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Investigação Clínica, Epidemiológica, Laboratorial e Terapêutica

Micose fungóide: estudo epidemiológico de 17 casos e avaliação da


resposta terapêutica à PUVA*
Mycosis fungoides: epidemiologic study of 17 cases and evaluation
of PUVA photochemotherapy*
Ida Duarte 1 Roberta Buense 2 Simone Aoki 3
Resumo: FUNDAMENTOS - A fotoquimioterapia com PUVA é indicada para tratamento da micose fungóide,
empregada como monoterapia em estágios precoces ou combinada a outras drogas nos estágios mais avança-
dos da doença.
OBJETIVOS - Avaliação da resposta terapêutica à fotoquimioterapia PUVA em pacientes com micose fungóide.
MÉTODOS - Entre janeiro de 1996 e novembro de 2003 avaliaram-se 17 pacientes com micose fungóide no setor
de Fototerapia da Clínica Dermatológica da Santa Casa de São Paulo. A terapia com PUVA foi realizada como
monoterapia nos estádios iniciais ou como coadjuvante nos estádios avançados da doença. Avaliou-se o resul-
tado do tratamento quanto ao aspecto clínico das lesões e parâmetros histológicos após tratamento.
RESULTADOS - Quatorze de 16 pacientes responderam à fotoquimioterapia. Relacionando o estadiamento da
doença à resposta terapêutica obteve-se o seguinte: cinco pacientes (um em estágio IA e quatro em IB) com
controle total (cura das lesões); quatro (todos IB) com melhora intensa (controle de 70-99%); dois (IIB e IVA)
com melhora moderada (de 50 a 69%); três (IA, IB, IIA) com melhora discreta (menos 50%); dois (IB, IIB)
inalterados (sem resposta). Um paciente teve de descontinuar o tratamento por apresentar intenso ardor.
CONCLUSÃO - Houve resposta à terapia PUVA em 87% dos pacientes, com controle total ou melhora intensa da
doença em 56% dos casos. Sua efetividade permitiu regressão das lesões cutâneas, principalmente nos casos
precoces. A fotoquimioterapia com PUVA mostrou ser tratamento seguro e efetivo, devendo ser considerado
em pacientes com micose fungóide.
Palavras-chave: Linfoma de células T cutâneo; Micose fungóide; Terapia PUVA

Abstract: BACKGROUND - PUVA photochemotherapy is indicated to treat mycosis fungoides, either as


monotherapy in the earlier stages of the disease or in combination with other drugs in more advanced
stages of evolution.
OBJECTIVES – To evaluate PUVA photochemotherapy response in patients with mycosis fungoides.
METHODS - From January 1996 to November 2003, 17 patients with a diagnosis of mycosis fungoides were seen
in the Dermatological Phototherapy Division of Santa Casa de Sao Paulo, Brazil. PUVA treatment was car-
ried out as monotherapy at early stages of evolution and in combination with other treatments in more
advanced cases of mycosis fungoides. The treatment response was evaluated regarding cutaneous clinical
and histological improvement.
RESULTS - Fourteen of 16 patients improved after PUVA. The rate of improvement in skin after treatment rela-
ted to the initial stage of disease presented as follows: five patients (one in stage IA and four in IB) had total
control (cure of lesions); four (all IB) had major regression (improvement of 70%-99%); two (IIB and IVA)
had moderated improvement (50%-69%); three (IA, IB, IIA) had mild regression (less than 50%); two (IB, IIB)
were unaltered. Only one patient had to discontinue treatment due to intense burning.
CONCLUSION – Eighty-seven percent patients responded to PUVA therapy, and 56% presented total control or
significant improvement of lesions. The effectiveness of treatment resulted in regression of lesions mainly in
early stage cases. PUVA photochemotherapy was a successful and safe treatment, making it a good choice
for patients with mycosis fungoides.
Keywords: Lymphoma, T-Cell, cutaneous; Mycosis fungoides; PUVA therapy

Recebido em 08.08.2005.
Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 16.01.2006.
* Trabalho realizado na Clínica de Dermatologia da Santa Casa de São Paulo - São Paulo (SP), Brasil.
Conflito de interesse declarado: Nenhum
1
Professora-adjunta da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Responsável pelo Setor de Alergia e Fototerapia da Clínica de
Dermatologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo - São Paulo (SP), Brasil.
2
Pós-graduanda em Dermatologia pela Universidade de São Paulo. Médica dermatologista voluntária do Setor de Alergia e Fototerapia da Clínica de
Dermatologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo - São Paulo (SP), Brasil.
3
Estagiária da Clínica de Dermatologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo - São Paulo (SP), Brasil.

