrealização,as convulsões,todos
essessintomas incâmotlos poclcm surgir da hipcratividade tietironal.

Q.uandoa pessoafaz o "dcsmatne" gradativo dc uma benzodiazcpina, o sistema


GABA podc voltar lentamente ao normal, com o que os sintomas da abstinência
sc tornam brandos. Entretanto, o fato de alguns usuários de longo prazo sofrerem
com "sintomas rctai'dados" se clave, provavclmcnte, "à impossibilidadedos
receptores[GABA] dc retomar :\ seu estadonormal", disscAshton.S'O liso dc
benzodiazepinasa longo prazo,explicou cla, pode "não apenasdar origem a
mudançíts funcionais dc reversão lenta no sistema nervoso centrtLI, mas também
acarrctarl ocasionalmente,danos ncuronais estruturais".3SEm tais casos,o freio
GABA nunca mais volta a funcionttr comodeveria.

146
A Armadilha das Benzodiazepinas

Efei,tosa l,ongo
prado
Depois que pesquisadoresdos Estados Unidos e do Reino Unido determinaran]
que as benzodiazepinas iiãoproporcionavarmlenhuni alívioduradouro cla ansiedade,
surgiu uma indagaçãoóbvia: sela que essasdrogas, (quandocontinuamente
toma\das,piora/?z
o próprio sintoma que deveriam tratar? Em 1991,Karl Rickcls,
da Faculdadede Medicina da Universidadeda Pensilvânia,escreveusobre um
grupo de pacientes ansiosos que haviam tentado abandonar as benzodiazepinas,
três anos antes, e constatou quc as pessoasque tinham conseguidosuspen(ler o
uso tios medicamentos estavampassaitdo"significativamente" melhor do que os
pacientes quc nãu conseguiram fazê-lo.3ÕPassados poucos anos cle apicsentou um
novo estudo. Quttndo usuários de longa data descontinuitvam as beilzodiazepinas,
"ficavam mais atentos, mais relaxados e menos ansiosos,e essa mudança era
acompanhada por uma melhora nas funções psicomotoras".S7Os que mantinham
o uso clãs benzodiazepinas eram mais estressados em termos afetivos do que as
pessoas quc as abandonavam.

Outros autores relatanlm resultados similares a longo prazo. Investigador'es


canadcnscs dcscubriram que o uso dc bcnzodiazcpiilíts levava zl uma quadruplicação
dos sintomas(lcpressivos.30
Na Inglaterra, Ashton observouque quem permanecia
no tratamento com essassubstâncias tendia a focarmítis doente: "Muitos pacientes
constatam (luc os sintomas de ansiedade aumentam aos poucos ao longo dos anos,
apesardo uso contínuoda bcnzodiazcpina,e podemsurgir pela primeira vez
ataques de pâ[iico e agorafobia.":loEssesestudos e observaçõesapontaran] pala
lim clirso muito problemático a longo prazo e, em 2007, pcsquisadoresfranceses
hzcram um levantamento com 4.425 usuários de beiizodiazcpina de longa data,
constatando que 75% estavam ";acentuada a extremamente doentes(.-) a grande
maioria dos pacientes tinha uma sintomatologia significativa, cm particular
gi'andes episódios depressivos c transtorno generalizado dc itnsiedade, não raro clc
gravidade c incapacitação prontmciadas".'o

Além de causar estresscafetivo, o usi) de beiizodiazcpinas a longo prazo também


levzta prquízos cognitivos.Os pes(luisadoresreconheceramdesdecedo que havia
problemas de memória associadosao uso a curto prazo, e isso levou David Knott,
um médicoda Universidadedo Tennessee, a emitir um alerta em 1976:"Estou
inteiramente convencido de que o Valiam, o Libi'ium e outros medicamentos
dessacategoria causamdálias 110cérebro. Vi lesõesclocórtex cerebral que creia
sei'eindevidasao usodessassllbstâncias,e começoa me indagarse o dano é
permanente".+l Nos 25 anos seguintes, relatos de prejuízos cognitivos em usuários de

147
ANATOXIIADI; UNI/\EPI!)EXII/\

bcnzodiazcpina por longos períodos aparcceram com regularidade em publicações


científicas. Esses estudos falavam dc pcssoasquc vinham tendo clificuldadc para
se concentrar, recordar coisas, aprender coisas novas e solucioltar problemas. No
entanto, os pacicntcs "não [tinham] consciência da redução de sua capacidade",
esci'eveuLadcrJo que era prova de que sua autopei'cepção
também estava
prejudicada.'Z Em 2004, lim grupo de cientistas australianos, depois de examinar
a literatura pertinente, concluiu que "os usuários de benzodiazepina a longo prazo
mostraram-se consistentemente mais prejudicados que os sujeitos de controle,
em todas as categoriascognitivas", sendoessesdéíicits de magnitude "moderada
a grande". Os estudos mostraram que, "quanto maiores a ingestão, a dose e o
período de uso [de umit benzodiazepina], maior o risco de comprometilTlento".43

Maior ansiedade, mpior depressãoe deterioração cognitivil -- todos essesfatores


contribuempara um declínioda capacidadedc funcionamentoda pessoaem
sociedade. Em 1983, a Organização Mundial da Saúde notou uma "detelioiação
marcante nos cuidadospessoaise nas interaçõcssociais" de usuáiios de
l)enzodiazepina por períodos prolongados.u Outro investigador relatou que essas
pessoasacabam cona habilidades precárias para lidar com as situações.'sNum
estudo6lntuiciadopelit empresafarmacêutica l luffinann-Lit Rocha, fabricante do
\zalium, investigadoresda Univcisidade dc Michigan determinam'am
que tomar
essadroga estava "associado à má qualidade dc vida, a um dcscmpenhn precária
no trabalho e na vida pessoal, a um reduzido suportc social, à percepção de falta
dc controle intento, a uma saúde percebida como precária e a altos níveis dc
estresse".4Õ Ashton detcnllinou que o uso a ]oiigo prazo levava a "mIaI-estares,
saúdeprecária c níveis elevadosde neurotizaçãu".4'As benzodiazepinas,no dizer
dela, contribuem para "a perda de postosde trabalho, o desempregoe a pcrda da
capacidade de trabalho por motivo dc doença".4:'

Tal é a história contada sobreas bcnzodiazepinasna litcratui'a científica. Além


disso, trata-sc clc uma história fácil dc levantar como atesta o dr. Stevan Gressitt,
hoje dirctor médico dos Serviços dc Saúde Mcntal de Adultos no estado do Maine.
Em 2002,cle aludoti il formar o Grupo do Mainc pttnt Estudo das Bcnzodiazcpinas,
composto por illédicos c outros profissionais da saúde mental, o qual concluiu
quc "não há provasquc corroborcin o uso dc bcnzodiazcl)mastt loitgo piano parti
nenhum probleiiia dc saúde nlciltal". As bcnzodiazepinas,cscrcvcrílm Grcssitt c
seuscolei;\s, podem"agravar" os "problemasmédicosc cla s:lúdc mental". Etn
uma entrevista, l)crgllntei ao dr. Grcssit sc csscs"problcnias" incluíam imsiedadc

148
A Armadilha das Bcnzodiazepinas

}tumentada, comprometimento cognitivo c declínio funcional. Perguntei a mim


mesmose o seu entendimento da literatura cientíhca seria igual ao mcu.

"Não contradigo nem questiono suaspalavras", respondeuele.'"

Geraldine, Hal e Liz


A literatura científica revela (ltie as bcnzodiazcpinas-- assim como os
ncurolépticos-- fuitcionanl como uma armadilha. Essas drogas mclhontm ;t
lnsiedadc por um curto período, por isso podctldo ofert:ccr à pessoaaflita um
alívio muito necessário.Entrctailto, t'las funcioiiitm pí'r///rórr/zdo
\im sistcliia dc
ncurotransnlissorcs e, cm resposta, n cérebro passapor ad:\ptaçõescompc:nsatórias;
em consequênciadessasmudanças,coi]] a retirada do nlcdicamcnto a posso;t
toma-se vulnerável a recaídas. Essa dificuldade, por sua vez, pode levamalgumtts
pessoasa tomarem tais remédios indchnidamente, e essespacientestendem a se
torll;u mais ansiosos e mais del)rimidos, bem como a sofrer prejuízos cognitivos.

Vejamos as histórias de três pessoas(luc cllírain na armadilha

Gcr:tldine Buins, uma mulher mztgra, clc cabelos ruivos escuros, aindít mora iia
casaeili quc foi criada. Sciitada comigo em sua cozinha, contou-mc:sua história,
t;ilquanto sua inãc idosa cnLntva e saía its prcssiLS.

Nascida enl 1955,Gcraldine foi uma ente'eseis falhose veio dc uma família
feliz. Scu pai ci'a irlandês, sua mãe, libanesa, c o l)airro c:in que moravam, em
Boston, cra conhecido colilo Pequeno Líbano -- um lugar' onda todos, com certeza,
sabiam o nome uns dos outros. Tias, tios c outros parentes n]oravan] por pt:rto.
Aos 18 }\nos,Geraldinc conlcçou ;l n:lnlorar uin r;tp2tz(luc inox'avamais adiante, iio
mesiiio quarteirão:Joc Burns. "Estou com cle dt'sdc então", disso-me,afirmando
que, por unl tempo, a vida dos dois dcsclobrou-sc dojeito quc ela havia cspcrado.
Gt'ralcline tinha um ciilprcqo dc quc gostava,iio selar clt' rcclirsos humanos dc
um centro dr reabilitação; o casal teve um filha) saudável (Garrett) c'm 1984 c
st' comprazia comisua vizinhailçit rmiito unida. ExtroverLidil e cheia dc energia,
Gcntldinc era liilla anfitriã constante'dc reuniõesdc fanliliarcs c amigos."l:ll
adoravaminha vida", contou-file. "Adoravatrabalhar fora, adoi'avaminhztfamília
c ;adoravaeste bairro. Fui eu qut' orgilnizei a rctinião dc rct:ncontro da turma da
!ninho c'scola pt'imária. Ainda tillha itmigos dos tempos clcjardim de inf'alicia. Eu
não poda'na scr minis boi'ltlal.

149
ANATOR[IA DE UNIA EPII)ENFIA

Entretanto, em março de 1988,ela teve uma filha, Liana, e em seguidasentiu-


se fisicamente mal. "Eu dizia repetidamente aos médicose enfermeiras que tinha
a sensação de estai pesando uma tonelada" e, depois de excluir a possibilidade de
infecção, um médico calculou que cla devia estar ansiosa e Ihe receitou Ativan.
Geralcline voltou clo hospital para casacom uma receita dessal)enzodiazepinae,
embora o remédio a tivesse ajudado por algum tempo, mesesdepois ela continuava
a sentir que havia algo enado, e procurou uma psiquiatra. "Imediatamente, ela
me disse quc eu tinha um desequilíbrio químico", recordou Geraldine. "Disse quc
eu devia continuar a tomai o Ativan e me garantiu que o remédio era inofensivo
e não viciava. Disse que eu teria de tomar esseremédio pelo resto clavida. Nlais
tarde, quando a questionei a esse respeito, ela deu esta explicação: 'Se você fosse
diabética, teria que tomar insulina pelo resto da vida, não é?'."

Em pouco tempo, a psiquiatra acrescentouao Ativan um antidepressivo


e, enquanto Geraldine lutava para cuidar da falha naquele primeiro ano, seus
sentimentos Ihe pareciam entorpecidos,sua mente, turva. "Eu passavametade
clo tempo desorientada. Mamãe telefonava e eu Ihc dizia alguma coisa, e ela
respondia: 'Você me disse isso ontem à noite'. E cu i'espondia: 'Disse?'." Pior
ainda, com o correr dos nlcscs, cla percebeu quc estava sc tornando cada vez mais
ansiosa,a tal ponto que começoua ficar em casa.Voltar ao trabalho, no setor
de recursoshumanosdo centro de reabilitação, ficou fora de cogitação.A certa
altura, depois clepassarun] ou dois dias sem tomar o Ativan, ela teve um "pesado
ataque de pânico". O governo federal concordou em considera-la incapacitada
pela "ansiedade" e, por conseguinte, com direito a uma pensão mensal do Scgtiro
da Previdência Social por Invalidez (SSDI). "Eu, (lue era a pessoa mais sociável do
planeta, não conseguia sair", disse Geraldine, abanando a cabeça, incrédula. "SÓ
saíase mcu marido me levasse."

Nos oito anos seguintes, Geraldine passou por ciclos intermináveis de uma
combinação de medicamentos ansiolíticos e atiticlepressivos.A ansieda(lc c
o pânicopersistirame ela passoua sofrem
de um lequedc efeitoscolaterais--
erupçõescutâneas, disfunção sexual, aumento de peso, taquicardia (por causa
dos ataques dc pânico) e sangramento menstrual excessivo,este levando turma
histerectomia. "Todas as minhas conhecidas quc passaram muito tempo tomando
Ativan acabaram fazendo histerectomia, todas elas", disse Gcraldine, com
evidente amargura. Por fim, em outubro de 1996, ela consultou um novo médico,
que, depois cle considcrar sua anamnese, identificou um culpado provável. "Ele me
disse: você vem tomando um dos reinéclios mais viciantes de quc se tem notícia',

150
A Armadilha clãs Bt: nzocliazepinas

e cll pensei: 'Graças a Deus'. Caí cm prantos. Tinham sido os remédios, desde
sempre. Ett fora levadtt a adocct'r iatrogenicamente.

Gc:raldincviveu por dois anoso pesadelodo "dcsinamc"do Ativttn c (los


outros rcnlédios psiqlliátricos quc totllava. Odores horríveis emanavam do scu
curpq seus músculostremiam, ela emagreceue, a certa ;altura, passouseminuas
seiii conseguir dormir. "Foi colho sc o inferno sc abrisse c me engolisse", contou.
Apcsai de ter conseguido se livrar do hábito, ela levou vários outros anos para se
sentir fisicaincnte bcm, c ainclttsofre muito com a ansie(jade.A pessottgregária
c socialmente (lcsenvolta (lue ela sempre fora, antes do fatídico dia de março dc
1988cnl que Ihe rcccitartlm Ativan, iluncit mais voltou. "Sc cu toi'irei a ser coliio
cra nosvelhos tempos?Não", munuurou. "Eu choro a morte da pessoaqttc fui.
lodos choramos. Continuo com muito medodc inúmeras coistts.'

Três dias aittes do ciicontro que cu havia marcado com F=lalFlugnlan, quc
mora no sul da Florida, ele ille telefonou para dizer que sua ansiedadetiitha
torniLdu ;t sc dcscilcadcar e quc a ideia dc sair cle casa para uma entrevista
comigo el'a cstressímte dcinais. "Não tejiho pítssztdobem", disse-me. "Ando com
hipcrveiltilação c cuill uns problemas gastrintestinais terríveis. Acho que tenho
dc attiitcntar tltinha dose dc Klonopin.(...) E issoque está acontecendocuiiligo."
Hztl, que cu havia entrevistado por telefoiit: algtms meseslulLes, sciiLiu
iulsiedadcpela primcira vcz í os 13 anos.Baixo e acimado peso,cle não se dava
bem com os colegas do segundo grau. "Eu tinha acessosdc pânico c lim ligeiro
medo dc ficar perto das pessoas", recordou. Nos cinco anos seguintes, cle fez un]
aconsclhaillcnto l)sicológico, mas sem que Ihc reccitêlssemincdicaincntos. "Eu
t:sta\a convivendo com aquilo, lidando com aquilo", disse Hal; mas ciltão, uma
noite, nuili show dc líic#, o pânico o iltingiu caiu tanta força quc ele teve de ligar
para a família e pedir que alguém fosse busca-lo. Nu dia seguinte, um médico Ihe
dcu limo receita de Klonopin.
Eu nlc lembro dc ter perguntado ao médico: 'Vou ficar viciado c ter uma
dificuldade enorme para largar csst: tcmédio?' Também foquei preocupadocom
os efeitos colaterais. Nuaso médico dissc que cãespassariam em uiillt ou duas
scmailas, c será quc isso não enl melhor do que conviver com aqueles ataques de
pânico insllpnrtáveis? Eu respondi: 'Bom, é claro'. E, desde o primeiro compriltiido,
vi que aquilo solucionada o nlctl problema de ansiedade.Para mim, funcionou
perfeitiLmcnte. Eu me senti ótimo.

K
AN,VJ'ONIIA I)E UNIA EI,II)ENFIA

Desde então, a vida de Hal tem sido uma história de vício. Pouco depois de
começar a tomar o medicamento, ele se mudou para Satl Francisco,para levar
adiante sua carreira dc músico, e tudo correu bem l)or algum tempo ele chcgou
até a sc dar com CardosSantana,o grande guitarrista. Mas sua carteira musical
não decolou, c hcje ele acha quc parte da culpa foi do Klonopin, porque o renléclio
acabou com sua ambição c não contribuiu para a destreza dos seus dedos. Hal
acabouentrando numa depressãoprofunda -- "eu me sentia um zumbi", disse-- e,
aos 29 anos, regi'assou à Flórida para morar com os pais. Nessa ocasião, recebeu
um diagnósticocletranstornobipolar e o govci'noconcoi'douem quc a docnça
mental o deixara tão incapacitado que ele tinha direito a receber a Renda
Colnplenlentar da Previdência(SSI). Passaram-scos anos, sua mãe faleceu e,
em 2001,Hal começoua tomar dosesmaiores de Klonopin, casocontrário sua
depressão tomava-sc insuportável. O médico Ihe disse que ele estava abusando da
nlcdicação c o mandou para uma clínica dc dcsintoxicação, na qual, durante um
período dc dez dias, ele foi "dcsmamado" da bcnzodiazcpina quc vinha tomando
f.azia 16 anos.

"0 quc aconteceu em seguida foi a pior coisa qucjá vivi", disse ele. "Eu poderia
llic dai' unia lista dc sintomas,lhas ela não fai'ia justiça ao que eu atravessei
mentalmente. Mlês após mês, a coisa foi piorando cada vez mais. Eu não conseguia
clol'mir e os sintomas... o mais debilitante era a sensaçãode que eu estavamorto.
Eu sentia que o cérebro tinha sido arrancado da minha cabeça, como se eu ncm ao
menos fosse um ser vivo. Eti estava despci'sonalizado, tinha sensações esquisitas
na pele, mcu corpo pareciaestranho.Eu não qucria ]lcm mesmoentrar no
chuveiro. Até a água à tempcratura ambiente ei'a estranha na minha pele. Se cu
a anloi'fiasse ligciramcnte, tinha a sensaçãode quc ela estava me queimando até
os ossos. Eu não digeria direito a comida, passava semanas sem conseguir ir ao
banheiro, não conseguia urinar direito... Vivia num cstaclo constante de ataques
de pânico, e o médico me dizia que estava tudo na minha cabeça, que não ia me
dar receita nenhuma e que os sintomas da abstinência podiam durar no máximo
trinta dias. Eu estava afundando, focandomaluco."

Issoprosseguiudurante dez meses.Hal conheceuGcraldine Burns na internet,


porque ela havia iniciado um grupo de apoio para quem tinha problemas com
benzodiazepinas,
c Burnso consolava
por horasa ho. Dez,vinte vezespor
noite, ele telefonava para sua irmã Susan, gi'itando que ia se matar. Procurou
desesperadamente conseguir uma nova receita dc Klonopin, mas os médicos
que consultou não acreditaram quc seus tormentos se relacionasscmcom a
dcscontiiiuação da bcnzodiazepina. Em vez disso, calcularam que cle havia
152
A Armadilha das Bcnzodiazcpinas

abusadodo medicamciito no passadoe, por isso, recusaram-sc a restabelecer o


tratanicnto. "Eles não cnteiidem que a droga modifictt toda a biologia do cérebro,
c clubcle já leãofuncionadireito", disseHal. Poi fim, sua irmã encontrouum
médico quc conco['dou en] Ihe dar uma rcccití] e, "em q]iestão dc horas, o pesadelo
;acabou.Todos os efeitos colaterais, todos os problem:ts de síndrome de abstinência
qttc cu tinha vivido f'oranl cml)ora. Completamente. Coillo num passede mágica.
Fiquei elospulos, dc tão empolgado"

Hlal iiullca mais tentou abaildotiar o Kloiiopin. Seu cérebro adaptou-scao


remédio, diz cle, e agora\não conseguereadaptar-se."0 Klonopin dcstruiu minhtt
vida. Ele tira o ímpeto e, dc manhã, a gcntc não quer levantar da cama, pnrquc
sc sente muito grogue. Ncn) sei conto é mc sentir normal. O meu mundo é este.
As coisasnão mc cmpolgani conto à nlttioria das pessoas,porque vivo num estado
constltntc de sedição. Isso iluilca devia ter sido receitado parti uso a longo prítzo."
Susan vê as coisas da nlcsma maneira. "Minha innã e cu convcrsamos muito
sobre como nossoirmão é bonito, c cume) quando agc normalmente, ninguém
diria quc há ítlgunla coisit crntda com cle", disse-me. "Ele é adorávcl, encantador,
conversa muito bem. Poderia ter encontrado uma boa mulher c constituído família.
N'lasagora?Não tem nenhum amigo.Nem uilzinho. Passaa maior parte do tempo
cm casa, cxccto qualldo tem que ir zlomercttdo. Está preso numa armitdilha. Não
conseguelargar o Kloilopin. Eu me sinto péssimapor cle, e me sinto péssima por
meu pai, que vai m{)rrcr scm nunca ter visto scu filho sc sair bctn. Morrcmos dc
ti'isteza i\o pensar qttc ele poderia tei tido sua vidit."

Sc umil imagetn vale mais club mil palavras, as fotos que me f'eram man(li\cl:ts
por uma inulhcr dc Ohio, quc chanlitrei dt' Liz, contam suzlhistória de maiieirit
muito sucinta. Existe a foto do "antes", i]a qual ela sorri c olha para a comeracona
,lr conliíLnte, posando como unia inodclo nliin clegailte vestido l)roto. Uitaa das
mãos 2tpoia-scgnlciosaiiiciltc no quadril, o colar }tcrcsccntaum toque rcfiilado,
e o penteadodo cabelopreto revela uin l inulhcr que se apresentaao mundo
cuidadosanlciite. E há taillbéii} a foto do "clcpois", na qual os olhos itparccem
encovadosc inlctados, o rosto e tenso c coiltnlído, o cabelo ficou ralo -- cla parece
uma viciada cm iiletanfetaillina, meio enlouquecida, que tirasse uma foto depois
de ter sido detida pela polícia.

Falamos por telefbnc pela primeira vez cm julho clc 2008, três illcses depois de
cla Lomttr sua últinltl dose dc uma beiizodiazepina, nlcdicaillcilto quc havia usado

153
ANATON[I/\ DE UNIA E],I])EÀ[IA

dui'ante 13 anos. E foi assimquc Liz iniciou sua história: "Minha cabeçapai'cce
esmigalhada. É como se houvesse cavalos dando coices no meu ci'anjo"

Liz, que tem trinta e poucosanos,cresceunum subúrbio residencial abastado


de Columbus, em Ohio, onde frequentou cscolasparticulares e se sobressaiude
múltiplas maneiras.Participou de concursosde canto, ganhouprémios por sua
arte e era excelentealuna. Miúda e bonita, foi convidadapor um representante clo
desfile cle Miss Ohio a palticipai dessa competição. "Eu era uma pessoavibrante,
criativa e divertida", disse.Mas é verdadeque, de vez em quando,lutava com
a ansiedade e a depressão e, quando curvava o segundo ano cla facul(laclc na
Uilivei'sidadc do Estadode Ohio, um psiquiatra a mcdicou comum antidcpressivo.
Infelizmente, o remédio pareceu aumentar sua ansiedade,e o psiquiatra acabou
acrescentandoo Klonopin à combinação. "Ele disse que er2t um comprimidinho
leve, usadopara ajudar senhorasidosasa dormir. Disse que não viciava e que, se
eu quisesseparar no máximo dormiria mal por algumas noites.Mas disseque
o provável era eu precisar desse remédio pelo i'esta da vida, como um diabético
precisa deinsulina."

Nos dez anos seguintes, Liz funcionou bem. Formou-secom máximo louvor
na Universidade do Estado de Ohio em 1996, fez mestrado em aconselhamento
psicológico e, após diversas aventuras, em 2002 começou a lecion:tr para a quarta
série pi'imária numa escolapública. Durante todo esseperíodo,entretanto,
a ansiedade retornou reiteradamcnte e, toda vcz que o fazia, o psiquiatra
aumentava a dose do Klonopin. E, à medida que a dose ia aumciltando, clcclinava
a capacidade de futtcionanlento de Liz. "Eu pensava: o que há de errado comigo?
Por (lue estou ficando tão i'atraída? Por (lue estou perdendo o interesse em tudo?
Fui adoecendo cada vez mais." E então, no fim de 2004, zl ansiedade, o pânico e
a depressãovoltaram num grau pior do quc nunca, além de aparecerem novos
sintomas -- obsessõese ideias suicidas. Liz foi informada cle que isso significava
que cra "bipolar", e Ihe receitarem um antipsicótico, o Abilify. "Foi aí que eu pira.
Minha ansiedade foi para os píncaros, como se mc injetassem estimulantes, e um
dia, eu estava leciotlanclo e desatei t\ chocar na sala de aula. Não aguentei mais e
fui hospitalizada num pavilhão psiquiátrico.

E veio então a sucessãointerminável de remédios. Nos dois anos seguintes,


Liz f'oi mcdicadacomLamictal, Lcxapro, Seroquel,Ncui'ontin,lítio, Wellbutrin c
outros fármacos de que não selembra, com o KJonopin sempre incluído no coquctel.
Esse tratamento a deixou com os olhos inchados,a pele encheu-sede ei'upções
e houve queda cle cal)elo e dos pelos elassobrancelhas."Meu pobre cérebro foi

154
A Annadilha das Benzodiazcpinas

tratado como uma tigela de mistura", disse Liz. SÓque, quando ela perguntava aos
médicos se o coqlietel não a estaria fazendo adoecer "eles diziam: 'Tentamos os
remédios c eles não estão ajudando, de modo que o problema é você'". E de fato,
já que a medicação não funcionava, seuspsiquiatras Ihe aplicaram eletrochoques,
o que col)rou um preço de sua naemória.

Cada vez mais desesperada,Liz concluiu, ao G]naldc 2006, quc "eran] os


remédios que estavamme dcixando doente". Clomcçotia sus})cndê-losum a um,
mas, embora conseguisselivrar-se dos antidepressivose dos antipsicóticos, toda
vez que tentava reduzir a dose do Klonopin sofria uma longa lista de tormentos:
alucinações, ansiedade terrível, vertigens, dolorosos espasmos musculares,
distorçõcs da pcrcepção e desrealização, para citar apenas alguns. Poi' fim, ila
primavera dc 2i)08, ela adorou uma nova estratégia. Resolveufazer o "desnlaiiic"
passando para bcnzodiazepinas progressivamente menos potentes. O Klonopin
foi substituí(lopelovaliam, o Va.bum,pelo Librium, e por último, cm abril dc
2008,ela largou o Librium. Ficou livre dos remédios,mas,três mesesdepois,
quando conversamos por telefone, ainda estava vivendo o tormento da síndi'ome
de abstinência. ':As coisas quc cu tenho passado,o trauma...", disse, desatando cm
lágrimas. "Eu vivo com tonteiras. E como se o chão sc inclinasse pai'a um lado c
eu saísserodando para o Olitro. E pavoroso. Tive alucinações, sou obrigada a usar
óculos escuros em casa, às vezes grito de dor."

No hin da entrevista, pedi-lhc para lembrar como era suavida antes dc Ihc
rcccitarem uma bcnzodiazcpina, e, mais uniít vcz, cla começou a chorar, "Naquela
época, minha allsiedadc cra como um caso bl'ando de asma, c hoje, é como sc eu
tivesse linfa doença pulmonar cm estágio terminal. Tenho pavor de não conseguir.
Sinto muito, muito medo."

Essasentrevistas foi'tecem lim instantâneo de três vidas e, passadosvários


meses,tornei a falar com cadauma dessaspessoas,para saberse tinha havido
algtmla mudança. Geialdinc estava basicamente na mesma. Hal estava muito
mais aílito. O Klonopinjá não parecia funcionar, sua ansiedade voltara com gi'ande
intensidade e ele se sentia íisicamcntc doente. "Passeia aceitai' quc a minha vicia
é esta", disse, com a voz cata'egadado que parecia ser um dcsespeio sem ílm. Na
história dc Liz, no entanto, houve um pós-escritoanimador. Não muito depois de
nossacntrevista telefbliica, seussintonias da síndronlc de abstinência começaram
a ceder e, no início de 2009,cla teve asseguintes informações a dar: as alucinações,
as vertigens, as convulsões,a queda dc cabelo c a visão eml)içada, todas haviam

155
ANATONIIA 1)1:UMA EPII)I;NIIA

desaparecido. Os espasmos musculares, o unido auditivo e a hipersensibilidade


à luz e ao barulho tinham se tornado menos severos.A sensaçãodc quc a cabeça
estava "carregada de cimento" diminuíra.

"Agora tenho :alguns dias bons, e os dias ruins já não são tão ruins", disse cla.
"Acho clubpossover a luz no fim do túnel. Não há dúvida de quc vou mclhoiar.
Vou me mudar para outra cidadee, apesarde ter que começardo zcro, sei que
tudo correrá bem. Agora valorizo a vida muito mais do quc qualquer pcssoztque
eu conheça. Sinto prazer em poder andar de novo em linha rota, em poder voltar
a enxergar e até em ter umtl pula:tçãonormal. Meu cal)elo está recomeçandoa
nascer.Estou mclhorando, apenascspcrandoque o cimento saia completamcntc
do meu cérebro.

Os Números da Invalidez
Pelo menos até certo ponto, podemos fazer um levantamento do tributo cobrado
pelos medicamentos ansiolíticos nos últimos cinquenta anos. Como foi observado
no início deste capítulo, depois quc irrompeu a febre do l\'liltown, o númcro dc
pessoasque apareceram em hospitais psiquiáti'ices, centros para pacientes
ambulatoiiais e instituições residenciaispara doentes mcntais começoua ter um
aumento di'ástico. O Nlinistério da Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos
chama esse número de "episódios de atendimento a pacientes", c ele disparou de
1,66 milhão cm 1955 para 6,86 milhões em 1975, quando a "Valiumania" estava
chegando ao auge.'o Em termos dc cálculoPer c;aPfa, isso signihcou um aumento
de 1.028 episódios de atendimento a pacientes para cada ccm mil habitantes
para 3.182para cadacem mil, ou um salto que triplicou essenúmero cin vinte
anos. Embora muitos fatorcs possam haver contribuído para essa elevação (as
batalhasenlocioiiaisvivenciadaspor algumsveteranosda Gticrra do Vietnã são
uma possibilidade quc vem à lembrança, e outra é o consumo dc drogas ilícitas), a
Valiumailia foi claramente lim dos principais. No fim da décadadc 1970,o médico
cleBetty Ford,Joseph Pursch, concluiu que as bcnzodiazepinas eram "o problema
número um de saúde da ilação", isto porque sabia que elas estavamlevando as
pessoasa centros de desintoxicação, prontos-socorros c clínicas psiquiátricas.

Como atestam as histórias pessoaisde Geraldine, Hal e Liz, as benzodiazepinas


continuam a serápara muitos, um calminhopara a invalidez. Eles três fazem parte
da onda cle pessoascom "transtoi'nos afetivos" que engrossaram as listas da SSI
e do SSDI nos últimos vinte anos. Embora a Administração da Segui'idade Social

156
A Armadilha das Benzodiazcpinas

não fotileça detalhes sol)re o número de doentes mentais incapacitadosque têm


llil }tilsiedadc scu cliagilóstico primário, liiil rclatóiio dc 2006 do U.S. General
Accountability Ofhcc]Contioladoria Gctal dttUnião, EstadosUniclos] proporcionit
um substituto para calcular essenúincro. O relatório assinalouqtic t3%dos adultos
jovens (dc 18 a 26 anos) nas listas da SSI c do SSDI forztlll incapacitados pela
:ansiedade,e, casoessaperccntagcin se mantenha ciii todas as faixas etárias, terá
havido mais dc trezentos mil adult(]s ilo l):\ís icccbcndo pensõesdo governo en]
2006 por transtornos clc ansiedttdc.st Isso equivale a aproximadaillente sessenta
vezes o número dc psiconeuróticos hospitalizados em 1955.

Enlburit faça trinta ítil{)s quc painéis governamentais cle avaliação dos Estados
Uiliclos c do Reino Unido concluíram quc as bcnzodiazcpinas nãu deviam scr
receitadas ptua uso por pcríodus prolongados, painéis estes ztcoitipanhttclospor
dezenasde estudospostciiort's quc coiifirm;liam a pnidência dessaorientação,
l l)rcsciição dc betlzodiazcpinaspara uso contínuo ainda prossegue.De f'ato, lim
estudo conduzido cm 2o05 sobre pilcientes ;ansiosos,na legião da Nova Inglaterra,
constatou que ligais dc metade deles tolllava rcgulariilcllte tina benzodiazcpina,
c hoje cm dia muitos pacientes bipolares tomam bcitzodiazcpínicos como parte dc
um coquctel de tnc:dicamcntos.S2
As provascientíficas simpleslllente não pitrcccm
afetar os hábitos de mliitos iliédicos em matéria de prescrições. "Ou a lição nunca
foi aprendida, ou passotldespcrccbid;t par:\ as pcss02ts",afirmou Malcolm Ladcr.í'3

57
8
Uma Doença Episódica Torna-se Crónica
Collt o lerluede tralalttetttus dispor íueü pala
a depressão,Podentosindagar PoT(Juea invalide(
ielacio !ada co] t eta teltt {lttit\elttado."
- C:arolvn Dcwas Centro dc Saúclc htt:fetal c
l)cpendência dc Drogas, Ontário, Canadá,2001t

O M-Power,em Boston, é um grupo dc defesadc doentesmentais dirigido


por pares; quando estive nlinla de suasreuniões, em abril de 2008, uma mtilhcr
jovem e calada aproximou-se dc mim e cochichou: "Eti mc disporia a convci'sar
com você". O cabelo ruivo Ihe descia até os ombros e cla })arccia tão tímida quc
quasc sc diria estar amedrontada. No entanto, qttan(lo Mclissa dances me contou
sua história, dias depois, falou com toda a franqueza possível, transformada a
sua timidez numa sinceridade introspectiva tão intensa que, quando me estava
relatando as lutas cla sua fase de crescimento cm Sandwich, cm Capo Cod, dc
repentecla seinterrompeu c disse:"Ett ent infeliz, mas não tinha consciênciadc
estar dcprimid2t". Era importante cu compreender a diferença entre csscsdois
sentimentos.

Ainfelicidaclc dc Nlclissa, ila infância, compunha-se dc ingredientes conhecidos.


Ela sc sentia socialmente desajeitada c "dif'erentc" das outras crianças da escola,
e, depois do divórcio dc ecus pais, quando contava 8 alias, cla e os inllãos ficaram
morandocom a illãe, quc batalhavacom :l depressão.No segundograu escolarl
h.lelissa começou }t sair da concha, a fazer itmizades e se sentir "mais normal",
mas então chocou-sedc frente com os tormentos da ptibcrdade. "Aos 14 anos, cu
era gorda c tinha adie. Sentia-me lim;\ exilada social, e a garotada do secundário
cra muito cruel. Eu cra chamadacleesquisittt c feia. Sentavana minlla carteira
dc cabeçabaixa, com o cabclo cobrindo o rosto, tentando me esconderdo mundo.
Todo dia acordava com a sensaçãode que queria morrer.

Hoje, Níelissaé uma mulher atracnte,de modoquc surpreendeum pouca


saber desseseu momentodc patinho feio i)o passitdo.alas, com }l implicância
dos colegas dc cscola, sua infelicidade infantil mctamorfoseou-se numa depi'essão

159
AN/IIOXIIA 1)1.;
UNIA EPII)I;NII/\

profunda e, aos 16 anos, ela tentou o suicídio, engolindo ptmhadosde Benadryl c


Valiam. Acordou no hospital, onde Ihc disscrai)l que sofria dc uma doença nlcntal
e Ihc reccitaram um antidepressivo."0 psiquiatra me disse que esseremédio
ajustava os níveis dc seiotonina c que, provavelmente, cu teria que toma-lo pelo
resto da vida. Clhorei ao saber disso."

Durante algum tempo, o Zoloft funcionou otimamente. "Eu padeciaoutra


pessoa", recordou Melissa. "Tornei-me receptiva aos outros e fiz muitas amizades.
Era aricmessadora no time de softbol." No últinao ano do curso médio, ela começou
a fazer planos dc frequentar a Faculdade Emerson, cm Boston, pensando cm
estudar criação literária. SÓentão, aos poucos, mas de modo irrevogável, a magia
do Zoloft começou a se desfazer. Mclissa passou a tomar doses maiores, para
manter afastadaa depressão,e seu psiquiatria acaboupor passa-lapara limo dose
altíssima de Paxil, o que a fez sentir-se um ztin]bi. "Fiquei conaa cabeça na lua.
Numa partic[a dc softbo], a]guém mc jogou uma bo]a fácil c cu simp]esmentea
segurei. Não sabia o quc fazer com ela. Pedi desculpasao mcu time." Desde então
Nlelissa tem lutado com a cleptessão. Esta a acompanhou durante a faculdade,
primeiro na Emerson, depois na Univei'sidaclc de Massachusetts em Dartmouth,
e, embora houvesse diminuído um pouco quando Mclissa mergulhou na redução de
textos para o jornal dessauniversidade,nunca chegoua ir embora por completo.
Ela tentou um medicamentoe outro, masnenhum Ihc trouxe um alívio duradouro.
Uma vez foimacla, ari'andouemprcgo como assistente editorial mima revista, mas a
depicssão também a alc;inçou no trabalho e, no htn de 2007, o governo ajulgou apta
a receber o Scguto da Previdêi[cia Social por Invalidez, cn] função de sua doença.

;Scmpreme disseramque a pessoatem de aceitar o fato de que a doença


é crónica", disse cla, ao anal da nossílentrevista.'EApessoapode focar'em
recuperação', mas nunca 'recuperada'. SÓ quc não cluero receber pensão por
invalidez pai'a sempre, e comecei a qucstionar se a depressão é mesmo um
problema (luínlico. Ç2uaissão as origens do mcu descspcro?Como posso mc ajudará
realmente? Q.urro honrar as outras partes de mim, diferentes dcssa parte doente
cm (lue vivo pensando. Acho que a depressão é uma espécie de erva daninha quc
tenho cliltivado, e o que eu quero é arrancar essaerva, e estou começando a recorrer
a outras pessoasem busca de soluções.Não sei mesmo dizer o qttc os remédios
fizeram por mim durante todos essesanos, mas sei que estou decepcionada com o
i'umo que as coisas tomaram.

E essaa história clcMclissa Sances.Hoje cm dia, é uma história bastante comum.


Um adolescente angustiada recebe um diagnóstico de depressão c é tratado com

16o
Uma Doença Episódica Torna-sc Crónica

um antideprcssivoe, anosdcpois,continua a batalhar com suadoença.No entanto,


se voltarmos à década dc 1950, descol)riremos que a depressão raramente atingia
alguém tão jovetn quanto Mclissa, cti'aramcntc sc transformava no sofrinlcnta
ci'único quc cla vivcnciou. O curso dc sita doença é, em grande parto característico
dc nt)ss:lépoca.

Como Era a Depressão


A nlclaitcolia, é claro, visita qtlasc [oclo mundo, vez por outra. "Sou honlenl,
o que é razãu suficiellte para eu ser infeliz", cscrcvcu o poeta grego blcnandio
ilo século IV a.C., t'xtc'rilanclo um sciltimeiito que desde então teill sido ccoitdu
por escritores e filósofos.2Em scli compêndio sciscciltista intitulado .4/irz/o//iíada
ride/anca;/ír/,
o médico inglês Robe'rt Blirton opinou qttc todos "sctltem sua aguilhoada
(...) é sumailtcnte absurdo e ridículo quttlqucr mortal buscar a permaitêiicia
pclpétua da felicicladc ilcsta vida". Sonlentc quando essesestados melancólicos
sc'tornavam llm "hábito", dizia BurLon,é quc sc transformavam cm "doença".3

Era a ]llcsnla distinçãofeita por Hipócrates,mais de dois mil ;lhos antes,


10 identificar a mc'laiicolía persistente como umtl cloctlça, atribuindo-a íl um
cxcc'ssoclc bilt' nt'gnt (mc/a{/zf/
c/!o/e,em grc:go). Os síittomas incluíaitl "tristeza,
tilsiedítde, abatiinciito m{)ral [e] tendência ;lo suicídio", acoml)íuthadospor um
medoprolongado". P:lra limitei' o rxcrsso dc bil( nrgrzt c rrequilibrítr os quatro
httmorcs do corpo, Hipócrates rccotnt'ndava a aclniinistrlLçãodc mandrágora e
heléboro, mtldanças ila dieta c liso dc c'rvas catárticas c: cinéticas.'

Durante ;t Idade Média, a pessoaprofulidamcnte melatlcólicit t rtt considerada


possuída por dcmânios. Padres c cxorcistas t'rltm chítmados para expulsa-lns.
(]oin a chegada do Reilascimc'nto, ilo secttlo X.\( os cnsinanlcntos dos gregos
foram rc'descobtrios c os iitéclicosvolt:tntm a ofei'cccr explicaçõesmédicztspara
l melancolia l)crsistente. Depois quc William Harvcy dt'scobriu, cm 1628,qut' o
saiigut' circulava por todo o corpo muitos tnédicos cttropeus pondcraríun que essa
docnçit provinha dít falta dc' saiiguc iio cérebro.

A moderna concepção psiquiátrica da dcprt'suão tem suas raízes no trílbiLlho


dt' Emil Kracpclin.Eni seu livro clc 1899,1,ei%ró/zcA
der.ftpcAÍagóe
[Maiiual de
psiquiatria], Kracl)c'lin dividiu os transtornos psicóticos cill duas categorias
amplas: demência prccoct' c psicosc mttníaco-depressiva. Esta última categoria
cra l)rcdominaiiten)c nte coiiiposta por três sul)tipos: apenas cpisódios depressivos,
:Lpctlasepisódios maníacos c episódios dos dois tipos. Entretanto, enquanto os

16
AN,\TOXII/\1)1;UNIAEPIDI:ALIA

pacientes com demência prccocc se deterioravam ao longo do tempo, o grupo


maníaco-depressivotinha insultados bastante bons zl longo prítzo "Em geral,
todas as manifestações mórbidas desaparecempor completo; todavia, quando
não é este o caso excepcionalmente, desenvolve-sc apenas uma fraqueza psíquica
peculiar bastante leve", explicou Kracpclin num texto de 1921.

Hoje em dia, o grupo apenas-depressivo de Kracpelin seria diagnosticado


com depressão uilipolar c iia década dc 1960 e início cla dc 1970, psiquiatras
procmincntcs, cm centros médicosacaclêtnicose no Institlito Nitcional dc Saúde
Mental (NIMH), dcsClcverttm esse distúrbio como bastante raro c dc bom
prognóstico a longo prazo. Em scu livro dc 1968, T71f ,i»{de//zÍo/úbg od.DePx?silo/z
[A cpidemiologia da depressão], Chai]otte Si]vcrman, que dirigiu estudos
epidemiológicospara o NIMH, observouque levantamentoscomuilitáiios lias
décadas de 1930 e 1940 haviam constatado que menos de um cin cada mil adultos
sofria um episódiode depi'casãoclínica por ano. Além disso,a maioria daspessoas
lfetadas não precisavade internação hospitalar.Em 1955,houve 2tpenas7.250
casosclc "admissão inicial" por depressão cm manicómios estaduais c municipais.
O total de pacientes deprimidos nos hospitais psiquiátricos do país naquele ?lno
foi dc aproximaclamcntc 38.200,ou unia taxa dc invítlidcz dc uma cm cttda 4.345
pessoas.'

A depressão,como observaramSilvcrman e outros, era primordialmente uma


"doença de pessoasn:t meia-idade e mais velhas". Em 1956,90% das adnlissõcs
iniciais por depressãoem hospitais públicos e pi'ivados foram dc pacientes dc 35
anos ou mais.7 Os episódios depressivos, explicou Frank AydJr., um psiquiatra dc
Baltimore, cm scli livro de 1962,RefoE/zlZ
/zgfAe.DeP/siedRafíe/z/[Rccoiiheccndoo
paciente clcprimido], "ocoircm quase sempre depois dos 30 anos, têm utn pico de
incidência entre os 40 e os 60 anos e diminucm acentuadamente depois disso".8

Embora os pacientes maníaco-depressivos estudados por Kraepelin cstivesscin


gravemente cnfermos, uma vcz que sua mente também cra fustigada por
sintomas psicóticas, seus resultados a longo prazo eram bastante bons. Entre
os 450 pacientes kraepeliniailos "apcilas deprimidos", 60% só experimentaram
um único cpisódio de depressãoc apenas 13% tiveram três ou mttis episódios.9
Outros investigadoresda primeira metade do séculoXXI relataram resultados
scn)elhaittes. Em 1931, Horatio Pollock, da Secretaria de Higiene Mental do
Estado de Nova York, num estudo a longo prazo de 2.700 pacientes deprimidos,
internados entre 1909e 1920,i'elatou quc mais de 50% elaspessoasinternadas
cm decora'ênciade um piimciro episódio tiveram um único ataque, c apenas 17%

162
Uma Doença Episódica Torna-se Crónica

tiveram três ou mais episódios.ioThomasRende, que investigou o destino de 142


depressivosinternados iio Hospitaljohns Hopkins entre 1913e 1916,determinou
quc 39% tiveram "recuperaçõesduradouras" dc cinco anos ou mais.ti Um médico
sueco,Gunnar Lund(luist, acompanhou216 pacientes tratados de dcptcssão
durante 18 anosc determinou quc 49% nuncavivcnciaram um segundoataque,
c que outros 21% tivciam al)Chás um episódio :\ mais. Ao todo, 76% dos 216
pacicntcs tornaram-sc "socialmente sadios" e retonlai'anl seu trabalho habitual.
Depois de se rectipei'ai' clc um episódio depressivo, escrevcli Ltmdquist, a pessoa
;'tem a mesma capacidade de trabalho e as mcsnlas perspectivas de levar adiante
a vida que tinha antes do al)arecimento da doença".''

Essesbons rcsultadosestenderam-sepelos primeiros anos da cra dos


antideprcssivos. Em 1972,Samuel Guzc e Eli Robins, da Faculdade de htedicina
da Univel'sidadeWashington em St. Louis, rcexaminaranl a literatura científica c
detertninatam (lue, cm estudos de acompanhamento conduzidos ao longo de dez
anos, 50% das pessoas hospitalizadas l)or depressão não tiveram recorrência da
doença.Apenas uma pequena minoria dos diagnosticados com depressão tinipolar
- lim cm dez -- tornara-sc clinicamente doente, concluíram Guie e Robins.i:{

Foramessasaspiavas científicasquc levalaiil as autoridadesdo NINIH, durante


IS décítdasdc 1960 c 1970, a falaicm com otimismo sobre o curso da doença a
longo prazo. "A dcl)rcssão,de n]odo geral, é un] dos problemas psiquiátricos com
melhor pi'ognósticodc eventual recuperação,com Oli scm tratamento. Quase
todas as depressões são autolimitantes", cscrcveu Jonathail Cole eni 1964.'+ "No
tratamento da depressão",explicou Nathan Kline no mesmo ano, "sempre sc
encontra um aliado ilo fato de que zttnaioria dasdel)ressõcstermina em remissões
cspontâileas.Isso sigiiifict\ que, cm muitos casos,independentemente do que sc
faça, o paciente acaba começando ;ulielhoi'ar."t' Gcorge Winokur, lim psiqtliatra
da UniversidadeWashington,informou ao público,em 1969,qtic "pode-scdar ao
paciente e seus fanliliarcs a garantia dc que os episódiospostcriores cla dociiçzt
:apósum primeiro episódio dc mania ou até de dcprcssão não tenderão a assumir
unl CUI'se ll'lÍI.IS CI'01'11Co". '''

De fato, como explicou Dcan Schuylcr,chefe da divisão dc clcprcssãodo


NIMHI, iluin livro dc 1974,os índices dc rccttpcração cspontânca eram tão altos
-- acimti dc 50%, nulll prazo dc l)ottcos illeses -- quc cra difícil ':julgar a eficácia dc
uma droga,de um tratamento [eletrochoque] Oli da psicoterapiacm pacientes
deprimidos". Talvez un] medicamellto Oli o eletrochoque pudessemabreviar o
tenll)o dc rccttperação,unia vcz qttc a remissãoespontâneaconluiilente levava

163
ANATONII.\ 1)1;UMA EI,II)I;NII/\

muitos meses para acontecer mas era difícil algum tratamento sei' melhor do quc
o curso natural da depressãoa longo prazo.A maioria dos episódiosdepressivos,
explicou Schuyler, "segue self curso c termina com a recuperação praticamente
completa, sem nenhuma intervenção específica".i7

Tristeza Abreviada
A história dos ensaios sobre a e6lcáciados antidepressivos a curto pi'azo é
fascinante, porque revela muito sobre a capacidade dc uma sociedade c da classc
tllédica se apagarem à crença nos méritos mágicosde um comprimido, ainda que
os ensaiosclhlicos produzam, em sua maioria, resultados desanimadoras. Os dois
antidepressivosdesenvolvidosnzl décadade 1950,a iproniazida e a imipramina,
deram origem a dois tipos gerais de medicamento para a depressão,conhecidos
como inibidores de monoamina oxidase (IMAOs) c tricíclicos, c os cstudos do fim
da décadade 1950e do início da de 1960 consideraram qtic os dois tipos eram
maravilhosamente chcazes.Entretanto, os estudosforam de qualidade duvidosa,
e em 1965o Conselho Britânico de Medicina submeteu os dois tipos a um teste
mais rig( i'oso Embora o tricíclico (imipi'ítmina) tenha sc t'cvclado inodcstamcntc
superior a llm placcbo,o mesmonão se deu com o IMAO(fenelzina) . O tratamento
com essa sul)stância foi "singular'mente malsucedido".''
Quatro anos depois, o NIMH fez uma revisão de todos os estudos sobre
antidepressivos e constatou que, "quanto mais iigorosamcntc controlado o estudo,
menor o índice de melhora rcgistrado pala um dado medicamento". Ein estudos
bem controlados, 6 1%dos pacientes medicados tiveram mclhoi'a, em conta'este com
46% dos pacientesque ustlnlm um placebo,o quc significa lim benefício líquido
cle apenas 15%. "As diferenças entre a ehcácia dos medicamentos antidepressivos
e a do placebo não são marcantes", disse o estudo.i90 NIMHI conduziu então
seu próprio ensaio conaa inlipranaina, e foi somente nos pacientes com dcprcssão
psícó/{rí2
quc essetricíclicodcmonstroualgum benefíciosignificativoem relação
l uil] placebo.Apenas 40% dos pacientes medicados com tl droga concluíram o
estudo dc sete semanas, e a razão dc talitos o haverem abandonado foi qtic scu
estado "se deteriorou". Pala muitos pacientes deprimidos, concluiu o NIMH em
1970, "os medicamentos desempenham um papel dc iníluêtlcia insignificante no
''iir-n .-jÍnirn d« dnp«. n» 2{i

A eficácia mínima da imipiamina e de outras antidepressivoslevou alguns


invcstigztdures a se pciguntaicm se a resposta ao placcbo seria o inecaiiismo que

l(j4
Uma Doença Episódica Tot'na-se Crónica

vinha ajljdando as pessoasa se sentirem melhor. O que os medicamentosfaziam,


segundo a especulação de ítlguns, cra ampliar a resposta ao placebo, e o faziam
pnr produzirem efeitos físicos colaterais, que a:judavan]a convenceros pacientes
dc (lttc eles estavam rcct'bclido lmlil "pílula ntágica" para a depressão.Com o
objetivo (lc testar essa hipótese, os invcstigadoi'esconduziram pelo menos sete
estlldos nos quítis comparei'an) um tricíclico com um placcbo "ativo", em vez de
un] placebo inerte. (Placel)o ativo é uma substância química que produz algum
tipo dc efeito colatt:ral desagradável, como o rcssccamcnto dli boca.) Em seis dos
sete estudos, não houve diferença nos resultados.21

Foi esse o recorde de eficácia obtido pelos tricíclicos na década dc 1970:


ligcinlmcnte inelhoi'cs do que o placebo inativo, porém hão ilaclhorcs do que um
1)1accbo:ltivo. O NlhIH tornou :l ex:liminar essaquestão da eficácia da imipratnina
lla cléc:telaclc 1980,colilpantndo-a com duas formas dc l)sicotcrapia c placcbos,
c constatou quc:nada sc havia itlodificado. Ao cabo de 16 seDIaDas,"não havia
diferenças signi6lcativas entre os tratamentos, incluindo o do placebo somado ao
manejo clínico, nos pacicntt:s menos giavemcntc deprimidos e funcion;tlmentr
prqudicados". Apet]asos pacientesgiavcmcnte deprimidos sc síiíri]n] melhor com
t imipritmina dt) que com um placebo.22

A crença da sociccladcntl chcácia dos antidepressivos reiiílsccu com a chegada


do I'rozac, cm 1988.Ao quc p;trccia, a companhia fannacêutica Eli Lilly havia
criado uil] ótimo comprimido pítnt íl tristeza. Dizia-sc quc esseinibidor seletivodc
rccaptação da scrotoiiina(ISRS) fazia as pessoassc sentirem "mclhor do que bem"
Infelizmente, quailclo os pcsqtiisadoresconlcçilram a invcstigar os resultadosdos
Ensaiosclínicos slibmctidos à Ad niinistração Federal dc Alinlcntos e Medicamcntos
(FDA) sobre o Prozac c os outros ISRS posterior'iilt cite introduzidos no mercado, a
história dit "droga mil;tgrosa" desiltoloiiou.

O l)rimciro golpe:contra a inaageindos ISRSveio de Aria Khan, no Centro


dt' PesquisasClínicas do Noiocste, cm Washington. Ele rccxaminou os dados dc
estuclt)ssobre sete ISRS subillctidos à FI)A e concluiu quc: os sintoi1121s
tiveram
uma rcdução dc 42% tios pacientes tratildus com tricíclicos, 41% lias do grupo de
ISRS c 31% entre os (lue rcccbt ram uni placa'bo.23 Os novos nacdicameiltos, curro
sc revelou, não clara mais efic;\zesdo qtic os antigos. Em seguida, Ei'ick Turiler, da
Universidade dc Saúde c Ciêt[cia dc Orcgon, iiun] rcexaiiic dc dados da FDA sobre
12antidepressivos aprovados c:ntre 1987 e 2004, dcteitninou que 36 dos 74 estudos
não haviam demoiistiado ilcilhttn} benefício estatístico dos antidepi'cssivns.
Unt iiúmci'o igual dc' ciisaios havia produzido tanto resultados negativosou

165
AN,VI'ONIIA 1)1;UNL\ EPIDI.:XIIA

;questionáveis"quanto resultadospositivos." Poi íim, cm 2008,Irving Kirsch, um


psicólogoda Universidade dc llull, no Reino Unido, constatou que, nos ensaios
feitos com Prozac, Effexor, Serzone c Paxil, os sintomas nos pacientes medicados
caíram 9,6 pontos na Escala Hamilton de Avaliação da Depressão, em contraste
com 7,8 pontos no grupo tratado com um placebo.Eia unia diferença dc apenas
1,8 ponto, e o Instituto Nacional Pró-Saúdee Excelência Clínica, da Grã-Bretanha,
havia deter'minado, anteriormente, que era necessária uma diferença de três
pontos na Escala Hamilton entre os medicamentos c os placebos para demonstrar
um "benefício clinicamente significativo". Apenas num pequeno subgrupo de
pacientes-- os mais gravemente depi'amidos-- é que ficara clcnlonstrado quc as
drogas tinllam uma utilidade real. "Convidei'ando-se essesdados, pai'ece haver
poucas provas quc corroborem a prescrição de medicamentos antidepi'essivos
para qualquer paciente, excctuados os mais gravemente deprimidos, a menos
quc os tratamentos alternativos não tenham conseguidoproporcionar benefícios",
concluíram Kirsch e seus colaboradores.zs

Tudo isso provocou alguns exames dc consciência por parte dos psiquiatras em
suas publicações especializadas. Ensaios clhlicos aleatórios, admitiu um editorial
clc 2009 no Bdfü/r Jaz/r/za/ogPTy/cAiafp,
haviam gerado "provas válidas limitadas
a favor do uso elosmedicttmentos.2Õ
Um gi'upo de psiqliiati'as eui'opeusafinado
à Organização Mundial da Saúde (OMS) conduziu seu pi'ópi'io exame dos dados
clínicos do Paxil e concluiu que, "entre os adultos com depressão moderada
a severa",esseISRSpopular "não era superiora um placcbo,em termos da
eficácia e aceitabílidaclc gerais do tratamento".27A coilíiança na eficácia desses
medicamentos,cscreveuo psiquiatra gregoJohn loannidis, que exerce um cargo
na Faculdadede Medicinada UniversidadeTufos,em Massachusetts,
era um
mito vivo". Um cxame dos dados clínicos sobre os ISRS tinha levado a um final
deprimente para a psiquiatria, e, como brincou loannidis, ele c seuscolegasnem
sequei'podiam recoi'i'er ao Pi'ozac e aos outros ISRS para obter alívio dessa notícia
desanimadora porque, infelizmente, "é pi'ovável que eles não funcionem".2n

Há outro adcndo intci'espante a essa história das pesquisas. No Glm da década


cle 19R0, muitos alemães deprimidos apclaiam para oHUPedcll//rPet#o/dum, a planta
conhccidacomo erva-dc-são-joão,iem busca de alívio. Pesquisadoresalemães
começaram a conduzir ensaios duplos-cegos com cssa erva medicinal e, em
1996, o l?d/ü# Medica/Ja1/7/za/resumiu os dados obtidos: cn] 13 testes controlados
por placebos,55% dos pacientestratados com a erva-cle-são'Jogo
tiveram uma
l A planta é também conheci(la poi' alguns outros nomes populaics, colmomilfurado, llipcricão,
mi\cela-dc-sãojoão, malfut'ada, mclf'usado, l)clicão ctc. (N.T)

l(j6
Uma Doença Episódica Torna-sc Crónica

melhora sigililicativa, comparados íl 22% dos quc receberam um placebo. A erva


medicinal também superouos ailti(lcprcssivos,iiuina competiçãoacirrada: nesses
ensaios,66% dos sujeitos quc reccl)erilm a erva medicinal obtivciam melhora,
comparados a 55% dos pacientes tratados com medicamentos. Na Alcmaltha, a
erva-de-são-loãu i'evclou-se eficaz. Mas teria um rcsulttLdo mágico semelhante
enfie os norte-americanos? Em 2o01, psiquiatras dc ll centros médicos dos
EstadosUnidos infon)iarttm qttc cla não surdia o menor efeito. Apenas 15%
dos l)acientes ambulatoi'tais dcl)rimidos tratados caiu casa cava apresenttLram
melhora cm self ensaio de oito semzlnas.No entanto - c esta foi tt parte ctirioszt --,
apcilas 5% dos pacientes tratados com um placcbo melhoraram nesseestudo, o
quc fica muito abaixo da resposta usual ausplacebos. Ao que parece, os psiquiatras
norte-antencaitos não cstavt\m ansiosos por vcr mnguéilt tiielhontrJ por medo dc
cine a erva medicinal sc rcvt'lasso eficaz.Pastel'iormcnte, no entanto, o Instituto
Nacional dc Saúde [NIH] hilanciou lim segundo ensaio com a crv;t-de-são-joão,
o qual complicou il situação par;t qualquer pcsqtiisadoi' quc quisesse escolhcl'
favoritos. Ele c:oinp;\rali a erva medicinal com n Zoloft t com um placa'bo.Uma
vcz (lttc a crvll cansa efeitos colaterais, como o rcssccanlcitto da boca, ela agiria, no
mínimo, como um placcbo ativo. Sciidt) }lssim, tratava-sc rcalmcllte de uln cns:tio
cego, no qual os psiquiatras não podcrianl coiih;tr nos cfeitos colaterílis coma
linfa pista sobrequais pacientesestavull rc'ccbciidoo quê, c os rt'sllltados 6orttm
estes:24% dos l)acieiltes tratados com a erva-dc-sãoloão tivciam uma "resposta
completa", 25% dos pacientes tnltados com Zoloft c 32% do grupo quc recebeu
o placclio tiveram cssíl ilicsma resposta."Este estudo não corrobont a chcáciada
.lí pet#o?ízfzz//i
na dcprcssão iiiodciaclamcnte giavc", concluíram os investigadores,
passandopor cima do fato dc quc scli medicamcilto também havia falhado no
ensaio.':'

O Fator Cronicidade, Mais Uma Vez


A relativa incíicácia a curto prazo dos antidcpiessivos não cra, l)nr si só, uma
razão para supor que os medicamentos cstivcsscm fazendo mal. Afinitl, a maioria
das l)cssoastratadas com ailtidcpressivosvia uma rcdlição dc seussintomas. Os
pacientes medicados vinham ilaelhorando, lias ensaios de curto prazo. O problema
cra que não melhora\am sigilihcativameiite fetaisdo qttc os tríttados com um
placebo. Entretanto, dliiante :t década (lc 19(iO,divet'sos psiquiatras europctts
rclataiam qtic o cuido da depressãoa longo pntzo, nos seus pacientes tratados
com medicamentos, parecia estar piorando.

167
ANATOXIIA1)1;UMA EPIDI,:NIIA

A exposição a antidepressivos, escreveu o médico alemão H. P Hohciscl, em


1966, padecia estar "encurtando os interv;tios" entrc os episódios depressivos
dc seus pacientes. Esses remédios, escreveu um tnédico iugoslztvo, quatro anos
depois, estavam causando uma "cionicização" da doença. Os tricíclicos, coilcoi dou
o psiquiatra búlgaro Nikola Schipkowcnskycm 1970,estavam induzindo unia
"mudança para um curso mais crónico". O problema, ao ([ue pai'coa, cra quc
muitas pessoas tratadas com antidepressivos Glcavam apenas "pai'cialmente
coladas".se Seus sintomas não tinham Íman remissão completa e, mais tarde,
quando elas paravam de tomar o antidcpressivo, sua dcpicssão sistenlaticamcnte
tornava a piorar muito.

Depois de vir à tona essapreocupaçãocm algumas pttblicaçõcs ctiropcias,


um médico holandês,J. D. Mail Scheycn, examinou tls históricos clíilicns cle 94
pacientes deprimidos. Alguns tinham tomado antidcprcssivos,outros não, c
quando Van Scheyeii examinou os resultados obtidos pelos dois grupos mim período
de cinco anos, }l direi'eilça foi estarrcccdora: "cvidcnciou-se, ptLrticularmcnte cm
pacientes do sexo feminino, que a mcdicação aiitideprcssiva mais sistemática
i\ longo prazo, com ou sem TEC [terapia cletroconvulsiva], cxercc lim efeito
pitntdoxal nil iiaturczzt recorrente da depressãovital. Eiit uutnts lialavrits, cssil
itbordítgcm terapêutica foi associadaa uin aumento da taxa dc recorrência e a uin
clccréscimo da duração dos ciclos.(...) Será (luc convéilt considcrar]essc aumciito]
um efeito colateral indes4ável, a longo prazo, do tratamento com antidepressivos
LricÍclicos?".sl

Nos vinte anos seguintes,invcstigadorcsrclatartu]] rcpcticlamcntc quc as


pessoastratadas com antidepressivostinham gnuldc probabilidadedc sofrer
recttídas, i\o suspcndcrem o uso da medicação. Ein 1973, pcsquisadorcs cltt Grã-
Bretanha escrevcrana(lue 50% (1ospacientes cujo trtttanaento medicaincntoso fora
suspenso tivciam uma recaída num prazo dc seis meses;3zpassados ítlgtms anos,
investigadores da Universidade da Pensilvânia anunciaram qtic 69% dos pacientes
quc tiveram os antidepressivos dcscontinuados tiveram recaídas nesse illcsnlo
período. H:avia, segundo eles confessam'am,"uma rápida deterioração clínica na
maioria tios pacientes".33Em 1984,Robert Prien, do Institlito Nacional dc Saúde
hlciltal (NIMH), relatou que 71% dos pacientes deprimidos tinham rccaídas cm
até 18 meses dcpois da retirada do medicamento.3+ Por fim, em 1990, o Nllç,rH
contribuiu para essequadro sombrio, ao relatar os rcstiltados a longo prazo clc scu
ensaio comparativo da imipramina com duas coimas dc psicotciapia c un] placcbo.
Ao cabo clc 18 meses, o melhor índice de manutenção da saúde ficou com o grupo

168
Unia Doença Episódica Torna-sc Crónica

da terapia cognitiva (30%) e o mais baixo, com o grupo exposto à imipramina


( 19o%o)
.''''

Enl toda parte, ;uilcnsítgt'in enl a mesma: as pessoasdeprimidas tratadas com


um antideprcssivo, e quc depois paravam dc toma-lo rcglllarmciite, voltavam a
Adoecer. Em 1997, Rosé Bítlclcssatini, dt\ Faculdade clc N'lcdicina da Utiiversidadc
llarvard, iiuina meta-análiseclaliteratlira, qliiultiíicou o l iscode rt c2tída:cm 50%
elospacieiitcs em (lucm a droga eia descolttinuacla a doença recidivava mim prazo
clc 14 nlcscs.}''Baldcssarini taiilbéni constatou que, quanto mais prolongado o uso
do antidcprcssivo, maior a taxa dc' recaída posterior à suspensãodt) nledicamcnLo.
Et a colho sc'a posso;ttr;ttadil com o aiitidcprcssivo ligasse,aos l)ouros, cada vcz
menos cap;tz dc: viver seno cle, no scnLiclofisiológico. Investigadores da Grã-
Bretailh;l chegaram à mcsi 1:1 percepção grave: "depois dít suspensão clc um
uitidcpressivo, os siiltonlas tendctm a auitlctntar gradativamciite c a sc tornar
CI'õnlCos''.'''

Todos os Psicotrópicos
Funcionam dessa Maneira?
Entborit unl punhado clt: médicos europeus possa ter, iio fim dos anos 60 c
início dos 70, soado o dai'nle sobic o cuido modificado da depressão, só cm 1994 é
que llm psiquiatra italiano, Giovanni Fava,da Univcrsidtlde de Bulonha, atluticioti
de forma coiitundcnte quc cra hora de a psiquiatria enfrentar esseproblema.
Os ncurolépticos tinham sc rcvclaclo bastante l)robleinátict)s ít longo prazo }ls
bc:nzodiazcpinastambém, e ítgora, os antidepressivospareciam estar produzindo
um rc'multadosemelhante' a longo prazo. Num editorial de 1994, da revista
PsDchotheTapDQnd PsD'rho\ntltaLics, rara usei evc w.

No cíunpo da psicofarmacologia, os profissionais têm sido cautelosos, st:não


temerosos,
quandosc'trata de abrir um debatepai'asabttrsc o trat:tmcntoé
mais nocivo [do (luc' btTnéfico].(-.) cu mc pttrgunto se é chegado o momento dc
dcbatcrnlos c iniciam os pt:squisassobre a probabilidade dc quc:os mcdicamt:fetos
psicotrópicos t:fetivanlcnte agntvcnl, pc:lo machoscnl alguns casos, a progressão da
clocnça qut' sul)ostanlcntc' dcvci iam tratar.:ni

Ncsst cditt)rial c en] vários outros antigos subsequentes,Fava oferccetl tina


explicação l)iológica do quc vinha ílcontcccndo com os antidepressivos. Tal como
os antipsicóticos c as benzodiazcpinas, essas drogas pcrtlirbam os sistemas
iic'tii'otraitstnissorcs iio cera'bro. Isto leva a "processos [conlpciisatórios] qtic sc
AN,\roxíiA 1)1;UX[AEpiniiKíl/\

o])õem aos efeitos agudosiniciais de um medicamento. (.-) Quando termina o


tratamento medicamentoso, esses processos podem funcionar sem oposição, o que
resulta no apaiccimento de sintomasdc abstinênciae numa vulnerabilidade maior
às recaídas", cscrcvcu cle.;9Além disso, apontando as descobertasde Baldessarini,
Fava assinalouser evidente que, quanto mais se mantinha o tratamento com
antideprcssivos, mais se agravavao problema. "Q.uer o paciente dcprimido sqa
tratado poi três meses,quer por três anos,isto nãovem ao casoquando a medicação
é suspensa.Utlaa tendência estatística sugei'iu que, quanto mítis prolongado o
tratamento medicamentoso,maior a probabilidade de recaída."'"

Mas Fava também se perguntou qual seria o resultado pala as pessoitscm


quem se mantinha indefinidamente o uso dc anticlepiessivos.Sela quc elas
também não teimam recaídas com limo frcquência naaioi? Talvez os remédios
causasscm "modificações irrcversíveis nos icccptorcs", disse Fava, e, sendo assim,
"scnsibilizassem" o cérebro à clcprcssão.Isso poderia cxplicttr o "sombrio resultado
a longo prazo da depressão". Ele resumiu o piobleina nos seguintes termos:
C)smedicamentos antidepressivos na depressão podem ser benéficos a curto prazos
mas agi'ajam o itvanço da doença a longo prazo aumentando a xrulncrabilidaclc
bioquímica à clcprcssão.(-.) O uso clc drogas antidcprcssivas pode im!)ulsionar a
docnça pica uin curso mausmaligno c não receptivo a tratamentos.+i

Essapossibilidade
colocou-sc
então no centro c no primciro plano dt\
psiquiatria. "A pergLmta [dc Fava] c as várias questões comi'datas (...) não são
agradáveisde contemplar c talvez.parcçain paradoxais, mas agora cxigein uma
consideração clínica e de pesquisa qtic seja sécia c feita coil] a mente aberta",
disse Baldcssarini.}z Três nléclicos da Faculdade dc It4edicina da Universidade dc
Louisvillc fizeram cco a esscsentimento. "0 uso de antidepressivos a longo prazo
pode scr dcprcssogênico", csci'evcram eles numa cítrta dc 1998 à revistalaz/7/1a/
of C/ /lira/ P3gcÁlaf7."E possível quc os agentes antidepressivos modifiquem a
estruturação das sinapses neui'oilais,[o que] não apenas torna os antidepressivos
inchcazcscolho também induz zl um estadodepi'cssivorcsidcnte e i'cfratário."'s

E a Doença, Não o Remédio


Mais uma vcz, a psiquiatra;t havia chegado a um momento dc crise. O espccti'o
da psicoscpor hipcrscnsibilidadc tinha nlcxido num vcsl)oiro, no início cladécada
dc 1980,e agora,enl meadosda de 1990,uma preocupaçãode iiítturcza nlliito
semclhantc httvia apai'ácido.Dessavez, talvez os riscosfosscm ainda mais altos.
Fava levantou casa qucstão justamcnte quando as vendas dc ISRS nos Estados

1 7o
Uma Doença Episódica Torna-se Crónica

Unidos cresciam em disparada. Psiquiatras ilustres, tias melhores faculdades de


medicina norte-americanas, tinham falado das maravilhas dessasdrogas com
repórteres clejornais e revistas. Essesmedicamentos vinham sendo prescritos
para um grupo cadavez maior'de pessoas,o qual incluía mais dc um milhão
cle crianças norte-americanas. Poda'ia a psiquiatria confessar agora que talvez
essesmedicamentos estivessemdeixando as pessoascronicamente deprimidas?
Que levavam a um curso "maligno", a longo prazo? Quc causavam alterações
biológicas no cérebro, as quais "sensibilizavam" a pessoa para a depressão?
E, sendo assim, como cra possível que eles fossem receitados para crianças pequenas
e adolescentes?
Por que os médicoshaveriam (le fazer uma coisa dessascom
crianças? A preocupação de Fava precisa\a ser silenciada, e silenciada depressa.
No começoclc 1994,clcpoisdc Fava trazei' o assuntoà baila pela primeira vez,
Donalcl Klein, da Universidade Columbia, disse à revista .ll7cÁ a/Hc Newi quc este
assunto não seria investigado: "A indústria não está interessada [nesta questão],
o NIMH não está interessado c a FDA não está interessada", disse ele. "Não há
llinguéni interessado".«

De fato, àquela altura, os líderes da psiquiatria norte-americanajá estavam


apresentandouma explicaçãoalteniativa para os "sombrios"resultadosa
longo prazo explicação esta quc exímia seus medicamentos de (qualquer
responsabilidade. Os antigos estudos epidemiológicos dtt era pré-antidepressivos,
que tinham mostradoque as pessoasse i'ecuperavamsistematicamentede um
cpisódio depressivoagu(lo, e que a maioria l)erm tnccia bcm depois disso, scriana
"falhos".Um painelde especialistas reunidos pelo NIMH manifestou-se da seguinte
maneira: "abri'dagens t\pcrfeiçoaclas da descrição e classificação dos transtornos
[do httmor] e novosestudosepidemiológicosdemoiistraraln a iiatuicza recorrente
e crónica dessasdocnçtts,e a que ponto clãs representam um;l fonte contínua de
aflição e disfunção para\ os indivíduos afetados".+s Finalmente, a depressão estava
sendo compreenclid:\ -- foi essa a história abraçada pela psiquiatria, c manuais
foram rccscritos para falar desseavançonos conhecimentos.Não fazia muito
Lenlpo, observou a edição dc 1999 do À/a/lz/a/ de PKguia/Hízda Sociedade Noite-
Amcricana dc Psiquiatria (AI'A), acre(fitava-sequc "a maioria dos pacientes
acabavapor se rccuperai dc um grande cpisódio depressivo.Entretanto, cstudus
mltis extensos clcsmciltiram essa suposição".46 Agora se sabia, disse a APA, quc "a
depressãoé llm transtorno alttlmente recorrente c pernicioso'

A depressão,ao que paio(ia, nunca tinha sido a doença relativamente benigna


desci'ita por Silvermati e outros, no NIMli, iio fim tios anos 60 e início da década
de 1970. E, uma vez reconcebida a dcpi'casãodessa maneira, como doença

17 1
AN,\TOÀfIA DE IJÀ{AEPIDEbII/\

crónica, a psiquiatria passou a ter uma lógica para o uso dc anticleliressivosa


longo prazo. O problema não era que a exposição a um antideprcssivo causasse
uma alteração biológica que tornava as pessoasmais vulneráveis à depressão;
o problema el'a que, uma vez i'curado o medicamento, a doença voltava. Além
disso,a psiquiatria tinha, sim, estudosque provavamos méritos da manutenção
do uso de antidepressivos pelos pacientes. Afinal, os índices de recaída eram mais
altos entre os pacientesde quem a medicaçãoera retirada do que entre aqueles
em quem ela era mantida. "Os antidepressivos reduzem o risco de recaída no
transtorno depressivo,e o tratamcnto contínuo com antidepressivosbcncficiaria
nlliitos pacientesque sofremdc transtorno clcpressivorecorrente", explicou um
gi'upo de psiquiatras que examinou essaliteratura.47

Durante a décadade 1990,psiquiatras dos EstágiosUnidos c de outros locais


consubstanciavam o espectro de resultados obtidos mediante esse novo paradigma
(te atendimento, que enfatizava a "manutenção" dos medicamentos. Um terço dc
todos os pacientes unipolares, concluíram os pcsquisadores, são "não receptivos
aos antidcprcssivos.Seussintomas não se reduziam a curto prazo, c essegrupo
cra tido como aquele que apresentava um rcsultaclo precário a longo prazo. Outro
terço dns pacientes unipnlai'(-s "respondia parcialmente" tios antidepressivosc,
nos ensaiosde curto prazo, essegrupo ítparecia como a(luele que estava sclldo
auxiliado pelos medicamentos. O problema, como descobriram os investigadores
do NIMH, mim estudo de longo pi'azo chamado Progi'ama Colaborativo sobre a
Psicobiologia da Deprcssão, cra quc esses pacientes en] (lucm a medicação era
mantida saíam-se mal a longo prazo. "A resolução dc u m grande episódio depressivo
com sintomas depressivos residuais abaixo do limiar, mesmo no primeiro episódio
clavida, parece ser o pi'imeiro passo de um curso futuro mais grave, rccorrcnte
e crónico", explicou Lcwis Judd, um cx-dirctor do NIMH, num relatói'io do t\no
2000.40O último terço dos pttcientcs via umí\ remissão dc seussintomas a curto
prazo, mas al)chás cerca dc mctacle dcssc grupo, quando mantida a mcdicilção
:lnticleprcssiva, pcrmanccia bcm por longos pcríoclos.4P

Em suRJa,dois terços dospacieiitcs inicialmente tn]taclos conau m antidcpressivn


poclcin ter l expectativa dc cpisóclios recorrcntcs de depressão, c apenas uma
pequenapercentagem pode ter í\ expectativa dc sc recuperar e pcrmancccr bcm
"Apenas 15%das posso;tscom clcprcssãottnipolar experimentam um único surto
da clocnça", observou o illaltual da APA dc 1999, zto passo quc p;utt as demais 85%
l cada novo cpisóclio :ls rcinissõcs tom;tnl-sc "nlciios completas, e novas
rccorrcncias sc clcscnvolvcnl com uma provocação nlcnor".seDt:cidiclítnlcnte, esses

172
Umzt Doença Episódica Torna-sc Ci'única

resultados falavam de uin transtorno pernicioso, mas entãoJohn Rush, um ilustre


psiqlliatra do Centro Médico do Sudoestedo Taxas, em Dálias, sugeriu que "os
resultados da vida real" erílm ainda piores. Essasestatísticas sobre insultados
provieian) de ensaiosclíiticos qtic tiitham pacientes escolhidosa clcclo,com um;t
probabilidade maior de rcspoitdcr óe//ia um antidcprcssivo, disse ele. "A pi'azo
mais longo, os resultados clínicos de pacientes ambulatoliais rcpiesentativos, com
giancles transtornos depressivos não psicóticos, tratados na prática cotidiaila nos
setores privado oil público, ainda estão por scr bcm dcíinidos."s'

Em 2004, Rush e seuscolaboradorespi'eeilchcramcasalacuna da litei'atura


médica. Trataram 118 pacientes "da vida leal" com antidcpressivos e Ihcs
proporcionaram umil abulldância dc apoio afetivo e clínico, "especificamcntc
concebidosl)ara maximizar os resllltadosclínicos". Esseera o melhor atendimento
que a psiquiatria moderna podia foriiccer, e fontm os seguintes selimresultados na
vida real: ;tpcilas 26%dos pacienteschegaram ll responderao antideprcssivo(no
sentido dc seussilltonlas terem uma ieduçãn de pelo menos50% numa escaladc
avaliitção), c apciuts aproximiLdamcntc inctadc dus quc reagiram pcitlaancccram
bem por un] pcríocloconsidcrávt'l.
O nl:lis espantoso
foi quc apenas6% dos
pacientes tivciam retnissão comp]eta da depressão c permaneceram ]ivies dela,
durante essecnsaiocom duraçãodc um ano. Esses"insultados rcvelaiam limo
resposta c índices dc remissão singulaimcnte baixos", disse Rtish.'*

Esse (lttitdru dcsolaclor tios resultados nil vicia real logo foi cotihrtJlad(} por lim
gntndc estudo do NIMH, conhecidocomo ensaioSTAR$D,quc ltush ajudoll a
dirigir. Quase todos os 4.041 pacientes ambulatoriais da vida real inscritos nesse
c'nsaio cstavant apcilas modcradanlentc ciifeinios; mesmo assim, iilcnos dc
20% tivenun remissão e permancccntm bt'm durzlnte uni ano. "A mítioria dos
indivíduos com grandes transtornos depressivos tem um clirso crónico, iuliiúde com
sintomatologia considerável e com incapiLcitação :tté mesmo cntrc os t:pisódios
concluíratit os investigadores.ss

No ctirLo c'spitço dc quarc'nta altos, }l clcpressão havia sida) profulid?uncnLe


ti'ailsformada. Antes do aparccimcilto dos rt:médios, {'la t:Ftl um transtorno
bastanLc' retro c os dt:sfechos costumztvam st:r bons. Os pacieiltcs c' suas famílias
podiam recebi'i a garantia de qu(' t'Fa improvável quc o probletila lí'etivo sc tornasse
crónico. Ent al)Filas dcitlontda clt-seis a 12 meses, mitosou iil('lias -- il rt'cttl)('raça(i
do paciente. Hoje:t'H dia, o Nlh'IH informit at) púl)lico (lut' os distúrbios depi'essivos
[ílig('iti ]iiii t']i] cada dtz norte-amcricilnos, todos os anos qtic a depi'casãovcm
tp;treccilclo mais ct'do na vida" do quc ilcolltecia no passado,e que o prognóstico

1 7:3
AN,\TOXII/\ r)ICUNIA EPIDENIIA

a longo prazo pata as pessoasquc ela atinge é sombrio. "Um episódio grave de
depressãopode ocorrer apenas unia vez na vicia de uma pessoa,porém, com mais
frequência, ele se repete durante toda a sua vida", adverte o NIMH.S4

Depressão Não Medicada z;i Depressão Medicada


Chegamosagora a um terreno intelectual semelhanteao que experimentamos
com os antipsicóticos; será realmente possívelque os antidepressivos, que são tão
populares entre os consumidores,piorem os resultados a longo prazo? Todosos
dadosque examinámosaté aqui indicam quc os remédiosfazem exatamente isso,
mas há um dado probatório que ainda nos falta: como é a depressão não medicada,
nos dias atuais?Será que tem um curso melhor a longo prazo?Infelizmente,
como descobriram os pesquisadores cla Univei'cidade de Ottawa em 2008, não há
ensinosaleatórios de boa qualidade cine comparem os resultados a longo prazo
dc pacientes tratados com antidepressivos e pacientes nunca mcdicados. Sendo
assim, concluíram os pesquisadores, os ensaios aleatórios "não fornecem qualquer
orientação para os tratamentos mais longos".ssEntretanto, podemosbuscar
estudos "naturalistas" que nos ajudem a responder a essa pergunta.n

Pesquisadoresdo Reino Unido, da Holanda e do Canadá investigaram essa


questão, rcexaminando históricos de casosde pacientes(lcpi'imidos cujo uso de
medicamentos tinha sido acompanhado. Num estudo cle 1997 soba'eos resultados
obtidos numa grandc instituição, numa comtmidade carente, cientistas britânicos
relataram qtic 95 pacientesnunca medicadosviram seussintomas se reclttzirem
em 62% ao longo de seis meses,ao passoquc os 53 pacientestratados com
medicamentos tiveram apenas unia redução de 33% dos sintomas. Os pacientes
medicados, concluíram eles, "continuaram a ter sintomas depressivos ao longo dos
seis meses".5õNum estudo retrospectivo elos resultados cm dez anos, abrangendo
222 pessoasque haviam sofrido o primeiro episódio dc depressão, investigadores
holandeses constatam'am que 76% dos não tratados com antidepressivos
recuperaram-se e nunca tiveram recaídas, em comparação com 50% daqueles a
quem foram rcccitaclosantidepressivos.s7
Por fim, Scott Pattcn, da Univeisidadc
cle Clalgary, esmiuçou um grande banco de dados de saúde canadensc, para avaliar

A ressalva a scr fcita sobre os estudos naturalistas é quc o grupo não me(ficado, no momento do
diagnóstico inicial, pode não estar tão deprime(lo quanto os indiví(duos quc us:tm medicamentos
Além disso, a(lucles (luc evitam a incdicação também podem tcr uma "rcsiliência interna" maior\
Xlcsmo feitas essas rcssalvas, deve scr possível obtermos uma ideia do cui'se da clcprcssão não
mcdicada com l)asc nos estudos naturalistas, para vcr como cla se compara com o curso cla
clcpressão tratada caiu anta(lcprcssivos.

