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Gênesis
1.1. Neste texto, temos uma narrativa de como Deus criou o presente universo físico –
provavelmente os “céus” que aparecem em 1.1 são os céus atmosféricos e
cósmicos, respectivamente, e não os céus espirituais ou o céu onde Deus “habita”.
Em Jó 38.4-7 Deus dá a entender que durante a formação da terra existiam seres
(anjos, filhos de Deus) que “cantavam” e “jubilavam”. Se a criação dos céus e da
terra aconteceram no mesmo “dia”, então a criação dos anjos ou foi ocultada de
Gênesis, ou de fato, houve uma outra criação, espiritual, antes da criação do
universo físico, sendo que Gênesis dedicar-se-ia à narrativa deste universo físico.

1.2. Não há indícios de que entre 1.1 e 1.2 há um intervalo onde haveria ocorrido um
juízo; a narrativa aparenta ser contínua. O estado em que a terra se encontrava sem
forma e vazia indica mais corretamente um estado onde simplesmente Deus ainda
não havia trabalhado, isto é, um estado inicial. O uso de textos como Is 45.18, em
que Deus não teria criado a terra “vazia, mas a formou para que fosse habitada”
não contraria o fato de em algum momento a terra estar sem vida, pois o objetivo
estava sendo cumprido nos seis dias. De fato, a terra foi criada objetivando-se que
fosse habitada e esse propósito estava em execução.

1.3-25. Notável o fato de os luminares, no quarto dia, terem sido criados após as ervas, no
terceiro dia. O v. 14 expressa o propósito da criação dos demais astros: para
servirem de marcação de tempo e para a formação de calendários. A contagem da
“tarde e manhã” no relato da criação parece independer de como um observador
da terra o veria, tendo em vista que ocorrem antes de haver o Sol.

1.26-31. O domínio do homem era pleno sobre as criaturas. Tanto o ser humano como as
criaturas eram vegetarianos: a cadeia alimentar tal qual acontece hoje parece
inexistir, conforme observável nos vv. 29 e 30.

2.1-3. Deus entrou no seu descanso sabático. O sábado foi feito por causa do homem; isto
é, se não houvesse homem no universo, não haveria sábado, cf. Mc 2.27. O Sábado
representa o repouso final do salvo, cf. Hb 4.3-4. Nesse repouso Deus se encontra,
embora também seja verdade que Ele nunca deixou de trabalhar, cf. Jo 5.17, pois
esse repouso é necessário e projetado para o homem. O que a instituição desse
sábado eterno significa antes de o homem ter pecado deve ser alvo de análises mais
aprofundadas. Aqui, não é definida uma lei para a guarda do sábado.

2.4-14. Resumo da criação e descrição geográfica do Jardim do Éden. Detalhe para o relato
de que não havia chovido, e um vapor subia da terra regando a vegetação. Tal vapor
é comum em ilhas recém-formadas, como por exemplo nos Açores.

2.15-17. A primeira Lei de Deus para o homem e o motivo de Deus ter colocado o homem
no Jardim do Éden: para o guardar e desfrutar dele.

2.18,21-25. A criação da mulher também aconteceu no sexto dia, conforme infere-se de 1.27.
Embora posteriormente, em 3.16, o domínio do marido sobre a mulher pareça ter
sido dado como condenação para o pecado da humanidade, o que implicaria que
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no presente contexto ela não estaria sob tal domínio, Paulo descreve um tipo de
submissão derivada da ordem da criação, cf. 1Co 11.7-9. Talvez não o “fato”, mas a
“intensidade” ou “natureza” da submissão que deva ter sido agravada após a
queda, semelhante ao agravamento da dor do parto, que já existia, porém foi
multiplicada após o pecado, cf. 3.16.

2.19-20. Os animais não faziam mal ao homem e obedeceram de bom grado ao mandado
de Deus para se apresentarem a fim de serem nomeados, cf. v. 19. A terra estava
cheia do conhecimento de Deus, da mesma forma como as águas cobrem o mar;
por isso não se fazia mal e o funcionamento da natureza era pacífico, conforme
voltará a acontecer em Is 1.9.

3.1-5. A antiga serpente é Satanás, cf Ap 12.9. A serpente convenceu Eva a comer do fruto,
baseando-se na mentira de que se ela o fizesse, não morreria, além de ser igual a
Deus. O conhecimento do bem e do mal que Deus possui não é baseado em
experiência, e esse conhecimento da humanidade também não precisava ser. O
resultado de um conhecimento do mal advindo da experiência própria não é uma
melhoria, mas uma piora para aquele que experimenta.

3.6-7. Adão prefere ouvir Eva a Deus, tendo ciência plena – mais do que Eva – do que
significavam as palavras do Criador. Observe que os olhos de ambos – Adão e Eva
– foram abertos tão-somente quando Adão, que foi quem recebeu a lei
diretamente de Deus, a infringiu. Paulo escreve que Eva foi enganada, mas Adão
não, implicando que o ato de Adão foi mais deliberado e com um teor maior de
irresponsabilidade do que o ato de Eva, cf. 1 Tm 2.14. Logo, conclui-se que Adão
desobedeceu explicitamente. A primeira consequência do pecado foi sentir
vergonha, que é um afastamento moral, tanto para com o companheiro quanto
para Deus.

3.8-14. Adão pateticamente tenta transferir sua culpa indiretamente para Deus, pois foi a
mulher, que Deus criou e deu para Adão, o suposto motivo da queda. Aqui está a
confirmação que a corrupção atingiu em cheio a moralidade humana. A mulher,
por sua vez, culpa a serpente. A serpente é a primeira a receber a maldição.

3.15. Aqui há a primeira profecia messiânica registrada na Bíblia. Essa profecia diz que a
semente da mulher - no singular, referindo-se a uma pessoa específica -imporia
uma derrota definitiva (esmagar a cabeça) à serpente, enquanto que a serpente lhe
feriria o calcanhar, o que simboliza certo prejuízo físico para a semente da mulher,
prejuízo este não definitivo. Uma característica notável dessa profecia é o fato de
que o “ferir o calcanhar” faz parte do plano para a salvação da humanidade: o
Salvador não apenas seria vitorioso, mas estaria sujeito a certas vicissitudes físicas
– não morais – e sofrimentos. Ainda assim derrotaria Satanás. Essa profecia
também dá um tom de misericórdia, implicando que Deus não desistiu do gênero
humano, mas no meio da sua justa ira ainda assim lembrou-se de sua misericórdia,
cf. Hb 3.2.

3.16. A mulher foi castigada com a multiplicação da dor de parto. O texto provavelmente
está referindo-se de fato à dor física. Observe que o multiplicar grandemente a dor
de parto implica que já haveria algum tipo de dor se a mulher concebesse antes da
queda, porém aquela dor seria bem mais suportável. Outro resultado do pecado é
a admissão de um tipo de sujeição ao homem que a mulher seria obrigada a ser.
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Notável também o fato de a esperança de Eva na vinda de um homem que


esmagaria a cabeça da serpente seria executada com sofrimento – isto é, Eva
internalizou a esperança do Prometido, o que pode-se observar nas declarações
posteriores dela quando deu à luz aos seus filhos, mas experimentou a dura
realidade de que a materialização desta esperança seria levado à cabo dentro de
um contexto de julgamento, representado pela dor.

3.17-24. Por causa da culpa de Adão, toda a natureza se corrompeu, cf. Rm 8.20,22, e a
sobrevivência do homem tornou-se uma luta, um peso e um sofrimento para ele.
A vinda do Prometido para redimir a humanidade também tirará a natureza do seu
presente estado de corrupção, cf. Rm 8.19,21. Para uma breve análise sobre esse
assunto, v. estudo “As consequências do pecado na natureza”. Adão introduziu o
pecado e sua consequência, que é a morte, cf. Rm 5.12. Ao fazer túnicas de pele
para Adão e Eva, visto que a provisão feita por eles próprios era insuficiente para
cobri-los, Deus demonstra que ainda possui um cuidado para com o homem; isso
também é demonstrado na expulsão do Jardim do Éden, evitando que o homem
vivesse eternamente em pecado, comendo da árvore da vida. Em Ap. 22.2 há
menção de outra árvore da vida, dessa vez na nova criação.