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INTRODUÇÃO
As células T cutâneas constituem uma popula- doença; 2) avaliação da resposta terapêutica com foto-
ção dinâmica de linfócitos com distintos marcadores quimioterapia (PUVA) aplicada nesses pacientes, nos
celulares de superfície. A malignização das células T diversos estádios de evolução dessa dermatose.
epidermotrópicas resulta na denominação global linfo-
ma cutâneo de células T (LCCT). Portanto, o LCCT MATERIAL E MÉTODOS
representa uma doença linfoproliferativa originada de Durante o período compreendido entre janeiro
clones malignos de células T, decorrentes de alteração de 1996 e novembro de 2003 foram atendidos 17
em seu processo de apoptose.1,2 pacientes portadores de micose fungóide na Clínica de
Trata-se de linfoma não Hodgkin apresentando- Dermatologia da Santa Casa de Misericórdia de São
se sob diversas manifestações clínicas, muitas vezes de Paulo. O diagnóstico de micose fungóide foi realizado
difícil diferenciação entre elas, sendo ainda possível por avaliação clínica e confirmação anatomopatológica.
uma forma evoluir para outra.3,4 Todos os pacientes foram encaminhados ao setor
As principais variantes do LCCT são agrupadas de Hematologia para estadiamento. Para tal, utilizou-se o
em: I) micose fungóide e suas diversas subdivisões; II) método TNM (tumor-node-metastasis system) adaptado
LCCT não-micose fungóide; III) desordens linfoproli- aos parâmetros específicos do LCCT. Consideram-se o
ferativas da imunodeficiência. Dessa forma, a micose aspecto clínico e o grau de comprometimento da lesão,
fungóide define-se como uma subdivisão do LCCT.5,6 tanto local como sistêmico, levando-se em conta a super-
As células neoplásicas da micose fungóide cor- fície corpórea atingida e o comprometimento de linfono-
respondem a clones de células T de memória migran- dos, do sangue periférico e de vísceras (Quadro 1).
do para a derme superficial e a epiderme, o que favo- A indicação do tratamento fotoquimioterápico
rece a utilização de terapêuticas direcionadas à pele.7-15 foi realizada após o estadiamento. Para os pacientes nos
O tratamento do LCCT ainda é motivo de dis- estádios iniciais foi indicado PUVA como monoterapia.
cussões, sendo propostos diversos métodos terapêuti- Em estádios mais avançados a fotoquimioterapia foi
cos para sua abordagem, sem real consenso sobre a indicada apenas como tratamento coadjuvante, na ten-
melhor terapêutica a ser utilizada. Os dados da litera- tativa de melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
tura demonstram que o sucesso do tratamento depen- A fotoquimioterapia compreende a associação
de diretamente da fase evolutiva em que se encontra da radiação UVA aos efeitos fototóxicos de uma subs-
a doença, bem como da resposta individual de cada tância psoralênica administrada via oral no intuito de
paciente. Quanto mais precoce a abordagem terapêu- produzir um efeito imunossupressor sobre a pele. As
tica, melhor o prognóstico para o paciente.7 especificações dos componentes desse método de tra-
Entre os métodos mais consagrados citam-se a qui- tamento são as seguintes:
mioterapia tópica (com mostarda nitrogenada ou carmus- Características da radiação UVA: a radiação ultra-
tina), a quimioterapia sistêmica, a corticoterapia tópica, a violeta tipo A consiste em raios de luz cujo comprimen-
radioterapia, os imunomoduladores biológicos (inter- to de onda varia de 320 a 400nm. Esses raios são emiti-
feron-alfa, interferon-gama e interleucina 2) e o transplan- dos por lâmpadas especiais dispostas no interior de uma
te alógeno de medula óssea. Novas abordagens terapêu- cabina de 1m2, no interior da qual se posiciona o pacien-
ticas estão em fase experimental, como imunotoxinas te em posição supina, com os olhos protegidos por ócu-
(denileucina diftitox que seria seletiva contra células T los que filtram a radiação evitando danos oftalmológicos.
neoplásicas), citocinas imunomoduladoras mais potentes A potência da radiação UVA é diretamente proporcional
(IL-12 recombinante para exacerbar mecanismos imunes ao tempo de exposição e medida em Joules/cm2. O
antitumorais inatos), imunoterapia utilizando células tempo de exposição varia conforme o fototipo do
dendríticas aderidas a antígenos tumorais, vacinação com paciente, a resposta individual ao tratamento e o núme-
peptídeos sintéticos ou plasmídeos de DNA que expres- ro de sessões de fotoquimioterapia já realizadas.
sam a região variável do receptor beta das células T e, Características da substância psoralênica: a
futuramente, a transdução genética e protéica para corri- substância utilizada no presente estudo foi o 8-meto-
gir defeitos intracelulares das células T neoplásicas.8, 9 xipsoraleno (8-MOP) na concentração de 0,6mg/kg de
Finalmente, cabe citar a fotoquimioterapia com peso, prescrita sob a forma de xarope, administrado
PUVA, objeto de estudo deste trabalho. Esse método con- via oral, 60 minutos antes da realização de cada sessão
siste na irradiação da pele com raios ultravioleta A, que, de fototerapia. O objetivo de seu uso consiste na
associada ao uso oral de uma substância psoralênica, tem potencialização da captação dos raios UVA pela pele,
efeito fototóxico sobre a pele. A PUVA atua principalmen- em virtude de sua ação fototóxica. Todos os pacientes
te como agente antiproliferativo sobre os linfócitos T (LT). foram submetidos a duas ou três sessões semanais, de
Os objetivos deste trabalho foram: 1) caracteri- acordo com a intensidade do quadro clínico.
zação do grupo de pacientes portadores de micose O resultado do tratamento com fotoquimiotera-
fungóide de acordo com sexo, cor e estadiamento da pia foi avaliado conforme parâmetros clínicos referentes

