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nm) DDE 23 DOS LIVRO Roger Chartier (p 7 NA BU FUNDACAO UNIVERSIDADE DE BRASILIA Reitor Lauro Morhy Fe oe eee A ORDEM DOS LIVROS: EDITORA UNIVERSIDADE DE BRASILIA LEITORES, AUTORES E BIBLIOTECAS NA EUROPA Diretor ENTRE OS SECULOS XIV E XVIII Alexandre Lima CONSELHO EDITORIAL 2? edigao Presidente Emanuel Araiijo Colegao Tempos Alexandre Lima Alvaro Tamayo Asyon Dall Igna Rodrigues Diregdo de Emanuel Araijo Dourimar Nunes de Moura Tradugéo de =, Emanuel Araijo ‘ a Euridice Carvalho de Sardinha Ferro Mary Del Priore 4 Liicio Benedito Reno Salomon =F Marcel Auguste Dardenne . = Sylvia Ficher ‘Vilma de Mendonga Figueiredo Volnei Garrafa z : EDITORA UnB Direitos exclusivos para esta edigd0: EDITORA UNIVERSIDADE DE BRASILIA SCS Q.02 BlocoC N°78 Ed. OK 2* andar 70300-500 Brasilia DF e-mail: editora@unb.br Tel.: (061) 226-6874 ramal 30 Fax: (061) 225-5611 Copyright © 1994 by Editora Universidade de Brasilia ‘Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicagao poderé se armazenada ou reproduzida por qualquer meio sem a autoriza¢o po escrito da Editora. SUMARIO Impresso no Brasil FRERARNGHO DE ORDONA carn A ordem dos livros, 7 EEDMTORAGAO Mauricio Borces MARCELO CARVALHO DE OLIVEIRA TEXTOS DE QUARTA CAPA EORELHA i is EDITORAGAO ELETRONICA PAULO HENRIQUE DE CASTRO: Comunidades de leltores, 11 EDILSON OLIVEIRA SILVA re SUPERVISA0 GRAFICA - REVISAO ELMANO RODRIGUES PINHEIRO Figuras do autor, 33 MARceLo C. OLIVE in YaXA PALANKOF Bibliotecas sem muros, 67 WILMA G. ROSAS SALTARELLE : . pilogo, ISBN: 85-230-0378-9 Pe . ost scriptum ___Ficha catalogréfica elaborada pela Do cédex & tela: as trajet6rias do escrito, 95 Biblioteca Central da Universidade de Brasilia , Is1594 Chanter, Roger i: C4860 ‘A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na LQUISICAGFOR COMPRA Europa entre os séculos XIV ¢ XVIII / Roger Chartier, trad. SC-O0045eq6—<4 — naukoode Mary Del Priore - Brasilia : Editora Universidade de Brasilia, 2* ed., 1998. . Up. 29 UN, 1998 Titulo original: L’ordre des livres: lecteurs, auteurs, <0 ego. pom iblioteques en Europe entre XIV" et XVITE siécle W2( oy, 4) ess D Vie Ot -h, 1. Livro — histéria pan ponegsno b= Loo Cukee paige t 2. Bibliotecas. I. Titulo. DU 002 A ORDEM DOS LIVROS Reunindo sob o titulo acima os ensaios que compdem este li- ‘yo, quero, antes de mais nada, assinalar a questo que o percorre: Como, entre o fim da Idade Média e 0 século XVI, 0s homens ten- taram ordenar © multiplicado mimero de textos que o livro manus- crito ~ e depois 0 impresso — colocou em circulago? Arrolar os titu- los, classificar as obras, estabelecer os textos: tantas operagbes graras as quais tomava-se possfvel o ordenamento do mundo do escrito, Desse imenso trabalho, marcado pela inquietagio, os tempos contemporaneos sao herdeiros diretos. £, de fato, nesses séculos de- vos nos quais 0 livro copiado & mao € progressivamente substi- tuido por aquele composto com caracteres méveis e impresso que se fortificam gestos e pensamentos que so, ainda, os nossos. A inven- 40 do autor como principio fundamental de determinagao dos textos, © sonho de uma biblioteca universal, real ou imaterial, contendo to- das as obras jf escritas, a emergéncia de uma nova definigao do livro, associando indissoluvelmente um objeto, um texto e um autor consti- tuem algumas das invengdes que, desde Gutenberg, transformaram as relagbes com os textos. Tais relagbes so caracterizadas por um movimento contradi- ‘6rio. Por um lado, cada leitor € confrontado por todo um conjunto de ‘constrangimentos e regras. O autor, o livreiro-editor, o comentador, o censor, todos pensam em controlar mais de perto a produgo do sen- tido, fazendo com que 0s textos escritos, publicados, glosados ow autorizados por eles sejam compreendidos, sem qualquer variagd0 Possivel, a luz de sua vontade prescritiva. Por outro lado, a leitura 6, Por definigao, rebelde e vadia. Os artificios de que langam mio os Acitores para obter livros proibidos, ler nas entrelinhas, e subverter as impostas sto infinitos. 8 Roger Chartier O livro sempre visou instaurar uma ordem; fosse a ordem de sua decifragdo, a ordem no interior da qual ele deve ser compreen- dido ou, ainda, a ordem desejada pela autoridade que o encomendou ou permitiu a sua publicago. Todavia, essa ordem de miltiplas fisio- nomias nao obteve a onipoténcia de anular a liberdade dos leitores. Mesmo limitada pelas competéncias e convengies, essa liberdade sabe como se desviar e reformular as significagdes que a reduziram. Essa dialética entre imposigio e a apropriagio, entre os limites transgredidos e as liberdades refreadas ndo é a mesma em toda parte, ‘sempre € para todos. Reconhecer as suas modalidades diversas € vari- ‘ages miiltiplas € 0 objeto primeiro de um projeto de leitura empe- nhado em capturar, nas suas diferengas, as identidades entre os leito- res ¢ sua arte de ler. ‘A ordem dos livros tem também um outro sentido. Manuscri tos ou impressos, os livros sio objetos cujas formas comandam, se ‘do a imposigo de um sentido ao texto que carregam, a0 menos os 5 As quais s30 sus- ‘Compre- ‘ender os principios que governam a “ordem do discurso” pressupde decifrar, com todo o rigor, aqueles outros que fundamentam os pro- cessos de produgdo, de comunicagao e de recepgdo dos livros (€ de ‘outros objetos que veiculem o escrito). Mais do que nunca, historia- dores de obras literdrias e historiadores das préticas e partilhas cultu- ais tém conscigncia dos efeitos produzidos pelas formas materiais. No caso do livro, elas constituem uma ordem singular, totalmente distinta de outros registros de transmisso tanto de obras candnicas estudos de caso que reine, esta obra busca atingir ‘um outro objetivo: desencadear uma reflexao de alcance mais geral sobre as relagdes reciprocas mantidas pelas duas significagées que, espontaneamente, atribuimos ao termo cultura. Aquela que designa as obras e os gestos que numa dada sociedade justificam uma apreen- sio estética c intelectual; e aquela que trata das préticas comuns, "sem qualidades", que exprimem a maneira através da qual uma comuni- ‘A ordem dos livros 9 dade — ndo importa em que escala — vive e pensa a sua relagdo com 0 ‘mundo, com os outros ¢ com ela mesma, As obras ~ mesmo as maiores, ou, sobretudo, as maiores ~ nfo tém sentido estético, universal, fixo, Elas estdo investidas de signifi- cagbes plurais e méveis, que se constroem no encontro de uma pro- posigdo com uma recepgo. Os sentidos atribuidos as suas formas € ‘205 seus motivos dependem das competéncias ou das expectativas dos diferentes pablicos que delas se apropriam. Certamente, os cria- dores, os poderes ou 0s experts sempre querem fixar um sentido € ‘enunciar a interpretacdo correta que deve impor limites & leitura (ou 20 olhar). Todavia, a recepeo também inventa, desloca e distorce. Produzidas em uma ordem especifica, que tem as suas regras, 3s convengdes € suas hierarquias, as obras escapam ¢ ganham den- sidade, peregrinando, as vezes na mais longa jomada, através do mundo social. Decifradas a