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Ie ne fay rien

s a n s

G a y e t é
(Montaigne, Des livres)

E x L i b r i s

J o s é M i n d l i n
E D U A R D O P R A D O

~}C*——

R a c i o n a l

i.« E D I Ç Ã O

SÃO PAULO
KSCOLA TYPOGRAPHICA SALESIANA

1903
I N T R O D U C Ç Ã O

A 15 de novembro de 1889, a g u a r n i ç â o e a
f o r ç a naval do R i o de Janeiro effectuaram a
m u d a n ç a da f ô r m a de governo do Brasil.
A bandeira e as armas da n a ç ã o , symbolos
da P á t r i a a t é aquelle d i a , f o r a m mudadas. E n -
tendeu-se que a P á t r i a t a m b é m tinha mudado.
No logar das i n s t i t u i ç õ e s abolidas ficou um go-
verno, por sua origem, por seus processos, por
suas theorias, por suas praticas e por seu pes-
soal, inteiramente diverso do governo supprimido.
O governo representativo e constitucional desap-
pareceu. O chefe supremo d o Estado, a t é e n t ã o
h e r e d i t á r i o e limitado nos seus poderes, deixou
de ser h e r e d i t á r i o e deixou, a t é hoje, de ser
l i m i t a d o . Ficou assim creada a Republica dos
Estados Unidos do Brasil.
N o dia 15 de novembro, voltando os regi-
mentos para os q u a r t é i s , os alferes enrolaram as
bandeiras e, atiradas sobre uma carreta, f o r a m
4 Introducção

ellas recolhidas aos a r m a z é n s do exercito, como


trastes j á sem uso, symbolos mudos, que j á nada
diziam aos c o r a ç õ e s . A f o r ç a desfilou pelas ruas,
sem que sobre as baionetas rutilantes ao sol
fluctuasse o velho symbolo da P á t r i a . T ê m o seu
destino as bandeiras: pela m a n h ã , o exercito
lhes fazia c o n t i n ê n c i a s ; á tarde, eram largadas,
talvez, a um canto escuso do quartel. H o n t e m ,
palladio sacrosanto do patriotismo, a que f o r a m
feitos os juramentos mais solemnes ; hoje, p e d a ç o
de panno, que o soldado teve de abandonar e de
esquecer.
N o m e s m ò d i a , f o r a m i ç a d a s novas bandei-
ras. E r a m de listras horizontaes verdes e ama-
rellas, tendo a u m canto v i n t e e uma estrellas
de prata em campo azul. Essas primeiras e ephe-
meras bandeiras desappareceram, dahi a cinco
dias, quando o Diário Official publicou o de-
creto n . 4, de 19 de novembro (1), conferindo ao
Brasil nova bandeira e novas armas (2).
N ã o agradou a todos esse decreto. O sr.
Raymundo Teixeira Mendes, em defesa delle, p u -
blicou, no Diário Official de 24 de novembro,
u m escripto (3), a que chamou Apreciação Phi-

(1) Annexo n. 1.
(2) Em Lisboa, dous officiaes da marinha brasileira,
ignorando a mudança, arvoraram, a bordo do Alagôas, a
bandeira das listras, que já nâo era a da nova Republica,
no dia 8 de dezembro; era, comtudo, a bandeira á qual,
na occasião, deviam a mesma fidelidade que haviam jurado
á antiga.
(3) Annexo n. 2.
Introducçâo 5

losophica, e uma carta posterior, datada de 21 de


Frederico de 101 (1).
O sr. Raymundo Teixeira Mendes (2) pre-
tende, segundo diz, patentear as eminentes qua-
lidades moraes e políticas do pavilhão repu-
blicano do Brasil. « Esse pavilhão — diz o sr.
T e i x e i r a Mendes — coincide essencialmente com
uma patriótica inspiração do denodado chefe do
governo actual» e « da força publica de terra
e mar, única parte da nação em que o culto feti-
chico (3) da bandeira foi sistematicamente man-
tido ».
U m simples exame da bandeira e uma lei-
tura da Apreciação Philosophica mostraram-nos
que, no plano da bandeira applaudido pelo sr.
T e i x e i r a Mendes, houve certamente:
i.° Desprezo, ou i g n o r â n c i a da t r a d i ç ã o his-
tórica.

(1) Annexo n. 3.
(2) O sr. Teixeira Mendes tem a gentileza de, ao sub-
screver os seus artigos, informar o publico de que mora
ao n. 10 da rua de Santa Izabel e de que nasceu no Ma-
ranhão (Caxias), em 5 de janeiro de 1855.
(3) O fetichismo é a adoraçSo de um objecto qualquer
considerado Deus, exercendo as funcções e revestido do
poder de um Deus. E' preciso não confundil-o com a ido-
latria, que é a adoração de uma imagem, ou de um objecto,
considerado como a representação, ou a morada occasional,
ou habitual, de uma divindade, independente do objecto.
A bandeira do Brasil nunca foi considerada Deus. Pôde,
até certo ponto, dizer-se que era idolatrada pelos patriotas,
como a representação da Pátria. Esta distincção entre fe-
tichismo e idolatria é elementar. E' de extranhar a confu-
são feita pelo sr. Teixeira Mendes.
6 Introducção

2. E r r o capital de astronomia.
0

3. Grave menoscabo da esthetica.


0

Destacaremos, segundo essa o r d e m , e exa-


minaremos, uma por uma, as principaes p r o p o -
sições da Apreciação Philosophica, documento
que, no r e p o s i t ó r i o das nossas leis, d a r á â poste-
ridade uma curiosa i m p r e s s ã o de alguns homens
e de alguns factos brasileiros, neste fim de s é -
culo.
N ã o fazemos parte da f o r ç a publica de nos-
sa P á t r i a , a quem o sr. T e i x e i r a Mendes attribuira
o p r i v i l e g i o do amor á bandeira nacional. N ã o
s ã o d o exercito nem da armada perto de qua-
torze m i l h õ e s dos nossos compatriotas. N ó s , po-
r é m , como todos os brasileiros, temos pela insí-
gnia gloriosa de nossa nacionalidade o mais
ardente amor. O culto que lhe consagramos, em-
bora chamado h o j e de fetichismo no orgam offi-
cial, é u m culto c o m m u m a todos os filhos do
Brasil.
Esse amor do symbolo supremo da P á t r i a é
que nos leva a assignalar e a deplorar os erros
desconhecidos e a t é elogiados pelo sr. Teixeira
Mendes e acceitos pelo Governo P r o v i s ó r i o , no
que diz respeito á nova bandeira do Brasil.

Paris, outubro de 1890.


H I S T O R I A

« A bandeira recorda o Passado,


donde proviemos, a Posteridade (i),
por quem trabalhamos, e o Presente,
que fôrma o élo movediço dessas
massas indefinidas das gerações hu-
manas. Este symbolo corresponde
a tudo quanto o outro (a antiga
bandeira de 1822, feita por José Bo-
nifácio e Pedro I) tinha de essen-
cial. Ella lembra, naturalmente, a
phase do Brasil-Colonia nas côres
azul e branca que matizam aesphera,
ao mesmo tempo que esta recorda o
período do Brasil-Reino, por trazer
á memória a esphera armillar. Des-
perta a lembrança da fé gloriosa dos
nossos antepassados e o descobri-
mento desta parte da America, nâo
mais por meio de um signal, que é
actualmente um symbolo de diver-
gência (a cruz de Christo),mas por

íi) Recordar quer dizer: — tornar a trazer á memória.


— E' verbo que só se applica ao passado. É impossível
recordar a posteridade, poisa posteridade ó cousa futura.
8 Historia

meio de uma constellaçâo, cuja ima-


gem só pôde fomentar a mais vasta
fraternidade ( o Cruzeiro do Sul),
porque nella o mais fervoroso ca-
tholico contemplará os mysterios
insondaveis da crença medieva, e o
pensador mais livre recordará o ca-
racter subjectivo da mesma crença
e a poética imaginaçSo dos nossos
avós. Finalmente, foi mantida a idéa
de representar a independência e o
concurso cívicos por um conjunto
de estrellas...»
Apreciação Philosophica, pelo sr.
RATMUNDO TEIXEIRA MENDES ( I ) .

PROPOSIÇÃO I— «O novo symbolo cor-


responde a hido quanto o outro

tinha de essencial.»

E' inexacto. Reproduzimos, na es-

tampa n. 4, um fac-simile da bandeira


do sr. Teixeira Mendes, como a re-
presenta o Annexo n. i, do Diário

Official.
Este fac-simile fica em opposição

ao da antiga bandeira brasileira. Um

(i) Diário Official, n. 323. de 24. de novembro de 1889.


1.* pagina, i.« columna. § 2. — Vide appendice n. 2.
Historia 9

lance c T o l h o s s o b r e as duas estampas


mostra que a nova bandeira apenas
conservou da bandeira de Pedro I e
de José Bonifácio as cores verde e
amarella e a disposição, isto é, um
losango amarello em campo verde. O
antigo escudo lembrando o descobri-
mento do Brasil, o Brasil-Colonia, o
Brasil-Reino e o Brasil durante 67
annos de vida independente e livre,
foi supprimido e substituído inesthe-
ticamente por uma bola azul, cortada
por uma faixa branca e crivada, na
parte interior, de estrellas dispersas.
A cor verde, segundo a Aprecia-
ção Philosophica, parece que foi con-
servada e m attenção a A u g u s t o Comte,
que diz o seguinte : « Esta nuança
convém aos homens do Porvir, por isso
que caracterisa a Esperança, como o
annuncia habitualmente por toda a
parte a vegetação, ao mesmo tempo
que indica a Paz, duplo titulo para
IO Historia

symbolisar a actividade pacifica. His-


toricamente, ella inaugurou a Revo-
lução Franceza, porque os sitiantes da

Bastilha não tiveram, quasi todos,


outros emblemas alem de folhas subi-
tamente arrancadas ás arvores do Pa-
lais Royal, segundo a feliz exhorta-
ção de Camillo Desmoulins ». « Esta

recordação universal — accrescenta o


s r . T e i x e i r a M e n d e s — n o s transporta á
contemplação do proto-martyr da nossa

liberdade nacional, o generoso Tira-


dentes, que f o i denunciado no mesmo
anno em que Paris inaugurava a

regeneração humana ».

PROPOSIÇÃO II — «O novo symbolo


lembra aphasedo Brasil-Colônia,

nas cores azul e branca que ma-

tizam a esphera.»

E' um erro da Apreciação, que,


por ter a actual bandeira portugueza
Historia u

as cores azul e branca, julgou que


essas cores datavam do tempo do
Brasil colonial.

As cores a z u l e b r a n c a s ó s ã o as
da bandeira portugueza, desde 1830,
em virtude do decreto da Regência,
chamada da Terceira, datado de A n -
gra, a 18 de outubro daquelle anno,
isto é, 8 annos depois da independên-

cia d o Brasil ( 1 ) , q u i n z e annos depois

(1) Decreto:
« T e n d o o governo que usurpou o throno de
Sua Majestade Fidelissima usurpado t a m b é m as
c ô r e s que tinham guiado para a victoria as tro-
pas portuguezas, sempre distinctas pelo seu va-
lor e lealdade, e sendo n e c e s s á r i a s hoje novas
insígnias que distingam os portuguezes que per-
maneceram fieis no caminho da honra daquelles
que t i v e r a m a d e s g r a ç a de seguir o partido da
u s u r p a ç â o : manda a R e g ê n c i a , em nome da Rainha,
que, de ora em deante, a bandeira portugueza seja
bipartida verticalmente em branco e azul, ficando
o azul j u n t o da haste e as armas reaes, colloca-
das no centro da bandeira, a metade sobre cada
uma das c ô r e s ; e manda, outrosim, a Regência, em
nome da mesma Senhora, que nos laços militares
do real exercito e armada se usem as mesmas
12 Historia

do Brasil ser elevado a reino, vinte e


dous annos depois do Brasil, de facto,
d e i x a r de ser c o l ô n i a , p e l a c h e g a d a da

familia real, em 1808.