4.1-10. Relato do primeiro homicídio. Caim não sente remorso pelo assassinato do próprio
irmão, o que o torna o primeiro psicopata; enquanto Adão procurou esconder-se e
sentiu vergonha do seu pecado, Caim continua suas atividades diárias e ainda
responde de maneira estúpida a um questionamento divino. Caim também não
busca arrependimento. Eva aprendeu que, além da dor de parto, outro tipo de dor
havia em colocar num mundo corrompido novos seres humanos: o sofrimento e a
sujeição a uma morte injusta e violência. É notável o aviso de Deus para Caim,
quando este começa a sentir inveja mortal de seu irmão Abel.

4.11-12. Houve um agravamento da maldição sobre a terra direcionado a Caim. Agora, além
de produzir espinhos e cardos, que foi o resultado do pecado de Adão, a terra
também não dará sua força. Deus refere-se à contaminação da terra com sangue
inocente como motivação para a terra perder sua força produtiva, como se a
natureza se ofendesse com o pecado do homem – ou, usando as palavras de Paulo,
fosse sujeita contra a sua vontade, cf. Rm 8.19-21. No Antigo Testamento um dos
aspectos mais evidentes de que alguém é amaldiçoado consiste no fato de que ele
não possui a recompensa plena do seu trabalho, sendo os resultados insatisfatórios
– embora não nulos – ou, ainda, desfrutados por outros que não aquele que
trabalhou pelos resultados. Para mais informações sobre esse tema, v. estudo
“Bênção e maldição materiais no Antigo Testamento”. Todavia, essa maldição
específica de redução de capacidade produtiva do trabalho foi dirigida apenas a
Caim. Posteriormente, outros ímpios também experimentaram esta maldição, com
maior ou menor intensidade. Ainda assim, vemos exemplos de pessoas
abençoadas, a quem a terra retribuiu com máxima fertilidade e riqueza. Uma
repetição dessa maldição consta na Lei mosaica, como uma ameaça para o caso de
a nação de Israel desviar-se do Senhor, cf. Dt 28.17,18,23 e especialmente Dt 28.30,
“plantarás uma vinha, porém não aproveitarás o seu fruto”, entre outros exemplos
ao longo de todo o AT.

4.13-16. Deus, mesmo com Caim, demonstra misericórdia ao marcá-lo para que não fosse
morto por qualquer um – embora Caim estivesse longe de merecer qualquer tipo
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de misericórdia, e não parece ter ficado nem um pouco grato por isso. Além do
sinal, uma punição severa esperava quem o matasse. Assim como Adão habitou o
oriente do Éden, cf. 3.24, Caim moveu-se também para o oriente, cf. v. 16.

4.17-24. A listagem da descendência ímpia de Caim culmina no relato do assassino e


polígamo Lameque, que se vangloriou de ter sua impiedade maior que a do seu
antepassado. Observe que após cinco gerações, Lameque conhecia muito bem a
história de seu progenitor homicida. A geração de Caim foi uma geração ímpia. No
v. 21, Jabal foi o pai – o que significa o primeiro, o iniciador – daqueles que tocam
harpa – instrumento de corda – e flauta, instrumento de sopro. “Flauta” aqui faz
mais sentido que “órgão”, como algumas Bíblias traduzem. Mesmo a geração ímpia
de Caim conseguiu produzir instrumentos úteis e arte, embora não fossem usados
para glorificar a Deus. Não há indícios contextuais de que a música ou os
instrumentos sejam maus por si sós.

4.25-26. Eva sente uma compensação pela perda de Abel no nascimento de Sete. Observe
que Eva, desde o nascimento de Caim e Abel e, agora, de Sete, louva a Deus,
sentindo-se alcançada pela misericórdia. As palavras de Eva não são de uma pessoa
ímpia; antes, são de uma pessoa que sabe do seu pecado e reconhece a sua
fragilidade e a provisão que vem de Deus. Eva experimentou a graça, que é a dádiva
imerecida dada por Deus a ela na forma de um filho.

5.1-32. Aqui há a listagem da geração santa, isto é, dos descendentes de Sete. O texto
chega a ser um pouco monótono, pois todos nascem, vivem um determinado – e
longo – período de tempo até ter seu primeiro filho homem, depois disso vivem
mais um pouco e, enfim... quase todos, exceto um, morrem. A listagem termina
com a vida de Noé – aquele que, de acordo com seu pai, Lameque, iria dar descanso
e alívio sob a maldição adâmica da terra. Observe que o ato de invocar o nome do
Senhor começa na geração de Enos, filho de Sete. De lá até a época de Noé, a
humanidade ficou dividida entre pessoas tementes a Deus, e pessoas ímpias, uma
divisão bastante clara.

5.22-24. A narrativa é interrompida e surpreende o leitor, pois há uma ênfase ao que


aconteceu com Enoque: ele é o único da lista que não “morreu” – esta palavra não
é usada para ele. Antes, “Deus para si o tomou”. Observe que se Deus o tomou, isso
significa que ele não foi apenas transferido de um lugar para outro no mundo, mas
sim, que ele partiu da existência física e terrena de uma maneira sobrenatural, sem
experimentar a morte: e o objetivo de sua trasladação foi justamente “não ver a
morte”, cf. Hb 11.5. Inserir neste contexto uma história inexistente, de que ele era
perseguido por proclamar a palavra de Deus (E Noé, não deveria ser muito mais?)
é torcer as Escrituras para ter um significado artificial. É evidente que o escritor de
Gênesis, ao fazer este relato da trasladação de Enoque proposital e radicalmente
diferente do que ocorre com todos os outros neste contexto é suficiente para
constatar o fato transbordante que a situação de Enoque quanto à sua partida
deste mundo foi diferente daqueles que meramente morreram. Não se deveria
usar um texto genérico e global, como Hb 11.13 (“todos estes morreram na fé”),
pois a regra da boa interpretação diz tanto que a Bíblia não se contradiz, quanto
que os textos que falam de algo específico possuem mais força para aquilo que
tratam do que os textos genéricos. Usar Hb 11.13 para contrariar Hb 11.5 e Gn 5.22-
24 é cometer violência contra o significado do texto bíblico, impondo à força um
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sentido externo em vez se se extrair, sem interpretações mirabolantes e artificiais,


o significado natural que frui das Escrituras. Para um estudo sobre a trasladação de
Enoque e outros, v. estudo “Ressurreições e Trasladações no Antigo Testamento”.
Para uma discussão sobre os princípios filosóficos da interpretação de regras
genéricos versus específicos que parecem se contradizer, v. “A soberania divina
sobre regras amorais e a autovinculação ao caráter moral de Sua Pessoa”.

6.1-12. A humanidade chegou a um estado deplorável, de afastamento e rejeição a Deus.


O rumo que a humanidade tomou era de total desagrado e tristeza para Deus, por
isso, ele decide iniciar uma nova geração humana, a partir de Noé e seus três filhos.
Destaque para o triste v. 5, que diz que os pensamentos humanos eram somente
maus, e isso, de forma ininterrupta.