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QUADRO 1: Estadiamento da micose fungóide 2) com melhora discreta (se houve menos de 50% de
PELE melhora clínica);
T1 - Máculas, pápulas ou placas < 10% superfície 3) com melhora moderada (se houve de 50% a 69%
cutânea. de melhora clínica);
T2 - Máculas, pápulas ou placas > 10% superfície 4) com melhora intensa (se houve de 70% a 99% de
cutânea. melhora clínica);
T3 - Tumores 5) com controle total da doença (se houve 100% de
T4 - Eritrodermia
melhora clínica das lesões cutâneas, além de exame
LINFONODOS anatomopatológico sem evidências de neoplasia).
N0 - sem linfonodos palpáveis / histologia negativa Avaliou-se também a correlação entre a resposta
N1 - linfonodo periférico palpável
terapêutica e o estadiamento inicial da micose fungóide.
(N1o - histologia não realizada / N1n - histologia
negativa / N1r - histologia reacional / N1d - lin-
fadenite dermopática) RESULTADOS
N2 - linfonodo periférico não palpável / As características dos 17 pacientes seleciona-
histologia positiva dos neste estudo estão descritas a seguir. Totalizaram
N3 - linfonodo periférico palpável / 10 pacientes do sexo feminino e sete do sexo mascu-
histologia positiva lino, portanto com predominância de 59% para as
ÓRGÃOS INTERNOS ENVOLVIDOS mulheres sobre 41% para os homens (Gráfico 1 ).
M0 - negativo A cor branca foi a mais prevalente, represen-
M1 - positivo (metástase) tando 76% (13 pacientes). Encontraram-se ainda três
SANGUE pacientes pardos (representando 18%) e um de cor
B0 - < 5% cel atípicas circulantes negra (6%) (Gráfico 2).
B1 - > 5% cel atípicas circulantes A idade dos pacientes tratados variou de 31 a
ESTADIAMENTO 80 anos: média de 56,6 anos.
Ia - T1 N0 M0 Ao início do tratamento os pacientes foram
Ib - T2 N0 M0 submetidos a estadiamento da doença, conforme o
IIa - T1/2 N1 M0
IIb - T3 N0/1 M0
método TNM, tendo apresentado a seguinte distribui-
III - T4 N0/1 M0 ção: dois pacientes (12%) foram classificados como
IVa - T1/4 N2/3 M0 IA; 11 (64%) como IB; um (6%) como IIA; dois (12%)
IVb - T1/4 N0/3 M1 como IIB; e um (6%) como IVA (Gráfico 3).
Fonte: Cerroni L, Gatter K, Kerl H. An illustrated guide to skin
O tempo de tratamento para início de melhora
lymphoma. 2nd ed. Massachusetts: Blackwell; 2005, p.10. das lesões variou de um a seis meses. Observou-se
ainda que 70% (12/17 pacientes) obtiveram início de
ao aspecto das lesões cutâneas (melhora macroscópica resposta com até dois meses de tratamento.
do processo infiltrativo, desaparecimento do eritema, O número mínimo de sessões para início de
ausência de novas lesões). Nos casos em que houve melhora variou de três a 50, com média de 16 sessões.
remissão clínica total das lesões realizou-se novo exame
anatomopatológico da região cutânea previamente GRÁFICO 1: Distribuição dos 17 pacientes com
acometida. Constatando-se desaparecimento das altera- diagnóstico de micose fungóide de acordo com o
ções histológicas compatíveis com micose fungóide, sexo (Clínica de Dermatologia da Santa Casa de
considerou-se o paciente sob controle da doença. São Paulo; período entre 1996 e 2003)
Todos os pacientes foram seguidos durante
um período de no máximo 12 meses en que foram
avaliados:
a) o tempo necessário para o início de melho-
ra das lesões cutâneas;
b) o número mínimo de sessões para se obser-
varem indícios de resposta terapêutica;
c) a intensidade da resposta terapêutica: verifi-
cou-se o número total de sessões de fotoquimiotera-
pia realizadas.
Os pacientes foram classificados de acordo
com sua evolução do acometimento cutâneo após tra-
tamento em:
1) inalterados (se não houve alteração das lesões
cutâneas);