174
Uma ])otlnça lCpisódica Torna-sc Crónica

os resultados dc 9.508 pacientesdepressivosztpóscinco anos, e detciminou que


os pacientes mcdicí\dos6lcavitmdcprinlidos, c'nl média, 19 scill raiaspor ano, cm
contntste cona 11semanas, no casodos ptLcientcsquc não toniavaill medicamentos.
Esscsrcsllltados, escreveuPatten, fonun coinpatívcis com a hipótcsc dc Giovanni
Fava dc quc "o tratailictito ilntidcprcssivo pode levei' a uma deterioração do cuido
dos distúi'pios do humor a longo pi'azo".sn

Um t:stucloconduzidopela OFvlSem 15 cicladcsdo mundointeiro, pala


aferir o vítlor da triagcil] pitnt a dcprcssão, levou a resultados scmclhantes.
Os })csquisadoiesíizci'am ]in] levantamciitoda depressãoem píLcieiltesquc
apara'ciatlt lias clínicas dc saúde por outras queixas, e depois, obscrvaitd{)-
[)s rm sigilo, acompanharantdurante os 12 i]ieses segllintesos qur foi'am
identificados como deprimidos. Seu raciocínio foi que os clíiticos gcrilis díts
instituições identificaiialn ;t dcpl'casãocni alguns pacientes, mas não em todos,
u' os pcsquisadorcs levantantm a hipótese dt' que os resultados sc eiiquaclrariam
cm quatro grupos: i\s pessoas diagnosticadas c tnltadas com antideprc'ssivos
st- sairiam inclhor; as diagnosticadas e tratildas colll betizodiazel)mas tcriain o
segundo n :lhos rcsultztdo; as diagnosticttdas L tratadas senil psicotrópicos seriam
r) teicciru melhor resultado, e as não identificadas c não tratadas teriam o pior
resultado. Infelizmciite, o (luc sc c{)tlstatott foi o invclso. Ao todo, os invcstigadoi'cs
da OÀ'rS idciltillcar;tin 740 l)escoas como dt:priniiclas, c fonte l ils 4H4 não cxpt)smas
;l m('dica111t'fetos psicotrópicos (qut r foss('m diagnosticadas, quer não) qu(
21preseiltar;lmos ltlrlhores resultados. Gozavamdt' "sítúdc gcr;tl" muito tnclhor
ao final de uin ano, seus sintomas deprt'ssivos eram muito itlais l)randos, c limo
l)crccntagcin mc'nor foi considcracla como ainda sendo "doente mciltal". O grupo
que mais sofreu com a "dcprc'ssãocontínua" foi o dos pacientestratados caiu
:intidc:prcssivos.O "estudo não corrobor;l ;l ideia dc qtic o hão rt'conhocimento da
dt'pressão tenha gr:avesconscqttências advt'rias", escrt:vcraill os invcstigzldort's.S"

175
An,vioxiLX 1)1;UM/\ Epini;x;ii.\

Resultados,após um ano, do estudo de triagem da depressãoconduzido pela OMS

[] Diagnosticados/
Antidepressivos

[] Diagnosticados/
Sedativos

Diagnosticados/
Sem medicação

Não diagnosticados/
Sem medicação
Bem Depressão contínua

Os investigadoresda OMS informaram quc uma pcrccnt:tgcmmais alta (lo glul)o não medicadosc
rccupciou) c quc a "depressão contínua" sc mostrou mais elevada entre ostrata(los com antidcl)rcsslvos
Fonte: D. Goldl)crg, ''Thc cffccts of dctection and trcatment of major depression in primary caro:
/?díisAJaz/r/za/ adc'/irra/ praz/ic.: 4í}( 1 91)8): 1 .840-1 .844

Em seguida, pesquisadoics do Clanadá e dos Estados Unidos investigaram sc o


usodc antidepressivos}tfetavaos índices cleinvalidez. No Canadá,Carolyn Dewa
e seuscolaboradoresdo Centro de SaúdeMental e Dcpendêiicia dc Drogas, em
Ontário, identificaram 1.281pessoasque foram postasem licciiça temporária
poi' invalidez entre 1996c 1998,por tercm faltado a dcz dias cnnsccutivosde
trabalho, cm decorrência da dcpressão.As 564 pessoasque, posteriormcnte, não
compraram o antidcpressivo rcceitadt) voltei'am ao trabalho, cm média, cm 77
dias, ao pttssoquc o grupo medicadolevou 105 dias para voltar a trabalhar. Mais
importante, apenas9% do grupo não medicadollleitcartull uma liccilça a longo
prazo por invalidez, cm comparação com 19%dos quc tomavam antidepressivos.m
"Sei'á que a não utilização de um antidcpressivoreflcte uma resistênciaa
ldotar o papel de enfermo e, coi]scq]]entemcnte,un] retorno mais rápido ao

lii Esse cstu(lo e uma po(lcrosa ilustração de por quc) colmosociedade,podeillos scr iludidos a regi)eito
dos méi'itos dos anta(lcpicssivos. Dos (luc tomaram um antidcprcssivo, 73% icgrcssaram ao
tnlbalho(outros 8% pccliram clcmissãoou sc ílposcntai'am), c não há dúvida dc quc ilulitos desse
gi'upo dirtanl quc o trataincnto medicamentoso os ajudou. Eles sc tornariam vozes da sociedade
(!uc atcstanl os benefícios desse l)aracltgnla (lc atendimento e, sem uin cstu(lo como o aqui
al)rcscntado, não llavcria como sabei (it.ie, na vcr(lacre,os mcdicamciltos cstaxanl aumcntanclo o
risco (la invalidez a longo piano.

176
Uma l)t)c nça I';pisódica lbrna-sc C t'única

trabalho?", perguntou-sc Dcwa.60Sinlilarnlcnte, u psiquiatra William Gorycll, da


Universidade de lowa, c seuscolaboradores,hilailciados pelo NIMl-l, estudaram
r)sresultados"naturalistas" apóssos anos cm 547 })cssoasque haviam sofrido um
L:pisódiodc depressão, c coilstatitnlil quc as quc receberam tnltainento da docilça
vivei'ain três vezesmais probabilid;tde do quc o grupo não tratado de sofrer lama
;cc'ssação"dc sc]] "principal papel social", c uma probitbilid:tdc quase sete vezes
itlaior dc sc toillarcill "inválidos". Além disso, eilqllailto muitos dos pacientes
tnltados viram suzlsituação ecoilâmica sofrcr um declínio acentuado clunlnte o
pcrío(lo dc seis anos) itpenas 17(%do grupo não illcdicado tiveram uma diminuição
da renda, c 59%viram sua l cuidaal///lpn/ar."Os indivíduos não tnltados dt's( ritos
nesteestudo tivcran] unia cloençitniitis branda c dc menor duntçãolquc a dos que
fontm tratados] e, apesardí\ ausênciado tratanlcnto, não exibintm mudanças
sigitificativ2ts do i/a/ui social coiiõnlico, ít longo prazo", escrcvt'u Corycll.Õ

risco dc invítlidcz c'iii pacientesdcl)rimidos

[]
Voltaram
aotrabalho

Invalidez por
longo prazo

Pediramdemissão/
Aposentaram-se/
o% 20% 40% 60% 80% 100% Foramdemitidos

lCsscfoi um estudo de 1.281 emprega(los canadenscs(lue estavíttll cm licença temporária por invalidez,
cill (lccorrêilcia da (lcpicssão.Os (luc tomai'anl um anta(lcprcssivotivcrain mais (luc o dobro (la
prol)abolida(lc dc passai l)aia a con(lição dc licttncia(los pcrnlancntcs por tnvaliclcz. Fonte: C,. Dcwa
Pattci'n of antidcprl:ssant us{ aneldunltioi} of dt l)rcssion-rclatcd abscnct:from w.ork",/3ririí/!Jaur/irz/
a#/yc/iía/7 183 (20(J3):507-513.

Vários p;tíses tailibén] {)bscrvanlm que, após a cht'gado\dos ISRS, o iiúincro


dc seuscidítdãosincapacitadospela dcprc'suãoalimentou drasticanlcnte. Na Grã-
Brt'tallha, o "númc:ro dc dias dc incapacidade"por dcprt:suãoc por distúrbios
neuróticos saltou clc 38 milhões, cn) 1984,l)ara 117 milhões, cn] 1995, Oli lim
ltumt:nto de três vczcs.02
A lslâ]tdia infon]iou quc a pcrccntagci]] dc suispopulação
inc;lpilcitada pctladcprcssãoqtiasc duplicou clttrc 1976c 21)o0.Se osaiitidcpressivos
fossa:mi'ealmciitc úteis, poildt rantin os invcstiqadorc:sislandeses,o uso clcsscs

177
AN,VI'OX[I/\D].:UNIAE].I])ENFIA

medicamentos, "tto quc seria cspcrávcl, tecia um impacto na saúde pública,


reduzindo a invaliclcz, a moibidez c a mortalicladc dccorrcntcs de trtlnstornos
depressivos".õ3Nos Estados Unidos, a peicentagen] de norte-americanos cn] idade
economicamcnteativa que disseram ter sido incapacitadospela clcpressão,ao
iespondcrem a levantamentos de saúde, triplicou durante a década de 1990.M

Estudo clo NIMH sobrc a depressão não tratada

Nãotratada

Cessação dafunção do papel Tomaram-se inválidos

Nesse estudo, o NIX,lll in'vcstigou os insultados naturalistas de pessoasdiagnosticadas com dcpi'casão


grave quc fbiam tnitadas c não trata(las. Ao cabo (lc seis anos os pacientes trata(los tiveram uma
probal)ilidadc muito maior dc parar (lc funcionar cm seuspapéis sociaiscostumciros c (lc sc tornarem
inválidos. Fonte: W. Corycll, "Chíu'acta'istics and significancc of untrcatccl major dcpi'cssivc clisordcr
4/?ieHcalzlazzr/ia/
agJ ?c/zia/p152 ( 1995): 1.124-1. 129.

Há unaúltimo estudo quc pt'casamos cxaininar. Em 2006,Michael Poster'nak,


um psiquiatra da Universidade Brown, confessou que, "infelizmente, temos pouco
conhccimcnto dircto a respcito do clirso cla depi'casãoaguda cm pacientes não
tratados". Os maus rcsultaclos a longo prazo, detalhados nos manuais da APA e
noscstuc]osdo NIM]], contavama história da dcpressão
//redíc;ada,
quc poderia
sei' um bicho muito diferente. Para estudar como seria a depressãonão tratadíl
nos tempos modernos, Posternak e seuscolaboradores idcntiíicaram 84 p;\cientes
inscritos no Pt'ogiama Psicobiologia da Depressão,clo NIMH, os quais, depois dc sc
rccupenu'cnl dc uin episódioinicial de depressão,tivci'am uma recaída gostei'iorl
mas não voltaram a ser medicados nessaocasião. Embont essespacientcs não
fosscm un] grupo "nunca exposto" às drogas, Postcrnak ainda pede acompanhar
sua recupcração "scm tratamento" desse segundo episódio de clcprcssão.Eis os
resultados: 23% sc recuperaram em um mês, 67%, cn] seis mescs c 85%, cm um

178
Uma Doença Episódica Torna-se Crónica

ano. Kraepelin, como observou Posternak, dissera (lue os episódios depressivos


não tratados costumavamresolver-seno intervalo de seis a oito meses,e os
resultados do estudo atual forneceram "talvez a confirmação mais rigorosa, em
termos metodológicos, dessa estimativa".ÕS

Aparcntemcnte, os antigos estudos epidemiológicos não eram tão falhos, ahnal.


O estudo de Posternak também mostrou por que os ensaios dos mcclicamentos
durante seis semanas haviam desviado a psiquiatria do curso carreto. Embota
apenas 23% dos pacientes não medicados se rectiperassem depois de um mês,
IS remissõesespontâneascontinuaram depois desseprazo, na proporção de
aproximadamente 2% por semana, e assim, ao anal de seis meses,dois terços
dos pacientes estavam livres da depressão. A depressão não medicado leva fe/nPa
para desaparecer e isso se perde de vista nos ensaios a curto prazo "Se até 85%
dos indivíduos deprimidos quc não recebemtratamento somático recuperam-
se espontaneamenteno prazo de uil] ano, seria extremamente difícil qualquer
intervenção demonstrar um resultado superior a esse", disse Posternak.6'

Era exatamcnte o alerta feito porJoseph Zul)in em 1955:"Seria temerário


itGirn)ar uma vantagem dehiiitiva para limtt terapia específica, sem um acompanha-
nlcnto de dois a cinco anos".õ7

Nove Milhões, e a Contagem Continua


Agora podemosvcr como sc encaixa toda a história dus antidepressivos,c
poi quc o usodisscminaclo
dessesmedicamentos estariacolltribuindopara lim
aumento do número de pessoasincapacitadas por clocnça mental nos Estados
Unidos. A curto prazo, é provável que os indivíduos quc tomam antidepressivos
voam seus sintomas diminuírem. Entendem'ão
isso como prova de que os
medicamentosfuncionam, e o mesmo acontecerácom seusmédicos.Entretanto,
essamelhora dos sintomas a curto prazo não é accntuaclamentenlaioi' do quc
a observada em pacientes tratados com um placebo,e esseuso inicial também
introduz as pessoasnum curso problemático, a longo prazo. Se pararcm dc tomar a
medicação, elas terão um alto risco de recaídas. Se permanecerem com as drogas,
entrettlnto, também é lirovável club sofram episódios recorrentes de depressão,
e essa cronicidade aumenta o risco de que venh2tm a se tornar inválidas. Até
certo ponto, os ISR.Sfuncioiiain colho ui)ia armadilha, do nlesino mudo (ltic os
nctirolépticos.

179
ANATONII/\ 1)1.}UMA EPIDI;NII/\

Também podemos acompailhí\r o aumento do número de pessoasincapacitadas


por depressão durante a era dos antidepressivos. Em 1955, havia 38.200 pessoas
nos manicómios nacionais em recorrência da depressão, o que equivale a uln índice
de invalidezpz?rcaP/a de um cm cada 4.345 habitantes. Atualmente, o transtorno
depressivo agudo é a principal causa de invalidez nos Estados IJnidos para pessoas
entre 15 e 44 anos. De acordo com o Nlh'll=1,a doençaafeta 15 milhõcs de nortc-
ameiicanos adultos, c pesquisadoresda Escolade St\úde PúblicaJohns Hopkins
l clataram, em 2008, que 58% dos indivíduos desse grupo achavam-se "gravemente
prqudicados".õ8 Isso significa que, no momento, quase nove milhões de adultos
encontram-sc incapacitados, en] alguma medida, por essadoença.

Também é importante notar quc essaincapacitação não provém exclusiva-


mente do fato dc as pessoastratadas com antidepi'cssivosterem um alto risco
de sofrer episódiosrccorientes de de])ressão.Os ISRStaml)ém causamum
grande número (te efeitos colaterais perturbador'cs. Estes incluem clisfunçõcs
sexuais, eliminação do sono REM, tiques musculares, fadiga, cmbotamento
afetivo e apatia. Além disso, investigacloies relataram que o uso a longo prazo sc
associaa deterioração da memória, cliíiculdades na l csolução clc pioblcmas, perda
da criatividade e deficiências na aprcndizagcm. "Nosso campo") confessaram
Maurizio Fava c outros profissionaisdo Hospital Geral de Massachusetts,em
2006, "não tem prestado atenção suficiente à prescnçit dc sintomas cognitivas qtic
cn)ergcm ou persistem durante o tratamento a longo pi'azo com antidepressivos.
(...) Essessintomas parecem ser bastante comuns."ti9

Os estudos com animais também têm produzido restiltaclos alarmantes.


Ratos que receberam altas doses de ISRS durante qliatro dias acabaram com
neurónios inchados e retorcidos como saca-rolhas. "Não sabemos se as células
cstãu morrciido", cscrevcram pcsquisadores da Faculcladc dc lvlcdicinaJeffei'son,
na Filadélfia. "Essescfeitos podem)ser transitórios c reversíveis.Otl podemscr
penllanentcs."7' Outros relatórios sugeriram quc essassubstânciaspodem rccluzir
:i densidade das coiicxões sinal)ricas iio céi'abro, cansar nlortc celular no hipocanl po,
encolher o tálamo c descnc:tdear anos'malidadcsno funcionamento dos lobos
frontais. Ncithttma dessas possibilidades foi bc]n estudada i]cn]. doclimcntacla,
mas fica claro (lue há alguma coisa crntdíl sc os sintomas dc dcterioração cognitiva
cn] usuáriosdc antldcpicssivos a longo pi'azosão"I)astallte comuns

18o
Unia Doença Episódica Torna-sc Crónica

Melissa
Entrcvistei divctsas pcssoasquc reccbianl pensõesda Renda Complementar
da Previdência(SSI) ou du Scquro da Prcvidêlicia Social por Invalidez(SSDI) cm
clccorrênciada depressão,c nlllitas coiltantill histórias semelhantesà dc Níelisstt
dances. Tomaram lim aiitidcpressivo pela primeira vez quando estavam ila
adolescência, ou no começo da ctlsa dos 20 }tnos, c o nlcdicamcnto fuitcionou poi'
algutn tempo. Dcpois, no entanto, a depressãovoltou e, desde ciitão, clãs passeiam
a lutam'com episódios dcprcssivos. Suas histórias coilabinain de naaneira notável
com a croilicidadc t\ longo pritzo detalhada na literatllra científica. Tanlbéname
rcc:ilcoiltrei com Mclissa pela scguitclavcz, iiovc iilt:ses depois dc nossaprimeira
eiitrc vista, e suaslutas coi)tinuavam praticainentc' igtutis. No outono dc 2008, ela
come'çou
a tom;tr ulliít dosealta dc um inibidor de motlolmtinauxidítse,o quc
proporcionou algtinlas seiníulas dc alívio, depois das qultis a depressão voltou
ainda pior. Em nossa segunda eiltrtvista, cla estava considerando a terapia de
tletrochoqlic e, quandoalmoçávamosiiuni restatirantc tailandês,falou, com ar
tristonho, dc como gostam'iaquc scu tri\tameitto ptldcssc tet' sido difercnte

Eu i'eztlnlcnte mc l)erguiito o quc teria acontecido se [aos 16 aiios] eu tivesse


simplesmc'nte conversitdo com alguém, c sc essa pessoa pudesse ter lllt: ajlidzldo
:i aprciidtr o que c'u poderia faze'r sozinha piora st:r liina pessoa sttudávcl. Nunca
tive minilllodclo para isso.Alguém poderia tei' mt: ajudado nos ilicus problt'mas
covil}l comida t' com a fitinha dieta c t'xt'rcícios, c mt' ajuclaclt)a aprt:líder a cuidar
dc mim. Em vcz disso,mc disscnttn: 'Vocêtem tal ou cltial pioblem:l com ecus
ncllrotransmissorcs, portanto, tonlc t ste comprimido dc Zoloft'; e, quando isso não
fuiicioilou, foi 'Tome c:stecomprimido dc Praz;tc\ e, quando isso não futlcionott,
foi 'Tome cstc coltlprinlido clc Ef'fexor', c aí, quando conlccei a ter prí)blenlas par;t
dormir, foi 'Toiil{. estetotllpi'amidopitrlt dormir"', dissecla, ct)m a voz dais triste
(lue nunca. "Estou muito cansítda dos comprimidos."

181
9
O Crescimento Explosivo
do Transtorno Bipolar
Eu gostara de a\sinaLar que há )iu história da ttledicitta tttuitos exetttptos
de situações enl que a ua\ta tt\ataria dos tllédicosjaC cttgun\a coisa blue
dá cilada. O n\elhnrexen\plodbso é a snngna, qtleloi a brâtica
tltédica fetais cotltun{ desde o séctlto l d. C. até o sécttto XIX."
- Nassir Ghaemi. Centro N,léclicoTufts. Conferência da
Sociedade
Norte:-Amt:ricanadc I'siquiatria (APA), 2008

Na rc:uniãoanua] da Socio(]adcNorte-An :ricana dc Psiquiatria (A]'A)


cm 2008, realizada em Washington, houve coletivas dc imprcnsa cliáiias, e
durante as apresentaçõesquc falavam dos grandes avançosvindouros, os
dirigentes da ciltidadc instavan] sistenlaticaillcnte os i'epórtercs e redatol'es
científicos presentes}l ajudêLrcma "trl\nsmitir a mciisagem de qtic o tratainetlto
[psi(luiátrico] funciona c é e6lcaz,c dc (latenossasdoençassão tão reais qutuito as
doenças'cai'diovas( ulares c o cân(.rl.") nas palavnts da presidente da instituição,
Carolyil Robinowitz. "Precisamostrabalharjulltos cm parceria, a Gliitdc pudcnnus
levar a notícia aos ptLcielltesc seusfamiliares". A imprensa tinha um impor'tailtc
pal)el tl desempcilhar, explicou a futur;l prc'sidcnte Nad;t Logan Stotland, l)orque
"o público é vulnei'ável às infoi'mações cquivocadas".Ela exortou os repórteres
l "nos ajuclilrcn1 21informar ao l)úblico qtic }ls docnças psiquiátrictls são reais, os
tiatamcntos psiquiátricosfuncionam c nossosdadossão tão sólidos quanto cm
qualquer outnt árc:t da inc'dicina

Rztbisquei essas três citações iio Incll cada:rno dc notas, apesar dc não nlc
l)areccr quc Á/?a/a//lía de ?l///r/ EPidepzia viesse propiiamcnte a sc enquadrar no
modelo dc parceria pretendido Fria APA, c depois, dia a})ósdia, passeia dai' umíl
volta pelo gntildc salãodc exposições,o quc sempre me agradou.As companhias
farmacêuticas Eli Lilly, Pfizcr Bristol-Myers Squibb c todos os outros principais
vciidcdorcs dc medicamentospsiquiátricos tinham cnonlles centros dc recepção
nos quitis, sc você fosse médico(a), poderia retirar várias bugig;rogase l)rin(les.
O dtt Pfizer parecia scr o anais popular já quc os psiquiatras podiam receber um
novo brinde personalizado a cada dia -- scu nome gravado nllma nliniltLntcnia, num
ANATOXíi/X 1)1;UNIA Epioi;XiiA

dia, c num cai'regador dc telefone celular iio outro. Eles também podiaill ganhar
brindes jogtLndo uln oídeoga#zechamado "Desato da corrida dos médicos", no qual
o ritmo do seu eu virtlial corria para a linha dc chcgada,regido pela qualidade
dc suas respostas a pergLmtas sobre as marztvilhas do Gcoclon colho tratar)unto
do transtorno bipolar. Depois dc jogar csscga/?re,mllitos faziam fila p:ua tirar sull
foto e estampa-la num bóton publicitário que dizia "0 Mclhor Médico do Mundo:

Os eventosde maior público iitl conferência foraila os simpósiospatrocinados


pela indústria. A cada café cla manhã, almoço c jantar os médicos podiam
desfrutar de uma stmtuosa refeição gratuita, seguida por palestras sobre o temtt
escolhido. Houve simpósios sobre clcpressão, transtoi'no do déhcit dc atenção
com hiperatividacle (TDAl:l), csquizofrcnia e prescrição de antipsicóticos a
crianças e adolescentes, c quase todos os oradoics vinham das melhores escolas
acadêmicas.O fato de que todos estavam scndo rcn)uncrados pelas empresas
farmacêuticas era abertamente reconhccido, umêtvez quc a APA, como Falte de
uma nova política de transparência, havia publicado lim gráfico com a lista dc
todas as maneiras pelas quais o dinhciro da indústria fai'macêutica fluía para esses
líderes pensantes". Além de receba'em vei'bas parít a pesquisa, quase todos os
especialistas"trabzllhavanl como consultoics cm "conselhosconsultivos" c colmo
mcnlbros de "centrais de palestrantes". Assim, viu-sc queJoscph Biedcrman -- llm
psiquiatra do Hospital Geral dc Massachllsctts, cm Boston, que nos anos 1990
liderou a popularização do transtorno bipolarjlivcnil -- recebeu verbas clc l)csquisa
dc oito ctllprcsa$ foi "consultor" dc novc c trttbttlhou como "palestrante" para
oito. Sualonga lista de clientes farmacêuticos não era tão incomum ttssim e, em
algumas ocasiões, os orador'es tinham quc atualizar suas informttções no guia dc
divulgação,ao se ctirigirem ao pódio, por tercm }tci'esccntadoem data reccnte
mais uma companhia farmacêutica à sua lista de clientes. Depois de fornecer
zelosamcnte essasinformações num simpósio dedicado aos méritos da prescrição
dc múltiplas drogas psiquiátricaspiu'a crianças,Jean Frazier, da Faculdadedc
Medicina da Universidade Harvard, disse, scm qualquer indício aparente dc
ironia: "Espero quc vocêsconstatam qtic minha aprcscntação não é tendciiciosa"

Os oraclorcs fizeram palestrtts muito refinadas, prova do treinailaento


em oiatóiia quc haviam recebido das empresas farmacêuticas. Comcçavanl
habitualmente por uma pilhéria ou brincadeira, antes de passarempara seus
diapositivos do PowcrPoint, exibidos em telas de salão dc bailc maiores (luc as
cncontradiLSna maioria dos cingidas. Muitas vczcs, os pai'ticipantes rccebianl
controles rcnlntos portáteis, parti respondera pcrglintas dc múltipla escolha

18'1
C) Crescimt'nto l:xplosi\o cloTranstorno Bipolar

durante as apresentações,ao som cla iiiúsica dramática que ia sendo tocada à


mcclida cine cles teclavan] sitas respostas, tal como no episódio final do programa
JeaprzrdW/,
e, quando scu sabercoletivo cl'tl exibido nas telas, a maioria costumava
:\cortar as respostas. "\vocês são muito espertos", comeittoti uin orador.

Patty Duke apresentou aos participantes da rcullião de 2008da APA sua história
clínicit dc celebridade.O conglomeradofarmacêutico AstniZcncca p:ttrocinou suíl
p;llestra, c o porta-voz da empresa que a ;apresentou,apílrcntemc nte tenlcroso
dc que, por algttmzlrazão, a plateia não compreeiidcsseo qtttt cla viera dizer,
informoua todosquc "a ltlt'nsagetlla ser levadadaqui é qut' a docnçaincntal
é diagnosticável c rtconhccívt 1, e o tratamcllLo funciona". Depois disso, il iltriz
ganhadora do Oscar, ttsaitdo ulli vc:sticlocor dc abóbora, custou o quanto havia
sofrido, dlirailte vinte ttiios, com limo doença bipolar não diagnosticada, bcbendo
cm excessoc sendo scxuillmente promíscua ao longo desscperíodo. O diagnóstico
e a medicação"mc traiisforlllarilm cm um bonél)artido", disse cla, c contou que,
sciitprc que fala ct)il] gruposde p;lcieiites por todo o l)zús,martela essepalito.
;Eu digo a eles: tomem scils rcmécliosl", afirmou. Os medicanlcjitos resolveu a
clocnça)"com pouquíssimos:Lspt'caos
ncgativosl". A plateia cxl)lodiu em aplausos
cliailte disso e, cm seguida, a prima idêntica favoritzl dos Estados Unidosi ofereceu
los psiquiatrasuma última bênção:"Soldosmais do qut' ab( nçoaclospor contar
com pessoascomovocês,qttc optalalil por cttldar dc nós t' por nos coticluzira unia
vicl:t ('qtlilibntda. (...) Extraía minh:is informitçõc's dc vocês . da NAÀ,fl [Aliaitça
Nacioi[al Coi[tr:[ a Dot nça l\'leittal],'' e, st: e]] rc'sistisse a essas informações,
mcrcct'ria quejogasscm uma rt'dc ein cima dc mim. As vezes, quando ouço alguém
dize r, iiuiiia dt' minhtts palestras, 'Eu não preciso de medicação, não a tomo', eu
Ihc digo: 'st'lhe-se, você está fazendo papel clr bobo

Isso levou a unia ovaçãode pé, e assim,qti:tiido guardei illcu caderno, pareceu
certo quc ;tqut'la enl uma rt'união cuja itlcnsagcnl filial, não in)Fartava aonde sc
fosse, seria mllito bcm controlada. Ç)uasctudo font prt:parado c' organizado dc lim
modo(lttt' dizia d( uilla pr{)missão
muito cotlfiatlte cm su:l tcnlpêutica e, mesnl{)
sztbciido quc Nlartin Harrow faria unia palestra sobra seu cstuclo ;l longo l)rezo dos
resultados da csqtiizofrciiia, vi quc Ihc tinhlttll coitccdido apt'bits vinte illinlitos c
qtit' sua ilprcscntação havia sitio ntitrcadit pitnt unia das lilt'HOFcssalas do centro
clc cotivt'lições.Sua c'aposiçãoseria :l única cxceçãoà regra, dc illodo que cu não

Rcfcrên(ia às (luas a(lolcsccntcs rcprcscntadíts l)or Patty Dtikc cm scu programa (lc televisão, 7»f
na/9 Z)file S/zait (11)63-1ç)(i6),PiLtty t: Cathy, cujos pais, hlal'tii} c Kennrth, são gémeos idênticos:
don(lc n dctiominação (It' "primas idêntirits" dzts bit'minas.(N.T)
11

A sigla c{)rrcspondt:à (lcnominaçãa original, Nacional Allianct' on Rlcntal lllilcss.(N.T)

185
ANA'I OXIH 1)1:UXÜ EI'II)I:X[IA

espetavaouvir nadade espantosona tarde de terça-feiracm que me espremi


para entrar numít sala apinhada clc gente, ligeiramente maior, para assistir a
um fórum intitulado Os Antideprcssivos no Transtorno Bipolar. Calculei club os
oradores meramente aprcseiltariam resultados dc testes que, dc lin] modo ou
de outro, justihcariam o uso dessesmedicamentos; no entanto, logo me apanhei
escrcvciido furiosamente. A discussão, conduzida pelos maior'es especialistas do
país em transtorno bipolar, o que incluiu os dois gntndes patriarcas da psiquiatria
biológica nos EstadosUnidos, Frederick Gooclwin e Robert Post, conccntrou-se
nesta pergunta: os antidepressivos piora/?io curso do transtorno bipolar a longo
prazo? E será quc o fazem de maneira significativa?

"A doença sc modificou", disse Goodwin, que, cm 1990, fora coautor da


primeira edição dc seu livro l)ae/zfa.a4a/zíaco-.DeP/esiiua,
considei'adoa bíblia desse
campo. "Velhos [hcje] ciclos muito mais rápidos do que descrevemos na primeira
edição, muito mítis estados mistos do que desci'evemosna primeira edição, muito
mais resistência ao lítio c muito mais fracasso do tratamento com lítio clo que
foi rcgisti'ado na primeira edição.A doençttjá não é o quc Kraepclin dcscrevcu,
e o fator principal, creio cu, é que a maioria cle seusportadoresiccebeum
antidepressivo antes illesmo dc ser exposta a um cstabiliztLdor clu liunlur.

Essa foi a salva inicial do que se transformou numa confissão de uma hora.
Embota nem todos os palestrantes coiicordassem cm que os antidepressivos
haviam sido desastrosospara os pacientes bipolares, foi essaa temática geral, c
ninguém qliestionou o resumo final de Gt)oclwin de quc os resultados, na docnça
bipolar tinham pior'adovisivelmente nosvinte ztnosanteriores. Osantidepressivos,
afirmou Nassir Ghaemim, do Centro Médico Ihfts, po(lcm cttusar guinadas
maníacose transfoi'mar os pacientes em "poitadoi'es dc ciclos rápidos", além de
aumentar a duração dos cpisódiosdepressivos.A ciclicidadc rápida, acrescentou
Post, levava a um desfecho muito ruim.

"0 número dc cpisódios, c há uma literatura riquíssima]que documenta isso],


está associadoa mais cléficits cognitivos", dissc cle. "Estamos constniindo mais
episódios,mais resistência ao tratamento, mais disfunção cognitiva, e existem
dados quc demonstram que, sc a pessoa tem qutttro episódios depressivos,
unipolaies ou bipolares, isso duplica o risco de demência numa fase posterior'
da vida. E, a(tivinhem só, isto não é nem metadeda história. (.-) Nos Estados
Unidos, as pessoascom depressão,com transtoi'no bipolar c com esquizofrenia
estão perdendo de 12 a vinte anos de cxpectativtl cle vida, comparadas a pcssoas
que não estão no sistema de saúde mental."

186
O Ci cscilncnto Explosivo do Transtorno Bipolar

Era um discursoque dizia de um paradigmade atendimentoque havia


fracassado por completo, dc um tratamento quc deixava os pacientes
constantementesintomáticos e com prejuízos cognitivos, e que também levava à
sua morte prematura. "Bem, os scnhorcs acabaram de saber (luc uma tias coisas
bluefazemos não funciona muito bcm a longo prazo", Post praticamente gritou.
;Então, que diabos devemos fazer?"

As confissões vigiam, rápidas e furiosas. A psiquiatria, é claro, tinha sua "base


dc dados" para usar antidepressivos no transtorno bipolar, mas, no dizei de Post,
os ensaiosclínicos concltizidospor companhiasfannacêllticas "são praticamente
inúteis para nós como clíiticos. (...) Não nos dizem o que realmente precisamos
saber a quc nossospacientesiespondcrão e, sc não respondcrcm a esseprimeiro
tratantento, qual deverá ser a iteração seguinte, e por quanto tempo eles devem
scr mantidos com as medicações". Apenas uma pequena pcrceiltagem de pessoas,
Acrescentou cle, efetivamcnLe "t'esponde a esscs tratamentos vagabundos, como
os antidepressivos".Quanto aos ensaios rccentcs, financiados por einprcsas
farmacêuticas, que haviam mostrado que os pacientes bipolares de qttcnl se retirava
l medicaçãotuitipsicótica tinham altos índices dc recaída- o que, teoricamente,
servia dc prova de quc os pacientes prccisavanl tomar esses medicamentos a longo
prazo --, esscsestudos "fiam destinzldos a captar í\ recaída [no grupo tratado com
placcbosl", disse Goodwin. "Não são pi'ovade quc a droga :linda sqa necessária;
sãu prova dc que, quanclu sc iilocli6lca subiLaniciitc uin cérebro quc sc aclaptuu à
droga, vai sc chegar a uma recaída". Post acrescentou: "Neste iilomcnto, cin(lucnta
anos após o aclvcnto dos nledicamcntos antidepressivos, aindtt não sabemos
l ealmente como tratam a depressãobipolar. Prccisttinos de novos algolitmos de
trataincilto quc não sejam simplesmente in\citados

Tudo isso foi muito parccido cona o momento, cin O /tíág ca de Oz, em que
a cortina é aberta e o podciosomago é reveladocolho uin velho frágil. Para
qualquer uill na plateia quc houvcssepassadoa manhã no centro de acolhimcnto
da Phzer, i'espondendo a perguntas dc uidea.ga/?lesobre as maravilhas clo Geodon
nu transtorno bipolar (lcvc ter sido arrasador. Trinta anos antes, Guy Clhouinard c
BarryJoncs haviam desconcertado essaclasse profissional com self discurso sobic
a "psicose por hipcl'scnsibilidadc", c agora os psiquiatras eram instados a encarar
o fato de que os insultados dt) transtorno bipt)lai eram piores, hoje, dtl que ti]ihai]]
sido trinta anos antes, e de blue os antidepressivos eram os prováveis culpados.
Os estinlulantcs, ao (ltic parecia, também podiam piorar o estado dos pacientes
bipolares e, por último, Ghacmi disseà plateia que a psiquiatria prccisavttadotar

187
AA'.\TOÀIIA I)E UAI/\ EPII)I;NÍI/\

uma abordageill "hipocrática" no uso das drogas psiquiátricas, o quc exigiria


que pai'assim de receita-los, a não ser que tivessem limo boa comprovação de que
eles eram lealmente beltéficos, a longo prazo- "Diagnósticos, não drogaria", disse
cle, e, a certa altura, vários integrantes da plateia -- quc ia ficando cada vez mais
agitada com essa discussão -- o vaiaram.

"Será possível quc cinquenta mil psiquiatras estejam errados?", perguntou


ele, referindo-scao uso de antidepressivospelos médicoscomo tratamento do
transtol'no bipolar. "Creio que a resposta é sim, provavelmente."

O Transtorno Bipolar Antes do Lítio


Os leitores deste livro, tendo avançado até este ponto do texto, não se haverão
de surpreendemao saberque osresultados referentes ao transtorno bipolar sofreram
uma piora drástica ila era da fannacotcrapia. A única suipiesa foi essefracasso
ter sido tão francamente discutido iia conferência da APA. Considerando-sc o que
a literatura científica i'evelava sobre os resultados a longo prazo na esquizofrenia,
na ansiedade c na depressão tratadas com medicamentos, ei'a razoável que os
coquetéis cle drogas usados para tratar o traiistoriio bipolar não viessem a produzir
bons resultados a longo prazo. O aumento da cronicidade, o declínio funcional, a
deterioração cognitivtl c a doença física, tudo isso sc csperava quc aparecessenas
pessoastratadas com um coquctel que incluía, muitas vezes,lim atatidepiessivo,
um antipsicótico, um cstabilizador do humor unia benzodiazepinae, qucm sabe,
também um estimulante. Tratava-sedc um desastre médico (luc poderia ter sido
previsto, e, infelizmente, ao iastrcai'mos o dcsenrol:tr dessa história, os detalhes
nos parccci'ão por demais familiares.

Embora a doença "bipolar" seja um diagnósticodc oi'igem recente, que


apareceu pela primeira vez no À/rz/zrza/ de Z) ag/zói/{co e .Ei/afú/ica dai Z)üfzíróio.ç
Me/z/aü
da APA (DSÃ/-,Zli4
cm 19H0,textosdc mcdicinaque remontama
Hipócrates contêm dcsciiçõcs de pacientes que sofrem dc episódios altcnlados
dc mania e melancolia. "A melancolia", escreveu o médico alemão Chiistian
Vater no séculoXVll, "passacom frequênciapala a mania, c vice-versa.Ora os
melancólicosriem, ora sc ente'istecein,ora cxpiessatll inúmeros outros gestos c
formas dc comportamento absur(los."O alieiiista inglêsJohn Haslam relatou cine
;os mt\is furiosos maníacos mergulham de repente pluma melancolia profunda,
e os pacientes mais deprimidos c infelizes toriittm-se violentos c furiosos". Em
1854,o naédicofrancêsJules Baillargcr quc trabalhava num manicómio, chamou

188
O Crescimci iLo l:xplosivo doTransLoino Bipolar

essa doença dedo/íe õ dozzó/elürme.m


Tratava-se de uma forma incomum, porém
reconhecível,dc insaiiidade.

Ç)bando Enlil Kraepelin l)ublicou seus textos diagnósticos, incluiu esses


l)acientes eili scu grupo de nliuiíaco-depressivos.Essa categoria diagiióstica
tambélll incluía pacientesque sofriam apenasde depressãoou de mania (em
contraste covil padecer dc allll)as), c Kntcpclin pondo'rou quc todos casesvariadas
estados afetivos provinham da illesma dncnçit subjaccllte. A cisão da psicose
maníaco-deprc'seivacm facções separadasdc utlipolares e bipolarcs tevc início
em 1957,quando um psiquiatra alemão, Karl Lcolihard, determinou que a faceta
lilailíaca da doença parecia ter maior incidência cm ltlcnlbros de uma mesma
família do quc a forma depressiva.Chamou ospacientesmtlliíacosde "bipolares"
e, a partir daí, outros pesquisadoresidcntiGlcttramdiferenças adicionais eiitrc as
forte)asuitipolar c bipolar dít psicosem;utíaco-depressiva.
A instauraçãoocorria
mais cedo nos pacientes bipl)lares, amiúde na casados 20 anos, e pareceu também
que os pacientesbipolares corriam lim risco ligeiramente maior dc sc tornarem
doentes crónicos.

Em scll livro de 19(i9, A4a/zic.DeP/?iiizPe


IZ//ze.ç.f
[Doença maníaco-dcpressiva],
Gcorge Winokur, da Universidade Washingtoil c'iii St. Louis, tratou a depressão
uilipolar e a doençabipolar como entidadesseparadase, liina vcz feita casa
distinção, clc c outros coincçaran} a rccxaminar a literatura sobre a psicose
m;tníaco-depressiva, a flUI dc isolar os dados rc'cativos aos pacientes "bipolares
Eill média, nos estudostllais antigos, aproximadamciiteum qllarto do grupo
tnaiiíaco-depressivohavia sofrido episódios mtmíacos,sendo,portanto, "bipolar:
Segundoa opinião gentl, tratava-scdc lama doençaEira. Havia, talvez, umas
12.75o pessoas internadas com doença bipolar cm 1955, o qut' t:quivitliit a unia taxa
dt: invalidez de tina cnl cada 13.000pessoas.Z
N;tqucle alia, houve apentts ccrcíl de
2.400 "intcrnaçõcs iniciais" por transtonlo bipolar tios hospitais psiqliiátricos
do pais.3

Como descobriu Wiiiokurj os rc'sulcados a loiig{) prazo cntrc os píLcicntcs


m;liiíacos, iia cra pré-fármacos, tinham sido bastante bons. Enl seu estudo de
1931, 11onltio Pollock relatou qut' 50% dos pacientes intcriiitdos cm hospitais
psiquiátricos de Nova \brk por um prinlt'iro acessodt' mania nliiica sofrcntm linl
segundosurto (duiantc un] acompanhamentodc' 1 1 alias), e apctlas 20% tiveram
três Oll mais episódios.4F. 1. Werthitm, da Faculdadedc McdicinaJohns Flopkins,
iitiin cstuclode 1929sobre dois mil pacientesmaníaco-dcpi'cssivos,verificou que
ni Loucura dc' fora la dul)la.(N.T)
AN.VI'ONII/\ DE UNI/\ EPIDEN[I/\

80% dos pacientes do grupo maníaco recuperaram-sc no prazo de um ano, c


que menosde 1%necessitaramde hospitalizaçãoa longo prazo.SNo estudo clc
Guinar Lundquist, 75% de seus 103 pacientes maníacos recuperaram-se em dez
meses e, durante os vinte anos seguintes, metade (los pacientes nlmca teve outro
surto, e apenas 8% desenvolveram um curso crónico. Desse grupo, 85% ficaram
"socialmente recuperados" e retomaram suasatividades anteriores.6 Por fim, Ming
Tsuang, cla Universidade de lowa, estudou como 86 pacientes maníacos, internados
num hospita[ psiquiátrico entre ]935 e 1944,saíram-senos trinta anos seguintes,
e constatou quc quase 70% tiveram bons resultados, o quc significou que estavam
casados,morando cm suaspróprias casasc trabalhando. Metade deles mostrou-
se assintomática durante esse longo acompanhamento. No cômputo geral, os
pacientes maníacos tinham se saído tão bem quanto os pacientes unipolares (lo
PctslHnrlp Tcijii lla 7

Esses resultados, escreveu Winakur revelavam que "não há base para se


considerar que a psicose maníaco-depicssiva afeta permanentemente os que dcla
sofrem. Nesse aspecto, é claro, ela é diferente da esquizofrenia". Embora algumas
pessoas sofressem de múltiplos episódios clc mania e depressão, cada episódio
costumava ter "apenas algtms meses de dui'ação" e, "num número significativo de
pacientes, ocorre apenas um episódio cla doença". E o mais importante era que,
uma vez I'ecuperaclosde seus episódios bipolar'cs, os pacientes não costumavam
ter "nenhuma dificulcladc pat'a retomar suasocupaçõeshabituais".8

Entrada na Bipolaridade
Atualmcnte, de acordo com o Instituto Nacional de SaúdeNlental (NIMH),
o transtorno bipolar afeta um em cada qual'ente adultos nos EstadosUnidos, de
modo que, antes de examinarmos o quc dizem os i'egistros sobre resultados acerca
dessc distúrbio, pl'ecisamos tentar compreender esse aumento assombroso cm
alia prevalência.9Embol'a a explicação simplista seja que a psiquiatria ampliou
enonnenlentc as fronteiras do diagnóstico, isso é al)Chásparte clzthistória. As
drogas psicotrópicas -- legais e ilegais -- ajudaram a alimentar o crescimento
explosivo da bipolaridade.

Em estudos sobre pacientes que sofrem um primeiro episódio de bipolarid2tde,


investigadores do Hospital McLean, da Universidade de Pittsburgh, c do Hospitzll
claUniversidade de Cincinnati constaram que pelo menos um terço clcles havia
usado maconha ou ouvi'a di'oga ilegal antes de scu primeiro sui'to maníaco

19o
O Grcscii l it'isto l:xplosivo do Tnulstorno Bipolar

ou psicótico.lo Esse abuso de substâncias, concluíram os investigadorcs da


Universidade de Cincinnati, pode "iniciar progressivamente algumas respostas
;lfetivas mais severas, culminando em episódios maníacos ou depressivos que
depois sc tornam alitoperpctuaclores".li Até mesmoíl cifrit de um terço talvez sqa
baixa; em 2008, pesqttisacloresda Faculdade de Medicina Mt. Sinal ielatai am quc
clttase dois terços dos pzlcientes bipolar'es interllíldos iio Hospital Silver Hall, cm
Coniiccticut, nos anos dc 2005 e 2006, expcrimc'ntaranl seu primeiro accssode
humor instável" depois dc abusarem dc drogas ilícitas.i2 Estiillulaiites, cocaína,
maconha c alucinógeiios foianl culpados comuns. Em 2007, invcstigadorcs
holandeses rclataraill que o uso de niaconha "está associado a umít quintuplicação
clorisco dc uin priitieiro cliagilóstict) dc trttnstornu l)ipolar" e que um terço dos
novos cttsos dc bipolariditdc ila Holaiida resultava disso.i3

Os antidepressivos tambén] levaram muita gente ao c:limpoda bipolaridade e,


para cntcndei' por quê, basta rctornarmos à descobertadessaclassedc fármacos.
Vindos pacientes tuberculosos, tnitados com iproniazida, ditnçarem pelas
etlfernlítrias hospitalares, e, cinbont aclucla rcl)ortageiii dc revista deva ter sido
mcio t:xagerada,cla falou de pacientesletárgicos(latedc'rcpente itptcscntavam
um coiilportanicnto m;tníaco. Em 1956, Gcorgc Clraiic publicou o primeiro
relatório sobra:i llania induzida por antidepressivos,problema que permaneceu
presente ilil litenlturil científica desde então.i+ Em 1985,investigadores suíços quc
pcsqnisav:tin a mttd:tnçns n:l coillposição dít p{)pulação d(' pnc'ieiites do hosl)ital
psiquiátrico Burghõlzli, cm Zurique, relataram que a percentagemdosque tinhant
sintomas maníacos teve uma alttl drásticll após a introdução dos alitideprcssivos.
''Os transtornos bipolar'esaumcntantm; mais pacientesforam admitidos com
surtos fre(quentes", escreveram os pcsquisadort:s.is Num guia prático soba'e
a depressão,datado de 1993, a APA coilfessoti que "todos os tratztmcntos
ttntidepressivos, inclusive a ECT [eletroconvulsoterapia], podem provocar surtos
maníacos Oli hipomaníacos".iÕ Alguns anos depois, pesquisadores da Faculdade dc
Nledicina da Univel'sidade Vale qliantificararli esse'risco. Examinam'amos i'egistros
dc 87.290 l)acientes diagnosticados com depressão Oli ansiedade entre 1997 e
2001 c dcteiminaram qtic os tratados com antidepressivos convem'terem-se em
pacientesl)ipolares a limo taxa de 7,7%ao ano, o quc era três vezesmaior do que
:l taxa (los pacientes não expostos a essasdrogas.i7 Clamo resultado, cin períodos
mais longos, dc 20% a 40% de todos os pacientes inicialmente diagnosticados com
dcprcssão unipolar acabant[n pot' se converter cn] doei]tes bipolares.t8 Clomefeito,
num recente levantamento dos membros (la Associação Nacional de Depressivos e
Mania( o-Depressivos, 60% dos que tinhttm diagnóstico dc bipolaricladc dissera\m

191
AN,V]'OX]].\ ])],; UNIA EPIDI;MIA

haver adoecidocom limo grande depressão,inicialmcnte, c sc transformado em


maníaco-depressivosapós a exposição a algtml antideprcssivo.i!'
Esses dados falam dc um processo que JaóHc;a,rotineiramcnte, pacientes
bipolares. "Quando se cria iatrogcnicamente lim paciente bipolar", explicou Fred
Goodwin numa entrevista clc 2005 para a revista -Pd/?iaT/\7cÁiaf7, "esse paciente
tende a aprcseiltar recorrências dc doençabipolarJmcsmo quc o antideprcssivo
causador do pi'oblema seja descontinttado. Os dados mostram (lue, depois qttc o
paciente tem um episódiomaníaco,aumenta a probabilidade dc quc tenha outro,
mesmo scm a estimulação do antidcpressivo".ZOGiovanni Fava,da Itália, formulou
:l ideia da seguinte maneira: ':A mania induzida por 2ultidepressivosnão é um
simples fenânteno temporário c plenamcnte revctsívcl, mas pode dcsencadeai
complexos mecanismos bioquímicos dc agravatllcnto da doença".at

Com drogas ilcgais c legais preparando o terreno para o traitstorno bipolarj


não admira quc uma docnça quc cra rara cm 1955tenha se tornado corriqueira
cm nossos dias. Os inibidores scletivos dc reabsorção dc sciotonina (ISRS)

toillitrt\m os EstadosUnidos dc assalto ntl década dc 1990 e, dc 1996 a 2004, o


número de adultos diagnosticttdoscom transtorno bipolar teve um aumento dc
56%. Ao mesmo tempo, }t expansão sistemática clíts frontcirtLS diagnósticlts pcla
psiquiatria, nos últimos 35 ;lhos, taiiibém ajlldou a }Llimcntai' n crcscimenta
explosivo da bipolaridade.

Quandoo transtorno bipolar foi Oliginalmcntc separado(la !)micose


maníaco-
dcprcssiva, o diagnóstico exigia (late a pessoa houvcssc sofrido cpisódios tão
itgtidosdc nlaiiia c dcprcssãoquc cada um dos tipos tivessercsultadu cill
internação hospitalar. Depois, cm 1976,Goodwin c outros do Nlh'IH sugcriratn
que, sc um21pessoa tivesse sido hospitalizada por depressão, mas não por mania, c
apesar disso houvesse experimentado un] cpisódio brando dc mania(hiponlaiiia),
poderiaser diagnosticadacom o transtorno bipolar ll, limo forma nIcHosgrave
da doellça. Dcpuis, u diagnóstico dc bipolar ll foi ttmpliado para incluir pessoas
quc nunca titlhanl sido hospitalizadas por depressãoncm por mania, lilás haviam
simplesmente cxpcrimcntado episódiosdc aml)as.Em seguida, nt\ década de 1990,
a comunid:tdcpsiqlliátrica resolveuquc o diagnóstico dc hipoinzlniajá não rcqucria
quatro dias dc "humor eufórico, expansivo ou irritadiço", mas simplesmente dois
dias desseestada)de humor. O traltstoriio bipolar estavaem }liidamcnto e, com
;\s fronteiras diagllósticits alargadas deus;t mancira, de repente os pesquisadores
puscrain-se a anunciar que ele afetava até 5% da população. Mas ncin isso pâs fim
à cxplosão de crescimento: em 2003, LewisJudd, cx-diretor do NIMH, c outros

192
O Crcsciincnto Explosivodo Tnlnstorno Bipolar

afirmaram qur mliitas pessoassofriam caiu sintomas "sublimítrofes" de dcprcssão


e mania, podendopor issoser diagnosticadascomo portadortls de "transtorno do
espectro bipolar".ZZPassaram)então a existir o transtorno bipolar 1, o transtorno
bipolar ll e uma "bipolariditdc intermediária c'litro o transtorno bipolar c a
norm;tlidadc", colilo explicou um especialistaem bipolariditde.23 Judd calculou
quc 6,4% dos adultos liortc-americanos sofriam dc sintonias bipolares; outros
afirnlarailt que, atualmcnte, ilm cm cada quatro adliltos cai ila cesta genérica da
bipolaridade, docilça :anteslarll que, ilo que parece, ataca quase com a mesma
frcqttêilcia qtic o r('sfriado comum.2+

Os Anos do Lítio
Com a revolução psicofartltacológic;t correndo a pleno vapor ila década clc
lç)íi0, cria coillo sc todos os gi:tildcs distúrl)ios psiquiátricos dcv( sscm ter sua
própria pílula mágica, e quando o transtorno bipolar foi scpltrado da psicose
maníaco-dt-l)rt:seiva, a psiquiatria eiicilntrou no lítio um candidato adcquaclo.
Fazia mais dt: 150 alias quc' itlguils sais desse nictal alcalino i'ondavztm as bordas
d;t int:dicina, e então, dt' repente, no início dos anos 1970,o lítio foi alardcado
cí)mo lida cspécie de cur:l para t'ssa dot nça rccéin-identilicítda. "Não etlcotttrt i
iia psiquiatria iicnhttm outra)trittameiito clttc fuitciotlc com tanta rapidez,dc
modo tão cspccífict) c' c'n] cítrátcr tão pci'manente químdo o lítio, nos estados
dc hiimoi' nlailíacos dt'prcssivostttcorrentc's", disse Roiiald F'leve,psiquiaLnl dí
Universidade Clo[umbia, cill scu ]ivro de 1975, À/aodfroí/z.g
[Osc'i]ttção de humor].2s

Metal mais leve da iuttuit'za, o lítio foi descoberto cm 1818,ciicuntnLdo em


rochasdo litoral sueco.Relatou-sc que ele dissolvia o ácido úrico, o qttc o levou
l ser cotncrcialintclo como unia terapia que poderia romper cálculos renais c os
cristais únicos quc sc acutilulavam nas articulações das pessoas ítfetadas pela gota.
No íilli clo séculoX.IX. c início do séculoXX, u lítio sc tornou um ingrediente
pol)ular de elixires c tónicos, {. teria sido acrescentadoaté mesmo a cervqas e
t)utrztsbr'bodas.Contudo, acitbou-scpor clcscobrirquc' cle não tinha itcilhuina
propriedade st)lvente do ácido úrico e, enl 1949, a Administração Federal dc
Alimentos t l\,lc'dicamt:altos(FDA)o proibiu, uin;\ vcz constatadoquc cle cansava
problc mas cardiovasculares.2''

Suis rcssttrreiçãucomo droga psiquiátrica teve início iill Austrália, oilclc o


médicoJohil Ci dc o deu cuillo aliineiito íl cobaias c obscrvuu quc ele as toldava
clóccis.Em 1949,ele informou haver tratado com sucessodcz pacientes majlíacos,
usandolítio; t:ntretailto, cni seu artigo publicítdo,clcixoudc mencionarqttc o
IÇ)3
AN,\TOlçltA DI.; UbL\ EI,il)l;ALIA

Iratanlento havi2tmatado uma pessoae quc outras duas estavamgiavemciite


cnfeimas. Como sabiam desdc longa dada os fabricantes dc tónicos de lítio, esse
mctal podia ser tóxico até mesmoem dosesbem pccluenas.A função intelectual e
os movimentos motores podiam focarprejudicados e, casofosse administrada uma
dose muito alta, o paciente podia entrar cm coma e morrer.

Como grupo, os psiquiatras dos Estados Unidos demonstraram pouco interesse


pelo lítio, até o transtorno bipolar surgir como uma doençadistinta. Antes
dessaocasião, usavam-seThol'azinc e outros ncurolépticos l)ala coibir os surtos
maníacos, e assim não havia necessidadede outra droga que parecia ter efeitos
similares de amortecimento cerebral. Entretanto, depoisque GeorgeWiiiokur
publicou seu livro de 1969,dividindo a psicosemaníaco-depressiva
cn] formas
unipolares c bipolares, a psiquiatria passou a ter uma nova doença, carente do seu
próprio antídoto.

Visto quc nenhumacnapresafarmacêuticapodia patentearo lítio, a APA


tomou a iniciativa de fazer com cine a FDA o aprovasse. Apenas lml pequeno
número dc ensaios da droga, com o controle feito por placcbos, chegou a scr
conduzido.Em 1985, pesquisadoresbritânicos que vasculhantm a litel'atura
cicilLíficil cuiiscguiram cnconLrzu'apciias quatro ensaiosdignos clealgum mérito.
Nesses estudos, entretanto, o lítio produzia uma boa resposta cm 75% dos
pacientes, o que era muito mais do qttc a taxa dc resposta ilo grupo tratado com
um placebo.a7 A segundaparte da basedc provassobreo lítio voo, como dc praxe,
dc estudossobic a abstinência. Pesquisadoresque analisaram 19dcssesensaios,
cm 1994, constataram(lue 53,5%dospacientesdc quem se retiroll o lítio sofreram
recaídas,ein contraste com 37,5% elospacientes quc deram continuidade a esse
tratamento. Isso foi interpretado como indicação de que ele prcvenia a recaída,
emborít os investigadores assinalassem que, nos poucos estudos em quc a droga
foi g?agua/me/zferetirada, apenas29% dos pacientesapresentaramrccidiva (o
que ficou abaixo da taxa veilíicada entre os pacientes em quem o tratamento foi
mantido).e'

No cômputo geral, essa não foi unia prova particularmclite robusta dc que o
lítio beneficiasse os pacientes, e, durante a década de 1980,vários investigadores
começaram a externar pi'cocupaçõessobre seusefeitos a longo prazo. Obscrvaiam
que as taxas de rcinterilação por mania, tanto nos Estados Unidos quanto no
Reino Unido, haviam subido desde a introdução do lítio, e aca})[lu por ficar clara
a rz\zãode os pacientesbipolares estarem aparecendocom tanta frequência nos
prontos-socorros dos hospitais.

194
O Ci'escimento Explosivodo Transtorno Bipolar

Vários estudosconstataram que mais de 50%dos pacientestratados com lítio


deixavam de tomai o medicamento ern bem pouco tempo, em geral por objctarem
à maneira pela qual o remédio embotavasua mente e tornava mais lentos os seus
movimentos físicos; e, quando o suspendiam, eles tinham taxas assombiosamente
altas de recaída. Em 1999,Rosé Baldcssíttini relatou (luc metade dc todos os
pacientes apresentava rccidiva cm até cinco inescs dc suspensãodo lítio, ao passo
(lue, na ausência da exposição à droga, eram necessáriosquase três anos para quc
50% dos pacientes apresentassem rccidiva. O intervalo entre os episódios, após
l retirada do lítio, era ie/erezei//if/rordo que em condiçõesnaturais.29
"0 risco
dc recnrrêiicia, após a descontinuaçãoda terapia com lítio(.-), especialmenteda
mania, é muito maior do que o curso da doença no paciente antes do trataitlcnto
ou os conhecimentos gerais da história natural da doença permitiriam prever",
escrevcli Bal(lcssarini."" Outros invcstigaclores ilutaram o mesmo fenómeno:
;'A recaída maníaca é proiltamcilte desencadeada [pe]a suspensão do ]ítio],
l)rovavelmente pela liberação de receptores supeisensibilizados, ou por vias
membranosas", cxplicuuJon:tthan Himmelhoch, da Universidade de Pittsbuigh.''

Isso significa que os pacientesbipolares que ei'am tratados com lítio c depois
paravam de tomar o niedicainento acabavam "pior do que se nunca houvessem
feito ilenhuin tratamento nlcdicamcntoso", escreveua psiquiatra britâniciLJoaniia
NloncrieH'.3zUm psiquiatra escocês,Guy Goodwin, concluiu cm 1993que quando
os pacientes eram expostos ao lítio e paravam de toma-lo lias primeiros duasalias,
o risco de recaída era tão grande que talvez o remédio fosse "prejudicial para
pacientes bipolares". Os índices mais altos de reinternação hospitalar de pacientes
bipolares, desdea introdução do lítio, "podia ser inteiramente cxplicado" por esse
agravamento induzido pelo fármaco, disse ele."

Todavia, os pacientes quc continuavam comi o lítio também não se saíam


pt\rticularmente bem. Cerca de 40% sofriam recaídas a menos de dois anos da
hospitalização inicial e, ao cabo de cinco limos,illais de 60% tornavam a itdoecer.3'
Havia um grupo nuclear dc pessoasquc respondiam bem ao lítio a longo prazo
talvez 20% dos inicialnlcnte tratados com casasubstância--, mas para a maioria
dos pacientescle trazia poucoalívio a longo prazo.Em 1996,Martiii Harrow c
.JosephGoldberg, da Universidade de lllinois, i'elatar2\n] que, ao citbo de 4,5 anos,
4 1%dos pacientes tnltados com lítio tiveram "resultados precários", quasemetade
voltou a ser internada e, colho gnipo, eles não "funcionavam" melhor do quc os
dociltes que não llsavanl essamedicação.3sFoi lula descoberta desanimadora, e cm
seguida Michael Gitlin, da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCILA),

195
AN,\TOXINA DI.;UNIA EPII)I;NII/\

comunicou resultados similares de um acompanhamentode cinco anos de seus


pacientes bipolares tratados com lítio. "Nem mesmo um agressivo tratamento
fanllacológico de manutençãopi'evite o desfechorelativamente piccário, em um
número signihcativo de pacientes bipolares", escreveu.sc

Embora ainda seja usado hoje em dia, o lítio perdeu seu lugar de terapia de
ponta depois que se introduziram "estabilizadores de humor" no ilaercado, no fim
da década de 1990. Como escreveu MonciiefF cnl 1997, resumindo o histórico de
eficácia do lítio, "Há indicações de que ele é ineficaz no panorama a longo prazo dos
transtornos bipolares, e é sabido que se associa a diversas formas de malefício".a7

Permanentemente Bipolar
Na verdade, há duas narrativas a extrair da literatura científica, no tocante ao
tratamento do transtorno bipolar com medicamentospsiquiátricos.A primeira
fala da ascensãoe qucda do lítio como pílula mágical)aia tratar essedistúrbio.
A segunda diz quc os i'esultaclos dos pacientes bipolares sofrcrain uma pior'a
drásticíl durante a era da psicofarmacologia, com especialistas do campo
doclimentando essa constatação a todo momcnto.

Já em 1965,antes de o lítio fazer sua entrada triunfal na psiquiatria norte-


anlericana, havia psiquiatras alemães intrigados com a nludaiiça que vinham
observando cm seus pacientes maníaco-depressivos. Os pacientes tratados com
antidepressivostinham recaídas frequentes, pois as drogas "transformavam a
doença, tirando-a de um curso episódico, com intervalos livres, pala um cursa
crónico, conadoença contínua", escrcvcram. Os médicos alemães também notaram
quc cm alguns pacientes "os medicamentos produziam uma desestabilização na
qual, pela primeira vez, a hipnmania era seguida por alterações cíclicas contínuas
entre a hipomania e a depressão".Sn

Obviamente, isso era alarmante, porque os bons resultítclosnos pacientes


maníaco-depressivos decorriam do fato de eles passarem grande parte de sua vida
em intervalos assintomáticos entre os surtos, c de funcionarem l)em durante esses
perío([us.Os antidepressivosvinham destruindo essesinterlúdios assintomáticos,
ou, pelo mcnos, encurtando-os drasticalncnte. Antes da cra dos íánnacos.
Kraepelin e outros informavatn que apenascerca de um terço dos pacientes
maníacossofria três ou mais episódiosdurante sua vida. No entanto, os estudos
dc pacientes bipolares nas décadasde 1960 c 1970 deram colha de dois terços
que vinham se torníuldo doentes crónicos. 'EAadministração de tricíclicos pode

196
O Crescimento Explosivo do Trttnstorno Bilmlar

rcspotldcr por c:stimativ2isde taxas de recaída artihcialmcntc elevadas", escreveu


Frcd Gooclwiii cm 1979. '!A indllção da mania, a decoiil})osição de episódios ttntcs
longos cm t'pisódios múltiplos,(...) a indução dc ciclos rápidos(...) são alguns dos
illcc:ulismos pelos quitis L administração dc tricíclicos pode contribuir para um
:tumcnto do número de surtos."SI'

M;tis limit vcz, começava a sc cvidcilciar quc niedicanlentos l)siquiátricos


cstavanl l)iorando o curso dc tina dociiça incntal. Em 1983, Athanasious
Kottkopoulos,dirctoi' dt ullla clíiliclt dc tntilstoritos clohumor cm Rotula,afirmou
que cle e seus colegas viiihani observando a mcsnla coisa cm ecus pacientes
italianos."A imprt'suãogeralelosclínicos,hoje edildia, é que o cursodas
rccortêttcias cladociiça itialiíaco-dt:pi'estiva tem se inodiíicado de maciosubstancial
idosúltimos vinte' aipos",t'screveu."As rccaíclasdc i]iuit(]s pacientes toti]ztran]-sc
mais rrcqueiltes. Vecm-st' mais manias c hipomanias (...), mais ciclos rál)idos c
mítis d('pressõescrí)nicas." Ao passo que, na crll anterior Elosfármacos, não sc
tinha coilhccintento dc pilcientcs com ciclos rápidos, 16%dos pacientes illtlllíaco-
depressivos de l<oukopoulos t-ilcontravitm-se agora nessa situação aflitiva, e
sofriam dt) espantosoiiúinclt) dc íi,5 episódiosanuaisd(' altenLçãodo humor
-- cm contraste com maios dc llm episódio anual antes dc serem tratados com
liitideprt'ssivos. "Dccelto parece paradoxal", admitiu cle, "que um tratait unto
quc é teral)êlitico para a depressãopossitpiontr o curso futuro da doençit."+t'
Adcspcito dessas inform;tções, os antidepressivos continllanlm a ser reccitaclos
paul pacientes bipolares e, iilcsmo hoje, de (;0% a 80% destes são t:xpostos a algum
ISRS Oli outro ilntideprt'ssivo. Como resultado, os pt'squisadorcs c{)ntiiluam
t docuincntar os prejuízos causados.No ano 2000, Nassir Ghacmi coiiiuiiicou
que, liuin cstlido dc 38 p;\cientes bipolar'cs tratados com um ajitidcprcssivo,
55%dcscnvolvcraiil m;\nia (ou hipomania) c 23% passar'ama ter ciclos rápidos.
Essegrupo tratado com atltideprr'ssivostambém hcava "deprimido por períodos
signifãcittivamt nte m:tis lo[igos" do quc uii] segundo gnipo dt' p:]cientes bipolares
hão expostos a c:ssaclasse'dc mcdicamciltos.4' "llá riscos significativos dc mania
c de um;t piora a longo prítzo ct)m o liso dt antidepressivos", c'scrcvetlGhacmi
alguns anos depois, rc:pt'tinto lama int'ns;igt:m qlicjá tinha sido cnuiiciadít muit;ls
vezes.'2Na Universidade dt' Louisville, Rif El-N'íallltkh concluiu, similarmcnte,
quc os anticlcprcssivos podiam "desestabilizar a doença, levando a um aumento do
número dc episódios maníacos c d('prcssivos". As drogas, acrescciitou, "aumentam
l probabilidade clc uil] estado [nisto" cn] que há ocorrêitcia simultânca dc
srntiinentos dc deprt:suãoc mania.':'

197
ANATONfI/\ DE UMA EPIr)I,=NII/\

Em 2003,Koukopoulostornou a se manifestar, relatando que os ciclos rápidos


induzidos por antidepressivos só se reduziam plenamente em um terço dos
pacientes,a longo prazo (mesmo após a retirada cloantidcpressivo prejudicial),
e que 40% dos doentes continuavam a "vivenciar ciclos rápidos de gravidade
inalterada" por anos a íio.U Poucodepois,em 2005, El-Mallakh apontou mais
um prol)lema: os antidepressivos podiam induzir um "estado crónico, clisfórico
c irritadiço" nos pacientes bipolares, o que significava que eles focavamquase
continuamente deprimidos e infelizes.'sPoi último, em 2008, num grande estudo
do NIMH intitulado Piogiama dc Aperfeiçoamentodo TratamentoSistemático
do Transtorno Bipolar (STEP-BD),w"o principal preclitor dc resultadospiores
foi o uso cle antidepressivos, recebidos por cerca de 60% dos pacientes", nas
palavras dc Ghacmi.'a Os usuários de antidepressivos tinham quatro vczcs mais
probabilidade que os pacientes não expostos de desenvolverciclos rápidos, e o
dobro da probabilidade de sofrer múltiplos episódios maníacos ou depressivos."
"Este estudo", escreveu Ghacmi, num editorial publicado no Á//zeHc;a/z
Jalzrníz/
ag.1%Praia/7,"talvez seja mais um prego no caixão do uso (le anticlcpressivos no
transtorno bipolar.
Durante os últimos clcz anos, vários grandes estudos documentaram com
quc constância os pacientes bipolares são sintomáticos na atualidacle. Em um
acompanhamento
de longoprazode 146pacientes
comtranstornobipolarl,
inscritos Rima estudo do NIMH en] 1978-1981,Lewis Judd constatou que eles
passavam 32% do tempo deprimidos, 9% do tempo maníacos ou hipomaníacos, e
6%do tempo sofrendo de sintomas mistos.40Podemosdizer que os pacientes com
transtorno bipolar ll nesse mesmo estudo saíram-se ainda pior: passaram 50%
do tempo deprimidos. "A natureza dessa forma cnganosamente 'mais branda
da doença maníaco-depi'cssivaé tão crónica que chega a parccer que prccnchc
a vida intcira", cscreveuJudd.'S Russelljoffe, da Faculdade de Nledicina de Nova
Jersey, relatou em 2004 que 33% dos pacientes com transtorno bipolar l e 22%
dosportadoresdc transtorno bipolar ll estudadospor cle tinham ciclos rápidos,
e os dois grupos cram sintomáticos durante quase metade do tempo.seEnquanto
isso, Robert Post anunciou que quase dois terços dos 258 pacientesbipolares
estudados por ele tinham quatro ou mais episódios por ano.51

Todos essesestudos mostraram o mcsino resultado essencial: "Hoje está bcin


estabclecido (luc os transtornos bipolares sãocrónicos, com u m curso cai'acterizado
pela recorrência frequente dos episódios afetivos", declarouJudd.s2
l\'
Sigla do original Systematic Trcatlncnt l:nhanccmcnt Progt'anl I'or Bipolar' Disordct. (N.T)

IÇ)8
O Crttsculltlnto Explosão doTnu stoino Bipolar

O Dano Causado
Num alugo publicadona revista /:kgcAía/dc
Q?zrzrfer#
t:m 2000,lim psiqliiatra da
Faculdadedc Medicina dí\ UnivcrsidaclcHarvard, Carlos Zarate, c lml psiquiatra
quc tntb2tlhavana empresafarmacêuticaEli Lilly, Nlattiicio Tohcn,abriram uma
[lova linha dc preocupações: os pacientes bipolares de hoje não apcnas são milita
anaissintomáticos do qut' ilo passado,mas tambtlin não funcionam igttalmcntc
bcm."Na cra Interior à farmacoterapia,
o desfechoiicgzltivuda maniacra
cotlsidcntdo uma ocorrência rclativ;lincnLc lí nl", escrcvcnlm Zaratc c Tohcn.
"EntrctanLo} os estudos titodenios sobre os rcsllltíldos cotlstaLitratit qut' a maioria
dos pacientesbipolares cvidcncia altos níveis dc clcterioração funcional." O quc
poderia, indag;trem eles, explicam' "essas dif'ereiiças"?'s

O notável declínio lias resultados funcionais dc pacientesbipolares é fácil dc


docliineiltar. Na era pré-lítio, 85%dos pacientes maníacosvoltaviu l ao trabalho
ou a scu papel social "pré-mórbido" (o dc dona dc casa, por exemplo). Como
cscrcvcuWinokur cm 1969,a maioria dos pacientesnão tinha "ncnhuma
dihculdítdc ein i'ctomai suas octipítçõeshi\l)itliais". Depois, no entanto, os
pacientesbipolar'cscomcçanlm a passar ciclicaitlente pclos atelldimeiitos dc
ctncrgêitcia cojt] frequência m:\ior, os índices de cmplcgo começarama diminuir
e, eii] pouco tempo) os pcs(lttisadorcs l)assantin ll rclatai qtle iilc'lias dc illctadc clc
todos os pacientes bipolares estava cmprcgada ou "fuilciollalmcnte rccupcnt(la"
Eill 1995,Michítel Gitlin, claUCILA, rclatou club itpcilas 28% dc seus pacientes
bipolarestivcran] um "bom resultadoocul)acioiial"í o hni dc cincoanos.54
Três
lhos depois, psiquiatras da Univt:rsidadc de Cincinitati aitunciai'am que apcilas
24% dc sclls pacieiitcs bipolar'cs esta\anl "funcionalmente rccupci'nãos" ao
cabodc um fulo.s5David Kupfer, da Facilidadedc N'lctdicinada Universidadedc
Pittsburgh, num cstudo dc 1.83ç)pacientes bipolares, descobriu que, ztpcsardc 60%
havc'rcm frcqlicntado a universidade c 30% terem sc forniítdo, dois terças cstavain
desempregados.SO "Em resumo", cscrcvcu RoséBaldcssai'ini numa rcscilha críticil
dc 2007, "a sitilação funcional fica llluito anaisprejudicada, nos pacieiitcs com
tntnstortlo bipolar [, do cine }tntes sc acre:ditava, [e] o ilotáve] é a existência de
i\lguns indícios de quc o resiiltado fuilcioiial nos pacientescom tntnstorilo bipolar
11pode scr ainda\ pior quc tios do tipo l."s7

Por ítumentarcnl a frequência dos episódios sofridos pelos pacientes


bipolares, os antidepressivos rcdtizcm, ilaturalnicilte, a capacidade dc essas
pcssoas retornaicnl ao tnlb:ôlho. N'las, coiiio se evidcncioti nos últimos altos, o
problemzt é milita mais prt)fundo. Um dos iliai-cos da l)bicos(.nialiíaco-dc'pressiva,

IÇ)9
ANATObÍIA 1)!; UNIA EI)IDI;N;II/\

remontando a Kraepelin, era que, uma vcz recupcradas dc seus surtos de mania
e depressão, as pessoastinhitm a mesma inteligência dc zultcs dc adocccrcm.
Como observaramZarate e Tohcn em seu artigo dc 2000,"os estudosconduzidos
:antesde 1975 não revelaram dados consistentes sobre déíicits cognitivos cm
pacientesbipolares". h'las ertt sabido quc o lítio tornava o pcnsamcilto mais lento
e, dc rcpcnte, os pcsquisadorescomcçaram a reavaliar essacrença. Em 1993,
investigadores do NIMH compararam a função cognitiva em pacientes bipolares
c csquizofrêilicos e concluíram que, embora os bipolares mostrassem sinais dc
deterioração, os déGlcitscram "mais gi'aves e extensos iia esquizofrenia".'"

Essa foi uma descobertaclo tipo copo moo cheio ou meio vazio. Podia-
sc intcrpretá-la no sentido dc quc o prejuízo cognitivo não cra tão grave nos
pacientes bipolares, ou, caso sc tivesse lembranç;t dos dias pi'é-lítio, scria possível
pcrguiitai' poi' que, de repente, essespacientes davam mostríts dc declínio mental.
Entretanto, essafoi apenasa salva inicial dc uma llistória trágica. Depois quc a
monoterapiit com lítio caiu em desgraça,os psiquiatras começaram il sc voltar
par:t "coquetéis dc mcdicí\mcntos" pala tratar seuspacientes, c os investigadores
não tardaram a ter isto pítrít rclattLr: "Os prejuízos cognitivos [que] existem
ntt esquizofrenia e nos distúrbios afctivus (-.) não podem ser qualitativanlcntc
distinguidos com suficiente cotiflabilidade".S90 grttu dc deter'ioraçãonessasduas
doenças comcçoll a convcrgir de repente e, cm 2001, Faith Dickcrson, do Sistema
dc Saúde Shel)parti Pratt, em Baltimore, forneccu um quadro mais dctalhado dessa
convergência. Ela sllbmetcu 74 pacientes csquizofrêiiicos mcdicaclos e 26 pacieiitcs
l)ipolares nlcdicados a uma série dc testes, quc avaliavam 41 variáveis cognitivas
c dc funcional)lento social, c constatou quc os piLciciitcs bipolares cstavanl tão
comprometidos(luanto os esquizofrênicosem 36 clãs 41 medidas. Havia "um
padrão similar de funcionamento cognitivo nos pacientes com transtorno bipolar,
cot)aparados aos portadoresdc csquizofrcilia", cscicvcu cla. "Na maioria clãs
medidasde funcionamentosocial, nossospacientescom transtonlo bipolar não
diferintm significativamente club quc estavam no grupo cla esquizofrenia."'"
Depois disso, relatos dc um declínio cognitivo inlportantc lias pacientes
bipolares pareceriam brotar profusamente dc pcsquisaclorcspsiquiátricos
(lo mundo inteiro -- investigadores ingleses, succos, alemãcs, ZLustralianos c
espanhóis, todos falaram disso. Em 2007, os alistríLlianos informaram que, mesmo
quando os pacientes bipolarcs apresentavam apenas uma sintomatologia leve,
Linhan] "cicatrizes ncuropsicológicas" -- ficavatli prejudicadas cm suas habilidades
decisórias, sutafluência verbal e sua cal)acidadc clc recordar coisas.61Eiiquaiito isso,

2oo
o Crt:scmlt:nto Explosivodo Transtorno Bipolar

investigadores espanhóis, depois de assinalarem quc a füllção cognitiva dc sclis


pacientes bipolares c {:squizofrênicos "não diferia cm nenhum teste, ao longo do
Lcnipo") collcluíraitl que os dois grupos sufrianl dt: uma disfunção nas "estruturas
do córtex l)ré-frei)tal c temporolíml)iciLs".Obscrvai:tm tailibém que, "qu:luto
mais remédios os pttcientcs huuvcsscm recebido, maior a deterioração do scu
funcionamento psicossocial".''z,v Por fim, pesquisadores ingleses quc obscrvavttm
:l vida cotidiaila cle p2Lcientcsbipolares coi)stataialtl quc mttis de dois terços
nttaillcntc ou nunca ptlrLicipavain dc atividadt s sociais cum atl)igos", sendo sua
vida social quase tão cmpobrecicltt quanto a dos diagnosticados com csquizofrciiia.63

Foi unia convergêitcia ( spantosa de result;Idos a longo prazo cntic os dois


grupos dt' diagnóstico e, cmborit a maioria dos psiquiatr;ts ilortc-americanos c clo
L:xterior quc:a docuincntiLraili tentasse, ('in suisdiscussãodo fenómeno, ignorar
o Llevante da medicação lia sala, valias coiifessai'aili, dc fato, quc cnl Pí;.\iír-e/quc
l culpa fossedos rc'rnécliospsiquiátricos. Os antipsicóticos convencionais,disse
Zitrate iiulli de seus artigos, "poda'mter llm impacto ilcgativo no cui'se global da
doençzt".Õ+Mais tarde, c'le t Tohen es('i'everam qtic "as mudanças induzidas pela
medicação podem sei' mais ilm fatos' na explicação das discrepâncias lias índices dc
rcctipcração clltre os estudos mais antigos c os mais recentes". Os antidepressivos,
obst:rvaram eles, podiam céus;lr um "aqravamcnto do clirso da doeiiçí\") }lo pztsso
qut' os antipsicóticos podiam levttr a mais "t'pisódios cleprcssivos"c a "índices
mais bílixos dc recuperação funcional". A d(.terioração cognitiva cra unami'anão
prin)ordial dc os pacientes esquizofrêtlicos medicados sc saírem tão naal a loiig(i
prazo, disscralii os invc:stigadores,e "foi sugerido quc os efeitos colaterais dos
lllcclicilmcntos podem explicar, ejli parte, os déficits cognitivos dos pacientescom
Lianstorno bipolar".õs Baldcssarini, cm sua resctiha dc 2007, também rccoiiheceu
quc "fatorcs neurofarmltcológicos c licurotóxicos" podeiianl estar citusiulclo
:déficits cognitivos cm pacientescum tntlistorno l)ipolar". Por hm, I'=upferjogou
iliítis lenha iia fogueira. Dctalhou todíLSas dot'nças I'ísicasqttt: aqui'a assolavam os
pacientes bipolares probleiltas cttrdiovltscularcs, diabetes, obcsiditde, disfunção
cla tircoidc ctc. - c sc pcrguiltoli sc' "fatores do tratttmciito, como a toxicidade dos
ilicclicamentos", podcriatn estar causando csszlsclocnçasdevastadoras,ou, pelo
menos, contribuindo para elas.õ(

V
Nesse cstu(lo, os investigadores informaram (luc os l)rcltiízos cognitivos, (lo illais leve ao mais
grzlve, foraitl rcgistrados ila scgttinte sequência clc tratar)altos rcct:bi(los: nloiloterapia à l)asc de
lítio, scn] tratanlcnto illcdicanlciltoso, nlonotcral)la à l)ast' dt' ncurolépticos c terapia comiui la
canil)mação de lllctdicanlcntos. Eiitrctanto, não foraill fol'ncci(losdctalllcs sobre o giul)o ''scin
tratamcilto iilcdicaincntoso" ncm sc informou sc clc llavia sido picviamcntc cxl)osso a (tragas
psiquiátricas

201
ANATOlçlt/\ l)l.= IJNI/\ Epal)i,;xii/\

Todos essesautores puseram suas preocupaçõesnuns contexto condicional,


afirmando qtic as drogas podeHa/?iscr causadoras dessa dctelioração nlcntal c
física cm seuspacientes.Mas é fáci] pcrccbci que sua hesitaçãoeia injustihcada,
en] termos científicos. A csquizofretlia c zt psicose maníaco-depressiva haviam
nascido como dotadas de naturezas distintas, cm tertnos de diagnóstico,
justamente porque os csquizofrênicossofriam uma deterioração cognitiva com o
tempo) caminhando pal'a a demência, ao passo que isso não sc dava com o grupo
n)aníaco-depi'cssivo.wA convergência dos resultados desenvolveu-scdepois quc os
dois grupos passaram a scr tratados com coquetéis senlclhantes de mcdicamentos
(os quais costumam incluir um antipsicótico). "Esta área tem assistido a uma
convergência das aboi'dagcns farmacológicas do tratamento da csquizon'eiiia c
clo tntnstorno bipolar", cscleveu Stephcn Stahl, autor dc .4/zfíPsgc#o/ici rr/zd iMaod
S/aói/ízei [Antipsicóticose cstabi]izadoresdo humor], cm 2005.Vinham sendo
adotados "tratamentos combinados similares pai'a casesdois estados patológicos".67
As drogas psiquiátricas, é claro, pcrturbtu]] clivci'sasvias nclirotransmissoras no
cérebro, c por isso, estalido os pacientes esquizofrênicos c l)ipolarcs rcccbendo
coquctéis similares dc nledicamcntos, eles sofrem clc anormalidades scmclhantes
nn funciotiamcnto ct:i'(:bt':tl. A convergência dc i'csultados nos dois gi'upas rcflcte
;l ação de lim processoiatrogênico: os dois grupos, à parte quaisquci' problemas
"natui'ais" quc possamter, acabamstlfrcildo do que scpoderia ch:tillar dc "doença
polifarmacológica das drogas psiquiátricas

Hoje, a doença bipolar está milita distante clo que foi lim dia. Antes da cra
farmacológica,cla cra un] distúrbio i'aro, que afetava talvez uma em cadadez
mil pessoas.Agora, afeta uma cm cadL (luarenta (ou, de }tcol'docom algumas
coiitagcns, unia cm cada vinte). E, cnlbora a maioria dos pacientes atuais, no
diagnósticoinicial, não cstda item dc longe tão doente quanto os pacientes
hospitalizados dc íuitigamente, sua evolução e desfecho a longo prazo são quase
inconlprcensivclmente piores. Enl sua resenha dc 2007, Baldessarini chegou
;l dctalharJ passo a passo,essanotável dcterioração dos resultíLdos.Na era pré-
drogas, havia uma "recuperação da ctitimia [com 2tusência dc sintomas] c uma
lldaptação funcional favorável entre os episódios". Agora, há uma "recuperação
w Os l)acieiltes esquizofrêilicos quc sc deterioiavam rotineintmcnte, até chcgai à demência,
cnun os pacientes de dep?ze/zfírz
praeca.x
dc Kracpclin. Esse grupo sc ÍLpt'cst:fitavacom sintomas dc
natui'cza muito (lifercnte (la(lucla (los observa(losnos pacientes cs(luizofrêilicos atuais e, como
vimos no estudo dc 15 anos dc (lui'ação conduzido por N'íartin l-larrow) muitos esquizofrénicos
não nlc(lacadossc rccupcranl. (lourtcnay Harding relatou ztnlcsma coisít cm scu csttido clc longo
prazo -- muitos l)íicleiltcs llao incclica(lostivci'ítiii rcctil)ci'ítçao coillplcta. Poltítilto, nao bicaclaro
qual percentagem (lc pessoashoje diagnosticadascom cs(luizofrcnia, sc não fossecoiitinuamcntc
nlcdica(la, so6'cria limo (l('terioração cognitiva ao longo clotempo.

202
O Crescimento Explosivo doltanstorno Bipolar

lenta ou incompleta dos episódios agudos, um risco permanente de reconências e


uma morbidez contínua ao longo do tempo". Antes, 85% dos pacientes bipolares
recuperavamcompletamente o funcionamento "pié-mórbido" e voltavam ao
trabalho. Hoje, apenasum terço deles conseguca "plena recuperaçãofuncional,
social e ocupacional para seus níveis pi'é-mórbidos". Antes, os pacientes não
exibiam pl'ejuízos cognitivos a longo prazo Hoje, acabam quase tão pi'ejudicados
quanto os esquizofrênicos. Tudo isso nos diz de um espantoso desastre médico, e
Balclessarini escreve o que se poderia considerar um epitáfio adequado para toda a
revolução psicofarmacológica: "Antigamente, o prognóstico do transtoi'no l)ipolar
era considcrado relativamente favorável, mas os dados contemporâneos sugerem
que a invalidez e os maus rcsllltados preponderam, a despeito dos grandes avanços
terapêuticos"."