partir dos esquemas mentais e afetivos ‘que constituem a cultura (no sentido antropol6gico) das comunidades {que as recebem, tais obras se tomam um recurso precioso para pensar © essencial a construgdo de um vinculo social, a subjtividade indivi dual, a relago com o sagrado, Toda eriagao, ao contrério, inscreve nas suas formas ¢ nos seus temas uma relagdo: na maneira pela qual - em um dado mo- mento e em determinado lugar ~ so organizados o modo de exerc{- cio do poder, as configuragdes sociais ou a economia da personali- ‘onsiderar, assim, que toda obra estd ancorada nas priticas ¢ nas instituigdes do mundo social néo é, portanto, postular uma igual- dade generalizada entre todas as produgées do espirito, Algumas des- sas, mais do que outras, no esgotam jamais a sua forga de signifi- cago. Parece ser um pouco precipitado invocar a universalidade do belo ou a unidade da natureza humana para compreendé-las. O es- sencial encontra-se em outra parte, nas relagGes complexas, sutis, méveis, enlagadas as formas mesmas das obras (sejam elas simb6li- 10 Roger Chartier cas ou materiais) desigualmente abertas as apropriagSes, aos costu- mes ¢ inquietagdes dos seus diferentes paiblicos. Hoje, o que toda a hist6ria cultural deve pensar é a paradoxal articulagdo entre uma diferenga ~ aquela através da qual todas as so- ciedades separam do cotidiano, de varias maneiras, um dominio par- ticular da atividade humana — ¢ as dependéncias - que, de diversas maneiras, inserevem a invengao estética e intelectual nas suas condi- ‘96es de possibilidade e de inteligibilidade. Esse vinculo problemético Se enrafza na propria trajet6ria que da significagio as obras mais po- derosas, aquelas construfdas a partir da transfiguragdo estética ou reflexiva das experiéncias comuns, compreendidas a partir das prati- cas peculiares aos seus diferentes piblicos. ‘Uma reflexao feita sobre a construcao da imagem do autor, as regras de formago das comunidades de leitores ou as significagSes utilizadas na edificagdo de bibliotecas (com ou sem patedes) talvez coniribua para pormenorizar algumas questdes que hoje atravessam as disciplinas do saber e, também, o debate piblico. Reintroduzindo a variedade e a diferenca, 1é onde surge espontaneamente a ilusio do universal, ela nos ajuda a nos desprendermos de nossos limites muito seguros e de nossas evidéncias por demais familiares. COMUNIDADES DE LEITORES~ A mem@ria de Michel de Certeau Bem longe de serem escritores, fundadores de um lugar pr6prio, herdeiros dos lavradores de antanho — mas, sobre o solo da lin- ‘guagem, cavadores de pocos e construtores de casas —, 0s leitores slo viajantes: eles circulam sobre as terras de outrem, cagam, fur- tivamente, como ndmades através de campos que nao escreveram, arrebatam os bens do Egito para com eles se regalar, A escrita cumla, estoca, resiste a0 tempo pelo estabelecimento de um I= ‘gar, € multipica a sua produgdo pelo expansionismo da reprodu- 40. A leitura ndo se protege contra 0 desgaste do tempo (n6s nos lesquecemos € nés a esquecemes); ela pouco ou nada conserva de suas aquisigdes, ¢ cada lugar por onde ela passa € a repetigl0 do paraiso perdido,’ Esse magnifico texto de Michel de Certeau, a0 contrastar es ctito ~ conservador, fixo, durdvel ~ ¢ as leituras - sempre na ordem do efémero -, acaba por constituir um fundamento obrigatério. Si- multaneamente, ele constit t6ria que se propde a inventariar e racionalizar uma prética — a leitura ~ que raramente deixa marcas, ¢ que, ao dispersar-se em uma infini- dade de atos singulares, liberta-se de todos os entraves que visam submeté-la, Um tal projeto repousa, por prinefpio, num duplo postu- lado: que a leiture ndo esté, ainda, inscrita no texto, ¢ que no hé, Portanto, distancia pensdvel entre o sentido que the € imposto (por Seu autor, pelo uso, pela critica, etc.) e a interpretagio que pode ser feita por seus leitores; conseqiientemente, um texto s6 existe se hou- Yer um leitor para Ihe dar um significado. \ 2 Roger Chartier ‘Quer se trate de um jomal ou de Prous, 0 texto ndo tem signifi- ago a ndo ser através de seus Ieitores; ele muda com eles, orde- nando-se gragas a cédigos de percepgio que lhe escapam. Ele s6 se toma texto stravés de sua relagdo com a extrioridade do lito, ‘por um jogo de implicagses e de ardis entre duas expectativas ‘combinadas: aquela que organiza um espago legfvel (uma literali- ade) e aquela que organiza uma diligencia, necessiia & efetua- ‘0 a obca (uma leitura)? A tarefa do historiador é, entio, a de reconstruit as variagées que diferencia os “espacos legiveis” ~ isto é, os textos nas suas formas discursivas € materiais ~ e as que governam as circunstancias de sua “efetuago” — ou seja, as leituras compreendidas como préticas concretas e como procedimentos de interpretacao. Com base nos procedimentos adotados por Michel de Certeau, € possivel evocar alguns desses mecanismos, problemas e condigdes de viabilidade de uma tal histéria. Trés pélos, em geral separados pela tradigdo académica, definem o espaco dessa histéria: de um lado, a andlise dos textos, sejam eles candnicos ou profanos, deci- frados nas suas estnuturas, nos seus objetivos, em suas pretensdes; de ‘outro lado, a hist6ria do livro, além de todos os objetos e de todas as formas que toma o escrito; finalmente, 0 estudo de priticas que se apossam de maneira diversa desses objetos ou de suas formas, produ- -aindo usos ¢ significagies diferenciados. Para nés, uma questo fun- ‘damental sustenta essa abordagem que associa critica textual, biblio- grafia € histéria cultural: Como, entre os séculos XVI e XVIII, nas sociedades do Antigo Regime, a multiplicada circulagdo do escrito transformou as formas de sociabilidade, permitindo novos pensamen- tos e modificando as relagdes de poder? ‘Dafa atengao prestada maneira pela qual se opera 0 encontro centre 0 "mundo do texto" € 0 "mundo do leitor’ - para retomar os termos de Paul Ricoeur.) Reconstruir em suas dimensées histéricas esse processo de “atualizagdo” de textos exige, inicialmente, conside- rar que as suas significagdes sio dependentes das formas pelas quais cles sdo recebidos e apropriados por seus leitores (€ editores). Estes ‘ltimos, de fato, no se defrontam jamais com textos abstratos, ideais ¢ desprendidos de toda a materialidade: manejam ou percebem obje- tos e formas cujas estraturas € modalidades governam a leitura (ou a A.ordem dos livros 1B escuta) procedendo a possivel compreensdo do texto lido (ou ouvi- do). Contra uma definigao puramente semantica do texto — na qual residem nio apenas a critica estruturalista, em todas as suas varian- tes, mas também as teorias literérias mais cuidadosas em reconstruir a recepgao das obras ~ & preciso levar em conta que as formas pro- duzem sentidos e que um texto, estével por extenso, passa a investir- se de uma significagao ¢ de um status inéditos, tio logo se modifi- quem os dispositivos que convidam a sua interpretaco. Deve-se levar em conta, também, que a leitura € sempre uma prética encamada em gestos, em espacos, em hébitos. Distante de uma