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ASPECTOS EXTRATIVISTAS E MERCADOLÓGICOS DA CADEIA PRODUTIVA

DO AÇAÍ-SOLTEIRO (Euterpe precatoria Mart.) EM RIO BRANCO, ACRE.1


Evandro José Linhares Ferreira*1; Roseli Ferreira da Silva*2; Rosângela de Araújo Pereira de
*3
Holanda e Souza
1
Pesquisador do Núcleo de Pesquisas no Acre do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-
2 3
INPA; Escola da Floresta Roberval Cardoso, Rio Branco-Acre; Curadora do Herbário do Parque
Zoobotânico da Universidade Federal do Acre-UFAC. E-mail: evandro@inpa.gov.br

RESUMO
Foi realizado um estudo sobre o processo extrativista de coleta de frutos e a cadeia de
comercialização e beneficiamento dos frutos de açaí na região de Rio Branco-Acre e áreas
adjacentes. O açaí é uma palmeira nativa cujos frutos são despolpados para o preparo de um suco,
conhecido localmente como ‘vinho de açaí’, ou para a produção de polpa congelada comercializada
localmente e extra-regionalmente. Os resultados do estudo indicam que a cadeia produtiva da
espécie está consolidada e o mercado local e extra-regional está em franca expansão, favorecendo a
intensificação do extrativismo dos frutos. A Entretanto, a extração dos frutos frutos aparenta ser
predatória porque é feita sem a observação de práticas de manejo sustentáveis e qualquer tipo de
controle legal por parte dos órgãos fiscalizadores.

Palavras-chave – Açaí, extrativismo, cadeia produtiva, Acre.

1. INTRODUÇÃO
O açaí-solteiro (Euterpe precatoria Mart.) ocorre espontaneamente na região ocidental da Amazônia
brasileira e difere da espécie nativa da Amazônia oriental, o açaí-de-touceira (Euterpe oleraceae
Mart.), pelo seu estipe solitário e porte geralmente maior (Ferreira, 2005a). É típico de florestas
primárias e ocorre tanto nas áreas de terra-firme como ao longo das margens de rios e igarapés que
ficam temporariamente inundadas durante a estação das chuvas (Ferreira, 2005b). A polpa dos seus
frutos maduros é usada para a elaboração de um suco, popularmente conhecido na região como
“vinho de açaí” (Ferreira, 2005c), uma tradição local que remonta aos princípios da ocupação do
Acre, no final do século XIX, provavelmente introduzida por migrantes da Amazônia oriental. O
processo de produção do vinho do açaí-solteiro é similar ao do açaí-de-touceira e o advento de meios
mecânicos para a sua produção a partir de meados dos anos 80 melhorou consideravelmente a
qualidade do vinho comercializado no mercado de Rio Branco, capital do estado do Acre. A
mecanização também aumentou consideravelmente a oferta do produto, causando o incremento da
exploração dos frutos na floresta e a abertura de numerosos estabelecimentos beneficiadores na
zona urbana. Problemas relacionados com a higiene no preparo do vinho levaram a vigilância
sanitária local a proibir a comercialização do produto in natura em Rio Branco a partir de 2006. Este
fato não teve efeito negativo na comercialização do produto, que tem se mantido elevada em razão
do aumento da demanda local e da popularização do produto em outras regiões do país, para onde
tem sido vendido na forma congelada (Clement et al., 2005)
A existência de um mercado consumidor em franca expansão contribuiu para que o açaí-solteiro se
tornasse objeto de pesquisas visando a sua introdução em sistemas agroflorestais (Lunz e Franke,
1997) e o manejo para a extração dos frutos em populações naturais (Rocha e Viana, 2004; Rocha,
2004). Nesse contexto, a realização da presente pesquisa levou em consideração a efetiva
transformação do açaí em um produto de importância econômica regional, com uma cadeia produtiva
que envolve numerosos atores e elevado volume de recursos financeiros. Outros fatores que
apontam a necessidade da realização de estudos sobre a exploração e comercialização da espécie
são o grande potencial de exportação da polpa congelada para mercados extra-regionais e a
necessidade de se definir parâmetros técnicos para orientar o financiamento da cadeia produtiva,
hoje não disponível.
A pesquisa aqui apresentada objetivou o estudo da cadeia produtiva do açaí na região de Rio Branco,
capital do Estado do Acre, e municípios adjacentes. Durante a sua realização foram abordados os
principais aspectos do sistema de extração de frutos na floresta, transporte e comercialização dos
frutos no mercado urbano e o sistema de beneficiamento dos frutos para a elaboração e
comercialização do vinho e polpa congelada de açaí.