A transformação do transtorno bipolar na era moderna

Bipolaricladc pré-lítio Bipolaridade mcdicítda dc hoii


Pi'cvalência l cn) S.000 a 20.000 1 cm 20 a 50

BoEKi=sultados
funcionais zo
a longo prz\zo 75o%a90% 33%

Cut'se dos sintomas I';pisóclios agudos dc mania e Rccu})oração lenta ou incompleta


clcprcssão graue, limitados no dos episódios agudos, t'isco
tempo, conarccul)oração da l)ttrnlant'ntc dc ttcidivas (
L:utimia c adaptação funcional inox'bidcz contínua ilo longo clo
favorável cntrc os episódios tt'mpo

Funçãocognitiva Nenhuma clcterioi'anãoentre Deterioração até mesmoc1ltr(


[)s episódios nem deterioração os episódios; dcterionição a
l longo pnlzo longo pnlzo cm llluitos campos
cognitivos; os })i'eluizos sao
s(:lllt'llliliit(:s elosol)sctl a(1osilli
t'squizofrcnia mcclicada

Estasinformações foram extraídas de iliúltiplas fontes. Ver cm particular N. Huxley 'Disability an(l

its trcatmcnt in biptllar disorder paticnts", pipo/arDisordrnf9, 2007: 183-1ç)6

O Gráfico que RevelaTudo


Estamoschegandoao Glmdo nossocxaille da literatui'a sobre resultados
dos principais distúrbios psiquiátricos (entre adultos), e um retorno ao
estudo conduzido por Mai'tin Harrow ao longo de 15 anos sobre os resultados
da esquizofrenia leva a um clímax esta resenha. Além de acompanhar pacientes

203
ANATONtIA DE UMA EPII)I:NIIA

esquizofrénicos, Hlarrow estudou um grupo de 81 pacientes com "outros


transtornos psicóticos", que teria sido descrito poi Kraepelin como uma coorte
maníaco-depressiva. Havia nessc grupo 37 pacientes bipolares e 28 pacientes
unipolarcs, e os 16 restantes sofrialTI dc vários distúrbios psicóticas mais brandos.
Çjàuase
metade desse grupo parou dc tomar medicamentos psiquiátricos durante o
estudo, de modo que, na verdade, foram quatro os grupos que Harrow acompanhou:
pacientes esquizofrênicos com e sem medicação e pacientes maníaco-depressivos
com e sem medicação.Antes dc examinarmos os resultados,podemosfazcr uma
rápida verificação de nossasideias: como devemos esperar que se comparem os
resultados tl longo prazo de todos os cluatro grupos?

Vá em frente -- pegueun] lápis e anote o quc vocêacha que serãoos resliltaclos.


Eis asdescobertas dc ]latrow. A longo prazo, os pacientes maníaco-dcprcssivos
que p;\paramde tomar drogas psiquiátricas saíram-sebastante bem. alas suíl
rectipeiação de//lorozz.
Passadosdois anos, eles ainda estavam lutando com a
doença. Depois, comcçaram a melhorar e, ao final do estudo, suas pontuações
coletivas sc enqttadiaram na categoria dos "recuperados" (escorc l ou 2 na escala
dc avaliação global dc Harrow). Os pacientes recuperados estavam trabalhando,
pclo menos cm regime dc meio exp(!diente, tinhílm um funcionamento social
aceitável" c estavam praticamcnte assintonláticos. Seus resliltados comi)inam
com a comprecnsão kraepeliniaila cla psicose tllaníaco-dcpressiva.

Os pacientes maníaco-depressivos quc continuaram a tomar a medicação


psiquiátrica não se saíram tão bcm. Decorridos dois :ralos,continuavam muito
doentes, tanto que sc mostravam um pouquinho piar do quc os pacientes
esquizofrênicos não mcdicaclos. Dcpois, nos 2,5 anos seguintes, enqlianto
os maitíaco-depressivos e csqttizofrênicos sem mcclicação iam mclhoraildo, os
pacientes m:ulíaco-depressivos quc contiilllariLm }t tomar suas pílulas não
naclhorarain, dc modo quc, ao cêtbodc 4,5 anos, cstavain passando accntuadamclite
pior clo quc o grtil)o dc esquizofrênicos scm mcclicação. Essa clisp;tridadc se manteve
durante todo o i'esto du cstuclo,de macioque foi assimquc sc compai'anu)los
resu[tados a ]oligo prazo, c]omelhor pzlra o pior: m;ulíaco-depressivos scm mcclicação,
esquizofrêiiicos scm tiicdicação, maníaco-dcliressivos medicados e csquizofrêtiicos
tllcdicítdos.õo

Faz muito tempo quc a csquizofrcilia, é claro, é o diagnóstico psiquiátrico com


o pior prognóstico a longo pr;tzo Trata-sc cla docnç;t mental mais gravc qttt: a
itatui'cza tem a ofereccr. Mito, iicssc cstuclo íltlanciado pelo NlhIH, dois grupos

2o4
O Crescimento Explosivodo Transtorno Bipolar

de pacic'ates medicados saíram-sc pior (lo que os pacientes esquizofrénicos não


tncdicados.Os rcsultados revelam um tratamcnto médico quc dcu terrivelmente
crntdo, mias não constituem surf)resa. Ç2ualqlierum (litc conhccessca história
da litcraturtt ilcerca de resultados na psiquiatria, uma história (luc começoua sc
desdobrar há mais clc cinqucnta anos, pode'ria ter previsto que os resultados se
comparariain dessamaneira.

Resultados t\pós 15 anos cm pacientes csquizofrêilicos e ntailíaco-depressivos

Piores
esultados

6 Esquizofrénicos
0 medicados
0
\ Maníaco.
0 depressivos
medicados
&

Q
m
ê
0
Maníaco-
Q depressivos
8 não medicados

UJ
l
0
Acompanhamer Acompanh: ito Acompanhamento Acompanhamento Acompanhamento
após 2 anos aPÓs 4.5 pós7.Sonos após10anos após15anos

Neste gráfico, o grupo chamado dc "maníaco-dc})rcssivo" (ompuilha-se de pacientes psicóticos com


trítnstoi'no l)lpolarj cona(lcl)rcssãouilipolai' c ('onl distúrl)ios psicóticasnlals l)rali(los. l;'otite: N'{
H.arrow) ''Factors invo]vcc]in outcomc an(] i'c('ov('ry in scllizophrcnia patients not on antipsycllotic
mcdicí\bons", 7Zelaln/la/ a#Nelzazl.í
r/nd/Ue/z/a/Z)iserrxe,195, 2007:40(i-414.

Em termos dc contribuição pitnt noss;l niodern;t epidemia de do('nçits mentais


incapacitantc's, os iiúmei'os tios bipolaics são cstarrcccdorc's. Em 1955, havia ct'rca
dc 12.750pessoashospit:tlizztdascom docitça bipolar. Atualmt nte, dc acordo covilo
NIMH, há qui\st seis tnilhõcs cle ÍLclultoscaiu { sst' diagnóstico nos Estados Unidos
e, seguindo os pcsquisitdoi't's cla Escola clt' Sltúde PúbliciiJohns Flopkins, R3% clt'les
Lêm "graves pi'ejuízos" Lm algum;t faceta dt' sua vida.70O tntnstonlo bipolar' é
hoje tido como ;l sexta c;itls;l principal de invltlidez rt lacion;tdacoili problemits
dt saúda no tnutldo inteiro, logo zltrás cla esquizofreitia, e, 110futuro próximo, à
mt'clida que ttlais e m;tis pessoas forem diagilosticzldas com t'ss;l doença e tr;atadas
com coclllc'téis dt' mt cliczlnlentos, pí)demos espt'rar (lut' o tl'anstorito bipolar
ultrapllssc'a t'squizofrenia c assumao lugar dela, ;atrásdit depressão;lgttda,comi)

205
ANATOMIA DE IJbIA EPIDENIIA

a doençamental que mais derruba pessoasnos EstadosUnidos. E esseo amargo


fruto nascido cla revolução psicofarmacológica.

Narrativas sobreBipolaridade
Entrcvistei mais cle sessentapessoascom diagnósticos psiquiátricos para este
livro, e, em algum ponto, aproximadamente metade delas fora diagnosticada como
bipolar. No entanto, das cerca de trinta que haviam recebido essediagnóstico,
apenasquatro sofriam do que se poderia chamar de doença bipolar "orgânica",
o que significa que foram internadas por um episódio maníaco e não haviam sido
previamente expostas a drogas ilícitas nem a antidepressivos. Agora que sabemos
o que a ciênciatem a nos dizer sobrea modernaexplosãoclecrescimentoda
bipolaridade, podemos revisitar as histórias de três pessoasque conhecemosno
Cal)ítulo 2, e ver como essasnarrativas se enquadram nessa história da ciência.
Depois poderemos ouvir duas pessoasdiagnosticadas com transtorno bipolar que,
se tivessem participado do estudo de 15 anos dc Harrow, teriam sido incluídas em
seu grupo de "não medicados"

Dotei Viertl,np-GLaassen
Se olharmos agora para a história de Dores Vierling-Claasscn, veremos que
cla tem boasrazõespara dei que nlmca deveria ter sido diagnosticadacomo
portador'adc doençabipolar. Ela foi consultar um terapeuta em Denvcr porque
choi'avadenaais.Não tinha história de mania. Mas então, durante a semanaclãs
provas anais na faculdade, teve dificuldade para dormir c ficou agitada, e logo
recebeu um diagnóstico dc bipolar e uma receita dc um coquctel de drogas, que
incluía um antipsicótico. Uma adolescentebrilhante foi transformada em doente
mental, e teria continuado assim pelo resto da vida, se ela mesma não tivesse feito
o "clesmame" da medicação. Na última vcz qtic nos falamos, na primavera de 2009,
ela estava reluzindo com o brilho da maternidade, pois acabarade dar à luz um
filho, Reubcn. Ela c Angela cuidavamativamcnte da criação dos filhos, enquanto
Dorna planqjava retomar em breve sua pesquisapós-doutoral no }lospital Gcial
de Massachusetts, e a lembrança de seus dias de "bipolar" ia recuando para um
passadomais e mais distante.

206
O Crescímt:nto l(xplosivo do TrHHstoino Bipoku

Movi,caBrigas
DuriLntc o l)críodo cm qtic trítbalhei tlestc livi'o, hlonica Briggs foi a única\
l)essa;tque, após lin a entrevista inicial, saiu do Scgtiro da Pi'cvidêtlcia Social por
Itlvalidt'z (SSDI) oil da Renda Clomplemciltar da Previdência (SSI). Obteve lim
cntprcgo dt' horário integra] iio Transfortlllttion (]entcr, limo organização clc pares
cin Bostoll cujo foco é ajudar as pcssoitsa se "rccupcr:trt'm" da doc'nçitnieiital, e,
sc csmiuçariilos sua história clínica, será fácil vermos que seu retorno ;to trabalho
sc rclaciollou com uma mudança c:m sua nlcdicitção.

Ao nos encoiitrztiliios pela primeira vcz, mt'ncionei a l\loilica o risco da


tnania induzida pot antidepressivose, qu;tiido ela relembrou seu colapso na
Faculdade Micldlebury, accndcu-st' uma luz: "Fiquei maníaca seis scillailas
depois clc come'çar a tomai clesipramina", disse. "Tenho certeza dc que foi isso
quc acontece:u comigo". Após esse episódio maníaco inicial, rcccitaraiit-lhe um
coqlietel dt fármitcos quc incluía lim iultidepi'cssivo, t' ela passouos vinte ditos
scgllintes entrando c saindo ciclicamente dc hospitais, numa luta constante com a
clcprcssão,os surtos m;tníacos c impulsos suicidas. Os psiquiatras Ihc rt'ccitaram
oito ou nove aiitidcprcssivos diferentes c cla também passoupor uma série de
Lratainentoscoili cletrochoque. Nada fuitcionou. Então, cin 2006,ela parou "por
acaso"dt' tomar um antidcprc:ssivo.Pt'la primcint vcz, ficou usando;tpcnaso lítio,
t: proltto, lá sc fontill os seiltiiiiciitos suicidas,assim coillo a depressãoe a initnia.
Foi essealívio dos sintonias qut' Ihe pt'ritiitiu tnlbalhilr t'm horário integrztl, c' hoje,
10r('mcnlonir ;tqttcles vinte alias pavor'osos,cla hclt cstarrt'cada com o que vê
'Ainda não mc rc:cupcrei da barbaridadc da probabilidade clt' qtic' o ]ncu jogo cle
roleta com os ailtidcl)rcssivos tenha exacerbadoa minhzt dot ilç:i'

SteueLal)pen
Stevc Lappcn, quc é ulli dos líderes cla Aliaiiçit dc Apoio a Dcprt'ssivos tr
Bipolarcs (DBSA)v'icm Boston,foi diagnosticadocom psicosemaníaco-dcprt:ssivit
cm 19(i9, (luaildo tinhit 19 anos. Foi unia das quatro pessoas qut' c'ntrcvistei cuja
docnç;t in;tníaco-dc:pressiva era dt' ilaLurez;t "orgânica" e, no primeiro (]ia t'm
quc nos encontramos, ítchava-sc num;t t'spécie de cstaclo hipcrativo, falando tão
clel)resma
quc deixei prontamentede lado a canata c liguei llm gravador."Tudo)
bcna", Lli Ihc disse, "I)odc' disparar."

\'ll

Sigla (la deitflminitçãl} original, l){'l)rcssivc'aticl Bipl)lar Stippt'rt Alliaiice.(N.T-)

2o7
An,\TOXíiA 1)1;UNIA Epii)i=xli/t

Cariadocm Ncwton, no Massachusctts,por uma família que descrevcucomo


disfuncional, Stevc recebeu desde cedo o rótulo dc "tllaçã podre", aplicado pelos
professores, na escola, e pelos pais, cm casa. "Eu era disruptivo nas aulas", dissc
me. "Todo dia, durante ojuramcnto de fidelidade à bandeira, eu ia apontar o lápis.
Também me levantava, scm qualquer l)rovocação,c simplesmente ficava girando
lté sci tomado pela tonteira. Anunciava quc eli era um tornado." Já menino,
cle lutou com as oscilaçõesde humor e aos 16 anos, quando hospitalizado cm
decora'ênciade desmaios,pulou da cama, uma noite, e vcstiu lim jaleca branco.
'Rodei pelos (quartos dos pacientes c conversei com eles como sc fosse médico.
Estava maníaco.

Durante seu primeiro ano na Universidadc de Boston, ele foi tomado por
uma depressão aguda. Era um caso clássico de psicose maníaco-depressiva, c
Kracpeliil teria reconhecido o curso seguido pela docnça nos cinco anos seguintes.
"Eu não tomava nenhum i'emédio", explicou Steve, e, apesar dc sofrer com vários
episódios de depressão, sclitia-se bem catre eles, soba'etudo quando sc achava em
estado ligeiranlcnte hipomaníaco. "Q.uando me sentia bcin, eu lia mais c escrevia
trabalhos que só teriam dc ser entrcgucs dali a dois ou três meses. Q.uando a gente
Está cui hipumíuiia, a prucluçãoé incrível." Ele se liachttrclou em 6llosoliac em
inglês, praticamente conamédia lO.

Entretanto, no primeiro ano da pós-graduação,


ila UniversidadeStonyBrook,
em Long lsland, teve um surto maníacocompleto, seguidopor um mergulhona
dcpiessão quc o dcixou com ideias suicidas. Foi nessa ocasião (ltie passou a ser
tratado com lítio e um antidcpressivo tricíclico pela primeira vez. "Não tive oscilações
cle humor depoisdisso, mas,em vez de ter unia linha basal de funcionamento
dentro da normalidade, fiquei deprimido. Fiquei cm estadode depressãodurante
todo o tempo cm que tomei os remédios. Tomei-os por lim ano c disse: 'Chega'."

Nas duas décadasseguintes,Stevc se mantevc quase sempre longe de


mcdicamcntos psiquiátricos. Cttsou-se, teve dois filhos e sc divorciou. Trabttlhava.
Riaspulava de um emprego para outro. Sua vida foi seguindo uma trilha caótica
-- um caos claramente relacionztdo com sua psicose tnaníaco-depressiva --, mas
não ei'a marcada por uma invalidez profissional: cle sempre conseguia trabalho.
Em ]994, buscandoalívio das oscilaçõesdc humor quc o atorincntavam, começou
.i tomar remédios psiquiátricos cona regularidade. Rodou por um scm-número
de antidcprcssivos e cstabiliztLdorcsdo humor, nenhum dos quais funcionou por
muito tempo. Essesfracassos medicamentosos o levaram a sei' submctido 14 vczcs
ao tratamento com cletrochoque, o que, por sua vcz, trouxe tamanho prquízo a

208
o Crescilnt nto l:xplosivo do Transtorno Bipolar

sua memória que, ao regressarau scu trabzLlhode planqador financeiro, "não


consegui mais reconhecer o mcu nlclhor cliciite". Em 1998,passatatil a trata-lo
com desipnlmina tricíclica, o quc o fez passttr iapidaiileiite aos ciclos rápidos de
oscilação do humor. "Eu acordava e iilc' scntia ótinlo, cumpletameilte cmailcipado
do dcinânio da dcpi'casão, e aí, dois dias depois, estava dcprimidu dc novo",
t'xplicou. "Dois dias depois disso,voltavil a mc sentir bem. E não havia iiacla ilo
llieu aiilbientc externo quc ptidcssccxplic;tr c:sszliliud:utça dc humor.

Dt'sdt: então, cle rccel)L: tttxílio do SSDI. A boa notícia é que não foi intenladt)
desde 2000 e, como ttssinala cotretanlcnte, leva uma vida produtiva itpesar de sua
batalha cutistante colei os sintomas bipolares. Agortt casacl{)cii st:gtindas núpcias,
Lr:tbalh;i como "leitor" voluntário parzt pessoas com deGlciênciasfísicas, faz
ptllestras sobreo tntnstorno l)ipolat parztgrupos comunitários c é um dos líderes
da DBSA em Boston. Também publicou ensaios c poesia cm valias pequenas
publicztções.Na última vez que nos falamos, potéin, ila primavera de 2009, cle
vinha passandopor itlúltiplas oscilaçõcsdc htinlor todos os dias e, ao que p2trece,
seus sintonias continuan] a piorar.

Eu diria que, dc modo .geral, fico pior quando tomo os remédios. A nlediczlçãt)
qttc estou tom:Indo ;tgorzté neutra, iia mclhoi clãshipóteses. Eu gostaria dc poclcr
nlc clonar. Assim poderia scr meu próprio grupo dt' controle nuill teste. Gostam'ia
dt' sabe'r sc hcaria nlclhor, na nlcsina ou pior Heinos remédios.

Braltdon Ban,ks
Brandos Banks sabe idcntiíicar o momento Chato em que se tornou
bipolar" e, cnlborit isso tenha envolvido uni antidcprcssivo, houve tina série clc
:icoiitecimentoscm suavidít quc o lev;tntma essepulito. Ele cresceupobre:na
cid;tdc dt Elizabcthtown, iio Kentllcky, sem a prcsr'nça patcnl l c'm casa, c' tem
lembríulças doloros is dc al)usos scxtiais, dc maus-tratos físicos e de um terrível
dcsastrc dc automóvel, qtic matou sua tia, seu tio e llm outro pare'nte.N;t escola,
r'r;l comlinl as outras criançasimplicitrcm com ele por cllusa de uma ini rca dc
llasccnça facial quc o tralinlatizava a tal ponto que, para cobri-la, t'le comcçoli a
usar uni chapéu eilterr:ldo ilil cabeça. Após a formatura iio cuido médio, cin 2000,
tlludou-scmitraLouisville, onde ficou frcqucntatldo a faculdade cln indo horário c
traba[haiidoà noite lia Unitcd Parce]Scrvicc]UPS].Não tardou a ilotitr qtic "não
se sentia l)cm") e, quando voltoli pata casa,o médico dit família diagnosticou uillil
dt:pressãomoderada" e Iht rccc'ito]i un] ítntidcprcssivo."Fiquei iilaiiíact) cm três
dias", disse Brandon. "Foi iápiclo.

2o9
ANATOhIIA I)E UNt.\ EPII)ENÍI/\

Scu médico Ihe explicou que, por ele ter tido essarcação ao remédio, devia
scr bipolar e não apenasdeprimido. O remédio havia "desmascarado"a doença,
o quc Biítndon encarou como um dado positivo. "Fiquei pensando: não é tão mail
assim; eu poclcria ter l)assado muito tempo no sistema sem ter uma confirmação
imcdiata de quc sou bipolar." Foi mcdicadocom um coquctelcompostopor um
estabilizador de humor un] antidcprcssivo e lml antipsicótico, c então entendeu:
"Foi um tremendo empurrão para zl seriedade"
Nos quatro anos seguintes, seus psiquiatras mudaram constantemente suas
receitas. "Os coquctéis parcciam aque]a dança das cadeiras. [Os nlédicos]
me diziam: 'Vamos tira\r tal remédio e introduziu tal outro'." Branclon tomou
Depakote, Ncurontin, Rispcrdal, Zyprexa, Seroquel, Haldol, Thorazine, lítio c
uma sucessãointerminável dc antidepressivos,e, com o correr do tempo, passou
l ter ciclos rápidos e il sofrer caiu estados mistos. Seus registros médicos também
documental'am o desenvolvimento de novos sintomas psiquiátricos: piora da
?ansiedade, attLques dc pânico, comportamentos obsessivo-compulsivos, vozes e
alucinações.Elc foi internado várias vczes e, numa ocasião,subiu tto topo cteum
edifício-garagem e ailleaçoujogar-sc dc lá. Sua capacidade dc cnnccntração sofreu
um declínio tãn accntuado que o estado de Kcntucky confiscou sua carteira dc
motorista. "N'linha vida passoua consistir cm ficar cm castao dia inteiro, levantar
dc manhã, pâr mclis comprimidos ntt bancada da cozinha, toma-los e voltar para
Lcama, porquc não conseguiria mesmo 6lcar acordado, ilcm sc eu tentttsse. À'fttis
tt\rde, cu me levantava,jogava uns z;idem
ga//ze.f
c ficava com a família."

Aos 24 anos, ele sc sentia um completo fracasso e, um dia, após uma briga
com a mãe, s:\iu dc casa e parou dc tomar os remédios. "Detcriorei muito",
rccorda. "Não toldava banho ncm comia." No cntanto, à medida quc as scmaiitls
sc transformaram em mcscs, seus sintomas bipolares sc atciluaram e "comccci
a achar que levava mais jeito dc cu só estar meio parado", disse-me. Essa ideia
Ihc dcu esperança,porque passoua havcr unia possibilidadedc mudar, e cle saiu
viajando pelo sul. "Eu bem que podia ser uin sem-teta", disse a si mesmo, e essa
viagemacabousc torllando unia cxpcliência de transformação.Q.uandovoltou
para casa,cle haviajurado não comer mais carne vcrmclha ncm tomar bcbidas
alcoólicas, c estava cm vias de se tornar um "fanático pela saúde" e praticante dc
ioga. "Voltei daquela viagem e, cara, estasa ótimo. Eu mc sentia o máximo, c todo
mtmdo na minha família primos, outros pai'entes, tias e tios -- dissc que não nlc
via com aquele brilho desdeqtic cu crêspequcno."

210
O Crescimento Explosivo do TransLomoBipolar

Desde então, Brandos focoulonge dos remédios psiquiátricos. Mas não foi
fácil, e a dinâmica de altos e baixosda sua vida ficou em nítido relevo em seuano
lesivo dc 2008-2009, na Faculdade Comunitária e Técnica de Elizabethtow n. Ele se
matriculou nessa instituição emjaneiro de 2008, com sonhos dc se tornarjornalista
e escritor, e, no outono, tornou-sc editor-chefe do jornal da faculdade. Sob a sua
clircção, ojornal ganhou 24 prémios dz\ Associação de Imprensa Intcruniversitária
do Kentucky, e Brandon recebeu, pessoalmente, dez dcssas honi'árias por artigos
de sua autor'ia,inclusive o primeiro lugar num concursode redaçãocom prazo
marcado.Durante aquelesnove meses,de maneira incrível, tambémobteve
outros sucessos.Um de seus contos tirou o segundo lugar num concurso e foi
publicado num semanário de Louisville; lmla de suasíotoglafias foi escolhida como
ilustração de capa de uma rcvista lidei'ária; uin curta Gllmadopor cle foi indicado
para o prêinio de melhor documentário num festival local dc cinema. Em maio dc
2009, a faculdade o honacnageoucom seu prémio ao "calouro mais destacado". No
entanto, mesmo durante essa temponlda cle iealizaçõcs notáveis, Brandos sofreu
com vários episódios hipomaníacose depressivos,que o deixaram com intensas
inclinações suicidas. "Eu passava semanas lendo autores depressivos, com uma
arma na mão", contou. "Minhas realizações, nessesmomentos, só padeciam piorar
tudo. Nunca pareciam bastam."

Era nessepé (lue esta\am as coisascm suavida no verão dc 2009.Ele vicejava


c lutava ao mesmo tempo, c suas lutas eram tais que, se a medicação psiquiátrica
houvessefuncionado para ele na primeira vcz, ele teria íicttdo feliz cn] rctoniá-
la, em busca cle alívio. '!Ainda estou bem isolado das outras pessoas",explicou.
"Eu aguento por causa da marca dc nascença.Sou diferente. Não sei me integi'ar.
Isso vira um problema com as pessoas. h/las tenho tentado nle integrar mais na
vida. Hoje tenho mais gente iia minha vida do quc tive cm muito tempo. Estou
começandoa fazei' mais contatos. Um dia desses,almocei com um amigo. Para
mim, isso é difícil de fazer, simplesmente porque não é fácil cu lidar com as pessoas
e lidar com as minhtts emoções.Estou tentando melhorar."

As da inatcmática e das ciências,Grcg, que mc pediu para não usar seu


sobrcnonle, foi um tipo dc garoto que, cltizuldo estava no segundo ciclo, construiu
um gerador de Va.nde Graaff com peçascaiadasaqui e ali(quc incluíram um
aspirador de pó e uma tigela de salada, para ser exala). Mas cle tinha uma relação
problemática com os pais e, no início da última série do curso médio, começou

2 11
AN,vroxu/\ nl: UNIA Epioi xuA

a rcsvalai para um estadode loucura (scm ter usado drogasilegais). "Fiquei


delirante, muito paranoico c cheio de ansiedade", contou. "Estava convencido dc
quc meus pais estavamtentando me matar."
Hospitalizado por seissemanas,Greg foi informado de que tinha um transtorno
esquizoafetivo com tendências bipolares (um diagnóstico do tipo "maníaco-
depressivo"), c recebeu alta com um coquctel composto por dois antipsicóticos c um
antidepressivo. b'las os remédios não eliminaram suas ideias paranoides e, depois
de cle scr internado pela segunda vez, scu psiquiatra acrescentou ao coquetel um
estabilizadordo humor e uma bcnzodiazepina,
dizendo-lhequc ele precisaria
abrir mão dos seus sonhos acadêmicos. "Disseram que cu tomaria rcmédios pela
resto da vida, quc cra provável quc viessea ser pensionista do Estado, c quc talvez,
quando chegasse aos 25 ou 30 alias, eli pudesse penstlr cm arranjar um emprego
dc meio expediente. E eu acredita, e por isso comccei a tentar imaginar como
viver com Qdesamparo esmagador que diziam quc seria a minha vida.

Os cinco anos seguintes transcorreram mais ou menos como os psiquiatras


tinhilm pi'avisto. Apesar de haver ingressa(lo no Instituto Politécnico de Worccster
(WPI), em Massachusctts, Greg tomava uma medicação tão pesada que, em suas
palavras, "Eu passavaa maior pitrtc du tcmpu numa brunaa.A iiicnLCda gcilte
hca sendo sÓuin ARCO de areia. E por isso, eu me saí muito mal na faculdade.
Rarasvczeschegavasequera sair do mcu quarto c vivia moo sem contato com
l realidade". Ele passou uns dois anos definhanclo na faculdade, sela coiiscguir
grande progresso, até quc a abandonou entre 2004 c 2006 e passou a ficar quase o
tempo todo cin scli apartamento, fumando maconh:t constantemente, porque "ela
mc ajudava a aceitar a situaçãocm quc cll fora obrigEtdoa cntrar". C]otll ],96 m dc
altura, Grei viu seu peso subir dc 116 quilos para quase 230. "No fim, cu disse a
mim mesmo: isto é ridículo. Prcfii'o scr maluco c ter feiinha vida a i)ão sci' maluco
c não ter vida }tlgtima."

Ele foi fazer um c/zec#zzP


médico, ítchando quc cssc seria o primciro l)asse pífia
reduzir seus mt:dicamciltos, c foi então informado dc quc prccisavztsuspender
imecliataitiente o uso dc Dcpakote c Gcoclon,porque scu fí.gadocstavít parailclo
dc funcioitai. A abstillência abrupta causou tamllnho sofrimento físico -- "sllores.
dores nas articulações e nos músculos, náusea, tontcira", lias palavras dele - que
Grcg ncm prc'stoli zttetlçãopaul sabersc zl pztranoiacstavil voltando. Mas, c:in
potiquíssitno tempo, haviit largado todos os mccliczllnciitos psiquiátricos, salvo pelo
uso ocasional dc llin c:stiillulante, c taillbém paritclo clc funliti' ittacoilha. "P;u'it
ser fnti[(o, foi c(]naose eu acoi'd:tsscpc:lapiinleint vt:z t:iln cinco }lllos", coittou.

212
O(h cscmlt:nto Explosivodo Transtorno Bipolar

Foi c:omose c:u tivesse'sido dt:sligaclo,durante todos aquelesanos, c ficado


simplesmt'nte rolando pela vida c sendo empurrado numa cadeira dc rodas, c
tivcssc íinalmcntc acoi'dadoe voltado a scr eu mesmo. Foi colho sc os rcnlédios
houvessem tirado tudo qut' cra cu, c depois, quando larguei a medicação, mcu
cérebro acordou e lccoincçou a fullcionitr.

No hm dt 2007, Grcg volto]i para ;\ faculdade.Nós tios encontramosna


primavera cle 2009 e, depois de nlc contar a história dc sua luta com a doença
mental, ele nle tllostrou seu laboratório dc pesquisasiio WPI, oildc agora passava
oito fita honts por semilila, proJctando e construindo lim robe c;tpitz dc conduzir
cirurgias cercbtais com uni aparelho de ressonâncianittgilética. Dali 21algumas
st'manas cle rcccbcria scu diplomit dc graduação eln engenharia nlccânica e, como
havia iniciado um curso dc mc:stradoquaitdo ainda fazia trilbalhos da graduação,
no verão rt:ccbcria o diploinzt dr mestra' em mecatrânica, que é uma fusão cntrc
engenharia mecânica e et)geitharia elétrica. Na véspera da minha visita, sua
pesquisa cm i'obótica ficara ei]] sentindo lugar num concurso cm quc houve 187
inscrições clealunos dc pós-graduação)do WPI. Gregjá havia l)ublicado três artigos
sobre seu l)rojcto em periódicos acadênlicos c tillhlt uma viagem marcada para o
Japão, dali a poucas scn anãs, pltra fazer limo palestra sobre o assunto. Viilhit
realiz;tudo essc prqcto sol) il supc'rvisãt)dt um professor titular do WPI, c eles
csperavanl coitduzir testes com o lobo cm animius c cadavt rcs no outono de 2009.
Se tudo corresse bem, os t:nsaiosclínicos com seres huillanos teriam início cm dois
lllos

Ç2uíuldoestávamosem scu labonttório, Grt g lllc mostrou o robe e os desenhos


clecí)nlput;Ldoi dc suasplacasdt' circuitos impressa)s,qttc mc' pttrt'c('i'am dc Ilha
complexidade impossível. Naturalmente, pensei cill Johli Nash, o inata'mágicoclt'
Princetoii cuja história inspiradora dt' recttpt'naçãocla esquizofreitia, e de liillil
recupei';tção ocorrida Hein meclic;lmt'ntos, foi narrada ilo livro Umr/.A4e//fe
.BH/óí//lfe.
\inda acho (ltit' tenho clc mc livi'ar dc' alguns iiiaus hábitos t' itdquirir hábitos
melhores,imtts clt Lntr;tr iia viciaprofissional,masrealmt'ntt sinto quc deixei
paul trás itqut'la parte d;t tainha vida [como docilte m('iital]", disse Grt'g, qut'
emagreceu iltais cle 45 (quilos. "Sinceramente, quase' lillnca penso nisso. Agora
penso t'lll mim coEilo lmlil pessoa passível clt itcttrmilar aitsieclitcle, mias, qitaiido
collieço il sentir t'ssa ansieditcle, ou começo a file sentir iiegiltivo a rt'spc'ito das
coisas,paro t' digo ;i mim mesmo:'Será que é mesmoi';tzoáveleu iilimc'fitar esses
sciltiinentos, ou será qut' é sÓiHst gui':atiça?' Basta eu lilc' dar um tempo paul nac
coiitrolai'." Agora, ct)ticluiu Gi't g, cle está "muito otimista qiiilnto no Mt'U futul'o

213
10
Explicação de uma Epidemia
Cota os )ttedicantetltospsi quiátücas, soluciona-se lun ptobtenla
durar\te lnlt ppvíodo, lttm, quattdo lixe)to\ se esl)erü, arriba-se cotlt dois.
O traLantettto Irai:lfoitna tnlt período de crise etit ultla doença tnental crónica.
Anly Uphimt,2009'

Há uma famosa ilusão de óptica chama(la "a moçtt c il vclha", pois, dependendo
de como olhemos pai'a a imagem, vemos uma bela jovcnl Oli timil l)ruxit velha.
O dcscnlio ilustra como a percepção dc' lim objcto podc altenii-sc slibitamente
e, c'ili ccrto scnticlo,as histói'ias conílitantes a (luc demos corpo iicste livro têm o
mesmocarátei curioso. Existe a imagcln "belajovcm" da era psicofarmacológica
cm quc'a maior parte da sociedadenorte-an]cricanaacredita,quc fala dc ui]]
avançorevolucionáriono tratamento dosdistúrbios mcntais, c cxiste a imagem
bruxa\velha" que csboç;\mosilestc texto, quc fala dc uma forma dc tratamento
quc levou a limo epidemia de doenç;ts mcntt\is incttpacitantcs.

Aimagc:in "bclajovcm" clipt:LI (la psicofarmitcologia provém clc uma cuiilbinaçãu


poderosadc história, lingtt tgt:tn, ciêtiria e t:xpt'riêtlcia clínica. Antes dc 1955,dizl-
los ll história, os it)aiticâmios cstacluilis(.stavitmrepletos dc loucos furiosos.Alas
ciltão, os pcsquisadt)resdescobriram llm medicamento r//z/@sicó/íco, o Thontzine,
c' este pcimitiu aos t atados fecharem sclis ht)spitais decrépitos c' tratarcltl os
csquizofrênicos iltl comunidade. Eilt seguida, os pcsqttisadorcs psiquiátricos
clcscobriritm agt'ates a/zxfo/í/íco.ç,
r////íú(ePrr.f.tizpo.f
c uma pílula iltágica -- o lítio -- 1)ztnt
o transtonio l)ipolar. Depoisdisso,a ciêllcia l)rovou que os fármacosfuticionav;tm:
t'm c'nsaios clínicos, constatou-sc' que eles inclhoravant in;tis os sintomas-
tlvo, a cui'to pr;tzo, do quc t) placebo.Por 6lm, os psiquiatras constataram covil
rt'gulariditdt' que seus mcclicaiiientos t'nlm t hcazcs. Dt'rUiU-nos a seus pacientes
:lllitos, cujos sintonias cm geral se atcnuantm. Q.uandoos pacientes l)aravalli dc
tomar os remédios, cnl frcqlicnte retoniatclli os sintomas. Esse'curso clínico --
redução inicial do siiltoina c' rt'caída ztpósa rctiradzt cla nlcdicação -- também dctt
tos pacientes razão paul dizer: "Preciso do mcu remédio. Não consigo pztssarbcm
sem cle

215
AN,\ I ONTI/\DE UNIA EPII)I;NIL'\

Jo\cm ou velha? Sc você clcslocat'ligeiramente os olhas, sua percepçãoda imagcnl sc mo(lificai'á


passandoclc uma pala a outra. Thc BoeingFigtii'c (D Exploratorium, wswv.cxploratorium.eclu

A imagem "bruxa velha" da psicofarmacologia provém dc uma leitui'a


mais cuidadosa da história e de uma res(nh:t mais rigorosa da ciência. Ao
tecxzmlinannos }l história da desinstitucionalização,descobrimosque a itlttt dos
pacientes esquizofrênicos crónicos decora'euda implemcntaçãu clalegislação sobre
o Mcdicarc c o Mcdicaid, cm meados da década dc 1960, cm conta:tstc caiu a
chegada do Thorazine à mcclicina ilaaniconiial. Quanto aos fármacos, descobrimos
quc não houve nenhum avanço científico inovador quc levasseà introdução do
Thorazinc e dc outros medicamentospsiquiátricos da primeira geração.Em vez
disso,cientistas que estudavamcompostosa serem utilizados como anestésicosc
como pílulas mágicas para doenças infecciosas tropeçaram em diversos agcntcs
que tinham #eíloic;o/d/#?rzíi
inéditos. Depois, no curso dos trinta nulos scguintcs,
os pcsquisadorcsdetcnninaram que essas drogas funcionavam mediante a
pertlirbação do funcionamento normal clcvias ncuronais do cérebro. Em resposta,
o cércbro passava por "adaptações compcnsatórias", para lidar cum a intromissão
das drogas em scu sistema dc mensagens,e isso o deixava funcionando de maneira
rulormal". Enl vez de corrigir desequilíbrios químicos cerebrais, os fármacos os
rdrzu.z//!.Em seguida, examinámos cm dctalhc a literatura sobrc os resllltados
c constatamos que casescomprimidos píalrz//ios resultados a longo prazo, pelo
menos cm scu conluiito. Os pcsquisadorcs chcgai'am até a elaborar explicações
biológicasdc por quc os remédios tinhatn esseefeito paradoxal a longo pi'azo.

216
I':xplicação dc uma }qpidcmia

Sãu essas as visões conflitantes dít nl clít psicofarmitculogia. Se você pensou nos
fármacos como agentes "ailticloellça" e sc collct:ntnlr nos resultados a curto piano,
11bclajovL'm aparccc'rá.St' pensar nelescomo "dcsc(luilibradores químicos" e sc
coHctatrai nos i'esultaclos a longo pi' \zq aparecerá zl bruxa velha. Você pode ver
nula imagcitl ou a outra, clepcitclcitdo dc p;\ra onde dirija o scu olhar.

Um Rápido Experimento Ideativo


Apenas por uii] momento, antes de cxztminarntos se solucion;amos o qucbra-
cabeça quc propuscn)os na abertura dcste livro, cis ]m] modo i'ápido de vei a
imageitl cla velha bruxít com llin pouco mais dc clarcza. Imagine que Buda de
rept'nte cin nossa sociedadeum vh'us quc I'aça as pessoasdormircni de 12 a 14
horas pot dia. Os indivíduos infectados locoillov('itl-sc um pouco mais devitgai c:
parecem al'etivtullente dcslig;tolos.Nluitos gailhain uma quantidade ellonllc dc
peso dez, vinte, trinta, ;tté cinquenta quilos. i\'guitas vezes, seu nível de glicose no
sailgtie sol)cdi'asticamcntc, assim coilio seusníveis clc colesterol. Vái ios indivíduos
lfetados por essadoença misteriosa inclusive crianças pcqucn:\s c adolescentes-
Lorn in -sc diabéticos, en] pouco teillpo Surgem na literatur:l médica i'claros sobre
ljm ou í)urro paciente cine mt)rrc: dc paiicreatite. Os jonlais e revistas encheili
suas l)áginas dc histórias sobre esse ilovu flagelo, qttc é chamado dc docnçit da
disfunção nlctabólica, c os pais ficaitl cm pânico diante cla ideia clc (luc seus Galhos
possailt contrair essa nioléstla terrível. O governo federal dá cciltenas de itlilhões
dc clólarcsa cientistas das melhores uiiivcrsicladcs,pai'a quc eles clccifrcm o
fuilcion;uneiito intcnlo dt:sscvírus, e os pt:squisadorcsinforltlatn quc a ntzão
de t le cansar llilla disfunção tão global está cn] self bloqut'io de unia multidão cle
reco'ptorcs dt' ll :urotnlnsinissores iio cércl)ro dopitminérgicos, scrotoninérgicos,
nluscarínicos, aclrcnérgicos c' histanlinérgicos. Tod;ts essas vias ncuroitítis clo
cércbro ficatn conlpromc'tidas.Enqlianto isso, c'studosfeitos por iilt'io de imagciis
de ressonância lliagnética nlostrain que, ao longo clc lml período de valias anos,
o vínls faz {) córtex cerebral encolher c' essecilcolhimc'nto liga-sc a um clcclínio
cognitivo. Atcirorizaclo, o povo clam;t poi' uma cura.

Pois bcm, essa ducnça cfetivailicilte atingiu milhões clc crianças t' adultos
lloite-americtLnos. Acabamos dt' dc'scrcvcr os efeitos do aiitipsicótico mais vendido
pt'lo laboratório Eli Lilly, o Zyprt:xa.

217
AN.VI'ON[I/\ ])]= UNIA EPIDE\IIA

Um Mistério Resolvido
Começamos este livro fazendo uma pergunta: por que temos visto um ttuincnto
tão acentuado do número dc doentes mentais inválidos nos Estados Unidos, desde
:l "clcscol)ena" dos medicamentos psicotrópicos? No mínimo, crcio havermos
identificado uma causa fundamental. Em grande parte, essa epidemia é dc
naturez2t iatrogênica.

Oia, talvez haja vários fatores sociais contribuindo para a cpidcmia. làlvcz
nossasociedadcsc orgallize,hoje em dia, de um modo (luc leva a um grau
maior dc tensão e dc perturbaçãoemocional.Por exemplo, talvez nos faltem
bairros estreitamente unidos,daquelesque aju(lam as pcssoasa sc manterem
bem. Os iclacionamentos são a base da felicidade humana, ou assim parece, e,
como escreveuRobert Putnam no ano 2000, passamostempo demais ':jogando
sozinhos". Talvez também assistamos demais à televisão e façamos muito pouco
exercício, combinaçãoque sabidamente constitui uma receita para ;t depressão.
A comida quc ingcrinios -- mais alimciitos industrializados etc. -- tan]béi]] pode
catar desempenhandoum papel. E o uso corriqueiro dc drogas ilícitas -- macoiiha,
cocaínac alucinógenos-- contribuiu claramente para a epidemia. Por niin, depois
que uma pessoacomeça a receber uma pensãoou uma rcncla complementar cla
Previdência Social, há um enoi'me clesincentivo íi nancciro para o rctonio ao trabalho.
As pessoasque recebem algum auxílio-doençadão a isso o nome dc "armadilha
dosdireitos individuais". A menosquc obtenham um empregoquc pagueo seguro
dc saúde, clãs perdem essarede dc segurança sc voltarem ao trabalho, e, depois dc
começarem a trabalhar, talvez percam também seu subsídio para o aluguel.

Neste livro, entretanto, temos focalizada)o papel quc a psiquiatria e seus


medicamentos estariam desempcnhando nessa epidemia, e os dados são bastante
claros. Primeiro, por expandir enormementeas fronteiras diagnósticos,a
psiquiatria convida lml número cztdavez maior dc crianças e adultos a ingressarcm
no campo da doença mental. Scgttndo, as pessoas assim diagnosticíLdassão
tratadas com medicamentos psiquiátricos quc aumentam sua pi'ol)abilidadc dc se
trítnsformaiem cm doentes crónicos. Muitos indivíduos tratados com psicotrópicos
acabam com sintomas psiqliiátricos novos e mais graves, indisposiçõcs físicas c
prquízos cognitivos. Essa é a história trágica, escrita de maneira clara c óbvia cm
cinco décadasde literatura científica.

O histórico cl:t incapacitaçãoproduzida poi nledicamcntospsiquiátricos é


fácil de resumir. Na esquizofrenia, ila década antcrior à introdução do Thorazine,

218
l(xplicação de uma Epidemia

cerca de 70% das pessoasque sofriam um primeiro surto psicótico recebiam alta
hospitalar em até 18 meses,e a maioria não voltava ao hospital durante períodos
bem longos dc acompanhamento. Pesquisadotcs da cra pós.Thorazine relataram
resultados semelhantes em pacientes não mcdicaclos. Rappaport) Carpcntcr
c b4osherconstataram que talvez mctade dos pacientes com diagnóstico de
esquizofrenia sc sairia bastante bem sc não tomasse lama medicação contínua.
Mas essae a norma atual do tratamento, e, como tnostrott o estudo de Harrow,
apenas5% dos pacientes medicados se recuperam a longo prazo. Hoje en] dia,
estima-sc que haja dois milhões dc adultos incapacitados pela esquizofrenia nos
Estados Unidos, c talvez. esse número de inválidos puclessc scr reduzido à metade,
se adotásseiiioslim paradigma de tratamento quc empicgassc mcdicanlcntos
antipsicóticos cle maneira scletiva c cautelosa.

Nos transtornos afetivos, os efeitos iatrogênicos do nosso modelo cle


atendimento baseado em fármacos são ttinda mais visíveis. A ansiedade costumava
scr considerada um transtorno brando, que raramcntc cxigia intcrnação.
Atualmcnte, 8% dos adultas mais jovens nas listas da Renda Complemcntar da
Previdência (SSI) c do Seguro da Previdência Social por Invalidez (SSDI) por
invalidez psiquiátrica têm na ansiedadeseu diagnóstico primário. Similar'mcnte,
os resultados rcferciltes à depressão grave costumavam ser bons. Em 1955,havia
ltpcnas 38.000 pessoashospitalinldas por depressão,e havia uma expectativa de
remissãoda doença.Hoje, a depressãoagudaé a principal cttusa dc in\alidcz nos
Estados Unidos biltre l)escoasdc 15 a 44 anos. Dizem qtic e]a afeta ]5 milhões
de adllltos e, dc acordo com pesquisadores dzt Faculdade de Saúde Pública da
UniversidadeJohns Hopkins, 60% deles têm uma "deteriorztção grave". Quanto
;io transtorno bipolar, uma doença extremamente r:lra tornou-sc corriqueira.
Segundo o Instituto Nacional de S:túde Mental (NINIH), quase seis milhões dc
adultos sofrem dcla atualmcnte. Ao passoque, no passado,85% dos indivíduos
afetadosse recuperavam c voltavam ao tnlbalho, hoje apcllas ccrctl dc um terço
dos pacientes bipolares funciona tão bcm assim, e, a longo prazo, os pacientes
bipolares que talham sistematicanlcnte seus remédios acabam tão prqudicaclos
(quanto os csquizofrênicos que mantêm u uso dc ncurolépticos. Os pesquisadores
daJohns Hopkins concluíram que H3% tiilhaill uma "deterioi'ação gravc".

Ein suma, ha\:ia 56.000 pessoas hospitalizadas com ansiedade c psicose


maníaco-depressiva
cm 1955.Hoje,dc acordocomo NIÀ'IH,pelomenos40
illilhõcs dc adultos sofrcin de lim dessestranstornos afetivos. Nlais dc 1,5
itlilhão dc pessoasincluem-sccolmoinválidaslias listas da SSI ou do SSDI, cm

219
ANATOXlIA i)l; UNr/\ Elqi)i;XíiA

decorrência de ansiedade, depressão Oli transtorno bipolar, e, segundo os dados


da Johns llopkins, mais de 14 milhões dos indivíduos com esses diagnósticos
estão"scveiainente prqudicados" cm sua capacidadedc funcionar em sociedade.
E esseo espantosoresultado final produzido por uma cspccialidadc médicit quc
expandiu drasticamente as fronteiras diagnósticas,nosúltimos cinquenta anos,c
tem tratado seuspacientes com fármacos que perturbam o funcionamento normal
do cérebro.

Além disso,a epidemia continua a avançar.Nos 18 mesesquc levei para fazei


pes(luisas e escrever este livro, a Administração da Scgtiridade Social libetou seus
relatórios de 2007 sobre os progrttmas da SSr c du SSDI, e os números foram
os esperados: 401.255 crianças c adultos abaixo dc 65 anos foram acrescentados
às listas da SSI e do SSDI em 2007, por invalidez psiquiátrica. Imagine lma
grande auditório que sc encha fadasOIdíízscom 250 crianças e 850 adultos recém-
incapacitadospor uma docnçamental, c você terá uma ideia visual do terrível
tributo cobrado por essaepidemia.

Doença Física, Deterioração Cognitiva


e Morte Prematura
Consubstanciar a ilaturezzt de uma docnç2tcostuma envolver a identificação de
todos os sintomas quc podem se desenvolver e, feito isto, acompítnhar seu curso
no tempo. Nos capítulos anteriores, basiciunentc nos concentrados en] estudos
quc inostraranl quc os remédios psiquiátricos pioram os sintomas-alvo a longo
pi'azo, e, apenas resumidamente, assinalanaosque essesfái'nacos podem calisai'
problemas físicos, einbotamcnto efetivo c prquízos cognitivos. Trata-sc também
de uma forma de tratamento quc leva à morte prematura. Hloje os doentes
nlcntais graves morrem dc 15a 25 anos antes do normztl, e esse problema da naorte
prcinatura tornou-se muito dais pronunciado tios últimos 15 anos.zEles nlorrcnl
de doenças cardiovasculares, problemas icspiratórios, doenças metabólicas,
diabetes, insuhciência renal c assim por diante c os problemas físicos tenden] a
sc acumular à medida que as pessoas mantêm o uso dc aiitipsicóticos(ou coquctéis
de remédios) por anos a fio.'

Aqui estão três histórias que atestam essesvários riscos a longo prazo.

220
Explicação (tc uma ICpidemia

Am?Upham
Aiiiy Uphaill mora iilin] pequenoitpartailicnto de (quartoc sala ein Buífalo
e, quando entrei iia sala, ttpoiltou par;t unl;l mesarepleta dc papéis."Esta
sou cu com os remédiospsiquiátricos",disse,c: mc entregou uma pilha de
clocunlentos médicos. Eles falam dc um edetiia cerebral induzido por fármacos,
de rins deficientes, edeiita de fígado e vesícula, problemas dit tireoide, gastrite e
nlormalid2tdcs cognitivas. Caiu pouco mais de 1,50 m de altura e cabelo castanho
avermelhado, arrepiado e crespo, Amy, que tem 30 anos, pesa 41 quilos. Apertou
limo dobra de pele solta perto do cotovelo, sob a qual os músculos nlinguaram:
"Isto é igual ao (luc }l gente vê em usuários clc heroína

Anly tomou um medicamc'altopsiquiátrico pela primeira vez aos 16 alias,


quandocontraiu a doençade Lymc F sofreu um episódiode depressão.Dozc
:lhos clepoi$ continuava }l tomar tlittidtprt'ssivos e, ao rcexanlinar essa história,
idcntihcoli várias situações eiii qtic os remédios provocaram surtos hipoiilaníacos
c ;tgi'avaram seioscoinpoitamciltos obsessivo-coii]pulsivos.Pot fim, cii] 2007, cla
tesolvcu fazer o "dcsmame" pilulatino da combinação dc dois ilicdicamentos
que vinha toiilanclo e, a princípio, tudo correu bcm. Na épica, entretanto, cla
trabalhava para o departaincnto dc saúde mental do condado,fazendo il defesa
dos direitos dos doentes mentais, c alguém ítcaboupassandoa seussuperiores a
informação aiiâiiima dc que t'la c:soavalargando suismcdicilção. lssu contnlriava
o (luc:cra pregadopelo departamento,c tudo acítboucomAmy desempregadae
sentindo um medo ptu'anoicode quc alguém a estivessepctscguindo. "Tive unia
crise ilcrvosa", contou-nle. "Fui para o hospital partuuc cscoiidcr.

Ei'a a pritilcint vczque Amyst' internava, c recebeuimcdiatamcllte um coqlictel


quc incluía o lítio. Enl poucos lilescs, scu sistema ciidócrinu con)içou a falhar.
O ciclo iiienstrual cessou,a tircoide descontrolou-scc uin eletrucnccfalogranltt
rtvcloti quc seu cérebro t'soavainchado. Depois, os rins começaram a itãu funcionar.
E[a tevedc suspetic]erzlbruptamcnteo lítio, u quc dcseiicadcouuin surto maníaco.
Os médicosIhe dcntm Ativaii para conter a n)adia, in:ts o icmédio despertou
sciltin)cntos tei'rívcis dc ódio e a deixou com impulsos suiciclits. Passanun-sc
iiic'sí's,e cm dczctnbro de 2008 cla sc intcriioll num hospital psiquiátrico, oilclc
foi diagnosticadtl a toxicidade: causada pt'lo Ativan. "Nunca vi um rcnlédio
ferrar tanto caiu uinil possuacomofaz o Ativ:ul", disse-lhcuma enfermeira.
O hospital suspeiidcuo Ativan, passotl-apara o Klonopin c receitouo Abilify. quc
dt'sc:ilcade{)uuma convulsão. Em seguida, liin médico dcsc{)breuitlgo errada coiii o
coraçãodc'Amyj ui]] problen a quc Falecia tclacion;tr-sc coili o Klonopin, de modo

221
AN,\TOXIIJ\ I)I: IJNL\ EPIDENII/\

que ela voltou ao Ativan. "AÍ, comecei a ter alucinações pela primeira vez na vida",
disse ela. "Andava dc um lado para outro, incontrolável, querendo sair da minha
própria pele." Seguiram-se outras complicações ligadas aos remédios e, cm 24 de
fevereiro cle2009,Ainy mudou-separa um abrigo no terreno do hospital,já então
com os pcnsamentos tão dispersos que uma enfermeira se perguntou "se o mal de
Alzheimer de instauração precoce era um problema da família"

O notável é que grande parte dessa história estavadocumentada na pilha de


papéis que Amy me deu. Ela havia passadoos quatro mesesanteriores tentando
largar o Ativan, mas, toda vez que passavapara uma dose mais baixa, sofria
acessosde raiva e algo parecido com um delírio. "Eu ando assustada", disse-me,
quando Ihe dcvolvi os papéis. "As síndromes de abstinência são terríveis e eu moro
sozinha. Vivo num estado constante de pânico, de ansiedade, e tenho um pouco de
agorafobia. Não é seguro."

Rachel, Ktein

Q.uandoconheci Rachel Klein, na primavera de 2008, ela entrou marcando


no meu escritório, de bengala e com um cão-guia ao lado, que sc deitou a seus
pés enquanto conversávamos- Ainda não tinha 40 anos, mas retrocedeu o relógio
para mim bcm clepi'essa,e não tardou a me falar de um esplêndido dia do outono
cle 1984.Com apenas 16 anos, ela estavaingressando no Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT), uma menina-prodígio com QI 173 e os ouvidos tinindo
de pt'evasõesde que um dia ganharia o Premio Nobel. "Cheguei ao ca//z»zzi
com um
ursinho de pelúcia saindo da minha mochila", contou, com um leve soro'iso ante
a lembrança. "Para ver como eu citava despi'aparada em termos emocionais."

Seu colapso afetivo no blIT começou no hm do segundo ano, quando ela sc


envolveucom um aluno mais velho que era "totalmente psicótico" e começou a
usar drogas i[ícitas -- Ecstasy,LSD, cogume]osc óxido nitroso [gás hi]ariante].
Sua noçãode eu começoua desmoronare, depoisque um verão de terapia da
fala a deixou mais confusa do qtic nunca, ela foi internada com uma depressão
psicótica. Ao rcccbci' alta, levava receitas de um antipsicótico, um anticleprcssivo e
uma bcnzodiazepina(Xanax). "Nenhum dessesremédios me ajudou", disse. "Eles
me embotavam,e a tentativa dc largar o Xanax foi um desastre.Esseé o pior
remédio qliejá existiu. Vicia muito, e todos os sintomas que levaram a gcnte para
o hospital, para começode conversa,focammil vezespiores (quandoa gente tenta
larga-lo.

222
Explicação ([c unia ]Cpidcnna

Mesmo teilclo ac:al)adopor se formar no MIT c scr aceita liuln clirso dc


liicstrado c doutorado na Uitiversidadc do Colorido, Rachel começolia entrar
c sair clclicanlcnte dos hospitais; seu colapso no MlIT transfoin)ou-sc iiun] caso
de doençamciltal crónica."Disseramquc cu não tinha leiliédio c quc nunca
tnclhontria", recordou.Ela desfrlitou dc um l)eríoclodc estabilidadede 1995a
2001, qtiaildo tnlbalhou como assistente da gerência dc limtt instituição residencial
comutlittíria ein Boston,Riasciitão self irmão morrcu de repente (- ecusproblemas
psicológicos toniaranl a eclodir. Scu psiquiatra tirou-a do Rispcrdal c a pi\soou
para doses }lltas dc Gcodon r Eíl'exorj além dc Ihe aplicar lida inacçãode outro
mcdicainento psiquiátrico.

Tive limo rcaçãuscrotoiiinérgica}tguda,linfa ilação tóxica",disseRachel,


:abanandoa cabeça ao se lembrttr. "Aquilo provocou uma vasocoiistrição no mcu
cérebro, o (luc czlusouuma lesão ct:rcbral. Acabei numa cadeira dc rodas, sem
coiiscguir raciocinarl falar ncnl andar. Essescci)trás cerebrais prccisain dc muita
lul)rificação."

Desde ciltão, sua vida seguiu biltre altos e baixos. Ela sc cutlsola com scu
trabalho voluiitái'io no M-Power, uni gi'upo dc defcsêt dos direitos dc ustiários do
sistema dc saúde mental que tem sedeem Bostoil e é dirigido por seusmcitibros,
e, na primavera de 2008, trabalhava 16 horas por semana parít a Advocates,
Inc., quc presta serviços aos surdos. Rias também estava colnbatcndo uin câncci
ovariano, c é possível quc essadoença teilhil sc rclacionadu com os mcdicamcntos
psiquiátricos. FloÚeRachel acha quc essesrcmédios são úteis, sim, mas, quantia
rcl)ousa suavida, vê lim illodclo dc atcndimcnto quc falhou por completo com cla.
E um embuste, na verdade

Scott Sextos
Na primavcnt dc 20o5, Scott Scxton rcccl)cu seu diploma dc mestradoda
Univcrsidadc Rice. Naclucle iiioinento, tinha pela frente um futuro brilhante,
lilás rolnpt'u com a nlulhci com qtietil pretendia casar-se e foi hospitalizado
caiu dcprcssão. Era scu scgttndo surto dc dcpressão aguda (ele havia sofrido um
priinciro episódio cinco anos antes, quando seus pais sc divurciantin), e colho scu
pai haviasofrido dc tntnstorno bipolar Scott f'oidiagnosticadocoiii essildocnça.
Rcceitanun-lhe un] coquetel qut' incluiu o Zypi'cxa.
Naquele outono, cle ( omcçou a trabalhitr como consultor dlt Dcloitte, a gnliidc
elnl)rosa de auditoria e contabilidade. Emborit seusprinlciros mesesno cmpicgo

223
AN,Vi'OXit/\ l)i; UNIA Epii)Exija

cnrresscm bem, no comcço dc 2(]06 ele citava dormindo de 12 a 16 horas por


dia, drogado pelo Zyprexa. Logo prccisou de outro comprimido parti acordei dc
tnaiihã, e começou a "engordar furiosamente", rccordou sua mãc, Kaye. "Ele tinha
1,78m e passoudc 84 para 113 quilos. Ficou colhaum barrigão dc chape e coj'aas
bochechasiguais às dc uin tâmia. Sabíamosque o Zyprexa causavaatimcnto de
peso e ele ficou assustado,c eu também."

No outono dc 2006,Scott dormia tanto que, nos fins dc semana, só selevantavíl


à tarde. Parou dc ir ao escritório e disseà Deloitte que estaria trítbalhanclo em casa.
No dia de Ação de Graças, te]efonou pzua a mãc c ]hc disse estar com dorcs terríveis
na barriga e, no dia seguinte, foi internado iio Hospital Episcopal São Lucas, cm
ITouston. A mãc pegou um voo dc Midland pat;t lá. "Scott estava vermelho feito
uma bctcrraba, tnlnspirando, e com as mãostão inchttdasque tiveram dificuldade
para tirar o ane] de]e. Ardia em febre, e os exames [de ]abort\tório] estavam
Lotalmcnte malucos.Tudo muito escluisito.O colesterol citava nos píncaros. Os
triglicei'ídeos estavam altíssimos."

Era o pâilcrcas dc Scott entrando en] falência. Sabia-sequc o Zyprexa causavtl


pancrcatite, mas os médicos do São Lucas não estabeleceramessa ligação.
Mantiveram o tratamento de Scott com essa di'oga até sua morte, cm 7 dc
dezembro. "Eu sempre dissc para ele tomar seus remédios", contou a mãe. "Eu
dizia: 'Scott, sc um dia eu descobrir que você largou os remédios, vou a Houston c
Ihc dou um tiro'. Era isso (luc eu dizia. E lá cstavz\ cle, fazendo tudo (lue pensava
ser itecessáriopara funcionar na nossasocied:tde,para scr um incnlbro produtivo
dt\ sociedade, c isso o matou."

224
11
A Epidemia Disseminada
entre as Crianças
Para llluitos Polisejanlíliu, a experiência[de ter
ultl .plÍlo diagnosticado com un\a doença lttetttal] pude
ser u itta desgraça;isto nós deuentosdize:
1;.Jíulc Costello, professor-a
dc psiquiatria
da Universidade Duke, 2006

Prescrever mcdicamelitos psiquiátricos par2t crianças c adolescentesé liin


fenâmcno recente, já quc rclativ;\malte poucosjovens eram mcclicados aittcs dc
1980, L assim, ao investigarmos essa história, teremos a oportunidade de submctei'
:l tesedestelivro a Rira scgtmd;tpiava. Porvtntunt constatamos,na litcratuni
científica [' nos dados sociais, quc a mcdic]\ção clc crianças e adolescentesvcn]
fazcnclo mais mal qut: bcitl? Estaria isso polIcIa muitas criançits, inicialnlcilte às
voltas coil) uill problema relativaincntc pt'qut'no -- unl desinteresse pela escola,
ou unl períododc tristeza--, num ciuninhuquc leva à incítpaciditclcvitalícia?
Uitl dos princípios claciência é quc os rcsultaclosdc un] cxpcrinlcnto dcvcm scr
replicáveis,e, cm essência,mcdicar crianças cquivalc'a ]in] scgtmdoexperimento.
Priniciro, mt'dicainos ZLdultosdiagnosticados com doenças mentais e, como vimos
nos cítpítulos anteriores, isso não levou a otimos resultados a longo prazo. Ein
sc,qttida,nos últimos trinta Ritos,diagnosticados vários distúi'bios em ci'lançasc
:ldolesccntes c lhes rccctit:amos rt:médios psiquiátricos, c agora podemos vcr se os
resultados dessa segunda experiência são os nlcsmos.

Reconheço quc isso sitlia nessa investigação da medicação dos jovens num
quadro bastante frio c analítico, dada a assustadorapossibilidade que está cm
jogo itqtii. Sc os resliltados cm crianças c adolesccntcsfoi'em igu;\is aos dos
:adultos,receitar fármacos psiquiátricos para milhões dc jovens noi'te-americanos
estará causando clatlos numa escala quasc incomcnsttrávcl. Itfas essapossibilidadc
sc pi'cata a lln a rescnha emotiva da liten\tura médica, c é justamente por isso
qut' vamos coitduzir nossainvestigaçãoda maneira mais desapaixonadapossível.
E l)rcciso (lttc os fatos falem por si.

225
AN/[TOXIIA 1)1=UX[Aj:;PIDEh]IA

A história de progresso)quc a psiquiatria conta sobic a medicaçãodc criançíts


é de naturezaligeiraliicnte diferenteda quc cla conta sobreseusavançosno
tratamento dc adultos. Em 1955, quando chegou o Thorazine, havia ccntcnas
de milharcs de adultos em hospitais psiquiátricos, com diagnósticosdc doenças
quc tinham um passado reconhecível. h/ras, ao sc iniciar a cra farmacológica,
pouquíssiiníts crianças cr:tm diagnosticadas como "doentes mentais". Havia
valentões e vadios nas escolasprimárias, luas eles leãoeram diagnosticados como
portadores dc transtorno do déhcit de atenção com hiperatividadc(TDAH), porque
essediagnóstico êünda não tinha nascido. Havia adolescciltes tempo'amcntais c
enlocionalmcnte voláteis, mas a expectativa da sociedade era que, ao ci'csccrcm,
eles se tornassem adultos mais ou mcnos iiortnais. Todavia, depois quc a
psiquiatria começoua tratar crianças com psicotrópicos, cla rcpensou essavisão
da infância. A história hoje contada pela psiquiatria é que, nos últimos cinqllenta
lidos, cla deócaódzr
quc as crianças sofrem regularmente dc docnças mentais, ditas
dc iiaturcza biológica.Pi'imciro, a psiquiatria materializou o TDAH como uma
docnça idcntificávcl; depois, determinou que a del)rcssão aguda e o transtol'no
bipolar atingem i'cgularmente crianças e adolescentes.Eis como o psiquiatra
Ronald Kessler, da Faculdade dc Medicina da Universidade Harvard, resumiu csslt
história" cm 2001:
Embora sc con(tuzamhá muitos :lhos cstuclosepidemiológicosclc transtornos
clo humor na infância c na adolescência,cluriulte n)Dito tempo o progressofoi
impedido por duas ideias c(luivocadas: a clc club os distúl'bios clo humor são raros
:tntcs da idade t\dura c a dc quc a perturbação do humor é uma f'acata nonlaativa c
uitolinlititnte do dcscnvolvimcnto infantil c adolescc:nte. miolo as pesquisas deixam
claro quc ncnhtulaadcssascrenças é vctdadcira. A depressão,a mania c sintomtts
dc tipo iníunaco são todos rclatix/anlcnte conauns entre crianças c adolescentes na
população geral.z

Doenças quc passavam dcspcrcebidtts, ao que parcce, foram agora


identificadas. A segunda parte dessa história dc progresso científico conta como
as drogas psiquiátricas são úteis c necessárias.Milhões de crianças que antes
sofriam em silêncio recebem agora um tratamento quc as ajuda a piospcrar. Aliás,
il história quc vcm emcrgindo na psiquiatria pediátrica é qtic os nledicamcntos
psicoti'épicos ajudam a citar cérebros sadios. Ein seu livro dc 2006, C#i/d a/zd
,4da/esse/zf /b c;Aa»içar?/lac;o/aK), .Abade Si//z»/e [Psicofaimacologia simplificada\ da

infância e da adolescêilcia],o psiquiatnLJohil O'Ncal explicou aos leitores pol


que era tão essencialquc as crianças com doençasmentais fossem tratadas com
medicamentos:

226
A Epidemia Disseminada entre as Crianças

Piavas cada vcz mais nllmelosas mostram quc alguns transtornos psiquiátricos
podem levar a uma deterioração) neurológica progressiva quando não são tratados.
(-.) Níveis tóxicos dc ncliioLrallsmissoic's, como os qlutamaLos,ou clc hormânios
do cstresse,colmoo cortisol, podem danificar o tecido nervosoou interferir nas
vias ní)finais de ncttrt)maturação. O tratamctito farmitcológico dessesdistúrbios
pode não só ter sucessoila ntclhora dos sintonias, mas também scr ncuioprotetoi'
(ein outras palavras, os tntLdmcnLosmedical aciitosos podem proteger dc lesões
ct'rcbrais Oli pionlovcr ;\ ncuromatunição norm;ll).3

Sc isso é verdade, a psiquiatria realmente deu um grande salto nos últimos


trinta anos. O campo aprcndctt a diagnosticar em crianças doenças cerebrais que
}tntes passavam clc:spcrccl)idas, c seus meclicameiltos "neuropi'otetores" agora as
transíornlam en] adultos normais.

A Ascensãodo TDAHI
En)l)ora o transtorno do déficit de atenção com hipcratividade não apai'ccesse
clo À/a/zl/a/ de Z) ag/zóí/ co e Ex/a/ú/ crzdaí l)ís/ú ó ai à4en/aü da psiqliiatria antes dc
1980, esse canlpu profissional gosta dc assinalar qtic tal distúrbio não surgiu
simplesnlcnte do nada. Trata-se dc um problema cujas raízes remontam a 1902.
Naquele ano, sir George Frederick Still, pediatra inglês, publicou uma série dc
palestras sobre vinte criançtts que tiilhan] a inteligência normal, mas "exibiam
explosõesviolcnLzLS,
peralticc dcscnfrcztda,clcstrutividadcc falta dc reaçãoaos
castigos".4Além disso, Still ponderou quc esse mau comportamento provinha de
uni ptoblenia biológico (e não da má qut\lidado da educaçãodáLIapelos pais).
Crianças com doençasconhecidas epilepsia, tumorcs ccrcbrais ou incningite
-- eiani aiiliúclc agressivaincntc dcsaíiaduras, c assim, Still calculou quc csstls
vinte crianças sofriam clc uma "disfunção ccrt'oral mínima", inesnlu não havendo
docnç;\ nem trauma ól)vãosquc a hotivcsscmcausildo.
Nos cinquenta anos seguintes, um punhado dc outi'os autores formulou a ideia
dc quc a hipei'atividade ertl um marcador de lesão cerebral. As crianças que se
rccupcraram da cnccfalitc letárgica, uma epidcnlia viral qtic varreu o planeta
cntie 1917 c 1928, exibiam com frequência comportamcntns antissociais c
osctlaçoesacentuadas de huinorl o (luc levou os pccliatras a concluir (lue a dociiça
havia cttusado uma lesão cerebral leve, ainda quc i\ natureza dessa lesão não
ptidcssc scr identificada. Eni 1947,Alfred Strauss, quc era diretor (le lama escola
paraj{)vens agitados em Racine, iio Wisconsin, chamou sclis alunos extremamente
hipcrativos dc "ci'ianças nonllais com lesão cc'rcbntl".S O priniciro /14a/zzza/ de

227
ANATONIIA I)E UNIA EPII)I=NIIA

Z)iag/zós/
coe Es/al&/icada psiquiatria, publicado em 1952,disse que tais crianças
sofriam de uma "síndrome cerebral orgânica"

A ideia de quc os estimulantespudessemser benéficospara essascrianças


surgiu cm 1937,quando Charles Bradley deu uma anfetamina recém-sintetizada,
a Benzedrina, a crianças hiperativas quc se queixavam de cefaleia. Embora o
medicamento não curasse a dor de cabeça,Bradley relatou quc ele "aquietava"
as criançase as ajudava a sc concentrarem melhor nas tarefas cscolaies.As
crianças chamavam a Benzedrina (lc "pílula da aritmética".6 Embora o relatório
de Bradley tenha basicamente caído no esquecimento nos vinte anos seguintes,
em 1956 a Giba-Geigy introduziu a RiLalina (metilfenidato) no mcrcado como
tratamento para a narcolepsia, alardeando-a como uma alternativa "segura" para
IS anfetaminas, e os médicos da Faculdadede Medicina da Univei'sidadc Johns
Hopkins, que tinham conhecimento das descobertas dc Bradley, não tardaian] a
julgam'que a nov;t droga seria útil pai'a acalmam'crianças "perturbadas", que sc
supunha sofrerem dc uma "síndrome de lesão cerebral".7

Durante os anos 1960,não houve grande pressados psiquiatras em receitar a


Ritalina para criançasirrequietíts que frequentavamescolascomuns.Na épica,
havia uma idcia dc (luc os fármacos psicoativos,dados os seus muitos riscos, só
deviam sei' ministrados a crianças hospitalizadas ou a crianças de instituições
residenciais comunitárias. A população de crianças hipcrativas quc podia ser
diagnosticada como portadora de "disfunção cerebral orgânica" era pequeita. Aos
poucos,entretanto, o liso da Ritalinit pela psiquiati'ia cojneçou a aumentar, durante
os anos 1970, a tal ponto que, no G]
n] da década, umas 150.000 crianças dos Estados
Unidos estavam tolllando esseremédio. Depois, cm 1980,a classe psiquiátrica
pul)licott uma terceira edição de scu t4a?zela/ de -Dias/ióí/íco e Es/ízlúlicrz (z)SÃ4-.z:rD,

quc pela primeira vez identiíicoli o "traiistoruo do déficit dc atenção" (TDA)


como uma doença. Os sintomas principais eram "hipcratividadc", "desatenção"
e "impulsividade" e, visto que muitas crianças se remexem idascai'feiras c tên]
dificuldade dc se mantcr atentas na escola, o diagnóstico tle TDA começou a
dccolar. Em 1987,a psiquiatria afrouxou ainda mais as fronteiras diagnósticos,
redenominando a doença de transtorno do déficit de atenção com hiperatividade,
numa edição invista do ])SiW-/77. Em seguida, a Giba-Gcigy ajudou a financiam
;l criaçãodo Childicn anelAdults with Attcntion Dchcit Hypcractivity Disordcr
(CHADD),' um "grupo de apoio dc pacientes" que começou imediatamente a

promover a conscientização popular em relação a casa"doença". Por íim, em 1991,


l
Crianças c Adultos com Transtorno do Déficit dc Atcnção com Hipcrativiclade. (N.T)

228
A Epidemia Disseminada cntlc as Critulças

o CHADD pressionouo Collgresso c conseguiu que ele incluísse o TDAH conto


uma dcíiciência cabe:rtapela Lei dc Educaçãode Indivíduos conaDcficiências.As
crianças diagnosticadas como portadoras de TDAH passaram a ter direito a serviços
especiais, que deveriam scr hn;tnciados por vet'bas federais, e as escolas começaram
l identificar com regularidade crianças que paicciam sofrer dessadocnça. Como
observoua .llamr/rd.Reue?oaf/)3g-c#íaf7
em 2009, até hoje o diagnóstico de TDAFI
provém sobretudo elas qucixtts de professor'es, já quc "apenas umtl ntinoria dc

crianças com essetranstoi'no cxibe sintomas durante uma consulta médica".0

Dc repente, podiam-sc cncoiltnlr crianças com TDAH em todas as salas dc


aula. O número tias que rccL:l)cnllll essecliagiióstico subiu para quase uni milhão
cm 1990 e mais do quc duplicou nos cinco anos seguintes. Hoje em dia, talvez 3,5
milhões dc crianças ilolte-ainericailas tomem algum estimulante paitt o TDAH,
e os Centros de Controle e Prevençãodc Doençasinformaram, cin 2007,quc
lama em cada criaiiçit ou aclolesccntc norte-amcricalio de 4 a 17 anos usa essa
medicação. Essa prática de prescrição é sobretudo um feiiâmeilo norte-amcricano
Unidos coiisoiilcili o triplo da quantidadc dc estimlllantes
-- as crianças dos Estaclus
consumidos pelo resto das crianças clo mundo inteiro, convidei'idas em conjunto.

Embora o público ouça com frequência quc as pesquisasmostraram quc


o TDAH é uma "doença cerebral", a verdade é quc sua etiologia continua
descollhecida.':As tentativas dc definir uma base biológica para o TDAH têm
sido um insucessosistemático",cscrcvcll o neurologistapediátrico Gcrald
Golden en] 1991.'(A neuroanatomia do cérebro, colmodcmonstranl os estudospor
im;lgein, é nonllal. Nenhum substrato netiropatológico foi demonstrado."9Sete
:\nos depois, um gi'upo dc especialistas reunido pclo Instituto Nacional de Saúde
reiterou a mesmailfirnlação: 'IApós anosdc pcsqtiisasclínicas e experiência com
o TDAH, nossoconhecinlcnto sobre a causaou causasclcssctrttnstorno continua
L ser prcdoininantcilacllte cspcclllativo."'' Durante a décadadc 1990,o GHADD
inforinoti ao público qttt' as ci'ianças cona TDAH sofriam dc unl descqtiilíbrio
quín)ico, caracterizado pur uin sistema dopaminérgico insuficientenlentc ativo,
mas essa foi apcnits uma ÍLhrmação para comercialização de nieclicamcntos.
A Ritalitla e outros cstinlulantcs elevam os ilívcis clt clopanlina na feiidít sinóptica,
de modo quc u CHADD estavatentando dar a intpressãodc qttc tais fármacos
tiornltllizavanl" a química cerebral; no cntaltto, como confessou o i14a/lnr2/
de Àrel/raPsiqr/ía/drl dc 1997 da Anlcricaii Psychiatric Picas, "os esforços para
idt'ntiíicitr un] dcscqtii]íbrio itcuroquímico se]etivoÍem crianças caiu TDAH] têm
sido clcccpcionantcs".ii

229
AN,VI ONII.\ 1)1:UNIA EPIDENIIA

Portanto, vemos nessahistória que não se descobriu nada novo dc quc revelasse
uma "doença mental" chamadaTDAH. Havia na medicina um longo histórico de
especulaçãode que as crianças extremamente hiperativas sofreriam de algum tipo
de disfunção cerebral, o que decerto era uma ideia razoável, mas a natureza dessa
disfunção nunca foi descoberta; e então, em 1980, a psiquiatria simplesmente
criou, com uma penada no Z)SÀ/-.IZ7,
uma definição drasticamente expandida da
"hiperatividade". O garoto irrequieto cle7 anos que em 1970poderia sci chamado
dc "moleque" tornou-se um indivíduo que sofria dc um distúrbio psiquiátrico.

Dado que a biologia do TDAH pei'manecedesconhecida,é lícito dizer que a


Ritalina e outros medicamentospara essetranstorno "funcionam" perturbando
os sistemas neurotransmissores. A melhor maneira de descrever a Ritalina
seria chama-la dc inibidor da rccaptaçãode dopamina. Na dose terapêutica, cla
bloqueia 70%dos "transportadores" que retiram dopamina da fenda sinóptica e
a devolvem ao ncurânio pré-sináptico. A cocaína age do mesmo modo no cérebro.
alas o metilfenidato sai do cérebro muito mais devagzudo quc a cocaína,c por
isso bloqueia a recaptação dc dopamina durante horas, em contraste com a
perturbação relativamente breve dessa função causada pela cocaína.n

Em respostaao metilfenidato, o cérebroinfanto-juvenil passapor uma série dc


adaptações compensatórias. A clopamina passa a })ermanecer na fenda sináptica
poi' um tempo cxcessivo e, por causa disso, o cérebro da criança ou adolescente
reduz o ritmo de seu mecanismo dopaminérgico. A densidade dos rcceptorcs
dopaminérgicos nos iteurânios pós-sinal)ticos declina. Ao mesmo tempo, reduz-
sc a quantidade clc nletabolitos de clopamina no líquido cefalort'aquidiano, prova
clc que os netirânios pi'é-sinápticosestão lil)ei'ando uma quantidadc menor dela.
A Ritalina também agc sobre os ncurânios serotoninérgicos e noradi'enérgicos,
o quc causa mudanças compensatórias similar'es nesstts duas vias neuronais.
A densidadedosreceptoresde serotoninae norcpinefrinadiminui c a liberação
dessas clutts substâncias químicas pelos neurónios pré-sinópticos também se
alta'a. O cél'coro da criança, nas palavras de Stevcn Hyman, passa a opcnu de um
modo "qualitativa e quantitativamente diferente daquele do scu estado iioi'naal".'z

Podemos agora voltar nossa atenção para os dados relativos aos resultados.
Sela que essetratamento ajuda os jovens com diagnósticode TDAH a longo
prazo? O que mostra a literatura cientíhca?

11
E pelo f'atodc tcr uma açãotão l)rcvc (luc a cocaínavicia mais do quc o mctilfeiliclato, l)oi$ assim
(luc cla deixa o céicl)tq o vicia(lo pode (lucrei toldar a cxpcrimciltai' o "barato'' quc vcm quando
asvias dopaminérgicas são levadas a um estado liipeiativo pela primeira vcz.

230
A Epidemia Disseminada cntic as Crianças

Passivos,Parados,Solitários
A Ritalitlac outrosremédios
paneo TDAll mudamo conlportanlento
da
criança, SL:mdúvida, e t'n] scli relatório dc 1937 Charles Bradley preparou o
tcrrt'iio pata a história dt eficáciaque acabariaemergindo:"Q.uinzcclãstrinta
crianças rcspolidentm à Benzcdrina, torElaildo-se nitidanlcntc dóceis cm suas
rc'açõcscinocioiiztis. Cllinicatiit'nte, iia totalidade dos casos, isso foi unia mclhora
clo ponto dt vista social".'sA Ritalina, quc a Adnlinistnlção Federal dc Alimciitos
L Mcdicameiltos (FDA) aprovou paul uso infantil em 1961, mostrou ter uin efeito
iiioderador scnlelhaiite. Num estudo duplo-cegocottdttzido em 1978,o psicólogo
Herbcrt Rie, claUniversidade do Estado dt' Ohio, estudou 2Hcriaitças "hiperativas
dunlnte três mes( s, havcnclo-st reco'itaclo nictilfeniclato l)ara metade delas. Eis o quc
CSCI'CV(: LI:

As crianças quc cstavíun em tnttamcnto medicamentoso ativo, como sc confirmou


retrosl)cctivamcnte, parcccntm, nos momentos dc avaliação, nitidíunt:nte mais
iml)assívtis {)u "chochas" ciii termos afetivt)s, st'm a variedade c ;l fr('qtiõncia dc
t'xprc'suãot:mocioiial qut' sã{) típicas (la ida(le. Rcaq'inlm mc'nos,cxibiriuti poticit
[)u nenhuma iniciativa ou espontaneidade, dt ram pouca indicação dt' aversão ou
interesse, piaticanlc iate não d{.nionstrariun curiosidade, suiprcsa ncm ptazt'r, c
parcccnttn dcspruvidas dc httmoi: Os comentários jocosos c' as situações câiiticas
passaraill dttspt:rccbidos.Em sumia,sob o cl'eito do tratan)eito mc:dicamcntoso
ltivo, as crianças íicai ;un relativa, masinconlundivclmcnte, scm abeto,scm humor
c apáticas

Numerosos invcstigadort s rt:lat lr lnl observaçõc:ssimil;ires. Sob o efeito da


Ritalina, as ctiaiiças exibiam "lim aunlcnto acentuado díts brincadeiras solitárias,
rclacionitdo coill o nledicainento, c umzl i'ecluçãocoi'rt'spondc:ntedit iniciativa
(it intenlções sociais", atlttnciott Russell Bitrkley, um psicólogoda Faculdade dc
Nlcdicina dc Wisconsin, cm 197H.iSEsse remédio, observou a psicóloga Nancy
Fit'dler, cla Univt'rsidadt' Estadual dt' Bowling Grt'cn, i't:duzia a "curiosidade:
[da criança] sol)rc o anlbieiltc".'Õ As vezes il criança medicado "pt'rdc o bri]ho",
escreveu o dr. Ti]] Dita- um pcc]iatnt caiiac]ciise, t:n] ]989.t7 As crianças tratadas
coiii cstimlllalltes, concluiu uma equipe dc psicólogoscla Uiiivcrsiditdc da
Calif'órnia cm Los Angeles (UCLA) em 1993, não Lira sc tornam "passivas,
submissas"c "socialmente'rctr;tidas".'oSob o efeito do iiledicaiiiento, algttilias
pare(cm ztinlbis", assinalouo psicólogoJamcsSwanson,dirctor dc um centro dc
TDAH na Uiliveisidaclc cla Cítlifóriiia ciii Irvine.'0 Os estimulantes, explicam'am os
cd\lotes do O)!faráTextbook
oÚCliitical PsDchophalniacotogy
atldDrug ThelapD:" cc cciawa
:l hipenttividade "reduzindo o número dt: i'cspostas cuiilportamcntais".a"
ll l
;Nlailtial (lc psicofaima(elogia c geral)ia mc(licaillciltosa (lcT Oxford' (N.T)
231
ANA rONIIA 1)1;UMA EPII)EXIIA

Todos essesrelatórios contavam a mesma história. Com a Ritalina, o(a)


aluno(a) que antes tinha sido um incâmoclona sala de aulas, remexcndo-sc
demais na carteira ou falando com colegaspróximos cncluanto o professor cscrcvia
no quadro-negro, aquietavíl-se.Não se movimentava tanto e não buscavatanto
o contato social com seus pares. Quando recebia uma tarefa como respondcr a
problemas aritméticos, sabia concentram-scintensamente nela. Charles Bradley
tinha achado quc essamudança de comportamento era "uma melhora do ponto dc
vista social". E é essaa perspcctiva quc aparece nos testes de ehcácia da Ritalina
c outros remédios pai'a o TDAl:l. Os professorcs e outros observadores preenchem
instrumentos de avaliação (luc voem como positiva a redução da movimentação
da criança c dc seu contato com os outros, e, quttndo os resultados são tabelados,
considera-se que dc 70% a 90% das crianças "respondem bcm" à medicação l)ara o
TDAH. Essesfármacos, como escreveram investigadores do Instituto Nacional de
SaúdcMental (NIMH) em 1995,sãoaltamcnte eficazespara "reduzir dc maticira
drástica uma gama cle sintomas itucleares do TDAH, tais como as atividztcles
irrelevantes pala a tarefa (por exemplo, tamborilar dos dedos, irrcqliietação,
movimentos motores finos, [comportamento] dcsviliculado da tarefa dur2tnte a
obscrvação dircta) e a perturbação da sala dc aulas".21Espccialist:\s em TDAl-i do
Hospital Geral de Massachusetts rcsumirítm dc nlztneira semelhante a litcraturíl
cicntífica: 'EAliteratura existente documentact)m clarezaquc os estimulantcs
diminuem os comportamentos prototípicos do TDAH, inclusivc a hipcratividadc
motora, a impulsividadc c a falta dc atenção"."
Entretanto, nada disso fala cle um tratamento medicamentoso qtic bcncRicie
os jovens. Os estimlilantcs funcionam bem para os pi'ofessoi'cs,mas será que
4uclam íts crianças? Nesse ponto, dcsde o comcço ns pesquisadores esbarrantm
numa muralha. "Acima de qualquer outra coisa", escreveu Esther Sleator, médica
da Univcrsicladc
de lllinois quc pcigLmtou
a 52 criançaso que achavíun
dêt
Ritalina, "deparamoscom uma antipatia gcneralizadapor tomar estimulantes
entre as crianças hipcrativas".as As crianças mcdicadas com Ritalina, rclatou em
1990 a psicólogaDcboiah Jacobvitz, da Universidade do Tecas, consideravam-se
mcnos felizes e [menos] satisfeitas com elas mesmas,além dc mais disfóricas
Em matéria de mudar as crianças a fazer e preservar amizades,os estimulantes
produziam "poucos efeitos positivos significativos c uma í\lta incidência de efeitos
negativos", disseJacobvitz." Outros pesquisadoresdetalhaiam como a Ritalina
fei'ia z\ autoestima das crianças, pois estas achava\mcine dcviaill scr "más" ou
"burras", sc tinham quc tomar esseremédio. "A criança passa ll acrcdittu não na
íirmcza dc scu cérebro e scu corpo) não cm alia própria cal)acidadecrescente de

232
A Epidemia Disseminada entre as Crianças

aprender c dc controlar scu conlportailiento, mas nas 'minhas pílulas mágicas, quc
fazem dc mim um bom nlcitino'", disse o psicólogo Alaii Sroufe, da Universidade
dc Mimlcsota.2

Tudo isso falava dos males causados,dc uma medicaçãoquc deixava a


criançít dt:premida, solitária e cttrrcgada de uin scntinlento de inadequação,e,
quandoos pesquisadores fonte examinarsc ao maios a Ritalina ajudavaas
criançztshiperativas a sc SHÍFtm bt'iii no plano acadêmico,a tirarem boas notas
e tercm succssocomo estudailtcs, constataram quc não cra esseu c;lso. Poder se
conccntnti intensamente mima prov;\ dc matemática, como sc revelou, não s(
Lr:iduzia cn) realizações acadêmicas a longo prazo. Essefárillaco, cxplicott Sroufe
cm 1973,melhora o desempenhocm "tarefas i'otiileiras repetitivas, qttc cxigcm
atençãocontínua", Dias"o r;tciocínio, a resoluçãodc problemas e a aprcndizagcin
não parccell) scr [positivaniente] a]'atados".2õCinco anos depois, Hcrbcrt Ric foi
mllito mais negativo. Infoi'illou que il Ritaliila não produzia benefício algtinl ilo
"vocabulário, nil leitura, na ortognlíia ou na matemática" dos cstuclantcs, além
dc prejlidicai' sua capacidadedc rcsolvcr probleillas. 'IAs reaçõesdas crianças
sugcrcin fortcn ente limo reduçãodo tipo dc cngalamcnto quc pareceria crucial
p;tra íl apl'elidizagcm."27Naqucle mesmo luto, Russcll Bztrkley,da Factildadc de
Medicina de Wisconsin,I'ezum levantamentoda literatura científica pcrtiileiite
c coitcluiu: "o efeito 1)rincipal dos cstiinulailtes pare(c scr a melhora iio ilianejo
das crianças nn sala d( ittilas, ( não no dl sempenho ac;ldêmico".20Em st gtiida, foi
:l vcz clcJamcs Swanson fazei' suíl avaliítção. O fato dc as drogas fre(lllciiteinente
deixarem as criam)çits"isola(las, rctrílíclas e t xccssivaillcnte concc'ntradas"podia
:prqudicar mais a aprendizas('m do cine apriniorá-la", disse cle.20Cartel Whalen,
psicólogada Univc'tsidadcdit Califórnia cm Irvine, assinaloucm 1997qtic "tem
sido espccialmenteprcocul)ante a sligcstão dc que os efeitos insttlubrcs [da
Rítalina] ocori'cm nn âmbito de fuilçõcs cognitivas complexas, de ordem supci'ior,
cí)il)o a resolução flexível de problemas ou o pensamento divergente".30Por último,
cnl 2002, investigadores cíuladcnscs conduzir;uil olha mcta-análise da literatura,
revendo 14 estlidos cltic tinham envolvido 1.379crianças e adolescentes c dui'ado
pelo menos três nichos, e dctern]inan]n] qut' houve "poucos indícios dc mt Ihont no
desempenho académico".3t

Houve mais linl clcsapontamcntocom a Ritztlilla. Ç2uandoos pcsquis;tdorcs


avciigtiarana sc os t:stimulantcs melhoravam o comportamento da criança a longo
prazo, não conseguiram cncontrztr nenhum benclício. Ç2liandoa criança paravíl
dc tomítr a Ritali[ta, cra coniun] cclodirt m os con]port]imentos ligados ao TI)AH,

233
ANAroiçliA i)l; UNIAEdil)l;xíí/\

focando"a excitabilidade, a impulsividacleou a tagarelice" piores do qtic nunca.