fenomenologia que apaga qualquer modalidade concreta do ato de ler € 0 caracteriza por seus efeitos, postulados como universais (como também o trabalho de resposta ao texto que faz com que 0 as- sunto seja mais facilmente compreendido gragas & mediagio da inter- pretagao), uma histéria das maneiras de ler deve identificar as dispo- sigdes especificas que distinguem as comunidades de leitores € as tradigdes de leitura. Essa abordagem pressupde 0 reconhecimento de vérias séries de contrastes; em primeiro lugar, entre as competéncias de leitura. A clivagem entre alfabetizados ¢ analfabetos, essencial mas grosseira, ndo esgota as diferengas em relagdo ao escrito. Aque- les que sdo capazes de ler textos ndo 0 fazem da mesma maneira, © hi ‘uma grande diferenga entre os letrados talentosos ¢ 0s leitores menos hébeis, obrigados a oralizar o que Iéem para poder compreender, ou {que 56 se sentem a vontade com algumas formas textuais ou tipogré- ficas. Hi contrastes, igualmente, entre as normas e as convengées de leitura que definem, para cada comunidade de leitores, os usos legi- limos do livro, as maneiras de ler, 0s instruments e procedimentos 4a interpretagio. Contrastes, enfim, encontramos entre os diversos in- leresses e expectativas com os quais os diferentes grupos de leitores investem a pratica da leitura. Dessas determinacées que governam as préticas dependem as maneiras pelas quais os textos podem ser lidos € lidos diferentemente por leitores que no dispdem das mesmas ferramentas intelectuais, e que nJo mantém uma mesma relag3o com escrito. Michel de Certeau ilustrou tat abordagem ao caracterizar os tragos especificos da leitura mistica, assim definidos: “Por ‘leituras misticas’ eu entendo 0 conjunto de procedimentos de leitura recomen- ‘dado ow praticado no campo da experiéncia de solitérios ou dos gru- 4 Roger Chartier pos designados, nos séculos XVI e XVII, como ‘iluminados! ‘misticos', ou 'espirituais"".“ Nessa comunidade minoritéria, marginal dispersa que € © meio mistico, a leitura, tal como regulamentam nor: mas € costumes, investe 0 livro de fungSes originais: substituir a ins tituigdo eclesiéstica tida por enfraquecida, tomar possfvel uma pa lavra (aquela da orago, da comunicagao com Deus, do conversar) indicar as préticas através das quais se constr6i a experiencia espiti tual, A relagdo mistica com o livro pode, também, ser compreendid: ~A como uma trajetéria onde se sucedem varios "momentos" da letura a instaurago de uma alteridade que fundamenta a busca subjetiva, ¢ desdobramento de um prazer, 0 suplicio do corpo reagindo ? “manducagio” do texto, e, ao fim desse percurso, a interrupgdo de Ieitura, 0 abandono do livro, 0 absoluto desprendimento. Observar assim, as redes de préticas e as regras de leituras prOprias as diversas ‘comunidades de leitores (espirituais, intelectuais, profissionais, etc.’ € uma primeira tarefa para se chegar a uma hist6ria da leitura preocu- pada em compreender, nas suas diferengas, a figura paradigmatic: dese leitor que & um furtivo cagador Mas ler é sempre ler alguma coisa. Por certo que a condigac de existéncia da histéria do livro é radicalmente distinta de uma his. t6ria do que € lido: © leitor emerge da histéria do livro, na qual ele esteve por un longo tempo confundido, indistint. (...) © leitor era consideradk tum efeito do livro. Hoje ele se destaca desses livros dos quais s Julgava ser ele um reflexo harmonioso. Eis que 0 reflexo se deli neia, ganha o seu relevo, adquire uma independéncia.® > sta independéncia fundadora nao 6, todavia, uma liberdad arbitrésia. Ela € limitada pelos cédigos © convengSes que regem a priticas de uma comunidade de dependéncia. Ela € limitada, tambérr pelas formas discursivas e materiais dos textos lidos. “Novos leitores criam textos novos, cujas significagdes depen ‘dem diretamente de suas novas formas."? Assim D.F. McKenzie de finiu com grande acuidade 0 duplo conjunto de variagSes ~ variagde na disposigdo dos leitores, variagdes nos dispositivos textuais e fo mais — que toda a histéria, desejosa de restituir a significag3o mow diga e plural dos textos, deve levar em consideragZo. Podemos tire st ‘A ordem dos livros Is proveito dessa constatago de diversas _maneiras: indicando os con- trastes maiores que distinguem os modos de leitura; caracterizando as préticas mais populares dos leitores; ou prestando atengio as férmu- las editoriais que textos antigos oferecem a novos compradores, mais numerosos € mais humildes. Uma tal perspectiva traduz. a dupla insatisfacdo frente & histé- ria do livro feita na Franga nos iltimos trinta anos. Esta, durante muito tempo, se dera por objeto a desigual medida da presenga do li- ‘ro entre os grupos que compunham a sociedade do Antigo Regime. Dai, a construgdo (que continua, alids, necessdria) de indicadores aptos a revelar as distincias culturais; assim, para determinado tempo € espaco, 2 porcentagem de inventérios péstumos mencionando a posse de livros, a classificagio de colegdes segundo o niimero de ‘obras que comportassem, ou ainda, a caracterizagdo temitica das bi- bliotecas privadas em fungio da parte que nelas tém as diferentes ca- tegorias bibliogréficas. Nessa perspectiva, reconhecer as leituras dos franceses entre 0s séculos XVI ¢ XVIII era, antes de qualquer outra coisa, constituir séries de dados numerados, estabelecer pisos quanti- tativos e observar as tradugdes culturais das diferencas sociais. Essa abordagem, coletivamente assumida (inclusive pelo autor deste texto), fez acumular um saber sem o qual outras interrogagies seriam impensdveis. Todavia, tal ndo se deu sem problema. Ela se ba- seia em uma concepgio de cardter acentuadamente sociogréfico que postula, de form: ta, que as clivagens culturais so organiza~ das segundo um recorte social prévio, E preciso, creio eu, tecusar essa dependéncia que articula as distancias, construfdas a priori entre as préticas culturais € oposigaes sociais, seja na escala de contrastes macrosc6picos (entre os dominantes € os dominados ~ entre as elites € 0 povo), seja na escala de diferenciagdes mais mitidas (por exem- plo, entre os grupos sociais hierarquizados pela distingao de condigao de oficio ou de niveis de fortuna). ‘Nao hd o que obrigue as partilhas culturais a se ordenarem de acordo com uma grade tinica de recorte do social, recorte esse que supostamente comandaria a desigual presenca de objetos culturais, bem como as diferengas de conduta em relagio a eles. A perspectiva deve ser modificada, preocupando-se em desenhar, primeiro, as éreas Sociais nas quais circulam cada corpus de textos e cada género de im- presso. Partir, entdo, dos objetos € nio das classes ou dos grupos, 16 Roger Chanter leva-nos a considerar que a hist6ria sécio-cultural & francesa viveu muito tempo sob uma concepcao mutilada do social. Privilegiando apenas a classificagao s6cio-profissional, ela esqueceu que outros princfpios de diferenciagdo, eles também plenamente sociais, poderi- ‘am dar, com maior pertinéncia, razdo a outras distancias culturais: pertencer a um sexo ou a uma geragdo, adesdes