1
Trabalho realizado com apoio financeiro do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA
2. METODOLOGIA
Os dados sobre a extração, armazenamento, transporte e comercialização dos frutos foram coletados
em duas áreas florestais pertencentes a extratores de açaí dos municípios de Porto Acre e Plácido de
Castro, distantes 25 e 75 km, respectivamente, da cidade de Rio Branco (10º02’11”S; 67º47’43”W).
As informações foram obtidas mediante a aplicação de formulários e o acompanhamento das
atividades de extração e transporte dos frutos no campo. Os dados sobre o beneficiamento dos frutos
e comercialização do vinho foram coletados junto a 25 estabelecimentos localizados no perímetro
urbano da cidade de Rio Branco. Foram aplicados formulários para a realização de entrevistas semi
estruturadas e o acompanhamento in loco das atividades relacionadas.

3. RESULTADOS E REFLEXÃO

3.1. Extração e transporte dos frutos no campo


A extração é manual e requer a subida nas palmeiras para a retirada dos cachos. Isso geralmente é
feito de forma precária e sem segurança, usando a ‘peconha’, que consiste em fibras extraídas de
árvores do local enroladas nos pés dos extrativistas. O corte dos cachos é feito com o auxílio de um
facão. A extração dos frutos depende da venda antecipada dos mesmos pois sem isso, existem
riscos financeiros (custo da extração e do frete) e a possibilidade de perda dos frutos extraídos caso a
venda demore alguns dias para se concretizar. Um extrator, trabalhando em açaizal denso, é capaz
de extrair cerca de 223 kg de frutos/dia se as palmeiras exploradas forem de médio porte, com estipe
reto, e apresentarem uma média de 2 cachos com aproximadamente 7,8 kg cada. Em geral, em cada
planta explorada leva-se 20 minutos para subir, cortar e descer da palmeira com os cachos, e
realização a separação dos frutos que serão transportados. A separação dos frutos geralmente é feita
em cima de uma lona plástica para diminuir as perdas, mas mesmo assim até 6,57% dos frutos são
extraviados. Os frutos selecionados são acondicionados em sacos de fibra com capacidade de 60 kg
e transportados a pé ou em animais para a residência do extrator. A intensificação da extração de
frutos é possível, segundo a informação dos extrativistas, desde que haja demanda. Segundo estes
informantes, existem milhares de palmeiras em áreas de acesso relativamente fácil, que nunca foram
exploradas. Além disso, não existe, aparentemente, impedimento legal à expansão da atividade pois
hoje ela é realizada sem a necessidade de plano de manejo ou de licenças juntos aos órgãos de
fiscalização de âmbito federal e estadual.

3.2. Armazenamento dos frutos


Os frutos recém colhidos devem ser protegido do sol e da chuva e podem ser armazenados por no
máximo 3-4 dias, dependendo da temperatura ambiente. Depois disso os frutos maduros passam do
ponto ideal de beneficiamento, geralmente ressecando e se tornando inadequados para o
despolpamento mecanizado. Por esta razão, a colheita e o transporte dos frutos geralmente é feita no
mesmo dia.