Muitas vezes, é desanimadorobservara rítpidcz cota que o comportamento
se deteriora quantia a medicação é suspensa", confessou Whalen.32 E também
não houve provasdc quc manter o uso do estimlilante levassea uma melhora
permanente da conduta. "Os professorese os pais não dcvcm esperar melhor'as
a longo prazo no desempenho acadêmico nem redução do comportamciito
lntissocial", escreveu Swanson em 1993.SS
A edição dc 1994 do À4a/zz/aJ
dePKíglliafHa
da Sociedade Norte-Americana de Psiquiatria (APA) admitiu a mesm:t conclusão
essencial: "Os estimulantes não pioduzcm melhoras duradouras na agressividade,
nos distúrbios dtt conduta, na criminalidade, nas conquistas educacionais, no
funcionaincnto no emprcgu, nas relações conJ ugais ou na adaptação a longo pntzo".34
Trinta anos dc pcs(luisas não conscguirtun fornecer ncnhunta boa comprovltção dc
que os cstimulalltes ajudassemas crianças "hipcrativas" il sc desenvolver,e, no
começo da década dc 1990, uma equipe dc eminentes especialistas em TDAH,
escolhidit para chcfiítr uin estudo dc longo prazo do NIMH, conhecido como Estudo
Plurilocalizado c Multimodal do Tnltamento dc Clriimças com TDAl:l, reconhcceu
quc cia essaa situação. "A cRicáciaa longo prazo cla nlcdicação cstimulaiite não foi
cl(-monstrlld l cm nr'/?iQrr///
canil)o dn funcionamento infantil", (:scrcvcu.l:'

Os Estimulantes São Reprovados


O NIMl-l alardeou seu estudo sobre o TDAHI como "o prin)oiro gi'aildc cnsaio
clhlico" já conduzidopelo instituto sobre "llm tritnstorno mental infantil"
Todavia,tnttou-sc dc un] exercício intelectual bastante falho,já dcsdc o comcço
Embora os investigadores,chefiadospor Petcr Jcnscn, dirctor adjunto dc
pesquisas sobre infância e adolescência no NIMH, i'econhcccsscm, dlirante as
fases dc planelamen.to, quc não havia na literíltuia científica provas dc quc os
estimlllantes inclhdnlsscm os resultados a longo prazo, eles nãn incluíraill no
t=stucloum grupo 4e controle (lue recebesse u m placcbo, sob a alegação dc quc seria
itntiético" suspdndcr uin "tr:\lamento de eficáciacoiihccida" durante uni longo
período. Basicamente, o estudo comparou o tratamento mcdicamcntoso com a
ter;tpia comportilincntal, mas, iicste último grttpq 20% dos sujeitos tomavam lim
estimulante [[o início do estudo, c n]mca houve un] período, durt]ntc os 14 mcscs,
em que todas as ci'ianças desse grupo ficassem seno }l mcdicttção.3'i

Apesar dcssafalha óbviiula concepçãodo estudo , os investigaclorcs íinallciados


pelo NIN'IH clcclarai'am il vitória dos cstinlulantcs, ilo téi'felino dos 14 meses.
O "manejo cuidadosamente tr;tbttlhtLdo dít nlcdicação" tiitha sc provado "superior"

234
A Epidemia Disscininada entre as Crianças

ito tratamento comportamental, em termos de redução dos sintomas nucleares do


TDAH. Houve também uma sugestão de que as crianças mcdicadas tinhan] se
saído melhor nos testes de leitura(mias não en] qualquer outro assunto acadêmico)
e, como iesultaclo, a psiquiatria passou a dispor de uni estudo de longo prazo que
documcntava os benefícios contínuos dos estimlilantes. "Dado que o TDA.H é
hoje visto pela maioria dos especialistascomo um distúrbio crónico, o tratamciito
contínuo coillumcntc parccc ncccssário", concluíram os pcsquisadoi'cs.37

l)cpois desse período inicial de tratamciito por 14 meses, os investig2Ldorcs


hzeraíil acomp2mhameiltos periódicos com os estudantes, avaliando como eles iam
c se estavamtomando algum medicamento ))ara o TDAH. A pescluisatornou-se
un] estudo natui2tlista, mllito scmelhaiite ao conduzido por Nlartin Ht\riow sobre
ns icsu]tados da csquizofrcnia, e os leitores deste livro, já familiar'izados com a
literatura científica, podem facilnlcnte adivinhar o quc veio depois. Ao cabo de
três anos,Jei)sen c os outros descobriram que
a medicação cra um maicaclor signiíicati\o não dc um resultado benéfico, mas dc
(lcterionição. Em otiLnts palavras, os participantes club usariama ítlcdicação iio
pt'tíoclo cle 24 a 36 mcst:s mosLntram, nli vt:r(jade, um aumento da sintomatologia
({ui-ante esseperíodo, comparados aos cine não estavam tomando medicamentos.S"

Dito dc outra mztncira, as crianças e adolesccntcs medicados viram selas


sintonias ntlclearcs dc TDAH -- inlpulsividade, dcsatc'nção, hiperatividadc
P orais'/?zp
pc'lo na(,nos('na coinparnção com os dos jov( ns não medica(los.Aléns
disso, os que tomavam remédios apresentavam "índices de deliil(ltiêiicia" m:tis
altosao fim dostrês anos,o quc significavztqttc eram mais propensos}l sc meter
cm encrencas na escola c com }\ polícia.sOTambém já cnlm mais baixos e mais
levesdo quc seuspares não medicados,illliila prova dc quc os fármacos inibiam
o crescimento. Essesrt:sultaclos dcr;tm conta dc uma tenlpia medicaillentosa quc
causavíl danes il longo prazo, e quando us invc'stiglLdorcs hnailciados pelo Nll\'IH
apresentaram seus resultados, Upasseis anos, os dados sc nlantiveranl os nlcsnlos.
O usoda medicaçãoestava"2tssociadoa unia hipt:ratividadc/iiilpulsiviclade pior c a
sintonias dc trailstoriio desaliador opositivo", l)edilcolho a lim "prquízo fuilcioilal
global maior".'"

Existc há muito uma controvérsiaacirrada a respeitode o TDAll scr ou


não uma doctlça "rcttl", mas esse cstlido mostrou que, em matérizl do uso dc
estinlulantcs para trata-la, a controvérsia é irrclevttnte. Mesmo (lttc o TDAH seja
leal, os estimulantes não fotilccerão ncnhtima ajuda a longo prazo. "Pensávamos
quc as crianças mcdicadaspor mais tempo terian] rcsliltados melhores.Não foi o

235
ANA rObíl/l l)E UNIAEi,il)i:xíí/t

quc aconteceu", disse William Pilham, da Universidade Estadual de Nova York,


em Btiffalo, que foi um dos principais investigadores. "Não houve efeitos benéficos,
nenhum. A curto prazo, [a medicação] ajuda a criança a sc comportar melhor mas
não it longo prazo. E essainformação deve ser deixada muito clamapara os pais."''

Calculando o Prejuízo
Em relação a qualquer mcdicamento, há que se fazer umtl avttliaçãu (los riscos
e bcncfícios, e a expectativa é de que os benefícios compensamos riscos.Nesse
caso, porém, o NIMH constatou que, no longo prazo, não havia /zízdaa rcgistrar na
coluna dc bcncfícios do balanço. Isso deixava apenas o cálculo dos riscos a ser feito,
razão por que, neste ponto devemosexaminamtodas z\smaneiras pelas quais os
estimulantes podem prejudicar as crianças.

A Ritalina c outros medicamentos pai'a o TDAH causam uma longtt lista de


efeitos adversos físicos, elllocionais e psiquiátricos. Os problemas físicos incluem
tonteira, perda do apetite, letargia, insónia,dores de cabeça,dor abdominal,
anormalidades motoras, tiques faciais e vocais, briqttisnlo [rangcr dc (lentes],
problemas cutâneos, doenças hepáticas, perda dc peso, inibição do crescimento,
hipertensão e morte cardíaca súbita. As clificuldadcsafetivas incluem depressão,
apatia, cmbotamento gcrttl, oscilaçõesde humor acessosdc choro, irritabilidadc,
ansiedade c scntimciito dc hostilidade cm relação ao mundo. Os problemas
psiquiátricos incluem sintomas obsessivo-compulsivos,
mania, parailoia, surtos
psicóticase alucinaçõcs.O mctilfellidato tambémreduz o fluxo sanguíncoe o
lllctabnlisnlo da glicose nu cérebro, mudítnças estas quc costumam }tssociar-sc a
"citados ilcuropatológicos".42
Os cstudossobre estimulantesconduzidoscom animais também são
motivo de ítlarn[e. A exposiçãorcpcticlt] às anfetaminas, rclatai'ani cn] 1999
cientistas da Factildadc dc Mcclicitizt cla Universidade Yale, faziam os macílcos
exibirem "coinportamcntosaberrantes",que pcrsisti;lin muito depoisdc cessar
l exposição à droga.4SVários estudos com ratos sugcnraitl quc a exposição
proloiigztda ao nlctilfenidato podia levou'à dcsscnsibilização permanente das vias
dopaminérgicas e, como a dopaltlinít é o "sistemít dc rccompclisa" do cérebro,
mcdicar a criança poda'ia pi'ocluziradultos com uma "citpacidadcrcduzidít cle
sentir pi'azar".4+Cientistas do Centro Médicodo SudoestecloTelas, en] l)alllts,
constattuam quc latos "pié-aclolcscentcs", expostos ílo mctilfenidíLto por 15
dias, transformaram-se cln ratos "adultos" ansiososc clcprimidos. Os ratos

23(j
A Epidemia Disseminada entre as Cri:onças

adultos inovimciitavam-se menos, eram menos receptivos a novos ambientes


c exibiam uni "dé6lcit no comportamentosexual". Os cientistasconcluíram
que "a administraçãode metilfenidt\to", cnquantoo cérebro ainda está cm
dt'senvolvimento, "resulta cm adaptaçõcscomportamentais al)errantes clunliite
a idade adulta".41

E essaa ]iteratuizl a respeitodc resti]ttLdos


i'cfercntc à ]iitalina c a outros
medicamentos para o T])AH. Os fármacos tlltclanl o comportamento da criança
hipeiativa, a curto prazo, dc um modo (lue os professores c alguns pais coilsideiam
útil, mas, afora isso, os nicdicamentos apecluenamdc muitas maneiras a vid2L
da criança, e podem transforitlá-la nllm adlilto com limo capacidade fisiológic?t
reduzida dc sentir pntzcr. E, como veremos mais adiante neste capítulo, há outi'o
l isco dcsolaclor elosc'stiniulantcs que ainda está por ser explorado.

Resultados Deprimentes
Aindztcm 1988,alia eni quc o Prozacchegouao mercado,apciias umtl ein cada
250 criançlts e adolescentesab2üxodc 19 anos, nos Estados Uttidos, toldava algum
antidepressivo.46
Isso se devia, em parte, à ct)llvicçãocultui'al de que osjovciis
cnlm ntLturalmcntc temperaillentais e se recuperavam depicssa dos t'pisódios
depressivos, c cm parte, ao fato de ]in] cstlido após outro haver demo)ilstntdo que
os triciclicos não í\lncionavana melhor do quc un] placcbo nessc grupo etário.
"Nãt) há como escitpar }io fato de qtit' os (-studos de pcsquisít cc'rtaii t:ntt' nã(i

corroborttrain a eficáciadosanticlcprcssi\os tricíclicos cni adolescentesdcpriilliclos


medicados", reconhcct'u cn] 1992 un] editorial dotar/lna/ of C/li/d a//d Áda/gire/i/
Pslch oPhnllttacology 4'

Todavia,quando o Prozac e outros inibidores scletivos dc rccaptaçã(]da


sciotollina (ISRS) foi';tm introduzidos no IHtrcado c alarde'idos como drogas
milagrosas, :l prescrição dr :ttlticlt'pr('ssiv{)s pan\ crianças c adolescentes t ntrou
em }llta. A pcrcciltagcm dejovrns assim medicados triplicoll entro 19HHt' 19ç)4e,
t'ni 20(i2, unia t'in citda qliarcnta ci'ianças ejovt:ns abi\ixo dc 19 í\nns tomava\ algum
nltidepr('ssivt) nos Estados Unidos.4aSeria de se pi'csumir qut: {'sscs fãi'nlacos
proporciatlassentàs crianças t' aclolesctates llm l)t'ilt'vício a cui'to pr;tzo quc os
ti'icíclicos irão foriit'c('m, mas, infclizmcnte, não há possibiliclitcl{ clt cx;tminarlllos
:i literatur;t científica paul averigttai sc' isso ú vt'rdacle, porque) cí)mo hoje' sc
rt'coiihecc l m lalgit t'scitla, a fitei'atura está irrciilediavt'lmt nte corrompida.
Os t nsaios foraill dclibcraclalnente telidc'ociosos;os rr'sulcadosdivulgados nas

2:37
AN,VI'ONIIA DE UNIA EPIDI.;NII.\

publicaçõescientíficas não corresponderam aos dadosreais; os eventosadversos


foram minimizados ou omitidos; c os estudos negativos focaram inéditos, ou foram
distorcidos em estudos positivos. ':A história da pesquisa clo uso de inibidores
seletivos de reabsorção dc serotonina na depressão infantil é unia história dc
confusão, manipulação c fracasso institucional", a rcvista-Líz/zcefcscrcveu em 2004
en] um editorial. O fato de psiquiatrasdas principaisfaculdadesde medicina
haverem participado dessa fraude científica constituiu um "abuso da confiança
que os pacientes depositam em seus médicos".+!'

Entretanto, um retrato mais ou Hienas preciso dos méritos cla eficácia dessas
drogas nas ci'ianças emergiu por um pi'occssoindireto. No curso de açõesjudiciais
i'elacionadas com os ISRS, especialistas quc depuseram como peritos em favor'
dos queixosos-- em cspccia] Davic] Hea]y, na ]nglaterra, e Peter Breggin, nos
EstadosUnidos -- deram uma olhada em alguns dados de testes e observaram
que os medicamentosaumentavamo risco de suicídio. Eles falaram do que
haviam constatado e, com o número crescente cle pais angustiados contando
quc seusfilhas tinham se matado depois do começam'a tomai' um ISRS, a FDA foi
obrigada a conduzir un] inquérito sobre essei'isco em 2004. Por su:\ vez, isso levou
:l uma espantosaconhssãode ThomasLaughren, da FDA, sobre a eficáciados
medicamentos nas crianças. Doze dos 15 ensaios conduzidos com antidepressivos
pccliátricos haviam falhado. A FDA, de fato, havia rejeitado as solicitações de seis
fabricantes que buscavam aprovação pala vendcr seus antidepressivos a crianças
e adolescentes. "São resultados que dão muito quc pcnsal'", coiifessoti Laughicn.S"

A FDA aprovou o PI'ozac para uso infanta-juvenil, visto quc dois dos três estudos
positivos resenhados por Laughren tinhan] vindo de etlsttios desse medicamento.
Entretanto, como assinalaram muitos críticos, do ponto dc vista científico não há
razão pzua ci'er quc o Prozac sqa melhor do que os outros ISRS. A percentagem de
crianças quc rcspoitdeu bcm a essefármaco nos dois ensaios positivos asscmclhou-
sc ao índice de icsposta às droga\stios 12 ensaiosque falharam; a farmacêuticíl
Eli Lilly simplesmente foi mais hábil no uso de nlodclos tendenciosos de ensaios,
feitos para dar a íznPlriiãadc quc seu remédio funcionava. Por exemplo, num dos
dois ensaios do Prozac, todas as crianças receberam inicialmente lim placebo,
durante unia semana,c as quc illelhoraram durante esseperíodo foram excluídas
cloestudo.Isso ajudou a derrubar o índice dc respostaao placebo.Em seguida,as
crianças aleatoriamente escolhidaspara usar o Prozac foram avaliad&tsdurante
uma semana, c só as "que sc adaptaram bem" ao medicamento foram inscritas
no estudo. Isso ajudou a elevar o índice de resposta ao fánnaco. ':Antes mcsmo de

238
A Epidt?mia Disseminada entre as Crianças

st iniciar o cstlldo", cxl)liceuJonathan Leo, cdit{)r-chefeda revista .Ef&íca/


.ll/u//ir//l
/)WcAo/og), /7/rd /)Wcó afp, "instaliroll-se llm mecanismo par;t maximizar qualquer
diferença ( ntrt' os grupos com o mt'dicamt'nto c com o placcbo - o grupo do
placcbo foi pré-sclecionado pari tei sujeitos /zdoreceP/it-oi,ilo passo quc o grupo
iiit dicado f'oi pré-selecionadoparir ter sujeitos receP/íz.-íi.r".sl
No cilLailto, nlc:sino
com esse nlndelo t'xtFcmHEucntc tendencioso clc ensaio, as crianças tratadíLS com
Praz:tc continuaram a não sc sair melhor, nas escalas dc alltoavaliação oil nas
avaliaçõt'sdos pais, qut' as do grupo qttr' rocei)cit o placebo.Além disso,o ciisaio
nãn collscgtiiu mostrar a (:acáciada lluoxt tília cm st u "objc:tive filial", cle itlodo
que a eficáciaproveiointeiramente de unia escztlasecundáriade "int'lhoia",
prrcnchid;t pêlos psiquiatras pagos pela farmacêutic;\ Eli Lilly parzt conduzir o
tcst(

Foi esse o histórico da eficácia produzida pelos ISliS cm ensaios pediátricos


rt'fere'ires à depressão.A maioria elosr'nsaios não mostruti bt'ncfício algum, c ;t
Eli Lilly teve'dc' usar lim prometodc teste grossa'irajllentt' teilclcnciosopítrztfazer
[) Prozac p;trcccr chcaz. Em 2003, a Agência Reguladora dc Mcdic:ti)tentos c
Serviços de Saúde (MERA),lv no ]tcino Unido, essencialmente proibiu o uso dos
ISRS, t xcctuadzl a llttoxetina, cln pacientes l\baixo dc 18 anos. Posteriorln(-ntc,
cientistas ingleses iet'xaitlinaram toda)sos dados relevante'sc comutiicarttin,
iia revista l,rz/i(í'/, quc rrspaldavam "as coitclusões t'xtraídiis pt'la N4HRA"."
A verdade, explicaram os editor'cs dít .Líz//ce/num t:ditorial club acompanhou esse
tonto, cra que tais mcdicamcntos "ei'an] inchcazcs r nocivos em crianç:ts".SJ
Cientistas australianos contribuíntn] com uma rcst:nhít sinlilai' no .BH/ii/l .A/edíra/

/al/r/za/, e seu ai'Ligo foi avivado poi' desci'ições elas falc:ttruas praticiLdas polos
psiquiatras ]ioi'te-amcricailos p;tr:t fazer com quc os ISRS pari'cc'ssciil bcnéhcos,
para coillr'ço clc' conversa. Os autores dos estudos positivos, clissctam c'lcs,
haviam "cxitgcntdo os br'ncfícios, minimizado os prejuízos, Oli as duas coisas". Os
:uistralianos também rt:visaram os t:nsttios da farnlacêuticz\ Lilly com a fluoxctin:t
em criailçztsc'dt terminaram qttt' ";l comprovitçãoda eficácia leãoé conviilccntc
Assim st:ndo, coitc]uír;tm qut' "rt'comcildar [qualquc'r antidcprcssivo] comi)
opção)
de tnttamento, muito illt:nos COHlo primrir;t opçãodc tratanlcilto, seria
inadt'qtiado".s'

Na falta de quitlqut:r bens'vício c'm ehcácia, i'esta-nos ítgora a ingi'ata tarefa


clc calcular os l)rquízos catisttdos pela prt'scrição clt' aiitidt'prc'ssivos piora crianças
c' adoles(entes. Podciiios coinc'çlir pt:los prol)lemas físicos. Os ISRS podem
l\'
Sigla da dt'noininação original, Nlt'clicincs and l Ittalthcai'c Regulatory Agt'ncy.(N.T)

2:39
ANATOlçíb\ l)E UNIA EpiDI.iXiIA

causar insónia, disfunção sexual, cefaleias, problemas gastrintestinais, tonteira,


trcmorcs, nervosismo, cãibias musculares, fraqueza muscular, convulsões e
uma aguda agitação interna conhecida colmo acatisia, que está associada ao
aumento do risco dc violência c suicídio. Os pi'ol)lemas psiquiátricos que esses
llaedicamciitos podem desencadear são ainda mais complicados. Timothy Wilens
e Joseph Biedcrman, do Hospital Geral de Massachusetts,conduziram uma
icvisão de prontuários dc 82 crianças tratadas com ISRS c dcterminai'am que
22%delas tinham sofrido um evento psiquiáti'ico adverso; 10%haviam sc tornado
psicóticas e 6%, maníacas. "Unl dos resultados nocivos mais !)erturbadores é o
:agravamentodc sintomas afetivos, cognitivos e comportamentais", cscieveram.
"Esseseventos psiquiátricos advcisos cla medicação podem scr significativamente
incapacitantes."s'O psiquiatra Thomas Gualtieri, da Carolina do Norte,
determinou quc 28% das 128 criançasc a(lolesccntcsquc cle tratou com ISRS
desenvolvcram algum tipo dc "toxicidade comi)orçamental".SÕ Outros médicos
rc[ataram quc seuspacientes maisjovcns, tratados com ]SRS,sofreram ataques
de pânico, allsied;tde, nervosismo c alucinações.

Essesresultados dão conta cle crianças c adolescentesquc foram levados


l adoecer pelos ISRS, e isto, falando nn curto pt'azo.Pai'a aquilatar os riscos a
longo prazo, podemosexaminar os problem;ts surgidosem adultos e en] estudos
com animais. Quando as crianças e jovens suspendem a medicação, podem
esperar sofrer cum sinttlnlas de abstinência, tanto físicos quando psíquicos.
Caso mantenham o uso dos fái'macos (durante anos, correm um alto i'isco dc
ficarem cronicamente deprimidos. Também podem desenvolver -- como adverte a
Sociedade Norte-Americanít de Psiquiatria num dc selimmanuais uma "síndrome
clc apatia" qtic "se caracteriza por perda da motivação, aumento da passividade e,
não raro, sentimentos dc letargia e 'insipidez'".S7 Temos também de nos prcocupar
com a perda da memória c o declínio cognitivo e, como vimos antes, os estudos com
nlimais sugerem que os mcdicamelitos podem fazer os neurâiiios serotoninéi'gicos
ficarem inchados e deformados.

Surge Mais Uma Doença


Primeiro houve o aumcnto cxplosivo do TDAll, em scguida veio a notícia dc
quc a dcpicssão infantil corria solta e, irão muito depois, no hm da décadtt
de 1990,o transtorno bipolarjuvenil irrompeu na cenapública.Jonlais e revistas
publicam'ammatérias sobre cssc fenâlneno e, mais uma vcz, a psiquiatria explicou
seu aparecimentocom uma história dc dcscobcrtacientífica. "Na cotnunidadc

240
A Epidc:mia Disseminada entre as Crianças

psiquiátrica,pensou-scdurante muito telitpo quc não cra possívelfazer um


diagnóstico dc transtorno bipolar cm crianças oujovcns antes dc meadosou anal
da itdolescência,e que a mania nas crianças era cxtrcinanicllte i'ara", cscrcvell o
psiquiatra Dcmitri Papo]osem scll ]ivro T»c'.aipo/arC/!í/d[A criançtt bipular], quc
sc tornou um c;tmpt:ão cle vctldits. "Mas cientistas ntt vanguarda tias pesquisas
conlcçanl l provítr (luc essetrallsLorno pode começar nuill;l fase muito precoce
da vid;t c é muito mtüs comlllll do que se supunha tulterioriiieiite."s" No entanto,
tão assombrosofoi u auill :nto do núnlcro de criançasc adolescentescom esse
cliagilóstico -- uill aumcilto dt: quarenta vezes, dt' 1995 ít 2003 - quc a revista
7'i//re,num artigo intitulado ':Jovetll e bipolar", indagou se haveria alguma outra
coisa acontece'ndo.s9 ':A ilov;i conscieiicia do trltilstottlo talv( z ilao sqlt sliGlciente
pal'a explicar a explosãodos casosjuvciiis dc bipolaridade", explicou a matéria.
'Alguns cientistas tenaz'iit qut' pulsa haver ilo meio ainbiellte Oll nos estilos dc
vida modcinos algo que csteJll cinpurraildo para a doença bipolar criançasc
:ldolesccntesque, de outro tltodo, cscaparianl dela."ó"

Essacspt'culação fazia todo sentido. Coiiio crt] possívelquc uma doci]ça n] :vital
grave houve'sscpassadodespercebida por tanto tempo, só agora vinda os ittédicos
a notar quc milhares dc criaitças estavam ficando dcscnfrt'ad ullc:ntc maníacos?
Mas,sc houvessealgo novo/lo /?Iriaí7//zóie///e
quc incitasscit essecomportatllento,
como suga'riu í 71//zea seus leitores, havt'ria uma explicação lógiczt paul a
e})idt mia. Os ítgt ntcs infecciosos provocam epidemias, c poiLanto, ao traçaritlos
l ascciisãodo transtonio bipolarjuvt'nil, isto é o qtic nosconvirádcscol)rir:é
possível idcjitificarmos "agentes externos" quc cstejiun cattsaitdo essa praga da
cra moda na?

Como apreiidcmos antes, a psicose maníaco-depressivacnl uma doeiiçí\


rara lentes da cra da psicofarm;ecologia, ztfetando talvc:z umtl cnl cada dez mil
pcssoíts. Eiltboia it instauração inicial às vezes ocorresse cm jovens de 15 :t 19
anos cm geral cla só aparecia quando as pessoasse }tchavamna casados 2o lIDos.
Mttis importailtc, l)orém,cla pratic2Lmcnte
nl//lcaapareciacln criançasabítixo
de 13 altos, c tanto os pediatras quanto os pcsquisttdorcsmédicos t'nfatiza\aill
sistcmatictunentc esseponto.
Em 1945,Chat'lesBradley disse quc a inaiiia pcdiátrica cnl tão rara qtic "é
tnclhor evitar o diagnósticodc psicosemaníaco-dcprcssiva cm crianças"61Um
médicodc:Ohio, Louis Lttrie, rcvisotia literatura en] 195(1 e constatouquc "os
obscrv2tdores concluirttiii qut: a lnailia nao ocorre cm crianças".ó2Dois anos
depois,Bartoll Hall reviu as ailamnesr'sde 2.2onpíLcientes psiquiátricosdc 5 a

241
An,vioNti/v 1)1;UNIAEpii)i,iÀíí/\

16 zlnos e cncuntrou apenas dois casos dc psicose maníaco-depressiva. Em ambos,


os pacientes tinham mais de 13 anos. "Esses fatos cnclossaln ít convicção geral
dc que os estados maníaco-depressivos sãu doenças da pcrsonalidadc madura,
ou em processodc amadlirecimento", disse Hall.Ó3Em 1960,JamesAnthoily, um
psiquiatnt da Univeisidadc Washington, vasculhou a literatui'a médica em busca
dc relatos dc casosde psicosemaníaco-dcprcssivtt
cn] crianças,c só conseguiu
encontrar três. 'IA ocorrência dít depressão maníaca nos primeiros anos da infância
ro//rale/zór/feno
c/ízziroainda estápor scr demonstrítda", escreveu.n

Rias ciitão, aos puticos, poi'ém dc forma segura, esses relatos clc caso
comcçaiam a aparecer. No fim dos anos 1960 c início elos 1970, os psiquiatnls
comcçai'amtt lcceitar Ritalin]t pzti'acrianças hipci'ativas e, dc i'cpciite, ej]] 1976,
Warrcn Weinbcrg, um neurologista pediátrico d;t Univcisidadc Washington,
escreveuno Á»?eHfíznla//}/za/
ag.Díierz.çes
a#C/zí/r//rr)od
quejá eia hniii dc a psiqliiatria
se aperceber dc quc as crianças podiam ficar maníactls: "A aceitação da ideia
de quc a mania ocorre em crianças é importante para qtic as crianças afetadíls
l)ossamscr identificadas, pari quc a história natural sqa dehnidit c l)ara club uin
ti'atanlciito apropriado sqa estabelecido c oferecido a clãs".õ'

Foi nessemomento da liter:ttunl médicaque o tnutstorno bipolar pediátrico foi


essencialmente "descoberto". Em seu artigo, Weinberg rcexaminou os históricos
clínicos de cinco crianças quc sofriam dessa doença antes não reconhecida,
massc apressoucil] passarao largo do fato dc (lue pelo maios três das cinco
crianças haviam sido tratadas com um tricíclico ou com Ritalina íz/?/eíde se
tornarem illaníacas. Decorridos dois ítnos, :alguns médicos do Hlospital Geral dc
Nfassachusetts }tnuiiciaiam haver idciitificado nove crianças com psicosemíulíacod-
eprcssiva, c taillbém eles passaram por cima do fato de quc sete clãs nove tinham
sido previamente tratadtls cona anfetaminas, mctilfenid;tto nu "outras mcdicaçõcs
quc afetam o comportanlcilto".õõMais adiante, em 1982, Michael Strobcr c
Gabrielle Carlson, do Instituto dc Ncuropsiquiatria da UCLA, dcratla uma nova
guinada na história do transtorno bipolarjuvenil. Doze dos sessentaiLdolesccntes
quc eles havi;tmtratado com aiitidcprcssivostinhan] se toldado "bipolares" no
intervalo dc três an{)s,o que, seria de se supor sugeria qttc os f'árillitcos haviatn
causadoa mania. Em vcz disso, Strober c Carlson l)onderaritm que scu cstudo
havia mostrado qttc os antidcpicssivos podiam scr usitdoscomo um instrumento
dc díag/zóífíco. Não cra quc os antidepressivos estivessem fazendo algumas crianças
se tornarem niaiiíacas, mtls sim qttc as drogas citavam des//zrr.çc;íz?rz/ldo
o tntnstorno
bipolar, já qtic soincnte as crianças portadoras cla ductlça sofreriam essareação a

242
A Epiclcmia Disscnlinada cntrc as Crianças

um antidepressivo. "Nossosdadosdão a entender que as diferenças biológicas entre


subtipos depressivos latentesjá estão presentes e são detectáveis na fase inicial da
adolescência, e que o desato farmacológico pode servir de tLdUuvanteconílável na
delimitação de síndroilles afetivas específicasnosjovens", disseram eles.õ'

O "dcsnlascanlmcnto" do tralistonio bipolar' cm crianças não tardou a


acelerar. A prescrição dc Ritalina c anta(lepressivos decolou no fim dos anos 1980 e
início dos 1990,e, à nleclida quc isso ocorreu, eclodiu a epidemia da bipolaridttde.
O número de crianças hostis, agressivase descontroladasadmitidas em
enfermarias psiquiátricas dcu um salto, e em 1995Peter Lewinsohn, do Instituto
de Pesquisasdo Oregon, coiic]uiu (lue, agora, ]% dc todos os adolescentes nortc-
ltmcricanos eraili l)ipolares.Wrês anos depois, Gabrielle Carlson relatou que 63%
dos pacientes pediátricos tratados en] seu hospital universitál'io sofriam dc mania,
o nlesiilo sintoma que os médicosantcliores à era psicofarmacológicanão viam
quase nunca cm crianças. "Os sintonias maníacossão a regra, não a exceção",
observouela.69Na verdade, hoje os dados cpidemiológicos de Lewinsohn estão
quase obsoletos. O númcru dc crianças quc rcceberani alta dc hospitais com
cliagilóstico dc bipolaridade quintuplicou entre 1996 e 2004, a tal ponto que sc
passoua dizer que essa"docnça iilcntal feroz" ataca unia em cada cinquenta
crianças pré-púbercs nos Estados Unidos. ':Ainda não temos os números exatos",
disseà revista 71//re,em 2002,o psiquiati'a Robert Hirschfeld, da Universidade do
lixas, "mas sabcmos que a doença existe c é subdiagilosticttda."7"
Uma cpidenlia atingiu }l nlaioridítde, c }l história revela que ela crcsccll pad
prz.í.flrcom a prescrição dc cstimlilantes e antidepressivos para crianças.

Criando a Criança Bipolar


Tendo cm vista css:\ cronologia, deve:ríamos estar aptos a encontrar dados
explicativos dc por quc cstimulaiitcs c ailtideprcssivos surtiriaiii esse efeito
iatrogêilico. Deveria haver dados mostrando que, sc tratam'moscinco milhões
dc criallças c adolesccntcs com essesfáimacus, aproxima\damentc 20% deles
dcteriortLrão de maneiras (lue levarão a um diagnóstico de transtorno bipolar.
Deveria haver provas do dano iatrogênico quc vai compondo matematicamente
uma cpidcnlia.

C:onlcccnlos pela Ritaltiia.

Antes mcsino (luc ll prescrição de Rítalina sc tornasse aceita, cra bem subido
que as ;liifetaminas eram capazesdc provocar surtos psicóticas e nittliíacos. Aliás

243
AN,VI'OXIDA
1)1.=
UNIAEPIt)ENIIA

asanfetaminas o faziam com tanta regularidade que ospesquisadorespsiquiátricos


apontavam esse efeito como prova corroborantc da hipótese dopaminérgica
da csquizofrenia.As anfetaminaselevavamos níveis de dopamina no cérebro,
sugerindo que a psicose cra causada por um excesso desse neurotransmissor.
Em 1974, David Janowsky, médico da Faculdade dc Medicina da Universidade
claCalifórnia cm San Diego, testou essahipótese, dando três agentes elevadores
da dopamina - D-anfetamina, L-anfetamina e mctilfenidato a seus pacientes
csquizofrênicos. Embora todas as três substâncias os deixassem mais psicóticos,
o nletilfenidato revelou-seo campeão ncsseaspecto,duplicando a grttvidadc dos
sintonias ./ l

Considerando-se essa compreensão do mctilfenidato, a psiquiatria podia


esperar que dar Ritalina a ct'ianças pequenas causaria em muitas delas um sui'to
maníaco ou psicótico. Embota esserisco não esteja bem quaiitiíicado, psiquiatras
canadensesrelataram, cn] 1999,que 9 cm 96 crianças com TDAH tratadas por
eles com estimlilantes, clurêLntcuma média dc 21 meses, desenvolveram "sintomas
psicóticas".7Z
Em 2006,a FDA emitiu um relatório sobreesserisco.Dc 2000a
2005, a agência havia recebido quasc mil relatos de psicosee mania induzidas l)or
c:stimulantes cin crianças r adolescentese, como se aci'edita quc essesrclatónos
da MedWatch icprcscntci)i apenas 1% do número real de eventos adversos,
isso sugei'c que cem mil jovens diagnosticadosconaTDAll sofreram cpisódios
psicóticas e/oti maníacos durante aquele período dc cinco anos. A FDA cstabcleceu
quc esscscpisócliosocorrituti regularmenteem "pacientessem lleilhtml fator dc
risco idcntiíicávcl" de psicose,o que significava qtic ertti]] claramente induzidos por
medicamentos, c que uma "parcela substancial" dos casos ocorria cn] crianças de
10 nulosou mcilos. "Nas crianças pcqucilas, íl predominância dc alucinítçõcs visuais
e tátcis envolvciido insetos, cobras c vermcs é inlprcssioiiantc", escreveu a FDA.7'

Uinzt vez ocorrida cssíl psicose induzida por drogas, as crianças costumam ser
diagnosticadíLS como portadoras dc tntnstorllo bipolar. Além disso, essaprogressão
diagnóstica do TDAH mcclicítdoparti o tnulstorno bipolar é bcili rcconhecid;tpor
cspccialisttLS
da arca. Num estudo sobrc 195 criançase aclolesccittesbipolares,
Deiilitri Papoloscoitstatoll qut: 65% "tinham reaçõeshipomaníacas,nlaníacas
e agressivaselosmcdicaincntos estimulantes".24Ein 2001, N'lclissal)cIBello, do
Ct:ntro Médico d;t Ultivcrsidttdc cle Cinciniiati, relatou quc 21 dc 34 pacientes
lclolesccntesinternados por mania vinham usailclo estimulantes "aiitcs da
instalação clo surto afetivo". Esses rtlméclios, coilfessott cla, podiam "prccipitai'
l (lcprcssãoc/Oli l inilnia cn] crianças (lue, dt: outro modo, não clcsc:nvolvciianlo
transtoi'no bipolar'".7s

244
A Epidemia Disse:minada cntrt: as Crianças

Mas há lml problema ainda maior conaos cstinlulantes. Eles fazem as crianças
passarem ciclicamente por estados dc excitação e disporia lodosoxdíai. Q.uando uma
criança toma o remédio, os itívcis dc dopamina sc elevam ila sinapse e isso produz
um estado dc cxcitação. A criança podc exibir uma energia maior uma coitcentração
mais intensil e ficam hipcialerta. Pode tornar-se ansiosa, irritadiça, ítgrcssiva,
hostil c incapaz dc dormir. Os sintomas mais extremos da excitação incluem
comportamentos obsessivo-compulsivos c hipomaníacos. Rias, quando a (Iroga deixa
o cérebro, os níveis dopanlinérgicos lia sinapse sofrem uma queda acentuada, o que
pode levar a sintomas tão disMricos quanto fadiga, letargia, aptttia, retraimento
social e deprcssão.Os pais falam com regularidade desse"desmoronamento" diário.
Rias c aí está a chave essessintonias excitados e disfóricos sãojustamcnte os que
o NIMIJ identifica como c:tlactcrísticos da criarlça l)ipolar. Os sintoini\s dc mania
liíls crianças, diz o Nlh'IH, incluetn aunlcnto da ctlcrgia, intensificação dtt atividadc
orientada para o alvo, insónia, irritíLbilidade, agitação c explosões destrutivas. Os
sintomas dc dcl)rcssão nas crianç:\s incluetn l)fardade energia, isolamento social,
perda do intc:i'essepelas atividadcs (apatia) e tristeza.

A progressão do TDAI l parzt o transtorno bipolar

Sintomas induzidos pt:lo estimulante Sintomas bipolar't's

Excitação Disporia ICxcitação Dislbiia


\uínciito (lit Stniol(:meia Aunlc:nt(i cln ( llçlgia TI'isto;zü

t'nt'Feia Fadiga,lctaigia Intcnsinlcaçãodt: Pcrdadcrc'nttt'gia


Coiiccntrnçiio R.:Lraimi nlosocial. :'tivicladesoririiLa(bis Perdaclc intercsst'
intensificncla is.,lama.nlo I':trai)itlvt) quis;ltiviclittlt:s

llstitclc)hipeialcrta licclução.l;. Rcchtçãoda lsolalnciitosocial


r lçt'tluçao(lil ' clesotio llulçl.l
Eulbria cspontancidadc "''ccssidad Comunicação

\gitação,
lado Reduçãodacuriosidade
.....=.:..1..f..- :ra*'croscilaçãode
liuiin)i \ nlnl'uljicaç
lnsicditclt' Clo.islriçãodll afcto ''"''' iitiiilt'ntode riba

liisõnia Doiir :r'Çao'"'aicLn Irritabilidade tcr valor

[rrital)i]idade l.al,ilidade {:nio(tonal Agitação Choro incxplicada


lllisLili(lado Exl'losõcs dcstilltivas

Hipomania Au'"unto da fala


\l; .nia Distniçilt l

Psic. )n- l lipt )mania


\lama

Os estimulantes usa(lospala tratar o TDAtl in(Ittzcm sintonias dc excitação e disporia. Essessintomas


in(luziclospela incdicação supcrpõcm-secm grau notável aossintomas ti(los colmocaracterísticos do
itnstorno l)ipolai juvenil

245
ANATON[I/\ ])].=UNIA EPID]:=NIIA

Em suma, toda criança que toma estimulantes torna-se um pouco bipolar e o


risco de quc uma criança com diagnóstico clc TDAH passe para um diagnóstico
de transtonlo bipolar depois de ser tratada com um estimulante já foi até
quantificado.Joseph Biedcrman c seus colegas do Hospital Gci'al de Massachusetts
relataram,em 1996,que 15 de 140crianças(11%)diagnosticadas
comTDAH
desenvolveram sintomas bipolares -- que não estavam presentes no diagnóstico
inicial no prazo de quatro anos.7õIsso nos dá nossa primeira equação matemática
para solucionar a epidemia bipolar juvenil: quando uma sociedadereceita
cstirmilantes a 3,5 milhões de crianças e adolescentes, como acontece nos Esta(los
Unidos de hoje, ela deveesperar que essaprática crie quatrocentosmil jovens
com transtorno bipolar. Como assinalou a invista 71//ie,a maioria das crianças com
transtorno bipolar é inicialmente diagnosticadacom um distúrbio psiquiátrico
diferente, sendo "o TDAH o mais provável diagnóstico inicial"

Agora, consideremos osinibidores seletivos de reabsorção dc serotonina(ISRS).

Está bem estabelecido quc os antidepressivos podem induzir surtos maníacos


em adultos e, naturalmente, também têm esseefeito nas crianças.Já em 1992,
quando a prescrição de ISRS para crianças mal estava começando, pesquisadores
cla Universidadedc Pittsburgh relataram que 23%dos meninosde 8 a 19 anos
tratados com Prozac desenvolveram mania ou sintomas de tipo maníaco, c outros
19% desenvolveram uma hostiliclacle "induzida pelos fármacos".77 No primeiro
estudo da Eli Lilly sobre o Prozac na depressão pediátrica, 6% das crianças
tratadas com o medicamento sofreram un] episódio maníaco, o que leãosc deu
com nenhuma do grupo tratado com um placebo.78Enquanto isso, relatou-se que
o Lttvox causavaum índice de 4% de mania ein crianças c jovens abaixo de 18
anos.79Em 2004, pesquisadoresda Universidade Vale avaliaram esse risco da
mania induzida por antidepressivosem jovens e velhos, c constataram que ele é
r//íz1l a//o em pessoas abaixo de 13 anos.8"

As taxas clc incidência citadas acima vêm de ensaios de curto prazo; o risco
aumenta cluando as crianças c adolescentes mantêm n uso de antidepressivos por
períodosextensos.Em 1995,psiquiatras de Harvard determinaram que 25% das
crianças c adolescentes diagnosticados coi)] depressão convertem-sc em doentes
bipolares no prazo de dois a quatro anos. "E bem possívelque o tratamento cona
antidepressivosinduza a uma passagempala a mania, a ciclos rápidos ou a uma
instabilidade afetiva nos jovens, como é quase certo que faça com os adultos",
explicaram.0i
Barb:ua Geller da UniversidadeWashington,estendeuo período
de acompanhamento pai'a dez anos e, em seio estudo, quase mctadc das crianças

246
A Epidemia Disseminada t'ntre as Crianças

pré-púberes tratadas por depressão acabaram sc tonlaiido bipolares.'Z.Essas


constataçõesnos dão nossa segunda equação matemática pala solucionar a
cpiclemiada bipt)lariclade:quíuldo dois nlilhõcs de (danças e :\dolesccntessão
trt\tados de depressão com ISRS, essa prática cria dc quinhciltos illil a um milhão
dc jovens bipolares.

Agora dispomosdc númc:rosquc nos falam cle uma el)idcillia iatrogênica:


qiiatroccntasmil criançasbipolareschegandopelavi;t dc accssodo TDAH, c pelo
iilcnosoutro mt'io ttlilhão pelavia dc acessodos ailticlcprcssivos.H.á tanlbéill um
modo dc conferir esta coitclusão: será que, quíuldo os invt'stigadores estudam os
piicientes bipolares juvciiis, eles coiistataitl que a tnaioria percorreu limo\ dessas
duas vias iate'ogêtiicas?

Eis os resultados. Num estudo dc 2003 com 7ç)pacieilLesbipolares juvenis,


o psiquiatnl Rif El-Nlallakh, da Universidadedc Louisville, dcteiminou quc 49
(62%)tinhant sido tratadoscom llm estimulanteou um aiitidcpressivoantes
cle se torilitrenl maníacos.os
No mr'smo ano, Parolos infonnou que H3%das 195
crianças bipolares cstucliLdaspor ele tinham sido inicialmente diagnosticadas
com outro distúrbio psiquiátrico, t quc dois beiçosdelas tiiih:tm sido expostasil
um í\ntidepressivo.o'Por último, Giaimi Faccldací)nstatoti que H4%das crianças
tratadas de tntnstot tlo bipolar ila Clíitica Lua Bini de Transtornosdo Flttmor,
na cidztdc clt Novzt York, t ntrt' 19ç)8c 2000, tinham sido l)rcviailicntc cxl)testasa
drogas psiquiáti'ices. "0 notáve] é quc em menos de /C/%[dos casos] st; coitsidc'rou
inicialmente o diagnóstico dc transtorno bipolar", escrcvc'u Facdda.os

Conta)não é de admirar, os pais dão testemunho dessecurso iatrogêilico. Em


índio dt: 19ç)9,Manha Hcllandtr, dirttont cxt'cutivaclipChild attd Adolescellt
Bipolar Fotttldittion, e Tomie Burke, funditdora da Pilreiits of Bipolar Childreii,v
-'s"-.ra«. j««ta: ;-ola«««/ ad /Ã. A.«&mU oÍ CÃ{/d ""d Ádo/"'«Z PKg.Ai'fO' "-n-
citrtztcm qut' dissttntm:
Quase todos os nossos filhos receberam, inicialmente, u diagnóstico de TD/\H,
[brant tnltad{)s ct)m cstinlli]aiitcs e/ou alltideprt'ssivose, ou não tt'sptntdtraid,
uu sofranliii sintomas dt mania, cuido acessosdt raiva, insâilia, ;imitação,fala
compulsiva e siitlilarcs. Em lit)guagem leira, os pais chnitiam isso de "qtlicai pelas
paredes". Em nossa)sfilhos, ijiuiL;ls vezes a priincira inteiiiação ocorreu diiiaiitt
esLaclosmililíac{)s ou mistos (quL' incluíatii gestos suicidas e teiiLaLivasde suicídio),
clt:s{nca(It:nãos ou t'xacctb;talos pclo traLamt'alto ( oEjl esLimlilaiites, tricíclicos ou
inibidores dt reabsorçãodc st'rotonina

v os iloillcs das duas orgailizaçoesl baseadas na internet, sc tracluzirianl l)or Fun(laçao (las C'rii.taças
\d{)lcsct i)tcs liipolarcs, c Pais dt' Crianças 13ipolarcs.(N.T)

247
ANATOXIIA 1)1;UÀt/\ EPII)I=XIIA

Clom a picscrição de ISliS pala tantos adolescentes, uma epidemia de mania


eclodiu também tios ra17@i
universitários. Num antigo cle 2002 intitulado "Ct'ise
no ca//!Pui",a revistaPsgcóo/aK7
Za(/aW
informou que um número cicscentedc
estudantes, havendo chegado à faculdade com unia rcccita dc antideprcssivo na
mão, vinha sofrendo colapsos graves dlirante o período letivo. "Estamos vendo minis
surtos iniciais de mania a cada ano", disse Mortos Silvciman, chefe do serviço dc
orientação psicológica da l.Jnivcrsidade de Chicago. "É algo muito destrutivo. Em
gerttl, significa hospitalização para o aluno." A revista conseguiu até identificar uma
cinta exala eln qtic esstl epidemia de mttnia começou a emergir: 1988.8zPara ligar os
pontinhas, os leitorcs só precisam sc lembnu de quando o Prozac entrou ilo mercado.

Uma última evidência vcm da Holanda. Em 2001, psiquiatras holandeses


registraram apenas 39 casosde doença bipolar pediátrica cm seu país.
A pesquisadora holandesa Catrien Rcichart estudou então os filhos dc pais com
transtonlo bipolar nos EstadosUnidos e na Holanda, c vcrificou que os norte-
lmericanos eram dcz vezesmais propensosdo quc osjovens holandesesa exibir
sintomasbipolarcs aiitcs dos 20 anos.A razão prováveldessadiferença, concluiu
Rcichart, é quc "a prescriçãode antidepressivosc estimulantes para crianças nos
Estados Unidos é muito maior".8f:

'lodo isso dá conta de uma epidemia que é, sobretudo, de natureza iatrogênica.


Cinquenta alias atrás, os médicospraticamcnte nunca viam psicosenlailíaco-
depressivaem pré-adolescentese raras vezesa diagnosticavanlcm a(lolescentes.
Depois, pediatras c psiquiatras começarama receitar Ritalina para crianças
hiperativas e, de repente, as publicaçõesmédicascomeçaram }l divulgar relatos
de casosdc crianças maníacos. O problema cresceucom o aumento das receitas dc
Ritalina, depois explodiu com a introdução dos ISRS. As pesquisasmostritram
ciitão que essesdois tipos de droga desencadeiamregularmente sintomas bipolares
cm crianças e adolescentes. São eles os dois "agentes externos" qttc alimentam a
epidemia, c convénalembrar quc dc fato ])crturbam o funcionamentocerebral
normal. As crianças maníacosquc aparecem nas emergênciasdos hospitais têm
vias dopaminérgicas c sei'otoninérgicas quc foram ttltel'idas pelos fánl ecos, c quc
agorafuncionam de mtuleirtt "anormal". Há uma lógica passoa passoquc explica
essa epidemia.

Além disso, há pelo menos mais três caminhos pala o diagnóstico dc transtorno
bipolar juvenil. Como constatam'amEl-b/lallakh, Papolos c Facdda, há crianças
e adolescentesassim diagnosticados quc não foram previamente expostos a
antidepressivos ou cstimulantcs, c é bcm I'ácil vcr de onde vem a maioria dcsscs

248
A Epidemia Disscminada catre as Crianças

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24Ç)
AN,\rOXiiA Di; UNIAEpii)t;xii/\

p;\cientcs. Primeiro, o psiquiati'tLJoscph Biedci'man, dzlUnivci'cidade Harvard,


lidcroti a cxpansão das fronteiras do diagnóstico na décadadc 1990,ao propor
que a "irrit2Lbilidadc" extrema podia ser vista colho indício de transtorno
bipolar. A criançtt já não precisava ficar maníaca para receber o diagnóstico
dc bipolar. Segundo,em mliitos estados,as crianças abrigadascm lares aditivos
temporários recebem agora, com rcgulai'idade, o diagnóstico de clocntes
bipolares -- aparciitenlente, sua i'diva não seria resultante dc haverem nascido
cm famílias disfuncionais, mtls se devem'iaa uma doença biológica. Por último, os
adolescentesque se complicam com a lei são hoje lcgularnlcnte catcgoriztldos
com rótulos psiquiátricos. Muitos estadosci'iaiam os ch2tmaclos"tributittis clc
saúdemental", quc os despachampara hospitais e abi'igospsiquiátricos, c não
paULinstituições corrccionais, e csscsjovcnstambém vão engrossandoo númcro
dos doentes bipolares.

O Destino que Nos Espera


Como vimos antes neste livi'o, os desfechos dos pacientes bipolares adultos
sofra'atn uma deterioração dramática\ nos últimos quarenta anos, c os piores
rcstiltaclossãovistosnosquc aprcscntaili sintomasdc "estadosmistos" c "ciclos
rápidos". Essecurso clínico nosadliltos praticamente nlinca ela visto antes da enl
psicofai'macológica; ao contrário, foi associado à exposição a antidepressivos e,
tragicamente, sãojustamcnte essesos sintomtts quc afligem a esmagadoramaioria
dos pacientes bipolares juvenis. Eles exibem sintomas "seillelhantes ao quadro
clínico relatado em adultos gravemente enfermos, resistentes tto tratamcnto",
cxplicoti Bárbara Gcllcr em 1997.8"

Portanto, esta não é apenas uma história de crianças club se toi'fiaram bipolarcs;
é a história de crianças afetadas por uma fora)a particlilanllente grave da doença.
Papolos vclificou que 87% dc seus 195 pacientes bipolares juvenis sofriam
clc "alterações cíclicas ulti'a, ultrarrápidas", o quc significava que oscilavam
constantemente entrc esta(los de humor maníacos e deprimidos.90SimilíLrmcnte,
Facdda constatou que 66%dos pacientes bipolarcsjuvcnis tratados na Clínica Lua
Bini de Tr2\nstonlosdo Humor tinham "ciclosurra, ultr:trrápidos", c outros 19%
sofriam com alterações cíclicas rápidas apenas uin pouco menos cxtremadas. "Ein
contraste com um culto bifásico, cpisóclicoe relativamente lento de ciclos, cm
alguns ítdultos com transtorno bipolarl as formas pccliáti'ices costumam envolver
cstados mistos dc humor c um curso suba'único, instável c constantc", cscrcveli
Facdda.0i

25o
A Epidemia Disseminada cnti'e as Crianças

Os estudos sobre resultados descobriram quc o prognóstico dessascrianças a


longo prazo é sombrio. O NIMH, como parte do scu estudo STEP-BD, mapeoti os
resultados de 542 pacientes bipolares infanta-juvenis e relatou que a instauração
Interior à idade adulta "estava associada a índices mais altos de transtornos
coinórbiclos dc ansiedade'c abuso de substâncias tóxicas, a mais recidivas, a
períodosmais curtos dc eutimia]estado dc humor normal] e a limo probabilidade
maior de tentativas de suicídio c violência".9ZBuris Birmahcr iia Uitiversidadc dc
Pittsburgh, constatou quc os pacientes com tntnston)o bipolar "de instauração
piccnce" hcain sintomáticos aproximadanicnte 60%do tempo e que, em illédia,
ilaud;\m dc "polaridade" -- da depi'estão para a mania, ou vice-vet'sa -- no esl)antoso
numero de 16 vezes por ano. Os pacientes pré-puberes eran] "duas vezes menos
propensosa se recuperar do que os bipolares de instauração pós-púbeie", disse
Birmaher sendo "cspcrável(lue as crianças respondammal ao tratamento, ao
chcgarcm à idade adulta".os DcIBcllo acompanhou lim grupo de adolescentes
hospitalizadospor lim primeiro episódiobipolar e concluiu (lue apenas41%tiveran]
rectipcração funcional no prazo de um ano.w Esse comprometimento, constatou
Birmahcr, se agrav:t depois do primeiro ano. "0 comprometimento funcional lias
pacientesbipolaics pareccaumcntar durante a adolescência,indcpciidcntcmcnte
da idade cle instauração da docnça."

Osjovens diagnosticadoscom transtorno bipolar são tipicamente tratados com


coquetéis incdictuliciiLosus quc inclucitl uin }tiitipsicótico atípico c uill estabilizador
do humor. Isso significa que eles passztma ter múltiplas vias dc ileurotransmissores
ccicbraisquc vão sendobz\gtmçadas
e, naturalmente,essetratamentonão
os rcconduz à saúde cmucional c física. Eili 2002, Gcllcr relatou quc u lítio, os
antidepressivos, os cstabilizadorcs de humor, nenhum deles ajudou os jovens
bipolarcs a sc s;tirem melhor ao cabo de dois anos. Os quc fontm tratados com
ncurolépticos, acrescentou t?la, "tiveraili uii)a probabilidade significativamente
menor dc sc recuperarem do quc a(lticles que não rcccbei'ani ilellrolépticos".9'i
Seis anos depois, a Hayes lilc., uma eiiiprcsa de consultoria da I'cnsilvânia que
conduz avaliações "imparciais" dc tncdicamcntos pztra prestadores de serviços de
saúde,concluiu quc não havia boas provas científicas dc quc os estabiliztLdorcs
de hunloi c osantipsicótict)s atípicos rc'cotados para o transtorno bipolar pediátrico
fossem seguros ou cficares. "Nossos rcsulttLdos indicam que, neste momento, os
lnticonvulsivantes e os antipsicóticos 2Ltípicosnão podem ser recomendados para
crianças diagnosticadascom transtornos bipolares", disseElisabeth l loutsmullcrj
analisttt sênior da Hayes.97Esseslaudos atestam a falta de eficácia dos fármacos,
mas, como assinalou Holitsinullcrl os efeitos colaterais desses"trataincittos

251
AN,\I OXII/\ I)J{ UNI/\ EPIDENÍI/\

farmacológicos" são "alarmantes". Em particular os antipsicóticos atípicos pudim


causal' disfunção metabólica, anormalidades hoi'modais, diabetes, obesidadc,
embotamcnto afetivo c discinesia tardia.w Com o tempo, os remédios induzem ao
declínio cognitivo, e a criança que continua a tomai' os coquetéis até a idade adlilta
também podc esperar uma morte prematura.

E esseo curso a longo plano dessadoença iatrogênica: a criança, quc talvez


estala hipcrativa ou deprimida, é tratada com uma medicação club desencadeia
um surto maníaco, ou algum gi'au dc instabilidade afetiva, c depois é naedicada
com um coquetel dc fármacos quc leva ;t uma vida de invalidez.

Os Números da Invalidez
Ainda não cxistem bons cstuclossobrea percentagem dos pacientesbipolares
"dc instauraçãoprecoce"(lue, ao atingir zl idade adulta, acabamnas listas
de inválidos da Renda Complementar da Previdência (SSI) c do Seguro dtt
Previdência Social por Invalidez (SSDI). No entanto, o salto espantoso ilo número
de crianças "doentes mentais graves" que rcccbem auxílio ou pciisão diz muito
sobre a devastação que vem seilclo caiada. Havia 16.200 jovens abiLixo de 18 anos
considerados incapacitados por problemas psiquiátricos ilo rol da SSI cm 1987,e
eles abrangiam menos dc 6% do número total de crianças inválidas. Vinte anos
depois, havia 561.569 ci'ianças c jovens inválidos por doença mental nas listas
da SSI, e eles correspondiam a 50% do total. Essa cpidemia vem atingindo até
crianças pré-escolares. A prescrição de psicotrópicos a crianças de 2 ou 3 alias
começou a se tornar mais comum há cerca de dez anos e, dito e feito, o númei'o dc
doentes mentais graves abaixo de 6 anos que recebem ttuxílio da SSI frí»/ coza
desde
então, subindo dc 22.453 em 2000 para 65.928 em 2007.9*

w Num laudo dc 2008 pul)fica(lo pelo ClolégioEuropeu de Neuropsicoíhtmacologia,investiga(lorcs


t:spanhóisobscrvai'amquc "as crianças c adolescentesparecemcorrcl' um risco maior quc ns
adultos dc sofrer efeitos adversos, colmo sintomas cxtrapiramiclais [pc:rtui'baçõcs dos movinlcntos],
elevação cla prolactina [altos níveis ht)i'monais], scdação, aumento dc pcso c efeitos nlcta])ó]icos,
ao tonlarcin ailtipsicóticos''. Os pcs(luisadoics também rclataranl (luc csscs riscos l)odcm scr
nliiloics lias in(:lllllíis (ltic lhos lllclllllos

252
A Epidemia Disseminadaentre as Crianças

A epidemia atinge as crianças e adolescentes dos Estados Unidos


Pensionistas da SS[ abaixo de 18anos incapacite(]os por doença mental, 1987-2007

6-12anos
-< 13-17anos

1987 1992 1997 2002 2007

A.ntesde 19ç)2,os relatórios governamentais sobre a SSI não sc:pitravaill os beneficiários infailtojtivenis
m subgrupos ('tários. ]bnte: relatórios da Administração (la Scguridadc Social, 1{)87-2007.

Além disso, os números (lztSSI mal começam a sugerir o alcance do estrago que
vcn] sendocausado.Há cn] todil parte indícios dc piont clasaúde mciltal clc crianças
e adolescentes. De 1995 a 1999, a procunl dos plantas-socorros psiquiátricos
por jovciis aumciitou 59%.99A deterionlção da saúde nlcntal das crianç;ls do
país,dt'clarou eiii 2001 o dirá'tor iiitcional dc Saúdedos EstadosUitidos, David
Szttchcrlconstituía "uma crisc sanitária".l"'i Enl seguida,as faculdaclcscoiileçarain
l se pcrguntar, de rc'pente, por qttc talitos ;tlutios seus estavam sofrendo suites
nlítníacosOli aprcscnt;uldo coinportaiiicntos perturbados; lml levantamento dc
2007 dt'scobtiu quc lim cm cada seis cstud:mtcs uiiivcrsitários havia se "cortado ou
queimado"dc propósito 110ano ililterior. l"i Tudo issolevou o Grite ral Accouittability
Office (GAO)v" a investigar o qtic estavaacontece'lido,c?cle relatou cm 200Hclub
ulll cm cada 15 adultos jovens, com 18 a 25 anos dc idade, sofre hoje dc tina
:doc]içaii]ental grave". llá 680.000indivídt]os dessegrupo etário conatnutstorno
bipolar (t outros oitocciltos mil ct)m depressãograve, c o GAO assinalou que, na
vcrclade, essa cnl uma contagem ;ll)eixo da rt'itlidade do problema, pois não incluía
l)s adultosjovcns scm teto, cncaict'rácios ou institucionalizados. Todos csscsjovcits
têm ltlgum grau dc "coillprometimcnto funcionitl", alinhou o GAO.i"z

É iicssc ))unto que nos eiicontnullos hoje, cume iutção.Vinte iuios atrás, nossa
sociedadecome'çoua receitar rcglilarincnte drog:is psiquiátricasa criançasc

Ver nota Vlll do Cilpítulo 1, p. 25


\'ll

253
ANATON[IA DE URf/\ EPIDENIIA

adolescentes, e agora, um em cada 15 norte-americanos entra na idade adulta com


uma "doença mental grave". Trata-se de uma prova do tipo mais trágico de que o
nossoparadigma de tratamento medicamentoso tcln feito muito mais mal do que
bem. Medicar crianças e jovens só se tornou corriqueiro há pouco tempo, e já fez
milhões de indivíduos envcredttrcm pelo caminho da doença vitalícia.

254
12
Quando osJovens Sofrem
O tenlPti todo u geltte sc pergunta:
vocêesta dudatldo ou prÜudicaltdo seu.olho?"
-- A nlãc dcJasinine, 200ç)

l lá llm núincro incontável de histórias que sc podem ililrral' sobrc crianças c


ldolesccntcs medicadose, c'nquanto cu trabalhava ncste livro, cadil visita a lim
local cm que era possível cncontrai' um dcles -- uma casadc família, um :tbrigt)
lldotivo provisório ou um hospital psiquiátrico -- oferecia pelo menos uin breve
vislunlbrc desta nova sociedadeqttc criatnos nos últimos trinta anos. Existem, é
claro, mliitos pais (lut: contam quc seusGalhos foram ajudados por iiicdict\mciltos
psiqlliátricos e, dttdo o cspc'côrodos resultados que ocorrem com esse paradigma
clt' atciidinlcilto, irão há dúvida dc que isso é veidadc(pelo menos il curto pntzo).
Mas este livro diz respeito à epidemia dc doençasmclitais incapacitantcscine
t'clodiu c'iil nossopitís, ritzão poi' quc ils histói'ias quc sc scgttcnt falatn, quatid(-
minto, dc resultados ambivalentes a longo prazo, c dc como o diagnóstico e o
tnttamt'nto dunlntc a infância podeill levar a uma vida dc invalidez.

Perdida em Seattle
Estive COHa jovem que chaitiarei cleJasmins apenaspor um curto l)criado,
e nlcsmo essebrcvc' encontro a dcixoti visivclmcilte agitada.i Nascida em 198H,
Jasmins reside hoje nllma instituição residencial meio dilitpidada, clcstinada a
dociltes mentais graves, mim subúrbio clc Scattle, e,já ao nos aproximarmos cla
casa,a mãe dela c cu ptidcitlos vê-la por uma janela, aildi\ndo dc linl lado par;t
outro. Q.uaiidocntrztmos,Jasnlinc me {)Ihou dt relaiicc e se retraiu dcpressal
c'ncolhcndo-scjunto à parede, igualzinho il um animal selvagemassustado.Usava
ciLlçilslea/i.\ c umajaqucta }tzul-claro, e também maiitcve distância da mãc -- agora

(Joiut).Títstltint''ilao l)odc dilt' c{)i]sc]]tj]]](alto pítt'íl íl litlllZilçao (l(' st-ll llollle, SLiZI
lula('(' cli
t'damos ('ni manter sua idcnti(laclt' cnl sigilo. Tanlbcni não fot'nccl o nonlc dít mãe, pela
lll ('s lllíl I'itzílo.

255
AN,VI'ONIIA 1)1;UNIA EPII)ENFIA

Jasmins não deixa ninguém abraça-la. Fomos cm dois canos a uma lanchotlete
Dairy Quecn das imediações,poisJasminc não se disporia a ir se cu ficasseno
mesmo carro quc cla; ao chcgarmos lá, a moça permaneceu no banco dc trás, com
os olhos lixos num ponto adiante c balançandoparti frente c para trás. "Se algum
dia ela voltar a falar", disse sua mãe, cn] voz baixa, "terá uma história e tanto pura
contar.''

As fotografias cleJasmine quando mellina são um bom lugar para iniciarmos


sua história. Sua mãe me mostntra essasfotos mais cedo, e todas falavam de
uma infância feliz. Num2t delas, Jasi iinc cstá alegremente eiihleirada com as
duas irmãs diante cle um brinquedoda Disneylândia;noutra, exibe um sorriso
batlguela; numíi terceira, mostr2ta língua, com ar brincalhão. "Ela era muito
inteligente e engraçada, cnl mesmo a luz da bossavida", recordou a mãe. "Ficava
brincando do lado dc fora, andandodc bicicleta pela rua, pífia baixo e para cima,
como qualquer criança típica. Clhcgavaaté a ir às casasdos vizinhos e Ihcs dizer
que, por cinquenta centavos,cantaria 'Rowsrow, row your boat'. Era um tremendo
diabrete dá para vei' por estas fotos como era valente."

Tudo correu bem ila vida dcJasmine até o verão poster'ior an qliinto ano. Coinn
ainda urinava ocasioilalmcnte na cama, ela ficou nervosa com a ideia de ir para
uma culâilia dc férias, e por isso unl médico Ihc receitou umzt "pílula do xixi na
cama", cine vinha a ser um ailtidcprcssivo tricíclico. Em pouquíssimotempo,
Jasininc ficou agitada c hostil e, certa tarde, disse à mãe: "Estou com uma porção
clc ideias horríveis. Tenho a sensaçãode que vou matar alguém"

Olhandopala trás, é fácil perccbero quc estavaacontecendo


comJasmine.
Sua agitação extrema era sinal dc qtic cla estava sofrendo dc acatisia, um efeito
colateral dos antidepi'essivosquc se associamuito estrcitamente ao suicídio c à
violência. "Mt\s ninguém nunca pcrguntou sc o remédio podia ter desencadeadoas
ideias homicid2ts", disse a mãc. "Eu só vim a saber que a imipramina podia fazer isso
anos depois, quando entrei na internet." Em vcz disso,Jasmins foi encaminhada
a um psiquiatra, quc a diagnosticou como portadora dc transtorito obsessivoc-
oinpttlsivo c transtonlo bipolar. Rcccitou-lhc ujn coquctel dc illcdicanlcntos,
compostopor Zoloft, Luvox e Zyprcxq e, ao ingressarno scgunclociclo naquele
outono, cla era uma pessoa mti(linda.

"Foi terrível", lembrou sua mãe. "Ela engordou mais dc 45 cluilos com o
Zyprexa, e é miúda, tcnl 1,60 m dc altura. A garotada quc a conhecia do curso
primário dizia: '0 quc aconteceucom você?'Os meninos começaram a chanlá-la dc

25(j
QuandoosJo\ens Sofrem

'a fera'. Ela acabou scm itenhunl amigo, e chorava scm parar, e pedia para t\lmoçar
ilil sala do diretor pala focarlonge da cantina." Enquanto isso, os acessosde raiva
de Jasmins continuaram a acontecer em casa, e u psiquiatra aumentou tanto a
dose do Zypicxtt quc os olhos da menina i'cviravain c ficavam presos nu alto. "Foi
como sc cla estivessesaldo tortlinida. Ela sc deitava na cama e grita\ a: 'Por quc
isso está }lcontecclldu cotnigo?

Depois (luc o Zoloft foi linalmeilte retirado,Jasmins acabou por se estabilizar


bastante bem cum uma conibinaçãu de Zyprexit c Dcpakote. Apesar do seu raro
convívio social com os colegas de classe, ela se saiu bcm eni termos acadêinicos e,
nos prinlciros anos do curso médio, cra habitual tirar notas 10 e ter certo prestígio
por suas fotos c seu trablLlho artístico.Jasminc também mergulhou no trabíLlho
voluntário, ajudando numa sociedadehllnlailitária, llum ceittro pat'a idosose Huna
b;bico clc aliilicntos, c a escolacoitferiu-lhe o prêmio do "herói íuaõnimo"por essc
trabalho. Ela havia l)assadoa aceitar a ideia de scr bipolar, c chegou até a fazer
planos paul escrever um livro qtic ajudasse outros adolescentes a compreenderem
:\ doença. "Ela mc dizia: 'Mãe, quando ru Inc formar no cllrso médio, vou ficar dc
pé e perguntar: Alguém aíjá sc perguntou o que aconteceu comigo?' Ela era milita
valent(

No final do penúltimo alto,Jasmins leu na internet quc o Zyprexztpodia causar


aumento dc peso, hipoglicemia e diabetes. Sofria dos dois priitlciros problemas,
nltlS clutlilclo pcrguliLou }io psiquiatrtl qtltüs crani us cfeitus culatcntis do Zyprcxa)
l le descartou sitas preocupações. Enfurecida,Jasmins o "dt'spediu" e, cnljunho de
2oo3, largou os dois medicamentos, suspciidcndo-os dc forma bastante abrupta.
Dcz dias dr'pois dc tomar a últimíl dose dc Zyprcxa, cla estava iiimla cxcursão com
:l mãe qtiiutdo, subitamc'cite,ficou pálida como cera, conao suor bi'atando acima do
lábio. "Isto está ruim, mugido", murmurou. "Nlãe, lute por mim.

Desde clltão,Jasmins ficou mttis ou menosperdida para o mundo. Quando as


duas chegaram ao hospital, ttaquele dia,Jasnline gritava e puxava os cabelos. l latia
mt:i'gttlhadofundo ntini surto psicótico por abstinência, c os médicoscomeçaram
a Ihe dar unia droga potente após outra, na tentativa dc fazer aquilo se abram(lar.
Eles Ihe rt'ccitarilm ll remédios cm 13 dias, o que, basicaincnte, fritou o cérebro
dela", contou a mãc. Jasmins conicçou a filtrar e sttir dc hospitais e, toda vez
que recebia alta e voltava pata casa, tudo acabavamal. Às vezes,ela ficava tão
psicótico quc ligava para il polícia, para dizer que estavasendo sequestrada ou quc
havia homens construindo bombas no seujardim. Em diversas ocasiões, "fugiu" dc
cílsa e saiu correndo pelas ruas, aos gritos. Noutra ocasião,deu socose pontapés

257
AN,Vi'ONliA Dl; UA{A EI,ii)i;xli/\

na mãe e, mais tarde, rasgou uma lata clc refrigcrtlnte e cortou o pulso. "Essa é
a pessolunais psicótico que já vimos na história deste pronto-socorro", clissc a
equipe do hospital à mãe deJasmine, depois de um dessessurtos.

No fim de 2006, um médico passouJasmins para um único antipsicótico, o


Clozaril, c issolevou a um brcve alívio. Embora raras vezesfalasse,a adolescente
acalmou-see entrou numa escolapara cr.lançasdeficientes.À noite, a mãe passava
hoi'as lendo para ela, procurando alimentar a centelha de sanidade quc agora via
na filha. "Também notei que, quando eu cantava para cla, como sc fosse pala uma
paciente comAlzheimcr, elacailtava de volta, comunicando-se por meio d:ullúsica."
h'las, no início de 2007,Jasmihe sofreu outro surto psicótico grave, quc terminou
com ela aos gritos no meio de uma rua movimentada. "Não há esperança parít
ela", disseram os médicos, c a jovem logo foi colocada na instituição residencial,
onde hoje passaos dias, evitando o contato com outras pessoase, salvo pol' uma ou
outra pítlavra, de vez em quando, muda.

"Os médicos nle disseram quc ela sempre seria esquizorrênica", disse-me a
mãe. "Mas nenhum méclicojamais perguntou por esta história, por como era ela
antes de Ihc datem remédios. E sabe o que é muito difícil de aceitar? Nós fomos
proctii'ar ajuda, naquele verão em que ela estava com 11 anos, por um problema
insignificante, que não tinha nada a ver com a psiquiatria. Na minha cttbeça, ainda
a escuto rindo, do jeito que ela cra naquela época.Mas a vicia dela foi roubada.
Nósa pcrdemos,apesar de seu corpo continuar aqui. A cada minuto que passo cu
vqo o que perdi."

Ambivalente em Syracuse
A última série do curso médio foi limo boa época pai'a Andrew Stevcns.
Diagnosticadocom transtorno do déficit de atenção conahipeiatividade (TDAH)
na primeira série c medicadodesdeentão, ele havia passadopor altos e baixos
na escola,até chegar ao último ano. Nuasaí, fizera um coiso de mecânicade
:\utomóvcis e, pimba, tinha se sobressaído como nunca até então. "Fiquei numa
boa", explicou cle. "Gosto disso.Nem parece escola.

Na tarde em que nos encontramos,Andrew, que é de estrutura franzina c


talvez tenha 1,67 m de altura, levav;t bem ojeito do csqueitista que é: cabelo à
escovinha,brinco preto, camiscta, short e tênis salpicadospor um caleidoscópio
de cores. Eu havitt conhecido Ellen, sua mãe, um ano antes, numa conferência cm
Albany no estado de Nova York, c cla havia expressado liin sentimento que, a meu

258
Quando .sJo\ cns Soft'cm

ver, resutllia muito bem a faceta moral da medicação dejovens na nossa sociedade:
"0 Andrew tem sido uma cobaia para o campo da medicina".

Desde muito cedo, cla c o marido haviam reconhecido que Andiew era diferente
de seus outros dais filhos. Tinha dificuldades de fala, seu comportamento pztrecia
excêntrico e ele al)rescntava "problemas dc raiva". No primeiro ano d:t escola,
ficava tão tenso quc comuinente precisava ir para o corredor c pular numa pc(luCRa
cairia elástica, para rectipetar o foco. "Eu ine lembro de ter chocadoquando o
diagnosticaramcom TDAHI, e não foi por estai'em rotulando meu filho", contou a
mãe. "Foi tipo 'Gi'aços a Deus, sal)amos quc há uma coisa real zlconteccndo com
cle, e eles sabemcoiiio ajuda-lo. Nãu é imaginação nossa:

Enlboi'a Ellcii e o iiaarido sc inquietasscm por dar Ritalina ao falho, os médicos


e as autoridadesescolaresa levaraill a ci'cr que ela seria "relapsacomomãe"
se não Ihe dessea nlcdicação.E, no princípio, "pareceu um milagre", contou
cla. Os medosdc Andrew se atcntiaram, ele aprendeu a amarrar os sapatose
os professores clogiaiani a inclhora clo seu cumportailleilto. Após alguns meses,
porém, o remédiojá não parecia funcionar tão bcm e, toda vcz que sua ação
passava,havia um "efeito rebote". Andrew "sc Fartava como uin sclvagcnaforít de
controle". Um medico aunaciitou a dosagcnb se quc aÍo iTlcnIBO passou a l)arcccr
um "zumbi", c self senso de humor' só rccincr.gia quando passavamos efeitos
do remédio. Mais adiante, Aildrcw precisou tomar cloliidina pala adormecei à
noite. O tratamento medicamentosonão parecia cstar realmcntc ajudando e, por
isso, a Ritalina dcu lugar a outros estimulantes, entre eles Adderall, Clonccrta e
dcxtroanfetamina. "Eram sempre mais remédios", disscsita mãe.
Enquanto isso, o sucessod{) garoto na sala dc aulas oscilava de acordo com o
talento de cada professor. Na quanta c quinta séries, Andrew teve pi'ofessores quc
sabiam trabalhar com cle e sc saiu bastante bcm. Mas u professor da sexta série
se iml)acientava com cle, c a autocstima do illcnino afundou de tal maná'ira quc
a mãc resolveu Ihe dat aulas cm casa iio ano seguinte. Os tetnores de Atidrew
pioraram clubante esseperíodo, e cra comum ele Gicttr"hipcrconccntrado", sempre
com mcdo de qtic a mãc morresse. "Essa tem sido a parte minisfrustrante. Nunca
sei o quc é o mcu filho c o quc é o tcmédio", disse Ellcn.
Hoje, tanlaiiha é a ambivalência dela cm rclação aos remédios que cla gostaria
dc poder voltar atrás no tempo c tentar um caminho diferente. "0 meu Anclrew
não é lim círculo nen] lim qti2tdrado, não é nem nlcsmo iim triângulo", explicou.
Ele é unl quadrilátero trapczoide e nlii)cll vai se encaixar nessesoutros moldes.

259
ANATObIIA DI,; Uh;IA EPIDENII/\

E eu acho, sim, que, se nunca o tivéssemos medicado, ele teria aprcndido muito
mais mecanismos dc enfrentamento, porque teria tido que aprender. E nós
deveríamos poder ajudar crianças como o Anclrcw sem fazer com que elas se sintam
tão diferentes, sem tirar o seu apetite e sem tei' medo dos efeitos dos remédios a
longo prazo todas essascoisascom que eu hco aqui me l)rcocupando."

Quando era menor, Andrew podia fazer "intervalos da medicação"dc vez


em quantia, e, quando Ihc perguntei como era isso, ele recordou como era bom
adormecer senotei que tomai clonidina. Ficar sem os remédios, disse, "parece
menosforçado, mais livre". Apesar disso, falou, ele está prestes a se formar no
curso médio e terminou numa boa colocação. Tem namorada, gosta de andar de
esqueite e tocar violão e, graças à aula dc mecânica de automóveis, agora tem
planosde carreira,já quc um dia pretendeabrir sua própria oficina."E difícil
lembrar um tempo em que poderia tei sido diferente", clissc ele, dando de ombros,
ao pensar na sua vida com os medicamentos. "Não acho que houvesseuma escolha
certa ou errada, simplesmente foi assim que aconteceu."

Se Você Vive sob a Tutela do Estado.


Deve Ser Bipolar
A medicação cle crianças mantidas sob adoção temporária nos Estados Unidos
teve início no fim da década de 1990 e, por isso, para ter uma perspectiva desse
fenómeno, pensei em fazer uma visita a Theresa Gately. Ela e o mando, Bill,
receberana 96 menores sob adoção temporal'ia em sua casa de Boston, entre 1996
e 2000, e, portanto, ela assistiu pessoalmente a essa mudança no modo como nossa
sociedadetrata as crianças e adolescentes tutelados. Os primeiros menores que a
Assistência Social lhes mandou não fiam medicados, mas, no final, "parecia que
todos usavam remédios psiquiátricos", disse Theresa.

Dui'ante várias horas, ficamos sentados na sua varanda da frente, que dá para
uma iua movimentada, numa área bem barra-pesada de Boston, c quase todo
mundo que passavadava um adeusinho c gritava um alâ afetuoso, fosse qual fossc
sua etnia. Theiesa Gately é uma mulher magra, de cabelo louro cor de palha, e
teve sua própi'ia história de menor de lares aditivos. N:tecidaem 1964,sofreu
abusos sexuais clo padl'acto e, na adolescência, tornou-sc tão rebelde que acabou
num hospital psiquiátrico dc Maryland. Ali a medicaiam com Thorazine c outros
neurolépticos e, em suas palavras, só quando começou a "dar unia linguada:
nos remédios -- fingir (ltie os tomava, quando as enfen)leiras estavam olhando,

260
QuandoosJovcns Soh'em

e depois cuspi-los -- foi que sua cabeça começou a desanuviar. Mesmo assim, ela
não tem nada de "antimedicamentos"e, durante lmla fase difícil, alguns anos
atrás, constatou que um antidcpressivo c lim estttbilizadoi' do humor foi'am
extremamente úteis, e continua a usar essesremédios.