A cor da bandeira portugueza,

tanto e m P o r t u g a l , c o m o nas colônias,


foi, antes e depois de 1500, a cor
branca. N ã o é, pois, possivel r e l e m b r a r

c ô r e s azul e branca com a mesma f ô r m a do laço


actualmente em uso e occupando a c ô r branca
a parte exterior e centro do m e s m o ; e confia a
R e g ê n c i a em que todos os leaes portuguezes, tanto
dentro, como f ó r a do Reino, se a p r e s s a r ã o a
reunir-se debaixo destas i n s í g n i a s , para a restau-
r a ç ã o de sua legitima soberana e s u s t e n t a ç ã o
da Carta Constitucional da Monarchia. O m i n i s t r o
e secretario d'Estado assim o tenha entendido e
e x p e ç a para a sua e x e c u ç ã o as ordens n e c e s s á -
rias. Palácio do Governo, em A n g r a , 18 de outubro
de 1 8 3 0 — M a r q u e z de Palmella—Conde de Villa
Flor, José Antônio Guerreiro — Luiz da Silva
Mousinho dAlbuquerque.»
O decreto de 7 de j a n e i r o de 1796, o de-
creto das C ô r t e s , de 22 de agosto de 1821, re-
vogado pelo de 18 de j u l h o de 1823, referem-se
s ó m e n t e aos laços militares do exercito, e n ã o ,
á s c ô r e s da bandeira.
Estampa I , fig. A.

Bandeira portugueza
nos domínios ultramarinos de Portugal; no Brasil,
desde 1500 até 1649.
Historia 13

a phase colonial do Brasil pelas cô-


res branca e azul, que nunca foram
as dessa colônia e são as de Portu-
gal somente desde 1830.

E m 1500, a bandeira que Ca-


bral arvorou na terra do Brasil foi a

bandeira branca, da ordem militar


de Christo. Esta foi a dos navegan-
tes portuguezes, a de Vasco da Ga-
ma, a de Cabral (1), que nas velas
dos seus navios também traziam a
cruz vermelha de Christo (2). E l l a se
encontra em m u i t o s portulanos e em
vários documentos contemporâneos,
nas estampas da p e r e g r i n a ç ã o de L i n -
schotten, no século X V I (3), e nas da

(1) V i d . estampa n . i , fig. A .


(2) Vid. R O T E I R O D E L I S B Ô A A G Ô A por D.
J o ã o de Castro, annotado por Andrade Corvo —
L i s b ô a , 1882.
(3) Navigatio et i t i n e r a r i u m i n orientalem, sive
Lusitanorum I n d i a m , collecta et descripta belgice,
nunc latine reddita. Hagos-Comilis. A n n o 1599.
A p r i m e i r a e d i ç ã o hollandeza é de 1596.
14 Historia

obra de Barlceus, representando com-


bates da guerra hollandeza no Brasil
(i). A cruz de Christo, a esphera ar-
millar de D o m M a n o e l (armas dadas
a este principe por D o m J o ã o I I ) (2)
e as quinas portuguezas eram simul-
t a n e a m e n t e usadas c o m o e m b l e m a s do
rei de Portugal nas terras recem-des-
cobertas (3). A bandeira, porém, era

sempre branca.

(1) Barloeus : Rerum per octennium i n Bra-


sília, 1647. Gravuras: Loanda Sancti Pauli et Quar-
t u m Prcelium.
(2) D a m i â o de G ó e s , Chronica dei Rei Dom
Emanuel, part. I , cap. V .
(3) Na rarissima obra — Ho Preste Ioam das
índias. Verdadeira informaçam das terras do
Preste Ioam, segundo vio e escreveo oh padre
Francisco Alvarez, capellâ dei Rey Nosso Senhor.
Coimbra, 1549 — ha uma curiosa gravura repre-
sentando a entrada do embaixador do rei de
Portugal, D . Rodrigo de L i m a , na corte da E t h i o -
pia, em 1520. Os arnezes do cavallo do embai-
xador s ã o ornados com a esphera armillar, que
t a m b é m se vê no c h a p é o do escudeiro que o
acompanha e que, tendo nos arnezes do seu ca-
Estampa I I .

Bandeira da Companhia do Brasil.

»
Bandeira hespanhola.
Historia 15

No século X V I I , durante o domí-


nio hespanhol, a bandeira portugueza,
diz D . Francisco M a n u e l na sua Epa-
naphora Trajica ( i ) , teve uma silva
verde em torno do escudo, para se
distinguir da bandeira hespanhola, que
também era branca, tendo o escudo

real no centro (2).


Depois que o Brasil foi elevado a

Principado (1647), c o m e ç o u a esphera


armillar manuelina a servir de armas

vallo a cruz de C h r i s t o , empunha um pendão


com as quinas.
(1) I I . N a u f r á g i o da armada portugueza nas
costas de Franca — 1627.
(2) A l é m das bandeiras reaes arvoradas pe-
las capitaneas e almirantas das armadas, tinham
os portuguezes outras bandeiras navaes, coloniaes
e mercantes. A Companhia de Jesus tinha uma
flammula e uma bandeira com insígnia p r ó p r i a
( V i d . Basilio da Gama - O Uruguay- 1769, pag. 95);
a Companhia de G u i n é , creada no século X V I I ,
que negociava com escravos no Brasil, usava u m
p a v i l h ã o branco com a cruz de Sinople ( v i d . F r o -
ger, na Relação da Viagem de M. de Gennes —
Paris, 1700, pag. 145-
ré Historia

ao Brasil e a bandeira especial desta


parte do Império colonial portuguez
continuou a ser branca, mas com a
esphera armillar de ouro no centro (i).
Não é conhecida a data do alvará, ou
decreto, que deu por armas ao Estado,
ou Principado do Brasil, a esphera de
D . Manuel. Vêmol-a, porém, desde o
século X V I I , nas bandeiras do Bra-
sil, nas primeiras moedas portuguezas
cunhadas em fim daquelle século, no

Brasil e para o Brasil, e encontramol-a


também nos sellos (2).

(1) Vid. estampa i, fig. B. Esta bandeira é re-


produzida da obra La Connaissance des Drapeaux
et Pavillons — Haye, 1735. N u m mappa impresso
no c o m e ç o do reinado de L u i z Philippe, em Pa-
ris, vê-se ainda a referida estampa, com a desi-
g n a ç ã o de Ancien drapeau du Brésil. Encontra-
mos a mesma bandeira em m u i t o s outros mappas
e documentos do século passado.
(2) H a poucos annos, a Municipalidade do R i o
de Janeiro, achando alguns desses sellos, ficou
em d u v i d a sobre si as armas da cidade eram as
settas de S ã o S e b a s t i ã o , ou a esphera a r m i l l a r .
Aquellas eram as da cidade; esta, as d o Brasil.
Estampa I , fig. B.

I
Estampa I , fig. C.

Bandeira portugueza
desde 1485 até 1816, e novamente de 1825 a 1830,
data em que começou a ser azul e branca.

Nota—kíè 1580 a corôa era aberta, e até fins do século XVIII


os dous castellos inferiores eram quasi sempre
inclinados.
Estampa I , fig. D.

Bandeira portugueza
desde 1816 até 1825.
Unido de Portugal, Brasil e Algarves)
Historia 17

A s o u t r a s b a n d e i r a s , c o m as armas
reaes, t a m b é m foram sempre brancas
e tinham no c e n t r o as armas de Por-
tugal e Algarves ( i ) , a t é 1816. Depois
do decreto de 13 de maio de 1816,
que deu armas ao Reino do Brasil, a
bandeira do Reino Unido de Portu-
gal, Brasil e A l g a r v e s , usada pela nossa
antiga m e t r ó p o l e a t é 1 8 2 5 , isto é, a t é
o reconhecimento da independência

do Império do Brasil, foi também


branca, tendo no centro as armas da
União, isto é : o escudo das armas
de Portugal e A l g a r v e s sobreposto ás
armas do Reino do Brasil e tendo por

timbre a coroa real (2).


Pela succinta exposição histórica

que fizemos, vê-se que as côres por-


tuguezas, no Brasil, nunca foram —
azul e branco — e q u e o sr. T e i x e i r a
Mendes errou, querendo recordar o

(1) V i d . estampa i , fig. C.


(2) V i d . estampa x, fig. D.

2
i8 Historia

período colonial da nossa historia por


essas c ô r e s , as q u a e s , só a partir de
1830, f o r a m as d o reino de Portugal.

PROPOSIÇÃO III — A nova bandeira


« recorda o período do Brasil-
Reino, por trazer â memória a

esphera armillar».

Não ha esphera armillar sem ar-

millas, ou círculos. A esphera azul de-


senhada no losango amarello n ã o tem
signal algum que lhe dê relevo: é um
circulo azul, cortado por uma faixa
branca e ponteado de algumas estrellas.
E' necessário um esforço de imagi-
nação para o espirito figurar a antiga
esphera armillar, á vista da bola azul
da nova bandeira do Brasil.

PROPOSIÇÃO IV — «A nova bandeira


desperta a lembrança da f é glo-
riosa dos nossos antepassados e o
descobrimento desta parte da Ame-
Historia 19

rica, não mais por meio de um si-


gna/, que è actualmente um sym-
bolo de divergência, mas por meio
de uma conste Ilação (o Cruzeiro),
cuja imagem só pode fomentar a
mais vasta fraternidade ; porque
nella o mais fervoroso catholico
contemplará os mysterios inson-
daveis da crença medieva e o pen-
sador mais livre recordara o ca-
racter subjectivo da mesma crença
e a poética imaginação dos nossos

avós.»

A ) — « A CONSTELLAÇÃO DO CRUZEIRO LEMBRA O


DESCOBRIMENTO DESTA PARTE DA AMERICA.»

Pela leitura destas palavras, parece


que o auctor da Apreciação Philoso-
phica entende que a constellação do
Cruzeiro do Sul está ligada á historia
do descobrimento do Brasil, o que é

inexacto.
As estrellas da constellação do

Cruzeiro faziam parte da constellação


do Centauro. Os antigos conheciam-
Historia

n - a s , e, n o tempo de Ptolomeu, eram


ellas visíveis em Alexandria ( i ) , de
cujo horizonte desappareceram, pelo
eíTeito da precessão dos equinoxios.
Como observa Humboldt, no tempo
de Santo Athanasio e de S ã o Basilio,
n o q u a r t o s é c u l o , os c h r i s t ã o s da The-
baida viam ainda a Cruz do Sul (2).
Ignora-se a época em que foi assi-
gnalada a figura de u m a cruz n a parte
inferior do Centauro da esphera; mas,
diz ainda H u m b o l d t , os astrônomos
árabes designaram também cruzes nas

constellações do D r a g ã o e do Golphi-
nho. E m t o d o caso, n ã o f o i P e d r o A l -
vares Cabral, o descobridor do Brasil,

quem avistou primeiro o Cruzeiro do

(1) H U M B O L D T — Examen Critique de VHis-


toire de la Géographie du Nouveau Continent et
des Progrès de VAstronomie Nautique, au XV et
au XVI siècles. Paris — 1837. V o l . I V , pag. 323.
(2) Ideler, citado por H u m b o l d t {Examen
Crit., v o l . I V , pag. 322), s u p p õ e que a c o n s t e l l a ç ã o
chamada por Plinio ( l i b . I I , cap. 69) Cozsaris thro-
non é o nosso Cruzeiro do Sul.
Historia 21