6.2. Não é possível afirmar que a expressão “filhos de Deus” refiram-se a “anjos”, pois
o próprio Senhor Jesus esclareceu que anjos não se reproduzem em Mt 22.30 (vide
aquele comentário para maiores explicações). Qualquer tentativa de inserir
compreensões advindas de escritos apócrifos é heresia; os pais da Igreja não
reconheceram o livro de Enoque como sendo parte do cânon inspirado, e Deus
guiou da mesma forma os reformadores protestantes do século XVI para manter
estórias do tipo excluídas. Aqui, “filhos de Deus” referem-se aos seres humanos
descendentes de sete que adoravam a Deus; e “filhas dos homens” referem-se à
descendência da Caim, que desprezavam a Deus e, na sua sociedade, vivia em
corrupção e afastamento de Deus. O gigantismo não é prova de uma raça mista
entre anjos e mulheres, pois, se a intenção dessa malfadada interpretação é dizer
que uma raça híbrida consiste de super-humanos, devemos nos lembrar que da
mesma forma a idade do ser humano naquela época ultrapassava os 500 anos,
sendo para nós também super-humana; todavia, fica claro que o motivo para tal
longevidade não era uma mistura entre homens e anjos. Ora, se a longevidade, para
nós sobre-humana, não era fruto de hibridez de raças, porque o gigantismo deveria
ser? Existem teólogos que possuem a mania feia de tentar explicar textos das
Escrituras se utilizando de literatura apócrifa. O bom teólogo evita essas estórias
de carochinha. O apóstolo Paulo adverte contra isso em 1Tm 1.3-6, onde averte aos
cristãos a não se apegarem a fábulas, pois estas não os edificavam espiritualmente,
pelo contrário, criava contendas – o que é próprio de toda mentira.

6.13-18. O objetivo de Deus foi destruir toda a criatura debaixo da terra. A amplitude as
expressões usadas por Deus (“toda a carne”, “toda a carne que há espírito de vida
debaixo dos céus”, “tudo o que há na terra”, e, notavelmente em 7.4, “desfazer
toda a substância que fiz”) implica que o dilúvio foi mundial, e não apenas local.
Implica também que todos os animais, além do homem, foram destruídos, inclusive
répteis; porém na narrativa não está incluída a destruição dos animais marinhos –
mamíferos marinhos ou peixes. A única exceção seria Noé, sua esposa, seus três
filhos e as respectivas esposas deles, cf. v. 18.

6.19-22. Noé foi orientado a tomar animais de cada espécie, para preservar a vida deles. Já
aqui Deus faz diferença entre animais puros e impuros, porém, maiores detalhes
não são revelados. Noé também deveria armazenar alimentação necessária para si
próprio e para os animais. Até o presente momento, desde a criação do homem, o
ser humano ainda não havia recebido a ordem de Deus para se alimentar de carne.
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7.1-9. Deus ordena trazer para a arca sete casais de animais puros e dois casais de animais
impuros, porém não é relatado qual o critério para a classificação de pureza dos
animais. Pode ser que este mesmo critério tenha sido manifestado na lei Mosaica,
posteriormente. Ou, pode ser que não: a classificação aqui seria diferente. Noé,
considerado justo, entra com a sua família na arca, obedecendo a ordem de Deus.

7.10-24. O dilúvio cobre toda a terra, cf. v. 19. Explicitamente esta é a narrativa de um dilúvio
a nível mundial, não apenas regional. Notável o v. 16, que menciona que Deus
fechou arca por dentro, embora algumas traduções prefiram a expressão “por
fora”. O v. 11 narra que além da chuva propriamente dita, boa parte das águas
vieram dos abismos profundos, ou seja, do interior da Terra, e foi expelida com
muita pressão. Interessante que primeiro é mencionado que as fontes do abismo
se romperam, para só aí, em segundo lugar, se fazer menção às “janelas dos céus”.
Ainda, em 8.2, também é descrito que, após o vento que Deus enviou sobre a terra,
primeiro foram as águas que vinham do interior da Terra, i.e., do “abismo”, que
cessaram de jogar; após isso o escritor menciona que a chuva se deteve.

8.1-19. O fim do dilúvio ocorreu paulatinamente a partir do momento em que é declarado


que Deus “lembrou-se” – obviamente um antropopatismo – de Noé. Começou com
o cessar do jorrar das águas interiores e do chover sobre a Terra (cf. 7.11; ver
comentário). Há um relato das tentativas de Noé em saber, por meio de um corvo
e de uma pomba, qual era a situação do mundo externo. O leitor percebe que há
certa cautela em sair da Arca, e Deus não o ordena que assim o faça mesmo quando
a terra já está enxuta no primeiro dia do primeiro mês (nos vv. 13) tendo Noé que
esperar mais 26 dias. Não fica claro o motivo disso, porém fica claro que essa espera
a mais é proposital.

8.20-22. Pela primeira vez nas Escrituras é mencionado um holocausto, isto é, um sacrifício
totalmente queimado. Esse holocausto é de agradecimento, ou seja, não é para o
perdão dos pecados. Embora seja esta a primeira vez que um sacrifício deste tipo é
mencionado, não podemos afirmar com certeza se houve algum holocausto
anterior, porém, em 4.4 é dito que Abel ofereceu a Deus do primogênito de suas
ovelhas, muitíssimo provavelmente significando algum tipo de sacrifício. Há
similaridades entre a oferta de Abel e a Oferta de Noé, sendo que nesta narrativa
de Noé há maiores detalhes: em Abel, Deus agradou-se. Aqui, Deus agradou-se,
sentindo o cheiro da oferta queimada. Abel, para oferecer gorduras ao Senhor,
provavelmente utilizou-se de fogo; ou seja, ainda que Abel não tenha oferecido um
holocausto, no mínimo é bastante factível que ao menos as partes mais preciosas
de sua oferta – a gordura, por exemplo – fosse queimada no fogo. Todavia, também
é possível que Abel tenha oferecido um holocausto, mas não podemos afirmar isto
uma vez que um holocausto não é citado no caso de Abel – sendo que poderia ter
sido citado se de fato ocorreu, como é aqui no v. 8.20. O Senhor, sentindo o cheiro
agradável do holocausto de Noé, cheiro este muito mais devido ao caráter e à
sinceridade de Noé alegrou-se e decidiu não mais amaldiçoar toda a terra por causa
do homem.

9.1-7. Deus abençoa a Noé com a mesma bênção dada no começo da criação aos animais
e ao homem, cf. 1.22,28; é uma bênção que ao mesmo tempo é um mandado:
multiplicar e popular a Terra. É um desejo de Deus que todos os lugares do planeta
tenham homens e mulheres: o mundo foi feito para que fosse habitado, cf. Is 45.18.
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Quando o homem explora o mundo, está inevitavelmente cumprindo com o


mandado do Senhor Deus, tendo ou não ciência disso.

9.2-6. Deus, assim como o fez depois que criou o homem, também sujeitou aqui todas as
outras criaturas na Terra ao homem, acrescentando temor ou medo nas criaturas.
Aqui também Deus dá ao homem os animais como alimento (ressalvando o
sangue), pois até agora a única permissão que Deus deu ao homem foi de comer
alimentos não-animais, cf. 1.29 e 3.18,19. Além disso, aqui há uma Lei provinda de
Deus sobre toda a criatura, dando conta da importância que o homem tem:
ninguém, nem homem ou animal, tirará a vida de um ser humano sem ficar moral
e gravemente responsável por isso e sujeito a juízo. A justificativa para tamanho
juízo encontra-se no v. 6: o homem, dentro todas as criaturas, é o único que possui
a imagem de Deus.

9.8-19. O arco-íris é instituído como um sinal da promessa de Deus de que ele não
destruiria mais a terra com água. Observe que isso não significa necessariamente
que o arco-íris ainda não existia; pode até ser que ele não existisse, porém, a ênfase
aqui é que o arco-íris teve uma qualificação do seu significado, para indicar um
impedimento de julgamento sobre a terra em forma de dilúvio. O trecho termina
com a declaração de que os três filhos de Noé foram os novos originadores de todos
os povos que existem hoje. Logo, a Bíblia descarta a hipótese de descendentes de
Caim vivendo em algum outro lugar. Todos os humanos anteriormente, segundo
fica claro no relato do dilúvio, foram mortos.