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O número total de sessões de fototerapia va- GRÁFICO 3: Distribuição de 17 pacientes com diagnós-
riou de 13 a 136, com média de 57 sessões. tico de micose fungóide conforme o estadiamento
Dezesseis pacientes foram acompanhados inicial da doença (Clínica de Dermatologia da Santa
durante os 12 meses estabelecidos para seu segui- Casa de São Paulo; período entre 1996 e 2003)
mento. O tempo total de tratamento variou de dois a
12 meses, com média de sete meses. Um paciente
abandonou o tratamento por intolerância ao efeito
colateral de ardor intenso após as aplicações de
PUVA. Os demais 16 pacientes finalizaram o estudo da
seguinte forma (Gráfico 4):
- cinco pacientes evoluíram para o controle
total da doença, traduzindo-se por remissão macros-
cópica total das lesões e avaliação microscópica,
mediante exame anatomopatológico livre de altera-
ções celulares em locais anteriormente documenta-
dos com modificações neoplásicas;
- quatro obtiveram melhora intensa;
- dois obtiveram melhora moderada;
- três deles apresentaram melhora discreta;
- dois pacientes evoluíram inalterados quanto
às lesões cutâneas. de estádio IA, IB e IIA, ou seja, tanto pacientes na
O resultado do tratamento foi analisado de forma inicial como na forma já invasiva da doença.
acordo com o estadiamento inicial de cada paciente Quanto aos dois pacientes inalterados, um era
ao momento do diagnóstico (Tabela 1). de estádio IB, e o outro de IIB.
Considerando-se os cinco pacientes que obti-
veram “controle total” da doença, um era de estadia- DISCUSSÃO
mento IA, e quatro de estadiamento IB, ou seja, todos A micose fungóide é o tipo de linfoma cutâneo
apresentavam a doença em seu estado inicial. primário mais comum na população em geral, perfazen-
Todos os quatro pacientes com “melhora inten- do 39% dos linfomas cutâneos. Foi relatada a incidência
sa” eram de estádio IB, também com doença localiza- de 0,5 casos por 100.000 pessoas por ano, e a idade dos
da, em fase inicial. pacientes acometidos variou em torno da média de 56
Em relação aos dois pacientes com “melhora anos.10,11 Portanto, a micose fungóide é considerada
moderada”, um era do estádio IIB, e um do estádio doença rara na população, e talvez por esse motivo haja
IVA (doença disseminada). dificuldade para se realizar a caracterização epidemioló-
Os três pacientes com “melhora discreta” eram gica desse tipo específico de linfoma não Hodgkin.
Weinstock et al. publicaram em 1999 um estudo ameri-
GRÁFICO 2: Distribuição dos 17 pacientes com cano que apontava a incidência entre os anos de 1973 e
diagnóstico de micose fungóide de acordo com a 1992 de 0,36 casos por 100.000 habitantes a cada ano.
cor (Clínica de Dermatologia da Santa Casa de Concluíram que a taxa de incidência tem sido estável ao
São Paulo; período entre 1996 a 2003) longo dos anos e que a taxa de mortalidade tem dimin-
uído.12,13 Outro estudo, espanhol, de Morales Suarez-
Varela et al., publicado em 2000, sugeriu que a incidên-
cia dos casos de micose fungóide tem aumentado ao
longo dos anos, mas ao mesmo tempo considerou que
esses dados seriam resultados decorrentes da melhoria
das técnicas diagnósticas. Poucos fatores de risco foram
identificados, mas foi percebida associação com exposi-
ção industrial, particularmente a óleos. Notou-se ainda
que o risco para desenvolver micose fungóide foi maior
no sexo masculino e na cor negra.14 Um estudo tunisia-
no constatou a predominância do sexo feminino.11
No presente estudo houve ocorrência de 59%
no sexo feminino, portanto discreta predominância
de mulheres.
Setenta e seis por cento dos pacientes eram da