Sul; Pero Vaz de Caminha, escrivão


da sua armada, na carta celebre diri-
g i d a ao r e i D . M a n u e l , n ã o fala, siquer,
dessa c o n s t e l l a ç ã o . As primeiras men-
ções que se encontram delia nas nar-
rativas dos navegantes s ã o as d e An-
d r é a Corsali, quando viajava pela costa
d'África para Cochim (i515) e a de Pi-
g a f e t t a (15 20), que, este, t o c o u no porto
do Rio de Janeiro, durante a primeira
viagem de c i r c u m n a v e g a ç ã o do globo,
emprehendida por Fernão de Maga-

l h ã e s e concluída por S e b a s t i ã o dei Ca-


no. Q u a n t o ao p i l o t o p o r t u g u e z a n o n y -
m o , citado por H u m b o l d t e de Ramusio,
e que descreve, da c o s t a d ' Á f r i c a , essa
constellação, sabe-se que a sua via-
gem teve logar em 1551, ou 1552(1).
Pedro Alvares Cabral viu, sem duvida,
as estrellas do Cruzeiro do Sul, em-

(1) Collecção de Noticias para a Historia e


Geographia das Nações Ultramarinas. Vol. I I ,
pag. 78, 2.» e d i ç ã o . L i s b ô a , 1867. Julga-se, geral-
mente, que este piloto f o i o p r i m e i r o que cha-
m o u á c o n s t e l l a ç ã o — O Cruzeiro.
22 Historia

bora as n ã o discriminasse dentre as


constellações. Isto, p o r é m , não é suffi-
ciente para poder a Apreciação Phi-
losophica affirmar que a constellação
do Cruzeiro lembra a descoberta do
Brasil. Estas estrellas foram vistas,
nos tempos modernos, por todos os
que passaram ao sul do Trópico de
Câncer. Viram-n-as, muito antes da
descoberta de Cabral: o catalão Jayme
Ferrer, que, em 1346, chegou a t é ao
rio do Ouro, na costa oriental da
África; o portuguez G i l Eannes, que,
em 1433, dobrou o Cabo Bojador;
o portuguez Nuno Tristão, que, em
1441, ultrapassou o Cabo Branco; e
viu essas estrellas, ainda mais altas
sobre o horizonte, o veneziano Aluisio

Ca da Mosto, que, e m 1445, transpoz


o C a b o V e r d e e chegou ao r i o G â m b i a .
Viram-n-as muitos outros, como An-
tônio de Nolla e D i o g o G o m e s , desco-
bridores das ilhas do Cabo Verde
(1460); Diogo Cam, descobridor do
Historia 23

Zaire (1484); Bartholomeu Dias, ainda


antes d e chegar ao C a b o das T o r m e n -
tas ( 1 4 8 6 ) ; C h r i s t o v a m C o l o m b o , quan-

do descobriu a America (1492) e Vasco


da G a m a (1498), na expedição que pre-
cedeu a de Pedro A l v a r e s Cabral (1500).
U m dos primeiros exploradores
da costa do Brasil, A m e r i g o Vespucci,
numa das cartas que l h e s ã o attribui-
d a s ( i ) , refere-se a quatro estrellas que
lhe l e m b r a r a m a celebre passagem de
Dante :

Io mi volsi a man destra e posi mente


A l l ' a l t r o p o l o , e v i d i quattro stelle
N o n viste mai f u o r che alia prima gente.
Goder pareva i l ciei d i lor fiammelle.
O settentrional vedovo s i t o
Poi che privato sei d i mirar quelle ! (2)
P U R G A T Ó R I O I I , v . 22-27,

(1) Datada de 18 de julho de 1500; segunda


viagem. Duvida-se de que nessa viagem tenha esta-
do, ou n ã o , Vespucci nas costas do norte do Brasil,
apesar da a f f i r m a t i v a de Varnhagen. H a t a m b é m
s é r i a s duvidas sobre a authenticidade dessa carta,
( 2 ) S C A R T A Z Z I N I (Leipzig — 1875, v o l . I I , pag.
3), assim como a maior parte dos novos commen-
tadores do Dante, acceita a i n t e r p r e t a ç ã o de
24 Historia

Vespucci não conhecia siquer,


então, o nome da constellação; em
vez de uma cruz, elle viu prosaica-
mente nella uma figura rhomboide, ou
u m a a m ê n d o a (una mandorla) (i). Nos
fins do século X V I e começos do
século XVII, época que, segundo
Varnhagen, foi a da maior gloria do
nome de Vespucci (2), apparecem gra-

Humboldt, de que Dante quiz symbolisar nas


quatro estrellas as quatro virtudes cardeaes (Exa-
men Crit., v o l . I V , pag. 3 2 4 ; Kosmos, vol. I I ,
pags. 331 e 486 ; v o l . I I I , pags. 329 e 361.
(1) Examen Crit., v o l . I V , pag. 319.
(2) Amerigo Vespucci, son caractère, ses écrits
e t c , e t c , por F . A . de Varnhagen. L i m a , 1865,
pag. 68. E ' desta é p o c a o retrato gravado por
Chrispino de Passe. N.° 140 do Catalogo de Es-
tampas Raras, da Bibliotheca Nacional do R i o de
Janeiro, publicado no v o l . X I dos Annaes, da
mesma Bibliotheca. Nesse retrato, Vespucci é cha-
mado... TERR^E BRASILIANA INVENTOR ET SUBA-
CTOR. P o s s u í m o s em nossa collecção uma estampa
de Philippe Galle (1557 — 1612) e de J o ã o C o L
laert (1550)» segundo desenho de J o ã o Stradanus
(1536 — 1605), representando A m e r i g o Vespucci
observando o Cruzeiro e tendo esta i n s c r i p ç a o :
Americus Vespuccius, cum quattuor stellis, crucem
silente nocte repperit. Esta estampa é a corres-
Historia 25

vuras attribuindo a Vespucci a des-


coberta do Cruzeiro do Sul. E', po-

pondente ao Astrolabio, da serie das descober-


tas novas, publicada pelos Galle, sob o titulo
Nova Reperta. A l é m desta estampa, da serie re-
ferente a Vespucci, ha outras t a m b é m dos Galle:
Americcs detectio, com os retratos de Colombo
e de Vespucci e o globo terrestre pairando sobre
o mar, no l i t t o r a l ligurico, G ê n o v a , e t c , e t c ; outra
representa Vespucci entre t r i t õ e s , numa nave,
divisando ao longe algumas terras: Americus
Vespuccius Florentinus portentosa navigatione ad
Occasum alque ad Austrum duas orbis ierrarum
partes, nostris oris quas incolimus majores, et
nullis antea nobis notas sceculis, quarum alteram
de suo nomine Americam morlalium consensum
nominavit. — A n . Sal. et I I I D . Os retratos
de Colombo e de Vespucci—o primeiro em re-
lação á A m e r i c a , chamado inventor, o segundo,
detector et denominator—apparecem noutra gra-
vura de Philippe, desenhada por Stradanus, e em
que uma rosa dos ventos, figurando a b ú s s o l a ,
tem esta i n s c r i p ç ã o : Flavius Amalfilanus Italus
Inventor. Finalmente, numa gravura de Theo-
d o r o Galle (1580), vê-se Vespucci, ao saltar numa
terra, despertar uma india deitada numa maca;
Vespucci traz uma bandeira, na qual se vê uma
cruz e quatro estrellas: Americen Americus relexit
et semel vocavit inde semper excitam. O dese-
nho é ainda de Stradanus.
26 Historia

rém, certo que só em 1612 publicou


Brayer o seu Atlas, primeiro docu-
mento astronômico em que figura,
destacada da constellação do Cen-
tauro, a constellação do Cruzeiro.
Brayer publicou o seu Atlas justa-
mente um século depois da morte de
Amerigo Vespucci (1512). Durante a
vida deste navegador, a Cruz do Sul
não teve este nome. Não a conhece-
ram como a constellação da Cruz, nem
a e l l a j á m a i s se r e f e r i r a m os primeiros

n a v e g a d o r e s da costa do Brasil.
Não ha, pois, r a z ã o a l g u m a para
a Apreciação Philosophica entender

que a constellação do Cruzeiro lem-


bra o descobrimento do Brasil.

B — « ...NÃO MAIS POR MEIO DE UM SIGNAL QUE É


ACTUALMENTE UM SYMBOLO DE DIVERGÊN-
CIA (A CRUZ), MAS POR MEIO DE UMA CON-
STELLAÇÃO, CUJA IMAGEM SÓ PÔDE FOMEN-
TAR A MAIS VASTA FRATERNIDADE».

Não comprehendemos porque a


cruz será no Brasil um symbolo de
Hisioria 27

d i v e r g ê n c i a . H a n a q u e l l e paiz quatorze
milhões de christãos. O brasileiro é
baptisado com o signal da Cruz e, no
seu descanço final, dorme no seu tú-
m u l o á s o m b r a da cruz. C o m o pretende
o sr. T e i x e i r a M e n d e s q u e este signal,
que o brasileiro recebe ao entrar na
vida e que o acompanha na morte, seja
um symbolo de divergência? E ' ínfima
a minoria n ã o christã no Brasil.
Demais, a cruz da Ordem M i -
litar de Nosso Senhor Jesus Christo
tem na bandeira, além da significação
religiosa, a alta significação histórica e
patriótica, de ter sido o s y m b o l o repre-
s e n t a d o na b a n d e i r a que o p r i m e i r o des-
cobridor portuguez hasteou no Brasil.
O Governo Provisório conservou
para os militares a cruz verde e flo-
renceada da o r d e m de S ã o Bento de
Aviz, e nenhum militar tem divergido,
até hoje, recusando-a. A i n d a ninguém
rejeitou essa condecoração, tão larga
28 Historia

e fraternalmente distribuída, a pretexto

de divergências theologicas.
Porque é que um symbolo é
apagado da bandeira como emblema
de d i s c ó r d i a e ao m e s m o t e m p o é pre-
gado ao peito dos soldados como

insígnia de honra?
Quanto á constellação do Cru-
zeiro fomentando a mais vasta frater-
nidade, pensamos que o sr. Teixeira
M e n d e s entrou, neste ponto, no domí-

nio da Astrologia. A influencia daquella


constellação sobre a fraternidade hu-
m a n a n ã o d e v e ser s e n s í v e l aos povos
que habitam o hemispherio norte, pois
estes povos n ã o v ê e m o Cruzeiro. Os
hispano-americanos, que não são mo-
delos de fraternidade, pois v i v e m em
dissensões continuas, alimentando ódios
inextinguiveis; as tribus selvagens
d'África; os bárbaros das ilhas do
Oceano Indico e do Pacifico e os
colonos da Austrália e da Nova Ze-
Historia 29

landia, esses, que vivem debaixo da


influencia da constellação fomentadora
da fraternidade, esses devem ser os
povos mais fraternaes da terra.

PROPOSIÇÃO V — « Foi mantida a

idèa de representar a indepen-


dência e concurso civicos por um
conjunto de estrellas. »

Na bandeira de 1822, existia, com


effeito, a bella e poética idéa de re-
presentar as antigas províncias por
estrellas. Presidiu, p o r é m , á execução
dessa i d é a o pensamento de represen-
tar a união harmônica das províncias
p o r outras tantas estrellas eguaes, dis-
postas em circulo, isto é, na mais
perfeita symbolisação da ordem e da
egualdade, figuradas pela continuidade
e pela equidistancia do centro (1).

(1) V i d . estampa I I I .
3o Historia

N a bandeira dos Estados-Unidos, v ê -


se o m e s m o p e n s a m e n t o , e as estrellas
que nella figuram os E s t a d o s d a União
são estrellas eguaes e m grandeza, co-
mo s ã o eguaes em d i r e i t o s os Esta-
dos, e essas estrellas estão dispostas
symetricamente no parallelogramma
azul, justa i m a g e m da b o a o r d e m e da
União Federal.
Na bandeira do decreto de 19
de dezembro, os Estados do Brasil
são representados por estrellas e ha
no campo azulado do hemispherio
austral estrellas de primeira, de se-
gunda e terceira grandeza e a t é uma,
o do OITANTE, que é invisível a olho
nú (1). F o i desprezado o dogma fun-
damental de toda organisação federa-
tiva, isto é, o da egualdade de direi-
tos e de autonomia de todos os Es-
tados federados.