9.20-29. A narrativa da história de Noé termina com ele embriagando-se e amaldiçoando


seu neto Canaã. E essa maldição realmente mostrou-se válida, conforme se
perceberá ao longo de todo o Antigo Testamento. Por que Noé teria se
embriagado? Será que de fato ele exagerou na bebida, ou a nova composição da
atmosfera da terra após o dilúvio fragilizou a capacidade dos seres humanos de
tolerar álcool? Uma mudança na atmosfera terrestre é usada muitas vezes para
explicar tanto a embriaguez aparentemente facilitada de Noé, quanto a diminuição
progressiva da idade com que seres humanos morreram após ele.

10.1-32. Aqui, uma lista que a princípio, para um leitor iniciante da bíblia, parece bem
maçante: uma lista de descendências. Porém, ao longo de todo o Antigo
Testamento o estudante percebe que muitos dos nomes aqui citados são
importantes. Por exemplo, Mizraim, filho de Cam (v. 6) é o Egito. Já Canaã, também
filhos de Cam, foi o pai de todos os chamados “cananeus”. Os cananeus foram
destruídos pelos Israelitas na conquista da nova terra, cumprindo, portanto, a
maldição de Noé. Todavia, observe que os Filisteus não foram. Os filisteus não eram
descentes de Canaã, e sim, de Mizraim (Egito), pois um dos filhos de Mizraim foi
Casluim, de onde saíram os filisteus (v. 14). Assim, os filisteus, assim como os
egípcios, não estavam sob a maldição de Canaã. Os Israelitas são até hoje chamados
de “semitas” – a perseguição contra os Judeus é o antissemitismo – justamente por
serem descendentes de Sem. Por sua vez, Jafé originou os povos europeus; vide v.
2, onde Javã, um filho de Jafé, pode significar a Grécia; e Tarsis, filho de Javã, foi
posteriormente o nome de uma cidade na Europa, atual Espanha, para onde Jonas
tentou fugir (Jn 1.3). Ninrode (v. 9) é mencionado como um possível rei da região
onde ficava Babel. Enfim, o estudo das genealogias pode revelar conhecimentos
interessantes e até útil para um tipo de análise mais aprofundada. A respeito dos
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cananeus, este é o primeiro trecho da bíblia a mencioná-los. Eles terão importante


fundamental na teologia da conquista de Canaã. Os povos cananeus, todos
identificados como descendente do amaldiçoado Canaã, são listados nos vv. 15-18.
O mais interessante é que a região geográfica onde os cananeus se estabeleceram
(região posteriormente denominada de Canaã) é descrita no v. 19. É pela terra dos
cananeus que Abraão foi chamado por Deus a peregrinar e lhe foi feita a promessa
de herdá-la.

10.25. Nos dias de Pelegue se repartiu a terra. Será que isso quer dizer que foi nos dias de
Pelegue que houve a confusão de línguas na torre de Babel? O fim do capítulo 9,
todo o capítulo 10 e o começo do capítulo 11 provavelmente possuem um fio
condutor implícito de justificativa histórica. Observe que 9.25-27, que fala sobre a
maldição de Noé a Canaã, é seguido justamente pela genealogia dos povos e uma
descrição detalhada de quem eram e onde se localizavam os descendentes de
Canaã. Aqui, é mencionado Pelegue e a divisão da terra, sem entrar em maiores
detalhes, e após a genealogia há justamente a narrativa da confusão das línguas na
torre de Babel.

11.1-9. Os seres humanos, ao construir uma obra arquitetônica que fosse referência
mundial, estavam descumprindo o mandado de colonizar todo o planeta. Por isso,
Deus frustrou os seus planos, causando um espalhamento pelo mundo. Logo, a
confusão das línguas foi uma punição ao não cumprimento do espalhamento da
humanidade. Se foi na época de Pelegue, mencionado no v. 19 e em 10.25, que
houve a confusão das línguas, tendo como consequência o repartimento da terra,
é possível calcular a época aproximada da confusão das línguas: entre 2218 a.C. e
1979 a.C.

11.10-30. Neste trecho é relatada a descendência de Sem com detalhes expressivos, até
chegar em Abrão. Note a progressiva redução nas idades do nascimento dos
primeiros filhos homens, bem como a redução da idade da morte.

11.31-32. O pai de Abrão, Terá, já tencionava ir para a terra de Canaã, cf. v. 31; asism, foi Terá,
e não seu filho Abrão, que saiu de Ur dos Caldeus; Terá levou Abrão e seu neto
(sobrinho de Abrão) Ló, e habitaram em Harã. Em Harã, terá morreu. É um erro
comum, causado por falta de atenção no texto Bíblico, dizer que o chamado de
Deus para Abrão em 12.1 aconteceu em Ur dos Caldeus, pois Abrão estava em Harã
quando do chamado. Provavelmente o pai de Abrão, Terá, já havia tido a impressão
ou um desejo, divinamente motivado, para abandonar Ur dos Caldeus. Harã, pai de
Ló e filho de Terá, morrera quando a família ainda estava em Ur dos Caldeus, v. 28.

12.1. A ordem dos acontecimentos é a que segue: Terá nasceu em Ur dos Caldeus; lá,
teve seus filhos, incluindo Abrão e Harã. Harã teve um filho chamado Ló. Depois,
Harã morreu, em Ur dos Caldeus; quando isso aconteceu, Terá pegou seu filho Arão
e seu neto Ló e peregrinou a caminho de Canaã: o objetivo era de fato Canaã.
Durante a peregrinação a família fez estadia temporária em Harã (nome
geográfico), e ali Terá morreu. É neste ponto, quando Abrão e Ló encontravam-se
em Harã, ou seja, nem na origem ímpia de Ur dos Caldeus, nem no destino glorioso
de Canaã, que Deus revela-se a Abrão e manda separar-se de sua parentela –
especialmente Ló, que era o parente mais próximo (12.1).
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12.2-6. O Senhor ordena que Abrão continue a peregrinação rumo a Canaã, iniciada por
seu pai Terá. Abrão leva consigo seu sobrinho Ló, talvez devido à proximidade, pois
Ló foi criado na prática como irmão de Abrão quando seu pai Harã faleceu, ainda
em Ur dos Caldeus. Quando Terá, o pai de Abrão morreu em Harã, Ló estava
presente junto com Abrão; portanto, os laços de parentesco eram muito próximos.
Talvez Abrão tenha incorrido em desobediência parcial ao mandado divino de se
afastar de sua parentela e sair da casa de seu pai, quando levou junto Ló. As
consequências disso foram desagradáveis; porém, na questão de ir para Canaã, é
dito que Abrão obedeceu ao Senhor. Chegando em Canaã, nota-se que os
cananeus, isto é, os descendentes de Canaã, o amaldiçoado filho de Cam, já
habitavam naquele local.

12.7-9. Não obstante a terra já ser habitada pelos cananeus, o Senhor Deus prometeu que
daria aquela terra a Abrão.

12.10-20. Devido a uma fome na terra de Canaã – seria a fome um sinal primordial de juízo
contra os cananeus? – Abrão migra para o Egito. Desconfiado do risco que tinha ao
ter Sarai, uma bonita mulher, como esposa, eles concordam em dizer uma meia-
verdade: que Sarai era sua irmã. Em verdade, Sarai era meia irmã, conforme fica
claro em 20.12, sendo ela filha do mesmo pai (Terá), mas não da mesma mãe.
Assim, ao ocultar o fato de que Sarai era também sua esposa, Abrão incita
indiretamente um juízo contra os egípcios. Deve-se observar que Abrão enriquece
um pouco mais devido a essa situação (v. 16). O relato culmina na devolução de
Sarai a Abrão, bem como uma proteção de algum tipo de guarda a ambos (v. 20).
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Salmos
Salmo 1. Este Salmo demonstra o contraste ente o justo e o ímpio. O ímpio é atraído pelas
más companhias, e compartilha de atitudes sociais que desagradam a Deus. A
punição é contagiosa, justamente porque o caráter da pessoa é facilmente
influenciável. O comportamento da massa das pessoas não é um relativizador
moral. Não é possível alguém justificar as atitudes erradas por terem sido tomadas
quando da participação de um movimento grupal. O justo, inclusive por ciência de
que a participação de grupos ímpios tem como consequência a atração para si do
juízo divino, afasta-se preventivamente deste tipo de influência. Seu caráter o
impele a ficar longe de zombadores de Deus e de sua justiça. A meditação na Lei do
Senhor é justamente um antônimo de participação em atividades próprias de
pessoas ímpias.