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GRÁFICO 4: Distribuição dos 16 pacientes com diag- Os nove (53%) pacientes com controle total da
nóstico de micose fungóide, de acordo com o resul- doença ou melhora de no mínimo 70% das lesões eram
tado final do tratamento com fotoquimioterapia inicialmente de estádios IA e IB, representando 69% dessa
PUVA (Clínica de Dermatologia da Santa Casa de categoria. Os outros quatro pacientes enquadravam-se nos
São Paulo; período entre 1996 e 2003) estádios IIA, IIB e IVA, mas, embora apresentando forma
mais grave da doença, 75% deles (três pacientes) apresen-
taram melhora de moderada a discreta com o tratamento.
Pela casuística do presente estudo, os pacientes em está-
gios precoces da doença eram os mais freqüentes e foram
exatamente os que se beneficiaram com a fotoquimiote-
rapia. Os resultados desta pesquisa, assim como os eviden-
ciados pela literatura, levam a crer que a eficácia terapêuti-
ca da fotoquimioterapia com PUVA para os casos de mico-
se fungóide depende principalmente do estadiamento ini-
cial da doença, mas mesmo nos casos mais avançados essa
opção terapêutica se mostrou útil com o objetivo de dimi-
nuir a sintomatologia dos pacientes estudados.
Do total de 16 pacientes que completaram o
tratamento, 14 (87%) obtiveram alguma resposta tera-
pêutica, com algum grau de benefício quando subme-
tidos ao tratamento com a fotoquimioterapia. Dos 17
Controle: controle total das lesões cutâneas, com avaliação pacientes estudados, um apresentou efeitos colaterais
histológica livre de doença na pele; intensos, com sensação de ardor nas lesões, o que foi
MI: melhora intensa (70% a 99% de melhora clínica); suficiente para impedi-lo de prosseguir o tratamento.
MM: melhora moderada (50% a 69 % de melhora clínica);
MD: melhora discreta (< 50% melhora clínica); A terapia com PUVA tem seus mecanismos de
Inalterado: sem melhora das lesões cutâneas. ação bem estudados e definidos na literatura. A eficá-
cia dessa terapia estaria ligada tanto ao poder fototó-
cor branca, ao contrário do que se evidenciou na xico direto de destruir as células neoplásicas como à
literatura. capacidade de alterar a produção de citocinas, ou
A média dos pacientes quanto à idade, na seja, uma capacidade imunomoduladora de efeitos
época do diagnóstico de micose fungóide, foi de 56,6 indiretos no combate às células neoplásicas.
anos, dado condizente com os da literatura. A ação imunomoduladora da terapia com PUVA
Com relação ao estadiamento da doença na época está relacionada a sua capacidade de agir sobre as
do diagnóstico, dos 17 pacientes estudados,13 (76%) esta- citocinas inflamatórias, sobre os monócitos e sobre as
vam entre os estádios IA e IB da micose fungóide; três próprias células T neoplásicas. Já foi provado que
(18%) entre os estádios IIA e IIB; um (6%) apresentava a células CD4+ tratadas com PUVA produzem citocinas
forma invasiva da doença (estádio IVA), caracterizada de células Th1 do tipo IFN-gama e IL-2, que por sua
pela variante denominada síndrome de Sézary. vez ativam linfócitos T citotóxicos CD8+, com ação