(1) Vid. estampa VII.


Historia 31

Na bandeira, as estrellas não


estão figuradas de modo a represen-
tarem a união e a harmonia. Separa-
das e dispersas, como estão, figura-
riam antes, não só a desegualdade,
como a desunião e a desordem. Quanto
á idéa de independência figurada por
um conjunto de estrellas, nas suas
posições astronômicas, segundo diz o
decreto, é claro que esta representa-
ção astronômica e inflexivel indica,
antes, uma rigorosa subordinação a
leis fataes e immutaveis, como são
as da ordem cósmica, do que á in-
dependência, de que fala o sr. Tei-
xeira Mendes.
A S T R O N O M I A

Art. i.° — «21 estrellas, entre


as quaes ha a constellação do CRU-
ZEIRO, dispostas na sua situação as-
tronômica quanto á distancia e ao
tamanho relativos. .»

« Adoptou-se a representação
idealisada do aspecto do céo na ca-
pital dos Estados Unidos do Brasil,
no momento em que a constellação
do CRUZEIRO DO SUL se acha no me-
ridiano, estampando-se na direcção
da orbita terrestre a legenda—Or-
dem e Progresso .. . Figurou-se a
esphera inclinada sobre o horizon-
te, segundo a latitude do Rio de
Janeiro, e assignalou-se o polo Sul
pelo O do OITANTE, que se tornou o
symbolo natural do Município Neu-
tro. Escolheram-se constellações aus-
traes, com excepçâo do PEQUENO
CÃO, que forneceu Procyon, para
significar que a União Brasileira
tem um Estado que se extendc ao
hemispherio norte. Esta constella-
ção fica ao norte do Equador e ao
3
34 Astronomia

sul da Ecliptica. As outras con-


stellações escolhidas, além do CRU-
ZEIRO, convenientemente destaca-
das, SSO O TRIÂNGULO AUSTRAL, O
ESCORPIÃO, a VIRGEM ( Espiga ),
ARGUS, (Canopo) (i) e o GRANDE
CÃO ( Syrius ). (2) A VIRGEM tem
parte no hemispherio norte e parte
no hemispherio sul, extendendo-se,
aquella, acima da Ecliptica. A sua
estrella mais bella, a Espiga, per-
tence ao nosso hemispherio, e a
essa estrella está ligada a memória
da descoberta da precessâo dos
equinoxios pelo fundador da astro-
nomia, o immortal Hyparco (3).
Ella não podia, pois, deixar de ser
escolhida. Na bandeira, está figura-
da acima da Ecliptica, para quebrar
a monotonia do hemispherio boreal.
Procyon, que é a única estrella das
escolhidas que está no hemispherio
norte, não podia ser collocada aci-
ma da Ecliptica, porque a constel-
lação está ao sul dessa linha. A l i -
berdade esthetica, pelo contrario,
permittia collocar a Espiga acima
da faixa representativa do Zodíaco,
por se tratar de uma constellação
que tem parte acima e parte abaixo
do plano da orbita terrestre, e de
uma estrella que bastaria uma pe-
quena variação, na inclinação desse
plano, para transportal-a ao norte
delle. Mas ella foi representada
junto á faixa. »
Apreciação Philosophica, pelo sr.
Ô ÁQyOÇ, que é cousaRATMUNDO TEIXEIRA
muito differente doMENDES
celebre .NAVIO.
(2) Aliás, Sirius.
(3) Aliás, Hipparcho — ç> ITlTtaQ^OÇ.
Astronomia 35

As únicas estrellas que um astrô-


nomo (e as bandeiras n ã o devem ser
feitas p a r a os a s t r ô n o m o s ) p o d e r i a c o l -
locar na esphera da Bandeira e do
Sello, depois de lêr attentamente o
decreto e a Apreciação Philosophica,
seriam as cinco seguintes:

o do O I T A N T E (estrella insigni-
ficante ) ;

a do PEQUENO C Ã O (Procyon) ;
a da VIRGEM ( E s p i g a ) ;

a do NAVIO ARGO (Canopo) ;

a do GRANDE CÃO (Sirius).

As 16 estrellas que faltam para


completar as 2 1 , deixou-as todas no
v a g o a Apreciação Philosophica, pois
as tres outras constellações indicadas
constam, como t o d a s as constellações,
de muitas estrellas. O modelo n. 1,
a n n e x o ao decreto, — m o d e l o que re-
produzimos em fac-simile (1) — veiu

(1) Estampa V I I I . O modelo d i s t r i b u í d o


pela L e g a ç â o do Brasil em Paris, n ã o sabemos
por que r a z ã o , tem 22 estrellas, em vez de 21.
36 Astronomia

esclarecer um pouco este ponto ob-


scuro. Pela estampa lithographada,
ficamos sabendo que foram escolhidas

as seguintes estrellas:
Do CRUZEIRO: a, p, y, ô, e e— cinco

estrellas.
Do TRIÂNGULO A U S T R A L : a, p e y

— tres estrellas.
Do ESCORPIÃO, não é possivel,

pela estampa, verificar quaes sejam


as estrellas escolhidas, tão erradas
estão as posições, conforme demons-
traremos. Suppomos que devem ser
e s t a s , c o m e ç a n d o d o n o r t e : P, à, a (Au-
tores) r ,s, e x. E m t o d o c a s o , o E S -
CORPIÃO é a constellação dominante,
pois ella só forneceu mais da terça
parte do numero total das estrellas.
O a s t r ô n o m o official fez b r i l h a r na
esphera até o misero o do OITANTE,

invisivel a olho nú, — e se esqueceu


de duas estrellas de p r i m e i r a grandeza,

que f u l g u r a m no c é o do Brasil ao lado


Astronomia 37

do CRUZEIRO — a e p do CENTAURO.

A precipitação dos que n ã o trepidam


e m a c c e i t a r i n c u m b ê n c i a s p a r a as q u a e s
n ã o estão preparados é a única expli-
cação deste esquecimento. A estrella a
do CENTAURO é u m sol duplo e a mais
próxima do nosso systema. Das es-
trellas escolhidas, s ó duas — Sirius e
Canopo — t ê m mais brilho do que ella.
A outra, P do CENTAURO, é mais bri-
lhante que as do CRUZEIRO. N ã o ob-
stante, f o i s u p p r i m i d a a formosa con-
stellação, que tanto brilha nas noites
d o Brasil, p a r a dar l o g a r ao ESCORPIÃO,

o Formidolosus, como o chamavam os


antigos, que firmemente j u l g a v a m vo-
tados a um fim trágico os que nas-
ciam sob a sua influencia. E em boa
companhia fica o ESCORPIÃO, porque,
no momento escolhido pelo decreto,
para a representação do céo do Rio
de Janeiro, muito acima do CRUZEIRO

e bem sobre as cabeças dos habi-


38 Astronomia

tantes pairam outras duas constella-

ç õ e s sinistras — o CORVO e a HYDRA.

Dito isto, devemos examinar suc-


cessivamente as proposições astronô-
micas da Apreciação Philosophica,
como já fizemos c o m as suas propo-

sições históricas.

PROPOSIÇÃO I — « A bandeira repre-


senta o aspecto do céo do Rio de

Janeiro ».

Embora o decreto tenha força de


lei e a opinião do auctor da Aprecia-
ção Philosophica seja muito valiosa,
podemos affirmar e demonstrar que a
bandeira não representa o aspecto do
céo da capital do Brasil, nem quando
a constellação do CRUZEIRO DO S U L está
no meridiano, nem em momento algum.
O aspecto do céo é graphicamente
reproduzivel por meio de cartas ce-
lestes que representem esse aspecto.
Astronomia 39

Ora, o astrônomo inventor da ban-


d e i r a t r a ç o u u m c é o q u e é o avesso do
céo do R i o de Janeiro. E isso, porque?
Porque o a s t r ô n o m o se s e r v i u , para o
desenho, n ã o de u m a carta celeste, que
esta, sim, reproduziria o aspecto do
céo visto da terra, mas de um globo
celeste, sem attender a que quem tem
deante dos olhos u m a dessas espheras
se s u p p õ e , não na terra, que é ima-
ginada no centro, ou no â m a g o desse
globo, mas fóra e muito fora, n ã o só
do nosso systema solar, mas a t é m u i t o
longe das mais afastadas estrellas e
nebulosas.

Que se entende por aspecto do


céo ? E' o céo como nós o vemos da
terra. Ora, quem olha para uma es-
p h e r a celeste, n ã o v ê o c é o c o m o elle
é visto da terra. A bola estrellada da
bandeira e do sello da Republica foi
reproduzida de um globo celeste e,
p o r isso, n ã o r e p r e s e n t a o c é o d o Rio
4o Astronomia

de Janeiro c o m o os fluminenses o vêem,


isto é, no seu aspecto visível. A bola

representa o céo do Rio de Janeiro


como n i n g u é m ainda o viu: mostra-o
invertido, estando a o é s t e as estrellas
que no horizonte daquella cidade e s t ã o
a éste, ficando á esquerda o que no
céo se v ê á d i r e i t a . E' positivamente

o avêsso do céo.
A posição verdadeira das estrel-

las escolhidas para a bandeira e de


algumas outras de maior importância,
quando a constellação do CRUZEIRO está
no meridiano do R i o de Janeiro, será
p e l o l e i t o r e n c o n t r a d a n a e s t a m p a n . 5.
As ascensões rectas e os circulos de

latitudes estão indicados, de sorte


que não só as 2 1 e s t r e l l a s escolhidas,
como as outras, estão representadas

com a maior exactidão.


Q u a n d o se d i z — o a s p e c t o d o c é o —
entende-se o c é o s e g u n d o a carta celes-
te de u m ponto e n u m m o m e n t o dados.
Estampa V
A
Estampa V I .

NORTE

SUL

E s b o ç o da Carta do Brasil
ção stereographica sobre o horizonte do R40 de Janeiro
Astronomia 4i

Augusto Comte queria limitar o


estudo da astronomia ao nosso sys-
tema planetário, abandonando a as-
tronomia estellar. O s inventores com-
tistas da nova bandeira, para repro-
duzirem o aspecto do céo, ultrapas-
saram os mais remotos dominios da
a s t r o n o m i a e s t e l l a r e, p e n e t r a n d o pelo
espaço infinito, de lá pintaram o céo
do Rio de Janeiro ás avéssas.
A estampa n . 7 m o s t r a as posições

exactas das 21 estrellas escolhidas para

a bandeira, estando o CRUZEIRO DO

SUL sobre o meridiano do R i o de Ja-


neiro e como os fluminenses as vêem
nesse m o m e n t o . Essa carta é a mesma
que a n . 5, s e m o s m e r i d i a n o s e sem
os parallelos, sendo supprimidas das

c o n s t e l l a ç õ e s t o d a s as e s t r e l l a s q u e n ã o
figuram na bandeira e n o sello das ar-
mas do G o v e r n o Provisório. A estampa
n . 8, i m p r e s s a em papel transparente,
é a reproducção do modelo adoptado
42 Astronomia

para a bandeira. Compare o leitor esta


estampa com a n. 7 e verá que as
estrellas do modelo official n ã o estão
collocadas como todo o m u n d o as vê
do Rio de Janeiro ; não estão con-
f o r m e o aspecto do céo. Admittindo-se,
mesmo, a inversão, não estão certas
n e m as s u a s p o s i ç õ e s , n e m as s u a s g r a n -
dezas, e e s t á t a m b é m errada a projec-
ç ã o d a f a i x a c o m q u e se p r e t e n d e u re-
presentar a Ecliptica. V o l t e o leitor a
e s t a m p a n . 8 e a p p l i q u e - a s o b r e a n . 7,
e vêrá que nem as estrellas, nem a
Ecliptica coincidem. Si estivessem cer-
tas, deveriam coincidir perfeitamente

com a carta anterior (1).