religiosas, solidarie- dades comunitirias, tradig6es educativas e corporativas, etc. Em sua definigdo social e serial, a hist6ria do livro visava ca- racterizar as configuragdes culturais a partir de categorias de textos supostamente especificas, Tal operagio revelou-se duplamente redu- tora. Por um lado, ela assemelha a identificagao de diferencas as tini- cas desigualdades de reparticSo; por outro, ela ignora os processos através dos quais um texto faz sentido para aqueles que o Iéem. Con- tra tais postulados € preciso propor varios deslocamentos. O primeiro a © teconhecimento das distincias mais arraigadas socialmente nos usos contrastados de materiais partilhados. Mais do que nunca, foi dito que nas sociedades do Antigo Regime os mesmos textos 30 apropriados, quer pelo leitor popular, quer por aqueles que nao esta- vam inclufdos nessa categoria. Seja porque leitores de condigdo hu- milde tiveram a posse de livros que nao Ihes eram particularmente destinados (é 0 caso de Menocchio, o moleiro friulano; de Jameray Duval, o pastor da Lorena; ou de Ménétra, o vidraceiro parisiense),* seja porque livreiros e impressores inventivos e prudentes colocaram a alcance de uma grande clientela textos que antes s6 circulavam no mundo restrito de letrados afortunados (£ 0 caso dos pliegos sueltos castelhanos ¢ dos plecs catalies, dos chapbooks ingleses ou da f6r- mula editorial conhecida na Franga sob 0 termo genérico de biblio- théque bleue). O essencial € compreender como os mesmos textos podem ser diversamente apreendidos, manejados e compreendidos. © segundo deslocamento incide sobre a reconstrugio das redes de préticas que organizam, histérica e socialmente, os modos dife- renciados de acesso aos textos. A leitura ndo € somente uma operagio abstrata de intelecgdo; ela € engajamento do corpo, inscrigdo num es- ppaco, relagdo consigo e com os outros. Eis por que deve-se voltar a ‘atengio particularmente para as maneiras de ler que desapareceram em nosso mundo contemporaneo. Por exemplo, a leitura em voz alta, em sua dupla fungo: comunicar 0 texto aos que nio 0 sabe deci- frar, mas também cimentar as formas de sociabilidade imbricadas A ordem dos livros 0 igualmente em sfmbolos de privacidade - a intimidade familiar, a convivéncia mundana, a conivéncia letrada. Uma histéria da leitura ado deve, pois, limitar-se 3 genealogia nica da nossa maneira con- tempordnea de ler em siléncio e com os olhos. Ela tem, também e so- bretudo, a tarefa de encontrar os gestos esquecidos, as hébitos desa- parecidos. Essa iniciativa € muito importante, pois revela, além da distante estranheza de préticas antigamente comuns, estruturas es- pecificas de textos compostos para usos que nio so mais os mesmos dos leitores de hoje. Ainda nos séculos XVI e XVII, a leitura implicita do texto, literdrio ou no, constitufa-se numa oralizagio, € seu "Ieitor” aparecia como o ouvinte de uma palavra lida. Dirigida tanto a0 ouvido quanto ao olho, a obra brinca com formas € proce- dimentos aptos a submeter o texto as exigéncias prdprias da perfor- mance oral. Dos temas do Don Quixote as estruturas de textos que participam da bibliothéque bleue, numerosos so os exemplos desta ligagdo entre 0 texto € a voz? "Seja 0 que quer que facam, os autores no escrevem livros. 3 livros nao so absolutamente escritos. Eles so fabricados por co- pistas e outros artifices, por operdrios € outros técnicos, por prensas € ‘outras méquinas."!9 Essa observagdo pode introduzir o terceiro dos deslocamentos que gostaria de sugerir. Contra a representagao clabo~ rada pela prépria literatura ¢ retomada pela mais quantitativa das \Grias do livro — segundo 2 qual 0 texto existe em si mesmo, isolado de toda a materialidade ~ deve-se lembrar que nio ha texto fora do suporte que o dé a ler (ou a ouvir), € sublinhar 0 fato de que nao existe a compreensdo de um texto, qualquer que ele seja, que néo dependa das formas através das quais ele atinge o seu leitor. Dat a distingdo necesséria entre dois conjuntos de dispositivos: os que des- tacam estratégias textuais e intengdes do autor, ¢ os que resultam de decisdes de editores ou de limitagdes impostas por oficinas impres- soras. Os autores ndo escrevem livros: ndo, eles eserevem textos que se tomam objetos escritos, manuscritos, gravados, impressos ¢, hoje, informatizados. Essa clivagem, espago onde, alids, constréi-se um sentido, foi, durante muito tempo, esquecida. A histéria literdria clds- sica percebia a obra como um texto abstrato cujas formas tipogrificas ‘do importavam. © mesmo ocorreu com a “estética de recepedo", que Postula ~ malgrado o seu desejo de “historicizar” a experiéncia que os 18 Roger Chartier leitores absorvem das obras ~ uma relago pura ¢ imediata entre os “sinais" emitidos pelo texto — jogando com as convengies literérias aceitas ~¢ 0 “horizonte de expectativa” do piiblico ao qual é dirigido. ‘Numa tal perspectiva, 0 “efeito produzido” nfo depende, em absolu- to, das formas materiais que o texto suporta.!! Estas, todavia, contri- buem largamente para modelar as expectativas do leitor, além de convidar a participagio de outros piblicos e incitar novos usos, Voltamos, assim, a0 nosso tridngulo inicial, definido pela re- lacdo estabelecida entre o texto, o livro € a leitura. Retomando as ex- pressdes de Michel de Certeau, as variagies dessa leitura apontam para algumas figuras elementares da relagio entre "espaco legivel” € “efetuagio". A primeira refere-se a um texto estével, dado a ler em formas impressas que, estas sim, sofrem uma mudanga. Estudando as inovagdes que sobrevieram quando da edigdo das pegas de William Congreve, na virada do século XVII para o XVIII, D.F. McKenzie demonstrou como transformagdes formais aparentemente insignifi- cantes (@ passagem do in-quarto para in-octavo, a numeragao das ‘cenas, a presenga de ormamentos entre elas, a indicag3o nas margens do nome de quem fala, a mengo de entradas e safdas) tiveram um feito importante sobre a ordenagao das obras. Uma nova legibilidade nascia, gracas a um formato de fécil manejo e pela organizacao das paginas, que restitufa ao livro algo do movimento da organizagio cénica, rompendo, assim, com as antigas convengdes que imprimiam pegas sem nada lhes restituir de sua teatralidade. Logo, surgia uma nova maneira de ler 0 texto, ¢ também um novo horizonte de recep- 40, pois os dispositivos utilizados na edigo in-octavo de 1710, copi- ados daqueles utilizados nas edigSes do teatro francés, deram uma legitimidade inédita as pegas de Congreve, inscritas, doravante, em ‘um cfinone cldssico ~ aquele que levou o autor a depurar, aqui e ali, o seu estilo, adaptando-o a essa nova “dignidade” tipografica."