Salmo 2. Este é o primeiro Salmo messiânico do livro de Salmos. Assim como outros textos
messiânicos, esse pode referir-se ao à coroação de um rei em Jerusalém e ter ao
mesmo tempo um cumprimento mais pleno na pessoa do Senhor Jesus Cristo.
Embora o governo de Cristo não seja opressor, o ser humano, quando tem poder,
não gosta da ideia de estar sob as justas leis divinas, então tentam tirar de sobre si
aquilo que chamam de cordas, grilhões, objetos que aprisionam. É o que podemos
ver no mundo de hoje, em que governos e sistemas sociais tentam a todo custo
“libertar” o homem das leis naturais e morais que devem vincular as atitudes de
todas as pessoas. A rebeldia contra o governo de Deus hoje manifesta-se quando
governos tentam impor agendas chamadas progressistas, como abordo e ideologia
de gênero, ao mesmo tempo em que tentam silenciar a Igreja, por meio de leis que
criminalizam sua mensagem. Embora o governo de Deus significa bênção para
todos, a humanidade caída prefere a rebeldia. Por isso Deus zomba dessa tentativa
fútil de uma humanidade rebelde que, ironicamente, só continua existindo por
causa da misericórdia divina. Embora contra a vontade de todos os ímpios, o Senhor
Deus já ungiu a seu Filho, e deu a ele poder de dominar e julgar o mundo. Este
poder será exercido em toda a sua plenitude durante o reinado de Cristo na terra,
assunto a ser desenvolvido nos profetas e culminado em Apocalipse.

Salmo 3. Aqui temos o primeiro Salmo atribuído a Davi no livro dos Salmos – lembrando que
existem Salmos, nas Escrituras, que se encontram fora do livro de Salmos, como
por exemplo 1Cr 16.7-36, também de autoria de Davi. No presente salmo 3, vemos
toda a beleza da poesia davídica. É uma poesia que revela um contraste na alma de
um servo contrito com Deus. Um servo que, embora sofra perseguição, tem certeza
de que livramento virá; um servo que embora passe tristeza, ainda assim consegue
consolar-se no Senhor Deus de Israel e na sua providência e soberania. A tristeza
manifesta-se temporariamente nos vv 1-2, colimando com a declaração pessimista
daqueles que conheciam a Davi e julgavam que ele não tinha chances de escapar
da perseguição. A pena de morte estava decretada para os observadores de Davi,
e humanamente parece que essa perspectiva era consideravelmente factível!
Então, nos vv 3-6, a alma tristonha de Davi levanta-se do seu estado de lamentação
e segura-se numa confiança que surpreende, à primeira vista o leitor. O Senhor é
um escudo para Davi, e embora outros declarem que não há salvação para ele, a
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confiança em Deus é inabalável. Ele precisa confiar no Senhor porque apenas do


Senhor vem a vitória, não de suas próprias forças. A própria vida de Davi é um
milagre presente, o fato de acordar todo o dia é prova de que, de alguma maneira,
o Senhor não o abandonou. Os versículos finais deste lindo Salmo, vv. 7-8, são uma
oração, um clamor; não um clamor desesperado de alguém que busca socorro sem
crer na probabilidade de ser atendido, mas uma oração sincera que confia que o
Senhor irá responder, e termina com uma declaração de confiança na salvação que
vem do Senhor.

Salmo 4. Temos aqui um salmo de Davi que começa pedindo socorro a Deus. É uma poesia
em que Davi tem confiança de ser ouvido por Deus, pois não é uma pessoa que vive
em impiedade, mas sim, uma pessoa piedosa. Consta uma crítica ou advertência
contra pessoas que não consideram Deus: ele aconselha a ficarem caladas, e a
serem piedosas também – contudo esse convite é meio implícito. O salmo termina
com uma declaração de confiança em Deus, confiança presente, atual.

Salmo 5. O Salmo 5 é um cântico e uma oração de um servo – no caso, Davi – que tinha a
convicção do caráter de Deus: um Deus que não tem prazer na iniquidade (vv 5-6);
antes, era motivo de alegria dos justos (vv 3,7). Notável o v. 8, em que o salmista
manifesta o desejo de seu coração de andar nos caminhos do Senhor, e para isso,
pede que tais caminhos sejam “endireitados”. Este salmo pede juízo divino contra
os ímpios e manifesta a confiança do justo em que suas orações serão respondidas.

Salmo 6. Salmo de um pecador arrependido. Ao olhar para sua situação pecaminosa, Davi
pede ao Senhor que não o castigue com o rigor que merece. O coração do salmista
é contrito com Deus; reconhece sua corrupção, porém ainda assim deseja ser
restituído à comunhão com o Senhor Deus. Davi pede que o Senhor não permita
que o resultado do juízo seja a morte, pois, segundo o ponto de vista dessa alma
que deseja a vida, no sepulcro não se louva a Deus – isto é, a morte sob uma derrota
não acarretará um louvor a Deus por uma vitória, já que esta não aconteceu. Sendo
verdade que Davi acredita que a alma do justo não deixa de existir, mas vai para a
presença de Deus, como notavelmente vê-se em 16.10-11 – para mais informações
sobre isso, ver o estudo “A fé veterotestamentária sobre o estado do homem após
a morte” – essas palavras de Davi representam o desejo de perdão e de
permanecer vivo, isto é, de ter vitória sobre esta circunstâncias atual e, então, ao
ser perdoado e sair vitorioso, proclamar a sua vitória por ter passado por ela. Davi
não está afirmando uma doutrina geral, e si, está referindo-se a algo específico.
Esse texto não deve ser usado como prova para a falsa doutrina da aniquilação da
alma, pois isso seria fruto de uma má interpretação e faria a Bíblia se contradizer.
Em decorrência do que é dito no v. 7, a perseguição pelos inimigos parece ser um
dos resultados do julgamento divino devido a algum pecado de Davi. Ainda assim,
Davi revela nos vv. 8-10 uma confiança no Senhor: o Senhor já o ouviu e já o
perdoou; portanto, o Senhor irá dar vitória, para que Davi louve pelo livramento e
pelo perdão. O conhecimento que Davi tinha de Deus o levava a crer, corretamente,
que o Senhor sempre estava pronto a perdoar a alma contrita, conforme declara o
próprio Davi, por exemplo, em 2Sm 24.14, onde prefere cair nas mãos do Senhor,
e não do homem, pois muitas são as misericórdias de Deus.
Lucas
5.27-32. A história da escolha de Levi, para ser um dos apóstolos, é a história sintetizada da
salvação do homem: ele era um publicano, uma pessoa malquista por quem se
achava correto; ainda assim, esta pessoa infame recebeu com aparente facilidade
o chamado de Jesus, deixando tudo e o seguindo. Levi, nascido de novo e curado
do domínio do pecado, agradece a Cristo fornecendo um grande banquete, onde
convidados igualmente malquistos estavam presentes. Os escribas e mestres da lei,
justificando-se a si mesmos como merecedores do favor divino devido a suas obras
mortas e mútua reputação, criticavam Jesus por socializar-se com tais estamentos
sociais. O Senhor sintetizou o sentido da salvação como sendo dada justamente às
pessoas que se consideravam doentes, já que os supostamente sãos aos seus
próprios olhos, com toda a sua presunção, seriam incapazes de receber a cura.
Obviamente o Senhor está sendo irônico, pois todos os seres humanos são doentes
e precisam da cura, que é a libertação da servidão do pecado; os altivos e soberbos,
entretanto, são os que menos percebem tal necessidade, pois falta-lhes a
sinceridade de um coração humilde.