(1) A o s leitores n ã o familiarisados com as


cartas celestes c a u s a r á extranheza que, nas cartas
ns. 5, 7 e 9, o horizonte O é s t e fique á direita e o
horizonte Leste, á esquerda, estando o espectador
voltado para o Norte — isto é, que nessas car-
tas se d ê o contrario do que se observa nas
cartas terrestres, como, por exemplo, na n . 6.
A r a z ã o é simples : as cartas celestes repre-
sentam o aspecto do céo, isto é, a v i s ã o que delle
Estampa V I I

Carta mostrando as p o s i ç õ e s exactas das 21 estrellas


escolhidas para a bandeira, estando o Cruzeiro
do Sul sobre o meridiano do Rio de Janeiro.
Estampa VIII.

R e p r o d u c ç ã o do modelo adoptado para a bandeira


IIIV BqmsíaH

botqanft
Astronomia 43

O aspecto do céo d o R i o d e J a n e i r o
continua, pois, a não ser o que tanto

o decreto n. 4, como o sr. Teixeira


Mendes quizeram fazer, e, si a ban-

temos, suspenso sobre nossas c a b e ç a s . Si, pois,


inclinarmos, ou suspendermos uma dessas cartas,
orientando-a convenientemente, teremos á nossa
direita, quando voltados para o Norte, o h o r i -
zonte É s t e e á nossa esquerda, o horizonte Oeste,
como succede nas cartas terrestres collocadas
horizontalmente sobre a nossa mesa. Si, p o r é m ,
collocarmos uma carta do c é o sobre a nossa
mesa, isto é, si collocarmos em plano inferior a
nossos olhos a r e p r o d u c ç ã o do que e s t á em pla-
no superior, é claro que a p o s i ç ã o do horizonte
ficará i n v e r t i d a . É por essa r a z ã o que as duas
cartas n. 5 (celeste) e n . 6 (terrestre) podem ser
applicadas uma sobre a outra, e se ajustam per-
feitamente, coincidindo os seus horizontes. Si nos
collocassemos no verso da carta n. 6, e s t a r í a m o s
no centro da terra e, por isso, v ê r i a m o s a sua
superfície projectada sobre o c é o , si a superfície
fosse transparente ; si nos collocassemos no verso
da carta n . 5, e s t a r í a m o s fora de todo o systema
estellar conhecido, vendo o c é o , n ã o como é
visto do nosso planeta, mas como é representa-
do em u m globo celeste.
Os mappas ns. 5 e 9 representam com exa-
c t i d ã o o aspecto do c é o do Rio de Janeiro, ou,
44 Astronomia

deira quiz representar este aspecto, a


bandeira está errada. Está errada na
direcção da Ecliptica, nas grandezas,

nas p o s i ç õ e s das estrellas, d e t o d a s as

antes, a p o s i ç ã o de certas estrellas naquelle c é o ;


o n . 5, no momento escolhido pelo decreto, isto
é, quando o C R U Z E I R O e s t á no meridiano ; o n . 9,
certas constellações num momento dado, que j u l -
gamos mais propicio para a feitura de uma ban-
deira a s t r o n ô m i c a . Todas as estrellas comprehen-
didas nesses mappas s ã o visiveis na latitude do
Rio de Janeiro. O ponto negro que marca o cen-
tro do circulo é o que, no c é o , fica sobre a cabeça
do habitante do R i o de Janeiro. A circumferencia
f o r m a o horizonte daquella capital, declarado nos
tres mappas com as d e s i g n a ç õ e s : Horizonte Norte
— Horizonte Sul — Horizonte Este e — Hori-
zonte Oeste.
O R i o de Janeiro e s t á a 22°, 54', 24" de l a t i t u -
de ao sul do Equador ; o polo Sul da aboboda
celeste, a l l i , fica elevado 22», 54' 24" acima do
horizonte Sul e a abobada parece gyrar em torno
desse ponto, por effeito do m o v i m e n t o diurno
da r o t a ç ã o da terra.
Si a cidade estivesse sobre o Equador, os
dous p ó l o s ficariam justamente sobre os dous
horizontes Norte e S u l ; como, p o r é m , e s t á ao
sul do Equador, o polo Sul e s t á acima do ho-
rizonte, e ir-se-ia elevando gradualmente para
Astronomia 45

estrellas, s e m exceptuar uma só. Te-


riam estas de realisar viagens de cen-
tenares de milhares de séculos, para,
obedecendo ao decreto e ao sr. Tei-
xeira M e n d e s , i r e m t o m a r na bola azul
as posições que lhes f o r a m designadas

dictatorialmente.
Ha no Rio de Janeiro um ob-
servatório astronômico, que poderia
t e r s i d o c o n s u l t a d o , d e s d e q u e se pre-
tendia pôr em contribuição os astros.
O Governo Provisório preferiu, porém,
desfraldar aquelle documento de igno-

rância, que, correndo mundo e flu-


ctuando no extrangeiro, dará uma idéa
tão ridicula, quão injusta, do nosso

adeantamento.

quem viajasse em d i r e c ç a o do Sul, ao passo que


baixariam no horizonte Norte as estrellas mais
p r ó x i m a s desse polo.
Quanto á s bellezas do nosso c é o austral, é
m u i t o u t i l para o distincto conhecimento dellas
a obra de Proctor : The Southern Skies, a plain
and easy guide to the constellations of the Sou-
thern Hemisphere etc, etc. London, /8S9.
4 6 Astronomia

PROPOSIÇÃO I I — « Assignalou-se o polo


Sul pelo o do OITANTE, que se tor-
nou o symbolo natural do Muni-

cípio Neutro. »

Porque o insignificante o do OI-


TANTE é o symbolo natural do Muni-
cípio Neutro? O R i o de Janeiro não
está no polo Sul. Mais perto do polo,
acham-se os E s t a d o s de S ã o Paulo, do
Paraná, de Santa Catharina e do Rio
Grande do Sul. S e r á por ser o o do
OITANTE a estrella m e n o r de todas as
que figuram na bandeira ?

PROPOSIÇÃO III — «Escolheram-se con-


stellações austi aes,
r
com excepção do
PEQUENO C Ã O , que forneceu Pro-

c y o n , para significar qite a União


Brasileira tem um Estado que se
extende ao hemispherio norte.»

O auctor da bandeira devia appren-

der u m pouco de Geographia do Brasil.


Astronomia 47

Não ha menino de escola na-


quelle paiz que ignore que o Brasil
tem dous Estados cujos territórios se
extendem ao norte do Equador. Olhe
o auctor da Apreciação Philosophica
para qualquer mappa do seu paiz e
verá que o Pará e o Amazonas têm
territórios ao norte da linha equi-

noxial.
Seria, portanto, preciso escolher,
d o h e m i s p h e r i o n o r t e , n ã o uma estrella,
mas duas, r e p r e s e n t a n d o o Estado do
P a r á e o Estado do Amazonas. Podiam
s e r Regulus, Arcturus, Castor, Pollux,
ou outras estrellas do hemispherio

norte.
O auctor da bandeira, evidente-

mente, teve aqui a confusa e vaga idéa


de querer representar tão somente as
estrellas comprehendídas dentro dos
meridianos e parallelos celestes cor-
respondentes aos meridianos e paral-

lelos terrestres que passam pelos pon-


4 8 Astronomia

tos e x t r e m o s das fronteiras e da costa

do Brasil.
Mas, então, seria preciso excluir
todas as 2 1 e s t r e l l a s e s c o l h i d a s , como
verá claramente o leitor applicando o
mappa n. ó com a projecção do ter-
ritório brasileiro sobre o mappa n . 5,
que é o do aspecto do céo do R i o de
J a n e i r o n o m o m e n t o e c o m as e s t r e l l a s
escolhidas pelo decreto e pelo auctor
da bandeira. Graças á transparência

do papel, v e r á o leitor, das 21 estrel-


las escolhidas, u m a s o m e n t e , a Espiga,
da VIRGEM, que está comprehendida no
e s p a ç o do c é o correspondente ao pla-
no do território. Seria preciso, então,
excluir as 20 outras estrellas, e seria
lógico: si as do norte do Equador
celeste f o r a m excluidas, porque o Bra-
sil a p e n a s se e x t e n d e a l g u n s g r a u s ao
norte do Equador terrestre, então se
eliminem da bola azul da bandeira
t o d a s a s e s t r e l l a s c i r c u m p o l a r e s e, c o m
Astronomia 49

mais razão, o minúsculo o do OITANTE,

t ã o a r b i t r a r i a m e n t e f e i t o « symbolo na-
tural do Município Neutro», pois o
Brasil não chega ao polo Sul; elimi-
nem-se também as estrellas de Léste
e de Oéste, inclusive as do multi-
stellifero SCORPIÃO, pois, no momento
escolhido, ellas não estão dentro dos
limites que o auctor da bandeira se
impoz, ao Norte, e que deveria tam-
b é m adoptar para o Sul, para o Oéste

e para o Léste.
O decreto e a Apreciação falam

em aspecto do céo. Si quizeram dar


esse aspecto, todas as e s t r e l l a s com-

prehendidas no horizonte do Rio de


Janeiro p o d i a m ter sido escolhidas.

PROPOSIÇÃO IV — « A sua estrella mais


bella, a E s p i g a , da VIRGEM, per-
tence ao nosso hemispherio, ea essa
estrella está ligada a memória da
descoberta da precessão dos equi-

4
5o Astronomia

noxios pelo fundador da astrono-


mia, o immortal Hyparco (i).
Ella não podia, pois, deixar de

ser escolhida. »

Si a razão que obrigou o auctor


da bandeira a escolher a Espiga é o
t e r a q u e l l a e s t r e l l a s e r v i d o p a r a a des-
coberta da precessão dos equinoxios
por Hipparcho, egual razão havia para
a escolha de Regulus, a da constel-
l a ç ã o do L E Ã O , brilhantissima estrella,
que aquelle a s t r ô n o m o observou para
fazer a sua descoberta.
E, si o auctor da bandeira que-
ria u m a constellação septentrional para
indicar que o Brasil tem um Estado
(aliás, dous) extendendo-se ao norte
do Equador, tinha á m ã o (si assim se
pôde dizer, tratando-se de estrellas)
Regulus, do LEÃO, que, p a r a ser con-
templado, reunia dous titulos: o de

( i ) Aliás, Hipparcho.
Astronomia 5i

estar ligado á m e m ó r i a de u m a grande


descoberta e o de estar ao norte do
Equador.