? As va- riagdes das modalidades mais formais de apresentago dos textos puderam, entdo, modificé-los, assim como mudaram os seus registros de referéncia e as suas maneiras de interpretagao. Em maior escala, o mesmo aconteceu com a principal modifi- ‘cago no "imprima-se”, entre os séculos XVI e XVIII ~ "o triunfo de- finitivo dos brancos sobre os pretos"!? — quer dizer, a aerago da pi- ina pela multiplicaglo dos pardgrafos que quebram a continuidade ininterrupta do texto, € aquela das alineas, que entre idas e vindas & ‘A ordem dos liveos 19 linha tomam a ordem do dicurso imediatamente mais legivel. Uma nova leitura das mesmas obras ou dos mesmos géneros € assim suge- rida pelos editores de entio; uma leitura que fragmenta os textos em. unidades separadas, e que reencontra, na articulagdo visual da pégina, ‘as conexdes intelectuais ou discursivas do raciocinio. Esse recorte pode ter implicagdes fundamentais quando se trata de um texto sagrado. E conhecido o embarago de Locke diante do hibito, enti difundido, de dividir o texto da Biblia em capitulos versiculos. Para ele, uma tal forma implicava o risco de ver oblite- rada a poderosa coeréncia da palavra de Deus. A propésito das epis- tolas de Paulo, notava que: "Nao apenas o vulgo toma os versiculas por aforismos distintos ao lé-los, mesmo os homens de maior saber, perdem muito da forga e do poder de sua coeréncia ¢ da luz que deles se desprende”. Em seu entender, os efeitos de tal recorte so desas- trosos, autorizando a cada seita ou partido religioso fundar a sua le- sgitimidade sobre os fragmentos da Escritura que mais the paregam confortéveis: Se uma Biba fosse publicada como deveria ser, ov seja, com as suas diferentes partes escritas em discurso continuo, seguido pelo argumento, estou convencido de que os diferentes partidos as cri- ticariam como uma inovacdo ¢ uma mudanca perigosa na publica ‘0 desses santos livros. (.) Bast a ele (0 fiel de uma Igreja qualquer) munir-se de certos versiculos das. Santas: Escrituras contend palavras e expressbes de ficilinterpretagao (..) para que ‘o sistema, que os terd integrado & doutrina ortodoxa de sua Igreja, logo os faga advogados poderosos ¢ irefutsveis de sua opinigo. Essa é a vantagem de frases separadas ¢ da fragmentagio das Es- crituras em versiculos que, rapidamente, tomar-se-fo aforismos independentes.™4 ‘Segunda figura: aquela na qual a passagem de uma forma de digo para outra direciona, ao mesmo tempo, transformagSes no texto € a constituigSo de um novo piiblico. E o caso evidente do cor- us de titulos que constitui o catélogo da bibliotkeque bleue. Se esse Conjunto prendeu a atencao dos historiadores durante tanto tempo & Porque ele parecia fomecer um acesso direto 4 “cultura popular” do Antigo Regime, cultura essa supostamente expressa ¢ alimentada por 20 Roger Chartier tais livros, difundidos em massa para © mais humilde dos leitores.'° Parece claro que a quase totalidade das obras que compiem 0 fundo francés da livraria de colportage’ ndo foi escrita para um tal fim. A bibliothéque bleue & uma férmula editorial que vai beber no repert6rio de textos j& publicados, aqueles que mais parecem convir as expectativas do grande piblico que ela quer atingir. Donde duas precaugées necesstrias: nao tomar os livros de capa azul como “populares” em si mesmos, pois eles pertencem a todos os géneros da literatura erudita; considerar que eles j6 possufam uma primeira exis- ‘éncia editorial, as vezes muito antiga, antes de ter ingressado no re- pertério de livros para um grande niimero de leitores. O estudo dos titulos do catélogo “popular” permitiu observar como disposigdes formais ¢ materiais podem encerrar em si mesmas 05 indices de diferenciagdo cultural. Com efeito, a especificidade fun- damental da bibliothéque bleue remete as intervengdes editoriais ope- radas sobre os textos a fim de torné-los legiveis para as largas clien- telas a que sio destinados. Todo esse trabalho de adaptagiio - que diminui, simplifica, recorta e ilustra os textos ~ € comandado pela ‘maneira através da qual os livreiros ¢ impressores especializados esse mercado representam as competéncias ¢ expectativas de seus compradores. Assim, as pr6prias estruturas do livro sio dirigidas pelo ‘modo de leitura que os editores pensam ser 0 da clientela almejada. Esta ultima trata-se de uma terceira constatagio — & sempre pensada como uma leitura que exige sinais vis(veis (\itulos antecipados ou resumos sintéticos ¢ recapitulativos, ou ainda gravuras em madeira que funcionam como protocolos de leitura ou lugares de meméria). E ‘uma leitura agradavel, se utilizadas seqiiéncias breves ¢ fechadas, separadas umas das outras; uma leitura que parece se contentar com: uma coeréncia minima, uma maneira de ler que nao é a das elites le- tradas do perfodo, mesmo que certos notiveis no vejam com maus colhos a compra dos livros de capa azul. As obras impressas para um. maior niimero de leitores apostam no pré-conhecimento desses leito- res, Pela recorréncia de formas muito codificadas, pela repeticao de temas semelhantes de um titulo a0 outro, pelo reemprego das mes- mas imagens, 0 conhecimento do texto j& visto é utilizado para a compreensio de novas leituras. O catdlogo azul torna-se, assim, uma Colporage:vendaambulane de Joma, ror diferentes mercado (N. do E) Avocdem dos livros 2 leitura que é mais reconhecimento do que verdadeira descoberta. E, portanto, nas particularidades formais das edigdes e nas modificagdes aque elas impdem as obras das quais se apoderam que se pode reco- nhecer 0 carter “popular”. Ao propor essa teavaliagao da bibliotheque blewe, nossa inten- ‘¢lo no € apenas compreender 0 mais poderoso instcumento de acul- twragdo escrita na Franca do Antigo Regime.'* E, também, mostrar que a indicagao das diferencas sécio-culturais ¢ 0 estudo dos disposi- tivos formais e materiais, longe de exclufrem-se reciprocamente, es- tio necessariamente ligados. E isso ndo apenas porque as formas se modelam gragas &s expectativas ¢ competéncias atribuidas ao piiblico por elas visado, mas, sobretudo, porque as obras ¢ objetos produzem © seu nicho social de recepgdo, tanto mais quanto nio forem produzi- das por divisdes cristalizadas e prévias. Recentemente, Lawrence W. Levine fez uma beta demonstra- ¢¢lo disso." Analisando a forma como eram encenadas as pegas de ‘Shakespeare na América do século XIX (isto , misturadas a outros séneros: 0 melodrama, a farsa, 0 circo, a danga, etc.), ele revelou como esse tipo de representagio criou um piblico numeroso, “popular”, que ndo estava reduzido & elite letrada e que era partici- ante ativo do espeticulo, através de reagdes ¢ emogdes. No final do século, a estrita partilha estabelecida entre os géneros, os estilos ¢ os lugares dividiu esse piblico “universal”, reservando para uns 0 Shakespeare “legitimo", € destinando aos outros um divertimento “popular”. Na constituicio dessa bifurcated culture, as transforma ses na apresentacio das pecas de Shakespeare (mas também da mi- sica sinfOnica, da 6pera, das obras de arte) tiveram um papel decisi- Yo, fazendo suceder a um tempo de mistura ¢ de partilha, um outro, ‘80 qual o processo de distingdo social produzia a separagio cultural Os dispositivos tradicionais de representagdo do repertério “shakespeareano” na América sio da mesma ordem das transforma- Ges “tipogratficas” operadas pelos editores da Bibliotheque bleue nas obras de que se apropriaram. Tanto uns quanto 0s outros objetivan