3.3. Transporte dos frutos para a cidade


Geralmente os frutos são embalados em sacos de fibras plástica de malha adensada, sendo, por
isso, submetidos a condições desfavoráveis de temperatura e ventilação. Uma embalagem
alternativa, com malhas mais espaçadas, originalmente utilizadas para o transporte de cebolas, está
se popularizando, apesar da menor capacidade (25 kg) e baixa resistência. O valor pago pelo frete
varia entre R$ 1,00 e R$ 2,00 por cada saco de 60 kg, em ônibus ou caminhonete. Foi verificado que
os frutos vendidos no mercado de Rio Branco são procedentes de localidades até 100 km de
distância. Distâncias maiores aumentam o risco da perda dos frutos em função da precariedade das
estradas de acesso e da escassa disponibilidade de meios de transporte confiáveis.

3.4. Comercialização dos frutos


Os frutos são vendidos na área rural ou trazidos para a cidade para a venda direta ao beneficiador. A
medida usada na venda dos frutos são latas com capacidade aproximada de 12 kg de frutos frescos.
Cada lata equivale a 1,9 cachos de frutos maduros. O preço pago por lata era de R$ 6,00 quando
vendidas na área rural e R$ 7,00-8,50 quando vendidas na cidade, durante a safra 2007-2008. A
quantidade de frutos vendidos semanalmente em Rio Branco foi estimada em 1.675 latas ou 335
sacos de 60 kg (20.100 kg). Considerando-se o preço médio de R$ 7,25/lata, se estima que a
comercialização de frutos gire recursos da ordem de R$ 12.143,75/semana, ou R$ 48.575,00/mês ou
R$ 582.900,00/ano.
3.5. Beneficiamento dos frutos: preparo do vinho
O despolpamento é mecânico e cada máquina tem capacidade de produzir 5-6 litros vinho a cada 5
minutos. Uma lata de frutos é despolpada em 5 a 7 minutos e rende entre 8 e 10 litros de vinho. Cada
litro de vinho equivale em média a 2,1 kg de frutos maduros. A polpa representa 35,8% do peso de
um fruto. O processo inicia-se com a lavagem dos frutos em baldes com 50 litros de capacidade. Ela
é feita para retirar o excesso de folhas, barro e outras impurezas dos frutos chegados da floresta. Em
seguida os frutos lavados e aquecidos em água (cerca de 60°C) durante 20-30 minutos para facilitar o
processo de despolpamento. Depois disso, eles são colocados na despolpadeira juntamente com
água mineral. A espessura do vinho pode ser controlada pela maior ou menor adição de água. Ao
final do processo, as sementes despolpadas são descartadas. O estudo indicou que pelo menos 394
toneladas anuais de sementes despolpadas são produzidas em Rio Branco.

3.6. Comercialização do vinho de açaí


Foi estimado que no mercado de Rio Branco são comercializados anualmente 475.072 litros de vinho.
Considerando o preço médio de R$ 3,50/l (novembro de 2008), chega-se à conclusão de que a venda
de vinho representa um giro financeiro anual equivalente a R$ 1.662.752,00. Tanto nas lojas do
mercado central quanto em supermercados, o vinho de açaí tem sido comercializados em sacos
plásticos com capacidade de 1 l. Vale ressaltar que no mercado central as embalagens não
apresentam rótulos indicando a procedência e validade do produto. Alguns beneficiadores de grande
porte realizam vendas no atacado do produto congelado para o mercado local e exportação. Nesses
casos, o produto é embalado em sacos plásticos (duplos), com capacidade de 1, 2 e 5 litros, ou em
garradas plásticas com capacidade de 1 l, todos com rótulos indicando a procedência e validade. O
produto congelado geralmente pode ser armazenado durante 6 meses.

4. RELAÇÃO DO TRABALHO COM A SUSTENTABILIDADE


A sustentabilidade da exploração extrativista do açaí está, no presente momento, diretamente
relacionada com a maior ou menor demanda de frutos por parte do mercado consumidor. Os dados
gerados pela pesquisa mostram que no momento a sustentabilidade da atividade está comprometida
em função da falta de estratégias adequadas de manejo por parte dos extrativistas, e de fiscalização
por parte das autoridades responsáveis pelo controle da atividade.