PROPOSIÇÃO V — a) « Na bandeira, ella


(a E s p i g a , da VIRGEM,) está figu-
rada acima da Ecliptica, para
quebrar a monotonia do hemis-

pherio boreal.»
b) « P r o c y o n , que é a única
estrella das escolhidas que está
no hemispherio norte, não podia
ser collocada acima da Ecliptica,
porque a constellação está ao sul

dessa linha. >

Q u a n d o c h e g o u nesse p o n t o , o a u -

ctor da bandeira olhou para a parte


s u p e r i o r d a sua b o l a azul e v i u aquelle
campo deserto, achou-o monótono e
teve muita razão. E quando a gente
acha m o n ó t o n o o hemispherio boreal,
que deve fazer? Pega delicadamente
de uma estrella e deita o dito astro
52 Astronomia

n o r e f e r i d o h e m i s p h e r i o ; e, p a r a isso,
pede-se u m a estrella e m p r e s t a d a ao v i -
zinho hemispherio austral. O auctor da
bandeira, tendo feito este empréstimo
estellar, o l h o u de n o v o para a bola e
achou que estava bem.
Infelizmente, não descançou, por-
que continuou depois, a dedo, a desar-
ranjar os astros.

c) «A liberdade esthetica, pe-


lo contrario, permittia collocar a
Espiga acima da f a i x a represen-
tativa do Zodiaco, por se tratar de
uma constellação que tem parte aci-
ma e parte abaixo do plano da or-
bita terrestre, e de uma estrella que
bastaria uma pequena variação na
inclinação desse plano, para trans-
porlal-a ao norte delle. Mas ella
f o i representada junto á faixa.-»

O auctor da bandeira teve a idéa


de fazer uma bandeira scientifica, u m
Astronomia 53

estandarte astronômico. Deante dessa


obra desgraciosa, pesada, inesthetica
por todos os titulos, o seu auctor re-
solveu introduzir a liberdade esthetica
entre os astros, que, a principio, co-
meçara a querer dispor com todo o
rigor astronômico e de a c c ô r d o com a
o r d e m do G o v e r n o Provisório, que era
positiva, pois o decreto mandava que
as estrellas apparecessem todas nas
suas posições astronômicas. A bola es-
trellada, que já não era astronomia,
porque, como demonstrámos, estava
errada, e que nunca s e r á arte, porque
é tudo quanto ha de mais desgracioso
e anti-artistico— a bola, c o m o e m p r é s -
t i m o d a Espiga, removida, por ordem
superior, de u m hemispherio para ou-
tro, p e r d e u a t é as apparencias de ser
cousa attinente á astronomia. O seu
logar é na industria do papel barato.
A Apreciação Philosophica, si
queria por força e á ultima hora po-
54 Astronomia

voar o deserto hemispherio com uma


estrella isolada, não precisava mudar
do seu caminho a innocente a da VIR-
GEM. Si o auctor da bandeira tivesse
obedecido ao decreto, collocando as
e s t r e l l a s nas suas p o s i ç õ e s astronômi-
cas, e n ã o as tivesse desarranjado, P
do ESCORPIÃO ficaria, naturalmente, e
sem esforço, n e m liberdade esthetica,
por cima do plano da Ecliptica. Veja-
se a c a r t a n . 5. Tomasse a de BOOTES

(Arcturus), bellissima estrella, que,


estando ao norte do Equador e da
Ecliptica, realisaria a dupla intenção
d e q u e f a l a a Apreciação: — de indicar
que o Brasil tem território ao norte
do E q u a d o r e de quebrar a m o n o t o n i a
do hemispherio boreal, que a Aprecia-
ção julgou ficar mais interessante com
a emigração da V I R G E M deslocada.
A Apreciação procura desculpar
a liberdade, dizendo que foi apenas
u m a pequena variação. No globo ce-
Astronomia 55

leste de que se serviu o auctor da


bandeira para inscrever no losango
amarello a sua bola, ou, antes, rodella
azul salpicada de estrellas, essa va-
riação pareceu pequena. Nem chegava,
talvez, a meia pollegada, acreditamos.

Mas, no espaço celeste, s ã o outras as


proporções: o movimento próprio se-

cular da e s t r e l l a Espiga, ou a da VIR-


GEM, que todos os dias se afasta de
nós, produz-se na direcção da con-
stellação do CORVO ( I ) . O auctor da
bandeira não só deslocou a estrella,
como fêl-a mudar de direcção, levan-

do-a para perto de Arcturus, j° ao


s u l d e s t a e s t r e l l a ( 2 ) , e, d e p o i s de ter
assim desencaminhado, em pleno céo,

a VIRGEM, fêl-a fazer, fóra do rumo,


uma viagem, na qual, levando-se em
conta o m o v i m e n t o próprio da Espiga

(1) V i d . as p o s i ç õ e s na estampa n . 5.
(2) V i d . estampa n . 5 e a bandeira do Go-
verno P r o v i s ó r i o , n . 4.
56 Astronomia

e o espaço a percorrer, teria a pobre


estrella de levar 35.000 séculos, ou

3.500.000 annos (1).


E a Apreciação insiste na insigni-

íicancia da alteração feita no céo, di-


zendo, por f i m , que, apesar da mu-
d a n ç a , a Espiga f i c o u perto da f a i x a !

*
* *

Para representar exctamente o as-


pecto do céo do R i o de Janeiro, com
as estrellas escolhidas, na sua verda-

deira posição astronômica no momento


em que está sobre o meridiano o CRU-

ZEIRO, f i z e m o s g r a v a r a c a r t a n . 5, que
bem mostra o erro da bandeira.
Admittida a idéa de u m a bandeira
astronômica, o auctor dessa bandeira
deveria escolher outro momento. Se-
ria esse momento aquelle em que a

(1) Calculo rigoroso.


Estampa IX

//(
>'tizo,\Te Seu

P r o j e c ç ã o stereographica
sobre o plano do horizonte do Rio de Janeiro
estando o Tf] do Navio sobre o meridiano.
Astronomia 57

estrella v do N A V I O A R G O ( I ) passa p e l o
meridiano do R i o de Janeiro.

Esse m o m e n t o seria, s e m duvida,


preferível, pois estaria e n t ã o acima do

horizonte a bellissima constellação de


ORION, O Gigante do Céo, cantado por
P i n d a r o , o s Tres Reis Magos, ou Tres
Marias da poesia e das lendas po-
pulares e que os próprios indios do
Brasil conheciam e a que chamavam...
Ararapary (2).

O a s t r ô n o m o official teria, e n t ã o , de
escolher 21 estrellas, todas do maior
brilho e todas visíveis, o que, além de
mais bello, seria, c o m o j á observámos,
u m s y m b o l o d e egualdade e n t r e os dif-
ferentes Estados.

Veja o leitor a estampa n . 9, r e -


presentando essas e s t r e l l a s n o c é o , n o

(1) E n ã o ARGUS, como escreve a Apre-


ciação.
(2) Vocabulário indígena de BARBOSA R O -
DRIGUES.
58 Astronomia

momento em que y do N A V I O está so-


b r e o meridiano do R i o de Janeiro.
Haveria, nesse momento, a esco-
lher as seguintes estrellas, todas da

maior belleza:

6 em ORiON:-a, ou Betelgueze; y,

ou Bellatrix; P, o u Riegel; e as

tres d o Talabarte — ô e e £.
f

i no MAIOR C Ã O : a, ou Sirius;

i no MENOR C Ã O : a, ou Procyon;

i no LEÃO : a, ou Regttlus ;

i na VIRGEM : a, ou Espiga;

i no NAVIO A R G O : a, ou Canopo;

4 no CRUZEIRO : a, P, y e ô ;

2 no CENTAURO : a e p ;

3 no TRIÂNGULO A U S T R A L : a, p, e y;

i n o E S C O R P I Ã O : a, ou Antares.

21

O céo do Rio de Janeiro, quando


y do N A V I O está sobre o meridiano,
Astronomia 59

é t ã o rico, q u e haveria a t é para esco-


lher essas 2 1 e s t r e l l a s necessidade de
deixar de lado outras, n ã o menos bri-
lhantes, c o m o Arcturus, Castor e Pol-
lux, e n ã o se precisaria recorrer a
estrella alguma.

Mas nenhuma combinação, nem


mesmo essa, u m a v e z a d o p t a d a a infe-
liz idéa da roda, o u bola azul n a ban-
deira, tornaria menos feia a preten-
dida idealisação do c é o fluminense e
a r e p r e s e n t a ç ã o inexacta e inesthetica
d o s E s t a d o s d o B r a s i l p o r m e i o d e es-

trellas dispersas caprichosamente, mas


com pretenções de estarem nas suas
posições astronômicas.

*
* *

Julgámos ter, no emtanto, demons-


trado que, como astronomia, a ban-
deira é u m conjunto de erros: E'
o reverso d o c é o , c u j o a s p e c t o se q u i z
6o Astronomia

representar; 2. ) A s estrellas
0
não es-
tão nas suas v e r d a d e i r a s p o s i ç õ e s e a
faixa representativa da Ecliptica está

erradamente traçada.
A N N E X O S

A N N E X O N . I

Decreto n. 4, de 19 de novembro de 1889

Estabelece os distinctivos da bandeira e das


armas nacionaes e dos sellos e sinetes da
Republica.

« O Governo Provisório da Repu-


blica dos Estados Unidos do Brasil:
Considerando q u e as c ô r e s d a n o s -
sa antiga bandeira r e c o r d a m as luctas
e as victorias gloriosas do exercito e
da armada na defesa da Pátria;
Considerando, pois, que essas c ô -
res, independentemente da forma de
62 Annex os

governo, symbofisam a perpetuidade


e integridade da Pátria entre as ou-

tras nações ;

Decreta:

Art. i . ° — A bandeira adoptada pe-


la Republica m a n t é m a tradição das
antigas côres nacionaes—verde e ama-
rello — do seguinte m o d o : u m losan-
go amarello em campo verde, tendo
no meio a esphera celeste azul, atra-
vessada por uma zona branca, em
sentido obliquo e descendente da di-
reita para a esquerda, com a legenda
— Ordem e Progresso — e pontuada
por vinte e uma estrellas, entre as
q u a e s as d a c o n s t e l l a ç ã o d o CRUZEIRO,

dispostas na sua situação astronômica,


quanto á distancia e ao t a m a n h o rela-
tivos, representando os v i n t e Estados
da Republica e o Municipio Neutro,
tudo segundo o modelo debuxado no
Annexo n. I.
6 4
Annexos

A N N E X O N . 2

A B A N D E I R A N A C I O N A L (*)

« P o r decreto n. 4, de 19 d e no-
vembro corrente, foi instituida a ban-
deira que symbolisa a Republica dos
Estados U n i d o s do Brasil. T a l symbolo
coincide essencialmente com uma pa-
triótica inspiração do denodado chefe
do governo actual e corresponde ás
tocantes e m o ç õ e s dos nossos soldados
e marinheiros, ao mesmo tempo que
traduz o c o n j u n t o das aspirações na-

cionaes. Única parte da nação em


quem o culto fetichico da bandeira foi
systematicamente mantido, a força pu-
blica de terra e mar, melhor do que
qualquer outra classe, devia, natural-
m e n t e , s e n t i r as c o n d i ç õ e s a q u e tinha

(*) Publicado no Diário Official, da U n i ã o ,


de 24 de novembro de 1889.
Estampa X a

As armas do Governo P r o v i s ó r i o
fac-simile do annexo N. 2 do Diatio Official.
Annexos 65

de satisfazer o n o v o e m b l e m a dos fei-


tos e das e s p e r a n ç a s da Pátria Brasi-
leira. U m a descripção singella bastará
p a r a p a t e n t e a r as e m i n e n t e s qualidades
moraes do pavilhão republicano do
Brasil. Destinada a lembrar a frater-
nidade, base de todo o civismo, a ban-
deira d e v e ser s y m b o l o de a m o r , antes
de tudo.