Como mãe de criação, Gatcly tinha quc seguir a "orientação médica" e dar
os mcdicailleiltos psiquiátricos aos menores quc chcgttvain com eles. A maioria
tomava coquetéis de drogas e, pala Theresa, parecia que estes eram usados
principalmcnte para toi'alar as crianças mais calmas c mais fáceis de manejar.
Uma Incnina, a Liz, tomava uma medicaçãotão pesadaque nem conseguia
raciocinar", recordou. "A gente perguntava sc ela queria lmla costeletadc porco
e cla não rcspoitdia."Outnl cra "quaseliluda, quandochegou.A última coisa
quc a gente precisa dar a uma pessoaque já não fala é mais remédio". Theresa
desfiou as histórias dc vários outros menores que estiveram sob a sua tutela, e
concluiu quc "talvez lms novc a oiize]dos 96 mcnoi'es] precisassem tomar a(lueles
remédios e estivessem sendo ajlidados

Ela acompanhou o clesenvolvinlentode vái'ios dos 96 menores e, como se


poderia esperai muitos enfrentaram lutas dificílimas quando adultos. Tecia ela,
pensei, notado alguma direi'onça entrc os que continuaram com os coquetéisde
medicamentos e os que parantm de toma-los?
Ç:)fiandocu pensonas crianças quc continuanun com os rcnléclios c nas quc
os largai:\m) as que tiveram sucessoforam :\s que pautam", disse ela. "A Liz
nunca deva;tter tomado remédios.Largou todos e está ótima. Estuda em horário
integral na faculdade de enfermagem, está qti;tsc se formando e já está para
casar.O ncgócio é que, clllando a pessoalarga os remédios, cla começa }\ constrliir
liils mecanismosde cnfrentamento. Aprende a ter controle intei'no. Coincça a
constniir umas foi'ças. Com il initioria dessascrianças, aconteceram coisas muito
ruins. N'las elas são capazes dc superar o passado quando deixam a illcdicação, c
aí podem seguir em frciite. A garotada quc ficava dopada e continua dopada pelos
remédiosnllnca teve essaol)ortunidade de construir habilidades para cnfrentai' a
vida. E esses,poi iluiica tercnl tido casaoportuniditdc n:t adolescência,não sabem
o quc fazer deles mesmos quando chegam à idade adulta."
Theresa não fez liin estudo científico, mas sua experiência lealmente oferece
um pequei)ovislumbredo tributo que a dedicaçãodos nlenorcstuteladoscjn
lares aditivos tem cobrado. Qliase todos ns que colltiniiaram a tomar remédios,
110dizer dela, acabaram "pedindo pctlsão por invalidez

26
ANATONIIA DI; UÀ[A EPII)EN[I.\

Tal como Thci'esa Gately, Sam Clayborn, que é assistente social em New
Rochclle, no estado de Nova lzork, sabe por experiência própria o que é ser um
garoto de lar adotivo temporário nos Estados Unidos. Quando nasceu,em 1965, no
Hadem, sua mãe não nade cuidar dele e, aos 6 anos, ele foi morar numa pequena
instituição residencial. Nós nos encontramos em scu apartamento, em Croton-on-
Hudson, e ele situou as coisasmuito depressanum contexto histórico. "Eles não
eram tão ligados em diagnósticospsiquiátricos naquela época") cxplicou. "Eram
mais chegadosa Ihe dai' uma supra, contei você e apenasjoga-lo numa porra de
um qual'to vazio. Fico feliz por ter crescido quando cra assim, e não como é agora,
[)orque, se fosse citado hoje, iam me encher dessas porcarias cle remédios. Eu ia
ficar dopado, apagado.

Nas últimas duas décadas,ele e sua parceira, Eva Dech, têm trabalhado em
defesa de menores dc lares adotivos e jovens pobres clo condado dc Westchcster.
Eva também teve uma infânciadifícil, que incluiu um período num nlanicâmio onde
cla foi mcdicada à força, e os dois veem uma dimensão racial nessa medicação dos
menores mantidos cm lares adotivos temporários. A partir do ano 2000, os índices
elosjovens negros diagnosticadoscom transtorno bipolar dispararam e, com base
nas altas hospitalares, agora eles são tidos como portadores dcssc transtoi'no em
grau maior do (lue os brancos.tEssediagnósticofornece a i'azãológica para a
medicaçãodos adolescentes,o que, por sua vez, coloca mais uin fardo em cima
deles, na opinião cle Cllayboin.

;Os expeiimentos de Tuskegeecom a sífilis" foi'am fichinha, comparadosa


isso.Aquilo foi uma titica dc nada, comparadocom o que andam fazendocom
a garotada pi'cta hcje cm dia. As companhiasfarmacêuticas e o governo estão
feri'ando todo mundo cm conluio, e pintando o diabo com a vida de uma porção
de gente. Eles estão sc lidando pala essesgarotos. É só capitalismo, c eles estão
dispostos a sacrificar a crioulada toda do gueto. Estamos pi'ejudicanclo essesgarotos
pela vida afora, e a maioria deles nunca vai se recupel'ar. Essesgarotos vão scr
destruídos c vão sobrecarregar ainda mais as listas da SSI [Renda Complementar
da Previdências.

Um dos adolesccntes da região para os quais Clayborn tem servido de mentor é


Jonathan Barrow, que focouesparramado no chão da sala durante a nossa conversa,
11
Referência a um expcrimcnto médico i'balizado entre 1932 c 1972 na ci(laclc clc 'l'uskcgce, no
Alabama, pelo Serviço clc Saúde I'ública dos Estados Uni(los, usando centenas clccobaias llumanas
para observar a evoluçãonatural da síGllisnão tratada, sem quc os sujeitos estudadosclcsscm
scu coilscntinlcnto. A clcnúncia do estudo à ompi'cnsa(lcmonstrou a coinplcta falta de ética do
traballlo c gerou processosdc indcnização c pedidos formais clc desculpaspelo govcino nortc-
amcricano. (N.T)

262
QuandoosJovcns Soíl'cm

meio dormindo, meio escutando.Nascido no Hadem cm 1985dc mãc viciada em


crack,Joiiathan quicou dc uni lado pala outro quando criança e acabouindo parar
níl casa do avâ, c'm White Plains. Aos 7 alias, foi diagnosticado como portador de
TDAH e medicado conaRitalina. Ali pela sétima ou oitava série, começoua focar
rebelde e se nlcteu cm t\lgumas brigas, o quc levou a um diagnóstico de tntnstoi'no
bipolar e à prescriçãodc: Del)akote e Risperdal. Até aqucle inomcnto,Joiiathan
tinha sido lim tLdolesccilteativo, qtic passavaa maior parte das hurtts dc folga ila
quacli'a dc basquc:te, mas coincçoli então íl passar quase toda o tempo "isolado ilo
quarto", lias palavras dc Claybotn. Passoua receber pensãoda SSI por invalidez
antes de completar 18 alias, ílo (lttc l)arccccom lim "grave coinprometimcnto"
clutsa(lopelo transtorno bipolar, c continua n:t SSI até hoje. "Ett fico dopado"
explicou Jonathttn, ainda com as pálpebras moo pesadas depois do cochilo
vesl)crtino. "Não gosto dos retilédios. Eles mc dcixítnl com sono e é como sc eu
fosse viciado cm drogas.

Diante disso, Clayborn levantou-se da cadeira, mais agitado quc nunca.


Isso está acontcccndocom uma porçãodc in)tios hoje cm dia, e, depois (luc
eles entram ila medicação,esta os rouba dc si mesmos.Os caras peidcm toda
:l força de vontade p2tralutar, para mudar, para fazer deles alguma coisa e ter
sucesso.Sucumbem às algemas químicas dos filhos cla puta dos rcnlédios. E uma
escravidão tnédica, é isso (lue é."

Não muito depoisdessaentrevista, conlparcci a um;t reunião do Coitsclho


Consliltivo Estadual Juvciiil, 110 Hospital Estadual dc Westborough,iit)
Nlassachtisctts. O conselho é forinttdo por adultos joveits quc in.qrcusaram no
sistema de saúde mciltal antes dt: chegarem aos 18 alias c fortlcce orientação à
Secretaria dc SaúdeMental dc l\'lassachusettssobre o (lut' ela l)odc fazer para
4judltr os adolescciltes ct)nl probleltlas psiquiátricos a prosper;\r colho adultos.
Edil 2008, o coordenador do conselho t'FHNlathew IttcWade, que roía diagnosticado
pcla piimcint vcz qu;tudocstavítna sétima série c quc foi quem possibilitou
minha visita.

Na reunião, circulei cm volta da mcsíl c fui perguntailclo a todos como haviam


filtrado no sistema.Achei quc ouviria histói'iasdc garotosquc primeiro foram
incdicados com u[n estin[ulantc ou uin antidcprcssivo e, en] seguida, passados
piora lim diagnóstico dc trltilstoriio bipolar e, apesar dc haver alguns casosdesse
tipo, vários homensdessegrupo racialmente misto falaram de unia outra rota
social l)ztra a invaliclcz psiquiátrica.

2(j3
ANATObIIA DI; [JbIf\ EI II)ENFIA

Quando tinha 16 anos, CaIJonesm entrou numa discussãoviolenta, que acabou


por leva-lo a ser atendido no pronto-socono do Hospital Infantil clcBoston.Lá, ele
disse ao pessoal da emergência que "(suei'ia matar o outro garoto", sentimento que
Ihc rendeu uma ida a uma instituição psiquiátrica, onde recebctt o diagnóstico de
doente bipolar. "Não fizcram nenhum exame", contou-me. "SÓme fizeram uma
porção de perguntas c me mandaram começar a tomar uma porção de remédios."
Desdc então, Cal esteve internado 25 vczes. Não gosta dos antipsicóticos, cle modo
que para regularmente de toma-los ao receber alta, prcferindo fumar maconha,
c isso leva inevitavelmente a problemas. "Vou preso e me mandam de volta para
o hospital (psiquiátrico), e pra mim, tudo bcm, é só um negócio.Quanto mais
pacientes eles têm, mais os médicos ganham. Mas cu detesto este lugar. Não
consigosuporta-lo. Eti mc sinto um esci'avonum campo cleconcentração nazista."

Pelo DIGnosoutros três participantes cla reunião contaram histói'ias parecidas.


Um t'ztpazdisse que, pouco depois dc se formar no cllrso médio, em 2002, tinha
se aborrecido com um assuntode família e quebrado asjanclas do seu carro. "Eu
estavavivendo uma fase ruim. Queriam me rotlllar de docnte mental. Não sei se cu
sou isso." Outro explicou que, seis meses antes, como havia cometido um pequeno
delito, um juiz Ihc deu a opçãodc ir para o prcsí(lio ou pura o Hospital Estadual
dc Westborough."E mais seguroaqui do quc na prisão", dissc ele, explicttndo
sua escolha.Um terceiro membro do conselhodisse ter sido diagnosticado com
transtorno bipolar aos 13 ilhas, "depois que matei alguém
As histórias dessesrapazesatestaram uma outrtt via dc entrada dosjovens
pobres no sistema de saúde mental. A delinquência c o crime podem leva-los a
ser diagnosticados,medicadose encaminhadospai'a uma instituição manicoiliial.
Embora muitos rapazesdo consclho usassemcocluetéis pesadosdc mcdicamelltos,
tendo os movimentos c a fala arrastados, o (lue falou em tet' matado alguém citava
vivendo em sociedade,sem tomar nenhuma mcdicação. "Se o Estado quisessc
mesmonos ajradar,devia investir dinheiro num programa de empregos",disse.

De volta a Syracuse
Numa última parada, toi'nei a visitam'as (luas famílias dc Syracusc-- Jason
e Kelley Smith e Sean e Gwcn Oates -- que havia conhecido na primavera dc
2008. Pai'entes, ttmigos, teritpeutas c médicos tinham dado a essasduas famílias

11
CaIJoncs é um pscuclâniino.A c(luipcjiospitalar pccliu quc cu não rcvclassc os nonlcs dc p:tcientes
l iltci'ilít(los .

264
(2u21i)cloosJoveils Soheila

conselhosconflitantes sobre elas deverem ou não mcdicar seus filhos e, diante


dessa orientação tão desconccitailte, as duas havi2tm chegado a decisões opostas.

lesstca

])or uma conve rsa telefónica anterior, eu sabia queJessica Smith vinha passando
bcm e, quando choquei à sua casa,cla voo saltitando file i'eccbcr à porta, comia
havia feito un] ano antes. Quando ela fora diagnosticada com transtorno bipolar
los 4 anosdc idade, os pais tinham i'ejeitado as rcconlcndaçõesda equipe do
Cleiltro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Nova York de que ela
passassea tomar uni coqlietel dc três medicamcntos, que incluía u m antipsicótico.
Floje, eles têm uma menina dc 8 alias que faz lembrar o encantador personagem
da peça teatral -Rer7//g
Roiíe, dc lç'laurice Seildak. Jcssica, quc é a típica mcnina
extrovertida, estrelou rcccnteiiientc um musical na escola. "Ela adortl isso", disse o
pai, e apontou o comporttlinento da filha ila noite de estreia como prova do quanto
ela mclhorou, em termos do controle dc sitas emoções."Ela fazia o papel de um
personztgemque era um crânio, c uma outra n enina da peça pegou a cadeira dela,
o qtic não cia para ter feito. Vimos que aJessica liceu aborrecida. Míls deixou parêt
lá. Isso ntostrou que ela está melhuratido ein matéiiadc distensionai assituaçõcs.

EnlboraJessicajá nãu sc trate c(]m uln teríLpeuta, "ainda há umas batalhas",


dissesua mãe. "Ela ainda tens dificuldade conagrupos, com brincztr com mais dc
uma criança de cada vez. E ainda solta os cachorros quando alguém i\ m:tgoa.
Ela qticr mandar, e sztbeser chamativa e barulhenta. Mas os chutes e mordidíts
acabam'am.

O pai acrescentou: "Ela tem uma personalidade forte, mas isso é parecido com
outras pessoasda minha família. Eu era igualzinho.Era muito barulhcnto. Não
conseguia p;trai' quieto. Mas virei lin a boa pessoa.'

Nathan
Nathan Oatcs tinha passadol)oi' 12 nlcscs mais atrapalhados.Eu haviit
tclefonado para sua mãc várias vczcs durante o lula e, no verão dc 2008, Nathan
quc I'cccbei'a o diagnóstico de TDAH aos 4 anos e, posteriorliiclite, o dc portador'
dc transtorno bipolar -- estavaindo bens.Tonlaxa Goncei'tapai'a o TDAH c
Risperdal paul o transtorno bipolar e, nesseverão, havia descobertoque "adorava
pistas de atletismo", segundo nic contara sua mãe. '%.gorzlestão ensinando o
Nathaii a saltei obstáclilos c a fazer salto cn] distância." Ainda mais iml)ortante,

265
ANATOhIIJ\ I)E UX[A EPII)I;N[I/\

suasoscilttçõesde humor tinham se tornado menosagudas,a hostilidade pala


com a irmã havia diminuído c ele também vinha dormindo melhor. "Ele disse que
quer começar zl scr mais responsável",contara sua mãe. "Levanta dc manhã c
faz a cama, c agora está num ponto em que toma banho sozinho. Está começando
l fazer as coisassem quc cu o pcisiga. Pareceestai meio que amaduiccendo
sozinho.

Eia uma narrativa animadora, masesseperíodo relativamente tranquilo havia


acabado quando da volta de Nathan à escola, no outono. Ele ficara mliito ansioso
e mal-humorado e tinha começadoa resistir a ir às aulas. O assistentedo médico
que supervisionava seu caso aumcntala a dose do Risperdal, na espcrailça de quc
issoaplacassca ansiedadedo menino. "Estão tentando descobrir se a ansiedade
dele sc relaciona com o transtorno bipolar, ou sc é un] distúrbio separado",
explicara sua mãe, numa conversatelefonica no início dc 2009. "0 TDAH está
bcm e sob controle. Sc isso não funcionar, vão Ihe dar uma medicaçãoansiolítica.
Eles qucrcin se ccrtihcar de que ele não hqtic letárgico demais com a dose mais
alta cloRisperdal."
Quando voltei a Syracuse na primavcra, os pais do Nathan estavam bcirando o
clescspero,diante das dificuldades que ele vinha experimentando. Sua ansiedade
não haviadiminuído e, p;ua piorar as coisas,cle tinha perdido o controle urinário.
Dias antes, a mãe havia testemunhado, dc forma desoladora, como isso vinha
afetancloseu Galho.
"Fui busca-lona escolac ele estavasentadono meio da sala,
sozinho na sua carteira. Erzt quase como se fosse invisível para todo mundo. Os
professorcsjuram que cle tet[[ amigos, mascle nunca fala dc ninguém. SÓhá ui]]
colegadc tunlla que não implica com ele." Esscisolaillcnto seguiu Nathan em
casa, acrescentou a mãe. "Ele fica o tempo todo ilo quarto."

O pai continuavacspciançosode quc outro "ajuste da medicação"ajudasse


seu falho. Mas, afora isso, ambos os pais confessaram estar seno saber o que fazer.
O psicólogo crie orientava Nathan andava ficando seno ideias; a escola não
contribuía muito para aliviama intensa ansiedadeclo menino; e os familiares e
amigosdo casal não reconheciamcomo tudo isso ci'a difícil. "Eu me sinto muito
sozinha", dissc a mãe. "É uma droga. É cansativo. É exaustivo. Eu choro por cle.
Simplesincnte não sei mais o quc fazer. Não sei como ajuda-lo."

Antes que cu fosse embora, Nathan dcscctt do qliarto c me mostrou,


tin[idamente, alguns dc ecus pertences favoritos, inclusive un] cztpacctedc Gire/ra
/?a.r
Es/x?/ai.Contou-mc quc Zachariah era seu melhor amigo (o único colega de
Ç2uandoosJovens Soft'cm

turma que não implicava com ele) e, em seguida,nle ensinou a dobrar um papel
para fazer um avião, quc soltou voando pela sala. "Gosto de fazer filmes" com um
gravador de vídeo, contou-me, e acabei Ihe fazendo algumas pergLmtas sobre uns
dois assuntosque ele adora. "0 liga/?íc afundou em 1912", Nathan mc informou, e,
em seguida, identihcou orgulhosamente vái'ios ossosdo corpo huiTlaiio -- sente-se
fascinado por desenhos de esqueletos. "Todos os professores o adoram", disse sua
mãe, e, naquele momento, foi muito fácil entender por quê.

267
PARTE IV

EXPI,ILAÇÃO DEUMAII,USÃO
13
A Ascensãode uma Ideologia
;Nãojoi suíPlesa que us esludalttes de ttedicina acettassent
acviticunteltte o dogma do rcducimtisnto l)iolttédicn tla l)si quiatria;
elesnão Linhalll tempopara ler e anulisrtr a Literntuia original.

O que nie let ou algtut\ tempo pala contPree tder à tuedida que
auattcci pnr minha residência,Joi Por qut' os l)si(luialras Lnitibém
ralaitietttelazjani essa teitui a critica.
-- Colin Rosé, prt)fessor adjunto clínico dc' l)siquiatlia do
Centro Nlédicodo Sudoeste,c:m l)alias, Taxas, 1995i

Invcstig;tílias passo ;l passo a cpidcmia de doença iilcntal quc eclodiu nos


Estados Uiiiclos nos últimos cinqucllta alias e, dcpt)is clc rcscnhar a literaturtl
sobre resultados rc'gerenteil cada uma das principais doenças,há lama questão
óbvia a abordarcm seguida.Por qut' nossast)cieclitdc
acreditaqtic houveuma
rcvt)lução psicí)fai'nl;ecológica"nos últimos cinqlicnta ;lHoS quando a literatui'a
científica mostnt de inaiicira tão clamaque essa revolução não se nlatci'ializou?
ou, dito dc outra maneira, qual é il fonte d:\ noss l notável ilusão st)cial?

Para responder il essapergunta, precisamos tr;tç;tr a asccnsãoda "psiquiatria


biológica" ou "biopsiquiati'ia" e, cn] seguida, cxiuninar as histórias qut: a
psiquiatria -- depoisdc al)ntçar c'sscsistcin l de crt-alças passouil contar.

A Era da Inquietação da Psiquiatria


Nos temi)osempolgantes
da déc;tcl:tde 1950,qututdoparcciitqut' um
incdicamcnto novo t' rcvolucioiiário cni dcscobt'rto a cada ano, a psiqliiatiia
tinha i'anão paul c'st;tr otilllista quanto íl s( u futuro. Agora c:la possuía pílulas
tnágicits, colho o resto da =t dicina, e, quítitdo pt'squisadorrs do lilsLituto Nacioital
dc Saúdeiçfcntal(NIMH) e outros formularam a teoria do desequilíbrio químico
nasdoençasinttntais, l)alt:ceu quc essítspílulas rt:almclite podcriatn scr antídotos
parít doenças físicas. ':A psiquiatria norte-an)c'ricana", exclamou Gc raid Kleitnan,
un] c'x-dirctoi' do NIM.ll, "ltceltou a psicofariiiacologia canil) scu canino."2
Entretanto, duas décadasdt'pois, fazia muito quc essesdias dc cmpolgação haviam

271
ANATONÍIA I)E UX[A EI,I])ER{]/\

passado,e a psiquiatria atolava-scnuma crise profunda, atacadaem tantas frentes


que temia por sua sobrevivência. E+ certo sentido, disse em 1980 um diretor da
Sociedade Norte-Americana clc Psiquiatria (AI'A), Melvin Sabshin, parecia que
esse"campo prohssional estava sob hm cerco severo e isolado de seus aliados".3

O primeiro problema surgido baia a psiquiatria foi um questionamento


intelectual da sua legitimidade, um ataque lançado em 1961por Thomas Szasz,
psiquiatra da Universidade Estaclublde Nova York ein Syracusc.Em seu livro
O.A4í/oda-Doe/zfa.A4e/r/a/,i
ele ahrmo+ que os distúrbios psiquiátricos não eram de
natureza médica, e sim rótulos aplij:idos a pessoasque lutavam com "problemas
de vida", ou simplesmente se portavam de formas socialmente desviantes. Os
psiquiatras, disse ele, tinham mais cm comum com os religiosos e os policiais
do que com os médicos. A crítica d(l Szasz sacudiu esse campo profissional, visto
que até publicações da corrente d(jminante, como as revistas .4//an/ c e Soe/zce,
consideraram convincente e impoltahte a sua argumentação, e estRÚltimtt concluiu
que o tratado de Szaszcra "imensantente corajoso e sumamente esclarecedor(...),
ousado e, não rai'o, brilhante".' Co$10 dcpois disse Szaszao irem YorÉ7'i//zei,"Em
salas chcias de fumaça, ouvi reitci'adas vezes a ideia de que Szaszhavia matado a
psiquiatria. Espero que sim

Scu livro ajudou a lançar o movimento da "antipsiquiatria", e outros


:tcadêmicos
dosEstadosUnidos e da Europa Michel Foticault,R. D. Laing,
David Coopci' c Erving Goffman, pára citar apenasalguns -- entrai'am na pelqa.
Todosquestionavam o "modelo médico" dos distúrbios mentais c sugeriam que
a loucura podia ser urna tcação "saudável" a uma sociedadeopressora. Melhor
se dcscreveriam os manicómios conhoinstalações dc controle social do quc como
instituições voltadas para a cura -t um ponto de vista que sc ciistalizou e se
popularizou no hlme Z:/mE.f/ra/li%o
4a .N{/ráq que arrebatou cinco prêmios Oscar
em 1975.A enfermeira RatchedeÜaa tira malvadttdo filme, que termina com
Randle McMurphy (representado por Jack Nicholson) sendo lobotomizado, por
não se manter na linha.

O segundo problema enfrentadcl pela psiquiatria foi a concorrência crescente


na disputa dos pacientes. Nos anos 1960 c 1970, florcsccu lias Estados Unidos uma
indústria da tei'afia. Milharcs de psicólogose orientador'es começaram a ofei'ccer
seus serviços aos pacientes "neuróticos" de que a psiquiatria sc apossar'a desde que
Freud havia trazido scu divã para (l país. Em 1975,o númcro de terapeutas não
]'hnmas Szasz, O Adira da l)aerzça /elzfaZI/ii/ida//ze?içar dé zr/?irz/foda da condiz/a Pe.ç.fora/,trad. Irley Franco
c C:u los rol)crto C)livcira. SãoI'aula: Circulo do Livro, c. 1982. (N.T)

272
AAsccnsão dc uma Ideologia

médicos superava Qdos psiquiatras dos Estados Unidos e, com as benzudiazepinas


caindo cin desgraça, os pacientes neuróticos quc sc haviam contestado cn] engolir
"pílulas da felicidade" ila década de 1960comcçíuam a abrtLçara terapia do grito
pninal, os retiros cnl Esaletl e uill scnl-nuincro dc outras terapias "altcrilativas",
tidas como úteis para clirar a alma retida. Em parte como i'esultado dessa
concorrência,a tenda aiitial média de uin psiquiatra norte-americano, no fim dos
lidos 1970, erzl dc apenas 70.600 dólares, o que, embala fosse lim bom salário na
época,ainda ptmha a psiquiatria perto da base da classe médica. "Profissionais
não psiquiátricos dc saúdc mental estão se apossandode alguns, ou até dc
Lodosos domínios dc tarefas da psiquiatria", escreveuo psiquiatra David Adler
da UnivcrsidztdcTufos.H.aviarazão, afinilou elc, paul uma preocupaçãocom a
morte da psiqliiatria".õ

As divisões intensas também eram profunda\s.Embora a classe se houvesse


voltado para a psiquiatria biológica desdea chegadado Tlior;tzine, com a mtlioritt
dos psiquiatr;ts ansiando por falar bcm dos inedicameiltos, os freucliaiios, quc
dominavam muitas faculdades de medicina nos anos 1950,nunca haviam entrado
completamente nessaonda.Apesar dc acharem quc os rcmédios tinham alguma
utilidade, eles ainda concebiama maioria dos distúrbios como de natureza
psicológica. Assim, dllnlnte a década de 1970,houve uma profunda cisão filosó6lca
entrc os frcudianos c os quc abraçavamo "modclo médico" dos transtonlos
psiquiátricos. Além disso, havia uma terceira facção no campo, cnml)festapnr
;'psiquiatras sociais". l;sse grupo ttchavit qtic tl psicosc c as angústias afetivas
pr{)vinham, com frcquência, do cunílito do indivíduo com scu meio. Sc assim fosse,
altcnll esseitieio, Oli (Fiar um novo alnbientc fonlccedor dc apoio como fizera
Loi'en À'losherconascli PrometoSoteria --, seria uma boa nlancira dc ajudar a
pessoít a sc curar. Cloino os freudianos, os psiquiatras sociais não viam os fánnacos
como a peça principal do tratamento, c sim como agentes que ora eram úteis, ora
não. Com essastrês abordagenscm conflito, o cantpo estavasofrendo unia "crise
dc ideiltidadc", no dizer de Sabshin.'

No Girados tIDos1970,os dirigcntcs da APA falavaill rcglilaimente dc como scu


cama)oestava mima luta l)cla "subi'cvivência". Na décadade 1950,a psiquiatria
havia sc torii21doa cspccialiditdc qtic crescia mais depressana medicina, porém,
na dc 1970,a percentagemdc form uldosda faculdadedc nlcdicinaquc optavam
por cla caiu de 11%parir nICHosdc 4%. Essedesinteressepela área, afirmou o
Meãoyoz47}///fí ilurlla reportagem intitulada "Os anos ansiosos da psiquiatria", era
;visto coilio uma acusação particlilanllcnte doloi'oslt".o

273
AN.\'] OX]IA ])E UNIA EPII)I;NIIA

/
Evitando o Obvio
Eia essaa autoavaliação da psiquiatria nos anos 1970.Ela se olhou no espelho
e viu self campoprofissionalatacadopor um movimentode "aiitipsiquiatria",
economicamenteameaçadopoi ttjrapeutas sem formação médica c cindido
por discordânciasinternas. Na verdade, porém, estava fechando os olhos para o
problema fundamental, que era o fato dc seus medictullcntos virem falhando no
mercado.Era issoquc havia pcimitidu quc a crise sc fiimassc e se alastrasse.
Se a primeira geração de psicotrópicos houvessc realmente funcioitaclo, o público
estaria batendo às portas dos psiquiatras em busca de receitas dcsscs remédios.
A tese de Szasz de club a doença mental cia um "mito" poderia ser vista por algtms
como intelectualmente intercssantc, digna dc dcbate nos círculos académicos, mas
não restringirizt o apetite du pública por medicamentos qttc o fizessem sentir-sc c
fuilcioiiar melhor. Do mesmo modo, a psiquiatria poderia descartar' íl concoi rência
dc psicólogos c oiientadorcs como um incomodo inofensivo. Pessoasdeprimidas
e ansiosas
poderiatllentregar-se
a tei'apiasdo grito c a banhosde lama,e
buscar a terapia da fala com psicólogos, mas os vidrinhos receitados por médicos
permaneceriam em selimarmários de remédios. E as divisões internas também não
persistiriam. Se os comprimidos tivessem provado proporcionar alívio a longo prazo)
toda a psiquiatria teria ítbraçado o modelo médico, porque as outras formas dc
tratamcnto oferecidas a psiczulálise c os ambientes de apoio seriam percebidas
como ex:tgeradamente trabalhosas c desnecessárias.A psiquiatria entrou em crise ila
décadade 1970porquc a alli'a de "pílula milagrosa" cm toi'no dc seusinedicameiltos
havia desapaiccido.

Desdeo momento en] que o Thorazine e os neurolépticosforam introduzidos


na medicina maiiicomial, muitos pacienteshospitalizadosos haviam considcrado
objctáveis, tanto assimque muitos "davam uma minguada"nas l)ílulas. Essaera unia
prátictt tão difundida que, ilo começodos anos 1960,a companhia farmacêutica
Sillith, Kline aitd Frcnch desenvolveuum Thorazine líquido, (lue era possívelfazer
os pacientescngolircm. Outros fabriciuttes criaram formas injetávcis dc seus
neurolépticos,para quc os pacientesinternados pudessemser medicadosà força.
;Guidadol", grita\-a um anúncio de Thorazine líquido, "Os pacientes psiquiátricos
são conhecidos por FUGn{DAxil:])ic.\çÃo".9No início da década dc 1970, ptlcientes que
haviam experimentado essetratamento forçado começaram a formar grupos com
nomes coi no Frente de Libertação dos Loucos e Rede Clontra a Agressão Psiquiátrica.':
Em seus comícios, muitos carregavam cartazcs com os dizeres ABluÇos, NÃO iti-:MÉOiOS!

11

No original, Insano Libci'ation Front c Network Against I'sy'chiatric Assault. (N.T)

274
AAscensão de uma Ideologia

i./m Es/ra/z/la /zo.Nirz/!o ajudou a legitimar esse protesto entre o público, e o filme
foi lançado poucodepois qu e a psiquiatria sofreu o constrangimento de reportagens
que noticiavam que a União Soviética vinha usando neurolépticos pz\ratorturar
dissidentes políticos. Aparentemente, essasdrogas infligiam tamanha dor física
que pessoasperfeitamente sãs preferiam desdizer suas críticas ao governo
comLmistaa suportar dosesrepetidas de Haldol. Os textos dos dissidentes falavam
de drogas psiqliiátricas que transformavam pessoas em "vegetais", e o New UorÉ
71//zex
concluiu que tal prática !)adia ser vista como llm "assassinatoda alma".io
Dcpois, eill 1975,cluando o senador Birch Bayh, do estado dc Indiana, abriu um
inquérito parlamentar sobrc o usode neurolépticosem instituiçõesjuvenis, ex-
pacieiltes psiquiátricos invadiram a audiência pública pal'a depor a6lrmando que
os remédios causavam "dores lancinantes" e os haviam transformado em "zumbia"
emocionais. Os antipsicóticos, disse um ex-paciente, "são usados não pala curar
ou aludarj mas para torturam e controlar. E simples assim".il

Essesfãrmacosjá não eram apresentados ao público como agentes que faziam


um louco furioso "sentar-sc e manter uma conversa sensata", como havia relatado
a revista 71//zeem 1954,e,justamente enquanto essanova visão dos antipsicóticos
ia sc registrando na mentalidade popular, as benzodiazepinas caíram cm desgraça.
O governo federal classificou-ascomo substânciasdit categoria I'v)tli e Edward
K.ennedynão tardou a anuilciai' que as benzodiazepinashaviam "produzido um
pesadelo de dependência c vício".te Os antipsicóticos e as benzodiazepinas eram as
duas classes(le medicamentos que haviam lançado a revolução psicofarmacológic:t
e, ao passarem aml)as a scr vistas sob um prisma negativo, as vendas das drogas
psiquiátricas despcncai'am, nus anos 1970, dos 223 milhões cle receitas vendidas
ein farmácias em 1973para 153 milhões cm 1980.'' Ein sua reportagem sobre os
"anos aflitos" da psiquiatria, o .Areia
Ynrt 7%//zex
explicou que uma razão primordial
de os form:tidos em medicina estarem evitando essaespecialidadeera o fato cle
seus tratamentos serenapercebidos como "de baixa eficácia"

Essecra uin asstmtodc (luc a psiquiatria não gostavade falar e quc não
gostava de reconhecer. Ao mesmo tempo, ilo entanto, todos entendiam o que dava
los psiquiatras uma vantagem competitiva no mercado terapêutico. Arthur Platt,

A Lei dc' Substâncias C'ontroladas, aprovada pelo Congresso norte-anlcricano cln 1970, tcm cinco
categorias ou classesdc drogas lícitas c ilícitas, separadas conforme suas diversas características
quín)ices c scu potcncial gerador dc vício. Dois órgãos federais, o Dcpartamcilto de Rcprcssão às
Drogas (DEA) c a Aciministntção Fedci'al dc Alimcntos c itÍcdicamcntos (FDA), determinam a
inclusão c/ou exclusão das substâncias nessas categorias. Ocasionalmente, cla também poclc scr
feitzi pelo Cone!'essa. (N.T)

275
ANATOhIH I)E UNIAEPIDEAIIA

um psiquiatra de NovaJersey, estava num encontro profissional, no fim dos anos


1970,quando o orador que fez o discurso de abcituia explicitou tudo: "Ele disse:
'0 que vai nos salvar é que somos médicos"', recordou Platt.'' Eles podiam dar
receitas, o que não era permitido aos psicólogos c assistentes sociais, e esse era um
cenário económico(luc apresentavaaospronlssionaisda área uma soluçãoóbvia.
Se a imagem dos psicotrópicospudesseser reabilitada, a psiquiatria prosperaria.

Vestindo oJaleco Branco


O processoque levou à reabilitação das drogas psiquiátricas entre o público
teve início na décadade 1970.Ameaçada pela crítica de Szaszde que os psiquiatras
não funcionavam realmente como "médicos", a APA animou (lue estesúltimos
precisavam abraçar esse papel de nlancira mais explícita. "0 esforço vigoroso
de voltar a medicalizar a psiquiatria deve receber forte apoio", disse Sabshin,
da APA, em 1977.'sNumerosos artigos saíram no .4//ieHfa/ilazzr/za/ogPsgcÀía/pe
em outras publicações, explicando o que significava isso. "0 modelo médico",
escreveu o psiquiatra Arnold Ludwig, cla Universidade do Kentucky, baseava-se
na "premissadc que a identidade primária do psiquiatra é a cle médico".iÕOs
transtornos mentais, disse Paul Blaney, cla Universidade do mexas,deviam ser
vistos como "doenças orgânicas".n O foco do psiquiatra devia cento'ar-seem fazer
o diagnóstico apropriado, que provinha da catalogaçãodos "sinais e sintomas de
doença", nas palavras de Samuel Gaze, da Universidade Washington. Somente os
psiquiatras, acrescentouele, é que tinham a "fol'mação médica necessáriapara
l aplicação ótima elostratamentos mais cficazesdc que hoje se dispõe para os
pacientes psiquiátricos: as drogas psicoativas e a ECT [eletroconvulsoterttpia] ".I"
O modelo de atendimento deles saía diretítnlente da medicina interna. Nesse
contexto, o médico media a temperatura clo paciente, ou testava os níveis de
glicose no sangue, ou fazia algum outro exame para hiis diagnósticos e, uma vez
identificada a doença, prescreviao nledicamcnto apropriado. "Remcdicalizar" a
psiquiatria significava que o divã freudiano devia ser posto na caçambade lixo c,
feito isto, a psiquiatria poclcria ter a expcctativit de vcr recuperada íl sua ina;trem
pública. "0 modelo médico, no pensamento popttlaB está muito fortcinente ligado
à vcrdadc cicntííica", explicou o psiquiatra David AdleB da Univcrsidadc Tufts.i"

Em 1974,a APA cscolhcuRobcrt Spitzcr dit Utiivcrsidadc Columl)ia, pai'tt


chchar a força-tarefa que, por Incite de umz\ revisão do .44a/ll/a/ de .Z){agnóí/ífa
e Ena/ís/{írz (Z)S/14)d;t APA, instigada os psiquiatras il tratarciil os pacientes

276
AAscensão dc umaldeologia

dessa maneira. O .DSzW.17,que tinha sido publicado em 1967,refletia conceitos


freudianos de "neurose", e Spitzer e outros argumentavam que tais categorias
diagnósticos eram notoriamente "indignas de confiança". Juntam'am-se a ele na
força-tarefa outros quatro psiquiatras de orientação biológica, inclusive Samuel
Guze, da Univcrsiclade Washington. O .DSJt/-J77,
prometeu Spitzer, serviria
como "defesa do modelo médico, tal como aplicado a prol)lemas psiquiátricos".zn
O manual, disse cm 1977o prcsidente da AI'A,Jack Weinberg, "deixaria claro,
para quem quer que estivesseem dúvida, que encaramosa psiquiatria como uma
especialidade da medicina".ai

Três anos depois, Spitzer e colaboradorespublicaram o produto do seu


trabalho. O -DSÃ4-177
identificou 265 distúrbios, todos declaradosde natureza
distinta. Mais clecem psiquiatras haviam contribuído para o volume de quinhentas
páginas -- autoria indicativa dc que ele representava os conhecimentos coletivos da
psiquiatria norte-americana. Para fazer um diagnóstico peIDa-SiW-.IZ7,
o psiquiatra
devia determinar se um paciente tinha o número exigido de sintomas tidos como
característicos da doença. Por exemplo, havia nove sintomas comuns a u m "episódio
depressivo grave" e, estando presentes cinco deles, seria possível diagnosticar essa
doença. O novo manual, vangloiiou-se Spitzer tinha sido "testado no campo", e
essestestes haviam provado que clínicos de diferentes locais, colocadosdiante
do mesmo paciente, tendiam a chegar ao mesmo diagnóstico, o que cra pi'ova de
(lue o diagnóstico já não seria tão subjetivo quanto antes. "Essesresultados [da
confiabilidade] foritm muito melhores do que havíamos esperado", disse ele.22

Ágata a psiquiatria dispunha de sua "bíblia" do modelo médico, e a APA e outros


profissionais da át'ca sc ttpressaram a enaltece-lo. O .DS/W-.Z1[7
eia "um documento
admirável (...) uma proeza brilhante", disse Sabshin.Z: "0 desenvolvimento do
Z)S/t/-,llir', dcclaroti Gentld Klerman, "reprcselita um iltonieiito fatídico na história
da psiquiati'ia norte-americtula (...) [e] self uso representa uma rcafirmttção, por
parte dzt psiquiatria norte-americana, dc sua idcntidade médica c scu compromisso
com a medicina científica."2''Graças ao .Z)Si1/-.117,
escrcvcii u psiqlliatriaJcrrold
Maxmcn, da Universidade Columbia, "a ascendênciada psiquiatria científica
tortloti-sc ohcia] (...) utntiga psiquiatria [psicanalítica] dcriva da teoria, a nova
psiquiatria, da rc alidadc dos fatos".zs

Mas, coiiio obstrvtlr;un us críticos cla época, cnl difícil entender por quc sc
deveria consiclt:ntt esse maiittal uiiiíl gi'atlclt rt'alização cíc/l/{/íca.Nenhuma
descoberta científica tinha levado a essa rt'coilhguração tios diagnósticos
psiquiátricos. A biologia dos distúrbios nlcntais coiltiiluava clc:scoiihccicla,
c até

277
AN,\ rONIIA DE UbL\ EPIDENÍIA

os autores do .DSÃ4-JZrconfessaram ser esse o caso. A maioria dos diagnósticos,


disseram eles, "ainda não foi plenamentc validada por dados sobre corrclatos
importantes, como o curso clínico, o resultado, a história familiar e a resposta
ao tratamento".ZÕTambém ficou evidente que as linhas divisórias entre a doença
e a não doença tinham sido arbitlaiiamente traçadas. Por que era necessária a
presença de cinco entre os nove sintomas tidos como característicos da depressão
pala se fazer o diagnóstico dessa doença? Por que não seis sintomas? Ou quatro?
O .DSz14-1r7,
escreveuTheodore Blau, presidente da SociedadeNorte-Amciicana
de Psicologia, mais cia "uma declaração de posicionamento político cla Sociedade
Norte-Americana cle Psiquiatria do que um sistema classificatório de base
científica".27

Mas nada disso importava. Com a publicaçãodo -Z)S/t4-.[[7,


a psiquiatria tinha
vestido publicamente um jaleco branco. Os freudianos tinham sido vencidos, o
conceito cle neurose, basicamente jogado na lata clelixo, e era esperado que todos
os piohssionais abraçassemo modelo médico. "E hora de declarar vigorosamente,
que a crise cle identiclacle acabou", disse Sabshin.a8 Com efeito, o .4/?zedca/zlazz?-/za/
afPKpcAíaf7 exortou seus membros a "falarem em uníssono, não apenas para
asscgui'ar o apoio, luas para rcspaldar a posição [da psiquiatria] contra os
numerososoutros profissionais da saúde mental que buscam pacientes e
prestígio".29 0 modelo médico e o .DSi1/-.177,
observou em 1981 o psiquiatra Ben
Bursten, da Universidade do Tennessee, tinham sido usados para "reunir a tropa
(...) frustrar os agiessorcs [e] extirpar o inimigo interno".S"
A rigor os freudianos não foram os únicos a scr vencidos. Loren Moshcr
e seu bando de psiquiatras sociais também foram fragorosamente derrotados e
sumariamente despachados.

Ç2uandoMosheriniciou scu Prcjeto Soteria, em 1971, todos compreenclcram que


ele ameaçava a teoria dos transtornos psiquiátricos calcada no "modelo médico"
Pacientes es(luizofrênicos recém-diagnosticados vinham sendo tratados numa
residência comum, com pessoalnão profissional e sem medicação. Seus resultados
deveriam scr comparados com os de pacientes tratados com medicamentos
num ambiente hospitalar. Se os pacientes do Soteria se saíssemmelhor o que
diria isso sobre a psiquiatria e suas terapias?Desde o minuto em quc Mosher o
propôs, os líderes da psiquiatria norte-americana piocuraiam certificar-se de que
o prometo fracassasse. Apesar cle chefiar o Coentro de Estudos da Esquizofrenia
no NIMH, ele ainda precisaria obter' financiamento para o Sotcria na comissão
de subvençõesque supervisionavao programa externo cle pesquisasclo NIMH,

278
AAsccnsão de unte Ideologia

l qual se comptmha cle psiquiatras das principais faculdades dc mcdicina, e


essacomissão tcduziu sua solicitação inicial dc uma vei'ba dc 700.000 dólares,
dlirante cinco anos, para 150.000 dólares durante dois anos. Isso garantiu (lue o
prcjeto lutasse desdeo comeÇO
COHdificuldades financeiras, c depois,cn] n)cttdos
da década dc 1970, quando h,losher começou a relatar bons resultados cm seus
pacientes do Soteria, a coiiiissão contra-atacou. O estudo bilha "falhas graves
dc projetq dcclarott cla. As provas de que os pacientesdo Soteria obtiiihaill
resultados superiores "não craili convincciites".SINToshcrdevia scr tendencioso,
concluíntmos psiquiatrasacadênlicos,que cxigintm que ele fossc afastadoda
posiçãocle pesquisador principal. "A nicnsagem foi clara", agirmos h'losher, numa
entrevista concedida 25 alias depois. "Sc estávamos obtendo resultados tão bons,
eli não devia scr um cientista honesto".sz Pouco dt pois, a comissão de subvenções
suspctidcti inteir;ullrnte o fin;tilcianlcilto do experimcilto e Moshcr foi demitido
de seu cargo ilo NIMll, cn)boi;t a colliissão hutlvc:ssccot)cluído, a coiitnLgosto,
cin sua rcvisãu Gltlal do prqeto, qut' "essc projcto demonstrou, provavclmente,
quc um progi'amapsicossocialresidencialflexível, baseadona comunidadec
sclll inedicamciitos, cxcclltado por pessoalnão prohssional, pode sair-sc tão bcm
quanto um programa coliiunitário clc saúde incntal mais convcncioiial"

O NINIH nullca anaisvoltou il fii andar lim experimentodessetipo. Além


disso, a deinissãu dc Nloshcr tnlnsmitiu a todos os profissionais da arca tina
mensal('m clara: quem não r(.spítldasspo naocl(
lo biomédico não tei'ia muito
futuro.

Os Loucosda Psiquiatria
Uma vcz l)ttblicado o l)Sil/-J17, ;t APA tratou dc vender sc'u "tnodclo médico:
;lo público. Embont as organizações médicas profissionais sctnprt: hotlvesscm
l)rocurado promover os interesses ccollânlicos dc seusrncmbros, casafoi a pnmeinl
vcz (ltie unia orgaiiizztçãoprofissional anotou tão completanlcntc as práticas dt-
mercado colthecidas por (lualquei' associação conlcrcial. Edil 1981, aAPAcrioti uiiii
divisão dc publicaçõesc //zr/rte/íng")para "aprofundar a ideiltificttção médica tios
psiquiatras", e, c'nl l)ouqttíssinlo tenlpq transfonllou-sc illlnia maquina comercial
muito cíicientc'.33
"Ê tarefa da APA pi'otcger o poda:rde rc'lida dospsiquiatras",
disse' o vice-presidente da Sociedade, Paul Fink, cn] 1986.3'

Como primeiro passo a APA criou su;t prós)ria editora, em 198 1,níl expectativa
dc quc cla levasse "os melhores talentos c os conhccimclltos atuais dz\ psiquiatria

279
AK,\l ObíIA Dlü Uxí/\ EpiDKNíi/X

ao público leitor'".SSA editora logo passoua publicar mais de trinta livros por ano,
c Sabshin teve o prazer de assinalar, cm 1983,que os livros "propor'cionarão muita
educaçãopopular positiva sobre a profissão".SÕ
A APA também criou comissões
para examinar os manuais que publicava, decidida a secertificam'cleque os ttutores
permallecesscm ligados à mensagem. Aliás, cm 1986, ao prcpztiar a publicação
de Hra/a/lze/z/a
de Za zifar/zos
Psígz/íáfdcos,
Rogar Pede, uma das autoridades deitas
da organização, voltou a se preocupar com essa questão. "Como organizar 32.000
membros em defesa de seus direitos?", indagou. "Ç2ucm deve ser autorizado a sc
pronunciar sobre a questão do tratamento das doençaspsiquiátricas: soincnte os
pesquisadores?Somente a elite acadêmica? (...) Apenas os membros indicados por
pi'esidentcs da APA?"37

Des(lc muito cedo, a APA percebeu quc seria valioso desenvolver um rol
nacional de "especialistas" capazes dc promover a história do modelo médico
junto aos meiosde comunicação.Criou um "instituto dc relaçõespúblicas" para
supervisionar esseesforço, quc envolvia o treinamcilto dos membros "em técnicas
para lidar com o i'adio c a televisão". Apenas em 1985,a APA conduziu qllatro
seminários sobre "Como sobreviver a uma entrevista na televisão".S8Entreillentes,
cada Hllial distrital do país identificou "representantes dc assuntos públicas" iLptos
a serem chamadosa se pi'anunciar diante da imprensa. "Temos agora uma rcclc
experientc de líderes treinados, aptos a lidar dc modo cficicnte com todos os tipos
dc mídia", afirmou Sabshin.3"

Como qualquer organizaçãocomercial que vende um produto, a APA cortejava


a ompi'essacom regularidade c exultava ao receber coberturas positivas.Em
dezembro dc 1980,realizou uma conferência de impt'casa de um dia inteiro sobre
os "novos avanços da psiquiatritt", à qual "coilaparecci'am rcpreseiltantes cle
algtms tios jornais mais prestigiados e de maior circulação do país", vailgloriou-
se Sabshin.+o Em seguida, pâs "inserções dc utilidade pública" na televisão,
para contam'sua história, num esforçoque incluiu o patrocínio dc uln progratlla
de duas horas na televisão a cabo, intitulado .Szza Sazíde
Me?z/a/.Criou também
fichas informativas" para distribuição aos meios dc comunicação,as quais
diziam da prevalência dos transtornos mentais e da eficácia dos medicamentos
psiquiátricos. Harvcy Rubin, presidente da comissão dc assuntos públicos da APA,
gravou um programa popular de rádio que levava a mensagem do modelo médico
a ouvintes dc todo o país.+iA APA lançou uma ofensiva inidiática em todos os
níveis c com todos os recursos -- entregava prêmios aosjornalistas cujas matérias
Ihc agradavam -- e, ano após ano, Sabshin detalhava a boa publicidade que csse

280
AAsccnsão de uma Ideologia

Esforço estava gerando. Enl 1983, ele observou quq "com a ajuda e o incentivo
dtt Divisam dc Assuntos Públicos, a U.S. .Newi a/zd Hor/dRePorf publicou uma
granclc matéria de capa sobre a depressão, a qual incluiu citações substanciais de
psiquiatras ilustres".4ZDois anos depois, Sabshin anunciou quc "porta-vozes da APA
foram colocadosno programít de Phil Donahue, noJVlgÀf//zec cm outros programas
um rede nacional". Nesse mesmo ano, cla "ajudou a elaborar um cal)ítulo de um
livro da Rerzdert Z){gei/ sobre saúda: mental". ':'

Tudo isso gerou glaiidcs lucros. As nianchctcs dc jornais c revistas passaram ;l


falar com regularidade de uma "rcvolução" quc estaria ocorrcndu na psiquiatria.
Os leitores do A/emHora 7://zei aprciidcntiii quc "a depressão hulttaiia Está ligada
los gcncs" e que t)s cientistasvinham clesveildando
a "biologiado medo e da
lnsied;tdc". Pes(luisadores,dissc ojornal, h;wianl descoberto "uinil chave química
dêt depressão".u A crcilça da sociedade iia psiquiatria biológica ia se firn12titdo
claramente, como esperava a APA, e, em 1984,Joio Fratlklin, do -Bíz//imoxe
Ezlf/lirlg
Szrn,escreveu uma série dc rrpoiLagciis em sete partes, intitulada "Os rcpítntdores
cla mente", sol)rc os avanços cspailtosos que vinham sendo obtidos ncssc canapé.+:
Fnulklin situou essarevoluçãomim contextohistórico:
Dt:sdc os tempos dc Sigmund Frt:ud, a prática da psiquiatria cnl mais arte do (lut:
ciência. Cercada poi uma aura de I'eitiçaria, trabalhiu]do com l)asc t:H] imprcssõtts
L: palpites, amiúde ineficaz, cla era a enteada clesajc'atadat? às vezes clivcrtida
da ciência moderna. To(!avia, há uma dé('a(la ou mais, l)siquiatras dedicadas à
pcs(guisatêill trabalhado c'm silêncio nos lal)oratórios, dissecando os cét-t:broade
ratos c honacns c desvcndancloas fói'mulas quinucas quc rcvclanl os segredos
da mente. Agora, na década dc 1980, u trabalho dc:les começa a compt:nsar. I';les têm
idcntificaclo com rapidez as moléculas entrelaçadas quc produzem o pcnsamcnto c a
emoção humanos. (-.) Colho resultado, a psiquiatria c:ncontnt-st: hoje no limiar de
sua transfolnlação nlmla ciência Grata, tão prccis;t c quantificável (lululto a genética
molecular. Xzempela frente unhaera de cng('nhaiia psíquica, com o dc'scnvolvimcnto
dc drogas c terapias cspccializadas pane cui'íu' as mentes adoccidas

Fr2tnklin,qut' entrcvisto]] illais dt: cin(luclita psiquiatras ilustres pala suasérie,


chamou essanova ciêiiciít dc "I)siqtiiatria molecular", "capaz dt' curar as docilças
mcntíLisque afligem talvez 20% da população".Foi agraciadocom o Prêmio
Pulitzer de Rcportagcm Explicativa por essetrai)}llho.
Os livros cscritos por psiquiatnls paul a imprcilsa leiga, iicssa época, contantm
uilla história seinc'lhzlnte. Em ZZé Good .Nê?oi ,4óozz/ DePrrss a/l [A boa notícia
sobre a dcl)ressão], o psiquiatra Mark Gold, da Univcrsidadc Vale, informou aos
leite)rcs qut' "nós qttc tnlbalhaiiios neste novo campo chaiiiitiilos nossa ciência dc

281
AnATohiiA Dl; UNÍ/\Epíi)i;xíi/\

ó oPsigzra/da, a nova medicina da mente. (...) Ela devolve a psiquiatria ao modelo


médico, incorporando todos os avançosmais recentes da pesquisa científica e,
pela primeira vez na história, foriiccendo uin método sistemático dc diagnóstico,
tratamento, cura c até prevençãodo sofrimento mental". Nos últimos anos,
acrescentouGold, a psiquiatria havia collduzido"algumasdas mais incríveis
pesquisasmédicasjá realizadas. (-.) Pcrscrutamosas fronteiras da ciência e da
compreensãohumana cm que residem a compreensãosuprema e a cura dc todíts
lc Hrlpnf aq l)lf'ntnjc" 46

Sc houve um livro que consolidou essa crença no pensamento popularJ foi


T»e-B/oÁe/z
.Braílz[0 cérebro avariado]. Publicado cm 1984 c escrito por Naticy
Andleasen, futura editora do 4//redfa/?Joz/?-/ia/of/'TgcÀ a/T, ele foi alardcado
como "a primeira exposição abl'aiigcnte da revolução biomédica no diagnóstico
c tratamento da doença mental". Nele, Andrcascn enunciou sucintamente
os dogmas da psiquiatria biológica: '!As grandes doençaspsiquiátricas são
enfermidades. Devem scr coitsideiadtts doenças médicas, como o diabetes, as
cardioptttias e o câncer.A ênfase nessemodelo recai sobre o diagnóstico criterioso
de cada mal específico de que sofre o paciente, tal como o faria um clínico geral
ou um neurologista"."

O Céleó?a
4uízdado:
o livro recebeuessetítulo brilhante, clubtransmitiu uiiltl
mensagem pragtnática, passível de ser apreendida c recordada com facilidade pelo
público. Entretanto, o que a maioria dos leitores não notou foi que Andrcasen,
em vários pontos de self livro, confessouque os pcsquisadorcsainda não haviam
propriamcntc co/zx/alada
quc aspessoasdiagnosticadascompi'oblemaspsiquiátricos
tinham o cércbro avariado. Os pescluisadoi'csdispunham de novos insti'umcntos
para investigar a função cerebral c tinham esperançade que csscconhecimento
chegam'ia."No entanto, o ci»íd/o da revolução -- a intuição de que modificareinos
drasticamente as coisas, Incsmo que este proccsso exija alguns anos -- está muito
presente", cxplicou a autora.4n

Decorridos 25 anos, esse momento da descobcrta inovadora ainda está por


vir. Os substratos biológicos da es(luizofrcilia, da depressão e do transtol'no
bipolar continuam desconhecidos. Mas o público sc convenceu há muita tempo
do contiái'io, c agora ])odcn)os vcr o processo de //zrzrte/i/zg
que dcscncadeou cssa
ilusão. No começo dos anos 1980, a ])siquiatria estava preocupada com seu futuro.
As vendasde medicamentospsiquiátricostinham sofrido um declhlio nlarcantc
nos sete anos anteriores, e poucos formandos das faculdades de medicina queriaill

282
AAsccnsão de uma Ideologia

ingressar nesse campo. Em resposta, a APA montou uma sofisticada campanha


de //zaríe/ng para vender self modelo médico ao público e, algtms anos depois, só
restou à população ficar boquiaberta ante os aparentes avançosque vinham sendo
obtidos. Havia uma revolução em andamento, os psiquiatras haviam passado
a ser "consertadores da mente" e, como disse a Jon Franklin um "químico do
cérebro", Nlichael Kullar, da UniversidadcJohns Hopkins, essa"explosãodc novos
conhecimciitos" levaria a novos medicamentos e a amplas naudanças na sociedade,
(late sci'iam "fantásticas!". '"

Harmonia em Q.uatro Partes


Os psiquiatras não crain os únicos nil suciedztde norte-amcricaiia ansiosos
por falar de uma devoluçãobioiltédica na psiquiatria. Durante a décadade 1980,
uma puxei'osacoalizão de vozestmiu-sc para contamessahistória, c cra um grupo
com influência financeira, prestígio intelectual c autoridadc modal.Juntas, essas
vozes dispunham de todos us rccuisos e dox/a/zzi social ncccssário para convencer o
público de quase qualquer coisa, e tal coalizão contadora de histórias pci'maneceu
intacta desde então.

Comojá vimos, os interesses económicos das companhias farmacêuticas e dos


médicos alinharaill-sc cstrcitanlcnte em 1951, quando o Congresso concedeu aos
iliéclicosseusprivilégios nioiiopolistas clc expedir receitas. Mtts, nos anos 1980,a
APA c a indústria deram mais um passoncssa rclação e, essencialnlcnte, cntraiain
numa "sucicdade"no mercadodc fármacos.A APA c os psiquiatrasdc centros
médicosacaclêmicosconstituíram a linha dc frcilte dessearranjo, c com isso o
público passoua ver "cientistas" no palco, enqlianto as ompi'asasfarmacêuticas
forneciam ein silêncio as verbas para essainiciativa capitalista.

A setnentc dessapítrccria foi plantada en] 1974,quando aAPAcriou uma força-


tarefa para avaliar a importância do apoio farmacêutico para seu futuro. A resposta
foi "muita grande" e, cm 1980,isso levou a Sociedadea instituir uma mudança
política de importância transformador'a.Até então, as empresasfarmacêuticas
haviatll montadocnm regularidade exposiçõessofisticadasna reunião anual da
APA e patrocinitdo cvcntos sociais, lilás não tinh;un permissãopara api'cscntar
l)alestras "científicas". Em 19R0, porém, a diretoria da APA dcu sua aprovação
a quc as farmacêuticas comcçasscn]a patrocinar simpósios científicos em seu
encontroanual. As cnlpresaspagaram tina taxa à APA por esseprivilégio e,

2H3
ANATObIIA DE UNIA EPIDEMI/\

em pouco tempo, os eventos de maior frequência na reunião anual passaram


a scr os simpósiosfinanciadospela indústria, que ofereciam aos membrosda
plateia refeições suntuosas e faziam apresentações de "painéis de especialistas"
Os oradores eram generosamente pagos para fazer as palestras, e as companhias
farmacêuticas se certiGlcavamde que suas aprcscntações transcorresscm sem
o menor problema. "Esses simpósios são meticulosamente preparados, com
ensaiosanteriores à reunião, e têm um excelente conteúdo audiovisual", explicou
Sabshin.SO

Estava aberta a poi'ta para uma "parceria" completa, uma parceria que
venderia ao público o modelo médico e os benefícios dos medicamentos
psiquiátricos, e a APA começou então a contar regularmente com o dinheiro da
indústria farmacêutica para financiar muitas de suas atividades. As companhias
farmacêuticas passaram a "subvencionar" programas de cclucaçãocontínua e
conferências psiquiátricas cm hospitais, e, como observou um psiquiatra, as
etnpiesas "tinham prazer' ern complementa-lascom comida e bebida de graça,
para adoçar o prazer da aprendizagem".'' Çjluancloa APA lançou um comitê clc ação
política, em 1982,para fazerpressão por seusinteresses no Congresso, esseesforço
íbi hnztnciadopela indústria farmacêutica. Esta ajudou a custear os seminários da
APA que ofereciam treinamento para lidam'com os meioscle comunicação.Em
1985,Fred Gottlieb, secretário da APA, observou quc agora a organização vinha
recebendo, todo ano, "milhões de dólares das fábricas de medicamentos".SZDois
anosdepois, uma edição do boletim informativo da APA,P3g'cAa/dc.Nbmi,estampou
uma foto da Smith, Kline and French entregando um che(ltie ao presidente da
Sociedade, Robert Pasnau, o que levou um leitor a fazer uma pilhéria, dizcnclo que
a APA tinha se tornado a "AssociaçãoPsicofarmacêuticaNorte-Americana".s3Já
então, a organizaçãovinha prosperandoem termos nlnanceiros,com um salto cm
sua receita de l0,5 milhões de dólares em 1980 para 21,4 milhões cle dólares em
1987,e se instalou num prédio novo e soGlsticadoem Washington, D.C. E falava
abertamente em "nossosparceiros na indústria".s'

Para as empresas farmacêuticas, a melhor parte dessanova parceria era que ela
lhes facultava transformar psiquiatras das melhores faculdadesde medicina cm
porta-vozes", mesmo quando essesmédicos se consideravam "independentes
Os simpósios remunerados nas reuniões anuais aceitavam essa nova relação. Dizia-
se cluc os simpósios eram apresentações "educativas" nas quais os fabricantes clc
remédios promctiain não "controlar" o que diziam os cspecialistas. No entanto,
essas apresentações coam e/i.Falada, c todo palestrante sabia que, se sztísse da

284
AAscentão de uma Ideologia

roteiro e começassea falar de desvantagensdos medicamentos psiquiátricos,


não seria convidadopela segundavcz.w Não haveria simpósios patrocinados
pela indústria sobre a "psicose por hipersensibilidade", nem sobre os efeitos
viciantes das bciizodiazepinas, nem sobre o fato dc os antidcpiessivos não serem
mais eficazes do que placcbos ativos. Essesoradores passeiam a ser conhecidos
como "líderes pensantes", cqa presença nos sitnpósios alçava-os à condição de
"cstrelas" dessa área pt'ofissional, e, no começo dos anos 2000, eles rccebianl
de 2.000 a 10.000 dólares por palestra. "Alguns de nós", confessou E. Fullcr Torres,
"cremos que o sistema atual está se aproximando de uma forma de prostituição
de alta classe."s5

Esses "lídcrcs pensalitcs" também se tornitranl os especialistas habitualmente


citados pela nlídia e escreviam os manuais publicados pela APA. Os líderes
pcnsantcsda psiquiatria moldarana a colnpi'ccnsãodos transtornos mentais em
llossa sociedade e, quando começarailaa servir de oradores remunerados, as
empresas farmacêuticas c;tnalizarítm dinheiro na direção deles por múltiplas vias.
Como observou em 2000 o Areia.E/zg/a/lula////za/adit4edicíne,
os líderes pensantes
scrvcn] de assessulcsdas empresas caos produtos eles estudam, participam dc
conselhos consultivos c centrais dc palestrantes, participam clc acordos sobre
l)atentos c naD-a//tei,
cí)iicordanl cnl scr os autores nominais dc artigos escritos
pelas compaithias intercssad;ls, proittovcnt fármacos c aparelhos cm simpósios
patrocinados pc:last'mprc:sas,t: sc d( ixam nlanlptilar por nlc'io d(. prcst'ntes cai'os ('
viagt:ns para ambientes dc luxo.Síi

E não eram apcilas uns poucospsiquiatras do meio acadêmicoquc a indústria


fanllacêutica seduzia com seusdólares. Tal indústria comptecndeu que cssc cra um
modo muito ehcaz de comercializar seus pi'odutos e, coletivamcnte, começou a dar
dinheiro a praticamente todas as figuras rcnoinadas do campo. Em 2000, quitndo
o Àrew -Eng/a/zdlollr/za/ i2/'Jldcdíci/ze tentou encontrar um cspccullista para escrevcr
uni editorial sobre a dcprcssão, "encontrou pouquíssintos que não tivessen] laços
íinancciros com as como:tnhias farmacêuticas que fabricou)t antidepressivos"

O Nlh'IH também scjuiitou à coalizãode coiltadorcs dt histórias. Os psiquiatras


biológicos souberam quc haviam conqliistado (om su(osso o NIMH quando o

Os l)siqtiiatras aca(lêillicos também (oincçaram rcgularmciltc a discui'sai cm jantam'cspara


grupos psiquiátricos locais, c cm 2000Johr] Noi'ton, psiquiatni (li! Univt:rsi(lado clo iç'lississipi,
confessou numa cítrta ao M?zoEn.g/a?zdlafl a/ afia/edír{/ie(lue, depois dc tcr escrito sobre os efeitos
colaterais do Incdicanlcnto do patrocinitdorl "meus convites para discursar dcspcncariun, dc
repente, dc (ltiatro a seis vezes por mês para essencialmente ncnlluma". Antes dessa cxpcriêilcia,
(miss('
c]c, "cti mc iludia, achais(]o
quc estava('c]ttcan(]o
os médicos,c não sal(]o dominadopc]os
patrocinadores:

285
ANAToX{H 1)1,= UNÜ EI,II)I:NIIA

Projcto Soteria foi encerrado e Moshei' demitido, e, durante a década de 1980,


o instituto promoveuativamcntea história da biopsiquiatriaperanteo público,
num esforço que ganhou asassob a liderança de Shervert Frazier. Antes de ser
escolhido para chefiar o NIMH, em 1984, Frazier dirigira a Comissão de Assuntos
Públicos da APA, que havia conduzido os seminários de treinamento de contatos
com a mídia, financiados pelas empresasfarmacêuticas, e não tardou a anunciar
que o NIMH, pela primeira vez em seus quarenta anos cle história, lançaria
uma grande campanha educacional, chamada Pi'ograma de Conscientização,
Reconhecimento e Tratamento da Depressão (DART).v Esse esforço educativo
informaria ao público que os transtornos depressivoseram "comuns, gravese
tratáveis", nas palavras do NIMH. As companhias farmacêuticas "contribuiriai]]
para o prometocom recursos,conhecimentose outras formas de assistência",c o
instituto prometeu que o programa seria conduzido por pelo menos dcz anos.
Enquanto ajudava a cxpandir o mctcado dos medicamentos psiquiátricos, o NIN'IH
chegou até a assegurar ao público que a história do cérebro avariado eia verdadeira.
Duas décadasc]e pesquisasmostraram quc [os transtonlos psiquiátricos] são
doenças e indisposições como quaisquer' outras doenças c indisposiçõcs", disse
o dirctor do NIML{, LcwisJudd, cm 1990, apcsai' de ninguém jamais ter sz\bido
explicar a natureza dessapatologia.s"
O último gntpo a participam'dessacampanha clc contar histórias foi a Aliança
Nacional para os Doentes Mentais [NAMl] .w Fundada em 1979por duas mulheres
do Wisconsin,BeverlyYounge Harriet Shetler ela surgiu como um protesto
popular contra as temi'iasfreudianasque atribuíam a responsabilidade
pela
esquizofrenia a "mães clistantcs, negligentes c preocupadas, que não eram capazes
de estabelecer vínculos com seus filhos", observou um historiador' do NIMH.Sg
A NAMI ansiava poi abraçamuma ideologia clc natureza diferente, c a mensagem
que procurava disseminar como disse sua ex-presidente Agnes Hatfield em 1991,
era que "a doença mental não é um problema de saúde mental; é lmla doença
bio[ógica. Por parte das famí]ias, há uma c]areza considerávelde que e]as estão
concentradas numa moléstia física".oo

Para a AI'A e as empresas farmacêuticas, o nascimento da NAMI não poder'ia


ter ocorrido em momento mais oportuno. Tratava-se cle um grupo depaü quc
ansiava por abraçar a psiquiatria biológica, e a APA e a indústria farmacêutica
V
Sigla da dcnominação original, Dcprcssion Aw arcncss, Rccognition and Trcalmcnt. (N.T)
\'l

Essacra a denominaçãooriginal da organização:NacionalAlliance foi the X'ícntally111.


Ela foi
postcriormcntetrocadapor NationalAlliancc on i\lcntal lllncss [AliançaNítcionalContra a
Doença Mcntal], paul reduzir a discriminação c o cstígma associadosaos doentes mentais. (N.T)

286
AAsccnsão dc uma Ideologia

pularam em cima dessaideia. Eill 1983,a APA "fez um acordo com a NAMl"
pala escrever um paiiíleto sobre drogas neurolépticas e, pouco depois, passou a
incei)tivar suasGlliaisem todo o país"a fomentar :l colaboraçãocom divisõeslocais
claAliança Nacional para os Doentes Mentais".'' A APA c a NAMI se uniram pal'a
pressionar o Congresso a alimentar o íiilanciamcnto cle pesquisas biomédicas, c o
bencficiáriu desse esforço - o NIMH, que viu scu orçamcnto de pesquisa aumentar
B4%ao longo da décadaclc 1980-- ILgiadcccuaospais por isso. "Num sentido
muito significativo, o NIR'IH é ilin instituto da NAMl", disseJudd a Laurie Flynn,
(lttc presidia a NAÀll, mima cai'ta dc 19ç)o.02Àquela altura, a NAMI tinha maisdc
125.0o0 membros, l illítioria deles de classemédia, e buscavaativameiite "educar
os meios dc comunicação, }ls alltoriclades públicas, os prestadores de serviços dc
saúclc,a comuilidadc empresarial L o público em geral sobre a verdadeira natureza
dos trilitstornos cerebrais", nas l)alavras de um de seusdirigentes.":'A NAMI
trouxc uma poderosa alitoridiLdc modal à narração da história do cérebro avariada
e, naturalmente, as t n presasfai'macêuticas íicariun ansiosaspor hnaiiciai' selim
l)roql'dirás edticítcioii:tis, havctldo 18 Girinosdoado 11,72 ntilhõcs de dólares à
entidadeentre 1996 e 1999.m

Em salina,um podcl'osoquarteto clc vozestitliu-sc durante os anos 19R0,aflito


para infornaar ao público qttc os distúl'l)ios mentais eram clocnçasdo cérebro. As
companhias farmacêuticas eiltrantnt com }l loiça finatlccira.A APA e ospsiquiatras
das nlelhoi'('s factild;ides dp in('dicin:t conferir:\m legitimidade intele(tual à
citlprcitada. O Nll\IH }tpâso selo dt- aprovaçãoclo govcnlo iia história. A NAMI
forticceu a autoridade tiloral. Erzt uma coitlizão capaz clc convencer a sociedade
norte-anlcricalia dc quase tudo, e, melhor ainda para a coalizão, havia em cala
uma outra voz que, à sua maiicira, contribuiu par;t blindar a história, tornalldo-a
infalível aos olhos do público.

Os Clríticos Acreditavam em Alienígenas


A história dc uma "revolução psicofarmac(ilógica" tinha sido contada pela
printcira vcz nas décadasdc 1950e 1960,c depois,coillo vimos neste capítulo,
foi ressuscitadanos anos 1980.Mas os contadoresda história nos anos 1980
cstavain mais vulneráveis à crítica quc os das décadasanteriores, pclo simples
fato dc quc agora haviít vinte anos dc pesquisasminando sua nilrrativa. Nenhum
dos iiiedicanlentos haviit provado ajudei as pessoasa fuitcionarcm beill a longo
pntzo, e a teoria do desequilíbrio químico nas doençasmentais estava em vií\s
dt' fracztssar. Como httvi;tnl concluído os pcsqttis;tdot'cs do NIN,IH em 19H4, "as

287
AN,\TOXINA I)E IJht/\ EPIDI;N[I/\

elevações ou decréscimos do funcionamento dos sistemas serotoninérgicos,


por si sós,não tendem a estar associadosà depressão".Os leitores ttteiltos de
O Cá?ólo.4z;adzdotambém podiam ver que, na verdade, nenhuma nova descoberta
Linha sido feita. Havia um abismodo tamttnho do Grande Camionentrc o quc
os contadores da história do cérebro avariado insinuavam ser verdade c o quc se
sabia de fato, e casemesmo abismo apareceria cm suas histórias quando o Prozac
e as outras drogas da segunda geiítção chegassem ao mercado. Todavia, para soi'te
dos proponentes da psiquiatria biológica, as críticas ao modelo médico e às drogas
psiquiátricas passarama se associar,ila mciltalidade popular, à cieiltologia.
L. Ron Hubbard, um cscritoi de facçãocientífica, fundara a Igreja da
Cientologia cm 1952.Um dos dogmas centrais dessaigreja dizia quc a Terra é
povoadapor almas que ztntesvivcram cm outros planetas-- um lllito de criação
;extraterrestre" que podcria ter saído dirctamente de um romancedc ficção
científica. Além disso, Hubbard tinha ideias próprias sobre como curar a mente.
Antes dc fundar a cientologia, havia publicadoDia/zefíci;Z/ze
//zodel/z
icíe/zce
af//ie/ifa/
óerz//A
[Dianética:a ciênciamodernada saúdemental], que dclincavao usodc
ujn proccsso de "auditoria" para eliminar da mente as experiências dolorosas clo
passado.A coiiiunidadcciciitííici c niédiçahavia ridiculaiizitdo ll dianéticil como
charlataiiicc e descartadollubbttrd como vigas'ista,c ele, por sua vcz, tomai'a-se
de intenso ódio pela psiqliiatria. Em 1969, a cientologia e Thomas Szaszfundaram
em conjunto a Comissão dos Cidadãos para os Direitos Hum:ralos, gi'upo que
começou a fazer campanhas contra a lobotomia, o cletruchoque e os remédios
psiquiátricos.
Isso se revelou muito afortunado par2ta APA c seusparceiros contadores ctc
histórias, quando eles levantaram a bandcira da psiquiatria biológica. Dc fato,
é fácil imaginar as empresasfarmacêuticas decidindo financiar secretamente tls
protestos da cientologia, ansiosas que estavam por jogar dinheiro cm qut\lquci'
organização quc conscientemente ou sem qttercr pi'oinovessc a sua causa. E qtic
não só os cientologistas acreditavam cm extraterrestres, como também tinham
ganhadofama dc ser um culto sigiloso,litigioso e até maléhco.A cientologia,
escreveua revista 7}//leem 1991,enl "limo fntude global imensamente lucrativa,
que sobrcvive intimidando os mcmbros c os críticos à maneira da Máfia".ss
Graças à cientologia, as alitoridadcs constituídas da psiquiatria dispuseram do
contraponto perfeito pai'a sua narração dc histórias, pois agoi'a podiam descartar
publicamente as críticas ao modelo médico e aos remédios psiquiátricos com
uin aceno da mão, inenosprczando-ascomo disparates piovcnientcs dc pessoas

288
AAsccnsão dc uma Ideologia

que eian] membros de um culto profundamente iml)opttlar, e não como críticas


surgidas dc suas próprias pesquisas. Nessas condições, a presença da cientologia
na mescla da narração de histórias serviu para conspurcar todas as críticas ao
moclclo médico e às drogas psiquiátricas, fosscni quais fossem suas fontes.

Foram essasas forças contadorasdc história que se formiti'am na décadade


1980. Q.uaiidu o Prozac chcgou ao mercado, clãs cstavam perfeitas ente ttlinhadas
ptlra a criação -- e a manutenção -- dc um conto da carochinha sobre o novo grande
salto da psiquiatria.

28Ç)
14
A História que Foi. e Não Foi Contada
Em ltlatéTia de cadáveresnos ensaios anuais com psicotvóPicos,
n núnleio delesé ntaior nos grupos de tratar\ente {itiuo do que nos grupos
tratados com u?ll pLacebo. Isso é tl\uivo dtfeleitte do que acontece nos cttsaios
com a pentctltna ou tios cnsntos co»t renlédtos(laterealmet\telunciol\am.
- Dava(l Hcalys professor de psiquiatria da
Universidade dc CardiíT, I'aís de Goles, 2008'

Durante a década de 1920, os donos de i'ádios no centro dos Estados Unidos


sintonizavamhabitualmentena estaçãoKFKB, quc tinha, talvez,o sinal mais
potente do país tiaqttela época, cmbora cmanasse da pequena cidade de Milford,
no Kansas. "Aqui fala o dr. John R. Brinkley, cumprimentando seus amigos no
Kansase em toda Falte", ouviam,e o dr, Brinkley tinha mesmouma história
incrível para contar. Em 1918, ele havia começado a transplantar gânadas de bode
para os testíclilos de homens mais velhos que sc preocupavam cum o declhlio de sua
virilidade -- uma operaçãodc 15 minutos, dizia aos ouvintes da KFKB, quc havia
provado "i'cstabclecel completatneitte" u vigor sexual. "0 hutiicni tciii a iclztdc
de suas glândulas", explicava o ilustre doutor, e essa cirurgia rejuvcnesccdora
futlcionavtt porque o tecido do bode "sc mistura com o tecido httmailo e o alimenta,
cstinlulaildo a glândula htimitna para llina atividade rcnovítda.":
Emboi'a as crcdeiiciais médicas de Brinkley fossem de naturcza duvidosa --
ele se diplomara ila Universidade de Medicina Eclética da Cidade de Kansas,
lama fábrica de diplomas --, o homem cra um contador de histórias magistral e
uma espéciede génio da propaganda.Após suas primeiras cirurgias, contou
essahistória aos jornais dc Kansas, e em pouco tempo estes estavam divulgando
imagens dele segtiraiido ilo colo o primeiro "bebê de glândulas de bode", filho de
um idoso (luc havia passado pela cirurgia. Outros homens mais velhos começaram
a afluir a Milford, cttda un] pagando 750 dólares pelo pi'ocedimento, c Brinkley
azcitou sua máquina publicitária. Contratou três assessoresde imprensa para
escrever matérias jornalísticas prontas pai'a serem publicadas, as quais eram
distribuídas entre "publicações interessadas em popularizar os mais recentes
avanços dos laboratórios dít ciência". Natuialmcnte, esses artigos plantados

291
ANATOhlr/\ 1)1,=UhÍ/\ EPIDEÀ41A

incluíam depoimentos dc clientes satisfeitos, comoJ.J. fobias, reitor da Faculdade


de Direito dc Chicago, quc -- diziam os artigos -- gostava de bater no peito e gritar:
"Sou um homem novo! Esta é uma das maravilhas do séculos". Brinkley criou sua
própria "Editora Científica" e relatou um "índice dc sucessode 90%a 95%" eln sua
cirurgia, a qual, explicou, devolvia o corpo a um "equilíbrio" hormonal adequado.
Quando ele começou a irradiar sua história na KFKB, em 1923, ficou tão famoso
que todo dia chegavamtrês mil cai'tas ao seu hospital de Milford, e, no íim dos
anos 1920,ele talvez fosse o "médico" mais rico dos Estados Unidos.

O dr. Brinkley acabouconquistandoum lugar na história da medicinacomo


um dos maiores charlatães de todos us tempos, quando }l Sociedade Norte-
Americana de h'leclicina assim o identificou. No entanto, em matéria de /?zar#efÍ7zg

da sua cirurgia cle gânadas de bode, ele empregou técnicas de propaganda e


um modelo de natação dc histórias que resistem à prova do tempo. Publicou
:artigosquc pai'eciamcientíficos,cortqou a imprensa,reivindicouum índice
altíssimo de êxito, ofereceu uma razão biológica pela qual a cirurgia curtia efeito,
c proporcionou aos rcpóiteres citações cle clientes satisfeitos. Essa-- como podem
atestar a farmacêutica Eli Lilly e outros fabricantes de fármacos-- é uma 6órnlula
comprovada parti transformar uma droga psiquiátrica em um sucessocomercial.

Lorotas, Mentiras e um
Remédio Campeão de Vendas
Hoje, a natureza fraudulenta da história contada pela companhia farmacêutica
Eli Lilly c pela psiquiatria a respeito do Prozac, quando este chegou ao mercado, é
bastante conhecida, pois foi doclimentacla por Peter Breggin, David Healy eJoscph
Glenmullen, entre outros. Bieggin c Healy escreveramseus relatos depois dc
obter'em acesso aos ai'(ruivos da Eli Lilly, quando prestaran] depoimento em ações
civis como peritos, o club lhes permitiu examinar dados e memorandos internos
quc desmentiam o quc fora informado ao público a respeito clo medicamento. Com
o risco de entrar num tenenojá conhecido, precisaillos revisitar brevemente essa
história, pois ela nos ajudará a ver, com considerável clareza, como se foimaiam
nossas ilusões sociais sobre os méritos das drogas psiquiátricas "de segunda
geração". A conaercialização (lo Prozac pela Eli Lilly revelou-se um modelo quc
outras companhiasseguiram, à medida quc foi':tm introduzindo suas drogas no
mercado,e envolveua nai'raçãode uma história falsa nz\literatura científica.
a supervalorização
publicitária ainda maior' dessahistória pala a mídia c a

292
A História quc l;oi-. c Não l;oi Contada

ocultaçãode riscosque poderiam levar à invalidez c à tnorte entre os usuáriosdo


medicamento.

A cà,êncã,a
da.#uoxetina
O clcscnvolvinicnto de [ái'mztcos coiiicça no ]abonltório, com a investigação
do "mccanisi)lo dc ação" dc uiiltl substância, e, como vimos al)tes, os cientistas
da Eli Lilly dcterminantm, cm iileadusda décadítde 1970,quc íl íluoxetina fazia
a scrotonina "acumular-se" ntt sinapse o que) por sua vez, dcset)cadcavauilla
série dc alterações fisiológicas no cérebro. Em seguida, em estudos com animais,
constatou-scquc it droga citusavaatividades estcreotipt\dasem ratos (fuiig2\i Oli
laiilbcr de forma rcl)ctitiva ctc.) e conlportamcntosagressivoscm cãese gatos.'
Em 1977,a Eli Lilly conduziu seu primeiro pequeno ensaio com seres humanos,
mas "nenhum dos oito pacientes que concluíram o tratamento de quatro semanas
exibiu villa clara tnelhora induzida l)elo medicamento", como disse Ray Fullci a
seuscolegasda enapresafarmacêuticit em 1978.O remédio também havia causado
;'um númcio bastante grande dc relatos de reaçõesadversas". Um paciente tivera
um surto psicótico ao tom:ti a medicação, e outros haviam sofrido de "acatisia e
inqliietação", disseFuller.'
Os ensaioscom a íluoxetina analhaviam conteçadoc já estava claro quc a Eli
Lilly tinha um gi'ande pi'oblema. A íluoxetiila não parecia inclhorar a depressão c
causavalim efeito colateral -- a }tcatisia -- quc aunit'fitava sítbidamenteo risco de
suicídio c violência. Depois dc receber tiiais relatos dessetipo, a Eli Lilly corrigiu
seus protocolos de ensítio. "Nos estudos futuros, o liso de benzodiazcpinas para
controlar ;\ agitação será permitido", escreveuFuller cm 23 dc julho de 1979.sAs
benzodiazepinasajudariam a eliminar os relatos de acatisia c devcriain melhorar
os resultados da r'acácia, uma vez que divcrsos testes com bcnzodiazepinas
l)ara a depressão haviam deillonsti'ado quc elas craili cíicazes como tricíclicos.
E claro que, coilat)depoiscoiifessotino tribunal Dorothy Dobbs,da Eli Lilly, o
uso de beitzodiazcpinas ert\ "cientihcameilte ruim", uma vcz que "confundiria os
rcsult:.dos" e "interferiria ila análise da segurança e da eficácia", mas permitiu
que a comi)ttnhia levasse adiante o desenvolvimento da fllioxetina.Õ

Entrctailto, incsmo com a adição das bci\zodiazepinas,


a fluoxetina não
conscguiu funcionar bcnt. No começodos ttnos 1980,a empresaconduziu unl
ensaio dc fasc 111do ilicdictuneiito na Alemanha, c em 1985 o órgão }Llcmão(lc
licencianicnto, o Bundcsgcsuiiclhcitsamt(BGA), concluiu que essa droga cra
"totalmente inaclcqtiadal)ata o tratamento da depressão".7
Dc acordocom as

293
AN,\TOÀIIA I)E IJXI/\ EPII)ENfI/\

;autoavaliaçõcs"dos pacientes (em contraste com as avaliaçõesdos médicos), o


medicamento produzia "pouca ou nenhuma resposta ou melhor'a no quadro clínico
tios pacientes", como assinalou o BGA.8 Ao mesmo tempo, ele havia causado
psicosee alucinações,além de aumentar a ansiedade,a agitação e a insâilia de
alguns pacientes, "os quais, como efeitos adversos,ultrapassaran] os considerados
aceitáveis pelos padrões médicos", escreveuo BGA.9 E o mais problemático de
tudo era que o tratamento conaessadroga poderia revelar-sc fatal. "Foram feitas
16 tentativas de suicídio, duas delas com succsso", nas palavras do BGA.io Um
empregadoda Eli Lilly alemãcalculou,cm caráter particular quc o índice de
incidência dc ates suicidas entre os pacientes que usavam fluoxetinít era "5,6 vezes
maior blueo constatado com o uso de outro medicamento atino, a imipramina".'

Naturalmente, depois que a Alemanha i'ejeitou seu pedido de registro, a Eli


Lilly temeu não conseguir obter aprovação da Administração Federal de Alimentos
e Medicamentos (FDA) pala a fluoxetina.: Precisavaocultar as informaçõessobre
o suicídio e, numa ação civil de 1994,Nancy Lord, perita em projetos dc ensaios
clínicos, explicou o que a empresa havia feito. Primeiro, a Eli Lilly instruiu os
investigadores a registrarem vários eventos advcrsos associadosà droga como
sintonias de depressão". Assim, nos resultados de ensaios submetidos à FDA,
os problemas foram atribuídos à doença, e não à fluoxetina. Segundo,quando
os cientistas da Eli Lilly tabularam os dados das Glchasmédicas, altei'ajam
as informações individuais dc "ideação suicida" por "depressão". Terceiro,
empregados da empresa examinaram os dados alemães "e retiraram os casos [de
suicíclio] que julgam'am não ser suicídios".''

Todas essas falcatruas, disse Lord a um tribunal en] 1994, tornaram


cientificamente "scm valor" todo o processo de testagcin. No entanto, mesmo
com essasmanipulações estatísticas, a Eli Lilly lutou para aprcsentai unia defesa
convincente da íluoxctina em sua solicitação cle aprovação à FDA. Ela havia
conduzido ensaioscontrolados poi' um placebo cm oito locais, c cm quatro deles os
pacientestratados com fluoxetiita não tinham se saído nlclhor do que o grupo do
placebo; nos demais, a Huoxetina fora apenas ligeiramente melhor que o placebo.n
Entrenlcntes, ao examinar os documentos da Eli Lilly, Peter Breggin descobriu
que a imipramina havia sc mostrado mais ehcaz que a fluoxctina cm seis de sete
ensaios.''A FDA, em seu examede 28 dc março de 1985de um grande ensaio,fez
a nlesmíl observação:"A imipram.ina foi claramente mais eficazque o placebo,ao

No fim dc 1989, a Eli Lilly obteve al)iovação para coma'cializar a íluoxctina na Alcillanha. Rias
com um rótulo (luc deitava para o alto risco dc suicídio.

