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TECNOCONTROLES DA SUBJETIVIDADE: O REGIME

FARMACOPORNOGRÁFICO E A PRODUÇÃO DE ESTEREÓTIPOS EM FILMES


PORNÔS INTERRACIAIS GAYS

Kelvis Leandro do Nascimento1


Allyson Darlan Moreira da Silva2
Rodrigo José Fernandes de Barros3
Lore Fortes4

RESUMO

A discussão proposta por esse trabalho baseia-se na definição do regime


farmacopornográfico descrito por Paul B Preciado, mais especificamente, na atuação da
pornografia como ferramenta de captura das subjetividades e reprodutora de
estereótipos raciais e sociais. Agindo como pedagogia das práticas sexuais, a
pornografia reproduz através dos filmes pornôs gays com temática interracial o
imaginário do interdito sexual das raças, alimenta a hipersexualização e a virilidade
obrigatória do homem negro, além de produzir um modelo de masculidade que beira a
bestialidade. Historicamente subjugado e desprovido de direitos básicos de
sobrevivência, o lugar do negro sempre foi o das margens. Desprovido de trabalho e
vivendo em condições de vida precárias, o negro foi empurrado para o lugar social da
exclusão, do crime e da prostituição. Mesmo com os avanços na desmistificação do
sexo interracial e com políticas afirmativas para negros e pardos, a sexopolítica ainda
faz uso desses estereótipos como mercadoria ofertada na internet pelas produtoras
pornôs.

1 Cientista social, mestrando pelo Programa de Ciências Sociais da UFRN (PPgCS-UFRN) e membro do
Núcleo de Estudos Críticos em Subjetividades Contemporâneas (NUECS-UFRN) e do Grupo de Pesquisa
Saúde, Gênero, Trabalho e Meio Ambiente (SAGMA-UFRN) Email: kelvis_nascimento@hotmail.com

2 Jornalista, mestre pelo Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia da UFRN (PPgEM-UFRN) e


membro do Núcleo Interdisciplinar Tirésias de Estudos em Gênero, Diversidade Sexual e Direitos
Humanos da UFRN. Desenvolve pesquisas sobre mídia, corpo, gênero e sexualidade. E-mail:
allysonjornalista@hotmail.com

3 Cientista social, mestrando pelo Programa de Ciências Sociais da UFRN (PPgCS-UFRN)

4 Professora doutora do departamento de Ciências Sociais – UFRN. Coordenadora do Grupo de Pesquisa


Saúde, Gênero, Trabalho e Meio Ambiente (SAGMA-UFRN)
INTRODUÇÃO

A pornografia, braço do mecanismo biotecnológico, age no processo de


sedimentação das práticas sexuais, por vezes reforçando estereótipos quando utiliza um
tipo predominante de discurso sexual em torno do corpo do homem negro gay em
filmes com temática interracial.

Os filmes retratam em grande maioria atores negros assumindo um papel


unicamente de dominadores, representados como trabalhadores de atividades braçais
que ultrapassam a proibição do sexo entre raças dominando o passivo branco num
processo de inversão da lógica de dominação da sociedade.

Maria Elvira Díaz, no seu livro “Nas redes do sexo: os bastidores do pornô
brasileiro” de 2010, demonstra como nossa herança colonial escravocrata personificou o
negro e sua sexualidade em torno do que seria proibido, amoral.

Na produção pornográfica gay, os homens negros são selecionados para uma


categoria específica de produção, a inter-racial, tendo por requisitos básicos o corpo
definido, rústico, viril, insaciável, dotado. Ou seja, o sexo negro como algo exótico,
fruto de desejo incontrolável, libidinal e pecaminoso. Adjetivações que têm
historicamente representado o corpo e a sexualidade dos negros, associando-os à
bestialidade.

Funcionando como estratégia de manipulação e criação de estereótipos, utilizam


o erotismo da diferença racial como marketing, disseminando fetichização em torno
desse tipo de sexo. Além disso, a maioria dos filmes com temática interracial gay
reforça a heterossexualidade obrigatória, criando nas cenas a ideia de uma prática sexual
proibida, efetuada no silêncio, anormal e vexatório. Muitas cenas reproduzem o homem
branco bem sucedido que acaba por se deixar “contaminar” pelo erotismo viril do
homem negro dos trabalhos braçais. A transgressão que a pornografia aborda, reproduz
essa exposição irresistível que deve ser mantida em segredo.

As posições representadas nesses filmes reproduzem a lógica da própria ordem


sexual heterossexista na simulação de uma hipermasculinidade, representadas pelos
lugares tradicionais do masculino. Com isso, é fácil encontrar filmes com policiais,
trabalhadores braçais urbanos, homens moradores das favelas, etc.

Utilizando o corpo coisificado, as produções midiáticas que reverberam e


solidificam o imaginário que se quer produzir, marcadamente utilizando o negro
enquanto bestialidade incontrolável, provoca constantes conflitos na produção da
masculinidade dos homens negros heterossexuais ou gays. O controle sofisticado da
“conspiração masturbatória” tem produzido estereótipos e reproduzido no imaginário
social preconceitos históricos.

Desse modo, a partir da contribuição teórica de Paul B Preciado, esse trabalho


pretende avaliar a produção de estereótipos e práticas sexuais nos filmes interraciais
com temáticas gays, como mais um recurso do capitalismo biotecnológico para
domesticação e normalização dos corpos. Além de trazer de maneira breve, alguns
autores de nossa historiografia para auxiliar na compreensão de como opera o
mecanismo farmacopornográfico e de como o homem negro vira alvo de seus tentáculos
biopolíticos sendo mercantilizados na pornografia gay na internet.