Contemplando-a, cumpre que o ci-


d a d ã o sinta c o m energia t o d a s as con-
v e r g ê n c i a s sociaes, a t r a v é s das discór-
dias individuaes. E l l a nos d e v e recor-
dar o Passado, donde proviemos, a
Posteridade, por q u e m trabalhamos, e
o Presente, que fôrma o élo movediço
dessas massas i n d e f i n i d a s das gerações
humanas. Continuidade e solidariedade,
isto é, a unidade na sua mais lata
accepção, tal d e v e ser o seu primeiro
característico. Reconhece-se, á vista
destes motivos, que o symbolo nacio-
nal devia manter do antigo tudo o que

5
66 Annexos

pudesse ser conservado, de modo a


despertar em nossa alma o mais ar-
dente culto pela memória de nossos
avós. Mas, por outro lado, elle devia
também eliminar tudo quanto pudesse
perturbar o sentimento da solidarie-
dade civica, p o r traduzir crenças que
não são mais partilhadas por todos os
cidadãos. Devia, finalmente, incitar á
mais fervorosa dedicação pelas gera-
ções vindouras. Era, pois, evidente a
n e c e s s i d a d e , n ã o s ó d e m a n t e r as côres
e a disposição da p r i m i t i v a bandeira,
mas também de substituir por novos
symbolos os e m b l e m a s d a Monarchia.
Foi justamente o que se fez.
Para c o m p r e h e n d e r similhante sub-
stituição, recordamos o histórico do an-
tigo pavilhão brasileiro.
Por carta de lei de 13 de maio
de 1816, D . J o ã o V I deu por armas
ao reino do Brasil uma esphera armil-
lar de ouro e m c a m p o azul, e p o r de-
Annexos 67

creto de 18 de setembro de 1822


foram instituídos o escudo de armas
e a bandeira, que nos serviram até o
glorioso 15 de novembro. Tal insti-

tuição é devida essencialmente a José


Bonifácio, o patriarcha da nossa in-
dependência. E i s os t e r m o s desse de-
creto :

« Havendo o Reino do Brasil, de


q u e m sou regente e perpetuo defensor,
declarado a sua emancipação política,
entrando a occupar, na grande família
das n a ç õ e s , o l o g a r q u e j u s t a m e n t e l h e
compete como nação grande, livre e
independente; sendo, p o r isso, indis-
p e n s á v e l q u e ella tenha u m escudo real
d e armas, q u e n ã o s ó a d i s t i n g a das de
Portugal e Algarves, até agora cara-
cteristicos deste rico e vasto continente;
e desejando eu que se conservem as
armas que a este R e i n o f o r a m dadas

pelo Sr. R e i D . J o ã o V I , m e u augusto


68 Annexos

Pae, na carta de lei de 13 de maio


d e 1 8 1 6 , e, a o m e s m o t e m p o , rememo-
rar o primeiro nome que lhe fora i m -
posto no seu feliz descobrimento e
honrar as 19 p r o v í n c i a s comprehendi-
das e n t r e os g r a n d e s r i o s , q u e s ã o os
seus limites naturaes e que f o r m a m a
sua integridade, que eu jurei susten-
tar — hei por bem, e c o m o parecer do
m e u Conselho de Estado, determinar o
seguinte: — S e r á , de ora e m deante, o
escudo de armas deste R e i n o d o Brasil,
e m campo verde, u m a esphera armillar
de ouro, atravessada por uma cruz
da o r d e m de Christo, sendo circulada
a mesma esphera de 19 estrellas de
prata em u m a orla azul, e firmada a
coroa real diamantina sobre o escudo,
cujos lados s e r ã o a b r a ç a d o s por dous
ramos das plantas de café e tabaco,
como emblemas de sua riqueza c o m -
mercial representados na sua própria
cor e ligados na parte inferior pelo
Annexos 69

laço da nação. A bandeira nacional


será composta de um parallelogram-
mo verde, e nelle, inscripto u m quadri-
látero rhomboidal, cor de ouro, ficando
n o c e n t r o d e s t e o escudo das a r m a s do
Brasil.

José Bonifácio de Andrada e Sil-


va, d o meu Conselho de Estado e do
Conselho de Sua Majestade Fidelis-
sima, o Sr. R e i D . J o ã o V I , e meu m i -
nistro e secretario de E s t a d o dos Ne-

gócios do Reino e de Extrangeiros, o


tenha assim entendido e faça executar
c o m os despachos n e c e s s á r i o s . — Paço,
em 18 de setembro de 1822.»

*
* *

Como se vê, a continuidade histó-


rica foi respeitada na cr e a ç ã o do em-
blema imperial, que manteve a esphera
armillar de ouro e apenas mudou o
c a m p o de azul para verde. Ao mesmo
7o Annexos

tempo, nota-se que José Bonifácio se


propoz recordar a filiação histórica do
povo brasileiro, lembrando pelo pri-
meiro nome dado ao Brasil os seus
antecedentes coloniaes.Teve, outrosim,
cuidado de symbolisar a independên-
cia e o concurso de t o d o s os elemen-
tos americanos de origem portugueza,
por m e i o d e u m a o r l a a z u l c o m 19 es-
trellas de prata, combinando, dest'arte,

as c ô r e s d a a n t i g a metrópole.
A coroa era o caracteristico pecu-
liar da M o n a r c h i a . Pois bem, o novo
emblema devia significar os mesmos
sentimentos, mas tinha t a m b é m de tra-
duzir as novas aspirações nacionaes.
P a r a satisfazer a essa d u p l a neces-
s i d a d e , f o i q u e se a d o p t o u a represen-

t a ç ã o idealisada do aspecto do c é o na
capital dos E s t a d o s Unidos do Brasil,
no momento em que a constellação

do CRUZEIRO s e a c h a n o m e r i d i a n o , es-
tampando-se na direcção da orbita
Annexos 7i

terrestre a legenda — Ordem e Pro-


gresso. Este symbolo corresponde a
tudo quanto o outro tinha de essencial.
E l l e lembra, naturalmente, a phase do
B r a s i l - C o l o n i a nas c ô r e s azul e branca
que matizam a esphera, ao mesmo
tempo que esta recorda o p e r í o d o do
Brasil-Reino, por trazer á memória
a esphera armillar. Desperta a lem-
brança da fé gloriosa dos nossos an-

tepassados e o descobrimento desta


parte da America, n ã o j á p o r meio de
um signal, que é actualmente u m sym-
bolo de divergência, mas por meio de
uma constellação, cuja i m a g e m s ó p ô d e
fomentar a mais vasta fraternidade;
porque nella o mais fervoroso catho-
lico contemplará os mysterios inson-
daveis da crença medieva e o pensa-
dor mais livre recordará o caracter
subjectivo dessa mesma crença e a
poética imaginação dos nossos avós.
Finalmente, foi mantida a idéa de
72 Annexos

representar a i n d e p e n d ê n c i a e concurso
civicos por u m conjunto de estrellas.
S u p p r i m i r a m - s e os r a m o s de tabaco
e de café, porque sobrecarregariam o
pavilhão com uma especificação que
n ã o m a i s c o r r e s p o n d e á r e a l i d a d e , vis-
to como n ã o s ã o os únicos objectos
agrícolas do commercio do Brasil, além
de occuparem u m logar secundário no
mesmo commercio, no ponto de vista
geral. O verde e o amarello da ban-
deira j á representam sufficientemente
o aspecto industrial do Brasil, p o r isso
que caracterisam o c o n j u n t o das pro-
ducções da natureza viva e da natu-

reza morta.
Vejamos, agora, como o novo em-
b l e m a t r a d u z as a s p i r a ç õ e s d o p r e s e n t e .
O povo brasileiro, c o m o todos os
povos occidentaes, acha-se v i v a m e n t e
solicitado por duas necessidades, am-
b a s i m p e r i o s a s , q u e se r e ú n e m n a s pa-
lavras — Ordem e Progresso. Todos
Annexos 73

sentem, p o r u m lado, que é imprescin-


dível manter as bases da sociedade;
mas todos percebem também que as
instituições humanas são susceptíveis
d e aperfeiçoamentos. Ora, acontecendo
que o typo da ordem só foi a t é hoje
fornecido pelo regimen theologico e
g u e r r e i r o passado, e que o progresso
tem exigido a eliminação, por vezes
violenta, de certas instituições, o espi-
rito publico foi levado empiricamente a
s u p p ô r q u e as d u a s n e c e s s i d a d e s eram
irreconciliaveis. Dahi, a formação de
dous partidos oppostos, um invocando
para lemma a ordem e outro tomando
para divisa o progresso, partidos que
se combatem com encarniçamento e
q u e t r a n s f o r m a m as p á t r i a s occidentaes
em campos permanentes de batalha.
No emtanto, a dynamica social, fun-
dada por Augusto Comte, para com-
pletar e desenvolver a statica social,
fundada por Aristóteles, demonstra que
74 Annexos

as d u a s necessidades d e o r d e m e p r o -
gresso, l o n g e de serem irreconciliaveis,

por t o d a a p a r t e se h a r m o n i s a m .
E, ainda mais, o mesmo egrégio
p e n s a d o r d e m o n s t r o u q u e essa harmo-
nia se d á na politica e na moral, em
conseqüência da preponderância do
amor. N a phrase do fundador da Re-
ligião da Humanidade — «o progresso
è o desenvolvimento da ordem, como a
ordem é a consolidação do progresso».
Pois b e m , é essa c o n c i l i a ç ã o d a o r -
dem com o progresso que todo o
povo brasileiro sente e sem a qual
não poderia existir a verdadeira fra-
ternidade ; é essa conciliação que o
novo symbolo proclama.
Progressistas e ordeiros podem
hoje confraternisar; e essa confrater-
nisação é tanto mais solida, quanto a
divisa f o i hasteada após uma revolu-
ção progressista e triumphante. A nova
d i v i s a s i g n i f i c a q u e essa r e v o l u ç ã o n ã o
Annexos 75

aboliu simplesmente a Monarchia; que


ella aspira fundar uma pátria de ver-
dadeiros irmãos, dando á ordem e ao
p r o g r e s s o t o d a s as g a r a n t i a s q u e a h i s -
toria nos demonstra serem necessárias
á sua p e r m a n e n t e harmonia.
I n s c r i p t a nas zonas dos planetas, a
formula politica nos recorda 'que essa
conciliação da o r d e m com o progresso
se p a t e n t e i a d e s d e o s p h e n o m e n o s ma-
thematicos, c o m o nos attesta o especta-
c u l o a s t r o n ô m i c o , e, a o m e s m o tempo,
tem a v a n t a g e m de indicar que, assim
como f o i s ó a sciencia que poude des-
cobrir essa conciliação na mechanica
e no c é o , assim também, pelo estudo
s c i e n t i f i c o d a s o c i e d a d e , é q u e se conse-
g u e d e s c o b r i r as c o n d i ç õ e s da harmo-
nia politica e moral.
Para t e r m i n a r estas rápidas indi-
cações, resta-nos fundamentar a ma-
neira por que foirepresentada a esphe-
r a c e l e s t e . P a r a isso, c u m p r e c o n h e c e r ,
76 Annexos

em p r i m e i r o logar, que n ã o se tratava


de construir propriamente uma carta
do céo.
Era preciso figurar u m céo idea-
lisado, isto é, c o m p o r u m a i m a g e m que
em nossa mente evocasse o aspecto
do nosso c é o , b e m como os sentimen-
tos que a nossa e v o l u ç ã o poética tem
ligado a similhante imagem.
O relativismo e s t h e t i c o e, mesmo,
scientifico t r a ç a as regras a seguir em
tal idealisação.