5.33-39. Os escribas e fariseus, estribados numa suposta santidade derivada do fato de


cumprir apenas formalmente a lei, desprezando o espírito da mesma, criticam os
discípulos de Cristo por não jejuarem. Observe que na explicação o Senhor não
diminui a necessidade de se fazer jejum; apenas não era aquela a hora.

6.1-5. Os fariseus criticaram a atitude dos discípulos de se alimentar das espigas num
sábado. O problema não era o fato de se alimentar, mas sim, de trabalhar para se
alimentar – o fato de colher espigas foi exagerado para ser considerado um
trabalho proibido pela Lei. Jesus, então, não contrariando a Lei, mas trazendo seu
verdadeiro significado, isto é, o espírito da Lei, cita o acontecido em 1Sm 21.6. Lá,
Davi e seus companheiros comeram o pão sagrado por não haver outro pão, e não
houve punição ou juízo da lei para eles. O Senhor usa este exemplo para provar que
no caso do sábado, o homem é mais importante; e o sábado existe simplesmente
para o bem-estar do homem. O suposto trabalho que os seus discípulos realizavam
não era premeditado ou proposital, mas tão-somente uma ação para alimentação.
Jesus estava mostrando que a mesma Lei pela qual os fariseus transformavam em
um jugo impossível de carregar, cf. Mt 23.4, era na verdade uma Lei para o bem-
estar do homem, uma lei que não era opressora tal qual os mestres da Lei
pregavam, mas que era motivo de alegria para aquele que a cumpria.

6.6-11. Os mestres da lei chegaram ao absurdo de criticar o fato de um homem ser curado
no sábado. Isso implica que eles já sabiam que Jesus tinha poder para curar; em vez
de reconhecer que as suas obras davam provas de que era enviado de Deus,
estavam mais preocupados em julgá-lo pelo descumprimento formal da
deturpação da lei criada pelas suas interpretações legalistas e destituídos de valor.
A interpretação dos fariseus era tão fechada e deturpada que acusariam Jesus de
ter curado no sábado sob a desculpa de que, curando, estaria trabalhando.

6.12-16. Aqui, o relato da escolha dos doze apóstolos. Notável a descrição de Judas
Iscariotes como o traidor.
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6.17-19. Todos com problemas procuravam a Jesus, para ouvir sua palavra e serem curados.
O mero fato de tocar já era suficiente, pois dele saía virtude, cf. Lc 8.46.

6.20-23. Para mais informações sobre as bem-aventuranças, consulte os comentários de Mt


5. Quando a sociedade é ímpia, é melhor ser perseguido e criticado, pois a
sociedade ímpia irá louvar aquelas pessoas que lhe é exemplo. E, inevitavelmente,
a prova de nossa filiação a Deus e nossa bem-aventurança no porvir é exatamente
o fato de, com nossa moral e nosso exemplo, sermos uma pregação contra os
costumes vigentes.

6.24-26. Os ricos e os fartos aqui são uma generalização não-caricata, e sim bastante real,
do sentimento de autossuficiência e independência de Deus em que estes
presumem se encontrar. Esse isolar-se em suas próprias riquezas, sem buscar a
Deus, é loucura, cf. 12.20. O usufruto das bênçãos sem usufruir do Abençoar será
motivo de choro no porvir. O v. 26 descreve a realidade de que nem sempre quando
a pessoa é bem falada, ela está bem diante de Deus; primeiro, porque os homens
julgam pela aparência. Segundo, porque se a sociedade que elogia a pessoa é uma
sociedade com valores ruins, como é o caso da nossa contemporaneidade, significa
que a sociedade em si já está distante de Deus, o desagradando, e o exemplo da
sociedade é na verdade um exemplo de pecado. Hoje em dia, por exemplo, grandes
formadores de opinião são elogiados e aplaudidos quando defendem ideologia de
gênero, aborto e outros assuntos que refletem a decadência moral em que nos
encontramos. O elogio de uma sociedade em rápido apodrecimento para tais
pessoas institui-se, portanto, em chancela de reprovação da parte de Deus.

6.27-36. Este texto contém a regra áurea de fazer aos outro o que se gostaria que se fizesse
consigo mesmo. Além de ordenança para amar aos inimigos e não retribuir na
mesma moeda, há também o mandado para sofrer o prejuízo e exercer
misericórdia. O sofrer o prejuízo consiste em não cobrar àquele que tomou
emprestado; não fica explicitado, isto é, o Senhor Jesus não faz distinção entre o
não pagar o empréstimo por motivo de necessidade, caso onde a misericórdia será
exercida, e o caso de alguém maliciosamente não pagar, mesmo podendo, caso
onde a benignidade é exercida. Aparentemente, quando Jesus cita para não resistir
ou tornar a pedir aquilo que é “tomado” – talvez até à força – ele está corroborando
a linha de raciocínio segundo a qual importa a motivação da lesão do outro para
com o discípulo: ele deve sempre ser benigno, misericordioso e não cobrar dos
outros. No caso em que alguém necessitado não possa pagar, deve-se exercer
misericórdia, tendo como fundamento que o próprio Pai é misericordioso para
conosco (v 36). Já no caso onde há malícia por parte de que deve, a benignidade
deve ser exercida – ainda que com prejuízo material para com quem a exerce – pois
o fundamento disso é que o Pai é benigno até para os ingratos e maus. O argumento
segundo o qual “eu só perdoo dívidas de quem não pode pagar; quem pode, eu não
perdoo, pois está agindo de má fé”, não encontra fundamento nesse texto: até para
com os maus, e para com aqueles que propositalmente nos lesam, devemos não
cobrar e ainda desejar o bem. O significado do que Cristo está ensinando deve ser
estendido para além da área financeira, incluindo também o aspecto moral:
devemos amar aqueles que nos consideram seus inimigos.

6.37-38. Aqui temos a continuidade do pensamento dos versículos anteriores, culminando


na declaração do Senhor Jesus que o rigor que exercemos ao julgar o próximo será
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o mesmo rigor que será exercido quando recebermos julgamento. Quanto mais
benignos formos para com outros, mais benignidade experimentaremos. Conforme
se observará nos vv. 41-42, Jesus não está dizendo que a Igreja ou os discípulos
aptos para tal não devam mais reconhecer o erro. A motivação é que está em foco
aqui: o julgar por julgar, não para ajudar, mas para corroborar um sentimento
próprio de autossuficiência e santidade segundo as obras. O que é condenado aqui
é o rigor e a ineficácia de um julgamento segundo a natureza humana, que só pode
trazer prejuízo. Há pessoas que usam a declaração “não julgueis” com mais
significado do que Jesus tensionada aqui, ou seja, há pessoas que entendem, de
forma errada, que quando alguém erra, ninguém deve fazer nada a respeito disso,
pois fazendo, ou seja, tentando avisar ou corrigir, estaria “julgando”. Essa
interpretação está equivocada, e para entender plenamente o significado das
palavras do Senhor, é preciso ler e compreender o contexto posterior, isto é, nos
versículos seguintes.

6.39-40. Esses versículos apresentam um interstício, confirmando a autoridade de Jesus


sobre seus discípulos para exigir deles esse caráter que está sendo construído.
Também indica que o caráter do discípulo deve ser moldado de acordo com o
caráter de seu Mestre, sendo que Jesus é o modelo de vida para aqueles que o
seguem.