294
A História club l;oi.- c Não l;oi Contada

passoque a fluoxetina foi menos sistematicamente melhor do que o placebo".tSNa


melhor das hipóteses,a eficácia da fluoxetina era dc natureza muito marginal, e
o examinador da FDA, Richard Kapit, também se ptcocupou com sua segurança.
Pelo menos39 pacientes tratados com fluoxctina tinham abcrto surtos psicóticos
nos ensaios curtos, e pouco mais de 1% haviam licaclo maníacos ou hipoinaiiíacos.
Outros efeitos colaterais incluíam insónia, nervosismo,collfusão, tontcira,
disfunçõc:sda memória, tremores c piora da coordenaçãotilotora. A íllioxctina,
concluiu Kapit, "pode afetar i]cgativaii]ente os ptLcientesconadepressão".i6A FDA
também entendeu (lue a farmacêutica Eli Lilly havia tentado esconder muitos
dessesproblemas, tendo se empenhadonuma "subcomunicaçãoem larga escala:
dos ntales (luc a lltioxetiiia podia ctlusar, segundo o avttliztdor David Grahzual.i'

Embora os testes l)ousamter sido dcsprovidosdc valor científico, ainda assim


se rcvclaiam uma prcvisão exala do que acoiiteccria depois quc o Prozac entrasse
[lo mei'cada. Houve numerosos relatos cxperieilciais de pacientes tratados com
essadroga quc cometeram crimes pavorosos,(]li se inalaram, e forítiit tantos os
l elatos dc eventos negativosquc fluíri\nl p2\ia o Prognulla NÍcdWatch, da FDA,
qtic o fáritiaco sc tornou rapidamente o medicamento sobre o qual havia mais
queixas nos Estados Unidos. No verão de 1997,a FDA havia recebido 39.000
dessesrclatórios sobre o Pi'ozac,o que liltnlpassava em muito o número recebido
sobre qualquer outro medicamcilto naquele período de novc anos (1988-1997)
O, históricos enviados a , MrdWatch falavam de centenas dc suicídios e de uma
longa lista de efeitos colaterais incómodos, etltrc eles depressão psicótica, mania,
ntciocínio aiiorillítl, alucinaçõcs, hostilidade, confusão, amnésia, convulsões,
tremores e disfunção sexual.tn A FDA calcula quc apenas 1%dc todos os eventos
adversosé informado ao NledWatch, o quc sugere quc aproximadamente quatro
milhões de norte-amei'icanos, dunLntc aquele período dc nove alias, tivcr2un uma
rcttção ruim ou até fatal ao Prozac.

A histó'ria contada nas publ,i,caçõesmédicas


Obviamente, o recorde registrado pela fluoxetiiia nos ctlsaios clínicos não
foi de um tipo que pudesseapoiar scu lançamento bem-sucedidono itlcrcado.
O público não tenderia íl abraçam' unl nlcdicamcnto que o órgão dc licenciamento
ÍLlemão,cm seu exame inicial, havia cotlsideiado "totalmente inadequado" como
tratamento da depressão.Para que o Praz:tchzcssesucesso,os psiquiatras pagos
pela Eli Lilly pala coiidttzir os ensaios precisariam contar uma história muitu
diferente nas publicaçõcs médicas c ao público.

295
ANATONíí/\ DE UlvIA Epll)i;híIA

O primeiro registro de uma açãojudicial envolvendoa fluoxetina itparcccu no


Jazz//za/ofC/i/z ca/ .fkgcÁla/7 em 1984.Esse novo agente, escrevcuJames Biemner
dtt Northwest Psychopharmacology Rescarch, em Washington, "proporciona
lmla atividacle antidepressiva eficaz, com efeitos colaterais em menor número
e menos problemáticos do que a imipramina. (-.) Nenhum dos efeitos adversos
relatados por pacientes usuários clc fluoxctina foi considcraclo l elacionado com
o medicamento". A fluoxetina, acrescentou ele, "provou ser mais eficaz do que
o anticlepressivo tricíclico".20 Em seguida,John Feigner da Universidade da
Clalifórnia em SanDiego, relatou que a fiuoxetina tinha eficácia pelo menosigual
à da imipiamina (e provavelmente superior à dos anticleprcssivos tricíclicos) c quc
"não sc observou nenhum efeito colateral grave" cm seus 22 pacientes usuários
de íluoxctilia, durante um estudodc cinco semanas.2'Um tema foi'a alardcado:
um antidepressivomuito seguroe aprimoradotinha sido desenvolvido-- e os
pesquisadoresda Eli Lilly agarraram-se a ele nos anos seguintes. 'EAlluoxctina
foi mais bem tolerada do que ít imipramina", informou cm 1985um psiquiatra da
Califórnia,Jay Cohn.22"Esse fármaco", disseJoachim Weinicke, da Eli Lilly, em
mais um artigo no/oz/r/za/adC/í/lira/PTgcóíaf7, "tem pouquíssimos cfeitos colaterais
importantes".23 Por fim, no relatório dc 1985sobre seu grande ensaio dí\ fase 111,a
Eli Lilly anunciou que "a fluoxctina produziu uma melhora maior do que o placebo
em todos os principais parâmetros de eficácia".2'

Emboi'a essesrelatos realmente falassem dc um novo mcdicamcnto quc


seria superior à antiga classedos antidepressivos,
ainda não sc tratava da
história clc um medicamento "inovador". Não havia qualquer ideia dc p07que a
íluoxctina funcionava melhor mas, à medida que se aproximava sua aprovação
pela FDA, um novo "fato" começou a aparecer nos relatórios científicos. Num
artigo dc 1987 no .Bd/ásÁJaz/l/ia/oÜP3gcÁ
afp, Sidncy Levine escreveu quc "alguns
estudosdemonstraram quc a dehciência [dc serotonina] desempenhttum pape]
importante na psicobiologia da doença depressiva".ZSEmbora não fosse isso que
sc havia realmente dcscobeito -- Levinc pai'ecia ter deixado escapar o relatório clo
Instituto Nacional de SaúdeMental (NIMH) de 1984que dizia que "as elevações
ou decréscimos do funcionamciito dos sistemas serotoninérgicos, por si sós, não
tendem a estar associadosà clcpressão"--, o referido alugo preparou o terreno
para a fluoxctina ser alardeada como uma droga bluecorrigia uin desequilíbrio
químico. Dois anos depois, psiquiatt'asda Univei'cidade dc Lotiisville fizeram um
levantamento da literatura subi'c esse medicamento, a fim de fornecer "normas de
prescrição do mais novo antideprcssivo", e escreveram qu c "os pacientes deprimidos
têm concentrações
de [metabolitosde scrotonina] inferior'csàs normais cm scu

296
A [listória quc l;oi-. c Não Foi Contada

líquido cefalorraquidiano" Começavaa sc espalharpela literatura médicauma


crença ilusória, e, o quc talvez não seja dc adminlr, os psiquiatras do Kentucky
concluíram qttc a íluoxctii[a, que en] tese elevava os níveis de serotonina, cra "o
medicamento ideal pura o tratamento da depressão".2"

Essa sequênciade relatórios em publicaçõesmédicasfoi'teceu à Eli Lilly


IS frases feitas dc que cla precisava pala anui('iar seu fármaco aos médicos.
A companhia inundou as publicações dc medicina com anúncios quc exibiam
pessoasbonitas, irradiando felicid;\de, quc alaidcav;tm o PI'ozac como igual à
imipiamina em terntos de c'acáciae mais bem tolerado. A ciência havia provado
quc a psiqliiatria dispunha dc lim comprimido novo e muito ztperfeiçoadupura a
depressão,o qual l)arecia corrigir uni dcscqttilíbrio químico do cérebro.

A hà,stóú,acontada ao l)úbl,ico
Ei'a certo qttc a história contada lias publicações psiquiátricas teria repercussão
biltre o público.Aquela altura, porém, o mercadodc antidepressivosainda tinha uill
t:unanho nlodc nado.Quando o Prozac foi aprovado,}Lnalistasde Wall Street previram
quc cle poderia gerar dc 135 a 400 itlilhões dc dólaresdc vendasanuais para a Eli
Lilly. Mtts as cinpresas farmacêuticas, a SociedadcNorte-Americana de Psiquiatria
(APA) e os dirigcntes do Instituto Nacional de Sttúdc N'lcntal (NIR'IH) Cazianl

questão dc aiTlpliar o mercado dc antidepressivos, c ztcampanha de "conscientização


po})ralar" DARÁ do NIN'IH., revelou-se o veículo pcrf'eito pala essehm.

Depois dc ;ulunciar sclls planos para o DART (Programa Dcl)ressiotl


Awarcncss, Recogllition aiid Trcatment) cm 1986,o NIN'tH havia cstlidado ;ts
crciiças popularessobre a depressão.Uma pesquisarevcloti que apenas 12%dos
Adultos norte-an]cricanos toinariaii] um comprimido para trata-la; 78% disse:ram
quc "convivcriam com cla até passai'",contando ein su:\ capacidadedc lidar
com o probleilla sozinhos.Ertt unia tLtitudt:compatível com o qtic o NIMH havia
pregado apenas 15 anos antes, quando Dean Schuylcr, chefe do actor dc deprcssão,
dissera quc a ii] tioria dos episódios dcprcssivos "segue scu cui'se c tei'mina com a
rcctipcração platic:uncnte completa, scm intervenção específica". Havia um saber
epidemiológico na convicção popular dc qtic a depressão passaria, mas o NIMHI --
dcpois quc Shcrvert Frazier c outros psiquiatras biológicos }tssumiramo comand(i
-- estava decidido a transmitir limo mensagem diferente

O objetivodo DAR'l; colmoexplicouo Nlb'IH cm 1988,enl "mudiâcaras


atitudes l)opularcs, para que halaiilitior accitt\ção dít depressãocolho um distúrbio,

2Ç)7
AN,\TOXIIA 1)1.:UNIA EPIDEXII/\

e não uma frítqucza". O público precisavacompreender que eia frequente ela


sci' "subcliagnosticada e subti'atada", e quc podia "scr uma doença fatal", se não
recebesse tratamento. Havia 3 1,4 milhões de norte-americanos sofrendo dc pelo
menosuma forma branda de depressão,disse o NIMH, e era importante que eles
fossem diagnosticados. O público precisava serinformado de que osantidcprcssivos
produziam índices de recuperação cle "70% a 80%, cm comparaçãocom 20% a
40%pma o placebo".O NIMHjlirou continuar indefinidamente o DARÁ a fim de
"informttr" o público sobre esses "fatos".27

O NIMH lançou oficialmente o DART em maio de 1988,cinco mesesdepoisdc


o Prozac chegar às l)rateleiras das fartnácias. Convocou "grupos de trabalhadores,
dc religiosos, de educadores" c de empiesáiios para ajuda-lo a disseminar sua
mensagem, e, é claro, as companhias farmacêuticas c o próprio NIMH cstivcram
cngajados desde o começo. O instituto pâs anúncios nos meios de comunicação c a
Eli Lilly ajudou a custear a imprcssão c distribliição de oito milhões de brochuras
do DAR'E intituladas "Depressão:o que você precisa saber". Esse panfleto
informou dos leitores, entrc outras coisas,os méritos particulares das drogas
"scrotoninérgicas" pztra a doença. '!Ao se disponibilizarem esses matcriais sobre a
clocnçit depressiva, toriuulclu-os accssívcis enl consultórios nlC(locosclc todo o país,
informações importantes estão cfetivanlente chcgando ao público, em ambientes
quc incentivam as perguntas, a discussão,o tratatilcnto ou o encaminhamento"
disse o diretor do NIMH, LcwisJudd.2"

Estava em anclajncnto a remodclagem clo pcnsamciito norte-americano. Essít


venda da depressão,feita sob o disfarce dc uma campanha de "cdlicação popular",
transformou-scnum dos esforçosde comercialização
mais eficazesquc já se
haviam concebido. Osjornais captart\m a história, as veladasdo Prozac comcçai'am
:t disptu'ar e então, em 18 dc dezembro dc 1989,o comprimido verde e branco
alcançou oficialmente o i/a/zn dc celebridade, quando a revista Nem yort o colocou
enl sua capa. Ai)l;us, 'rltíSii=ZA, gritava a illanchete. UNIA Nona i)itOGA NíiLAGltOSA PARA A

ln;plussÃo.Na i'cportagcm, uin usuário "anónimo" do Prozttcdizia que, numa cscala


dc l a 100, agora sc sentia com "mítis de 100". Graças a essa nova pílula milagrosa,
concluiu a rcvista, os psiquiatras achavam quc sua "prohssão tinha sido salva".20

Logo se segtüramoutras dessasmatérias entusiásticas.Elll 26 de março


de 1990, a capa da revista Newiwee#exibiu a cápsula vcide e branca flututuldo
como o Nirvana acima dc uma bela paisttgcm: i'i{oZAC:UNIAl)ROGAinox/AnoluFAltA
A ni:piiEssÃo,
anunciou a invista. Já então, os médicosvinham cmitindo 650 mil
receitas mensaisdessapílula, e "quase todos têm alguma coisa boa a dizer sobre

298
A História quc lbi«. c Não Foi Contada

o no\o tratamento", nas palavrasda Àremsweet. Os pacientesexclamavam en] voz


alta: "Nunca me senti melhora".3tiTrês dias depois, Natalie Angier do Negoynr#
71//leí,que se poderia dizer quc cra a iedatoi'a científica mais popular do país,
explicou quc os antidepressivos "funcionam restabelecendo a aLividade dos
ilcurotrttnsmissoresno cérebro,corrigindo um excessoou inibição ailoimais dos
sinais eletrocluínlicos (lttc controlam o humor, os pensanleiltos, o apetite, a dor
c outras sensações".Esse novo fármaco, disse o dr. Francis Mondin)ore a Angier,
não se assemelha ao álcool ncn] ao Valium. E parecido com os antibióticos".3'
Programasde televisãoíizerttm unia contribuiçãode peso,transmitindo uma
mensagem similar, e no programa 60 .A4i/z{//eiLesley Stahl contou a história
insl)irttdortt dc uinlnllulher, Mana Romcro, que, após umtt (décadadc depressão
terrível, havia rcilascido com o Prozac. "Alguém, alguniít coisa saiu do meu corpo,
c unia outnt pessoaciitrou", disse ltolnero. Stahl explicou alegrelnellte a cura
biológica que citava elll ação: "A maioria dos médicos acredita quc a dcprcssão
crónica, como a dc' Ronlero, é causada l)or llm desequilíbrio (luínlico iio cérebro.
Para corrigi-lo, o médico receitou Prozac".3'

A Cientologia Entra em Ação para Prestar Socorro


Ainda bem cedo, houve ]]m momci]to cn] que essahistól'ia da pílula milagres l
ameaçou dcsmoroliztr. O problema, é claro, rrH quc a fllioxetinzt efetivamentc
provocaxraideias suicidas e violeittas cm algumas pessoasc, durtlntc o virão dc
1990, a questão da segttraiaça do Prozttc irrotnpcu tios noticiários. E foi então,
nessemomento cittcial, qtic a cientologia sc revelou muito útil paul a Eli Lilly e a
classe psiquiátrica cstilbclecida.

Em 1990, tantas pcssol\s haviam sofrido com rcações ruins à fluoxctiiiit qttc:
sc fortnarlt em âmbito nacional uin Grupo dc Apoio ;l Sobreviventes do Prozztc.
Nluitos dos prejudicados pc'lo remédio haviam levado suasqueixas a advogados,
e duas açõesjudiciais, clip particular cíLptarania ateitção do público. Primeiro,
iio dia 18 dc julho, algtmsjornais iníoi'matam quc tina mulher dc Long lsland,
Rhoda Hala, estava processando a Eli Lilly porque) depois dt' se talhar usuária
do Prontc, havia cortado os pulsos L "outnts partes do corpo centenas dc vczc:s".3'
Duas semanas depois, osjornais falaram dc uma açãojudicial relacionada com unl
assassinatocm massa, cometido por utn holnctla eillotiquccido do Kelltucky Cinco
semanas depois de começar a usar o icnlédio, Joseph Wesbecker tinha entrado
numa gráhca de Louisville em (lue havia trabalhado e abrira fogo com uin fuzil
de assalto AK.-47, matando oito pessoas c ferindo 12. A Cloiilissãu dos Cidaclãus

299
AN,VrObIIA 1)1;UMA EPn)I:bIcA

para os Direitos Humanos emitiu prontamente um comunicado à imprensa,


exortando o Congressoa banir essa"droga assassina",e foi nessemomento que a
Eli Lilly deu o bote. Essasaçõesjudiciais, antmciou em alto e bom som a empresa
farmacêutica, "estão sendo instigadas pelo grupo cla cientologia, que tem uma
história de críticas ao uso de medicamentos psiquiátricos"."

Era o começo da campanha da Eli Lilly para salvar seu remédio campeão dc
vendas. ':A Lilly pode entrar pelo cano, se perdermos o Prozac", escreveu o diretoi
médico Leigh Thompson, num inemorttndo aflito cle 1990.SS
A companhia butilou
prontamente uma mensagem em quatro pontos para os meios de comunicação:
tratava-se de um problema que vinha sendo levantado pelos cientologistas; extensos
ensaiosclínicos haviam mostrado (lue o Piozac cra um medicamento seguro; os
eventos suicidas e homicidas estavam "na doença, não no remédio"; e "pessoas
quc poderiam sel ajudadasvêm sendoafastadasdo tratamento pelo medo,c essa
é a verdadeira ameaça pública".S6A empresaorganizou sessõesdc treinamciito
midiático para ospsiquiatras acadêmicosque contratou como consulturcs, fazendo-
os praticar a transmissão dessamensagem. "Francamente,não mc impressionei
com o desempenhodos nossosl)rofissioiiais externos", queixou-sc com Thompson o
vice-presidente da companhia, Nlitch l)aniels, depois de uma dessasaulas pi éticas,
cn] abril dc 1991. A emprcsa devem'ia "exigir" que os psiquiatras acadêinicos
inelhorassem seu descmpenho "em suas futuras sessõesde treinamcnto", disse ele.a7

Um artigo publicado iio Wa//SfxpelJalz7/za/


dc 19 dc abril de 1991mostrou quc as
sessõesdc treinamento da Eli Lilly haviam compensado. '!A cientologia", infornaou
o jornal a seus leitores, era uma "organização quase religiosa/empicsaria]/
paramilittLr" quc vinha "travando uma guerrtt com a psiquiatria". O grupo havia
atacado tl segurança do Prozac, muito embora "médicos não afilittdos à Lilly'
tenham constatado,durante os ensaiosclínicos, quc havia "uma tendência mciioi
para n pensamentosuicida com o Prozacdo cltte com outros antidcprcssivos,ou
coll] as cápsulasde aillido dadasa lim grupo dc coiltrnle". Nas palavrasdc Lcigh
Thoinpson, cra uma "revelação desanimadora vcr vinte anos dc sólidas pcs(luistts,
conduzidas por médicos e cientistas, serem vaiados aos gritos, em i/aga/?.fclt: vinte
scgtindos, por cieiitologistas c advogados". Com cfeito, informou o I'lza//Sfxre/
/aflr/zrz/, }l Eli Lilly, em resposta às l)reocupações a respeito cl2\segurança clo Prozac,
havia solicitado a "peritos cm suicídio" que rccxíu linasscm os dadosdos ensaios,
mas eles haviatn "concluído quc tladít nos ensaios clínicos ligava os pensamentos
suicidas -- con]]ms cn] pacientes com depressão ao Prozac". 'ltatavíL-sc cla
doença, c não do remédio, c cn\ essa a tnlgédia, cxl)licoti Jcrrold Ruscnbauin,

3oo
A História quc Foi«.c Não Foi Contada

un] psiquiatra de Harvard no Hospital Geral de Massachusetts. "0 medo que o


público tem do Prozac, em decorrência dessa campanha, tornou-sq cle próprio,
un] prol)letra })otencialmcnte sério de saúde pública, à medida que as pessoasse
:afastam do tratamento."38

Rosenbttum, natui'aln]cnte, era ]in] dos "prohssionais externos" da Eli Lilly.


Como informou posterionnente o Baila/zG/oóe,ele "ptuticipou dc um conselho
consultivo dc /lirzrte/í/zg
da Lilly antes do lançanlcnto do Prozac", sciido "confortável"
it sua relação com a empresa farinacêuticz\.39 Mas o 14za//
Sfr?e/Joz/r/za/o aprcsentou
colho um perito independente, lim dos mais illlstrcs médicos do país em matéria
de depressão,e por isso os leitores só podcriam chegar a uma conclusão:esseeia
um problema inventado por cientologistas perniciosos, c não uma preocupação
legítima. Outros jornais c revistas ietrataram o problema dessa maneira, e
cm maio daquele ano a 71//lepublicou uma virulenta nlatéiia dc capa sobre zl
cientologia, chamando-a de "organização criminosa" que atraía "psicopatas".'o

Em 20 dc sctein})ro dc 1991, a FDA cfetivaiilcnte convocou uma audiência pura


vetiíicar se o Prozac elevavao risco de suicídio, mas o painel coilstiltivo, que era
doniinaclopor médicoscom vínculos com cotllpanhias fariliacêuticas, nlaiiifestou
pouco interesse edil investigar a sério essa questão. Embont minis de du;\s dúzias
de cidadãos dcpusessemsobre us danos quc o medica\mentopodia causar o
painel ccrtificoli-sc dc quc a discussãocientíhc;\ se linlitassc a ;tprescntaçõcsquc
corrobontvitn í postunl da Eli Lillydc :tfirinai' qu(' a fluox(.tiii:i ( r:i perfeitain( ntr
segura.Clonlo informou o Ma// S/z?e/Jalz7/zrr/, os dadoscieiltíhcos aprcsciltados i)a
audiência provei'am que "a íluoxctina não leva a um atttnento dos suicídios ou
das idcias suicidas e, iizl verditde, nlostntrilm que a droga ajuda a ítliviar esses
problemas". Toda a controvérsia, como disse bolor/fila/ um defensor da cmprcsa
fannacêutica,cra uma "facçãocompleta",quc haviasida)"orgaitizttdac linanciadít
por um grupo dlt antipsiquiatria".'i

Naquele lilomeilto, a Eli Lilly c toda a psiquiatria obtiveraill tina vitória dt'
importância cltiradoura nasrelaçõespúblicas.A aura dc'pílula milagrosa cm torno
do Pi'ozac foi restaurada, c o público t' íl tilídia fonuii cundicionaclos il associar as
críticas at)s mcclicameiltos psiquiátrica)s à cieiitologia. O debate sobra'os méi idos
classesfármacospareci'uciltão exibir de um lado, os principais cientistzLS
e
médicos do país, e dc outro, religiosos parados; e, se cra assim, o púl)loco podia ter
ct rtt za clo lado t'M qtic estav;t il v(:rdaclt'. Olltros inibidores s(:letivos dc rt:captação
dit sc'rotoniníl (ISRS) t'tltrautN no nlcrc:tdo, }ls vendas clt) Prozztcbllteram ila
marca dt llm bilhão de clólaies t'm 1992, t' t'ntão, ( lii 19ç)3,o psiqtliatnt I'c'ter

301
AN,VI'ONIIADEUNIAEPIDENIIA

Kramer cla Universicladc Brown, em seu livro Ozzuí/zdo


a proêac,naumentou mais
um ponto no conto da pílula maravilhosa. O Prozac, escreveu ele, vinha deixando
alguns pacientes "melhor do que bem". Alvorecia uma cra dc "psicofarmacologia
cosmética", sugcriu Kramer em que a psiquiatria tenderia a dispor de pílulas, no
futuro próximo, que podem'iamdai' às pessoasnormais a pcrsonttlidade que elas
quisessem. Seu livro permaneccu por 2 1 semanas na lista dos maisvendidos doNew
yort 71//lese, pouco depois, a Àxewiweeideitou seus leitores para o fato de que era
hora dc a sociedadecomeçar a enfrentar as questões éticas levantadas pelos novos
poderes da psiquiatria. '%.smesmas percepções científicas clo cércbro que levaram
ao clesenvolvimcnto do Prozac estão levantando a pet'spectiva dc nada menos do
que pei'sonalidadcsfeitas sob cnconlenda,cscolhidíts nas prateleiras", explicou a
AZewseeXem 1994.Sci'á que os quc se recusassema "fazer uma recauchutagcm do
cérebro", indagou a revista, seriam deixados para trás?

O neuropsiquiatra Richard Restak foi efusivo: "Pela primeira vcz iia história
humana, estaremos cm condição de projetar nossoscérebros".+2

A América Enganada
Ellquanto a história do Prozac sc desenrolava nos meios dc cotnunicação, com
certeza o fantasma cleJohn Brinkley devia estar sorrindo em algum lugar. Ele havia
hipnotizado os Olivintcs do seu programa de rádio com histói'ias sol)rezlsmaravilhas
clãsgânadas transplantadas dc bodes, c agora ali estava um processo de narração
dc histórias que havia transformado um remédio "totalmente inadequttdo"
para tratar a (lepressãoilun] íái'macomilagroso,cm meio a psiquiatrasquc
torciam as mãos em público por ecus novos podcrcs divinos de moldar a mente
humtula. Deviam eles preocupar-secm deixar as pessoas"melhor do que bcin"?
Nossa sociedade perdcria algo precioso sc todos vivcsscm felizes o tempo todo?
Estava cm andamento a medicaçãogeneralizada da mente norte-americana, e
-- como revelará um exame muito i'ápido -- foi essc mesmo ])roccsso de histórias
da carochinha(lue respaldouo lançamentodo X.anal como um remédio para a
síndroilacdo pânico e um ailti])sicótico atípico para a esquizofrenia. Depois que
essasdrogas "de segtmda geração" sc toi'liaranl campeãs de vendas, as companhias
farmacêuticas e os psiquiatras acadêmicoscomeçarama promover toda sorte de
drogas psiquiátricas para uso infantil, e essanarração dc histórias varreu milhões
de jovens norte-americanos para a lata de lixo da "doença mental"

Pctcr Kntmcr Olruipzdo


oPToac,tnld. Gcni pirata. 2. cd. RindcJaiiciro; Record,1995.(N.T)

302
A História quc Foi«. e Não Foi Contada

Xanax
O Xlaiiax (alptttz{)lam) foi ;aprovadopela FDA como agente ansiolítico cin
1981 e, edil seguida, a empresa farmacêutic;t Upjohn tratou de aprova-lo para
a sínclroiilc do pânico, rc'céiii-idciltihcada como doençit distinta, pela primeira
vez, ilo DSzt/-J17(1980). Como primeiro passo,o labor'atórioconta\tou Gcrald
Klcnlian, cx-diretor do NIMHI, pane coprcsidir suzt"comissão dirctiva" do pl'occ'sso
clc testagclil c pagou a Daniel Frccdnl;tn, c'ditar dos Á?c/zízlel
ofGe/rí,ra//?pr/!ia/p,
para ser assistentede sua "divisão dt assuntosmédicos".'SIsso foi apenasl);\rte
dos esforçosclacomi)ailhia paul cooptar a psiquiatria zltadêmica. "Os psiquiatnls
mais tarimbadus do mundo foram bonlbardcados cona ofertas dc consultoria"
provenientesda Upjohn, dissc lsaac Marks, esl)ccialistacn] transtornosda
ulsiecladcno Instituto dc Psiquiatria de Londrcs.u
Klcrmait e ;l Upyohn concebcrltm o Estudo Colaborativo Transnacional sol)rt-
o Pânico, da t'ml)rosa farmacêutica Upjohn, de um modo quc tornasse espcrável
l produção dc: linfa resposta precária :lo placa'bo. Pacientes que haviam sido
tratados com l)cnzodiazc'pinosforaill admitidos ilo estudo, o quc significou quc
ltluitos integrantes do grupo clo placeboestariam, na verdade,passíuldopelos
horrores da abstinência da bcnzodiazepina, sendo portanto cspcrável quc ficasscin
c'xtrcmamcnteansiososnasprimeiras semanzls
do ctlsaio. Çlluascum quarto dos
pacientes tnttados com o placcbo tinham vestígios de bt'ilzodiazepinas no saitgttc
10 sc inicial' o período dc tratamento.+s

E sabido qut' as belizodiazepintts fulicionítm depressa, o quc se coitlprovott


verdadeiro nesseestudo.Ao cabo de quatro seRIaDas,H2%dos plLcientestratados
cona o alprazolam c:atavam pítssttndo "illodcradailieilte melhor" ou "iilclhor",
cm cotnparaçãocom 43% do grupo do placcbo. No entanto, lias quatro sc'manas
seguintes, os pacientes tnltaclos com o placcbo continuai'aiii a mclllontr, o que não
scdcu com os do alprazolam, e ao término da oitava scm:ulíl "não havia dilereiiça
significativa cntrt' os grupos", scgtindo a m;teoria d:ts t'scalas de avaliação, pc:lo
nlc'nos cntrc' os pacientes qut' pci'mitncceram ilo estudo. O grupo do alprazolain
tambéiii t:xl)erimt:ntoll uma variecladc dc efeitos colaterais problemáticos:
scdação, fadiga, fala arrastada, amnésia c má coordt:nação. Um cm cltd;t 2(i
pacientes tratados com alpi'ítzolanl sofreu uma reação "séria" ilo inc-dicamc:nto,
como nlítnia ou comportanlcnto agressivo.'"

Ao cabo dc oito sciilanas, os pilcientes foram piLulatinanieiite desmanladosda


medicação dlirante quatro scmailzls, (' depois acoinpanhaclos,já scni remédios, por

:303
ANA'I'OMÜ 1)1.;UXH EI,IDENIIA

mais duas semanas. Os resultados foram previsíveis: 39% dos quc suspenderam o
uso do alprazolam tiveram uma "deterioração significativa", e seu pânico c
ansiecladcdispararam a tal ponto que eles tiveram de reiniciar a medicação;35%
dos pacientcs tratados com alprazolam tiveram sintomas de pânico e ansiedade"de
rebote", mais severosdo que quando sc inicial'a o estudo, e uma percentagem igual
sofreu com uma multiplicidade de novossintomas debilitantcs, entre eles confusão,
acentuação das percepções sensoriais, depi'estão, sensação de insetos iastdando na
pele, cãibras musculares, vista embotada, diarreia, redução do apetite e perda de
S
l)cso.+7

Em suma, ao cabo de 14 semanas os pacientes expostos ao fármaco estavam


em piores condiçõesquc os do grupo tratado com o placebo:eram mais fóbicos,
mais ansiosos,mais abalados pelo pânico e se saíam pior numa "escala global" quc
avaliava o bcm-estar gcial. Qual'anta e qllatro poi cento ficaram impossibilitados
de deixar o medicamento, a caminho de limo vida de adicto. Sob todos os aspectos,
os resultados pintaram um retrato poderoso dít armadilha das bcnzodiazepinas:
ti'atava-sc de uma droga quc funcionava por um ])ei'iodo curto e, depois, pendia
eficácia em relação a um placebo; no entanto, quando os pacientes tentavam
abandona-la,scntiaui-sc muito mal, c muitos nãocunscguianl desfazer-scdo hábito.
As piimciras semanasde alívio vinham a um custo altíssimoa longo prazo c os
quc bicavam presos ao medicamento -- como haviam demonstrado estudos

anteriores sobre as benzodiazepinas-- tendiam a acabar com prquízos físicos,


}tfetivos c cognitivos.

Os investigadores
da Upjohn publicaramtrês artigos na revista 4rcAizieí
af
Ge/ze/a/PTgcAia/7 em maio dc 1988, c qualqucr pessoa quc examinasse os dados
com cuidadopoderia ver os danos causadospelo alpi'azolam.Mas, para quc o
X.anax fosse comercializado com êxito, a Upüohn precisava quc seus investigadores
cxtraísscm um tipo dc conclusão diferente, e foi o quc eles hzeram, ptu'ticularmentc
nos resumos dos três antigos. Primeiro, concentraram a }ttenção nos rcsultados das
quati'o primeiras semanas (e não tios de oito semanas, ao término do período dc
tratamento), anunciando que "o alprazolam revelou-seehcaz e bcm tolerado".+*
Segundo,assinalaram que 84% dos usuários do alprazolam haviam concluído o
estudo de oito semanas,o quc era prova de quc "foi alta a aceittLçãodo alprazolam
pelos pacientes". Embora seus pacientes de alprazolam exibissem regularmente
problemas colho "fala arrastada, amnésia" e outros sinais dc "mentação
pi'ejudicada", clãs ainda concluíram que o medicamento tinha "poucos efeitos
colaterais c [era] bem tolerado".+0Por ú]timo, embora reconhcccssem que alguns

304
À História (luc Foi-. e Não lbi Contada

pacientes tratados com alprazolam havitun sc saído pior quando da suspensãoda


medicação, eles ponderttram cine o remédio tinha sido usado por um período //lzlífo
cl/r/o e quc a dcscontinuaçãofora feita dc modo muito abrupto. "Recollicndamos
quc os p;tcieiites com síndrome do pânico sej:tm trattLdos por um período anais
longo, dc pelo mcnos seis meses", disseram.:

O cstuclosobreo Xanax

8
C

0
'D

Q
0
'D

g
E
3
Z
Tratamento atino . Redução da droga . Sem medicação

0
Linha Semana Semana Semana Semana Semana Semana Semana
basal 1 4 8 9 12 13 14

No c:studo(lo Xanax feito pela UpUollb os piicientes foram tratados com o niedicaillcilto ou conaum
placcbo durante oito scm;umas.Enl scgtiicla, o tratamento fni lentamt nte susp('nso(semanas ç)it 12) e,
llíls (]ti;ts ú]tinlas s('manas,os pa('ieiltes não i'o('cb('r:inl inc(]ic:tçãoa]gtinaa.os pa('ietltestrata(]os comi
Xatlax saíram-sc melhor nas primeiras (lustro seRIaDas,c foi nesse resulta(lo quc os investigadores da
Uljolln sc concciltr:tranl cnl seus altivos para revistas csl)c(balizadas. Todavia, (quando os l)aclentes
com Xztnax começaram a sc abster da droga, sofreram tim ilúmcio muito maior dc ata(luas dc pânico
(]o (luc os pacieiltcs tratados comio l)laccl)o) e, ilo térmico (lo estudo, cstavain muito mais sintomáticos.
Fonte: C. 13allcngeB 'hall)ntzolan} in l)anic disoi'dcr and agoi'apllobia", AlcAiDeS af Ge/lera/ .fiTpcÀíafp
45, 1988: 413-422; C. Pecknold, 'V\il)ntzolam in panic (lisordct' and agoi'aphobia", Arc/lidei auge/lera/
/)sgc/zia/p
45, 1988:429-436.

Em Lotldrcs, lsa;tc Nfarks c divã:rioscolegasst:usdo Instituto dc Psiquiatria


lssinalai'aili, posteriormente,o quallto tudo aquilo er21trzlnsparcntemcilte ridículo.
Numa carta à revista Álfi%ízic.ç
of Ge/lera/
.f)TD-caía/7
observanttllque, visto que os
pacientes com alpntz.olain "licantm cm l)ior estado que ospacientes que rccc'bcram
[) placebo" ao final do estudo, a constatação dos investigadores cla UpUohndc
quc o rcillédio enl cficilz c bcni tolenldo só podia scr vista como "tendenciosa
c qticstioiiávcl".si Todo esseepisódio, escreveu Nlarks, posteriormente, "é uma
dcillonstração clássica dos riscos clãspcsquistts hnanciadas pela indústria".s'

N'laso fato de os pílcientes usuários dc alprazolam chegarem a um rcsultado


final tão ruim, com muitos il caminho do vício pela vida afora, não impediu a

3o5
AN,\TObÍIA 1)1;UNIA EPII)I;NIIA

farmacêutica UpUohn,Klermítn, a APA e o NIMH de alardearem os beilcl'ícios do


Xanax para o público norte-americano. A mesma máquina dc //farte/ing que fizera
do Pi'ozac um campeão cle vendas voltou a ser acionada. A Upúohn patrocinou um
simpósio, na reunião da APA dc 1988, no qual o "p2tinel de espccialistas" destacou
os resultados após quatro sem:filas. Robert Pasnau, que havia presidido a APA
cm 1987,enviou aos membros da entidade um livrinho em papel cuchê sobre as
Co/ziegz/ê/zcíaida 4/ziíedade, unl esforço "cducativo" pago pela UpUohn. Shervert
Frazier c Gcrald Klerman assinaramuma cai'ta no estilo "Ç2ucridodoutor", (lue a
Upüohn incluiu na literatura promocional quc remeteu aos ilaédicos sobre o X.ande
como tratamento para a síndrome do pânico. A UÚohll também doou 1,5 milhão
dc dólares à APA, a fim de que ela pudesse montar uma campanha semelhante ao
DART para "educar" psiquiatras, profissionais da saúde e o público em geral sobre
:l síndlomc do pânico, quc sc ztíirn)ou ser "subdiagnosticada c subtratada".ss Por
íim, o NIMH também dcu sua contribliição, identificando a síndrome do pânico
como uma preocupaçãoprioritária c patrocinando uma conferênciasobrc cla
em 1991,com seu painel de especialistasapontiuldo as "benzodiazcpinasdc 2Llta
potêi[cia" -- o que seria (] Xanttx -- como ]]m dos dois "tratztmcntos cletivos".s4
A FDA aprovou o Xztnztxconlu trtttanlcnto pura a síndronlc du pânico cn]
novcmbro de 1990,e muitos jornais c icvistas publicaram as matérias dc praxe:
i:Nt pÂNico? A AJul)A i:sTÁ A CAXilNíiO, aiiuilciou a iilanchetc do S/. .Lazlás/)oif-.Dis»{z/cÁ.
O tratamento, disse ojornal, ajudava de 70% a 90% dos qtic sofriam dessa doença
dcbilitante, quc afetava "quatro milhões dc adultos neste país".SS
A Associatcd
Press explicou quc "um m;tu funcionamento bioquímico clocérebro é tido como
unia clipscausastios ataques de pânico. O Xt\nax podc bloquear os ataques,
interagindo com vários sistemas cercbrais diferentes".'o No CÓcago Sll/z-7}//zei,
o dr. John Zajccka, da Faculdade de Medicina Rush, em Chicago, ttnunciou ([ue
"o Xanax é o [n)cdicamcnto] dc ação mais rápidit c menos tóxico" dentrc os
rcnléctios para esse transtorno.s7 Mais uma vez, uma di'oga muito eGlcazc scgura
havia chcgadoao mercado, c em 1992o Xanax tornou-sc o quinto mcdicamcnto
receita\do cona mais frequência nos Estados Unidos.s"

Nem tão atl,pico asse,m


Enquanto o X.anax tomava o rumo do mercado como tratamento para a sín-
di'ome du pânico, a companhia farmacêuticzlJ:tnsscn conduzia cnsaios com a
rispcridona, uma nova droga para a esquizofrenia.Já então, osmétodos eillpregados
pelas clnprcsas farmacêuticas para ci'iat' novos psicotrópicos"campeõesdc

306
A História que Foi-. c Não Foi Contada

vendas" estavam começandoa scr muito bem praticados, quase todos empregaildo
o modelo de desenvolvimento dc fármacos do Prozac, e aJanssen, tal como a Eli
Lilly e a Upüohn, projetou testes tendenciosamcnte favoráveis a seu medicamento.
Em particular comparou doses múltiplas dc rispeiidona com uma alta dose de
haloperidol (Halclol), pois já então podia estar relativamente segura de (luc uma
das dosesdc risperidoila teria um bom peiíil dc scguiança, cm comparaçãocom
os antigos neurolépticos "paclronizaclos".Como observaram os examinadores
da FDA, esses estudos eram "incapazes" dc oferecer (lualqucr comparação
significativa(los dois fármacos.SO
Na carta de aprovaçãoenviadaàjansscn pela
FDA, Robcrt Temple,diretor do Serviçodc Avaliaçãode Fárm2tcos,deixoubem
clara essttideia:

Coiisiclcnuíainos qualquer propagitlida ou rotulação protuoctonal do Riso'l:iti)AL


colmo
falsa, enganosa ou (It'sprovidit dojusto cquilíbtio, nos termos da acção 502 (a) c 502
(n) da LEI, em havendo uma aprc'sciltação dc dados quc tnlnsmitil a impressão
dc qut' a riso)cridona é supc:Flor ao halos)ciidol Oli a qualquer outro })ruduLO
farmacêutico antipsic(ético comercializado, no tocante à segurança ou à eficácia.õo

Todavia, cmboi'a a FDA pudessc proibir a farmacêutica Janssctl de divulgar


anúncios que promovcsscm scu ]nedicamento colho supcrior RO haloperidol,
ela não tiiihtt autoridade sobre o que pudcsscmdizer os psiquiatras acadêmicos
contratados l)ela Jansscn. En\ esta a beleza comercial cla "parceria" surgida
entre a psiquiatria e a indústria farmacêlitica dlirante os anos 1980:os doutores
t(adêmicos pncliam fazer afirmações, tanto cm suas publicações médicas quanto
perante o público, cltte ;\ FDA considerava dc natureza falsa. No caso en] questão,
eles publicantm mais dc vinte artigos ein publicaçõespsiqliiátiicas, enaltecendo
a risperidona como igual Oli superior ao haloperidol na i'cduçãodos sintomas
positivos da es(ltiizofrcnia (psicose)c superior ao halopcridol na mclhont dos
sintomas negativos (faltil dc cRIação). Os médicos acadêmicos ahrmaram quc
a rispei'idosa rcdtizia as internaçõcs hospitalares, melhora\a a cal);tcidade de
fuiicion liilento social dos p;tcientcs e reduzia a hostilidade. "A risperidona tem
impor'tanto:svantagens, comparada ;lo halopcridol", escrcvcram iio Joll//?a/ oÍ
C/mica/ /'3gcÁía/p. "Quando adininistrtlda nliinzl faixa dc closttgcm eficiente,
:l risperidoita l)t'oduziu titelhoras iiiaiores eili todas as cinco dimensõesda
csqtiizofrcnia."''
h,leis uma vez, tratou-sc da histó]'ia cicntífica de un] tratamento novo
e apiimorado e, em sitas ciltrcvistas à mídia, os pcsquisadorcs da Janssen
falantm dc uma droga tllintculosa. Essenovo agente, informou o J4/ai&íng/a/?
noi/,
"representa um vislumbi'e de esperançapai'a unia doençaque, até i'cccntcmcnte,

3o7
ANATOÀÍU I)E UNIA EI,II)I,;NIIA

era considerada um casoperdido". A risperidona, exp]icou ojorna], não "causa]va]


vedação, visão embotacla, debilitação da memória ilcm rigidez muscular, efeitos
colaterais comumcnte associadosà geração anterior dc drogas antipsicóticas"."
O .NêwZor#7%#zei,citando Richard Meibach, o cliretor de pesquisasclínicas da
Janssen, afirmou quc "nenhum grande efeito colatei'al" havia surgido nos mais de
dois mil pacientes tratados com rispeiidona nos ensaiosclínicos.mAcreditava-se
que o medicamento "aliviava os sintomas da esquizofrenia, bloqueando os fluxos
excessivos clc serotonina ou dopamina, ou de ambos", segundo ojornal.':

Estava em cul'se a rcvolução dos antipsicóticos atípicos. Aparcntemente, o


Rispcrdal restabclecia a sanidade tto cquilibi'ar »zzí//Ú/osneuiotranslnissorcs
cerebrais e não causava/ze/l/zz
//z cfeito colatei'al digno dc nota. Em 1996, a Eli
Lilly introduziu no mercado o Zyprexa (olanzapina), e o conto popular sobre as
maravilhas ([os atípicos rcccbeu mais un] ponto.

Como se tontaia costumeiro, a Eli Lilly empregou ensaios"propositalmcnte


tcndenciosos"contra o haloperidol, concluiu a FDA. Como resultado, seu grande
ensaio da fase 111,que não foi controlado pelo uso clc um placcbo, ofereceu "poucos
dados úteis sobre a eficácia". Q.uanto ao pcrfil dc segui'onçada olanzapina,vinte
pacientes tratadas cnm essadroga durante os ensaiosmorreram, 22% sofreram
llgttm evento adverso"grave" (mais do quc entre os p2tcientcstratados com
haloperidol) e dois terços não chegaram ao hm dos estudos.A olanzapina,
sugeriram os dadas, tornava os pacientes sonolentos e gordos, c citusavaproblemas
como sintomas parkinsonianos, acatisia, distonia, hipotcnsão, constipação,
taquicardia, diabetcs, convulsões,secreçãomamilar impotência, anornlali(lados
hepáticas e distúrbios dos glóbulos brancos. Além disso, como advertiu Paul
Lebcr dtt FDA, visto (ltic a olanzapina l)loqtieítvtt os receptores dc muitos tipos
de neuiotnlilsinissorcs, "ninguém deve sc stirpicctlclcr se, ao sci comera;tlizada
[a droga], forem relatados cvc:ntosde tod:\ sorte c gravidade, não previamente
identificados, associadostlo usodít olanzapiila".M

Foi cssíl zl história contada pelosdados dos cnsaios.A história quc a Eli Lilly
(luciia cluc aparcccssc nas revistas c jornais dc mcclicina cra qut: o Zyprcx2t ci'a
melhor qut: o Rispcrdal daJansscn, c assim foi essaa históritl quc contanun os
sclis especialistas dc alugticl. PsiquiatnLS dc factildadcs dc medicina anunciar:\tn
quc ;t olanzapin:t funcionava dc modo mais "zlbrlLngcntc" quc a rispcriclona ou
o halopcridol.Era um agentebcm tola:nlclo,que levavaa uma iticlhont global--
1]
Na vcl'(]a(]e, 84 pacientcs tnitados com rispci'ldotla ]t:tvianl soa.i(]o it]gttin ''cvcilto a(]vcrso giztvc
dc6lni(lo l)cla FI)A como uill evento (ltic aincaçítva a vi(la ou rc(lucra hospitalização.

3o}3
A }listória que Foi-. c Não R)i Contada

reduzia os sintomas positivos, causavamenos efeitos colaterais motores do que


outros antipsicóticos e melhorava os sintomas negativos e a função cognitiva.Õ'
Essesegundoatípico era melhor quc o primeiro, c o Ma// Sfzze/Jolzr/za/ adotou
essapel'spcctiva.O Zyprexa, anunciou, "tem vantagenssubstanciais" em relação
a outras terapias atuais. "0 ilittndo real", explicou John Zajccka, da Faculdade
dc Medicina Rush, "vens constatando que o Zyprexa tem menos efeitos colaterais
cxtrapiramidais do qttc o Rispcrdal."':"O Zyprexa era "uma inovaçãopotencial
cle trc:mciicla magiiitudc", disse ao .NêmZort 7 //lei um psiquiatrtt da Univci'cidade
Stanford, Alan Schatzbcrg.67

Agora, a úitica dúvida parecia scr se o Zyprexa era mesmo melhor que o
Rispcrdal, e depois que a companhia farmacêutica AstraZeneca introduziu no
mercado llm terceiro antipsicótico atípico, o Seroqucl, os meios de comunicação
optaram pela ideia de que, coletivamcnte, os novos atípicos erzlm um
aprimonlmento drástico ci)l relação às drogas mais antigas. Eram, como disse
a rcvista Pa/adea seus leitores, "muito mais seguros c eficítzcs no tratamento
dos sintomzLSiicgativos, como a dificuldade de raciocinar c falar de matlcira
organizada".Õ8
Os íál macas mais rccclltes, anunciou o CÃicago7hózrzze,
"são mais
scgtiios c mais eficazesdo qtic os antigos.Ajudam as pessoasa trabalhar".6'i
O l.o.ç Á/zge/eí77//rei cscrcveu: ':Antigamente, não se dava aos csquizofrênicos
iienhunla esperança cl(: melhora. Mas agora, gntças a novos mcdicamciitos e a
uin novo conlpronusso, eles estão regressando a sociedade como nunca havia
lcoiitecido".70 A Aliança Nacional Contra a Doença À'lcntal (NAR'll) também
dcu sua contribuição, publicando um livro intitulado BxeaitfA?ozzgi%s
í/z,4n/ipigci%o/íf
/14edÍía/ír//l.ç
[liiovações nos mcdicamelitos antipsicóticos], quc dcu a proveitosa
L:xplicação de que essesnovos rcmédios "são melhores iio trabalho dc equilibrar
todas as substâncias (lttímicas clo cérebro, inclusive a dopanlina c a scrotonina".7i
E assinaprosst'ruiu até que, l)or Glm,a dirctora cxcclltiva da NAÀll, Laurie Flyitn,
disse à imprciisa quc: linalincntc s(: havia cheg;ldo à terna prometida: "Esses novos
mt:dicainentos são mesmo uma inov:tção. Significam que Glnalmcntc:scrcnios
capazes clc initntcr as pessoas fora dos hospititis, ( significam que a incal)acitiLção
:l lo1lgo prazo causada pula c'squizofreilia poclc chcgar ao hnt".7z

A Revista .Líznce/Faz uma Pergunta


Foi essa a seclttêiicia de it;trntção dt' histói'ias (lut' levou :lo atiiilento explosivo
cloliso dc drog;tspsiqliiátricas nos l :suadosUiiidus. Primeiro, os psiquiatnls tiortc-
unt ric;trios pronlí)vt'ram o Prozac como uill r('nléclio unir;tcttlosq clt'l)t)is s;tud;tntnl

3o9
AN,\TOXIIA DE UhfA EPIDENIIA

o Xanax como uma terapia segura e eficaz pala a síndrome do pânico, e, por
último, informaram ao público que os antipsicóticos atípicos fiam medicamentos
"inovadores" para a esquizofrenia. Com isso, rquvenesceram o mercado dos
remédios psiquiátricos, muito embora os estudos clínicos das novas drogas não
houvessem falado de nenhum avanço terapêutico.

Pelo mcnos nos círculos científicos, faz muito tempo que desapareceu a aura
de "remédio milagroso" cm torno dos psicotrópicos.Como vimos antes, relatou-
se em 2008 que os ISRS só proporcionavam um benefício clínico significativo a
pacientesgravcmente deprimidos. Hoje se sabc que o Xanax vicia muito mais do
que o %.bum, c vários pesquisadoresdeterminaram que dois terços clãspessoas
que o tomam por qualquer período têm dificuldade em deixar de usá-lo.7sÇjluanto
aos antipsicóticos atípicos mais vendidos, a supervalorização publicitária desses
medicamentosé hcje vista como um dos episódios mais embaraçososda história
da psiquiatria, dado que uma sucessãode estudos financiados pelo govcrno não
conseguiu constatar que eles fossem melhores que os ailtipsicóticos da primeira
gcração. Em 2005, o Ensaio CATIE do NIM.H determinou cine não havia "qualquer
di fe icnça significativa" cntre os atípicos e seuspredecessores, c, o que foi ainda mais
perturbador) nesse estudo não sc pede afirmar ncm quc os novos fármacos, nem
que os antigos lealmente funcionavam. Dos 1.432 pacientes, 74% não puderam
manter o usodos medicamentos,principalmente pot sua"inehcácia ou seusefeitos
colaterais intoleráveis".7+ Um estudo do Departamento de Assuntos dos Veteranos
dos Estados Unidos chegou a uma conclusão similar sobre os naéritos relativos dos
atípicos e dos antipsicóticos mais antigos, c então, cm 2007, psiquiatras britânicos
relataram que, pai'a dizer o mínimo, os pacientes csquizofrênicostinham uma
"qualidade de vida" melhor usando as drogas antigas do que usando as novas.7'
Tudo isso levou dois psiquiatras proeminentes a escreverem na Z,a/ice/(lue a
história dos ZLntipsicóticosatípicos como medicamentos inovadores podia agora
scr "considerada apenasuma invenção", uma história inventada "pela indústria
farmacêutica pai'a hns comerciais, e que só agora está sendo desmascarada
Todavia, eles se perguntaram: "como foi que, durante quase duas décadas, 'fomos
induzidos', no dizei' dc alguns, a pensar que eles eram supcrioi'es?".Z'i

A história, como podem atestar os leitores deste livro, revela a resposta a essa
pci'gunta. A semente da história encantada dos antipsicóticos atípicos foi plantada no
começo da década de 1980, quando dArÁ abraçou a "psiquiatria biológica" como uma
narrativa que poderia ser vendida ao público caiu sucesso.Tratava-setambém de
unia histói'ia em que a classeprofissionalcomo um todo queria desesperadamente

310
AI históriaclub I''oi-. c Não Foi Contada

acrcditar c NancyAnclrcascne outros não tardaram a dizer quc estavaem


andamento unia revolução na qual as dociiças nlcntais hllalmente revelariam
seus segredos biológicos, ainda quc ninguém soubessecxplicítr prccisaincnte
quais cnim essessegredos.Essa história gi\nhou vlilto, picparando a população
para acreditar que haviit avançostcrapêllticos a caminho, e à medida quc iam
introduzindo llovos mcdicamcntos no inetcado, as companhiasfarmacêliticas iam
contratando os mais illistrcs psiquiatr;ts do país para falar dc colho essesnovos
rc'médios milítgrosos "cqtiilibravam" a química cerebral. E foi casacooptaçãodtt
medicina acttdênlica (luc deu à história da carochinh:t a sua credibilidade. Tratou-
se de uma história coiltad:t pelo psiquiatntJcrrold Roscnbaum,da Zaczr/dado de
rMedic;í/zr/
da Z-/níuerx
dado.llamf/rd,por Gcralcl l<lciman, ex-d?r/ordo Aria/.17,e por
Alan Schatzberg, psiquiatrêl da Z./niue/-çídadeSfa/!Adia.

E claro (ltie, como sociedade, nós acreditamos.

Silenciando a Dissidência
Como vimos, a psiquiatria norte-american:t contou ao público uma história
falsa nos últimos trinta anos. O campo l)i'omovctt a ideia cle(lue seus nledicanleiltos
corrigitun dcscqttilíbrios químicos no cérebro, quando clãs não fazem nada disso,
c exagerou grossciniincntc os méritos dos psicotrópicos da scgtindtt geração. I'ara
manter dc pé ll história de progresso científica (e pttnt proteger sua própria crença
nessa história), a psiqlliatria prccisoti tt'l)rinlir o discurso subi'c os danos qttc os
incdicítmentos podiam causar.
O policiamento dc suaspróprias llleiras, na psiquiatria, coincçou pítra valer no
lim da dé(actade 1970,qttaticloLorcn Níosherfoi demitido do NIMH por ter feito
self experimento chamado Sotcria. O eminente psiquiatrít scguinLc il }tcabar iitl
lista itt:gnt da psiquiatria foi Pcter Bi'cggin. Entbora hoje sejít conhecido por sclis
textos clc "antipsiquiatria", taillbém ele estivera mima trajetória (le sucessorápido
ilo NIMH. l)cpois de concluir sua residência nlédiciult) hospital da Faculdade dc
N'ltdicitia da Uilivcrsidiidc Harvltrd, 13rcgginfoi para o NIMH, cm 19ç)6,p2tr;t
trabalhítr no dcscnvolvimt:lhodc centros comunitários dc saúclcmental. "Eu
ainda era ojovein intd tlhão", relembrou ele ilun zl entrevista. "Achavaquc seria
[) maisjovcm titular dc psiqttiati'iada história da Faculdade'
de Mt'dicina da
Uiiivcrsid:tde Harvard. Era nessa trajetória qtic cli estava."77Entretanto, cle viu
que o futuro potencia à psiqlliatria biológica, cm contraste com a psiquiatria
social quc o interessava,c dcixoti o NINIH para trai)olhai ]ia clínica pi'ivada.Logo

3] 1
ANATOÀIIA 1)1:UNIA EI,II)ENFIA

começou a esci'cver sobre os riscos do eletrochoqlle e das drogas psiquiátricits,


os quais, no dizer dele, "funcionavam" incapacitando o cérebro. Após algumas
batalhas acaloradascom os dirigentes da APA, Breggin participou, em 1987,do
programade televisãodc Oprah Winfrcy, no qual falou da discinesiatardia c de
como essadisfunção eia prova dc que os neurolépticos danificavam o cércbto.
Seus comentários enfuteceram a APA.a tal ponto que esta enviou uma transcrição
do programa à NAMI, a qual, por suavcz, apresentouuma queixa à Comissãode
Disciplina Médica do Estadodc Maryland, pedindo que estacassilssca licença
dc Bieggin l)ara o exercícioda profissão,sob a alegaçãodc quc as dcclaraçõcs
dele haviam levado pacientes esquizofrênicos a suspenderem sua medicação (e,
portanto, haviam feito mal). Embora tenha optado por não tomar essamcdida, a
comissão efetivamente conduziu um inquérito(em vez dc clescartai' sumariamente
a queixa da NAMI) e, mais uma vez, a mensagem para todos os pro6lssioliztis(!tl
área foi muito clara.

'facho que o interessante é quc o Lorcn [Moshcr] c cu nos opuscmos cientihca-


mente aos dois lados do pi'oblema", disse Breggin. "0 Loren levantou a tese dc
que existia um tratamclito melhor do que os fát'mitcospara a csquizofrcnia.
Eu me opus aus traLainentos-- à medicação,ao cletruchuquc c à psicocirurgia.
E o cine isso mostrou foi que, não impor'tavaa que o sujeito quisessese opor eles
estavam dispostos a destruir a carreira dele. Foi essa a lição.

O revés cm sua cadeira sofrido pelo psiquiatra irlandês David Hcaly fez
lembrar, em ccltos aspectos, o episódio eln que Moshcr caiu cm desgraça. Dur2tnte
a década de 1990,Healy ganhou fama como um dos grandes histoi'iadorcs da
profissão,cujos cscritos sc concentravam iia era da farmacologia. Ele havia exercido
a função de secrctálio da Sociedade Britânica de Psicofarmacologia e, no início do
ano 2000, aceitou uma proposta do Centro dc SaúdeMental e Dependência de
Drogas da Univci'sidade dc Toronto para chefiar scu programa sobre o humor'
e a ansiedade.Até aquele lnomcilto, estavapcrfeitamcntc integrado na ordem
estabelecida da psiquiatria, colho acontccci'a com Mosher. No cntanto, fazia
muitos anos (lue seinteressava por saber sc os ISRS poderiam instigar o suicídio e,
em épocareccnte, havia concluído um estudo com "voluntários sadios". Dois dos
vinte voluntários tinham se tornado suicidasdepois dc serem cxpostosa um ISRS,
o que mostrara com clareza que o ineclicamento podia causar essasideias. Não
muito depois de aceitai' o cmprcgo em Toronto, Healy apl'isentou seus resliltados
numa t'cutlião claSociedadeBritânica clePsicofarmacologia.Ali, umtl das neuras
mais ilustres da psiquiatria norte-amcricana advertiu-o aconselhttndo-oa deixar

312
A Flistória (luc lbi-. c Não l?oiContada

aquilo (le lado. "Ele me disse cine minha carreira seria destruída, se eu continuasse
a mostrar iesultaclos como os quc acabara de exibir c que cli não tinha o direito dc
destacar aquele tipo dc risco dos comprimidos", disse Hlealy.7n

Em novem])rode 2(]00,poucosmesesantesda data marcadapara n início


do scu trabitlho nil Universidade clc Toroilto, liealy fez uma palestra sobre a
história da psicufarmítcologia,num colóquioorganizadol)cla universidade.Em
sua apresentação,falou dos problemas surgidoscuiii os ncurolépticos desde suzl
introdlição, lia décadadc 1950,examinou sucintamente os dildos quc mostravam
que o Prozac e outros ISRS elevavam o risco de suicídio, e observou de passagem
que, na atualidilde, os resultados i'c fereiltcs aos transtornos afetivos cran] piores
do quc um século antes. E isso, observou, não devcria estar ziconteccndo, sc "nossos
medicamentos realnlentc funcionttssem".7"

Ainda que, posteriornlciite, a plateia avaliassesllz1l)2Llestrtlcomo a melhor do


colóquio, pclo conteúdo apresentado, quando Hcaly chegou dc volta ao País dc
Goles, a Universidade dc Toronto havia reter:tdo a proposta de emprego. "Eillbon\
o sctlhor seja altamente respeitadocomo estudiosoda história da psiquiatria
tnodcrna, crt:iiios quc sua abordztgci l não é compatível com os objctivos quc temos
pari o desenvolvimento dos recursos }tcttdêtiticos c clít[icos", escrc:veu n]]n] e-e?r]í/o
chefe de psiqliiaLria du Centro de Saúde Nlental c Dcpendêiicia dt: Drogas, David
Goldblooin.80 lçÍztisvilla vcz, os outros profissionaisda área só puderam extrair
umzllição: 'IA incnsítgemcnl que expor o próprio pensamciitocnl má ideia, e
qtic a ideia dc quc talvez os tratamctltos não fuiicionasscm, ou talvez nãn fossem
manejados da melhor maneira ao serem coitíiados a médicos, t'nl inaceitável"
disse [lealy numa cntrevista.8i

N'muitosoutros poclcin atestar o fato dc quc cxternai' uma ol)uniãocra "nla


ideia". Nadinc Lamba't, unia psicólogadzt Uiiivei'sidadcda C;tlifórnia ein
Bcrkc[ey, conduziu um estudo dc ]oilgo piano sobre crianças tratac]as com ]iita]ina
c descobriu que, quando adultosjovens, esscspacientesapresentavamtaxas
elevadasde ct)nslimo abusivo de cocaína e tabagismo. Depois que ela relatou seus
rcsu[tadusnlmla conferênciado ]nstituto Nilcioila] de Saúdc (NIH), em ]998,
o Instituto Nacional dc Abuso de Drogas parou de financiar sc:u trabalho. Em
2000, quando Joseph Gleiimullcn, professor clínico dc psiqliiatria ila Faculdade
dc Medicina dzt Uiiivci'sidadc Harvard, cscrcvcuPrezarBrzc#/ai#[0 efeito
buincntiiguc do Prozitc], quc dctalhou os muitos ptobletitas associadosao uso dc
ISRS, a fariliacêuticíl Eli Lilly montou tina campaiihzt para desacredita-lo. Uma
etitprcsa dt' relações públicas recolheu conlcntários críticos de vários psiquiatras

313
An,vioN11/41)1.=
UNIAEpii)i;xiiA

eminentes, quc descartaram Glenmullen como um 'jogo-ninguém" da profissão, e


depois enviou essas"críticas" a váriosjornais. "É um livro desonesto, é manipulador,
é pernicioso", clissc o psiquiatraJerrold Rosenbaum, da Faculdade de Medicina
da Univei'sidadeHarvai'd, embora fossecolega de Glennlullcn. Naturalmente,
o comunicadoà imprensa não mencionou que Roscnbaum cra consultor da Eli
Lilly."' A vítima seguintea ser levada ao talho foi Gretchen LeFever,uma psicóloga
da Faculdadede Nredicinada Virgínia Oriental. Depoisquc cla publicouuma
pesquisa mostrando quc um número exageradamente grande de crianças das
escolasvirginianas vinha sendo diagnosticado com trítnstorno do déficit clc atenção
com hiperatividade (TDAI 1), um "denunciante" anónimo acusou-a de má conduta
científica. Sua vciba federal para a pesquisa foi cortada, seus computadores foram
confiscadose, embota cla tenha sido posteriormente inoccntada de qualquer má
conduta, sua carreira foi destruída.

Hcaly disse: "A faceta de controle do pensamento quc se observa nas coisas da
psiquiatria anual é como o antigo estilo de controle social do Leste Europeu"

A í''\...Itnpãn
A x x../vux w:5- v Hp
uv Prnv8s
x Av v

O terceiro aspectodo processodc contar histórias que levou à nossailusão


social sobre os méritos das drogas psiquiátricas é fácil de documentar. Imagine
como seriam hde as suas convicções se, nos últimos vinte anos, tivéssemos aberto
osjornais e lido sobreos seguintesresultados,que representam aqui uma simples
amostrados estudossobre i'esultadosque examinámosnum ponto anterior do
livro:

1990 Num grande estudo nacional sobre a depressão, o índice de permanência


cm boas condiçõesatingiu seu auge nos pacientes tratados com psicoterapia (30%)
e seu ponto mais baixo nos tratados com um antidepressivo(19%).(NIMH)
1992-- Os resultados claesquizofrenia são muito melhores em países pobrcs
como a Índia e a Nigéria, onde apenas 16% dos pacientes são regularmente
medicados com antipsicóticos, do que nos Estados Unidos c noutros paísesricos,
onde o uso contínuo de medicação é a norma-padrão de tratamento. (Organização
Mundial da Saúde)

1995 Num estudo de 547 pacientes deprimidos, com duração de seis anos, os
quc foram tratados pelo transtorno tiveram setevezesmais probabilidade de Glcar
incapacitadosdo que os não tratados, e três vezes mais probabilidade dc sofrer
uma "cessação"do scu "papel social principal". (NIMH)

314
A História quc Foi«. c Não lbi Contada

1998 -- As drogas antipsicóticas causam alterações morfológicas no cérebro,


que estão associadasa uma piora dos sintomas da esquizofrenia. (Universidade
da Pensilvânia)

1998 Num cstuclo cla Organização Mundial da Saúde sobre os méritos


da triagem da depressão, os diagnosticados e tratados com medicanlcntos
psiquiátricos saíram-se pior -- em termos de seus sintomas depressivos e de sua
saúde geral --, an longo de um período dc um ano, do que os não expostos aos
medicamentos.(Organização Mundial da Saúde)

1999 -- Quando as pessoasque usam benzodiazepinaspor longas períodos


abstêm-se desses medicamentos, ílcain "mais alertas, mais rclaxadas c menos
Ansiosas".(Univcisidttde da Pensilvânia)

2000 Estudos epidemiológicos mostram que os resultados a longo prazo entre


os atuais pacientesbipolar'essão diamaticamcnte piores do quc foram na cra pré-
mcdicamcntos, e é provável blue essa deterioração dos resultados modernos se
deva aos efeitos nocivos de antidepressivos e antipsicóticos. (Eli Lilly; Faculdade
dc Medicina da Univcisidadc Harvard)

2001 -- Num estudo com 1.281canadcnscsque recebiam pensãopor invalidez


temporal'ia em dccorrêilcia da depressão, 19% dos que tomaram algum
lntídeprcssivo terminartLm com invalidez permanente, urrlui 9% dos que não
tomaram a nlcdicação. (Investigadores canadcnscs)
2001 Nit cra pré-nlcdicamentos, os pacientes bipolares irão sofriam um
declínio cognitivo a longo prazo, mas, hcjc cn] dia, :acabamqtiasc tão prejudicados
lla área cognitiva\ qlianto os pacielltes esqliizofrênicos.(Sistema dc SaúdeSheppard
Pi'att, en] Baltimoi'e).

2004 -- Os usuários dc bcnzodiazepinas por períodos prolongados sofreill


déhcits cognitivos dc dimcilsão "mudei'ada a grande".(Cientistas australianos)

2005 0 pó de anjo, as ailfetaiiiinas e outras drogas que induzem à psicose,


todos aumentam os receptores cerebrais [),; os lultipsicóticos causan] essítmesma
mudança no cérebro. (Universidade clc Toi'onto)

2005 -- Num cstlldo com du i'ação dc cinco anos com 9.50R pacientes deprimidos,
os quc tomavam antidepressivos Glcavaiilsintomáticos, eill iiiédia, 19 senlailas por
ano, en] contraste com as 11 semanas dos quc não tomavam ncnhuma medicação.
(Universidade de Clalgary).

315
AN,\I ONIIA 1)1;UNIA EI,IDI;N[IA

2007 -- Num estudo com dul'ação de 15 altos, 40% dos pacientes esquizofrénicos
scm antipsicóticos se recuperaram, em contraste com 5% dos pacientes medicados.
(Universidade de lllinois)
2007 -- Os usuários de benzodiazepinas a longo prazo acabam "marcantemcnte
enfermos a extremamente enfenllos", c sofrem habitualmente com sintomas de
depressão e ansiedade. (Cientistas franceses)

2007-- Num grande estudode criançascom diagnósticode TDAH, ao Glnal


do terceiro ano "o uso de medicamentos foi um marcador significativo não cle
resultados benéficos,mas de deterioração". As crianças medicadastaml)ém
exibiram maior probabilidade de apresentamcomportamentos delinquentes; c
também terminaram ligeiramente mais baixas. (NIMH)

2008 -- Num estudo nacional dc pacientes bipolares, o principal prc(litoi'


de insultados prccáiios foi a exposiçãoa antidepressivos.Os que tomaram um
antidepressivo mostrarttm-sc quase quatro vezes mais propensos a passar a ter
ciclos rápidos, o que está associadoa resultados precários a longo prazo. (NIMH)

Uma verificação dos arquivos de jornais revela que a corrente dominante


da psiquiatria teve completo êxito em esconder essasinformações do público.
Procurei relatos dos cstudosacima nos arquivosdo AlemyorÉ71//zeic no ))arco
de dadosLexisNexis, que abrange a maioria dosjointtis nortc-americanos,e não
consegui encontrar !///zzZ/liracaso em quc os resultados tivessem sido descritos com
exatidão.iv

Os jornais, é claro, teriam prazer em divulgar csscsresultactosde estudos.


Entretanto, as notícias da medicina são tipicamcntc geradas da seguintc maneira:
as publicaçõescientíficas, o NIH, as faculdades de medicina e as companhias
fal'macêuticas emitem comunicadosà imprensa, enaltecendo certos resultados
como importantes, c então os repórteres fazem uma triagem dos comunicados,
para idcntiílcar aqueles sobre os quais creem quc vale a pena escrcvcr. Q.uaildo não
sãofeitos comunicados à imprensa, ou não há outro esforço da comunidadc médica

l\r
Nas críticasjornalísticas ao mcu livro Àdad{/zA//zeríca,
houvc quem mencionasseo estudo da
OÃ,'lSse))re os resultados mclltorcs para a cscluizofrenia nos paísespobres, nos quais os l)aclentcs
não eram rcgulal'mente medicados,c a partir daí, esta informação tomou-sc mais ou menos
conhecida. Além disso, mencionei o estudo dc Mártir Hlari'ow sobre a es(luizof'rcnia, com duração
dc 15 anos, numa l)destra (luc Glzno Holy CliossCollcgc cm fevereiro dc 2009, c cla levou a um
ilrtign datado cic 8 dc fevct'Girodc 2009 no IHürcfífer
7ê/e.gi-a//z
rzridGrrZe//e
(blassachusctts),quc
(discutiuo traballlo dc Harrowl Foi a l)rimcira vcz (luc apaicccram notícias sobrc esseestudocm
(lualqucrjornal noite-americano.

316
AI históriaclublbi... c Não Foi Contada

para divulgar resultados, não aparecem repoitagcns. Podemosaté documentar


a ação desse processodc blecaute no lllodo como o NIMH lidou com o estudo
dc resultadosfeito l)or N'lal'tin Harrow. Em 2007,ano em quc cle divulgou seus
resultados iiolozzl/za/ ogÀre/tozlJíz/zdà/e/l/a/ Z)iierzie, o NIMH emitiu 89 comunicados
à inlprcnsa, muitos dcles sobic assuntosirrelevantes. Mas não emitiu nenhum
sobre os resultados dc [larrow cnlbont sc pudessc arguincntar quc o estudo dele
eia o melhor qucjá se fizera nos Estados Unidos, e//r /orai oi /e/nPoi, sobre resultados
a longo prazo em pacientes esquizofrênicus.03
É lícito dizer que, sc os resultados
tivessem sido o inverso, o NINIH. teria soadoo goitgo dos comunicados de imprensa
e osjornais dn país inteiro terian] alaldeado ;ts descobcitas.

Embora informitções sobre a mttioria dos estudos listadas acima simplesmente


nunca tenham aparecido iiosjornais, houve uns dois casos em que os psiquiatras
foi'am forçadosa dizer alguma coisa aos repórteres sobre lim dos estudos,e, cm
ambas as vezes, eles distorccram ns resultados. Por exemplo, quando o NIMH
;anunciouos resultados dc três anos do seu estudo NmA.sobre os tratamentos
para o TDAH,v não informou ao público que o uso dc estinlulantcsdurante o
terceiro ano tinha sido lim "n arcador de deterioração". Em vez disso,cnlitiu um
comunicado a intprcnsa comiesta manchete: XIELllOR.\ I'OSTEIUORA TRATANil:NTO DO
ll)AH É N[ANrlOA
NAxl/\]O]tIADASC]i]ANÇAS.
Essa nlanchcte dava conta dc fármacos quc
tinham sido óe//Óícas,
e, embora o texto do comtinicaclo afitmassc que ";t medicação
coittínuít não iiiitis sc associoua rcsultadus nlclhorcs iio tcrcciro alto", tanlbénl
incluiu unia citação "pré-fabricada"do autor principal, PcterJensen,afirmando
quc ainda havia muitas razõesl)ant manter as crianças mcdicadascom Ritalina.
;Nossosresultados sugerem quc a medicação poda;fazei' diferença íl longo prltzo
paul algumas crianças, sc for mantida com intcnsiditdc ótima, c não iniciada ou
lcrescentítda nlliito tardiailicnte no curso clahistória clínica da criailçít.""

Sc cluisci'Riosdar outra olhada ilcssc pioccsso dc deturpação, podemos nus


voltar para un] artigo de 1998, no.NbwyorÉ71//re.ç,
que falou rapidamente do estudo
da OrganizaçãoNluiidial da Saúde(OhlS) sobre os resultadosda esquizofrenia
em países iscos e pobres. Depois de cnti'avistar psiquiatras sobre o estudo, o
repórter do 7'i///fi escreveu que "ns esquizofrénicos, dc modo gcial, respondiam
naclhor ao tratanic:alto nos pzuscs menos dcscilvolvidos do quc cni países com
maior dosenvolvim cnto tecnológico".OS Res»o/laia//z
//ze//zor
rzo/ríz/a//le/zfo:
os leitores só
poderiam su})or quc os pacientes esquizofrênicos da Índia c da Nigéria respondiam
\

Referênciaao Collitl)oiativc Multisitc N,multimodal


Trcatmcnt Stu(lyof (;llil(licn with Attcntioil-
Drficit/Hypcractivity Disordcr (ALTA Study) - o Estudo ]']ut'i]ocí1]izado c N,íu]timoda] dí)
Tratamento (lc Crianças com Transtorno (lo l)é6lcit (lc Atcilção com l-lipcrativi(Jade, coithccido
como ].:stud{) MTA. (N.l:)

317
ANATOXIIA DE Ubt/\ EPIDI;NÍIA

melhor aos antipsicóticosdo quc os pacientes dos Estados Unidos e outros


paísesricos. Não tinham como saber quc o "tratamento" de 84% de pacientes
esquizofrênicos nos paísespobres consistia cm não usar medicação

Em julho de 2009, também vasculhei os ii/es do Nlh'IH e da NAMI na internet,


em busca de alguma referência aos estudos listados acima, c não achei bulhufas.
Por exemplo, o bifedo NIMH não discutiu o notável declínio dos rcsultados dos
pacientes bipolares nos tempos modernos, muito embora Carlos Zarate, coautor
do artigo de 2000 quc documentou essedeclínio, chegasse a unidade dc pesquisas
do NIMH sobre transtornos do humor e da ansiecladccm 2009. Do mesmo modo, u
site da NAMI não deu informação alguma sobrc o estudo de Harrow, apesar de ele
fornecer razões para os pais de crianças csquizofrênicas serem a/í//lüfai - 40% dos
pacientes sem medicação tinham sc recuperado a longo prazosMas esseresultado
contradizia diretamente a mensagem que a NAMI difundia para o público
fazia décadas, e o bife da organizaçãocontinua a sc ater àquela mensagem.Os
antipsicóticos, ele informa ao público, "corrigem um desequilíbrio das substâncias
químicasque permitem que os ncttrânios se comuniquem entre si"."
Por íim, toda a história de i'esultadosdocumentadaneste livro foi omitida da
edição de 200R do .A4cz/zzza/
dePsígzzía/dada APA, o que significa quc os estudantes
dc medicina quc estão sc preparando pata scr psiquiatras são mantidos no escuro
a respeito dessahistória.87O livro não discute a "psicosepor hipersensibilidade"
Não menciona que os antidepressivos podem ser agentes deprcssogênicos a longo
prazo.Não informa que os insultados do transtorno bipolar são muito piores hoje
do que eram há quarenta anos. Não há discussão sobre os índices crescentes de
invalidez. Não se fala na deterioração cognitiva que é observada nos usuários
de longa data de medicamentospsicotrópicos.Os autoresdo manual estão
claramente familiarizados com muitos dos 16 estudosaqui listados, porém, sc é
que os mencionam, nãodiscutem os fatos relevantes soba'eousode medicamentos.
O estudo de longo prazo de Harrow alarmao manual, revela que há alguns
pacientes esquizofrênicos que "são capazes de funcionar sem o benefício do
ti'atamento contínuo com antipsicóticos". Os autores dessafntse não mencio-
naram a espantosa diferença dos índices de recuperação dos grupos medicado
e não medicado; ao contrário, enuilciaram uma frase quc fala do óe/ze#cio
da
frrzfa//ze/z/o
ca/ifí/zuoco//?a/z/ÍPsícóficoi.De maneira similar, embora o manual discuta
sucintamente o estudo da OMS sobre os resultados melhores dos pacientcs
esquizofrênicos em países pobres, como a Índia e a Nigéria, cle não menciona quc
os pacientes clcsscs países não fiam regularmente medicados com antipsicóticos.

318
A História (luc I'oi... c Não l.'oi Contada

Nuilla parte referenteàs benzocliazepinas,os


autoresreconhecem
que há
preoctipaçõcs a respeito de suaspropriedades viciadoias, mas logo afia'maia que os
resultados a longo prazo dos que mailtênl o uso das benzocliazepinasgeralmente
são bons, pois a maioria dos pacientes "prescrva seus .qr;anhos
terapêuticos".

llá tina história que a psiquiatria não se ;atrevea contarác que n)ostra quc
nossailusão social sobre os beilcfícios elosmedicamentospsiquiátricos nãt) é
inteinlincnte inocente. Pai'a veitdcr à nossa sociedttdc a solidez dessa forma dt:
tratamento, a psiquiatria teve dc exagerar grosseiramente o vt\lor de suas novas
drogas, silenciar os críticos c manter escondida a história dos resulta(los precários
n longo prazo. Esse é lim processodeliberado e consciente,c o próprio fato de a
psiquiatria ter tido que cmprcgar casesmétodosdc invençãodc histórias diz milita
sobre os méritos desse paradigma de atendimento, muito mais do que qualquer
estudo isolado conseguiria faze:r.

319
15
Contabilizando os Lucros
Receber cheqttcs de 750 dólares pata coltuersav cmn alguns ntédicos duraitte
nltl intervalo dealmoçoer« ultl diitlleiro tãoJrlcil quentedeixara con(o.
- Psiqliiatra Daniel Czulat, 2oo7'

O traleto da residênciacomunitária daJcniia, c'm Montpclicr, no estadodc


Vermoiit, até a avcnidtt CcilLral dc sua cidade tem apcitas dois quarteirões, mas,
ilo fim da manhãde primaveraeill que ;t visitei, levamosvinte minutos para
percorrer c:ssadistância, porque ela ptccisava parar a cada meia dúzia de pass"s
para rectipcrar o equilíbrio, ejlquanto seu atendcnte, Ghris, punha irão atrás
das costas dela a todo momento, para ;\mpará-la se ela cllíssc .ijcntla havia toijladu
um ailtidcprcssivo pela pritncira vcz 12 anos antes, quando tilihtl 15, t' agont
totltava uin coqlictel diário dc oito medicamentos,inclusive um para os sinton as
l)arkinsoilianosinduzidos pela iilcdicação.Seiitamu-nosna área cxternit cle um
cita'écJclllti mc coiitott sua história, se b( nl qite, i'm alguns monlt'fetos --porcattslt
elosseuspioblenlas com o controle tnotor --, cra difícil t:itteildê-la. Seustrcillores
sãotão intellsos que, quando cla molhou o pãozinho no c:tfé, o líquido derramou c
cla teve dihculdadc dt levzlro pão à boca.
"Eu sou muuuuuuito atrapiLlhada", comciitou.

Eu tinha ido para essaciitrevistailchlttldoqueJeilna havia recebidoum


diagnóstico de discincsia tardia, um efeito colateral dos ailtipsicóticos quc pode
incapacite\i as pessoas.h/las não estava claro sc os seus prqttízos motores sc
deviam a c'ssctipo particlilar dt: clisfuitção mcdicaillcntosa ou a um processo m:us
idiossincrático, relacionado coill os iiledicamcntos; c inzüs,tei'minzlda a elltrcvisLa,
Jettna havia levílntado uma nova questão sobre a qual eu deveria peiaslr. Ela
liic falou dt como os psiquiatrasc outros profissionitisda saúdeincntal sempre
resistiram a ver qualquer de suas clificuldztdcs físic;\s ou emocionítis coillo causadas
por medic:tmentos;em vez disso, culpavat't rcgularmeiite a doctlça dela por

1.ml)onIJi'nna tenh:l dito quc cu l)t)daria llsai' sl'u snbreiiomt', sua r»ãc e st il pa(Irasto, quc dctêEn
alia guarda legal, pccliram(luc ctl usasseapenaso prcnonle.

321
ANATOhII/\ 1)1;UNIA EPII)I.;XIIA

tudo e, do ponto de vista dcJcnna, cssc cra um processodc raciocínio dittLdol)or


interessescconâmicos.Sc cu qtiisessccompreciider o tnttamcilto quc ela recebia,
teria de compreender que ela cnl valiosa para as companhias faitlaacêuticas como
;consumidora" dos seus remédios. "Ninguém", explicou Chris, "abordou o fato de
quc os rcnlédios podem cstal causandoos problemas dela."

A primeint vez qucJcnna foi cxposta a uma droga psiquiátrica ocorreu (quando
cla estava na segunda série, c esse episódio sugeriu quc ela não respoitderia bem
a psicotrópicos. Até ttclucle momento, cla roía uma menina saudável, unia estrela
da equipe local cle natação; mas dcpois havia apresentado convulsõese, ao ser
medicaclacom llm agente anticonvulsivo, descnvolvcra graves problemas motores,
como nlc contou sua mãe nunlít entrevista telefónica. Mias as convulsões acabar2tna
desaparecendoe, quandoJeilii2L l)orou de tomar o ailticonvulsivante, os problemas
ntotores se faranl. A tnenina passou a praticar equitação e sc destacoil cm torneios
de hipismo. "Ela voltou a ser totalmente normal", lembrou sua mãe.
QuandoJenna cntroti ila nona série, a mãc e o padrzLstoresolveram maildá-
la para um colégiointerno dc elite nn Massachusetts,por não terem confiança
nas escolas públicas do Teiltiessce, c foi então (lue começaram os problemas
comportamentais e afetivos da menina. Ela foi expulsa dessa primeira escola e
mandada para uma segunda, destinada a adolescentes problemáticos, onde "sc
encantou com toda aquela tralha gótica" e começoli a "sc portar mal" scxualmente,
no dizer da mãe.Depois, uma noite, cm respostaa um desafio,cla furtou unia
embalagemdc prcservativosdc uma farmácia c "pirou" ao ser detida. Nesse
momcilto, foi mandada pioraum tei'coiro colégio interno e illedicaclacom Paxil.

"No minuto em que tomou aquele remédio, cla começou a trenlcr", contou a
mãe. "Eu disse ao médico: :AI, meti Deus, é do remédio'. E o médico disse: !Ah.
não, não é do rcnlédio'. Eu respondi: 'E, sim'. Fomos passaitdo de um médico para
outro, fazendo exame após cxalne, mas eles não conseguiam) encontrar nada, c por
isso a mantinham com a medicação,o que piorava tudo. Eles simplesmente não
me clavain ouvidos."

Além dos tremores,Jenna tornou-scsuicida au tomar Paxil, e sua vida não


tardou a se transformar num pesadelopsiquiátrico. Ela começoua se cortar
cum regularidade e, a certa altura, usou uma serra elétrica para decepar o dedo
médio da mão esquerda. O Paxil deu lugar a coquctéis dc Klonopin, Dcpakote,
Zyprexa e outros medicamentos e, durante uma estada de quase quatro anos num
i)lanicâmio, cla acaboucom um coquctel dc cercade 15 remédios,tãu dopadaque

322
Contabilizando os Lucros

de suspenderem meus remédios bilhões de vezes

"Estão ganhando uma fortuna comigo", disse Jenna. "Mas esses remédios
estragaram a minha vida. Eles me deixam toda fe-fe-fe-ferrada."

Uma Vitória Comercial

l longo prazo fot:\m escondidosdo público. Essas


:..l- ...i,l ...p dá lucro a muita gente.
cmpreita
:323
ANAL'OhrU DE UMA EPII)ENII,\

324
Contabilizandoos Lucros

eles verificarem sc têm casa docnça.

325
ANA'rOcHADJ:UMA EPIOENIL\

326
Contabilizandoos Lucl'os

nccessidttde do segundo, e ttssim por dias\te.