inscrever 0 texto numa matriz cultural que nao € a dos seus destina- Uétios originais, permitindo, assim, “Ieituras", compreensdes ¢ usos Possivelmente desqualificados por outros hdbitos intelectuais. Os dois exemplos levam a considerar as distincias culturais No como mera tradugio de divisdes estiticas e iméveis, mas como 22 Roger Chartier feito de processos dinamicos. Por um lado, a transformagio das for- mas e dos dispositivos através dos quais um texto é proposto pode ccriar novos piblicos e novos usos; por outro, a partilha dos mesmos ‘objetos por toda uma sociedade suscita a busca de novas diferengas, aptas a sublinhar as distancias existentes. A trajet6ria do impresso, no Antigo Regime francés, pode servir como testemunha disso. Tudo se passa como se as distingdes entre as maneiras de ler fossem reforca- das & medida que o escrito impresso tornava-se menos raro, menos controlado, mais comum. Enguanto a simples posse do livro signif cou, durante tanto tempo, uma clivagem cultural, a conguista do im- presso investiu progressivamente as posturas de leitura ¢ os objetos tipogréficos de uma tal fungdo. As leituras distintas e os livros re- quintados se opdem, desde entéo, aos impressos prematuros © aos decifradores ineptos. Mas, tanto uns quanto os outros, lembremo-nos, Iéem recor- rentemente os mesmos textos, cujas significagSes multiplas e contra- it6rias se inventam & luz de contrastados usos. A questo tomna-se, desde 4, aquela da escolha: por que alguns textos se prestam melhor do que outros a esses reempregos durdveis ¢ multiplicados?"® Ou por ‘que 0s produtores de livros se consideram capazes de ganhar pblicos tio diversos? A resposta reside nas relagdes sutis estabelecidas entre 4s estruturas mesmas das obras, desigualmente abertas a reapropria- ‘ges, e nas determinagdes miltiplas - tanto institucionais, quanto formais - que regulam a possivel “aplicago" delas (no sentido her- menéutico) a situagGes muito diferentes. Da relagdo entre texto, impresso ¢ leitura, surge uma terceira figura quando um texto, estével na sua leitura e fixo em sua forma, € apreendido por novos leitores que o Iéem diferentemente de seus pre- decessores. "Um livro muda pelo fato de que ele no muda quando o * mundo muda"! —e para tornar a proposi¢ao compativel com a escala do nosso trabalho, acrescentemos — “enquanto 0 seu modo de leitura muda". A observago & suficiente para justificar 0 projeto de uma histéria das préticas de leitura, tendo como meta a indicago dos con- trastes mais importantes que se pode extrair dos sentidos diversos de tum mesmo texto. J4 é tempo de questionar trés dessas clivagens fun- damentais, tidas por certas. Em primeiro lugar, aquela entre uma | tura onde a compreensio pressupte uma necessdria oralizago — em voz alta ou baixa ~¢ uma outra, possivelmente visual.2° Lembramos A ordem dos livros 23 aqui (mesmo se a cronologia € discutivel) a observagio de Michel de Certeau, associando a liberdade do leitor ¢ a leitura em siléncio: A leituratomou-se, depois de tts séeulos, um gesto do olho. Ela rio € mais acompanhada, como antes, pelo rumor de uma articu- tegBo vocal, nem pelo movimento de manducagio muscular. Ler sem pronunciar em voz alta ou meiawoz € uma experiénc “modera’, desconhecida durante milénios. Antigament, o letor interioraava 0 texog ele fain de sua voz 0 corpo do out ele era, 20 mesmo tempo, ator. Hoje 0 texto alo impie 0 se ritmo 20 indviduo, ele no se manifesta mais pela vor do leitor. Essa suspensio do emprego do corpo, condigéo de sua autonomia, equivale a um distanciamento do texto, Ela € 0 habeas-corpus do leitor2! AA seguir, passemos a clivagem entre uma leitura “intensiva® — confrontada a livros pouco numerosos, apoiada na escuta € na me- ria, reverencial e respeitosa — e uma leitura “extensiva”, consumi- dora de muitos textos, pasando com desenvoltura de um ao outro, sem conferir qualquer sacralidade & coisa lida:”? enfim, entre a leitura da intimidade, da clausura, da solidio, considerada como um dos suportes essenciais da constituigao de uma esfera do privado, e leitu- ras coletivas, disciplinadas ou rebeldes, feitas nos espagos comunité- rios.23 Esbogando ums primeira trama cronolégica, que contém como mutacdo maior os avangos progressivos da leitura silenciosa na Idade Média e a entrada no mundo da leitura extensiva no fim do século XVII, tais oposigdes, toradas clssicas, conduzem a varias refle~ XBes. Umas tendem a tomar menos simples as dicatomias apresenta- das, chamando a atengo para os deslocamentos, embaralhando os critérios que diferenciam de maneira abrupta os estilos de leituras, invertendo as figuras que associam espontaneamente 0 coletivo e 0 Popular, a elite € o privado;?* outras, convidam a articular trés séries de transformagdes cujos efeitos foram, muitas vezes, mal deslinda- dos. Por um lado, as “revolugdes” ocorridas nas técnicas de reprodu- ‘0 de textos (com a passagem da scribal culture para a print cul- ure): por outro, as mutagdes das formas especificas do livre. A Substituiggo do livro em rolo (volumen) pelo livro em cademos 24 Roger Chartier (codex) nos primeiros séculos da era crista foi a mais important rém, outras, certamente mais discretas, modificaram os dispositivos visuais da p4gina impressa entre o século XVI e o XVIII)? Enfim, as mudangas em larga escala, tanto das competéncias quanto dos mo- dos de leitura. Existem af diferentes conjunturas, que ndo surgiram no ‘mesmo ritmo € que ndo foram cadenciadas pelas mesmas censuras. A mais interessante pergunta formulada pela historia da leitura hoje é, sem nenhuma divida, aquela que diz respeito as relagdes entre esses ‘és conjuntos de mutagdes: as tecnolégicas, as formais e as culturais. Da resposta que Ihe dermos depende a reavaliagio das trajet6- rias ¢ recortes culturais que caracterizam a sociedade do Antigo Re- zgime. Mais do que se diz, tais trajet6rias ¢ recortes se ordenam a par- tir da presenga do escrito impresso, Durante muito tempo, essa socie~ dade 56 foi avaliada de acordo com duas séries de medidas: aquelas que, gragas A contagem das assinaturas, visavam estabelecer as per- centagens de alfabetizago — logo, as variagdes na capacidade de ler segundo as épocas, os lugares, os sexos e as condigses — e as outras que, examinando os inventérios de bibliotecas organizadas por noté- rios ou livreiros, tendiam a medir a cireulagao do livro e as tradigdes de leitura, Todavia, no mais nas sociedades do Antigo Regime do que ina nossa, 0 acesso ao impresso no pode ser reduzido & exclusiva posse do livro: nem todo livro lido € necessariamente possuido, nem todo impresso mantido no foro privado € necessariamente um li- vro. Além disso, o escrito esté mesmo instalado no coracdo da cultura dos analfabetos, presente nos rituais, nos espacos publicos, nos es- pagos de trabalho.” Gragas & palavra que o decifra, gracas a imagem que 0 desdobra, ele se tora acessivel mesmo aqueles que so incapa- 2es de ler, ou que dele no podem ter, por si s6s, nada mais que uma compreensio nudimentar. As taxas de alfabetizagao no fornecem, entio, uma justa