6.41-42. Aqui temos o complemento da ideia trazida à tona nos vv. 37-38: agora, o Senhor
traz a consequência prática de julgar aos outros sem considerar suas próprias
falhas, que muitas vezes são mais graves. Quantas vezes julgamos as atitudes dos
outros, que em si são objetivamente erradas, porém talvez bem-motivadas, e não
olhamos para nossos próprios erros que possuem motivações malignas? Tendemos
a exagerar os defeitos nos outros porque implicitamente nos julgamos mais “bons”
do que o próximo. Observe que no v. 42, existe uma implicação do que seria um
verdadeiro julgamento o verdadeiro julgamento, isto é, tirar o cisco que está no
olho do irmão. Tirar o cisco é uma coisa boa no final das contas, pois ajudará o
irmão; porém, para retirar o cisco do olho do irmão, e essencial tirar a “trave” que
se encontra no próprio olho, até para que se possa ver melhor e assim, ajudar de
forma mais eficaz o próximo. O erro é quando o julgamento ocorre com sentimento
de soberba e superioridade, meramente com o objetivo de apontar o erro,
desconsiderando o próprio. Entretanto, quando a pessoa olha para si mesma e
deixa de cometer os erros que a tornam inapta a julgar o próximo, ela própria
consegue tornar-se uma pessoa apta para, com amor, também ajudar o seu irmão
a corrigir seu erro e enxergar melhor. Observe que, enquanto o juízo segundo a
natureza humana é sempre egoísta e destrutivo, existe uma maneira correta de
“tirar o cisco” do olho do irmão.

6.43-45. Enquanto muitos movimentos religiosos, inclusive os fariseus, apontam a lanterna


para dar luz tão-somente a obras segundo a Lei (boas obras), Jesus aponta para o
caráter. O Senhor não focava primariamente das obras, pois, conforme explicado
aqui, uma árvore boa produz bons frutos, e um homem cujo coração é
transformado e cheio de Deus irá resultar em ações boas, edificadoras. Já o homem
cujo coração é cheio de maldade, resultará em comportamentos prejudiciais. Jesus
não está pregando que as obras salvam, mas sim que as obras de alguém dizem
muito sobre a natureza dela.
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6.46-49. Nesse contexto temos um complemento dos vv. 39-40, e aqui o Senhor Jesus
confirma sua autoridade sobre seus discípulos e a responsabilidade que eles têm
diante de Jesus para agir em conformidade com um caráter santo. Em duas breves
parábolas, o Senhor diz os resultados de tão-somente ouvir suas palavras e não
aplica-las no coração, isto é, aplicando-as: é alguém instável, sujeito a cair diante
das provações, uma pessoa que não tem capacidade de persistir na fé, não possui
raízes firmadas no Evangelho, é uma casa construída sobre a areia, sem
fundamentos; e também cita aquele discípulo que escuta suas palavra e as aplica,
vive conforme elas: este é bem aventurado, pois tem força, está firmado na rocha
e pode suportar as adversidades. Em outras palavras, o discípulo sincero persiste;
o hipócrita desiste facilmente da salvação. E o modo como a pessoa vive mostrará
que tipo de pessoa ele é: se é um hipócrita, ou um discípulo (cf. v. 44).

7.1-10. Entre as várias características admiráveis nesta passagem está o cuidado do


centurião, homem respeitado, para com o seu servo. Há um contraste entre a
dignidade atribuída pelos outros ao centurião da dignidade que este julgava ter
diante da pessoa de Cristo. Enquanto as pessoas julgavam que o centurião era
merecedor (v. 4), um grande homem que fez o bem para a nação israelita e que
amava a nação (v. 5), ele próprio julgava-se indigno de receber ao Senhor Jesus em
sua casa (v. 6) ou até mesmo de falar pessoalmente com ele (v. 7). Há, portanto,
um agradável contraste para a humildade que este homem tinha, se levada em
conta a alta posição e estima que usufruía na sociedade. Diante de Jesus, este
homem viu-se como realmente era, indigno e imerecedor, não obstante as
bajulações que recebesse. E, em máxima humildade – coisa muito difícil para
alguém em sua posição – implorou ao Senhor que lhe fizesse esse milagre que ele
nunca poderia obter por mérito ou esforço próprios. O Senhor Jesus admirou-se de
tal atitude, e concedeu a cura (v. 10). Qual era a fé do centurião? Era a fé na
autoridade de Cristo para curar enfermos; ele próprio, como pessoa que exercia
grande autoridade sobre seus comandados, imaginou que o Senhor Jesus também
exercia algum tipo de autoridade; fazendo uma comparação útil e certeira, ele
tomou a sua própria experiência para emitir ordens e as ver cumprida, e atribuiu a
Jesus algo similar, porém muito mais importante e superior. De fato, a fé dele era
muito grande, a bastante avançada para a grande massa daquela época, que
precisava ver para crer, ou ser tocado, ou tocar em Jesus. A fé do centurião era
grande porque superou a necessidade de vincular o milagre a algo visível ou
palpável: ele conseguiu conceber Cristo com autoridade imaterial, autoridade esta
onipresente e eficaz.

7.11-17. Nesse relato, Jesus ressuscita o único filho de uma viúva. Naquela época, onde não
havia previdência social, uma viúva dependeria normalmente de seu filho para
sobreviver; a perda de um filho era motivo de tristeza; porém a perda do único filho
por parte de uma viúva era uma desgraça, um fim de história, uma derrota
definitiva, uma quebra de esperança. O choro dessa viúva eram lágrimas de uma
alma em uma situação sem saída. Observe que Jesus, compreendendo aquela
situação e todo o seu cruel significado, moveu-se de íntima compaixão (v. 13). Após
consolar a viúva, ordenou ao jovem que levantasse, e ele, obedecendo, voltou a
vida e começou a falar. Jesus, então, entregou o jovem à sua mãe (v. 15). O relato
culmina com o temor da multidão e a fama de Jesus correndo pelas redondezas.
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7.18-23. Não fica claro se João Batista teve alguma dúvida de se Jesus era realmente do
Cristo (parece que sim), e por isso tenha enviado os seus discípulos. De qualquer
forma, se havia alguma dúvida, Jesus dissipou-as todas, pois curou “na mesma
hora” muitos doentes e oprimidos, e mandou os discípulos de João não um recado
verbal, mas testemunhos oculares de que a manifestação do reino de Deus se fazia
presente. De qualquer forma, Jesus não condenou João Batista por essa pergunta;
antes, provou que ele própria era, sim, aquele de quem João Batista profetizava e
esperava: Jesus confirmou as expetativas de João Batista e aliviou a ansiedade dele.

7.24-28. Jesus mesclava ações com palavras. Após a cura dos oprimidos, ele dá testemunho
de quem era João Batista: o maior dos profetas, por ter sido justamente aquele que
antecedeu de maneira imediata a vinda do Messias. O Senhor atribui a profecia de
Ml 3.1 a João: ou seja, ele era o “Mensageiro da [nova] aliança”. Como um
mensageiro da nova aliança, João Batista antecipada aquilo do qual ele ainda não
fazia parte – é um profeta da antiga aliança profetizando do futuro. Ainda assim, é
notável que no v. 28 Jesus diga que o menor no reino de Deus é maior do que ele.
De fato, o crente da Nova Aliança experimenta uma relação com Deus superior a
qualquer um da antiga aliança.