Figurou-se a esphera inclinada so-


bre o horizonte, segundo a latitude
do Rio de Janeiro, e assignalou-se o
polo Sul pelo o do OITANTE, que
se tornou o symbolo natural do Mu-
nicípio Neutro. Escolheram-se con-
stellações austraes, com excepção do
P E Q U E N O C Ã O , que forneceu Procyon,
para significar que a U n i ã o Brasileira
tem um Estado que se extende ao
hemispherio norte. Esta constellação
Annexos 77

fica ao norte do Equador e ao sul da


Ecliptica. As outras constellações es-
colhidas f o r a m , a l é m do CRUZEIRO, con-
venientemente destacado, o TRIÂNGULO

AUSTRAL, O SCORPIÃO, a VIRGEM (Espi-


g a ) , A R G U S (Canopo) e o GRANDE CÃO

(Syrius). A VIRGEM tem parte no he-


mispherio norte e parte no hemisphe-
rio sul, extendendo-se aquella acima
d a E c l i p t i c a . A sua estrella mais b e l l a , a
Espiga, pertence ao nosso hemispherio,
e a essa e s t r e l l a e s t á l i g a d a a memória
da descoberta da p r e c e s s ã o dos equi-
noxios pelo fundador da astronomia, o
i m m o r t a l H y p a r c o . Ella n ã o podia, pois,
deixar de ser escolhida. N a bandeira

ella está figurada acima da Ecliptica,


para quebrar a monotonia do hemis-
pherio b o r e a l . Procyon, que é a única
estrella das escolhidas que está no
h e m i s p h e r i o n o r t e , n ã o p o d i a ser collo-
cada acima da Ecliptica, p o r q u e a con-
stellação está ao sul dessa linha.
78 Annexos

A liberdade esthetica, pelo contra-


r i o , p e r m i t t i a c o l l o c a r a Espiga acima
da faixa representativa do Zodiaco, por
se t r a t a r d e u m a c o n s t e l l a ç ã o q u e tem
parte acima e parte abaixo do plano
da orbita terrestre, e de u m a estrella
que bastaria u m a pequena v a r i a ç ã o na
inclinação desse plano, para transpor-
tal-a ao norte delle. M a s ella f o i re-
presentada junto da faixa.
Em resumo, o estandarte da Re-
publica Brasileira symbolisa o nosso
passado, o nosso p o r v i r e o nosso pre-
sente ; a nossa terra e o nosso c é o ;
os feitos de nossos paes e as nossas
aspirações. Mas não é tudo. Elle re-
corda também a nossa filiação c o m a
França, o centro do Occidente, e por
esse lado nos prende a toda evolução
humana passada e ao mais r e m o t o f u -
turo. C o m effeito, o campo verde, que
tudo domina, n ã o recorda s ó a nossa

terra. C o m o diz A u g u s t o C o m t e : «Esta


Annexos 79

nuança convém aos homens do Porvir,


por isso qite caracterisa a Esperança,
como o annuncia habitualmente por toda
a parte a vegetação, ao mesmo tempo
que indica a Paz, duplo titulo para
symbolisar a actividade pacifica. Histo-
ricamente, ella maugurou a Revolução
Franceza, pois que os sitiantes da Bas-
tilha não tiveram, quasi todos, outros
emblemas além das folhas subitamente
arrancadas ás aimorés do P a l a i s Royal,
segtmdo a f e l i z exhortação de Camillo
Desmoulins ».

Esta r e c o r d a ç ã o universal nos trans-


porta á contemplação do proto-martyr

da nossa liberdade nacional, o gene-


roso Tiradentes, cujo fervoroso patrio-
tismo foi denunciado no mesmo anno
em que Paris inaugurava a regenera-
ção humana.
R . Teixeira Merides, nascido em Ca-
xias, Maranhão, a$ de janeiro de 1855.
Rtta Santa Izabel, n. 10 (Gloria).»
8o Annexos

ANNEXO N . 3

A B A N D E I R A N A C I O N A L (*)

A o sr. d i r e c t o r do Diário Official

foi enviada a seguinte carta:


« R i o de Janeiro, 2 J de Frederico
de 101 (25 de novembro de 1889).
Cidadão — Quando, a convite do
cidadão ministro da Fazenda, escrevi
a apreciação philosophica da bandeira
nacional, h o n t e m publicada no Diário
Official, l o n g e estava de i m a g i n a r que
alguém se lembrasse de combater a
d i v i s a — Ordem e Progresso.
Não havendo nenhum cidadão

brasileiro capaz de renegar estas duas


aspirações, é claro que n ã o se podia
cogitar da minima objecção a simi-
lhante legenda. N o emtanto, u m único

(*) D o Diário Official, de 26 de novembro


de 1889.
Annexos Si

diário desta capital, assás caracteri-


sado pelos seus antecedentes monar-
chistas e clericaes, acaba de levan-
tar-se contra essa fórmula de concór-
dia, que é o resumo da politica repu-
b l i c a n a , c o m o , a l i á s , se t e m p r o n u n c i a d o
contra outros actos decisivos do go-
verno nacional. E , p a r a fazer calar no
animo de alguns i n g ê n u o s a sua futil
opposição, dá, como pretexto da sua
critica, o facto de tal divisa ter sido
formulada pela p r i m e i r a vez por A u -
gusto Comte e prestar-se ella ao r i -

dículo.
Antes de tudo, convém notar que
o ridículo não depende dos objectos
contemplados e, s i m , d o s sentimentos
de que se acha animado o contem-
plador, n ã o sendo de admirar que um
monarchista e clerical ache ridículos
os symbolos de uma Republica. Ou-
trosim, não existe imagem, por mais
bella e séria que seja, que não se

6
82 Annexos

preste á exploração do instincto des-


truidor, como o demonstra a carica-
tura, sendo de observar que a tenta-
tiva de r i d i c u l a r i s a r os homens e as
cousas p r o v o c a o riso, o u a indignação,
segundo as disposições affectivas dos

assistentes.
Quanto ao primeiro argumento, a
sua puerilidade só se compara á do
segundo. Não ha verdade que não
tenha sido dita por u m certo homem,

pela primeira vez. Só se pode com-


bater razoavelmente uma máxima, de-
monstrando que ella é falsa e não
corresponde á situação. Assim, para
rejeitar a fórmula — Ordem e Pro-
gresso—, para accusal-a de ser uma
imposição do governo republicano, o
jornalista, aliás anonymo, devia de-
monstrar que o povo brasileiro não
quer ordem, n e m progresso, ou quer
mais a l g u m a cousa além do que resu-
mem estas duas palavras, ou quer
Annexos 83

justamente o contrario do que ellas


e x p r i m e m . Basta p ô r a q u e s t ã o nestes
termos, para fazer realçar a verdadeira
origem moral das objecções apresen-
tadas.

A acceitação da fórmula — Ordem


e Progresso — implica tanto a conver-
são á Religião da Humanidade, como
a acceitação da lei da g r a v i t a ç ã o des-
coberta por N e w t o n implica a adopção
das t h e o r i a s m e t a p h y s i c a s d o eminente
pensador inglez, ou o reconhecimento
da supremacia do amor proclamada
por S. P a u l o implica a acceitação do

Catholicismo. Para ser coherente, o


jornalista devia também promover a
rejeição do chão verde de nossa ban-
deira nacional, porque esse é também
o f u n d o da bandeira religiosa do Posi-

tivismo.
O ter sido formulada por A u g u s t o
Comte a divisa republicana dos tem-
pos modernos a ninguém deve causar
8 4
Annexos

surpresa. S ã o s ó os A r i s t ó t e l e s , os S*
Paulo, os C o n f u c i o , os Mahomet, os
S. B e r n a r d o , os D e s c a r t e s , os L e i b n i t z ,
os Augusto Comte, etc, que podem
systematisar as a s p i r a ç õ e s d e s u a épo-
ca. Augusto Comte é um pensador,
cujo m é r i t o n ã o é mais m a t é r i a de mí-
nima duvida. Pôde rejeitar-se o con-
j u n t o de sua d o u t r i n a , e b e m pequeno
é o numero dos q u e a seguem hoje.
M a s muitos aspectos isolados delia j á
fazem parte integrante da civilisação
de nosso tempo.
U m dos fundadores da Republica
Brasileira, o cidadão Benjamin Con-
stant, s e m p r e a p r e g o o u a superioridade
mental e moral do eminente philoso-
pho republicano. E g u a l conducta tive-
ram o actual ministro da Agricultura,
o cidadão Demetrio Ribeiro, e tantos
e tantos que trabalharam pela Repu-
blica, quando o j o r n a l de que se trata
fazia salamaleques á dynastia decahida.
Annexos *5

Porque também não propor que


a Republica rejeite de seu seio e de
seu governo esses beneméritos da
P á t r i a que, sem serem adeptos ortho-

doxos da Religião da Humanidade,


se esforçaram, no emtanto, por pro-

p a g a r as v i s t a s p o l i t i c a s d e n o s s o M e s -
tre?...

O s nossos c o n c i d a d ã o s sabem que


n ó s , os p o s i t i v i s t a s o r t h o d o x o s , n ó s , os
sectários estreitos da Religião da Hu-

manidade, daquillo a que o jornalista


chamou seita, nada pretendemos da
Republica em p r o v e i t o especial nosso,
ou de nossa fé. Conforme as pre-
scripções de A u g u s t o C o m t e , todos os
positivistas, quer theoricos, quer prá-
ticos, durante a primeira phase da
transição orgânica em que entramos,
não devemos, siquer, occupar os mí-
n i m o s cargos políticos, justamente para
t o r n a r insuspeita e p u r a a nossa inter-
v e n ç ã o . E , entretanto, ha largos annos,
86 Annexos

podemos dizer, desde a nossa meni-


nice, q u e c o m b a t e m o s pela Republica.

Quanto á nossa f é , ella, c o m o todas


as instituições scientificas da Huma-
nidade, ha de triumphar pela livre
propaganda de que a t é hoje se ufana,
sem precisar do mais insignificante

apoio do poder civil.


N e s t a p r i m e i r a phase, n ó s s ó aspi-
ramos o estabelecimento de um regi-
men que garanta a ordem e o pro-
gresso, isto é, nós só queremos a
consolidação da dictadura republicana,
em vez d o parlamentarismo burguezo-
cratico, conciliada c o m a plena liber-
dade espiritual, resultante da abolição
de todos os privilégios theologicos,
metaphysicos e scientificos, em vez
da tyrannia clerical e acadêmica, sob
cujo jugo vivemos durante sessenta

e oito annos.
Quanto ao facto de ter a nossa
bandeira nacional u m a legenda, e não,
Annexos 87

simples côres e emblemas, ser-me-ia


fácil mostrar que a lógica scientifica
assim o exige; porque, para evocar
com a máxima intensidade os senti-
mentos e pensamentos, é preciso o con-
c u r s o d a s imagens e d o s signaes. Ora,
nenhum signal é m a i s efficaz do que
os termos da linguagem humana, que
são ao mesmo tempo visuaes e pho-
nicos.

Mas limitar-me-ei a recordar que


o emprego das fórmulas nas bandei-
ras é t ã o e s p o n t â n e o , q u e os p r i m e i r o s
cidadãos que sonharam a independên-

cia d e nossa n a c i o n a l i d a d e p r o j e c t a r a m
uma bandeira com a divisa—Libertas,
quce sera tamen. Si o Brasil se hou-
vesse separado de Portugal e m 1789,

em vez de fazel-o e m 1822, o p a v i l h ã o


n a c i o n a l t e r i a c o n t i d o essa legenda.

A única razão para n ã o a adoptar


agora é que ella n ã o define o conjun-
88 Annexos

to da politica republicana moderna.

A l i b e r d a d e é u m a condição e não, um
fim; a liberdade é a condição funda-
m e n t a l j u s t a m e n t e d a Ordem e do Pro-
gresso. A divisa actual absorve, por-
tanto, espontaneamente, a legenda dos

gloriosos inconfidentes.
Devemos, finalmente, ponderar,

como razão synthetica, que o symbolo


que obteve a a p p r o v a ç ã o dos f u n d a d o -
res da R e p u b l i c a B r a s i l e i r a , os quaes,
aliás, n ã o s ã o adeptos systematicos da
Religião da Humanidade, por maiores
sympathias que lhes m e r e ç a m o nome
e a obra de A u g u s t o C o m t e , n ã o pôde
de modo algum ser acoimado de se-
c t a r i s m o . E os c i d a d ã o s brasileiros que
h o j e os c e r c a m d e j u s t o reconhecimen-
to não podem olhar sinão com pro-
fundo respeito para o emblema que
elles j u l g a r a m d i g n o de offerecer á ve-

neração nacional.
Annexos 89

Peço-vos a publicação destas l i -


nhas, em additamento á Apreciação
Philosophica, a que acima alludi.

Saúde e fraternidade. — R . Tei-


xeira Mendes. — 10, rua de Santa

Izabel.

N. no Maranhão (Caxias), em 5 de
janeiro de 1855.»
9

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