medida da familiaridade com o escrito — tanto que nas sociedades arcaicas, onde o aprendizado da leitura ¢ da escrita siio dissociados € sucessivos, hf numerosos individuos (sobretudo mulheres) que deixam a escola sabendo ler, 0 menos um pouco, mas sem conseguir escrever.2” A posse privada do livro ndo indicaria, tampouco, a freqiiéncia do manejo de textos impressos por aqueles pobres demais para ter uma "biblioteca". Acordem dos livros 28 Mesmo que pateca ser impossivel estabelecer o niémero desses leitores que ndo sabiam sequer assinar, ou o dos leitores que ndo pos- sufam um livro sequer (pelo menos ndo um livro que fosse digno de ser anotado pelo notério que fazia o inventério de bens) mas que, as- sim mesmo, liam panfletos e cartazes, folhas volantes € jomais, € preciso pensar neles como tendo sido numerosos, para compreender 0 impacto do escrito impresso sobre as formas antigas de uma cultura aque ainda era bastante oral, gestual ¢ iconogréfica. Entre os dois mo~ dos de expresso e de comunicagio, as imbricagées so miltiplas. Primeiramente, entre 0 escrito € 0 gesto: ndo apenas o escrito esté no centro das festas urbanas e das cerimdnias religiosas como também ‘aumerosos textos continham a intengdo de anular-se como discurso, produzindo, sob 0 ponto de vista prético, condutas reconhecidas ‘como conformes as normas sociais ou religiosas. E 0 caso, por exem- plo, dos tratados de civilidade que visavam fazer os individuos incor- pocarem as regras da polidez mundana ou da decéncia cristi.2* Imbricagdo, igualmente, entre palavra e escrito, e de duas ma- neiras: por um lado, os textos destinados pelo autor ~ e, mais corren- temente, pelo editor - a0 pablico mais popular encobrem com fre- qléncia férmulas ou temas que sio os mesmos da cultura do conto ¢ da recitagao (a escrita de certos folhetos, valorizando as maneiras de dizer dos contadores, ow as variantes introduzidas nas edigdes volan- tes dos contos de fada, estes sempre inspirados nas coleténeas erudi- tas, so bons exemplos do afloramento da oralidade no impresso)2 Por outro lado, jf o dissemos, numerosos “leitores” s6 apreendiam os textos gragas A mediagdo de uma voz que os lia. Compreender a es- pecificidade dessa relagio com o escrito pressupde ndo considerar toda leitura como forgosamente individual, solitéria e silenciosa, ‘mas, a0 contrério, realgar a importincia e a diversidade de uma pré- tica que teria, em grande escala, desaparecido: a leitura em voz alta. Dessa primeira constatagdo, que indica a forte presenga da cultura impressa nas sociedades do Antigo Regime, decorrem muitas ‘outras. Ela pode, inicialmente, dar conta da importancia atribuida 20 texto escrito e aos objetos que 0 suportam por todas as autoridades ue pensam regular as condutas e as maneiras de modelar os espiti- tos. Daf o papel pedagégico, aculturador, disciplinador, atribuido aos {extos colocados em circulago para numerosos leitores; donde, tam- ‘bém, os controles exercidos sobre o impresso, submetidos a uma cen- 26 Roger Chartier sura que deveria apartar tudo 0 que pusesse em perigo a ordem, a re- ligito ou a moral. Michel de Certeau convida a reconhecer a eficécia dessas limitagSes, tanto mais quanto € forte a adesdo a instituigo que as edita ("A criatividade do leitor cresce & medida que decresce a ins- tituigo que a controlava"®®), bem como as suas modalidades, que vio de censuras exteriores (administrativas, judicidrias, inquisitoriais, escolares, etc.) 20s dispositivos que, no interior do préprio livro, pa- recem refrear a interpretagao do leitor. Pelas possfveis utilizagdes do escrito, através dos diversos ma- nejos do impresso, os textos antigos constroem representagdes onde se reconhecem clivagens tidas como decisivas para os produtores de livros. Tais percepgdes so essenciais na medida em que fundam es- tratégias de redacdo e de edigao, reguladas pelas supostas habilidades © expectativas dos diferentes paiblicos visados. Elas adquirem, assim, uma eficdcia da qual encontramos vestigios nos protocolos de leitura explicita, nas formas dadas aos objetos tipogréficos, ou nas transfor: mages que modificam um texto quando ele é dado a ler a novos | tores numa nova f6rmula editorial. E a partir de diversas representa- ges da leitura ¢ de dicotomias construfdas na Tdade Modema (entre Jeitura do texto e leitura da imagem, leitura erudita ¢ leitura vaci- Jante, leitura fntima e leitura comunitaria) que € preciso compreender 08 arranjos ¢ empregos de impressos tnais humildes que o livro, po- rém mais presentes, caja variedade abarca de folhas volantes e car- tazes (sempre acompanhados de textos) a gazetas ¢ livretos azuis (Quase sempre ilustrados com imagens). Representagdes de antigas leituras e de suas diferengas, tal como as revela o trabalho prético da impresso, ou, em sua finalidade _normativa, as representagdes literérias, pictéricas ou autobiogréficas, cconstituem dados essenciais para uma arqueologia das préticas de I tura, Todavia, se elas enunciam contrastes mais presentes ao espiri de seus contempordneos, no devem mascarar outras clivagens, menos claras, certo — por exemplo — que sfo numerosas as préticat que invertem os termos da oposigio, tantas vezes esbogada, entre lei- tura solitéria, de foro privado burgués ou aristocrético, e as leituras ‘em comum dos audit6rios populares. De fato, a leitura em vor alta, para 0s outros, continua sendo um dos cimentos da sociabilidade da elite; por outro lado, a penetragdo do impresso no corago da intimi- dade popular fixa em objetos modestos (que esto longe de serem ‘A ordem dos livros a yros) a marca de um momento significativo da existéncia, a meméria de uma emogéo, 0 signo de urna identidade. Ao contrétio do imagin4- rio cléssico, produzido na [dade Modema, © povo no & sempre sinénimo de plural, ¢ & preciso reencontrar em sua solidso secreta as préticas humildes daqueles que recortavam as imagens das gazctas, coloriam gravuras impressas, liam por exclusivo prazer os livros anus. Firmada em um terreno particular (a Franga entre os séculos XVLe XVII), vinculada a um problema especifico (0s efeitos da pe- netragio do escrito impresso sobre a cultura dos muito numerosos), a abordagem proposta nesse texto (¢ colocada em pritica em outros tantos) deseja tomar operantes duas proposigdes de Michel de Certeau, A primeira delas lembra, contra todas as redugdes que anu- Jam a forga criativa e inventiva dos usos, que a leitura nao é jamais limitada, ndo podendo, assim, ser deduzida dos textos dos quais ela se apropria, A segunda sublinha que as téticas dos leitores, insinuadas nesse "lugar préprio” produzido pelas estratégias da escrita, obede~ com a regras, I6gicas, modelos. Fica, assim, enunciado 0 paradoxo fundador de toda a histéria da leitura, que deve postular a liberdade de uma prética da qual s6 podemos capturar as determinagées. Cons- ‘muir comunidades de leitores como sendo interpretive communities (ara retomar a expressio de Stanley Fish), observar como as formas materiais afetam os seus sentidos, localizar a diferenga social nas Priticas mais do que nas diferencas estatisticas, sio muitas das vias Possiveis para quem quer entender, como historiador, essa “producao silenciosa” que é a “atividade leitora"3! Notas 1. Michel de Ceneau, Limention du guotidien, ("Art de faite"), 1980, nova edigio ‘evista eapresentada por Luce Giard, Pars, Gallimard, 1990, 251 2 it, p. 247, Sobre a dupa leiuralescrita, ver nesse livro de Michel de Certeat 9 fanigo de Anne-Marie Charer ¢ Jean Hébrard, "Linvention dy quotiien, une lecture des usages, Le Déba, 49, mabe. 1988, pp. 97-108. 