'©ii@:=Saii: içiia iisii=mii'::==;' 327


ANATOhrI/\ DE UMA EPII)I=NII/\

AÁrvore do Dinheiro

Podemoscomeçar pela Eli Lilly, já que ela serve como um bom exemplo
--- ''L UHque vao para os acionistas e os executivosde uma fabricante're

EtititU
Em 1987,a divisão farmacêutica da Eli Lilly gerou uma receita de 2,3 bilhões
de dólares. A Companhia não tinha uma droga importante para o sistema nervoso

328
Contabilizando osLucros

central, visto que seustrês fármacos mais vendidos eram um antibiótico oral, um
remédio cardiovascular e um produto à base de insulina. A Eli Lilly começou a
vender o Prozac em 1988 e, quatro anos depois, ele se tornou o primeiro produto de

da empresa

Poucodepois,o Prozacperdeua proteçãode sua patente,de modoque a


melhor maneira de avaliar os efeitos geradores de riqueza dos dois medicamentos

esse investimcnto elevar-se para 96.B50 dólarcs em 2000 e, ao longo do caminho,


teria recebido mais 9.720 dólares de dividendos. Ao mesmo tempo, os executivos
e empregados da farmacêutica, além de seus salários e bonificações,.tiveram um
Lucro líquido de aproximadamente 3,/ ó{//tõei de dó/ara com as opções de compra de
açõcs que Glzeram.'

Psiquiatras acadêmi,cos
As companhiasfarmacêuticasnão teriam conseguidoconstruir um mercado
de 40 bilhões de dólares para as drogas psiquiátricas sem a ajuda dc psiquiatras
de centros illédicos acadêmicos.O público recorre aos médicos pata sc informar
sobre as doenças e sobre a melhor maneira de trata-las, de modo que foram
os psiquiatríls acadêmicos-- pagospela indústria farmacêutica para servir de
lsscssorcsem diretorias consultivas, bem como de palestrantes -- que atuaram,
essencialmente, como vendedores dessa iniciativa comercial. As companhias
farmacêuticas, em seus memorandos internos, chamam essespsiquiatras, de uma
forma precisa, de "grandes líderes formadores de opinião", ou LFOs, para encurtar.
Graças a uma investigação promovida em 2008 pelo senador Charlcs
empresas
Grassley,o público teve um;\ ideia do montante de dinheiro pago pelas

anuais. Gt-;\ssleyinvestigou os legistros de cerca de vinte psiquiatnts acadêmicos


329
AN/VTON{IA 1)1:UNIA EPII)];XIIA

e descobriu que eles não apenas ganhavam muito mais do que 10.000dólares por
ano, como também escondiam esse fato de suas universidades.

Eis alguns exemplos dos valores pagos a LFOs na psiquiatria:

farmacêuticas, tendo recebido sóda GlaxoSmithKline 960.000dólares pala


promover o Paxil e o Wellbutrin. Ele é coautor doma/zz/ z/dePTicqÉa///üzco/OK
a
da APA, o livro didático mais vendido nessecampo.Também escreveu
um livro de divulgação sobre medicamentos psiquiátricos, ZZe.1%ace af
J6/zd.IhícrPfÍa/z [A receita da paz de espírito], destinado ao público em
geral. Participou do conselho editorial de naaisde sessentapublicações
da área médica e, durante algum tempo, foi editor-chefe da revista
MeampsgcÁapáa?//zí?co/aK?.
Em dezembro de 2008, renunciou ao cargo
de diretor do departamentode psiquiatria da Emory, por não ter dado
informações à uilivcrsidade sôbre os pagaillentos quc havia recebido de
cnlprcsas fanllacêuticas.iS

Zachary Stowe, também professor de psiquiatria na Emory, recebeu


250.000 dólares da GlaxoSmithKline em 2007 e 2008, em parte para
ploinover o usodo Paxil por natilhereslactailtes. A Emory o "repreendeu"
por não ter revelado adequadamente essespagamentos à universidade.ra

Outro membroda centralde palestrantes


da GlaxoSmithKline
foi

==;::=
===T.T=m:==='.:.:T====:=
::
estabilizadoresde humor para o transtorno bipolar (a GlaxoSmithKlinc

psiquiátricos e, numa transmissão de 20 de setembro de 2005, Goodwin


avisou que, se as crianças com transtorno bipolar não fosscm tratadas,
poderiam sofrer lesõesno cérebro. Goodwin foi palestrante ou consultor
de várias outras empresasfarmacêuticas; 1,2 milhão de dólares foi o que

33o
Contabilizandoos Lucros

ele recebeu apenas da GlaxoSmithKline. Numa entrevista ao Nezt; yort


7'ienes,
ele explicou que estava apenas"fazendo o que fazem todos os outros
especialistas da área".''

resultados de um ensaio pediátrico com essemedicamento

nesse estudo sofrerá\m de "extrema labilidade", comparadas a um no

Wagner e outros 21 eminentes psiquiatras da infância afirm:\ram que o


estudo havia provado que o Paxil era "geralmente bem tolerado e eficaz
para a depressãograve em adolescentes".iO
Eles não discutiram o risco
de suicídio, nitidamente clcvado) e escreveram, em vez disso, que apenas

dólares.2n

331
AN'ATONIIA DE UNIA EJ)IDI;Alia

De 2003 a 2007, Melissa DeIBello, professoraadjunta de psiquiatria


na Universidade de Cincinnati, recebeu pelo menos 418.000dólares
da empresa farmacêutica AstraZeneca. Promoveu a prescrição de

1; ãEh$:íl U:i:li$1i$ú
das companhias farmacêuticas, disse ao New Zo É 77mei,antes do relatório

332
Contabilizando os Lucros

o centro })ion)overiao entciidinlcnto de que "a mania pediátrica evolui


par:t o que 2\lgunschamaram de mania mista ou atípica na idade adulta,
[entendimento este] que dará mais respaldo ao liso crónico do Risperdttl,
desde a infância até a idade adulta".iv No passado,assinalouBiederman,
ele tivera sucessoem levar a medicinaa concebero TDAH comouma
doeitça "ciânica", e agora faria o mesmocom o transtorno bipolar."
Biedermaii foi o flautista mágico du transtorno bipolar iia nossa\sociedade,
e nessedocumentopodemosver o futuro que ele descortinavapara as
crianças que rcccbiam tal diagnóstico. Elas estavam sendo preparadas
para se tornarem consumidorasvitalícias de medicamentospsiquiátricos.
A criança diagliostic:\da conatranstorno bipolar seria tratada com um
lntipsicótico, e então sc poderia esperar que se tomasse doente crónica,
o (ltic exigiria umt\ vida inteira de "tratamentosagressivos
como o
Riso)crd2tl".
Talvez haja um arquivo, cnfurnado num timário dc alguma
empresa farmacêutica, que calcule a expectativa de consumo vitalício
de medicaiilcntos
psiquiátricospor uma criançadiagnosticada
com
transtorno bipolar; neste livro, só o quc podemosdizer é que toda criança
assimdiagnosticada é, do ponto de vista empresarial, ullla novaJciina.

O escalão fetais abas,xo

os LFOs são as "estrelas" da arca, pois são aquelesquc "iníluciiciam" seus


pares nos níveis nacional e inLcinz\cional,idas as coinptuihias fariiiacêuticas
tanlbéin pagam tl médicosparti promover seusremédios mim nível mais local, no
dual essespalestraliLes disctirs un cm jailtarcs ou falam com outros tnédicos em
seusconsultórios. TipictLmcnte, o pagamentocomeçaein 750 dólaics por evento,
e vai subindo a partir daí. Dois estados,híinitesota t: Vermont, aprovaram leis
:dc transpttrência" qtic rtvclaH essespttgantctitos, c seus rt:gistros pcrmitctn
discernir o fluxo de c;Lpital quc vai ptu'tt essesmédicos.
Em 2006, as t'mprc'sas fai'illacêuticas dcranl 2,1 iliilhõcs dt' dólarc's ít psiquiatras
clt' Miniic'suta, inajoraiido o valor' dr 1,4 milhão dólares dc' 2005. Dt' 20o2 :12oo6, os
bciit íiciários clodinheiro da indústria farm;lcêutica incluíntm sete ('x-presidi'ntt's
da Sociecladt'Psiquiátricit dt' Minnesota e 17 psiquiatrasclo corpo docenteclip

Nesse trt:caio, ljic(lcrillan descreve íi evolução (línicit elas criallças diagilosticildas coM trílitstoiilo
biptllar c tiiedicit(bits;t'asascriitnças eretivami'rito tclidein n sl- tornar dt)t'citescrâiiicas, tal {'lnn(i
clc descreveu. Alias não há literatura nlédicit qtic mostre it existência(lc' uma do('itçit(ltic siga('ssc
clilso clip (I'laiiçíis ilha iii('(Itcit(las

333
An,VI'oxli/x DE uhí/\ EI,IDExlIA

Universidade de Minncsota.John Simon, então membro da comissão estadual de


farmacopcia do Medicaid, que norteia os gastos do estado com medicamentos,
era o psiquiatra mais bem remunerado, tendo recebido 570.000clólal'espor seus
serviços prestados a companhias farmacêuticas. Ao todo, durante esse período, 187
dos 57 1 psiquiatras de Minncsota receberam dinheiro da indústria farmacêutica,
por uma ou outra razão, e essapercentagem foi "muito mais alta" do que em
qualquer outra especialidademédica. O valor coletivo recebido por eles foi de 7,4
milhões de dólares.ao

Os registros dc Vermont contam praticamente a mesma história. Dentre


todas as especialidadesmédicas,a psiquiatria foi a quc mais recebeudinheiro das
companhias farmacêuticas.

O l)siquiatra da comunidade
As empresas farmacêuticas também oferecem brindes aos psiquiatras
da comunidade.Convidam-nospara jantares gratuitos em que os LFOs e os
especialistas locais fazem seus discursos, e seus representantes de vendas
frequentam com rcgularidadc os consultórios deles, levando pequenos
presentes. "Dei ao dr. Clhild um bombom de chocolate com creme de amendoim
do tamanho de um fzzPca#e",esci'cveu umzl representante dc vendas da Eli Lilly
num rclatói'io de 2002 pai'a scu chefe. "Ele ficou contentinho." Ou, como a moça
escreveu,depois de outra visita de vendas: "0 médico c a equipe adoraram a
caixa dc brindes que levei, cheia de coisasúteis para sua nova clínica".2ZTrata-se
de subornos muito pequenos, mas até um pl'esentinho ajuda a construir vínculos
sociais. Um grupo da Califórnia fez um levantamento das empresas farmacêuticas
c descobriuque estasestabelecemlimites, sim, para os brindes oferecidosaos
psiquiatras anualmente; o da GlaxoSmithKline era de 2.500 dólares por médico,
cn(luailto o cla Eli Lilly chegava a 3.000 dólar'es. Há mllitas empresas vcndendo
drogas psiquiátricas, de modo que qualquer psiquiatra que i'eceba representantes
de vendas pode desfrutar dc uma oferta regular de brindcs.

e todo o resto
Agora a Eli Lilly postana internet lamalista clãsdoações"educacionais"e
"filantrópicas" que faz, e isso nospi'oporciona uma ideia do dinheiro (lue vai parti
grupos cle defesa de pacientes e várias organizações educacionais. SÓno primeiro
trimestre de 2009, a Eli Lilly deu 551.000 dólares à NAMI e zl suas seçõeslocais,

334
Contabilizando osLucros

465.000 dólares à Associação Nacional dt' Saúde N'lc'ntal, 130.000dólares ao


CHADI) (Childrcii aild Adults with Attentioil Dt ficit Hypciilctivity Disordcr um
grupo de dc'tesa dos clircitos dc pacientes com TDAH) e 69.25o dólares à Fundação
Norte-Americana para I'revciição do Suicídio. A compiuthia dt:u anaisde l milhão
dc dólares a diversas organizações cducacioilais, incluindo 279.533 dólares pztra a
Antidote Educatioli Company, lmaa organização que oferece cui'sosde "educação
médica contínua". Essessão os valort's de uma única t'mpresa farmacêutica
durante três iilest:s; qualquer contabilização completa clt) fluxo dc dinheiro parir
grupos dt' defesa dos direitos tios pacientes e organizações t'clucacioitais exigiria
que sotilássemos as subvençõc's cle todos os fabricantes dc drogas psiquiátricas.2u

Todos Pagamos a Conta


De acordocom um relatório clc 200ç)da Agênciadc Pt'squisac Q.ualidiLdc'
da
Assistência à Sttúde, um órgão federal, os gastos coill serviços de saúde mciltal
tên] subido numavt'lociclad mais }tceleiad:tquc osdc qualquer outr;t cata'gorja
tnédica.29Em 2008, os Estados Uitidos gastaram cerca dc 170 bilhões dc dólares
com serviços dc saúde mt fetal, o quc corri'spoildc ao dobro clo quc foi gasto em
2001, e há uma projeção de qut' essa dt'spc'sase ttlevc pane 280 bilhões dc dólares
cni 2015. O público, primordialmente por intermédio dos piograntas Medicaid e
Medicare, paga quítst' 60% dos gitstos da ilação com serviços de sltúde iiit'ntal."'
E esta a história do negócio das drogas psiquiátricits. A indústria farmacêutica
destacou-sc na ampliação dí) nlc rcztdopaul seusprodutos, t- isso gera uma c'iiorinc'
ri(ltteza para muitos. Entretanto, essaempreitada dependeu de que fossa:contada
uma história falsit ao público norte-amcric;lno,l)cnl como da ocultaçãodos
resultados que revelavam os desfechos precários, a longa)prazo, desseparadigtn;\
dt atendimento. Ela também vcm cobrando il nossasocieditdcunl terrível tributo.
O llúmero dc pessoasincapacitadas por doençasInciltais tios últimos vinte ditos
disparou, c' hoje essil epidemia espalhou-sepor n''asascrianças.Com efeito,
milhões dc crianças c adolescentesestão seitdo prt'l)arados para scr usuários
vitalícios desses medicamc'fetos.

Do pulito de vista societário e iltoial, css - é um balanço filial que clama por
mudanças.

:3:35
PARTE V

qnr TTnórç
N./ \.r A.J \./ \4 \./ JLJbJ
16
Projetos de Reforma
facho que esta i\n baía de outra gteue dejaitle."
- Vinca Bochm, 2009

Em 28 dc julho de 2003, seis "sobreviventes psiquiátricos" t\ssociados à


h,lindFreedom Intenlational, uma Organizaçãode direitos dos ])acientes, anunciou
uill ':jejum pela liberdade". David Oaks, Vinca Bochm e os outros quatro cnviaram
uma carta à Socieditde Nortc-Amc:ricana de Psiquiatria, à Aliança Nacional
Contra a Doença Nlctltal (NAN'll) c à Diretoria Nacional de Saúde, declarando quc
iniciariatii uma greve de foiiie, a menosquc uma dessasorganizaçõesforncccssc
provas cientificamente válidtts" de quc as várias histórias qttc contavam ao
público sobreas doençasmentais eram verdadeiras. Entre outrtts coisas,o grupo
da MindFi'eedom pediu dadosquc provasscili que as principais doençasnlciitais
ci'ztm "doenças cerebrais dc bascabiológica", t)em como provas de que "alguma
drogtt psiquiátrica é capaz clc corrigir descqtiilíbrios químicos" no cét coro. Os Seis
da h/]indFreedom inoiitaranl un] painel científico para examinam as respostas das
organizações-- um grupo dc' consultores que incluía Loren N'loshcr-- e cxigiríun
que, sc a SociedadeNorte-Americiitlade Psiquiatria (APA) e os outros não
ptidcsst'm fornecer essasprovascientíficas, "os seiillotes admitam publicamcntc
aos meios dc comunicação, às autoridades dc govcriio c ao público em geral quc
sãoincapazes dc fazê-lo".i

Eis o que il APA rcspondcu: "As rc:apostasa sitas perguntas cncontntm-se


amplamente dispoilívcis iia literatura cieiitílica, c assim têm estado há anos
nas palavrasdo dirctor médicoJames Scully. Ele sugeriu que o grupo lesseo
relatório dc Sazíde
À4e/rfa/
dc 1999da Diretoria Ntlcionalde Saúde,Olium manual
da APA coeditado por Naiicy Andreasen e otltros. "Trata-sc de llm manual 'fácil dc
usar', para pessoasquc acabaram dc ser apresentadasao campo da psiquiatria":
cxPlicoti.2

339
AN,\TOhIIA D].; UNHAE])IDEhI]/\

SÓ os ignorantes, ao que pai'ecia, faziam aquele tipo de pergunta idiota.


Mas Scully não listou nenhuma referência, e, assim sendo, os seis "sobreviventes
psiquiátricos" iniciaram sua greve de fome, c quando seus consultores
científicos examinaram os textos a que Scully os havia encaminhado, também
não encontraram neles nenhuma referência. Em vez disso, todos os textos
reconheciam, a contragosto, o mesmo resumo da história: "As causas exatas [a
etiologia] das doenças mentais não são conhecidas", como confessadaSatcher,
o dirctor nacionalde Saúde,em scu relatório de 1999.O painel científicoda
MindFreedom, cn] sua resposta de 22 de agosto a Scully, observou que os grevistas
haviam formulado "perguntas claras sobre a ciência da psiquiatria", mas a
APA as havizt desconsiderado. "Ao não darem respostas específicas às perguntas
específicasformuladas pelos que estão cn] greve de fome, os senhoresparecem
estar afirmando a própria razão para a referida gicvc."'

A APA nuncarespondeua essacarta. Ao contrário,depoisquc o grupo da


MindFrcedom suspendeuseu jejum (vários cumponcntcs começaram a ter
problemas de saúde), ela cmitiu um comunicado à imprensa declarando que
a APA, a NAMI e os demaisintegiaiites da comunidadepsiquiátrica "não se
deixarão desviar pelos qtic quct'cm negar (ltic t)s tntnstonaos tllcntais graves sãQ
doençasmédicas leais, que podem ser diagi]osticadas conaprecisão e tratadas com
eficácia".' alas ficou claro pala todos os observadoresqticm tinha vencido essa
batalha. Os grevistashaviam pegado para vcr o jogo da APA, c a APA não tinha
nada na mão. Não apresentou uma única referência quc corroborassea história
de "doença ccrebral" que cla contava ao público. Os Seis da MindFreedom,junto
com seu painel científico, emitiram então uma convocaçãodircta à ação,a fim dc
obter ajuda:
Exoitamos os mcmbros do público, joillalistas, dcfensorcs (lc direitos (los cidadãos
c autoridades (ltic estiverem lendo esta coilvcisação a solicitarcm à APA respostas
clirctas a nossas pcrgtmtas. Solicitiunos também qut: o Congrcsso invcstiglie o
embuste cm nlassil quc hoUCrcprcscntam, ElosEsta(los Unidos, o "diagnóstico c
lrataincnto das doctlçasm(:iltais" prí)movidospoi' órgão)scomo ;l APA c sc:ln
l)odcrosos aliados.

A greve, obscrvoti o dirctor cxccutivo da MindFrccdonl, l)avicl Oaks, provocou


artigos no 14/mAí7zg/a/z
Boi/ c nos.La.f.4/zge/ei
7'i/?les."0 obÜctivoda greve foi cduc;u o
público. Tratava-sc dc capacitzlr o público e faze-lo falai' sol)re estas questõ(:s, quc
nosafetaiil a todos.Tratava-st:dc questionaro /)////gang
ompi'csarialiml)testoao
peiisiunc:ntoÍdíl população]."c

34o
PKljetos de Refbima

Lições de uma Greve de Fome


Na primeira vez quc pensei em escrever um cttpítulo sobre "soluções") imaginei
cluc siinplesmcntc descreveria prograilaas,tanto nos EstadosUnidos quanto no
exterior, que cnvolvesscmo uso de medicamcntos psiquiátricos de modo seletivo
e callteloso (ou não o envolvcssc:nl) c estivessen] produzindo bons resultados. N,l2ts
então, pensei na greve dc fome e nle dei conta dc que o grupo da organização
NlindFrecdom havia identilicíLdo caiu precisão o maior problema que temos diante
de nós.

A verdadeira pergunta a respeito dos medicamentos psiquiátricos é esta:


quando c como eles devem ser usados?Os remédios podem aliviar sintomas a
curto prazo c há pessoasque talvez se estabilizem bem com eles a longo prazo,
de modo que, claramente, há um lugar para a medicação na caixa de ferrztnlcntas
dit psiquiatria. Entretanto, um pai'adigmit de atendimento com o "melhor:
uso re(lttcreria que a psiquiatria, zt NANíl c o restante da ordem psiquiátrica
estabelecida pcnsasseiii nos medicamciitos de maneira cientifica\mente honesta e
falassem francamente sol)re eles COMo público. A psiquiatria teimadc reconhecer
que as causas biológicas das doençasmentais continuam desconhecidas.Teria
de admitir que os remédios,cm vcz de corrigirem dose(luilíbriosquímicosno
cérebro, perturbam o funcionamento normal das vias neurotransmissoras.Teria
(lue parar de esconder os resulttLdosde estudos a longo prazo que revelatn que os
nlcdictunelltos vêm piorando os resultados a longo prazo. Sc ;l psiqliiatria o fizesse,
poderia descobrir como usar os niedicamcntos de iilancira judiciosa c sensata,e
todos na nossasociedade coiilprccnderiaill a ilcccssidade de terapias alternativas,
que i)ãu dcpetldesscmde reillédios ou, pelo menos,nlinimizassem seu uso.
Em self livro de 1992, Hoztl/a.Beco//ze
a Sc/lÍZopAm/ic [Como ficar csquizofrênico],
John N'lodrow -- que havia recebido essediagnóstico -- escreveu o segliinte: "Então,
colho faremos l);\ra ajudar os 'esquizofrênicos'? A resposta é simples: Parem com
as mentiras!".7 Em síntese, enl isso quc os Seis cla NlindFrceclonl estav?tntpedindo
e. colmo observouo scu painel consultivo, trata-se de um pedido perfeitamente
racional. E isso, creio eu, reslimt o desato que itgora enfrentamos colho sociedade.
Como romper a pitrceria psicluiatria/empresas I'armacêuticas, a qual, como vimos,
mente sistematicamente para nós?Como podemosinsistir em que o sistema dc
saúde mental da nossa sociedade seja dirigido por llliia ciêitcia ht)ii('sta, e não por
uma parceriit que vive buscando itmpliar o mercado das drogas psiquiátricils?

34
AN/tTOxiiA DE uhl/l EpinEhli/\

Não há resposta simples para essasperguntas. Claramcnte, porém, nossa


sociedade precisa ter uma conversa sobre o assunto, e por isso achei que o i'estante
deste capítulo sobre as "soluções" deveria ser dedicado a entrevistas e investigações
de programas alternativos que possam ajudar a bornal fecunda esta conversa.

Uma Forma Engenhosa de Cuidado


David Hcaly é professorde psiquiatria na Universidadc de CardifF e cuida
dc pacientes psiquiátricos no Hospital Geral Distrital, em Galos do No1'te,onde
trabalha desde 1990. Seu consultório Glcaa poucos passoscle uma enfermaria
fechada e, naturalmente, ele emite regularmente receitas de medicamentos
psiquiátricos. Aliás, embora tenha passadoa ser visto por muitos na psiquiatria
como um "inconformista", clc se retrai diante dessa palavra. Na década cle 1980,
observa, pesquisou a recaptação dc serotonina em pacientes deprimidos. Escreveu
mais de uma dúzia de livros e publicou mais de 120 artigos, e grande parte desses
textos enfocaa história da psiquiatria e a era da psicofaimacologia.Seucurrículo
fala de um psiquiatria e historiador que, até começar a escreversobre problemas
com os inibidores seletivos dc recaptação da scrotonina (ISRS), era abraçado pela
psiquiatria estabelecida. "Não acho club eu tenha mudado muito, de modo algum",
disse.'cachoque a corrente dominante me abandonou."n

Suas ideias de como as drogas psiquiátricas devem ser usadas (e do quc


realmente fazem) foram pi'ofunclamcnte influenciadas por ecus escritos sobre
a história da psiquiatria e por um estudoque ele conduziu,comparandoos
resultados dos doentes mentais de Goles do Norte, um século atrás, com os
resultados atuais na mesma região. A população não sc alterou nesseperíodo,
com cerca de 240.000habitantes na arca, e, ao passo que cem anos atrás todos
os doentesmcntais graveseram tratados no Hospício de Games
do Norte, em
Denbigh, hoje todos os pacientes psiquiátricos que necessitam de internação são
tratados no Hospital Geral Distrital, em Bangor. Debruçando-se sobre os registros
dasduas instituições, Healy e seusassistentesconseguiramdeterminar o núnlcro
de pessoasque foram tratadas no passadoe o número tratado hoje, bcm colho a
frequência das hospitalizações.

A crença comum, observa Healy, é quc os antigos hospícios transbordavam de


lunáticos. No entanto, de 1894 a 1896, apenas 45 pessoaspor ano foram internadas
no Hospício de Gales do Norte (por problemas mentais). Além disso, desde que
não sucumbisscm à tuberculose ou a alguma outra doença infecciosa, os pacientes

342
Projctos dt: lielbnnit

costumavam mclhoiar no correrde três mesesa un] :tno, e iam pailtcasa. Cinquenta
por cento recebiam alta coma "recuperados" e outros 30%, como "aliviados". Além
disso,a esmagadoramaioria dospacientesinternados por u'n primeira episódiodc
doença recebia alta e nunca illais voltava }l ser internada, c issosc aplicava até aos
pacientes psicóticas. Este último grupo teve, em média, apenas 1,23 hospitiLlização
num período dc dez anos (número que inclui ;\ internação inicial)-

Hoje em dia, há uma suposição de que os )acientes sc saem muito melhor do


que antes graças aos medicamentos psiquiátricos. Todavia, em 1996 houve 522
admissõesna ala psiquiátrica do Hospital Geral Distrital de Bangor-- quase 12
vezeso número de pessoitsinternadas no hospício de Denbigh, um século antes.
Setenta e seis por ceilLo dt'sscs 522 pacieiitesjá tinham estado lá anteriormente,
colho l)í\rte de um grande grupo de pacientes em Galos do Norte que gira em ciclos
regulares l)elo hospital. Embora os pacientes passcin lim período mais curto no
hospital do que acontecia em 1896, apenas 36% receberailt alta cojllo rccul)erados.
Por último, os pacielltes internados por uin primeiro surto psicótico na década
de 1990 tiveram, em média, 3,96 hospitalizações ilo cui se de dez anos -- mais de
três vcz.eso número dc um século atrás. Cllantmcnte, os pacientes atuais têm nl \is
doençascrânicits do que há linl século, parece'ido os tnttamentos modernos htn'er
D (l
criado uma "porta gir;ttória

Ficítmos surpresos ao ver como são precários os resultados ;ltu;lis dep{)is dc


cinco ;lhos", obscrvou llcítly. "li)da vez quc olhainus paiit us rcsultitdos dc hqe
1);tiao priitleiro lote de resultados [de um dado grupo de diaqnóstico] apóscillco
lhos, pensailtos: 'Meti Deus, não pí)de scr isso'."
O estudo deles envia uinll mciisagem bt:m clara sobre como c qu:\ndo os
medicamentos psiquiátricos devem scr usados. "Uma porção de gente costumava
sc recuperar", t'xplicou Healy, lilás, se você medica imediatamente todos os
pacientes, corre o risco de "lhes causar um problema crónico que, nos velhos
tempos, eles t]ão terian]." Hoje, Healy procura "observar e esperar" antes de dai
drogas psiqttiátricits aos pacientes que sofrem um primeiro episódio, pois quer
ver sc esse tipo de recuperação niLtural pode ocorrer: "Procuro usar os remédios
com cautela, em doses razoavelmente baixas, e digo ao l)acieilte: 'Se o remédio
não fizer o que quereitios que faça, nós viemossuspendê-lo"'.Se os psiquiatrlls
escutassem seus pacientes ;t respeito de como os remédios os afetam, concluiu
Hcaly, "teríamos apenas alguns pacientes medicttdos il longo l)razo:

343
ANATOXIIA DE UNI/\ EPIDI.;NIIA

AÍ está: uma receita simples, para usar os medicamentos criteriosamente.


Ç2uandoo médico se dá conta de que muitas pessoasque vivenciam um surto
psicótico ou uma depressão profunda podem se recuperar naturalmcnte e de quc o
uso prolongado de psicotrópicos está associadoa um aumento da cronicidade. fica
evidente que os remédios precisam ser usados de modo scletivo e limitado. Healy
viu essa abordagem funcionar com seus pacientes, muitos dos quais insistem, a
princípio, cm que precisam dos medicamentos. "Eu digo a eles: 'podemos fazer
mais mal do que bem"', disse Healy. "Eles não sc dão conta de quanto mal podemos
fàzc r. "

Curando os que Estão "no Entremeio"


Durante muito tempo, a Lapânia Ocidental, na Finlândia, teve um dosíndices
mais altos de esquizofrenia da Europa. Lá vivem cerca de setenta mil pessoase,
durante a décadade 1970e o início da de 1980,apareciam cercade 25 novoscasos
de esquizofreniaa cadaano -- uma incidência quc cra Qdobroou até o triplo da
norma em outras partes da Finlândia, bem como no resto da Europa. Além disso, era
habitual esses pacientes se tomarem doentes crónicos. Hclje, porém, os I'csiilt:.dos
a longo prazo dos pacientes psicóticosna Lapõnia Ocidental são os nlclhorcs do
Ocidente, e a região vê surgirem pouquíssimos novos casosde esquizofrenia.

Trata-se de um sucessomédico que levou décadassendoproduzido e teve início


cm 1969 quando YÜÓ Alanen, um psiquiatra finlandês com fonnação psicanalítica,
chegou ao hospital psiquiátrico de Turku, uma cidade portuária no sudoeste
da Finlândia. Na época,poucos psiquiatras do país achavam que a psicoterapia
podia ajudar os esquizofrênicos.Mas Alanen acreditava quc as alucinaçõese os
ditos paranóicosdos esquizofrênicos,se cuidadosamenteexaminados, contavam
histórias que faziam sentido. Os psiquiatras, enfermeiras e funcionários clo
hospital precisavameiczlfaros pacientes. "Pala quem conheceas famílias desses
pacientes, é quasc impossível não compreender quc elas enfrentam dificuldades
na vida", explicou ele, numa cntrevista no hospital psiquiátrico de Turku. Eles
"não estão prontos" para ser adultos, e "podemos ajudar nessedesenvolvimento". io

Nos 15 anos seguintes, Alanen e um punhado de outros psiquiatras de lbrku,


cm especialJukka Aaltonen e Viço Rãkkõlãinen,criaram o quc chamam de
tratamcnto de pacientes psicóticos "adaptado à necessidade". Clonlo os pacientes
psicóticossãoum gnipo muito heterogéneo,eles dccidiramquc o tratamento
precisavaser "específicopala cada caso".Alguns pacientescom um primeiro

344
Pnãctos dc RcEormzt

episódio precisariam ser hospitalizados, outros não. Algtms se beneficiariam dc


doses baixas dc medicamentos l)siquiátricos (benzodiazcpinas Oll ncurolépticos),
outros não. E, o mais importante, os psiquiatrasde Turku se decidiram pela
terapia do grupo failliliai dc um tipo particularmente colaboi'ativo- colho
tratamento ituclear. Psiquiatras, psicólogos,cnfei'mcirtts e outros, treinados na
Lci'apiafamiliar trabalhavam em "equipes dc psicose" dc dois ou três incmbros,
que se citcontravam regulariilcllte com o/a paciente c suEI família. As decisões
sobre o tratamciito dos pacientes craili conjlliitamcnte tomitdas nesses cncoiltros.

Ncssassessões,os terapeutas não sc preocttl)avam cm minorar os sintomas


psicóticas do(a) paciente. Em vcz.disso, coiiccntravam a conversa nos sucessos
c realizaçõesdc:le(a) no passítdo,com a ideia dc que issoajudaria zl reforçar self
domínio sobre l\ vida". A cspt'rança, disse Rãkkõlãincn, "é qttc eles não pcrcitnl
de vista ll ideia dc que podem scr iguílis aos outros". O pzlciente também podia
receber psicoteial)ia individual p;tia ajudar nesse pioccsso, c acabtwa seiiclo
encorajado a constrllir uma nova "autonarrt\uva" para seguir adiante, imaginando
llili futuro cm qu.' c'stivc'sst:integrado(a) à sociedade,c não isolado(a)dela. "Com
il coticcpção biológica da psicose',não sc podem ver as re;\lizttçõcs do passado" nem
:is possibilidztdes do futuro, disse Azlltoilen.

Dliriulte as décadztsde 1970 e 1980, os resultados rcferc:ates aos piLcientes


psicóticosdo sistemadt: Turku tiveram unia tltclhora sistemática.Muitos
pacientescrâtlicos rcccbciam altíl do hospital, c liin t:stuclodos pacientesdc tipo
t'squizofrêtlicocnl seuprimcirt) surto tnltados entre 1983t' 19H4constatouqut'
(il% ficariam assintomáticos ao hnl cle cinco alias e apenas 18% rcccbiaitl auxílio
por invalidez. l:i'a um resultado ótiino, e, de 1981 a 19}{7,AliLnen coordenou o
PrometoNacional Finlandês da Esquizofrenia, que determinoll que u modelo dc
cuidado ttditptacloà necessidadedcscnvolvido eill Turku poderia ser introduzido
colll êxito cm outras cidttdcs. Duas décadasdepois dt: Alancii c seuscolaboradores
iniciarem scli prometocm Turku, a Finlândia havia decidido que a psicoterapia
realmente podia ajudar os pacientes psicóticas.

Infelizmente, porém, persistiu a qlicstãu clo melhor uso dos alitipsicóticos, e


cill 19çi2a Finlândia montou lim estudo com pítcientes 110primeiro episódiopara
ciicontrar a resposta. Todos os seis locitis clo estudo ofereccranl nus pacientes recéni-
diagnosticitdoso traLamcilto adaptado à necessidade,mas em três dessescentros
os pacientes não recebcram antipsicóticos durante as priiiieiras três semiuias (as
benzodiazepinasptideraiti ser usadas)e a terapia medicamentosasó foi iniciada
quando o paciente não ítprescntou melhora durante esse período. Ao cabo dc

345
AN,\TOXINA I)I': UMA E],I])ENFIA

dois altos, 43% dos pacientes dos três centros "experimentais" nunca tinham sido
expostosa neurolépticos, c os resultados gci'ais das sedes experimentais foram
"um pouco naelhores"quc os dos centros cm que quase todos tinhatn sido expostos
aos medicamentos. Além disso, entre os pacientes das três sedes expcrinlentais,
os qtic nunca tinham sido expostos a neurolépticos alcançaram os melhores
resultados .i l

"Eu recomendada um uso [das drogas] específico pala cada caso", c]issc
Rãkkõlãinen. "Experimente scm os antipsicóticos. Você pode tratar melhor deles
scm medicação. Eles ficam mais interativos. Tornam-se eles mcsinos." Aaltonc.l
acrescentou: "Sc você puder adiar a mcdicação, isso é importante".

Dir-sc-ia (lue a psiqliiatria finlandesa,([;\dosos iesll]tados do cstudo, teria


itbraçado iutqucle momento -- em nível nacional -- case modelo dc atendimento
"scm uso imcdiato de ncurolépticos". Em vcz disso,Alanen e os outros criadores
clo tratamento adaptado à neccssidadc aposentaram-se e, durante os anos
1990,o tratamcnto da psicosena Finlâitdia passoua ter uma OI'ientaçãomliito
mais "biológica". Hclje em dia, tLté cm lbrku, os pacientes no primeiro surto
são regularmente tratados com antipsicóticos,e as normas flitlandesasagora
ieqtierem que os pê\cientessejam mantidos com :t medicação por pelo mcnos cinco
anos depois do primeiro episódio. "Estou meio decepcionado", confessou Alancn
:to final da nossa entrevista.

Felizmcllte, lml dos três centros "experimentais" do estudo de 1992-1993 levou


a sério os resultados.E esselocal foi Tordo, na Lapânia Ocidental.

A caminho dc Tordo, clubfica nu norte, parei para cntrcvistarJaakko Seikkula,


um professorde psicoterapiada Universidadede Jyvãskylã.Além de trabalhar
no Hospital Keropudas, em Tardio, há quase vinte anos,ele foi o principal autor
de vários estudos que documentaram os resultados extraordinários dos pacientes
psicóticosna Lapânia Ocidental.

A transformaçãodo atendimento no Hospital Keropudas,passandode um


sistema cn] que os pacientes eram hitbitualmcnte inteinaclos c medic:idospara
outro em quc raras vczes são hospitz\ligados c só ocasionalmente são mcdicítdos.
teve início cm 19R4,qtiaiido Rãkk(}lãinenvisitou o local c falou do tratamento
adaptado à necessidade.A equipe do Keropudas, relembioti Seikkula, intuiu de
imediato que fazer "rcuniões abertas", nas quais cada participante compartilhassc
livremente suas ideias, ploporcioitaria aos pacientes psicóticas uma experiência

346
Piqetos de Rcbmaa

muito diferente da psicoterapia convencional."A linguagem que usamosquando


o paciente está sentado conosco é muito diferente da que usamos quando estamos
sozinhos [os telapcutas] e discutindo o paciente", disse c]e. "Não us:\mosas
mesmaspalavras, e temos de escutai mais as ideias do paciente sobrc o quc está
acontecendo,e escutar mais a família."

Seikkttla c outros acabaram desenvolvendocm Tardio o que chamaram de


terttpia do diálogo ttbcrto, que ei'a limo vítriação sutil do modelo adaptadoà
neccssidadc de Turku. Como havitt ocorrido em Turku, os resultados dos pacientes
na Lapõnia Ocidental melhoraram durante os anos 1980, e cm seguida Tordo
foi sclecionadapaizt scr uma das três sedes cxperimctitais do estudo htllandês
de 1992-1993sobre pacieiitcs no primeiro surto. Tordo inscrcvett 34 dcles, e ao
citbo de dois anos 25 nunca haviam sido expostos a neurolépticos. Q.uasc todos
os pacientesnunca mcdicadosdo estudonacional (25 de 29) tinham vindo, na
verdade, dessamesma sede,c por issofoi somciite nela que o pessoalllospitalar
observou o curso a longo prazo cla psicose não mcdicacla. E constatou que, embora
a recuperação da psicosecomumcnte se produza num ritnln mais lento, cla ocorre
com regularidade. Os pacientes, disse Scikkula, "voltaiain para scu trttbalho, seus
e»studos,suas famílias".iZ

Resultadosapóscinco anos cn] pacicntcs conaum primeiro surto dc psicose,


tratados com a terapia do diálogo aberto na Lapânia Ocidental, Finlândia

I'acientes (n=75)
Es(luizofr.'nia (n=30)

Outt'ostnulstoi'nos psicóticas(n=45)
Uso de antiDsicóticos
Nunca expostos a antiÍ)sicóticos (i7%
Uso ocasional durante cinco anos 1313%

Uso contínuo ao final (It: cinco ailt)s 20%


Sintomas psicóticas
Sctn nt'nhutna i'ccaí(la (lurantt: cit)co anos (i7%
Resultados funcionais cm cinco anos 79%
Assllitoilaáticos no iicompíiiall:lillcilto itpós cinco alias
['ra])a]hando ou na csco]a 713%

l)c:scmprcgados7%
R(.ccbt'n(it) pensão poi' in\alidt z 20%

Fonte: J. S{'ikkula, "Fivt'-ycar cxpcricnct of íirst cpisode nonaüectivt' psychosis ol)en-dialogu(


approitch", .fbc/lof/lelaÊ»/?flcanr/l 16, 2006: 2 14-228.

347
ANATON{IA 1)1:UNIA EPIDICN[IA

Animado comos resultados,o Hospital Keropudasiniciou imcdiatamente outro


estudo, mapeando os resultados a longo prazo dc todos os pacientes psicóticos
no primeiro surto na Lapânia Ocidental, de 1992a 1997.Passadoscinco anos,
79%deles estavamassintomáticos e 80% estavam trabalhando, ou na escola,ou
procurando emprego. Apenas 20% recebiam pensãodo governo por invalidez.
Dois terços dos pacientes nunca tinhajn sido expostosà medicaçãoailtipsicótica
e apenas 20% tomavam os remédios icgularlneiite.'a A Lapânia Ocidcntal
havia descoberto uma fórmula dc sucessopara ajudar pacientes psicóticas a
sc recuperarem, sendo crucial para essesucessoa sua política de não fazer uso
imediato cle ncurolépticosem pacientescom um primeiro episódio,uma vez
quc ela proporcionou uma "válvula de escape"para os quc podiam recuperar-sc
naturalmente.

;Tenhocon6lançanessaideia", disseSeikkula. "Há pacientesque podem levar


uma vida bastante peculiar c quc talvez tenham ideias psicóticas, mas que, apesar'
disso, podem agarrar-se a uma vida atava.No entanto, quando são medicados, por
causa da ação scdativa das drogas eles perdem esse 'domínio subi'e a vida', e isso é
mliito importante. Tornam-se passivose já não cuidam deles mesmos."

Anualmente, as instalações psiquiátricas da Lapânia Ocidental consistem no


Hospital Keropudas, com seus55 leitos, localizado nos arredores clcTordo, e em
cinco clhlicas dc saúde mental pala pacientes ambulatoi'tais. Há aproxinladamcntc
uma centena de profissionais da saúde mental no distrito (psiquiatras, psicólogos,
enfermeiras e assistentessociais), e a maioria deles concluiu um curso dc terapia
familiar com clllraçãode três anos,ou novecentashoras.Muitos integrantesda
equipe inclusive a psiquiatra Birgitta Alakarc e os psicólogosTapio Saio c Kauko
Flaarakangas estão lá há décadas, e hcjc a terapia do diálogo aberto é uma forma
de atendimento bastante aprimorada.

A concepçãode psicose que eles têm é clt: natui'eza bem distinta,já que não se
enquadra realmente nen] ila categoria biológica nem na psicológica. Eles aci'editam,
antes, que a psicose provém dc relações sociais gravenlentc csgai'çadas. 'EApsicose
não vive na cabeça. Vive no entrenleio dos membros da família e no entremeio
das pessoas",explicou Saio. "Está ntt iclação, e o psicótico dá visibilidade a essa
situação ruim. Ele 'veste os sintomas' e tem o ânus de cara'cgá-los."t+

Sendoa maioria do pessoaldo dista'ito formada em terapia familiar o sistema


está apto a responder prontamente a unia crise psicótica. A primeira pessoaa

348
Prqctos dc Rcforma

ser }nocurada -- por um dos pais, um paciente em busca cleqtida ou, talvez, um
administrador escolar -- é responsávelpor orgzulizar um cncotltro cm 24 horas,
cabendo à faittília c }lo paciente decidir onde sc realizará essa reunião. A casa
clo paciente é o local preferido. Deve haver pelo menosdois membros da equipe
presentes-- dc preferência, três e essase torna a "eqlijpc" que, idealmente,
pcl'maiiccerájuiita durante o tratamento do paciente.Todosvão a essaprimeira
reunião cientes dc: quc "não sabem nada", disse a enfernlcira afia Kurtti. Seu
trabalho é promover um "diálogo ILberto" cm quc as ideias clctodos possamtornar-
se conhecidas, sendo os familiares (e atiligos) vistos como colaborador'es. "Somos
especialistas em dizer que não saDIosespecialistas", comentou Birgitta Alakare.

Os terapeutas se consideram convidados ila casado paciente, e se um paciente


agitado fogc para seu quarto, eles siinplcsmcnte Ihe pedem que deixe a porta
aberta, para poder escutai' a convem'sa."Eles ouvem vozcs, nós os encontrantos c
tentamos tranquiliza-los", disse Saio. "Eles são psicóticos, mias não têm nada de
violentos." Com efeito, zl maioria dos pacientesquer contar sua história, c quando
eles falam dc alucinaçõesc ideias paranoicas, os terapeutas apenas escutam e
reílctem sobreo que t)uviram. "Acho]os sintomas psicóticos] muito intercsstLntes
disse Kurtti. "Qual é a diferença entre vozes e pensamentos? Estamos tendo uma
conversa."

Não liá menção algunaa a antipsicóticos nos prlnleiros cncoiitros. ÇZtiatldo


o paciente começa a doriiiir tnclhor e a tomítr banho regularnlcnte, e começa
a restabelecer dc outras m;tnciras os vínculos sociais, os tenLpclitas sabem qtic
scu "domínio sobre a vida" está saldo reforçado c club a medicação não será
necessária.Vez por outra, Alakarc l)ode receitar uma bcnzodiazepinapara ajudar
a pcssoa l donnirou paUL atcntiar a ansiedade do paciente, e pode vir a prescrever
um neliroléptico cm dosagcm baixa. "Em geral, sugiro qttc o paciente o use por
alguns incses", disse. "Mas, quando os prtlbletllas desaparecem, após sos meses
Oll lim fino, ou talvez ilté depoisdc três anos,tentamos suspelldera nlcdicação.

Desdeo coinc'ço,os tenlpcutas se t'mpcnham c ill dar ao l)acientc c à família


uin sciitilllcnto dc cspcrança. "A mensagem qtic l)assatilos é quc podemos lidar
cona essa crise. Temos a t'xpcriência dc que as posso:ts podcnt iilclhorar, c coilhamos
iicssc tipo dc possibilidade:", a6lrmou Alak;tre. Eles dcscobiiram que pode levei
muito tempo dois, três Oli até cinco anos para o paciente sc iccupci'ar. Embora
os sintomas psicóticas possUiRatetitiar-sc coill })astantc rapidez, os tei'apcutas sc
colicentntiti ilo "doinínio]do paciente] sobre il vida" c cm coilsclrtai a relação clcle
coiii a sociedade,c casaé uma tarefa mliito maior.A equipect)ntinuíl êlsereunir

349
ANJvroxn.xni; UNHA
EplonNn/t

com o paciente e a família, e, à medida que esseprocessose deseni'ola, professorcs


e empregadoresem potencial também sãoconvidadosa comparecer.':A questão é
restabelecer as conexões sociais", disse Saio. "0 paciente 'de entremcio' recomeça
a trabalhar, na companhiade familiares e amigos.

Nos últimos 17 anos, a terapia do diálogo aberto transformou "a imagem cla
população psicótica" na Lapânia Ocidental. Desde o estudo de 1992-1993, nem lim
único paciente psicótico no primeiro surto terminou cronicamente hospitalizado. As
despesascom serviços psiquiátricos na região caíram 33% da década de 1980 para
a de 1990,e hoje a despesaPercaPfa do distrito com serviçosde saúde mental é a
mais baixa dc todos os distritos de saúdeda Finlândia. Os índices de rccuperação
se mantiveram altos: dc 2002 a 2006, Totnio participou de um estudo multinacional
dos países nórdicos soliie a psicose no primeiro surto e, ao cabo dc dois anos, 84%
dos pacientes haviam retalhado ao trabztlho ou à escola c apenas 20% tornavam
antipsicóticos. O mais notável de tudo é que a esquizofrenia vem desaparecendoda
região. As famílias da Lapânia Ocidental passaram a ficar tão à vontade com essa
forma gentil de atendimento que ligam para o hospital (Oli para uma das clínicas
clc pacientesambulatoriais) ao primeiro sinal dc psicosenum ente querido, e o
resultado é que, hoje em ([ia, tipicamente, ospacientes no primeiro sui'to apresentam
sintomas psicóticos por menos de um mês, e, iniciado o tratamento nessa etapa
precoce, pouquíssimos chegam a desenvolver a es(luizofrenia (o diagnóstico é feita
depois que o paciente está psicótico há mais de seis meses).Apenas dois ou três
novos casosde esquizofrenia aparecem a cada ano na Lapânia Ocidental, o que
representa uma queda de 90% desde os primeiros anos da década dc 1980.i:'

O sucessode Tardio chamou a atençãode prestadoresde serviçosde saúde


mental de outros países europeus q nos últimos vinte anos, dois ou três outros
grupos da Europa informaram que a combinação do atendimento psicossocialcomi
o uso limitado de neui'olépticos tem produzido bons resultados.'6 "Isso aconteceu
de verdade", disse Seikkula. "Não é apenas uma teoria.

No meu trajeto de volta pai'a Helsinque, fui me intrigando com uma ideia: por
que as sessõesde grupo de Tordo são tão terapêuticas?Dada a literatura sobre
resultados iefeiente aos neuiolépticos, eu podia cntenclcr por quc o uso seletivo
dos nlcdicamentos tinha sc revelado tão proveitoso. Mas, por quc a terapia do
diálogo aberto ajudava os pacientcs psicóticos a se curar?

Durante mcusdois dias cm Tordo, acompanhei


três scssõcs
dc gi'upoe,
apesardc não falar Finlandês,pude tcr uma ideia do teor afetivo das sessõesc
35o
PrcÜt:tosdc lieforma

observar como fluía a convcisa. SenLavanl-setodos em circulo, de modo multo


relaxttdo c sereno, e, ztittes que qualquer llm falasse, cra comum haver llm
illomcnto clesilêncio por ulila oraçãodc scguildo, como sc quem ia falar ordenassc
seuspc:nsameiitos.Dc vcz cm quando ítlguém ria, c não puclt' identificar ilenhtinl
tnomttnto I'iil qut' algtiéitl fosse interrompido, cml)ora nenhum indivíduo parecesse
falar por muito teillpo, tampouco.A conversaparecia pcrpassadapcla gentileza e
pela humildade, c tanto os fatniliarcs quanto os p;tcientcs escutavamcona enorme
atençãoquaiiclo os tei'apcut;ls st: viravam c falavttn) entre si. "Gostamos de saber o
qut' eles pcilsanl dc verdade, cm vcz dt: eles só tios darem orientação", disscraitl os
pais nunlzl das sessões.

Riascssíl foi a síntescda coisa. Era tudo meio enigmático,c iien] ilacsmoo
pessoaldo Hospital K.eropudassoubenlllito bcm explicar por que essasconvcisas
c'i'am tão ten]pêuticas. "Os sinto]nas graves coincçai]] a passar", disse Saio, dando
cle ombros. "Não sabcnlus como acontece, nlils [a terílpia do diá]ogo abcrto] deve
t:star fazendo algutila coisa, porquê' funciona."

Um AntidepressivoNatural
No começa)
dosanos 1800,os ]toi'te-an]encanosscn]prerccorrian] a un] livro
escrito pelo médico escocêsWilliam Buchaii lii busca dc orieiltaçãu médica. Em
Z)o//rci/ic
zt/tc/icínc[blcdiciint citscira], Buchnii rccciLiLvacsLCrcnlédio sucinta piu'it
;l melancolia: "0 pacientedcvt' fazer tanto exercício ao ar livre qu;luto pttdci'
suportar.(...) Um plano desta natureza, caiu rigorosa att'tição à dieta, é um método
iliuito itlais nacionaldc cui'il do quc confinar o ptLcielitea llm recinto fechadoc
cunlulá-lo dc nlcdicamcntos

Dois séculos depois, :ls alitoridadcs médicas britânicas rcdcscnbi'iranl a


sabedoriado conselhode 13uchan. Em 2004,o Instituto NacionalPró-Saúdec
Excclêilcia Clínica, que aula como um cotisclho ct)nsultivo do St:rviço Nacional
dc Saúde do país, dccidiu qtic "os antidepressivos não são recomendados l)ara o
tratamento inicial da depressãoleve, porque ;l relação risco-benefício é ruim". Em
vcz disso, os tnédicos devem'iaitlcxpc:rinlt-fitar alternativas não mcdict\mentosas c
orientar os "pacientes clc to(l is as idades, portadores dc depressão leve, sobre os
bciicfícios dc seguir uin pi'ogi;tinir estrutur;leio c supervisionadodc cxci'cicios".i"

Hoje, os clínicos gerais do Reino Unido podem escrever lamamceiffzde exercício


físico. 'iA base de dados sobre n Grei'cicio como tratamcnto da depressão é rmiito
boa", disse Andrcw McCulloch, dirá:tor c'xccutivo da Fundação de Saúde Mental,

351
ANATOX[I/\ D]=UMA EPI])];N[IA

uma organização benehcente sediada em Londres que vem promovendo csta


alternativa. "Ele também reduz a ansiedade.E bom para a 2Lutoestima,o controle
da obesidade ctc. Tem um efeito de amplo espectro."':'

Em termos dc sua eficácia a curto pntzo como antidcpressivo, os estudos


mostraram quc o excrcício físico produz uma "melhora substancial" cm seis
semanas,que o tamanho do seu efeito é "grande" c quc 70% de todos os pacientes
depi'imidos respondem a um programa de exercícios. "Essesíndices de sucessosão
realmente notáveis", escreveramalguns investigadoresalemãesem 2008.ZO
Com o
tempo, além disso,o exercício produz uma multiplicidade de "bcncfícios colaterais".
Melhora a função cardio\ascular, aumenta a força muscular i'aduz a hipei'tensão
c aprimora o funcionamento cognitivo. As pessoasdormem melhor funcionam
melhor sexualmente e também teiidcm a sc tomai mais eitgqadas no plano social.

Um estudo conduzido em 2000 porJames Blumenthal, da Univcl'sidttdc Duke,


também revelou que não convém combinar exercícioscom terapia mcdicamcit-
tosa. Ele dividiu aleatoriamente 156 pacientes depi'amidosmais velhos em
três grupos -- dc exercício,de Zoloft c de Zoloft com exercício-- e, }lo cabode
16 semanas,os que foram tratados ttl)Cháscom ceei'cicios haviam se saído tão
bcm quanto os dos outros dois grupos.ZiEm seguida,Blumenthal acompanhouos
pacientes por mais seis mcscs, deixa\ndo-oslivrcs para cscolhcr o tratamento quc
quisesscnl durante esse período, e, no filial, os pacientes inicialmcnte tratados
apenas com cxcrcícios fortun os quc se saíram melhor. Apenas R%dos que
tinham estado bcm ao término clãs 16 semanas sofreram uma recaída durante o
lcompanhanlcnto e, ao cabo dc dcz mcses,70% dos quc pertenciam ao grupo dc
itpcnas cxercícios cstav;tm assintomáticos. Nt)s dois grupos expostos ao Zoloft,
mais dc 30% dos pacientes que tinham estado bem ao término das 16 semanas
sofreram unia recaída c menos de 50% estavam assintomáticos no hm do estudo.
O grupo dc "Zoloft mais exercício" não se sttiu melhor qttc o dos pacientes com
"apenas Zoloft", o quc sugeriu quc a exposição ao Zoloft íz/zzz/aura os bctleí'ícios
do cxercício. "Essa foi uma constatação inesperada, poiquc sc prestmlira que
coillbinar o cxercício cona a medicação teria, no mínimo, uin efeito aditivo",
escreveu Bluinenthal.aa

Em 2003, quando a Fundação de Saúde Nlcntal inglcsa lançou sua campanha


dc exercícios físicos pura a depressão,ela api'ovcitou o fato dc os clínicos gerais
da Grã-Bietanha já virem "rcceitando" exercícios aos pacientes com diabetes,
hipertensão, osteoporose c outros pi'oblemtts físicos. A prestação dcssc cuidado
médico exige que os médicos cooperem cona scçõcslocais da ACÉM,acztdemiasdc

352
Piojctos dc Rc6orma

ginástica c instalações rccrcativas, sendo essasformas de colaboração conhecidas


como "planos dc encaminham)]eiitopara o exercício"; desse modo, a fundação
prt'cisav;t ;tpcilas fazer os clínicos get'ais também começarema prescrever
Lxcrcícios físicos para seus pacientes deprimidos. Hcjc cm dia, mais dc 20% dos
clínicos gerais do Reino Unido receitam exercícios para seus pacientes deprimidos
cona certa I'requêitcia, o quc correspondc a qllatro vezes a pel'centagem dos que o
faziam cm 2004.

Benefício :\ longo l)rezo dos cxcrcícios físicos para a depressão

fratamcnto Pcrccntagcmdc I'crct'rltagcm(lc Percentagem


duiantt?os pacientes cn] rt'missão pitcicntcs cm i'cmissão dc pacientes
pino :irosquatro aofinaldcquatro contrccaiclano dcpntlltdos:toíinal
iiit:s(:$ tllcscs acoFllpzlilhilillcilto
ítpos clc(lcz lllcst:s
st: IS l l lt:stls

\penas Zoloft (i!)% 3}J% 52%


Zoloí'tmaisterapia (i6% 3 1% 55%
d{. t'xc' r(- ócios

\l)mas tenlpia de 6)0% 8%) 30%


cxt:i'cicios

Nesse cstuclo conduzido por pes(luisadoresdit Uníversi(lide l)uke, l)acientes mais velhos com
dcl)rcssão foram tratados (durante 16 scillanas dc unia dc trás nlanciras, depois aconlpanlla(los por
tllais seis meses. Os pacientes tratados ap('nas com cxcicícios físicos tiveram os índices mais bi\ixos dc
tccai(la durante os seis incscs scgtiintcs e, como grua)o, tivcranl muito menos prol)al)ili(lado dc sofrct
:om sintomas dcprcssivos ao fim dc cl(,z m('scs. Fonte: M. Babyak, ''Excicisc trcatmcnt foi nialoi
(lcprcssioii", /;kgc/zo.\o//iíz/íc
il/edíc/le (i2, 2000: 633-638,100- 111

Tipic21nlente,uiliíl "receita" dc exercíciosfoi't)ccc ao paciente lim tratamento


dc 24 st'DIHnHS.
Um profissional da educaçãofísica avaliít a condiçãodo paciente
c elabora um "plano dc atividílde" apropriado, e o paciente ciitãu recebe acesso
gratuito Oli com dcscoiito à A(]hl Oli à academia en] colabor;lção. Os pacientes se
cxcrcitan] cm ap;trilhos de musculação, nadam e fazem várias aulas de ginástica.
Além disso, mliitos plarlos dc encaminhamento ao exercício oferecem }lcessoa
"academias vei'des". Os programas ao ar livre podem envolver caminhadas em
grupo, aulas dc alongamento ao ar livre e trabalho ambiental voluntário (cuida\r
dc bosqucslocais, melhorar trilhas, criar hortas comunitárias ctc.). Ao longo dos
sos mesesdc tratamcilto, o profissional de educaçãofísica monitora a saúde e o
l)roga'osso do paciente.

Como se poderia espetar os pacientes têm achado mliito útil o tratamento dos
"exercícios rcccitados". Disscranl à Fundação de Saúde hlcntal quc o exercício
físico Ihcs pernntiu "assumir o controle de alia rccupei'ação" e parar clc pensar

353
AN,VI'ONII/\ I)E UNIA EPIDENIIA

em si mesmos como "vítimas" de uma doença. Sua confiança e autoestima


aumentaram; eles se sentiram mais calmos e com mais energia. O tratamento
passou a sc concentrar em sua "saúde", não cm sua "doença"

"Os pais da medicina não se surprcenderiam com o que estamosfazendo",


disse McCulloch. "Eles diriam: 'A ciência não avançou mais quc isso?Dieta e
exercício? E isso que há de novo?'. Se pudessem viajar numa máquina do tempo,
eles achariam que estamos malucos, psique as pessoasdizem essascoisas há
milhares de anos.

Essa Garotada é Incrível


As crianças que acabammorando no Centro Sêneca,cm San Leandlo, na
Clalifórnia, chegaram à última parada para jovens com transtornos graves na
região norte do estado. Em geral, essas crianças dc 5 a 13anos circularam por vários
lares de criação temporários e passarampor múltiplas inteinações hospitalares,e
seu comportamento foi tão difícil quejá não restam lares de criação ncm hospitais
que queiram vê-los dc novo. Em termos burocráticos, trata-sc dc crianças do
nível 14", que é a designaçãoreservada para tts crianças mais problemáticas
da Cali6órnia; no entanto, visto que elasjá foram expulsas de outras instituições do
nível 14, uma descrição mais adequada é chama-las de crianças do "nível 14++".'
Os mtmicípios pagam ao Centro Sêneca 15.000 dólares mensais por criança
abrigada e, como não é de admirar quando os menores chegam lá, a maioria usa
coquetéis medicamentosos pesados."Eles ficam tão dopados que dormem a maior
parte do dia", disse Kim Wayne, diretora do programa de residência.z'

E então, sua vida começaa mudar drasticamente.

Visitei uma das duas instalações residenciais do Centro Sêneca para menores
no vei'ão dc 2009 e, cluandoentrei, foi isto que vi: uma garota afro-americana
cona fores de ouvido, cantando a música deJordin Spaiks que estava escutando;
uma segunda garota afro-americana, ligeiramente mais velha, sentada à mesa da
cozinha, folheando fotograhas dc sua recente viagem em grupo à Disneylâitclia;
c dois garotos abro-americanosjogando conversa fora à mesa, disputando quem

l
No sistcnaa nol'tc-anlcricano de tutela infantoluvcnil pelo Estado, são muitos os tipos clc abrigo
concedidos aos menores, desde os lares de criação temporários até valias instituições I'csidcnciais
coletivas, classificadas por níveis conforme as ncccssi(la(lcs dos menores c oferecendo diversos
graus dc assistência c supervisão.As do nível 14 são as instalações não prisionais reservadas
para a intclnação dos mcnoi'cs mais problemáticos, quc costumam icquci'ct assistência clínica c
supcrvisão intensa durante 24 horas por dia. (N.'l:)

354
Projetos de Relbi'ma

conseguial)eber um copo d'água mais depressa.Uma menina l)ranca estava


sentada no sofá, e o sexto montdor da casa, eu soube depois, havia saído para uma
aula de natação. Em pouco tempo, a garota dos conesde ouvido citava cantando
.zcapo//a(e muito bem) e a que se debruçava sobrc o álbum de fotografias tinha
começadoa me chamar de Bob Marley, aparentemente por eu saber quem era
Jorclin Sparks. De vez em quando, um dos menores caía na gargalhada.

'A nleninada fica muito grata por sair da medicação",disse a terapeuta Kari
Sllndstrom. "A pcrsoiialidadc delesvolta. Eles toi'nam a ser gente."

As duascasasdo Centro Sênecatalvez sejam asúltimas instituições residenciais


dos Estados Unidos em quc crianças com transtornos graves, sob o controle do
município ou do estado, são tratiLdas sem drogas psiquiátricas. Aliás, na maioria dos
círculos da psiquiatria infantil, isso seria considcrado aiitiético. ':Já me disseram:
Se o seu fi]ho tivesse uma doença,você ]hc negaria a medicaçãoque o ajudasse
l mclhorar?'", disse Kcn Berrick, fundador e cliretol' gcral do Centro Soneca.
E, mesmo dentro da institliição, que tem limo equipe dc aproxim2tdztmente
scteccntaspessoasc feri\ccc umll variedadede serviçosa duas mil criançasc
adolescentesproblemáticas no iiortc da Califórilia, o programa residencial é uma
:anomalia.

Ç2uando o centro foi inaugurado, em 19H5, Bcrrick c outros procuraram


contratar consultores psiquiátricos quc usassemmedicamentos psiquiátricos de
!natleira "conservadora", e nunca para hns de "controle comportamcntal". Alguns
usavam nazis remédios (lue outros, e então veio Tony Stanton, que a agência
coiitríttou em 1987,para supervisionar o programa residencial da garotada. Na
décadadc 1960,ele íizcra formação no Flospital Langley Porter, cni San Francisco,
club na épocaenfatizavaa "importância do ailabieilte" para a saúdemental dzt
criança. A "teoria do apego", do próprio Stanton, convenceu-o da importância das
relações afetivas pala o bem-estai' da criança. Depois, no hnl da década de 1970,
quando cla encarregadodc uma }tla psiquiátrica infantil num hospital municipal,
ele havia dcstiilado uin "mentor" a cada criança. As crianças não eram mcdicttdas,
c cle viu diversas delas se apagarem a seus mentores c! "desabrocharem

"Aquela cxpcriêllcia me permitiu ver esseprincípio terapêlitico em ação",


disse Staiiton. "Você simplesmellte não pode se organiztlr scin uma ligação com
outro sei humano, c não pode estabelecer essaligação sc estiver cmbalsama(lo em
renléclios.

355
ANATONIIA r)E U]UA EPII)]:ALIA

Quando uma ci'lança entra no programa residencial do Centro Sêneca,


Stanton não pergunta "o quc há dc ei'lado" com cla, mas "o quc Ihe aconteceu"
Pede ao setor de serviços sociais, a escolas c outras agências (luc Ihe mandem
todo o histórico que tiverem sobre a criança, e então passade oito a dez horas
construindo um "gráhco de vida". Como sc poderia esperar os giáíicos comumcnte
falam de crianças quc sofreram abusos sexuais, maus-tratos físicos e uma
negligência terrível. Mas Stanton também levanta o histórico de medicação do
menor c procura sabei' de quc modo seu comportamento pode ter sc alterado,
depoisde cle passara usar determinado medicamento.Visto quc as crianças cine
chegam ao Centro Sêneca têm transtornos gl'aves, esscs históricos médicos falam
regularmente cle atendimentos psiquiátricos que pioraram a conduta delas. "Há
quem ine diga: 'Agora clueremosexperimental tratar a criança com Risperdal', c
eu respondo: 'Vamos dar uma olhada no gránlco c vcr o que ztcunteccuantes. Acho
que isso não vai ajudar"', contou Stanton.

Os menores quasc sempre chegam ao centro com coquetéis mcclicamentosos,


de modoquc podelevar um ou dois mesespara fazero "desmama"
dos
medicamentos.Muitas vezes,depoisde lhes terem dito repctidaillente que elas
precisavam dos remédios, as ci'ianças focam nervosas cnm esse pi'acesso -- "Um
garoto me disse: '0 que você quer dizer com tirar meus remédios?Vou destruir
o seu programa'", contou Stanton -- e, não raro, tornam-sc mais agressivas,
durante algum tempo. O pessoalpode ter que usar a "contençãofísica" com mais
frequência (foi treinado para conter as crianças de maneiras "seguras"). Mas
essespi'oblemascomportamentais costumam começar a diminuir e, ao término
do processo de "desmame", a criança "ganha vida"

"E mai'avilhoso", disse Kim Wayne. "Na maioria dos casos,quando as ci'ianças
chegam, não conseguem manter a cal)eça em pé, são letárgicas, são só um vazio, e
seu cngajamento é mínimo. Não se consegue chegar até elas. Mas, quando pai'am
dc tomar os remédios, podemoscaptar a atenção delas e ver quem são.A gente
tem uma ideia da sua personalidade, do seu senso de humor c dos tipos (lc coisas
que elas gostam de fazer. Podemoster quc usar a contenção física por algum
tcnlpo} mas, para mim, vale a penit."

Depois que param de tomar a medicação, as crianças pensam nelas mesmas de


uma nova maneira. \Zeemque podem controlar seu comportamento, o quc lhes dá
un] sensode "capacidadcde agir", disseStanton. O Centro Sênccausa técnicas
de modificaçãodo comportamentopara promovcr esseautocontrole,tendo as
crianças que obedecersistematicamente a um conjunto de rcgras bem definidas.

356
Projctos de lteíbrma

Elas têm cle pedir pcrillissão para usar o banheiro c para ciitrar tios quartos c,
cluatido não cumprem as iegr:ts, podem ter que "ir para o banco", interrompendo
suasatividíLdes,uu perdem um privilégio. Mas a equipe tenta concentrítr-se cm
reforçar os comportam)lentos positivos, elogiando e premiar)clo as crianças de várias
maneiras. Elas são solicitadas a manter seus qllartos arrumados e a fazer uma
tarefa doméstica diária, às vezesajlid:tnclo a preparar a refeição iioturna.

'A questão do sentir-sc cuidando dc si, responsável por si mesmo, é o pi'oblema


central da vida deles", disse Stanton. "Eles podem só o conseguir pai'cialmcnte,
enquanto estão conosco,mas, quaitdo temos sucessode verdade, nós os vemos
dcscnvolvei'em ui]] st ntimcnto de 'Ah, eu posso fazei' isso; quero estar no controle
de mim mesmo c da minha vida'. Eles se veem dotados desse podcr.

fçíais importante ainda, depois quc a medicação é suspensa, as crianças ficam


mais aptas a foi'mar laços afetivos coili a cqttipe, c esta com elas. Essascriançtts
conheceram a rejeição durante a vida intc:ira e l)recusam estabelecem relações que
llimcntein a convicção de (luc são (dignasdc st r alhadas; quando isso acontece,
suis"narrativa interna" pode passar dc "sou uma criança nlá" para "sou villa
)]
criaitça bota

Eles chcgailt l)casando: 'Eu sou maluco(a), vocês vão mc detestar, vão se livrou
de mini, vou scr a pior criança quc vocêsjá viraitl'", disse a LerapcutaJlilic Kim.
N[lts depois, passam ii sc c]ispur a feri)lar víncti]os [afetivos], e isso é unia coisa
incrível. Vocêvê o poder que teill a relaçãu pane modificar unia criança, e até a
garotadtl que parece mais duiona ao entrar aqui, ztqucla (lue a princípio não faz
l)regresso algum, }\c2tbachcgtlndo lá."

Embor;t Kitn c outros posstull contar histórias dc sua própria cxpcriêiicia


sobre crianças quc receberam alta do programa residencial, voltaram para escolas
comuns c se saíram bc'n),u Sêilcca não fez uin acomp:\nhanlento a longo pntzu
das crianças quc passarampor seu prugiama residciicial. A única estaLísticil de
quc dispõe para mostrar quc o progr:una funciona é esta: 225 crianças vivctam cil]
sitas rcsidências dt: 1995 a 2006, c quase todas foram libcntdas pane instituições
residenciais coletivas paríl jovens menos piobleináticos, ou paul lares dc criação
temporários, ou para suas famílias biológicas. Pelo lUcRos,sua temporada
iio Centro Sêitecít pâs suíl vida cm um novo rumo. Eiitrctanto, é difícil confiar
com otimismo quc sua vidit prosseguirá nessadircção. Seus problemas afetivos
e conipurtaincntais não desaparecempor comi)leio, c assim, inuit;ts das crianças
quc recebemaltíl talveza itiitioria voltama ser medicados.
Rctoi'naifa

357
AN,VI'OXIIA 1)1=URNAEPII)I=NIIA

un] mundo cm que essaé tl norma. Sua tcmporaclano Centro Sênccapode


proporcionar-lhcs, primordialmente, um oásis temporário numa sociedade
propensa a perguntar "qual é o problema deles", e poi'tanto, sc quisermos avaliam
se a política dc não medicação do programa i'esidcncial do centro ofel'ece algum
"benefício" às ctiailças, talvez devam)os, ali vcz de olhar para o futuro, concentiat
a atenção no presente e ver o que é, para os mcnores, tei essaopoltunidadc dc
;gtuiharvida" por algum tempo e dc sentir plenamente o mundo.
Passeidois dias no centro, c houve três crianças,ci]] particular, com quem
tive a oportunidade de interagir. Uma enl um nlcnino de 12anos chamadoStcve.
Ao chegar ao Centro Sêneca, um ano antes, ele estava tão cztrregêtdoclc hábitos
suicidas e autodcstrutivos que os médicos acharam quc havia sofrido }\lguma lesão
ccrcl)ral, por cllusa de todos os seus episódios de panctldas na cabeça. Desde ctitão,
apegou-semuito ao Stacyl um dos funcionários da casa em quc mora, e, durante
nossaentrevista, arriou numa cadeira, sorriu c tomou inlccliatamente as rédeas da
conversa. "Detesto tomar remédios. É muito chato usar drogas", disse, c começou
a nosfalar dc tartarugas migratórias, cleum guaxinim quc andara bisbilhotando a
casa clelcs, de umíl ida ao McDonald's com o Stacy c do (lue as pessoas precisavam
fazcr pitnt sc prcpiu'itr pui'a Lerrçinotos. Tudo isso fai o prelúdio dc um discurso
sobre um livro de histórias cm quadrinhos que ele quem'iaescrever intitulado
z4sz4uc/lfufoi de Sa//z .DI//zíze Rocha, com numerosos personagens "bons c mttus",
inclusive um que precisava tomar remédios para não ctllouqucccr. Steve ocupou o
centro do palco por pelo DIGnosuma hora e, mais tarde, todo contente, informou
aoStacyquc a entrevista haviit sido "fria, rmiito fria", o que significou, é claro, (luc
tinha sc divertido imensamente.n

\Zou chamar as duas meninas afro-americanas que conheci na casa Los Reycs
de Layla (a cantora a capo//a)e Takccsha. Seus "gráficos de vida" falavam dc um
passadode pcsadclo, o quc se aplicava particularmente a Takecsha.Ao chegar ao
Centro Sêncca,em 2006, com 7 anos dc idade, ela fora descrita como delirante,
reservada, desconfiada, pouca coopcrativa e muito vedada. Depois de passarmos
uns trinta minutos à mesada cozinha, falando deÁ//?eócrz/?
Ido/ c da cxcui'sãoque
clãs haviam feito à Disneylândia, Takeeshttperguntou se podcríainos brincar de
:arremessos com uma bola dc futebol, do lado dc fora. Assim fizemos por ttlgum
tcnlpo, e então ela obteve permissão para andar cm sua bicicleta na rua, mas só
se prometesse percorrer apenas a distância dc :algumascasas,para um lado c
ii A formulação coloquial cm inglês seria "coo/, x?a/ coo/" -- "legal, muito legal" --, mas Stcvc (liz "co/d.
rpa/ co/d", misturando as acepções dos dois ztdjctivos a partir (lc sua i'ilação s('nlântica com a i(leia
dc frio. (N.l:)

358
Pmjctos dc lieíbtma

para o outro. De repente, ela deu uma frcada ruidosa na calçada: "Vou ao Burger
King. O que você quer?", anunciou. Scgtmdos depois, voltou orgulhosa, segurando
um saquinho imaginário com um Whopper,batatas fritas e uma Coca-Cola,pelos
duais paguei com uma nota igualmente imaginária de cinco dólares, peclindo-
Ihc para me dar o troco. Na hora dc nos despedirmos,Layla pediu um abraço, e
então, Takeesha que bilha corrido para buscar alguma coisa em seu quarto -- me
ofeicccu o que pai'ecia ser unia cmbalagein de chiclete, exceto pelo fato dc que Q
pedaçocom a pojlta pala forit cra clantillciite dc natureza iilctálica.

"E só chicletel", cla se esganiçou, quando senti a pcquena vibração.

Nt) dia seguinte, assisti à aula delas. Falei rapidamcnte com a professora c
diversos ajlidantes, c todos disseram a mesma coisa. "Essa garotada é incrívell
Poderíamosdrogttr essaturma para dcixá-la submissa,mas pura quê? Eu adoro
isto aquil" Eu tinha ido lá com Tony Stanton, c após algum tempo ficou patente que
nossa presença estava causando um dilema ptti'a Layla e Takeesha. Elas deveriam
estar prestando atenção à professora c sabiam que se não o hzesscm saiam
mandadas para o banco (havia uma marcha contínua de crianças para o cttnto do
castigo), mas as duas estavaill claramente decididas a manter contado conosco.
Estávamossentadosperto da pia e, iio fim, as duas rcsolveranl quc l{/z/zíz/?i
dc lavar
as tnãos.Quando Layla voltou piorasua carteira, não rcsistiu a noscumprimentar
com um tal)a na mão espalmada,cnlbora isso fosseuma quebra do })iotocolo
da aula. Enquanto isso, ao passar por minha cadeira, Takeesha cochichou: "Bob
Marleys o que você está fazendo aquii)"

Naqticle momento, não conseguiimaginar nciihuma estatística de resultados


que fosse mais podcrusa.

No Quadro-Negro
A psiqlliatriae o restanteda medicinacostumamproclantarque os
tratamc:fetos devem "basear-sc: nas Lvidências". Todas as soluções (lue examinámos
nestecapítulo obedcccma essepadrão.A convicçãode David Healy de que os
nacdicameiitos psiquiátricos devem scr usados com calitela, o progi'ama dc diálogo
aberto cm Tontio, a rcccita de exercícios cnnlu tratamento dc primeira linha
pura a depressão leve a moderada, todos se cni'aízam numa sólida b:tse científica.
O mesmose pode dizer da política de suspensão
dc medicamentosde lbny
Stanton. Ntinl ponto anterior deste livro, vimos que as crianças medicadascom
estilllulantes, antidepressivose antipsicóticos coinuincntc pioniin :t longo prazo

:359
ANATOXIIA [)E UN[/\ E])I])ENFIA

c que é possível considerar que as quc acabam com coquetéis medicamentosos


sofrem de uma doença iatrogênica. Os medicamentos podem ser vistos como
agentes patológicos, c por isso, quando Tony Stanton retira os rcmédios das
crianças do CoentroSêneca,ele está -- essencialmente-- forneccndo tratamento
para uma "doença". A prova de que o tratamento funciona pode scr encontrada na
observaçãodos membros da equipe cle quc as crianças "ganham vida"

Dada essaperspectiva, seria útil sc pudéssemosidentificar um programa da


corrente dominztntc para a retirada da medicaçãoem adultos, algo proveniente
clepesquisassobre esseprocesso.Com que rapidez as drogas devem ser retiradas?
Depois que são retiradas, quanto tempo o cérel)ro leva para "voltar ao noi'mal"?
Ou será que volta? Os mecanismos neuronais de realimentação recuperam
sua regulação inicial? Os neurónios pré-sinápticos começam a liberar volumes
normais dc neurotransmissorcs? As densidades dos receptores voltam ao normal?
A psiquiatria tem usado medicamentos psicotrópicos há mais de cinquenta anos,
mas todas essasperguntas permanecem basicamente sem resposta. Na verdade,
em sua maioria, as l)escoasque querem parar de tomar a medicaçãotêm quc se
virar sozinhas, compaitilhando informações na internet e através de suas várias
redes de pares.

Entretanto,no outonode 2009,um grande prestadorde serviçosde saúde


mental das regiões or'iental c central de Massachusetts,a Advocates,traçou um
plano para um estudo sobre a i'atirada da medicação. A Advocates presta serviços
l vários milhares de pessoascom dihculdades psiquiátricas, e quando, em 2008,
pediu "ideias novas" a seusclientes, muitos colocaram essano topo de sua lista de
desejos, nas palavras de Keith Scott, diretor dos serviços de recuperação e al)oio
de pares. "Algtms dissecam: 'Puxa, seria ótimo se houvesse um lugar em que eu
pudessetentar parar cle tomar minha medicação,semque mc ameaçassem (le
perder minha moradia ou meus scrviçose as relaçõesque são importantes para
mim'. Isso me pareceu extremamente i'azoável."2+

O diretor médicoda Advocates,Chris Gordon,que é professorclínico


assistentede psiquiatriana Faculdadede Medicinada UniversidadeHarvard,
disse ter esperança dc obter financiamento do Departamento dc Saúde Mental do
estado ou de algum órgão federal. A Advocates fornece apoio médico e social aos
pacientes do cstuclo sobre "redução/eliminação elasdi'ocas", c Gordon disse que, sc
os pacientescomcçai'ema ter difictilcladcs durante o processode "dcsmamc", ele
quer ver sc é possível ajuda-los a atravessar essa ci'isc sem reiniciar a medicação.

360
Prqetos de Reforma

Gostam'iade acompanhar os pacientes do programa por cinco anos, para que a


Advocates possa ter ideia dos i'csultados a longo prazo.

Ess;t iniciativa, dissc Gnrdon, vcm sendo movida, em parte, pelo fato dc
qttc t\gorit os doentes mentais estão tnorrendo 25 anos antes dos seus pares, e
dc que está claro que os antipsicóticos atípicos, quc costumam causar disfunção
metabólica, estão contribuindo para esse problema da morte prematura.
"Vemos isso o tempo todo. Poderíamos fornecer limo lista terrível de gente que
conhecíamospessoalmentee com quem nos importávamos, e que morrcll jovem
demais", acrescentou.:s

O Prometodo Alasca
Sc cu tivesse (lue identificar uma pessoanos EstadosUnidos como quem
mais tem feito para "modificar o sistema", escolheria o advogadoJim Gottstein,
do Alasca.Fornaadoem 1978na Faculdadede Direito da UniversidadeHarvard,
Gottstein foi internado duas vezes, na décttda dc 1980, poi causa de surtos
maníacos,e essacxperiêilcia pessoalinspirou tina vida de luta pata mclhorar a
situação aflitiva dos doentes mentais na nossa sociedade.

Durante os anos 1980 e 1990, Gottstein juntou-sc ;t outros advogados numa


épica açãojudicial movida pela Associaçãodc SaúdeMental do Alasca contra o
Estado.Ein 1956,o Clongrcsso
haviapeinlitido quc osadiiiinistradoresterritoriais
do Alasca reservassem um milhão de acres de terras federais de primeira como
um reclirso para financiar progritmasdc saúdemental, mas em 1978o Legislativo
estadual rcdenominou a área como "concessão geral de tei'ras", deixando
dcsamparados os doentes mentais. Basicamente, o Estado "roubou" a terra, disse
Gottstein, e ele e outros advogados acttbaram negociando um acordo de 1,1 bilhão
de dólar'cs.ZÕO Estada)deu 200 milhões dc dólares e quase um milhão dc acres dc
Leira ao rccéin-criado Fundo Fiduciátio da SztúdeMental, ficando cite autorizado
a gastar essedinheiro comojulgar convciiiente, Heinnecessidadedc aprovaçãodo
Legislativo cstadual.
Em 2002, Gottstein fundou uma organização scm uns lucrativos, a PsychRights,
c a primeira coisa qtic fez foi montar unia campanhadc "informação pública
A PsychRights levou várias pessoasa Anchoragc puta faz.er palestras parajuízes,
advogados, psiquiatras e o público cm geral soba'ca literatura acerca de resultados
dos antipsicÓticos.m Gottstein ztchavaque isso proporcionaria uma base para uma

!ii A bcnl da transparência,(levoinformar (luc fui unl dosl)itlestrantescill vamosdesseseventos.


361
AN,\rONIIA 1)1:UNIA EPIDI;bII/\

açãojudicial que questionasse


o direito estadualde medical pacientesà força,
bem como pal'a uma pi'essãosobre o Fundo Fiduciário da Saúde Mental para quc
este financiasse uma instituição semelhante à Soteria, onde os pacientes psicóticos
que não quisessem tomar neurolépticos pudessem receber ajuda.

':A opinião popular é que os remédiosfuncionam e que, se as pessoasnão


fossem loucas, saberiam que as drogas são boas para elas", disse Gottstein.
"Mas, se pudéssemosfazei' juízes e advogadoscomprcenderci)l quc isso não é
necessariamentebom pat'a a pessoa,e quc é potencialmente muito nocivo, eles
tenderiam a honrar o direito legal da pessoade recusar tratamento. Do mesmo
modo, se o público soubesseque há outras abordagens não medicamentosas quc
funcionam melhor, como a Soteria, ele apoiaria as alternativas, certo?"

O direitojui'isprudencial do Estado que rege o tratamento forçado dc pacientes


psiquiátricos i'emonta ao fim da década de 1970.Embora, tipicamente, os tribunais
superiores estaduais emitissem o veredicto de que os pacientes tinham o direito
de recusar tratamento (em situações não emergenciais), eles assinalavam quc
os antipsicóticos eram tidos como "um tratamento nledicamcnte comprovado
para a doença mental", e por isso ns hospitais podiam recorrer a um tribunal
para sancionar o tratamento forçado. Nessasaudiências, eia comum os hospitais
ai'aumentaremque nenhuma pcssoa competentc recusaria um "tratamento
medicamente comprovado", e conaisso os tribunais ordcnavam sistematicamente
que os pacientes fossem medicados.27Em 2003, porém, Gottstein moveu um
pt'ocessosobic medicação forçada em nome de uma mulher chamada Faith Myeis,
e pâsa medicaçãoemjulgamento, ao :negar (lue o Estado não podia mostrar que
t:ra do intercsse médico de sua cliente tomai lim antipsicótico.Ele conseguiu
quc Lorell Mosher e uma segundapsiquiatra que conhecebem a literatura sobre
i'esultados, GraceJackson, depusessemcomo suas testemunhas especializadas, e
também protocolos cópiasdos muitos estudosde pesquisa(lue I'datam como os
neurolépticos podem agravam'os resultados a longo prazo.

Tendo ficado vei'sido na literatura científica, o Superior Tribunal do Alasca


dcu à PsychRights uma assombrosa vitória jurídica em 2006. "A medicação
psicotrópica pode tei efeitos negativos profundos e duradouros na mente e no
corpo do pilciente", escreveu o triblinal. "E sabido quc [esses medicamentos]
cltusan] diversos efeitos colaterais potencialmente devastadores." Assim, cm .A/gera
i /ni/i/zzfadePTlgzlía/dízda.4/aic;rz,deu o vel'cdicto de que um l)aciente psiquiátrico
só poclci'ia scr medicado à força se um tribunal "concluísse cxpressamcllte,
mediante provas claras c convincentes, quc o tratamento proposto servia aos mais

362
Prqctos dc lte6omxt

altos interesses do paciente c que não sc dispunha de nenhuma alternativa menos


invasiva".28 No dircitojlirisprudcncial do Alasca, os antipsicóticosjá não são vistos
como um tratamento quc llc:ccssarianiente ajude: os psicóticas.