7.29-35. João Batista foi o maior homem nascido de mulher (v. 28) devido ao papel
fundamental de preparar o caminho e os corações das pessoas para o Messias, por
meio do batismo para o arrependimento. João tinha uma nova maneira de encarar
a Lei: não apenas como conjuntos de ordenanças que deveriam ser tão-somente
formalmente obedecidas para se merecer a salvação, tal qual os mestres da lei e
fariseus pensavam: antes, o coração do homem precisava de arrependimento. A
noção própria de pecaminosidade e necessidade de buscar perdão, por meio do
batismo de João, deveria se fazer presente. Essa forma totalmente adversa de
encarar a vida piedosa contrastava com a forma hipócrita dos fariseus, e essa nova
forma foi a usada por Deus, por meio de João Batista, de preparar o coração
daquela sociedade para a vinda e recebimento da mensagem do Messias, que é o
Cristo. Como não poderia deixar de ser, escribas, fariseus e mestres da lei, presos
na sua reputação aparente, desprezaram a pregação de João, e consequentemente,
fecharam o coração para qualquer tipo de arrependimento, cf. v. 30. Fazendo isso,
“rejeitaram o conselho de Deus”, ou seja, a oportunidade de terem um
relacionamento sincero. Já no Antigo Testamento Deus manifestou desgosto pelo
cumprimento formal da lei sem um coração contrito, conforme Is 1.13. Rejeitando
a concepção de João Batista de arrependimento, os fariseus fecharam a porta para
que seus corações fossem devidamente preparados para receber a salvação que
vem de Deus. Em vez disso, preferiram sua própria maneira de serem salvos, em
detrimento da justiça que vem de Deus, cf. Rm 10.3. As desculpas usadas pelas
pessoas de coração endurecido daquela geração eram tolas: criticavam João Batista
por se comportar de uma maneira – relativamente isolado da sociedade – e
também criticavam a Cristo por comportar-se de maneira diversa – estão em
contato com todos. Certo é que a expressão “comilão e bebedor de vinho” (v. 34),
isto é, glutão e alcoólatra, era uma mentira a respeito de Cristo, da mesma forma
que era mentira as declarações de que João Batista era um endemoninhado (v. 33).
A lógica exige essa interpretação: mentiram a respeito de João, e estes mesmos,
logicamente, mentiram a respeito de Jesus. Há quem use esse texto para
comprovar que Jesus era glutão e alcoólatra. Isso é torcer o significado do texto. Na
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verdade Jesus era mais sociável do que João, e não negava estar junto com pessoas
que eram consideradas pecadoras por todos; contudo, Jesus não participava de
seus pecados, e ninguém poderia apontar pecado em Cristo, e não ser de maneira
mentirosa. Ver Jo 8.46-47.

7.36-50. Uma situação que apresenta contrastes: de um lado, uma mulher que via a si
mesmo como indigna, pecadora, e viu em Jesus alguém que poderia curar suas
dores espirituais e sua culpa. De outro, um fariseu, bem-quisto pela sociedade, com
uma reputação elevada, um “não-pecador”. Além desse contraste dual entre
pessoas, vemos um contraste no sentido da narrativa, pois de fato a mulher é
apresentada como uma pecadora, enquanto que o fariseu, que convidara Jesus a
irem sua casa, é uma pessoa respeitável. Tudo isso muda com o pensamento do
fariseu, do qual Jesus está ciente – prova se sua onisciência. Jesus então expõe ao
fariseu e a todos os que estão ali o íntimo, tanto da mulher quanto o do fariseu. A
narrativa culmina com Jesus explicando que alguém cujo sentimento de
indignidade é maior sente-se muito mais grato quando é perdoado do que alguém
que se julga justo. Ironicamente, e o Senhor deixa isto claro, aquele que se
considera mais pecador irá usufruir de maior graça do que o autossuficiente. Para
espanto de todos, Jesus perdoa os pecados da mulher, o que introduz, no
Evangelho segundo escreveu Lucas, um conceito até agora ainda não explorado:
além de curar e ensinar, Jesus também perdoa pecados (v. 48).

8.1-4. Uma introdução indicativa de quem estava com Jesus quando a parábola do
semeador foi contada. No v. 3 que Jesus era mantido na sua subsistência por
algumas pessoas, inclusive mulheres da alta sociedade, que serviam com seus bens.

8.5-8. A parábola fala sobre um semeador que deixa quatro sementes caírem em
diferentes terrenos, do pior para o melhor: no meio do caminho, na pedra, nos
espinhos e em solo fértil. O resultado do desenvolvimento das sementes também
é progressivo: uma foi pisada e comida por aves, outra nasceu, mas secou-se
rapidamente; outra nasceu, chegou a crescer um pouco, mas foi sufocada pelos
espinhos (os espinhos também cresceram?) e, finalmente, a última produziu fruto
em muita quantidade.

8.9-10. Antes de explicar o significado da parábola, temos aqui um interstício em que Jesus
justifica implicitamente o motivo de falar por meio de parábolas. As parábolas não
são inteligíveis àqueles que estão sob o juízo de Deus, isto é, que estão com o
entendimento deturpado (v. 10). A frase “vendo, não vejam, e ouvindo, não
entendam” provém de uma citação de juízo, conforme consta em Is 6.9. A citação
feita pelo Senhor Jesus do texto de Isaías significa que o fato de aquela geração
contemporânea a Jesus não compreender suas palavras era por si só resultado do
juízo divino. Escribas, fariseus e mestres da lei, com toda a sua autossuficiência e
não querendo passar por ignorantes, não iam ter a humildade de perguntar a Jesus
o significado daquela parábola. Especialmente para eles, o entendimento estava
fechado. Porém, para aqueles que, tais quais os discípulos (v. 9) tinham a humildade
de reconhecer suas limitações de entendimento das coisas divinas, a estes a
compreensão era aberta, pois Jesus explicava tranquilamente. Logo, o efeito do
juízo de Deus tem o irônico efeito de deixar os sábios segundo a própria concepção
em ignorância, e os humildades com sabedoria. No final das contas, o menor dos
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discípulos de Cristo seria mais sábio do que o maior mestre da lei, naquele tipo de
sabedoria que realmente importa: a sabedoria que vem de Deus.

8.11-15. Jesus, então, passa a explicar detalhadamente a parábola. Na explicação, a semente


é a palavra de Deus. A palavra, em si própria, tem a capacidade de se desenvolver
e produzir frutos, desde que encontre ambiente adequado para tal. Os terrenos são
as pessoas. Então, as quatro sementes são a mesma palavra, que encontram
ambientes contrastantes para o desenvolvimento. O v. 15 culmina com a conclusão
de que um coração honesto e bom consegue ser propício à semente de tal maneira
que dão fruto. A prova de que a palavra do Evangelho caiu em bom coração são as
atitudes do cristão; em contrapartida, alguém que não produz frutos,
inevitavelmente é a consequência de uma não germinação adequada da semente
do Evangelho em sua vida.

8.16-18. Aqui no livro de Lucas esse discurso de Cristo, que originalmente pertence a um
contexto maior de sal da terra e luz do mundo, é posto após o v. 15, que diz que
quando o Evangelho encontra um coração sincero, a pessoa que produz frutos, que
são os frutos de uma vida regenerada. Logo, o v. 16 transforma o fato em uma clara
ordenança para seus discípulos: eles devem iluminar a terra, suas obras devem ser
visíveis. Para mais informações, consulte o texto e o comentário em Mt 5.13-16,
que fala sobre o caráter do verdadeiro discípulo de Cristo. O presente texto termina
com uma advertência sobre o fato de que obras ocultas serão, algum dia, reveladas,
e a consequência dessa revelação da verdade no v. 18, de recompensa ou punição.
O contexto do v. 18 encontra-se na parábola dos talentos, em Mt 25.14-30.

8.19-21. A sociedade da época de Cristo dava muita relevância para a família de alguém.
Pertencer a alguma família geralmente significava compartilhar de certa visão de
mundo; além disso, os familiares eram favorecidos por alguém da própria família –
comportamento relativamente normal do ser humano. Jesus, porém, dava menos
relevância a esses laços de parentesco, pois não ia tratar de maneira melhor ou
pior, ou com maior ou melhor relevância alguém meramente por causa de sua
proximidade familiar. O Senhor iria tratar a cada um segundo a contrição de seu
coração, considerando família aqueles que ouvissem e executassem a sua palavra
como seus familiares próximos.

8.22-25. Aqui, o relato da tempestade sob o ponto de vista de Lucas. Há uma diferença
relevante no modo como os discípulos clamam a Jesus, no v. 24, se comparado com
os relatos correspondentes em Mt 8.23-27 e Mc 4.35.41. Veja aqueles textos e
comentários para comparação. Aqui, não é dito em que local do barco Jesus
dormia; e o pedido dos discípulos para Jesus não incluiu uma declaração implícita
de insensibilidade, mas apenas uma constatação macabra: “perecemos”.

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