28 Roger Chartier Pact Ricoeur, Temps et récit, ome I, Le temps raconi, Pats, Editions do Seuil, 1985, pp, 228-263. Michel de Ceneau, "La lecture abslue (Toric et pratique des mysiqueschrti- ens: XVICXVIF sels)", Problemer actuels dela lecture, sob a diregi0 de Lucien Dllenbach e Jean Ricardou, Pari, Eons Clancier-Guénaud, 1982, pp {65-79 (citago& p67), As sugestes des ensaio so retomadas na grande obra de Michel de Ceneau, La able mystique, Paris, alma, 1982, em particular na sua tercera pane, "La sctne de Fénonciaton” pp. 20-273 ‘Ver, a titulo de exemplo,o estudo de Lisa Janine © Anthoay Grafton “Studied for scion: how Gabriel Harvey ead his Livy", Post and Present, 129, nov. 1990, pp. 30-78, Miche! de Certeau, "La lecture absolue", at. cit p. 66-67. McKenzie, Bibliography and the sociology of texts, The Panizzi Lectures 1988, Londres, The British Library, 1986, p. 20. Carlo Ginzburg, I! formaggio ei vermi. I cosmo di wn mugnaio de'S00, Tarim, julio Einaudi Editore, 1976; Jean Hébrard, "Comment Valentin Jamerey- appr lire? Lawtodidaxe exemplate", Pravigues de la lecture, 0b a dixegS0 de Roger Chartier, Marselha, Rivages, 1985, pp. 24-60; Journal de ma vie. Jacques Louis Ménéira, compagnonvtrer au XVII siete apcesentao de Daniel Roche, Paris, Mostalba, 1992. Roger Charter, “Losi et soiabilt lie a haute-voix dans ¥Europe modem”, Li= ruéraares Clasigees, 12.1990, pp. 127-147, Roger E, Stoddard, “Morphology and the book ftom an American perspective", Printing History, 17,1987, pp. 2-14. Para uma definicio programstica da Receptionsheori, ver Hans Robert lauss Lit teranurgeschichie als Provotation, Frankfur-sobre-o-Meno, Suivkamp Verlag, 1974, McKenzie, “Typography and meaning: the case of Wiliam Congreve", Buch und Buckhandel in Europa ims achtcehnten Johrhundert, Vorcige herausgegeben voo 8 1“. 15. 16. vn. ry A ordem dos livros 29 Giles Barber und Bernhard Fabian, Hamburgo, Dr. Ernest Hauswedell und Co., 1981, pp. 81-126. Henti-Jean Martin, Histoire et powvois de Writ, com a colaboragio de Beane Delmas, Pars, Libraiie Académique Perrin, 1988, pp, 295-299, ‘McKenzie, Bibliography and the sociology of texts op. cit pp. 46-47 Livro essencial, porém disetivel, €0 de Robert Mandeou, De le culture populaire ‘aux XVIF et XVIIF sidcles. La biblionhaque bleue de Troyes, Pais, Stock, 1964. Enire as erica dciidas a esse live, vero artigo de Michel de Certeau, Domini que Jia © Jacques Revel. "La beauté ds mort. Le concept de ‘eulture populaire™, Politique Aujourd ui, de. de 1970, pp. 3-23, retomado pot Michel de Ceneau em ‘Lzculere au plarel (1914), 2 ef, Paris, Chistian Bourgois, 1980, pp. 49-80. ogee Chartier, "Les livres bleus" e "Figures litraies et expéviences sociales: la Tigerature de ta gueuserie dans la biblithdgue Bleue", Lecrares et leceurs dans la France dAncien Régime, Pati, Editions du Seuil, 1987, pp. 247-270 e pp. 271 351, (Trad, em ponugués: Roger Charter, “Textos e edides:itertura de cordel”, A histéia cultural entre prévcas e representagdes, Lisboa, Difel, 1988, pp. 16S 187) Lawrence W. Levine, “William Shakespeare and the American people: a study in ‘cultural transformation”, American Historical Review, val. 89, fev. de 1984, pp. 34.66 © Highbrow/owbrow. 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Du Moyen Age ax milieu du XVIE siéle, Paris, Promodis, 1982, pp. 478-49T (eed. Paris, Fayard/Cercle dela Librairie, 1989. pp. 579-601), “Les espaces du livre, Ibid, ome 1, Le livre sriomphant: 1660-1830, 1984, pp. 128-139 (reed. Paris, FayardiCercle dela Librairie, 1990, pp. 136-172) Cos estdos reunidos em Les usages de Nimprimé (XVEXIX® side), soba die ‘lo de Roger Chartier, Pais, Fayard, 1987. Margaret Spofford, "Firs tes in literacy: the reading and writing experiences of, the humblestseventeenth-centry autobiographers" Social History, vol. 4, o¥ 23, 1979, pp. 407-435. Giorgio Parzi, "Il ibro del cortegiano ¢ la rattatistica sul omportamento", Lene> rata alana, vol. 3, Le forme del testo (2. ~ La prosa), Tutim, Givlio Einaudi Editore, 1984, pp. 855-800 e Roget Chanter, “Distinction et divelgation: Ia civili- 31 ‘A ordem dos livros 31 ation et ses lives", Lecrures et lecteurs dans la France d Ancien Régie, op- cit, 45-86. CC. tle de exemplo, dois estos publicados ma colegio Ler wager de imprint, poe Roger Charer. "La pendve miracalesemeatsavée. Gide Sum occasion" pp. 83-127, por Catherine Vlay-Vallaio, "Le mio des con- tex Peal ans es bibitheuesbeuespp 129-15. Michel de Certeau, Limvention du quotdien 0. cit, p. 249, Stanley Fish, (there a tex in this class? The authority of imerpretive commun ties, Cambridge (MA)/Londees, Harvaed University Press, (980. nese ta | 36-29 FIGURAS DO AUTOR Sublinhando os parentescos fundamentais que ligaram a bibliography (em sua definigio cléssica de estudo da materialidade do livro) a todas as formas da critica estruturalista, D.F. McKenzie observa: ‘Se os pontos de vista da bibliografia e os da nova critica concor- dam, 6 precisamente porque as duas acreditam que uma obra de arte ou um texto se bastam a si mesmos. (..) Nem uma nem a ou ta considera como essenciais 20 exercicio erftico ov bibliogréfico (5 processos anteriores ou posteriores & obra ou ao texto.! Para o new criticism, bem como para a analitycal bibliography, a produgao do sentido é atribuida a um funcionamento automdtico e impessoal de um sistema de signos — aquele que consti- tui a linguagem do texto ou aquele que organiza a forma do objeto impresso. Daf, uma dupla conseqiiéncia partithada pelas duas aborda- ‘gens: por um lado, elas se recusam a considerar que a maneira como. uma obra € lida, recebida, interpretada, tenha qualquer importancia para 0 estabelecimento de seu significado; por outro, elas proclamam. “a morte do autor” (para retomar o titulo de um célebre artigo de Barthes), cuja intengdo nfo se investe de qualquer pertinéncia parti- cular, Nessa primeira forma, dominante no mundo da lingua inglesa (Inglaterra, Estados Unidos, Austrélia, Nova Zelindia), a histéria do livro é, portanto, uma hist6ria sem leitor, e sem autor. Para ela, 0 es Sencial reside no processo da fabricagdo do livro, tomado a partir das Marcas que ele deixou nos prdprios objetos, explicado pelas decisSes Cditoriais, as priticas das oficinas, os hibitos da profissio. Parado- Xalmente, se pensarmos que a finalidade ira do estudo material 4o livro foi tradicionalmente o estabelecimento e ediglo de textos Sorretos ¢ auténticos,? a tradigao bibliogréfica contribuiu, em grande

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