Em 2004, GoLtstcin laiiçoti ilin esforço para fazer o Fuitdo Fidttciário da Sitúdc
Nlcntal Gtniulciaruma residência do tipo Sotcl'ia cnl Anchontge, o que uferecciia
los pacieiitcs psicóticas o tipo cle ;ltelldiiilento forno'ciclo pclo ProUcto Soteria,
dc Lorrn Nloshcr, na década dc 1970. Mais uma vc'z, cle se :tpoioti nos poda'rcs de
pr'rsuasão da litciatura científica parir respaldar sua argumentação, e iio verão
dc 2009 foi inattquntda u ina casa Sou:ria COHscte cluartos, alguns quilómetros ao
sul do centro d;i cid;tule.A flirt torci do prqeto, Susan Muszlnte, chchata antes um
programa dc i'habilitaçãopsíqttiátrica ilo Centro de SaúdeMental da Uiiivcrsidadc
do Novo México; o psiqliiatrtl assistente, Aros Wolf, é lamafigura muito respeitada
na psiquiatria alasquiana.

:Qut' rc' lhos trabalharcom pessoas maisjovciis,qllc tenham usado medicamentos


psiquiáti'icos apci] ts por uii] curto período, c ao retirar sua ilaedicaçãoc ajuda-las
l melhor:tr, csperanios inlpcdir quc elas ciivc redem pelo tralctoda doença crónica",
disse Mutante. "Nossít expectativa é (luc ;ts pessoas sc rt'cupcrein. Esperamos quc
trabalhclti ou frequentem ;i escola,quc'rctoínem um comi)ortamciito apropriado
para sua idade. Estamos a(lui pane ajuda-las a voltílr a sonhar e a perseguir esses
sonhos.Não t:atamosdispostosa caiializá-laspai'a a R.eildaCoiilplemcntar da
Prt:violência (SSI) ou o Seguro cla I'revidência Social pur liivalidez (SSI)l).

Agora, Gottstein teta os olhos voltados pai'a uni questiontuilcnto jurídico dc


ltmbito nacional. Tem tnovido proct'usosque qucstionajll a nicclicaçãodc' crianças
cle lai'cs dc criação)temporários e de crianças pobics do Alascít (os pobres têm
cobcrturzl do N'ledicitid) e, em última análise, cspcrtt levar uill clesscsprocessos
à Suprema Corte dos EstadosUnidos. Para ele, essaé unia questão pcrtincilte à
14" Enictlcla constitucional, pois as crianças são l)eivadas dc sua libc:rdaclc seno o
devido proccssolegal. No ccrilc dc qualquer dessesprocessosestaria uma pergunta
científica: as crianças dos lares de criação estão sendo tratadas com medicamentos
(luc ajudam, ou estão sendo tratadas com drogas tnliiquilizantes quc cansam
danositlotlgo prazo?
Faço uma analogia cunl J?7am/it-.í.Dír?/adí/de.Enií/zíi",disse Gottstein. 'jantes
daquela decisão, havia tios Estados Unidos uma accitação geral da ideia de que
a segregaçãocra certa. A Suprema Corte já havia dito, em decisõesanteriores,
(luc a segregaçãoeni certa. M;\s no processo/?iow/?z;sZ)írr/ariade.E/z.fí/zc;
ela clissc

3(j3
AN,\ rONÍIA DE URI/\ EPIDI.;NIIA

quc não era, c isso realmente modificou a opinião pública. Hoje em dia, não se
consegueencontrar ninguém que diga que a scgi'egaçãoé certa. E é assinaque
visualizo todo este esfoi'ço.

Nós, o Povo
Cromo sociedade, depositamos nossa confiança na classe médica, para quc
ela dcsenvolvao mclhoi' atendimento clínico possívelpara toda sorte dc docnças
e indisposições. Espcramos que os profissionais sejam francos conosco no
cumprimento dessatarefa. No entanto, ao l)uscarmos maneiras de deter a cpidcmia
de doenças mentais incapacitantes cine irrompeu neste país, não podemos conllar
em que a psiquiatria, como classeprohssional, cumpra essa responsabilidade.

Nos últimos 25 anos, a classepsiquiátrica tem nos contado uma história


falsa. Ela nos disse quc a esquizofrenia, a depressãoe o transtorno bipolar são
conhecidoscomo doençascerebrais, iliuito embora -- como tcvclou tt gi'cvc dc
fome feita por um grupo da OI'ganizaçãoNlindFreedom -- não consiga nos apontei'
nenhum estudo cieiiLííico que documcnte essa afirmação. Ela nos disse que os
mcdiczuncntus])siquiátricos corrigem dose(luilíbrios químicos nu cérebro, muito
embora décadas clc pesquisa não o tenham constatado. Ela nos disse (lue o Prozac
c os outros psicotrópicos de segtmda geração cram rmiito Inclhoies c mais seguros
que as drogas da primeira gcrztção, muito embora os ensaiosclínicos não talham
mostrado nada disso.E, mais importante que tudo, a classepsiquiátrica dominante
não nos disse quc os mcclicamentos pioram os restiltaclos a longo prazo.

Sc it psiquiatria tivesse sido honesta conosco,a epidemia poderia ter sido


estancadahá muito tempo. Os i'esultadosdc longo prazo teriam sido divulgados
e disclltidos, c isso teria disparado ttlarmcs sociais. Ao contrário, a psiquiatria
contou histórias que protegeram a imagem dc seus medicamentos, c casas
histórias da carochinha levaram a que fossem causadosdanos numa escala
enorille e terrível. Quatro milhões de adultos nortc-americanoscom mcnosdc
65 anosrecebemhoje auxílio da SSI ou do SSDI, por se acharemincapacitados
l)or doençasmclitais. Um cm cada 15 adultos jovens (de 18 a 26 anos) acha-se
"funcionalmente prejudicado" por doençasmentais. Cerca de 250 crianças e
adolescentes são diariamente acrescentadasàs listas da SSI por doenças mentais.
São números estarrecedores,mas zl máquina geradora da epidemia continua tl
operar com crianças de 2 anos sendo agora "tratadas" no nosso país por transtorno
bipolar.

364
Pn2jetosdc lteloinul

Colho observeianteriormente nestecapítulo,creio ([ueos Seisda MitidFrecdoin


mostraram o qttc deve scr feito, se quisermos sustai essaepidemia. Precisamos
tios informar sobre a literatlira acerca de resliltados a longo prazo exatllinada
neste livro, c depois prccisitmos pedir ao NIMH, à NAX'll, à APA e a todos os
qtic rcccitaili os medicamentos(luc respondam às muitas pergliiitas levantadas
pur c:ssaliteratura. Enl outras palavnts, piccisamos ter unia discussãocientíGlca
honesta. Precisamos convcisar sobre o quc realmente sc sabe sobre a l)iologia
dos trztilstortlos illcntais, sobre o (lue os niedicamcntos realmentc fazcili, c sobre
como os fármacos atimcntain o risco de que as pessoasse tríulsfornlem cm
doentes crónicos. Sc pudcrnlos ter essa disclissão, uma mudança ceitanleilte sc
seguirá. Nossa sociedade sc disporia il abraçou c protilovcr formas altcrnativíLS dc
tratttmcnto não medicamentoso. Os médicos rcccitariam os remédios dc maneira
muito mais restrita e cautelosa.Parei'íamosdc dar coqttetéisdc droga\spesadasàs
crianças acolhidas em lares de criação teinpoi'árias e dc fingir (lue isso constitui
atcndimcilto ntédico. Eito suína, nossa ilusão social sôbre limo revolução dzt
psicof'armacologia" poderia enfim se dissipa\rJ e a ciência dc bases sólida\s poderia
iluminar o calminhopara llm futuro milita melhor.

365
Epílogo

"Poucos se atveuem a atlul\ciav unia ueidade indesdada.


Edwin Percy Whipple, 1866'

Este livra conta uma história da ciência (luc leva os leitores a um lugar
socialnlcnte incomodo. Nossasociedadeacreditaquc osinedicamcntos psiquiátricos
levaram a unl avanço "revolucionário" no tratamento dos transtornos mentais,
iilzls estaspáginasfalam dc uma cpidemia de doençasmentais incapacitantes
induzida pelosfármacos.A sociedadevê a moça bonita, e este livro orienta o olhar
dos leitores para a bruxa velha. Nunca é fácil ahriilar uma convicção que está
fora de sincronia conaaquilo cm que o resto da sociedadcacredita e, neste caso,
isto é particularmente difícil })oi(lue a história de progressoé contada por figuras
de autoridade científica: a SociedtLdcNorte-Americitila dc Psiquiatria (APA), o
Instituto Nítcional dc SaúdeMental (NIMHI) e psiquiatnls de univ(rsidadts dt'
prestígio, como a Faculcladc dc N'lcdicina dc Harvard. Discordar do saber comum
sobre este tema faz parecer que o sujeito é membro dc carteirinhit da sociedade
da Terra plana.

Mt\s, para os leitores quc ainda se intrigam com a história aqui narrada,
ofei'eço lim último relato. Você pode lê-lo e clccidir por si sc agortt sc coloca,
mctaforicamcnte falando, ilo campo da Tem\ plana.

Depois (ltic eiltrevistei Jaakko Scikkula ila Univcrsidadc dc Jyviiskylã, cle


mc pediu })ara fazer uma pequenapalestra sobre a história dos antipsicóticos
para alguns de seus colegas. Ora, Scikkula c outros profissionais do Hlospital
Keropudas,em lbrnio, não tinham decidido usar os aiitipsicóticos dc modo
seletivo por acharem que os mcdicanlentospíolaz;í7//z
os sintomas psicóticos a longo
prazo.Ao contrário, tinham)lobservadoque mliitas pessoasse davam melhor scm
eles. Assim, cluando íiz a })destra para os colegas clc Seikkula ila l.Jiiivcrsidadc
de Jyviiskylã, essaideia de quc os antipsicóticos podiam trimsformar as pessoas

367
ANA'I'oNIIA DE UNIA EI,IDI;RAIA

cm doentes crónicos era algo em que eles não havianapensadomuito até então,
e, ao término da minha fala, um dos metnbros do nossocírculo perguntou se isso
também poderia se aplicar aos antidcpressivos.Ele e outras virlham pesquisando
os resultadosa longo prazo de pacientesdeprimidos na Finlândia e também
mapeando se eles haviam usado essesmedicamentos, e estavam assustadoscom
suas descobertas.

Então, caros leitores, formulem-se esta pergunta: o que acham que eles
descobriram? E vocês estão surpresos?
Notas

Para ler muitas das fontes documentais aqui listadas, consulte //zadi/zapzedca.comi
ou
rn bertwhita ker.org

Capítulo l Uma PragaModerna


J. Bronowski, T»e.Alce/zZ
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caca/ada do.17n//ie/rl.
Trad. Núbio Negrão. São Paulo, Brasília: Livraria Mastins Fontes,
Editora UnB, 1983].
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3. U.S. Dcpartmcnt ofHcalth and Humztit Serviccs [Àlinistério da Saúde c Scrviços
l lumitnos dos Estados Unidos] , J4en/a/ J7ea//Á;íz lqlr7rl af/Àe S11rgeon
Ge/irra/ ( 1999): 3,
68, 78.
4. E. Shortcr,A ,17ü/apof.f)gcAiafOP
(NovaYork:John Wilcy & Sons,1997): 255 [Umrz
/:lüfóda da P3igzlíafóa.- da era da ??ü2/iícór?zia
à idade do Prazer. Trad. I'átima Andersen.
Lisboa: Clin)epsi, 2001].
5. R. Friedman, "On thc horizon, pcrsonalizcd dcprcssiondrugs", .NbmVolt 77//ies,19
jun. 2007.
6. Bo.ffa/?
G/aóe,t:ditorial, "Whcn kids nccd mcds", 22jun. 2007
7 Discurso cle Carolyn Robinowitz, Conferência Anual da APA, Washington, 4 maio
2oo8
8. C. Silveniian, TireEpíde///ío/ogy
a#Z)eprcfiio/i(Baltimort::J')hilsHopkins Prc:ss,1968):

9. Social Secutity AdministrtltionIAdministntção dc St'guridadctSocial], relatórios


t:statísticos iuluais dos prograni;ts SSDI c SSI, 19}37-2008.Pioracalculam{) iiúmcr(i
total dc casosde invalidez cm 19}{7e t'm 2007, tomei o iiúmcro dc bcncli(vários com
mt'lias dt íi5 iliios qut' rt'c('1)t-ratap;tgaitit-ittos dit SSI cllirante o fito t o llúint ro d{)s
(ltit' reco'l)t'raid pagiunci)tc)s clo SSDI poi' dot'liça nlciital, t clcl)t)is aliistei t) total
l)ara rellt'tir o fato dc que i]i]] ciii cadztst is bcn('ficiários do SSI)l também r{ ct'bc
pensão da SSI. Assim, iiiatemaLiciLmcnLe, Lemos: beiichciários da SS1 + (0,833 x
l)t'itcficiários (lo SSDI) = total clt beiit'hciários coii] invaliclt'z poi dot'itçn mc:fetal.

369
ANATOhIb\
DI;Uh,IA
EI II)EMIA

10. Silverman, 7»e E» de/?zio/aKya#Z)ePrrisíolz, nP. cíf. : 139.


11 Os relatórios anuais da Administração cleScguridadc Social não fornecem dados
sobre os diagnósticos específicosdos pensionistas da SSI e do SSDI considerados
incapacitados por doenças mentais. Entretanto, vários pesquisadores relataram
que os transtornos afetivos respondem hoje por 37% (ou mais) dos indivíduos com
invalidez por doençamental. Ver por exemplo,J. book, "Rcsults of a multi-site
clinical trials stuclyof employmcnt modelsfor mental health consumers",disponível
em <psych.uic.edu/l;IDP/eidp-3-20-03.pdf>
12 U.S. Government Accountability Office, 'qoung adulta with seriousmental illncss
(junho de 2008).
13 Social Security Administration [Aclministração claSeguridade Socia]], relatórios
estatísticos anuais sobre o Programa SSI, 1996-2008; e Sacia/ Sefzld/p Bzz//e/i/z, A?z/zz/a/
Sfal s/íca/SzzPP/e//ze/zi,
1988-1992.

Capítulo 2 - Reflexões Experienciais


1. Adlai Stevenson, discurso na Univcisidade dc Wisconsin, 8 out. 1952, citado pot' [
Frank, Quo/a/ío/zíz7(Nova York: Random House, 2001): 430.

Capítulo 3 - As Raízes de uma Epidemia


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2. Chemical Heritage Foundation, "Paul Ehrlich, phal'maccutical achievcr", acossado
no site chcilaheritagc.org.
3.
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4. L. Sttthcrland, À/agir Bif//efi (Boston: Little, Brown anelCompany 1956): 127
5. L. Garrett, 7Zf Ca//lizzg P/agrle (Nova Yotk: Penguin, 1 995): 49 [H Próxí/iirz ãzi/e.- rzs /louai
dac/irasdeu//l ?rizl?lda
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Nlai ina Appcnzellcr. Rio deJanciro: Nova Fronteira, 1995].
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8. 'Suigcry uscd on thc soul-sick", .A/ezuHora77//zei,7 jun. 1937.
9.
A. Dcutsch, 7ãeS/za/ne
ag/áeS/eles(NovaYork: Harcourt Bnlce, 1948):41.
10.
E. Toitcy, 7Ze/nuü ó/eP/agite(Ncw Brunswick, NovaJcrscy: Rutgcrs Uilivcisity
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ll.
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Capítulo 4 - As Pílulas Mágicas da Psiquiatria


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2. J. Swazey, CA/orpra/?iad/if /z /bcAía/p (Cambtidge, Massachusetts: MIT Prcss, 1974)
78

370
Notas

3 Ibid.: 19.
4. Ibid.: 105
5 Ibid.: 134-135.
6. F AydJr., /)üco odesilz ]3ia/o.qca/.fb-caía/7 (Filadélnl:t: Lippincott, 1970): 160.
7 Ates do simpósioC/i/orp?o/?iaZ{/ze
a/idÀ/e/i]a/.17eíz///l
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(l?iladélha: Lca anelFabigcr, 1955): 132
8. Ayd, Z)iscos
edr.!{lz.Bio/o.gira/
.fy-c/zia/7,a».ci/. : 121.
9. M. Smith, S/li // Ca//!#or/
(NovaYork: Pracgt'r, 1985):23.
10. IBID.:26.
11 Ibid.. 12.
12. 'TB and hope", TI/lle, 3 mar. 1952.
13. Valenstcin, B/a//lin.gf/zeBlailz, oP.c /.: 38.
14 T13 drug is tried in mental cases", Ne Maré71/?rei,7 abr. 1957
15 M. Mintz, 7Ze7ZcraPezí/ic
.Nlg/z//?zíz?r
(Boston: Houghton hlilílin, 1965): 166.
16 l»Íd.: 488.
17 l»jd.: 481.
18 Jóia.: 59, 62.
19. T Mahoiicy, TZeÀ/frfÃrr/i/so#l,ÉÁe
(NovelVork: Hatpct & Brotht:rs, 1959):4, 16.
20 M\tx\z, Tl\e Tticlílpetttic Niglttmale, o>. ãt. \ 83.
21 Swazcy, C/l/orPra?/iaz/if {l! .lbc/zia/7, aP.cí/.: 190
22 'Wondcr drug of 1954?", 7}?/ie, 14jun. 1954
23 ;Pills for the mind", T2i/re,
7 miar.1955.
24 'Wonclcr dntgs: ncw cure's for mciltal ills?", t/.S. Ne?o.ç
r//ld l Hor/dRePrir/,17 jun.
11)55.

25 ;Pillsfor the nlind", 71//ie,


7 mzlr.1955.
26. 'Dois't-givr-a-damil pills", 7T?/ie,
27 fev. 1956.
27 Smith, S?lza// Ca/plXorZ,aP. cÍf. : 67-69.
28. 'To Nirvana with Nliltown", 7}/?le,7jul. 1958
29. 'Wondcr drug of 1954?",71//re,14jun. 1954.
30. TB clrugis tried in iilcntal c21scs",
NewYor#7T//res,
7 ;tbr. 1957
31 Smith, S?/ia//Co/?!XorZ,
aP.ci1.: 70.
32 'Scieitct Dotes: incnLal drug shows protllise", AlemVork7T/llei,7 abr. 1957
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35 Smith, S/?ia// Ca/!#or/, nP. cí1.: 1 10.
36. l»Íd.: 104
37 Thc NIMH Psychophiuinacology SI rvict Center Collzlboi'ativt' Study Group,
Phcnothiazine treatmcnt in ;tcute schizol)hrt'nia", HrcÃíur.fauge/irra//tpc/iÍa/7 lO
( 19(j4): 24(j-2(j l

371
AN,VI'ONIIA DI.} UNI/\ EPII)I:NIIA

38 Valenstein, B/a??z
?zgfAeB?a{/z,aP.r f.: 70-79.Ver também David Hcaly, 7ZeCn?ízl
o/z
af.f)3gcAo/u/la?//laca/aKP
(Cambridge, Massachusctts: Harvard Univcrsity Press,
2002): 106, 205, 206
39 J. Schildkraut, "The cateclaoiamine hypothesis of affective disorders", 4??zeríca/l
/azar/za/
of/'Kgc/ziaf7122 ( 1965): 509-522
+0 \zalcnstcin, B/a//z{/zg
//le-Braín,aP.cíf.: 82.
+1

A. Baumeister "Historical dcvelopment of thc dopaminc hypothesis of


schizophrcnia",Jazlrlza/ af /zeHisfop aff/Ee Neiz?aicíe?ices1 1 (2002) : 265-277.
42 Swa&e-y,
Clttor!)rolltaãtein P»:cttiatO,aP.cit.: 4.
43 Ibid.: 8.
44 Ayd, l)üfoz/elles í/z Z?io/agirá/ /b,caia/7, aP.df. : 2 15-2 16.
45 Ibid.: 127
46 Jóia.: 195.

Clapítulo 5 - A Caçada aos Desequilíbrios Químicos


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nnother lawsuit ovcr Prozac drug", J'Ha//Slreeflarlr/za/, 27 jul. 1990.
35 h/lemoranclo de Leigh Thompson para Allan Weinstein, 7 fev. 1990, acossado no ii/e
hcalyprozac.com.
36 Nfemorando dc Mitch Daniels para Leigh Thompsonl "Upcoming TV appcaritncc
15 abr. 1991,acossadono i{/e hcalyprozac.com.
37. Ibid.
38 T Burton, "hlcclical ílap: Anti-dcprcssion clrug of Eli Lilly losessafesaftci' attack by
scct", Ma// S/r?eflai/r?za/, 19 abr. 1991
39. L. Garnett, "Prozac revisitcd", Baila/l G/o/)e,
7 maio 2000.
40. R. Behar, "The thriving cult ofgreed and powcr", 71P/ie,
6 maio 19ç)l
41 T Burton, "Papel hnds no credible cvidcncc to tic Prozac to suicides and violent
bchavior", H/a// Sll?e/tour/!.z/, 23 sct. 1991.
42. S. Bcgley "Bcyond Prozac", Newnoeet,7 fev. 1994
43. 11Brcggin, ZaMc/)SD-cÁ
af7 (Nova York: St. Martin's I'reis, 1991): 348-350.Nesse
livro, Bieggin dctalhou a precariedade cla base científica envolvida nos ensaios feitos
com o Xanax, a cooptação da psiquiatria acadênlica c o envolvimento da APA na
conacrcialização do medicamento.
44. 'High anxiety", Ca/i.çu/ner
/?opor/i,janeiro dc 1993.
45. C. Ballc ngcr "Alprazolain in panic disorcler and agoraphobia", ArcÁÍzieiauge/lera/
/b.rAiafp 45 ( 1988):413-422.
46 R. Noyes, 'IAlpraznlam in panic disordcr and agoraphobia", .4rcAíuei ofGe/ze?a/
.f%Praia/7
45 ( 1988): 423-428.
47 J. Pecknold, '!Alprazolam in panic disorder and agoraphobia", Hlc/lidei ogCe/lera/
/'sg-cAialp45 ( 1988): 429-436.
Ballcngcrl 'IAlprazolam in panic disordct'", art. cit

Noyes, '%.lprazolanl in panic disordcr", art. cit.


50 Pecknold, 'IAlprazolam in pamc disoi'dcr", art. cit.
51 1.1çlarks,"Thc 'efÍicacy' of alprazolam in panic disordcr and agoraphobia",Algaues
auge/lera/ lb f/!ia/7 46 ( 1ç)89) : (i68-672

395
AN,\ro II/\ I)E IJXIA EPn)I;NIIA

52. 1.Marks, "Rcply to commcnt on thc London/Loronto Study", .BdzüAJar/i/za/


af
PD-c/iiaf7162(1993):790-794.
53 Breggin,Zoar/\Praia/7, oP.d1.: 344-353.
54 F Pollncr "Don't overlook panic disorder", zt4edíca/
I'Hor/dÀrewi,
lo out. 1991
55 J. Randal, "ln a panic?", Sf. Zouü naif-Di@r2/cÀ,7 out. 1990.
56. H. Brown, "Panic attacks keep thousands from malls, off i'oads", Associated Pi'css,
19 nov. 1990.
57 R. Davas, "Whcn panic is disabling", C/! cagoS11n-71l?zes,
29jun. 1992
58 'High Anxiety", Co/znz/?zer
RePorfí, nP. c!/.
59 Os relatórios da FDA sobre os dados relativos à risperidona incluíram os seguintes
comentáriosescritos: relatórios de Andrew Mosholder, 11 maio 1993e 7 nov. 1993;
David Hoberman, 20 abr. 1993; e Thomas Laughren, 20 dez. 1993.
60. Carta dc aprovaçãoclcltobcrt Temple para a FundaçãoJatlssende Pcsquisas,29
dez. 1993.
61 S. Mlarder "The cffects ofrisperidone on the ave dimensions of schizophrenia
derived by factor analysis",Jaulna/ adC/ilzca//'TpcAialp 58 ( 1997): 538-546.
62 'New hopc for schizophrenia", I'Maia lzgfo/z naif, 16 fev. 1993
63 'Seeking saber treatmcnts 6or schizophrenia", Ne yorÉ 7%//zes,
15 jan. 1992.
64 As críticas aos dados soba'ea olanzapina feitas pela FDA incluíram os seguintes
cumcntái'ios escritos: relatórios dc Tliumas Laughrcn, 27 sct. 1996; dc Paul
Andreason,29 clejulho e 26 set. 1996;e de Paul Leber, 18de agostoc 30 ago. 1996.
65 C. Bcaslelç"Emcacy of olanzapinc",Jozzr?za/
adC/í/lira//bcA a/p 58, suppl. lO ( 1997): 7-12.
66 'Psychosisdrug from Eli Lilly racks up gains", Ma// SÍ elloizr/za/,14abr. 1998.
67 ;'A ncw drug for schizophrcniawins approval from the FDA", AlemMaré7}??ieí, 2 out.
[996
68 'Schizophrenia, dose-up of thc troubled brain", 2nrade,2 1 nov. 199ç)
69 'Mental illness í\id", Cóicaga 7}fórl/ze, 4jun. 1999.
70. 'Livesrecovercd",Zai A/zge/ei
71??zei,
30jan. 1996.
71 P Weiclen, BxzaX/Á/oug {/z.4lzl@WÁo/ü À4edíra/io/ii(Nova Vork: \V W Norton, 1999): 26.
72. klza// S/[eefla11r/za/, "Psychosis clrug from Eli Lilly. ..", art. cit.
73. 'High Anxiety", Ca/ziu/?ierRe7)arZí.
74. J. Licberman, "Effectivenessof antipsychotic drugs in patients with schizophrcnia
Nem.Elzg/arzdlolzrlia/
ogMedia/!e (2005): 1.209-1.233.
75. L. Davics, "post-efFectivcnessof n]rst- v. second-gencrationantipsychoticdrugs",
J?d/üálozzr/za/ og.f'Kgc/zÍa/p 19 1 (2007) : 14-22.
76 P Tyrer "The spui'iousadvanceofantipsychotic drug thci-apy",.La?zce/
373 (2009):
4-5
77. Entrevista com Petei Bieggin, 10 out. 2008.
78 Entrevista dc Healy no noticiário CBS Àréwi e na revista Clz17e/zfHWaixx,
12jtm. 2001.
79 D. Hcalyj "Psychopharmítcologyand thc goveinment of thc self", palestra proferida
em 30 nov. 2000 na Universidaclc dc Toronto

39(j
Notas

8() E-?/lrzí/de David Goldblonm para Dava(lHealy, 7 dcz. 20(10.


81 Entrevista com Hcaly por e-mí2i/,4jul. 2009.
82
Mt m{)ntndo dc Larry C;trl)nlan para Stevc Kurkjian, 1 1 abr. 20o0.
83 'Scieitctt News from 2oo7", página do NIMH [lnstituto Nacional dc Saúde Mcntal]
:lccsso cn] 2jul. 200ç)
84 Comunicado à imprcilsa expedido pelo NIN[H, 20ju]. 2oo7.
85.
J. Sharkcy, "Dclusions; pantnoia is ttnivc:real", Meio hora 77//rei, 2 ago. 1998
86 Buscaiio file da NANll [Aliança Nacional Contra }l DoençaMcnta]] cm 7ju]. 2009.
87
R. Halos, ZZe .4//ieHrrz/z/sgcÁíalHc /zzó/ÜÁ rzg ZexlóaoÊ af.f'sgcAíaZ7 (Arlington, Virgínia
Amcrican Psychiatric Publishing, 2008).

Clapítulo 15 - Contabilizando os Lucros


1. D. Cadat, "Dr. Drug Rcp", .AgemZorÉ 71/?zei, 25 nov. 2007.

2. NANll, lltS ç)9o Form [Formulário 9ç)0, pai'a dt:c]aração (]c imposto c]c tcndit dc
organizações scm hns lucrativos], 2000.
3. B. Kocrtler, "First you market thc discase, thcn yott push thc pills to trcat it
GI/a?dia/z,30jul. 2002.
4. E. Tanouye, 'lAntidcprcssant nlakcrs study kids' markct", JHa//Sílex/Jaizrrzí2/,
4 abr. 19ç)7
5. B. Strauch, "I.Jsc of antidcpression mcdicinc for young patients has soared", .Área
ynrÉ 7://zes, 10 ago. 19ç)7
6. Tanouye, ':Antidepressant makers-.", art. cit
7. l)cpoinl e nto de Joscph Bieclcrman no processojudicial dc Api/a u.JoA?z.ío/z
8'Ja/zn.ro/l
Co., 26)fev. 2009, l)áginas 139, 231, 232, 237.
8. J. Biedcrman, "Attention-dclicit hypcractivity disordcr andjuvcnilc mania",Jourrza/
ad/Ae.4?liedcíz/l,4cízdemp
agCh{/d G'.4da/vice/z/.f'sgcAia/7 35 ( 1996) : 997- 1.008.
9. l)c:poimcnto dcJoscph Biederman: 158.
10. blargaret Williams, relatório sobre uma visita de vendas, 17 maio 2002.
11 J.J. Zorc, "Expcncliturcs foi' psychotropic medicationsin the United Status in 19}35
.'l/neríca/zlazfr/la/
af.f'sgcÁiafp148 ( 1ç)ç)1) : 644-647.
12. Top thcrapcutic classesby U.S. fales, 2008", 1NISHcalth.
13 S. Giled, "Bcttcr but not bcst", .liga///r Hl8airT 28 (2009): 637-648.
14. Essescálculos sc baseiam nos l clatórios anuais apresentados no Formulário IOK
pela Eli Lilly à Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC) dc 1987
l 2000. As cifras dc 1987 t: 2000 baseiam-sc nos preços vigentes no quarto trimestre
(l(: ctlclzi ano.

15. J. I'crcira, "l;nlory professor steps down", lixa// Sfleel/aií/ní2/, 23 dcz. 2008.
16 C. Schncicler, "Emory psychiatrist rcprimandcd over outsidc u,ork", .4f/a?zfaloizr/za/-
Ca?nf /l/Zirin, 11 jun. 2009.
17. G. Harris, "Radio host has drug company nes", New yorÉ 7}//leí, 22 nov. 2008.
18. Nlcmonindo inteiro cllt GlaxoSnlithKline, "Seroxat/I'axil itdolesccnt dcpression
Position piccc on thc phasc 111studies", outubro dc 1998.

397
AN,\TONAL\ DE UNHAEPIDENII/\

19. M. Killer, "Efhcacy of paioxetine in thc treatmcnt of adolescentmajor dcplession


Jotlrilal oÚtheAnteticatt AcademgoJChiLd UAdoLescentPs)chialT 4Q (2ç3ç]
\ ): 16'Z.l I'Z.
20. E. Ramshaw, "Scnator qucstions doctois' nes to clrug companies", J)a//ai .A4a fzg
gemi, 24 set. 2008.
21 L. Kowalczyk,"US citcs Bastou psychiatrist in cascvs. drug íii'm", l?o.fiouC/oóe,6
mar. 2009.
22. G. Barris, "Lawmakcr calasfor rcgistry ofdrug firma paying doctors", New ZorÉ
71/??ef,4ago. 2007.
23 G. Hai'ris, "Researchers rali to reveal full drug pay", Ne ZorÉ71?irei,8jun. 2008.
24 .4ui/a u.Jo/i?na/zé!?JoA/z.fa/z,
depoimento deJoscph Bie(lcrman, 26 fev. 2009: 1 19.
25. J. Biedeiman, Ánnzla/ J?eParf 2002: ZaelaÁrzion ê(/o/z?zscln Ce/z/erlor .fedia/dc
PsDchoPatltologyat tulelvtasslichusettsGetteral Hospital.
26 J. Olson, "Drug makers stcp up giving to Minnesota psychiatrisLs",/'ianeerPremi,27
ago. 2007.
27 Margaret Williams, rclat6rios sobre visitas clcvendas,20 abr. 2001 e 8 abr. 2002.
28 Registro dc doações/subvenções
da Eli Lilly, I' trimestre de 2009.
29 E. Munde]], "US spending on mcntal hcalth carc soaring", .l?ba/f/ll)ap,6 ago. 2009.
30 T Mark, "Mental health treatment cxpenditurc trends, 1986-2003",.fy,cAÍa/dc
Semicei58 (2007): 1041-1048.Entre os gastosnacionaiscom a saúdeem 2008, 7%
foram para serviços de saúde m(.ntal; em 2015, espei'a-se que essa cifra se eleve
para 8%. Os dados sobre os gastos nacionais com a saúde em 2008 c os gastos
pi'ojctados para 2015 provêm do Ministério da Saúde c Scrviços Humanos dos
EstadosUnidos [US Dcpartmcnt ofHealth and Human Scrvices].

Capítulo 16 - Projetos de Reforma


1. MindFreedom, "Original statcment by the fasefor frcedom in mental hcalth"
[Declaraçãooriginal dojqum pe]a liberdade na saúdementa]], 28ju]. 2003.
2. Carta dcJamcs Scully par:t David Oaks, 12 ago. 2003.
3. Carta clo painel cientíhco MincIFreedom paraJames Scully 22 ago. 2003.
4. Declaração da APA sobre o "diagnóstico c tratamento cle transtornos mentais", 26
set. 2003.
5. Carta do paine.lcientíGlcoMindFrecdom paraJamcs Scully, 15dez. 2003.
6. Ente'avista com ])avid Oaks, 4 out. 2009.
7. J. Medi-ow HomfaBecomzea ScÁzaPáxpnic
(Scattle: Apollyon Press, 1992):ix.
8. Entrevista com David Hcaly cm Bangor Paísde Goles,4 sct. 2009.
9. D. Healy, "PsychiaLric bed utilization", .lbcAo/og ca/ Medldrze 3 1 (2001): 779-790; D
Hcaly, "Serviceutilization in 1896and 1996",.1?üfapad.f'KgcAia/p
16(2005): 37-41.
Ver também Healyl dados inéditos sobre as taxas de rcinternação ztpóso primeiro
surto psicótico, pctíodos dc 1875-1924 c 1994-2003.
10. Entrevistas com YÜÕAlancn,Jukka Aaltoncn e Viljo Rãkki IÊiinenem Turku,
Finlândia,7 set.2009.
11. V Lehtinen, "Two-ycaroutcome in first-cpisodc psychosistreatcd accordingto an

398
Notas

integnltc(l iiio(lcl", Eu/opep/i.l)Tg'bóia/T


15(2000): 3 12-32o.
12 Eiltrt:vista cí)iiIJaakko Scikkula cii] Jyvãskylã,Finlâti(lia, 9 sct. 2009.
13 J. Scikkttla, "Fivc ycar cxpcrienct' of [irst-cpisodt' noiul]fectivc psychosisin opt'tl
clialogucal)l)roach",.fbcóí/f/rí'raÊ»
Re.íer21-c/z
16 (2006): 214-228.Ver taml)ém:J. Scikktila,
'A two-ycar lbllow-up oil í)pen dialoguc trcatmcnt in fiist cpisode psychosis",SodeO
afC/í/fica/.fb-rabi/aK)'
lO (2o(}0): 2o-29;J. Scikkula, "OI)cli clialogtie, good atld pool
outcomt:",Jaur/za/ adCom/iz/c/íziü/ /'Kgc/lo/aW, 14 (2002) : 267-286;J. Scikkula, "Open
dialoguc appioztch: trt:aLiiicnt principlcs aitd l)rcliminary lcsults of a twu-ycar follow-
up on fiist cpisodcschizophrcnia",.Ef/lira/.17zí//ir2/z
Sde/icem
Se íce.ç
5 (2003): 163-182.
14 Entrevistas com a equipe do l hospital Keropudas, cm Uoi'nio, Finlândia, 10 c 1 1 sct. 200ç)
15 Resllltados do estudo dc 2o02-20o0 c das dt:spcsascom serviços psiquiátricos iia
Lapânia Ocidental, obtidos nas cntrt:vistas comJaakko Scikkula c Birgitta Alakare.
Ver também os artigos publicados poi- Scikkula, aP.d/.
16 J. Cullberg, "lntegiating intensivo psychosocial thciapy zuld low dose n)cdical
trcatmt:nt in a total material of hrst t:pisodt:psychoticpatients comptu'cd
lo trcatnacnt as usual", Àdrdica/drcAíue.r53 (1999): 167-170
17 W 13uchan,Z)o/lie.ffiriUrdíd/ie (Boston: Otis, Broadcrs, and Clo., 1846): 307.
18 Nacional Instituto for Hcalth and Clinical ll;xccllcnce, "Dcprcssion", dezembro dc 2004.
19 Entrevista com Andrcw hlcC:ulloch cnl Londrcs, 3 sct. 2009.
20 1;. Dimco, "Bcncfits frota acrobic cxcrcisc in patienls with major clcprcssion", J?dfíx/z
Jai///za/ofS»or/sÃdedicíne35(2001): 114-117; K. Knubbt:n, ':A ranclomizcd,controllcd
study on thc cífects of a short-term cncluiancc tnlining programmc in patients
with major deprcssion",Bd/ísÁJor/r/za/ odS»or/sJ4edd/ie 41 (2007): 29-33;A. Strõhle,
Physical activity, cxcrcise, depression and anxiety disordcrs",Jorli/za/ afNeill a/
7}a/zi/ilísifa/i 116 (2009) : 777-784.
21 J. Blumcnthal, "lCffectsoí'cxcrcisc trilining on oIdcr patients with major
dcprcssion", '4rc/!íuc.ç ag.rlz/erlia/ .Ví.í/icÍ?ie 159 ( 1ç)ç)9): 2.349-2.356.
22 Ibid
23 Entrevistas com Tony Stanton c i\ equipe do Centro Sêncca cm San Lc:andro,
Calilbrnia, 13 c 14jul. 2009.
24 Entrevistas cona Keith Scott t: Chris Gordon, l;ramingham, Nlassachusctts, I' oul
20o9
25. Ibid
26. Entrevista comJim Gottstein cm Anchorage, no Alasca, 10maio 200ç)
27 M. Ford, "Tht: psychiatrist's double band", H/lledírz/iloi/Fria/ af.f%Praia/p 137 ( 1980):
332-339.
28. Â4ge}.íp.,4/anta .f)TD'r/la/dc /rl.s/í/ule, Alaska Su!)rcmc Court No. S- 1 102 1.
29 Entrevista cona Susan Níusantc cm Anchorage, no Alasca, 10 maio 2009.

Epílogo
1. E. Whipple, Córzrar/er
andC/lízrrzc/e/üfírÂ4e/l
(Boston: Tickiior & Fields, 1866): 1

399
Agradecimentos

Quando iniciei zlspcsqtiisas para este livro, procurei líderes de vários grupos
dc "consutllidotes",eni buscadc ajllda para localizar "pacientes" a entrevistar.
Q.ucria ciicontrlti pessoascom diagnósticos diferentes e idadcs vai'iáveis, e não
tardei }i dispor dc limo lista de mais de ccm indivíduos dispostos a nlc rclatai'
suas histórias. Sou profuiidalllentc grato a todos quc nlc ajudaram a encontrar
pacicntes para entrevistar e a todos que conversaian] comigo sobre sita vida. Além
dos nominalnlcntc citados no livro, quero agradcccr às scguintcs pcssoas:Camille
Santoro,Jim ltye, Sara Sternbcrg, Monica Cassaili, Brcnda Davis, Laurcn Tellilcy,
Chcryl Stevcns, Elles Liversidge, Howard Trachtman, Jcnnifer Kinzie, Kathryn
Cascio, Shauiia Rcynolds,Maggie NlcClure, Renée LaPlume, Chaya Grossbcrg,
Lyle l\lurphyl Oryx Cohen, Will Hall, Evclyn Kaufman, Dianne Dragon, Melissa
Parkcr, Amando Grccn, Nicki Glasser,otan Cavcrs, Cindy Votto, Eva l)ech,
Dcnnis Whetsel, Diana Petrakos, Bcrt Coffman, Janice Sorcnsen,Joe Caison,
Rich Winkel, Pat Risser, Susail Hoffinan, Lcs book, Amy I'hino, Benjainin Bassett,
Anui Sepl)zela,Chris LaBrusciatio, l<ctmit Cole, David Oaks, Darby Pcnncy c'
Nlichael Gilbert

Ein todas as ocasiões,as pessoasquc cntrcvistei foialll extraordinarizlmcntc


gclicrosas cum scu tempo. Enl Syracuse,Gwcn Oates, Senil Oatcs,Jason Smith
c Kelley Stnith nlc rcccbcntm cn] suas casas. Na Califóritia, Tony Stanton
organizou dois dias dc entrevistas com administnldores, médicos e criançits do
Centro Sêiicca. Ao loitgo clc todo este prolcto, David Hcaly real)oiidcti a minhas
indttgações,c quandoo cntrcvistei cm Galos do Norte, cle c sua itlulhcr Hclen,
rcvclaranl-seaiiíitriõcs gelltis. Os arquitctos da terapia clo diálogo al)efta, iia
Finlândia, passeiam limo scliiaila comigo, coletiv;tiiicnte. Sob cxtrcinamciite
grato a YÜÓAlancn,Jaakko Scikktila c Birgitta Alakart por tcreni possibilitado

+01
AN,VI'OXÍI/\ 1)1(UX[A EI,ID]:X[J.\

minha viagem até lá, c a Tapio Saio e sua família poi uma noite maravilhosa dc
conversasem Tordo.

Enquanto trabalhava neste livro, l)usquei apoio regularmente em amigos c


familiares. GraçasaJang-Ho Cha, pude compai'eccra um seminário sobresecções
ccrcbrais no Hospital Geral de Massachusetts. Mau Millcr professor adULmtoda
Escola dc Saúde Pública dc Harvard, revelou-sc uma caixa dc ressonância de valor
inestimável para pcnsai' em como as terapias médicas são avaliadas e aquilatadas.
Cynthia Frawley, minha "vizinha" dc escritório, dcsenhou os numerosos gráficos
que complementameste livro. E agradeçoa Joc Laydcn, Winnie Yu c Chris
RinWvald por nossas conversas habituais sobre os altos c baixos da viela do escritor.

Este é mcu quarto livro, c hoje estou mttis convencido que nunca dc quc escrever
um livro -- desdeo momento em quc ele é originalmente concebido até o dia da
publicação -- tem na definição de empreitada coletiva a sua melhor descrição.
Minha agente, Theresa Pack, ajudou-ilac a estruturar a proposta e ine forneceu
liina orientação inestimável enquanto cu trabalhava no prometo.Nleu editor, Sean
Dcsmoiid, pi'essionou-mepara ampliam'o alcaiicc c o arco narrativo do livro e, na
hora de fazer a revisão do manuscrito, aprimoi'ou-o de inúmeras maneiras. lodo
escritor devem'iater a sorte dc contar com um agente incentivados'como Thcl'csa
Park c com um cditoi' talentoso como Scan Desinond. Agradeço também a Rick
Willctt por sua habilidosa revisão cletexto; a Lavra Duffy por sua capa chamativa;
a SongHee Kim por sua maravilhosa diagramação; a Stephttnie Chail por sua
1(1ministração diligente do projeto; e aos muitos outros funcionáriosda Crown
quc contribliíram para este livro com self talento. E, por hm, sou profundamente
grato a Tina Constable por acicditar que a história narrada em .4/Irzlo/llíü de z//lza

E»íde//zíamerece ser conhecida.

+o2
/

Índice

A
Aaltonen,Jukka 344
Abbott Laboratories 325
AbiliFy(aripiprazo1) 154,221, 328
lcatisia 240, 256, 293, 308
lcetilcolina 76
Adclerall (anfetamina) 259
Administração Federal de Alimentos e Medicamentos [Food and Drug
Administration (FDA)] 70, 105
:aprovaçãodo Paxil para o "transtoi'no de ansiedade social" 325
ausência sobre o Prozac 301
ciisaios c]ínicos sobre o ]tisperdal 307
obtenção clc medicamentos somente com i'aceita médica 70-71
queixas da MedWatch sot)rc o Prozac 295
relatório da MedWatch sobre os riscos claRitalina 244
Advocates,
Inc. 223,360
agentes }lnsiolíticos 22
efeitos a longo prazo 147-148
efeitoscolaterais 47, 150,303,304
númei'os da invalidez 156-157
síndrome dc abstinência ini suspensão dos 140-141, 144. Co/ziz///e
fa//?óém
benzodiazcpinas; marcas rcgistradas específicas
tritnstornn bipolar 152,154
4ge af 4/zãelU. Zhe [A era da ansieclade] (Tona) 142
Alakai'e, Birgitta 348
Alanen, Yrjõ 344-345,346
Aliança de Apoio a Depressivose Bipolares [Depressiveand Bipolar Suppurt
Alliance (DBSA)] 31, 44, 47, 207
Aliança Nacional Contra a Doença MentalINational Alliance on Nlental lllncss

403
AN,\TObIIA Dl: UhÍA EPIDEN{IA

(NAMI)] 185, 309


alianças com empresas farmacêuticas 286, 324-325, 334
ocultação dc provas 318
silencialnentoda dissidência312
Aliança Nacional Pata os Doentes Mentais [NAMl] . Consz///e
Aliança Nacional
Canela a DoençaMental [National Alliance on Mental lllness (NAMI)]
Ambien [zolpidem] 42
amitriptilina 86,87
Andreasen,Nancy 124,282,310,339
anfetaminas 78, 228, 236, 242-244. Co?zizz/fe fa/?zóém Benzidrina; Ritalina
Angier Natalie 299
ansiedade46, 67-69,137-157
efeitos iatrogênicos das drogas 2 19
estudos de casos 149-155
invalidez23,156-157,
219
ocultação (te pi'ovas 314-319
transtorno de ansiedade social (TAS) 325
tratamento antes do Miltown 137-139. Co/zizr/fe fa//zóém benzocliazepinas;
síndrome do pânico
tratamento medicamentoso 139-148
antibióticos 57, 60-61,63, 71-72,74-75
antidepressivos 22, 75-76, 84, 86, 91, 93, 159-181
administrados a crianças 171, 237, 238-240, 246
comercialização
dos 87, 297-299
como causa de doença mental 44, 46-47, 93-94, 167-170, 179-180, 207
efeitosco]atcrais 187,20], 22]
estudos dc casos 42-44, 159-161, 181, 206-213, 221-222
númerosclainvalidez 177-178
ocultação dc provas 314-316,318
paradigma pala drogas psiquiátricas 95-96
psicose por abstinência 257. Ca/ziz///e/a//zóémISRS; marcas específicas
result2tdos seii] medicação &erl//.r 164-167, 174-179, 196-205, 368
risco de rccaíd;t c 168, 172, 179, 196
transtorno bipolar c 186-1R8,190-192, 196-205
tricíclicos 164-165, 168, 196-197, 208, 237, 242, 247, 256, 293, 296)
vendasc uso 21, 327
llntipsicótlcos. Coon.çr///í /a//lóém n cll i'olépücos
Antipsychotics and Mood Stabi]izcrs (Stah]) 202
APA. Connr//e Sociedade Norte-Anlcricana dc Psiquiatria
Asbcrg, Mt\iie 85-86
Ashton, Hcathcr 145-148
Associação dc Sítúclc A'mentaldo Alltsca 361-3(i3
Associação Nacional dc Saúde Mciital [Natíonal Mental Hcalth Association] 335

+o4
Inclice

AstraZeneca 185,309,332
Ativan (lorazepam) 36, 149-151, 221-222
ttumeiito de peso e terapia medicamentosa 32, 47, 132, 150, 201, 212, 217, 224,
252, 256-257,308
AydJr.,Frank 79,162
B
Badillo, Gcoi'ge 39-42, 130-131
Baldessarini, Ross 108, 169-170, 195, 199, 201-203
Banks,Brandon 209-211
Barrow,Jonathan 262
Bayer 56
Bayh, Birch 275
Beard, Gcorgc 138
bcnzedrina 228
benzodiazcpina 47, 137, 142-148, 150, 152-153, 155, 157, 188, 212, 222, 275
caindocn] desgraça 139-141,273,275
efeitosa longo prazo 147-148,169
efeitos colaterais 222
eficácia a curto prazo 142-143
estudos de casos 149-153
invalidezc 141,148
lesão cerebral 147
ocultação de provas 315, 318
síndrome dc ztbstinência 140, 144-146.Copa.ç?///e
/a/??&é?/l
Klonopin; Miltown
vício 140,150
Berger Frank 66, 67, 79, 139
Berrick, Ken 355
Biedernlan,Joseph 184, 240, 246, 250, 326-327, 332-333
Z?íPn/ar C/[i/d,TZe[A criançabipo]ar] (Papo]os)241,327
B/a//ií/z.g
f/icB)ai/z [Cu]paitdo o cércbro] (Valenstein) 76, 91
Blau. Thcodort: 27R
Blettler, Ettgrn 102
Bockovt:l],J. Sitilbouriit' 1 1 1, 121)
Bola,John 114
Bt)stic,Jcífrey 331-332
Bowcrs,Malcolm 85, HR
131)yt'r, l?ntncis 72-73
13radlev, Charlrs 228, 231-232, 241
Brt'ggin,Pt'tei 238, 292,2ç)4,311-312
Brigas,Nlonica 42-44,2(16
Brinkley,Johii R. 291-21)2,
302
Bristol-MyersSqttibb 183,32H

+05
AN,\'II)ALIA DE UNIA EPIDEbIIA

Brodie, Bernard 76
.Brote/z .Braífz, ZZe [0 cérebro avariado] (Andreasen) 282
Bronowski,Jacob 21
Buchan,William 351
Burke, Tomie 247
Burns,Geraldine 149,152
C
Carlat, Daniel 321
Carlson, Gabriclle 242-243
Carpenter Wi[[iam 111-112, 115, 129, 2]9
Carter Products 74
catecolaminas 76-77
Celexa (citalopram) 331
Centro de Saúde Mental e Dependência dc Drogas da Universidade dc
Toronto 312
Centro Sêneca354-358,360
cérebro 74-84, 86, 88-89, 91-97, 113, 116-118
benzodiazepinas
e inibição do GABA 146,149
malefícios das drogas psicotrópicas 1 15-117, 122-124, 147, 170, 180,
199-2o0, 202
receptores DI e D2 88, 95, 116-118, 124, 315
Ritalina e 230
teoria clodesequilíl)rio químico e 28, 36,5 1, 76-77, 78, 83-86,88-89,91-97
Cha,Jang-Ho 81, 402
C4{/da/zd4do/eicenf
P3gcÀaPAamzafo/aW
.Abade
SimP/e[Psicofarmacologia simp]ificada
da infância e da adolescência] (O'Ncal) 226
Chilclren and adulta with attention deficit hypcractivity disordel (CHADD)
[Crianças e adu]tos com transtorno do c]éíicit de atenção com
hiperatividade] 228-229,335
Chouinard,Guy 116-119,129,187
Giba-Gcigy 228
Cientologia 288,299
Clayboin, Sam 262-263
Clemens,Jades 92
clonidina 259-260
Clozari] (clozapina) 258
Clochrane Collaboration 108
Cogentin (benzotropina) 36
Cole,Jonathan 107, 111, 115, 129, 163
Comissão dos Cidadãos para os Direitos Humanos [C!/ zeni Co//zmüsia/z af.171zz?za/z
.Rega/J]288,299-300
Concerto(metilfenidato) 49, 259, 265

406
Índice

coquetéis mcdicamciltosos 36
dttdos zt crianças 49-50, 184, 251, 256, 261, 265, 322-323, 327, 356, 364
doença\iatrogênica
c 202,359
efeitos colaterais 220-224
paul o tntnstonio bipolar 46, 188,200,202,206,209, 210-211
Costello, E.Jztilc 225
Crztne, Gcorge 191
Clrafío/? af.f'3WcAaP/zar//zero/ap,TZe [A criação c]ít psicofarnlaco]ogia] (Hcaly) 91
crianças c:adolescentes
tcadêmicos paRTospor cmprcsas farillacêliticas 330-333
lçõcs judiciais movidas a favor dc 3(i3
como mci'cada paul cotiipaiihias fannacêutic;ts 326
coquetéis medicamentosos c 50-51, 184, 252, 256, 261, 2(i5, 321-323, 327, 355,
359,365
ciiançzts dc lajes de criação, nlcdicação das 2(i0-264, 354, 363, 365
dclinquêilcia, crinlc c doença Incntal 235, 2(i4
depressão cm 28, 226, 238-240, 326
diagnóstico dc tríulstol'nos mentais 28, 225-227
ct)ideiilia dt' docitças mciltais cin 26, 246-248, 250-254
estudosdc casos48-52,255-267,321-323
número dosque rcccbciit auxílio da SSI por doençailiciltal 21, 26, 248-249,
253-254,364
números da GAO sobre: 253
progressãodo TDAH l)itnt o tnulstottio l)ipolar 244
ralidadc da mania p''diátrica antes das tenlpias medicam('ntosas 241
síndronlc dc apatia 240
I'DAHcm 28,49-52,227
terapia nicdicameiitosa 49-52, 171, 226, 228-229, 239-240, 246-248,
250, 325
terapia mcclicamelltosa, efeitos colaterais 51, 231-239, 252, 255-258,
26o-267
terapia mcdicanleiltosa, resultadosa longo prazo 51-52, 231-237,25 1-252
tnlnstorno bipolarjuvcnil 28, 50-51, 184, 240-248, 250-253, 263, 326, 332,
359.364
tratamento alternativo 353-358
:l-n-,... ra..,,./P,
LUI(l lllllcl:5l\JDcln ....'lBnln.. rla ttnll..In
vt/ll.}ltL&ü lllL\xzbAAEtt u 1/ üx nlálnr'n"
üaane)AVES

D
DBSA. Co/i.ví/feAliatiçt\ de Apoio ;t Depressivos c Bipolares
Décadtt do Cérebro 324
DeIBcllo,Nlclissa 244,251,332
Dcnikcr Pierrc 65-66,89-90,11(i
Dcpakote(divalproilto dc sódio) 51, 210, 212, 257, 2(j3, 322

4o7
ANA'I ONÍIAr)I.; UAI/\ EPII)I:N{I/\

depressão 82, 84-85, 90, 159-181


como sendo de natureza autolimitante 163
em crianças 28, 226, 238-240, 326
erva-de-são-jogo 166
estudos cle casos 42-44, 159-161, 181, 221, 223
etiologia desconhecida 2t31
hipótese de baixa serotonina 85-87, 90, 296
invalidez e desemprego 23, 25, 34, 160, 176-178, 219
//zarÉe/ilzg da 298
númerode casos 173,219-220,297
ocultação dc provas 314-319
resultados da terapia medicamentosa vs. não medicamentosa 164-167, 174
179, 368
revisão do diagnóstico 171-174
terapia do exercíciofísico 351-352,354
terapia medicamentosa32, 68-69,172-174
terapia mcdiciunentosac piora 167-174,180
venda da 298
vencia dc Prozac para a 297-302
desequilíbrios químicos 364
desmame 133, 145, 146, 150, 155, 206, 221, 356. 360
Deutsch, Albert 60, 103
Dewa, Carolyn 159, 176, 177
dextroanfetamina 259
Dia da ConscientizaçãoBipolar 325
discinesia tardia 37, 115-119, 122, 129, 252, 312, 321
Dobbs, Dorothy 293
doença mental 359
como autolimitante ll
dados económicos da, depois da aprovação do Mcdicarc e do Medicaid 105,
216
desinstitucionalização
dospacientes 105,216
doentes mentais hospitalizados 24, 60, 103, 111, 215
em crianças 23, 28, 225-254
epidemia como iatrogênica 27-28, 48, 205, 2 15-224, 247-254, 359
epidémica, nos últimos 50 anos 24-26, 55-61, 179-180
etiologia desconhecida 91, 229, 340, 364
fármacos c devolução do tratamento 22-23, 27
fatoressociaisda cpidcmiaclc 218-220
gastos com serviços dc saúde mental 335. Ca/zn//fe/a/?zóém
crianças c
adolescciltes; doenças cspccíficas
história do tratamento 31. 57-61
política socialc 103,216

!08
Índice

psiquiatria biológica e 310


teoria do desequilíbrio químico 27, 36, 51, 76-77, 78, 81-97
terapiaambiental 114
doençamental, reforma do tratamento da 339-365
buscadacm evidências 359
criança e 357-359
crianças c 354-356
1):tvidHcaly c 342-344,359
greve de fome d2t &lindFreedom International 339-340
Lapânia, terapia do diálogo aberto 347-350
Lapânia, tratamento adaptado à necessidade 344, 345-346
paradigma do "melhor" liso 340, 342, 360
piogranlas de dcsmame da medicação 360
Prometo Alasca 361-363
Lc'rapia do exercício 351-353
liatanlcnto altcriiativo 5H-59, 340, 342-343
verdade nas pesquisasc ila coma'cialização 34o
Z)r;//le.f/íc .A4edic;ir?í' [Medicina cascira] (Buchan) 351
dopaiilina 76-78,81-82,H4-85,H7-90,ç)4-95
esquizofrenia c 77-78, 82, R4, t38-90
psicosepor hipersensibilidadc 116-118
receptores D2 bloqueados por antipsicóticos 88-89, 94, 125
TDA.H e teoria da baixa dc dopamina 90-91,229
Z)/Ifgsrz/rdíÁfJ?1/7í/z
[As drogas c o cércbro] (Snydcr) 119
DSÀ{. Conslttte Catltbém Mail uat Diagttóstico e Estatístico dos DistÚTbias Vleit tais
LDiagun\tic altd StatisLical Mau ttal qfMetltat Disoiders\
Duke, Patty 185
E
EI'fexor 166,181, 223
Ehrlich, Paul 55-56
cletrochoqtic 59-60,163, 181,207-208,288,311-312.
Ca/i.////e cle troconvulsoterapia
cletroconvulsotcrapia (ECT) 59, 1 14, 168, 191, 207, 276. Co/zn///e
/a/?lóém cletrochoque; tenlpia cletroconvulsiva
Eli Lilly 57, 63, 165, 183, 199, 329, 334
distorção dos ensaios subi'c mc:dicamcntos 238-239, 293-294, 2ç)6-297
fraude c 292
pi'acessos judiciais contra a 2ç)ç)
Prozac e 87, 91-92, 94, 165-166, 246, 2ç)2, 295-302, 325, 327
receita dc fánnacos 32ç)
subveiiçõcsc:pagaiiieiitos pala inílttcnciar a opinião púl)lica 300-301,
325-326.334

4o9
ANATOXIIA I)E UXt/\ EPIDI;XII/\

Zyprcxa c 217,308-309,327
Emenda Durham-Humphrey 71
encefaliteletárgica 66, 102,227
EPide//záo/aW
ofZ)ePxeisíolz,
The [A cpidemio]ogia da depressão] (Silverman) 162
erva-de-são-jogo 166-167
esquizofrenia 77, 82, 101-102, 120-121, 184, 202
antipsicóticos atípicos e 302
comercialização do Rispcrdal 307-309
como os antipsicóticos alteram o curso da 110-113
clcterioração na 200-201
discinesia tardia c 122
ensaios de fármacos no NIMH 106-109, 128
estudo a longo prazo dc Halrow 125-128, 185-186, 202-205, 2 18-219, 235,
316-318
estudos 39-42,130
estudospor i'essonância
magnética 122-124,129
estudos sobre reincidência 109-110, 115
etiologia dcsconhecida 282
hipótese da dopamina 77, 82, 84, 88-90, 244
história natural dztdocnçít 102-104,105
itlvitlidcz c cmprcgo 104-105, 110-111, 119-121, 126, 129-130
[lcultação dc provas 314-319
perfil dc riscos c benefícios dos nelirolépticos 115-116
PrometoSoteria 113-114, 273, 278-279, 285, 311, 362-363
psicosepor hipersensibilidade116-118, 120,187
resultados a longo prazo do tratamento medicamcntoso vs não
medicamentoso IO1-102, 104-105, 110-117, 119-130, 218, 318, 342
silenciamento da dissidência 3 11-314
"síndrome da porta giratória" l lO, 114
sucesso das drogas a curto prazo 106-110
taxa de altas hospitalares 105, 1 1 1, 1 14
teoria de Moshcr sobrea causada 113
Thorazine c 104-105
tratamento medicamentosocomo indutor dc psicose 118-124,202
tiatamcnto não medicamentoso na Lapânia 344-350
Eiíe/zela/ P3g'cAoP#ar/?zízco/a©,[Fundamentos de psicofarmacologia] 87
estinaulantes187,191,228
progicssãodo TDA:H para o transtorno bipolar. Ca/riz//fe
fa/?zóém
Ritalintt
Estudo Colaborativo Transnacional sobrc o Pânico 303
Evarts, Edward 106
expectativa de vida 186

+ lo
Índice

Faedda, Gianni 247, 250-251


Fava, Giovanni 169-171, 175, 180, 192
fenelzina 164
fenotiazinas 63-64,66
Fieve, Ronald 193
Fink,Paul 279
Flugman, Hal 151
íluoxetina. Ca/zizz//eProzac
Flynn, Lauiie 287,309
Ford,Betty 141
ForestLaboratories 331
Franklin,Jon 281,283
Frazcr,Alan 85, 90
Frazier Jean 184
Frazier Shervcrt 286, 297, 306
Freedman, Daniel 303
Freud, Sigmund 138-139, 281
Fun(cação Nacional de Ciências [Natiollal Science Foundation] 58
Fundação Norte-Americana para Prevenção do Suicídio [American Foundation
for Suicide Preveiltion] 335
Fundo Fiduciário da Saúde lçClental,Alasca 361, 363

G
GABA(ácido gama-aminobutírico) 146
Gatcly, Thci'csa 260-261
Geodon(ziprasidona) 184,187,212, 223
Ghacini, Nassir 183,186-187,197-198
GlaxoSmithKline
académicos pagos pela 330
brindes pai'a psiquiatras 334
fraude c 331
Paxil e 325,330-331
Glennlullen,Joscph91, 292,313-314
Gold, Mark 281-282
GaadAre i Áóozz/Z)ePrrsiiolz, T»e [A boa notícia sobre a dcpressão](Gold) 28 1
Goodwin,Frederick 186-187,192,195, 197,330
Gorclon, Chris 360
Gottstein,Jim 361-363
Giassley, Charles 329
Gressitt, Stevan 148
Grupo de Apoio a Sobreviventesdo Prozac [ProzacSurvivors Group] 299

411
ANAL'ORIIA DE UN,M EPII)I.;NIm

Grupo do Maine para Estudo das Benzodiazcpinas [Maine Benzo Study Group]
148

H
Haarakangas, Kauko 348
Hagler Dennis 33
Hala. Rhoda 299
Halcion (triazolam) 36
Haldol (haloperido1) 36, 38, 40, 210, 275, 307
Harding, Courtenay 120,129, 131,202
Harrow, Martin 125-131, 185, 195, 202-206, 219, 235, 316-318
Hayes Inc. 252
Healy, David 87, 91, 238, 291-292, 3 12-314, 342-344, 359
Hellander Manha 247
.liiü/op a#/\7chíafOi,.'l [História da Psiquiatria: da era do manicómio à idadc do
Prozac, Uma] (Shorter) 22
Hofrmann-LaRocha 67-68,74-75,137, 140,148
Hospital Keropudas, Uornio, Finlândia 346, 348, 351, 367
Houtsmuller, Elisabeth 252
,Hoü fa .Beco//ze .z Schí.zaPÀrerz c [Como ficar csquizofrênico] (Modrow) 341
F[ubbard, L. Tton 28É]

Hyman,Steve 90, 95-97,230


l
imipramina 74, 76-77, 79, 84, 87, 164-165, 168-169, 256, 294, 296-297. Ca/?xzl//e
/ízz?zóém tricíclicos

/n!/í/i fe .44{/zd, The [A mente infinita] (proclama de rádio) 330


inibidores de monoamina oxidase (IMAOs) 164, 181
inibidores seletivos de reabsorção de serotonina (ISRS) 87, 91-94, 165-166, 180,
192
açõcsjlidiciais contra 238
como causadc desequilíbrio químico 94, 180
crianças nlcdicadas com 171, 237-240, 246-247, 250, 325
efeitoscolaterais 180,239,240,312-313
invaliclcz c 177-178
risco dc suicídio 238, 293-295, 300, 3 12, 323. Ca/zizl//e/a?//óémProzac
silencianlcnto clip dissidência 3 12-3 13
vendas c uso dc 171,301
Instituto Nacionaldc Abusodc Di'aras 313
liistituto Nacionaldt:SaúdeMentalINational Institutc ofMcntal HctLlth
(NINIH)] 61, 163
nlianç;t com conlpaiihias farillíLcêuticíls 303

412
Índice

alianças com companhias farmacêuticas 296-298, 306, 324, 330


llrtigo de Hymait 95-96
Centro de Estudos da Escluizofrcnia 278
Centro de Serviçosde Psicofarmacologia106
comercialização de antidepressivos e 297-299
criança bipolar,índices da 245
cronicidade da depressão e tratamento medicamentoso 16H
EnsaioCATIE 3 10
ensaio da imipramina 164
ensaio do Thorazine 75
ensaiossobreneurolépticos 105-109,129
ensaioSTAR#D 173
estudo a longo pntzo dc Harrow sobre zl cs(luizofrcnia 125, 127-128, 185, 203
205,219,235, 316-318
estudode pcacientesno primeiro surto psicótico,1946-1950104
estudo sobre a depressão, l esultados "naturalistas" 177-178
estudos sobre a esquizofrcnia ll 1-113
estudos sobre a Ritalina 232-235
estudo STEP-BD 25 1
liipótesc da dopamina 88, 90
ocultação de provas 314-319
pacientesdeprimidos e resultado provável 173-174
ProgramaGolaboiativo sobre a I'sicobiologia da Depressão 172, 178
Prognttna de Conscieittização, lieconhccimento c Tratamento da Depressão
(DART) 286, 297, 324
Prcjcto Soteria c 278,285,311
silenciamentoda dissidência3 11-314
tendeilciosaincnte favorável à teriLpia medicíuncntosa 78, 279, 285
teoria (ltl deprcssãopor reducaçãodlt scrotoiiina 86
teoria da depressão por rcdução da serotoninil H7
tcorizt clo dcscqtiilíbrio químico 76-77
traltstorno bipolar, índices dc 190
tr:uistort)o l)ipolar ui. esquizofrc:niae estudoda função cognitiva 2oo
lilstituto Nacionalde Saúde(NIH) 3 ]3
Instituto Nacional Pró-Saúde c Excelência Clínica, Grã-Bretanha 166, 35 1
ipi'otiiazida (i8-69, 74, 76, R4, 1)6, 164, 191
ISltS 310

J
Jackst)n, Gntcc 3(i2
Jamist)n, Kay 4(;
Jíiiisscn,companhiafat'inacõtttica 130,1{0(i-308,
326,3ii2
Jt'nner, Alce 137

413
ANA'I'OÀIH DE UÀm EI,IDENIIA

Jensen, Peter 234, 317


Jones, Barry 116-119, 129, 187
Judd, Lewis 172, 192, 198, 286, 298

K
Kefauver Estes 71
Kendler Kenneth 91
Kennccly,Edward 141,275
Kessler Ronald 226
Kim,Julie 357
Klein, Rachel 222
Klerman, Geram 271, 277, 303, 306, 311
Kline,Nathan 63,68,79,163
Klonopin(clonazepam) 47, 151-155,221,322
Kraepelin, Emir 102-103, 161-162, 179, 186, 189, 196, 200, 202, 204, 208
Kramer Peter 301-302
Kuhar, Michael 283
Kuhn, Roland 79
Kurtti, Mia 349
L
Lader, Malcolm 143-145, 148, 157, 378, 379
Lamictal(lamotrigina) 154, 330
Lappen,Steve 32-33,207
Laughren, Thomas 238
LeFever Gretchen 314
Lei Nacional de Saúde Mental 61
Leonhard, Kart 189
Levin, Cathy 35, 39-40,130
Lexapro (escitalopram) 154, 331
Librium (clordiazepóxido) 67, 75, 139, 140, 144, 147, 155
Z,ís/e/?zzg/a Prozac [Ouvindo o Piozac] (Kramcr) 302
lítio 36, 38, 43-44, 51, 154, 186, 193-]96, 199-201, 203, 207-208, 210, 215, 221
lobotomia 59-60,65, 96, 288
Loid, Nancy 294
Luvox (fluvoxamina) 246, 256
M
Â4ad ílz Á?lzerica [Loucos nos Estados Unidos] (Whitaker) 15, 35, 3 16
.14agif .Bzz//e/s [Pílulas mágicas] (Sutherland) 57
.4/a/zíc.Depxrisíz,e
l!//zeii [Doença maníaco-dcpressiva] (Winokur) 189
/a/tic-.DePr?iilue ////zesi [Doença Maníaco-Depressiva: transtorno bipolar e

414
Índice

depressão
recorrente](Goodwin)186,330
Man ual Diagl\estico eEstatbtico dosDistúrbios hlft\tais \Diagttosticnltd Statisticnl
.Wa/l!/a/q/'.ve///a/.Dísorürx(Z)S714)]
28
ll (DSzWID 277
lll (DSM-J74 227-228,277-279,3o3
111Revisto(Z)S/V..l:r7Reu.) 228
lv (/)SM-/q 324
Marraof Vfd cílze,TZe[A marcha da medicina] (programa dc entrevistas na
televisão) 71, 72
Marks, lsaac 303,305
Nlaisilid (iproiliazida) 68, 96
blcCulloch,Andrcw 351,354
N.{cGlashan, Thomíts 111, 112, 115, 124-125
NlcWade, Mathew 263
111cdicinada "pílula mágica" 55-58, 63, 66, 69-75, 79, 91, 96, 165, 217, 271
mefenesina (i6-67
Mcildels,Joseph H5,90
&4e/lfa/Hea/f#[Saúdc mcntal] (Satcher) 21, 27, 91
NlcntalMTA Studv,EstudoMTA 317
mcprobamato. Calziz///eNI iltown
Mcrck 57. 70. 75
N.liltowil (mcl)robaiilato) 67, 73-74, 79, 96, 137, 139-140, 156
MindFrccdomIntcrnational 339-341,364-365
N,[odrow,John 341
Moniz, Egos 65
Montigny, Clatide dc ç)3
Monde i/zg [Oscilação dc hunlor] (Fieve) 193
Nloshcr, Lorcn 113-114, 118, 129, 219, 273, 278-279, 2R5, 311-1312,339, 362-363
inovimcnto de "rccul)oração dos paios" 42
M-Powcr 37, 159,223
Mutante, Susan 363
Mycrs, Faith 362
Myei's u.fInstituto de Psiquiatria do Alttsclt 362

N
NAXll. Ca/zil///eAliança Nacional Contnl a Doença h'lcntal; Aliança Nacional
paul os Doentes Mentais
Ni\sh,Johil 213
Ncmcroff. Charles 330
ncllrolépticos 75, 77-78, H8-91, ç)4, 105-106, 108-109, 111, 115-119, 130, 149, 169,
179. 194
ultipsicóticos atípicos 32-37, 130, 252, 3n2, 308-3 10, 326-327, 332
bloqueiode rcccptorcsD2 8H-89,94, 123,125

415
AN,VI'ONÍIA DI.:UMA EPII)I;NÍI/\

como alteram o curso da esquizofrenia 110-114


como indutoics dc psicose 78, 94, 110-113, 118-125,130, 257-258
como pílula mágica 75
connlaça da sociedade 165
defesa dos 106-111, 118
efeitos colaterais 31, 37-38, 40-41, 47, 110, 115-116, 118-119, 123-125, 132,
201, 220-221
ensaiosdo NIMH 106-111, 129
estudos com imagens dc ressonância magnética 122
estudos dc casos 39, 40-42, 130-135, 222-224
gastos anuais dos norte-americanos 21
impopularidade entre os pacientcs 275
inquérito parlamcntai' do senador Birch Bayh 275
lesãocerebrale 115, 117-118, 122-126,202
ocultação cle provas 314-315
paradigma pai'a cntcndcr 95
psicosepor hipersensibilidade116-119
resultados a longo prazo 47, 101, 110-130, 169, 365, 367
revisão das cviclências 128-130
usados em crianças 251, 325-326. Ca/zizz/fe
fíz//íóémThorazine; Zyprexa
vendas c usu dus 328
Neurontin(gabapentina) 154,210
NIMH. Ca7zizz//e
/a/?zóém
Instituto Nacionalde SaúdeMental
norcpinefrina 76-77,82,85,R7
Norton,John 285

0
Oatcs, Gwen 264
Oates,Sean 49, 264
O'Neal,John 226
Organização Nlundial cla Saúde (OMS)
ensaios do Paxil 166
estudos sobre a dcprcssão 175-176
estudos sobre a es(luizofrenia 120-121, 129, 314, 316-317
Orr Louis M. 55
O>!fovdTextbookoÚCLitlical Ps#choPharlllacoLogy
aitd Drug TheraPy \M.axÀwa\de
psicofarmacologia e terapia mediczunentosade Oxford] 23 1

P
Papolos, Dcnlitri 241, 244, 247, 250-25 1
Pai'cntsof Bipolar Clhildren [Pais de ClriançasBipolarcs] 247
Pasnau, Robcrt 306

416
Índice

Pttxil 160, 166, 322, 325, 330-331


usado cn] crianças 331
Pede, Reger 280
Pilham, Williatn 236
Pfizcr 57, 72, 183,187
Platt, Arthur 275
Post,Robcrt 88, 186,198
promctazina 64
Prozaf.Bac#/asÀ
[0 cfeito bumcrz\ngue do Pi'ozac] (G]enmu]]en) 91, 313
Prozac(fluoxetina) 22-23, 25, 87, 91-94, 181, 246, 248, 292-299
açõesjlidiciais contra o 299-300
a história contada en] publicações médicas 295-296
campanha da Eli Lilly p:uit salvai o 299-301
cifra\s de vendas 297, 329
como modelo de desenvolvimento de fármacos 307. 309
criançasmcdicadascom 49, 237,246,325
efeitos colaterais 237-238, 293-297, 299-300, 327
cnsttios de drogas 165-166, 238, 293-295
fraude c 292
históriacontadaao público 297-299,364
?/lr77#e/
ng do 289, 301
silcnciamcntoda dissidência313
usei/doscír/rce n Z?io/agirá/ -l?Praia/p [Pse uclociêt ida na psiquiatria biológica] (Ross)
87
psicofarilli.teologia 22, 55, 2 15-224
Analogia com a "bclajovc'm/bruxa valha" 216, 367
conlcrcialização do Xanax 302-306
desenvolvimento do modelo do tratamento medicamentoso 63-80
expectativas da terapia mcdicílmcntosa 78
experimento idcativu 217
incapacitação relacionada com a medicação 205
incentivos Glnanceiros 321-335
//zrzfÉe/ /zg do Prozac 295-302
medicina (ta "pílula mágica" 73-75,90, 96-97, 196
paradigma para a compreensão das drogas psicotrópicas 96 97, 217
promoção de vcndas de mcdicaliicntos pala crianças 226
psiquiatras lucrailclocaiu os iilcdicamc'ntos 72, 302, 309
psiquiatria biológica e 271-289
st'guntnça dos ÍLgentcs ;l longo piano 79, 220-224
vendasdt: fármacoscm 1967 78
l)micose
por hipcrst'nsibilida(lc 116-119, 187
psicotcnlpia 114
l)siquiatria 22, 28, 38, 138,274

417
An,\rONíiA 1)1:UÀÍ/\ Epii)i=Nii/\

académicos pagos por companhias farmacêuticas 283-287, 296, 329,


330-334
alianças com companhias farmzLcêuticas 106, 283-289, 291-297, 300-309, 3 11
329-333
categorias dc transtornos 139
charlatãese 292,303
crianças, diagnóstico de transtornos mentais em 28-29, 225-227
críticosdesacreditados287-289,299-302,311-313
depressão antes da terapia medicamentosa 161-163
expansão das fronteiras diagnósticas 2 19, 250
história do tratamento 21-22,58-61
história falsa contada\ pela 364-365
incentivos financeiros à terapia medicamentosa 321-335
"líderes fornladorcs de opinião" 329-334
r/zarÉe/{/z:g
da terapia medicamentosa291-319
medicinada "pílula mágica" e 271-272,275
movimentodtt antipsiquiatria 272-273,311
ocultação de provas 314-319
paradigma dc tratamento baseadoem drogas 21-22, 73, 188,272-282
psiquiatras sociais 272-273
psiquiatria biológica 77, 271-289, 3 10
rcformulação da imagem da 323-328
renda média dos psiquiatras nos anos 1970 273
revolução psicofai'macológica 22, 63-80, 91, 27 1, 275, 367
tei'apias "altel'nativas" 273
PsychRights 361-362
Putnam, Robcrt 218

R
Rãkkólãincn,Vilão 344-346,398
Rappaport,Maurice 112-113,118, 129,219
J?ec;aE/zld/zg
/Ae-DeP?esses
Pn/ie/zf[Rcconheccndoo pacientecleprimido] (Ayd) 162
Renda Clomplementar da Previdêiicia]Supplemental Security Income(SSI)]
ou Seguro da Previdência Social por Invalidez [Social Sccurity Disability
Instirance (SSDI)] 24, 37
"armadilhatiosdireitosinclividuttis"218
custos dos 27
depressão159,219, 220
número de pensionistas por doença mental 21, 25, 220, 249, 253-254, 364
ti'aiistonlo l)apolar 152,206, 209,263
transtornos da ansiedade 25, 150, 156,219
rezei'pino 76-77,85
Rhâne-Poulenc63-64,66, 72

418
Índice

risco de suicídio 43, 238, 251, 293-294, 300-301, 312-313, 322


Risperdal(risperidona) 35-38, 50-51, 123, 130, 210, 223, 263, 265-266, 308-309,
332-333
comercialização do 307-308
efeitoscolaterais 36-37,123,130,308
ensaios tendenciosos de drogas 307
Ritalina (metilfenidato) 90, 228-233, 236-237, 242-244, 250, 259, 263
comocausado transtornobipolarjuvenil 242-246,248-250
estudos de casos 49-51, 259-260
ocultação de provas 315,317
riscos/efeitos colaterais 228, 232-233, 236-237, 243-244, 259
silenciamentoda dissidência313
Robinowitz,Garolyn 23, 29, 183
Roscnbaum,Jcirold 300,311,314
Ross, Colin 87
Rubin, Harvey 280

Sabshin, Nlelvin 272-273, 276-277, 2H0-281, 284


Saio, Tapio 348
Sanccs,Melissa 159-160,181
Satcher, David 21-22, 27, 91, 253
Schildkraut,Joscph 82,84-85,90
Schuyler,l)ean 163 164, 297
Scott, Keith 360
Seeman,Philip 88-89,118, 123
Scikklila,Jaakko 346-348,350,367
Sei'oquel[quetiapina] 42, 154,210,309
serotonina 76-77,82,85
depressão e 82, 84-87, 296
inibidoresde "rccaptação"da 76, 86-87,92-94
Serzone [ncfazodona] 166
Sexton, Scott 223
Shader Richard 139
Shame of the Status, Thc [A vergonha dos Estados Unidos] (j ()
Shorter Eduard 22
Silver, Ann 130
Silverman, Charlotte 162
Simon,John 334
síndrome do pânico 302
Smith,Jasoi] 50, 51, 264
Snlith, Kelley 50, 51, 264
SnlithKline andFrench72,74

+19
ANA'I ONII/\ DE UMA EPIDI;IVIIA

SnyderSolomon 88, 119


Sociedaclc
Britânica de Psicofarmacologia3 12
SociedadeNorte-Americana de Psiquiatria [American Psychiatric Association
(APA.)] 171-174,178,272
alianças com empresas farmacêuticas 183-184, 280, 283-287, 291-295, 306
aprovação dolítio e a 194
categorias diagnósticas e crescimento do mercado 171-172, 178,324
comercialização de antidepressivos 297-299
guia prático soba'ea dcpressão 191
/oóóp no Congresso 283
Manual deNetLíopsiquiatTia 'Z'Zq
zt/a/z zza/ de PsícQÉarmízco/ogí(z 94, 330
.L/a/zz/a/ de Psígzzia/drz 17 1, 234, 3 18
modelomédico(biológico) 276-281,283,310
i'eunião anual 22, 29, 125-128, 183-188
deduzindo meios de comunicação 281
silenciamentoda dissidência3 11-314
Hra/.z/??e/z/a
& 7}a?zifamas PT gzziá/dcoi (Pede) 2H0
Solomon, Hai'ry l ll
Soteria, Clama/Projeto 113-114, 273, 278-279, 285, 3 11, 362-363
Spitzer Robert 27(i
Squibb 57
SSI ou SSDI. Ca/zizz//e
Renda Complementam'da Previdência
Stahl,Stcphcn 142,202
Stanton,Tony 355-356,359-360
Stevens, Andrew 258
Stip, Emmanuel 101,109,128
Stotland, Nada Logan 183
Stowe, Zachary 330
Strober, Michael 242
Suavitil(bcnactizina) 75
Sutherland, Louis 57
Szasz,Thomas 272,274, 276,288
T
TDAH. Co/rizr//e
/anzZ,ér?z
transtorno do déhcit de atenção com hipcratividade
Tegretol (carbamazepina) 36
teoria clodesequilíbrio químico 28, 36, 51, 76-97,271
rrpllrn dn qnripHnHp cln-ql
marketing da terapia medicamentosa c 299, 327
refutada 89-91,364
terapia eletroconvulsiva. Calzizz/fe cletroconvulsotcrapia
T»epipo/ar Cái/d [A criança bipolar] 241

+20
Índice

Thol'azine
aumento nosdoentes mentais incapacitados 130
Thorazinc (clorpronlazina) 22, 65, 72-75,77-78,94, 96, 102-106,108, 115-116,
129-130, 194, 210, 2]5-216, 218-219, 226, 260, 273-274
desenvolvimento do tratamento 65-66
cfeitos colaterais 65, 77, 115, 1 18
ei\saios do NllvIH 75, 108-10g
mcdicinada "pílula trágica" 72-73,216
psicosepor hiperscilsibilidadc 115-118
Tocados pelo Fogo (Jamison) 46
Tohcn, Mauricio 199-201
cone, Andrea 142
tntnstorno bipolar 32, 183-213
acadênlicos pagos por empresas farmacêuticas 330
agentesansiolíticose 152,154
Aliança de Apoio a Depressivose Bipolares (DBSA) c 31
alterações cíclicas urra, ultrarrápidas 251
antidepressivos 186-188, 191-192
ciclos rápidos 186, 197, 208, 244-246, 25 1
comouma epidemia 190, 191,243
coquetéis dc medicamentos 200-202, 209-21 1
efeitos colaterais dos remédios 32, 44, 192, 199-201
estudo a longo prazo dc Harrow 203-205
estudos dc casos 35-38, 44-48, 206-2 13, 255-267
etiologia desconhecida 282
frontcinls diagiiósticase 250,325
invalidez 24, 26 27, 34, 189-190, 198, 205-206, 220
lítio e 186, 193-196, 199-200, 208, 210
r?irzrÉefí/zgdo 324
número de casos 189, 192, 203, 205, 220
ocultzLção
de provits 314-319
Patty Dukc c 185
resultados a longo prztzo, com ineclicilçãoui sciil medicação 188-190, 196-205
transtorno bipolar 43
transtorito bipolarjuveilil 28, 50-51, 184, 226, 240-253, 262-263, 326, 332, 364
trataiiieilto iiicdicamcntoso c piora do 188, 194-197
tnutstorno do déhcit de atençãocom hipcrativid;tdc: (TDAH) 28, 225-237,
333
estudos dc casos 258-260, 2(55-267
etiologia dcscoiihccida 229
ocultação dc provas 316
progrc:suão do TI)AH paul o transtorno bipolar 245-246
silcnciamcnto da dissidência 3 14.Co/?.fzl/&e
/a/?zóém
Ritttlina

421
ANATOhIIA DE UNHAEPIDICNÍ[A

teoria da baixa de dopamina 90, 230


terapia medicamentosa 49-5 1, 229, 244-246
transtorno bipolar e 326
tiicíclicos. Co/zizz//e
antidcpiessivos

U
[/mEi/ra/zÁo
/ioÀq?z/!o
(fi]me)272,275
Upham,Amy 215,221
UÚohn
comercialização do Xanax 303-306
Estudo Colaborativo Transnacionalsobreo Pânico 303
parceriacom a APA 324
psiquiatras pagospela 303,306
V
Valenstein,Elliot 76, 91
Valium (diazcpam) 137, 141-144, 147-148, 155, 160, 299, 310
Van Rossum,Jacques 78, 84, 88
Vierling-Cllaassen,
Dorna 45, 206
Viguet'a, Apele 109

W
Wagner Karen 331
WallaceLaboratories 67, 74
Wayne, Kim 354
Weinberg,Jack 277
Weinstein, Haskel1 72
Wellbutrin(bupropiona) 154, 330
Whipple, Eclwin Percy 367
Winokur George 163,189-190,194, 199
X
Xanax (alpi'azolam) 142,222,302-306,309-310
comercialização do 302-306,309
Z
Zajccka,John 306,309
Zarate, Carlos 199,318
Zoloft (scrtralina) 160, 167, 181, 256-257, 352, 353
Zubin,Joseph 107,109,179

422
Índice

Zyprcxa(olaiizapina) 32, 45-47, 123, 210, 217, 223-224, 256-257, 308-309, 322,
327, 329
alimento dc peso 47, 224, 256-257, 308
comercialização 3(1ç)

cxl)eiimcnto idcativo 217

+23
Formato:16x 23 cm
Tipologia: Baskervillc2 BT
Papcl: Pólen Soft 70g/m2 (miolo) c Cartão Supremo 250g/m2 (cap21)
CTlt impressão e acal)amcnto: Imãs Gráfica c Editora Lida.
Rio cicJanciro,novembroclc 2017

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