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pétreas
Sumário
1. Introdução. 2. Rigidez e evolução
constitucional. 3. As cláusulas pétreas na
Constituição brasileira de 1988. 4. Acerca da
(in)tangibilidade das cláusulas pétreas. 5.
Conclusão.
1. Introdução
As transformações constitucionais são
necessárias para acomodar a Constituição
às mudanças ocorridas na sociedade. Al-
gumas vezes, entretanto, elas encontram
obstáculos em limites materiais estabeleci-
dos pelo poder constituinte, as chamadas
cláusulas pétreas. As cláusulas pétreas são
consideradas classicamente como obstácu-
los intransponíveis em uma reforma consti-
tucional, que só podem ser superados com
o rompimento da ordem constitucional vi-
gente, mediante a elaboração de uma nova
Constituição.
Embora as cláusulas pétreas tenham
sido concebidas para garantir, de forma ain-
da mais agravada, o ordenamento constitu-
cional e a sua necessária estabilidade, o en-
gessamento que elas proporcionam muitas
vezes não atende às novas demandas da
sociedade. Para que a Constituição de 1988
Adriano Sant’Ana Pedra é Doutorando em alcance a longevidade que dela se espera,
Direito Constitucional (PUC/SP), Mestre em
não se pode deixar que o hiato existente en-
Direitos e Garantias Constitucionais Funda-
mentais (FDV), Coordenador e Professor do tre a Constituição e a sociedade exija a ela-
Curso de Pós-Graduação em Direito Público boração de um novo texto constitucional,
da FDV, Professor da Escola da Magistratura evitando-se assim os desgastes e os riscos
do Espírito Santo (EMES), Procurador Federal. inerentes à substituição do ordenamento
Brasília a. 43 n. 172 out./dez. 2006 135
jurídico. Justifica-se assim o aprofundamen- vidade que as tem de marcar. Mais do
to dos estudos sobre a possibilidade de rea- que modificáveis, as constituições são
lizar certas transformações constitucionais, modificadas. Ou, doutro prisma (na
apesar dos lindes impostos pelas cláusulas senda de certa doutrina): nenhuma
pétreas, quando tais mudanças forem ne- Constituição se esgota num momento
cessárias para acompanhar a evolução da único – o da sua criação; enquanto
sociedade brasileira. dura, qualquer Constituição resolve-
se num processo – o da sua aplicação
2. Rigidez e evolução constitucional – no qual intervêm todas as participan-
tes na vida constitucional” (MIRAN-
Um dos instrumentos para se alcançar a DA, 1996, p. 129-130; 2002, p. 389).
necessária estabilidade da Constituição é a As normas constitucionais não podem
rigidez constitucional, que está relaciona- ser consideradas perfeitas e acabadas, es-
da com as limitações do poder reformador, tando constantemente em uma situação de
e que se revela um importante instrumento mútua interação e dependência. Como diz
da limitação jurídica do poder. Uma Cons- Karl Loewenstein (1976), a Constituição é
tituição rígida prevê um procedimento difi- um organismo vivo. Cada Constituição in-
cultado, em relação ao procedimento pre- tegra tão-somente o status quo existente no
visto para as leis infraconstitucionais, para momento de seu nascimento, não podendo
a adição, supressão ou alteração de suas prever o futuro.
normas. “Cada constitución es un organis-
Mas a Constituição deve estar em har- mo vivo, siempre en movimiento como
monia com a realidade, e deve manter-se la vida misma, y está sometido a la
aberta e dinâmica através dos tempos. Isso dinámica de la realidad que jamás
porque uma Constituição não é feita em um puede ser captada a través de fórmu-
momento determinado, mas se realiza e efe- las fijas. Una constitución no es ja-
tiva-se constantemente. As mudanças cons- más idéntica consigo misma, y está
titucionais são necessárias como meio de sometida constantemente al panta
preservação e conservação da própria Cons- rhei heraclitiano de todo o viviente”
tituição, visando ao seu aperfeiçoamento, (LOEWENSTEIN, 1976, p. 164).
buscando, em um processo dialético, alcan- Assim, quando a Constituição é redigi-
çar a harmonia com a sociedade. Se a socie- da inteligentemente, pode tentar levar em
dade evolui, também o Estado deve evoluir1. consideração, desde o princípio, necessida-
“Se as Constituições na sua gran- des futuras por meio de mecanismos cuida-
de maioria se pretendem definitivas dosamente colocados. Entretanto, uma for-
no sentido de voltadas para o futuro, mulação demasiadamente elástica poderia
sem duração prefixada, nenhuma prejudicar a segurança jurídica. A rigidez
Constituição que vigore por um perí- da Constituição importa em ser estabeleci-
odo mais ou menos longo deixa de do um procedimento mais difícil para que
sofrer modificações – para se adaptar ela seja modificada, a fim de que a Consti-
às circunstâncias e a novos tempos ou tuição não fique à mercê de modificações
para acorrer a exigências de solução temerárias que visem a sua aniquilação ou
de problemas que podem nascer até até mesmo a substituição por outra.
da sua própria aplicação. A modifi- No que concerne às cláusulas pétreas, é
cação das Constituições é um fenóme- sabido que estas são concebidas para ga-
no inelutável da vida jurídica, impos- rantir o ordenamento constitucional e a sua
ta pela tensão com a realidade consti- necessária estabilidade, de forma ainda mais
tucional e pela necessidade de efecti- agravada. Entretanto, quando essas limita-