TABELA 1: Comparação dos 16 pacientes com diagnóstico de micose fungóide, de acordo com o estadiamento
inicial da doença e o resultado do tratamento com PUVA (Clínica de Dermatologia da
Santa Casa de São Paulo; período entre 1996 e 2003)
Estadiamento IA IB IIA IIB IVA Total
Resultado
C 1 4 - - - 5
MI - 4 - - - 4
MM - - - 1 1 2
MD 1 1 1 - - 3
Inalterado - 1 - 1 - 2
Total 2 10 1 2 1 16

C: controle total (regressão completa das lesões cutâneas, com avaliação histológica livre de doença na pele)
MI : melhora intensa ( 70% a 99% de melhora clínica)
MM: melhora moderada (50% a 69% de melhora clínica)
MD: melhora discreta (< 50% melhora clínica)
I: inalterado (sem melhora das lesões cutâneas)

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antitumoral direta. As mesmas células CD4+ simulta- sua administração, boa relação custo/benefício e poucos
neamente estimulariam monócitos a produzir citoci- efeitos colaterais durante o tratamento. Há ainda que
nas, como IL-8, e a se transformar em eficientes célu- considerar a enorme vantagem de se poder reiniciar o
las apresentadoras de antígeno antitumorais para os tratamento quando necessário, tendo em vista sua baixa
linfócitos CD8+ citotóxicos. Finalmente, os linfócitos toxicidade. Sua ação tópica sobre a lesão neoplásica per-
T CD8+ citotóxicos seriam responsáveis pela lise das mite também a associação com outros métodos terapêu-
células neoplásicas pela liberação de citocinas Th2. ticos sistêmicos, se necessário, não interagindo com eles
Apesar de tudo, ainda não se elucidou o mecanismo de forma deletéria. Por todos esses motivos, a terapia
molecular exato pelo qual a fotoquimioterapia atuaria com PUVA foi considerada uma boa opção terapêutica
sobre esses eventos celulares.11,16,-20 para os casos de micose fungóide relatados na literatu-
A terapia com PUVA mostrou-se efetiva não só no ra, o que se confirmou no presente estudo.
sentido de haver possibilidade de controle neoplásico
total ou mesmo de remissão prolongada da doença, mas CONCLUSÕES
em sua capacidade de oferecer relevante melhora na A terapia com PUVA foi efetiva em 87% dos
qualidade de vida dos pacientes tratados. Proporcionou- pacientes, sendo que 56% tiveram controle total ou
se a esses pacientes melhoria no aspecto das lesões cutâ- melhora intensa da doença. A efetividade foi maior
neas, menor índice de infecções secundárias da pele e nos estádios iniciais da doença. A fotoquimioterapia
conseqüentemente se favoreceu o restabelecimento de demonstrou-se tratamento seguro e efetivo, com boa
sua auto-estima e de seu bem-estar geral.21 Verificou-se adesão dos pacientes, devendo, por isso, ser conside-
bom grau de aderência ao tratamento, pela facilidade de rada para os portadores de micose fungóide. 

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Como citar este artigo: Duarte I, Buense R, Aoki S. Micose fungóide: estudo epidemiológico de 17 casos e avaliação da respos-
ta terapêutica à PUVA (radiação ultravioleta A associada ao 8- metoxipsoraleno oral). An Bras Dermatol. 2006;81(1):40-5.

An Bras Dermatol. 2006;81(1):40-5.

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