5. CONCLUSÕES E LIÇÕES APRENDIDAS

5.1. A extração é sustentável?


Da forma como é feita hoje, a extração parece ser predatória pois os extratores não obedecem a
nenhuma regra de manejo. Nos locais de coleta, todos os cachos maduros são retirados, o que
poderá afetar negativamente a reprodução da espécie e a fauna que se alimenta da mesma. A
crescente demanda por frutos tende a piorar esta situação no futuro.

5.2. Desperdício de sementes


Durante o estudo foi estimado que o beneficiamento de frutos de açaí em Rio Branco resulta em 394
toneladas anuais de sementes que, na atualidade, são descartadas em sua maior parte. O excesso
de sementes descartadas tem causado conflito com o setor responsável pela coleta de lixo pois, de
acordo com este, as sementes são resíduos industrias e como tal, devem ter tratamento diferenciado
do lixo doméstico. Uma das conseqüências desse conflito é que os beneficiadores de frutos
costumam depositar as sementes nas margens do rio Acre. É preciso, portanto, dar uma destinação
correta às mesmas e evitar este desperdício pois elas podem ser usadas para o preparo de ração,
adubo orgânico e artesanato

5.3. Faltam linhas de créditos específicas para a atividade


Foi observado que o funcionamento da cadeia produtiva do açaí acontece sem financiamento por
parte de instituições de fomento como o Banco do Brasil e o Banco da Amazônia. Uma das razões
alegadas pelas instituições financeiras para não financiar a atividade é a falta de índices técnicos
confiáveis que possam orientar o apoio financeiro.

5.4. Existe estoque de palmeiras inexploradas para suportar aumento na exploração de frutos
Embora durante o estudo não tenham sido realizados inventários específicos, a resposta dos atores
envolvidos na cadeia produtiva do açaí em Rio Branco é de que existem milhares de palmeiras a
serem exploradas, e que um aumento na demanda poderá ser suprido sem maiores problemas. O
único aumento de custo previsível é o da extração, que iria envolver excursões a áreas mais
distantes. Nos casos mais extremos, as máquinas de beneficiamento poderiam ser mobilizadas para
as proximidades dessas áreas.

5.5. A espécie tem grande potencial de ser incluída em SAFs regionais


Apesar do grande potencial de exploração das populações nativas, é importante continuar os estudos
sobre a incorporação do açaí-solteiro em sistemas agroflorestais que estão sendo implementados na
região. Esta é uma estratégia de valorizar ainda mais a espécie e uma forma de diminuir a pressão
que o extrativismo tem exercido atualmente sobre as populações naturais da espécie.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Clement, C.R.; Lleras Pérez, E.; van Leeuwen, J. O potencial das palmeiras tropicais no Brasil:
acertos e fracassos das últimas décadas. Agrociencias 9 (1-2): 67-71. 2005
Ferreira, E. J. L. Açaí solteiro. In Shanley, P & Medina, G. Frutíferas e plantas úteis na vida
amazônica. Belém: CIFOR/Imazon. 2005a. p. 171-175.
Ferreira, E. J. L. Manual das palmeiras do Acre, Brasil. 2005a. Disponível em:
http://www.nybg.org/bsci/acre/www1/manual_palmeiras.html. Acesso em: 13 Abril de 2009.
Ferreira, E. J. L. Diversidade e importância econômica das palmeiras da Amazônia Brasileira. Anais
do 56° Congresso Nacional de Botânica, Curitiba, Paraná, 2005b.
Lunz, A. M. P. e Franke, I. L. Avaliação de um modelo de sistema agroflorestal com pupunha, açaí,
cupuaçu, café e castanha do Brasil, no estado do Acre. Boletim de Pesquisa da Embrapa Acre No.
101: 1-3, out 1997.
Rocha, E. e Viana, V. M. Manejo de Euterpe precatoria Mart. (Açaí) no seringal Caquetá, acre, Brasil.
Scientia Forestales, No. 65: 59-69. 2004.
Rocha, E. Potencial ecológico para o manejo de frutos de açaizeiro (Euterpe precatoria Mart.) em
áreas extrativistas no Acre, Brasil. Acta Amazonica, 34 (2): 237-250. 2004

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