1 – O CORPO NEGRO NO BRASIL ESCRAVOCRATA

Nossa historiografia, a partir dos anos 1930, traz profundos estudos de como o
Brasil se constituiu em relação aos povos múltiplos que aqui encontraram abrigo. O
povo africano, extraído à força de sua terra e trazido em navios para serem vendidos aos
grandes fazendeiros brancos, são um caso particular em que a repressão e submissão
respingam em seus descendentes até os dias atuais.
Casa Grande e Senzala (1936), de Gilberto Freyre, é considerado um clássico na
interpretação da formação do Brasil. Suas análises colaboram em grande medida nessa
tentativa de compor essa identidade. Baseando-se no período colonial, retrata o sistema
escravocrata e a estigmatização das raças consideradas inferiores, principalmente a
negra. A interpretação do autor sobre a sociedade escravocrata brasileira através de sua
circunstância econômica acaba por refletir sobre a forma como o corpo negro era visto e
tratado, sobretudo no que se refere à exploração sexual. Os fatos narrados ajudam a
entender como a exploração sexual se manifestava em relação às negras escravizadas. O
capítulo “Características gerais da colonização portuguesa do Brasil: formação de
uma sociedade agrária, escravocrata e híbrida”, o autor comenta sobre o intercurso
sexual entre o senhor e a mulher negra escravizada como uma situação de desprestígio
com a mulher, ou seja, além de ser negro, o caráter do gênero foi crucial nessa
submissão sexual das mulheres negras.

Destaca-se ainda, o ponto de vista da sociedade escravocrata que atribuía às


negras da senzala a depravação precoce dos meninos brancos. Não apenas a iniciação
sexual, mas ao longo de toda sua vida, os senhores detinham negras amantes, muitas
vezes se tornando verdadeira obsessão. Diferente das mulheres índias que eram, de certo
modo, protegidas pelas companhias jesuítas, as negras não tinham voz nenhuma que as
protegesse à opressão dos senhores.

Introduzidas as mulheres africanas no Brasil dentro dessas condições


irregulares de vida sexual, a seu favor não se levantou nunca como a favor
das mulheres índias, a voz poderosa dos padres da Companhia. (FREYRE,
2006, p. 516)

A exploração sexual das mulheres negras só era inibida em casos de afeição


culinária ou medo dos feitiços que elas conjuravam como diz o autor:

Muitas africanas conseguiram impor respeito dos brancos; umas, pelo temor
inspirado por suas mandingas; outras, como as Minas, pelos seus quindins e
pela sua finura de mulher [...] Situação de ‘caseiras” e “concumbinas” dos
brancos; e não exclusivamente de animais engordados nas senzalas para gozo
físico dos senhores e aumento do seu capital-homem (FREYRE, 2006, p 516)
Freyre conta que as próprias condições sociais nos antigos engenhos, rapazes
rodeados da “mulata fácil”, podem explicar essa disposição sexual dos senhores brancos
pelas negras. Freyre chega a comentar episódios onde essa preferência se tornava
fixação e homens brancos que só conseguiam obter prazer com mulheres negras, como
o caso do jovem de família escravocrata do Sul que “para excitar-se diante da noiva
branca precisou, nas primeiras noites de casado, de levar para a alcova a camisa úmida
de suor, impregnada de bodum, da escrava negra sua amante” (FREYRE, 2006. p 368).

Florestan Fernandes, outro importante intérprete de nossa historiografia, retrata


em A Integração do Negro na Sociedade de Classes (2008) a situação do negro livre na
sociedade paulistana. O autor demonstra como ao negro foi destinado o lugar social do
ócio e da inércia, pela sua defeituosa inserção na sociedade da época. Os homens negro
não conseguiram se alocar nas opções de trabalho, pois todo o trabalho braçal das
fazendas de café e os serviços especializados da vida urbana foi destinado aos novos
imigrantes que aqui vieram com o interesse velado do estado em promover o
branqueamento da população. A miséria e a pobreza com que viviam negros e mulatos
foi característica de uma situação de completa restrição de oportunidades de renda como
nos diz Florestan:

Eles não podem, por conseguinte, fazer face à competição com trabalhadores
brancos, especialmente os de oriegem europeias, a sibstituição populacional
adquire, para eles, um sentido estrito e impiedoso. Portanto, a pauperização o
negro e do mulato na cidade de São Paulo possui traços específicos. Ela
decorre da degradação que ambos sofreram com a perda do monopólio de
serviços e sua eclusão concomitante [...] Trata-se, em suma, de uma pobreza
associada que à privação, em larga escala,de fontes regulares de ganho e de
sustento, que à adaptaão inevitável a ocupações flutuantes, descontínuas e
infimamente retribuídas. Uma pobreza que tendia, em bloco, para a miséria,
da qual se separava por muros quase imperceptíveis, invariavelmente tênues
e instáveis, se existissem de fato. Realisticamente falando, ‘a miséria rondava
a pobreza’ do negro e do mulato. A distinão entre as duas era sutíl,
sustentando-se em precários envolvimentos nosistema de trabalho e na ânsia
incontida, compartilhada desigualmente, de não ser considerado ‘dependente’
‘inválido’ ou ‘desgraçado’. (FERNANDES, 2008, p. 270 e 271).
As condições de vulnerabilidade social, o ócio produzido pela falta de acesso a
renda e as condições precárias de moradias, geralmente os negros ocupavam cortiços,
levou o negro a buscar alternativas como a prostituição e o crime.

Não tendo incentivo para se firmar socialmente de outra maneira, o jovem


negro canalizou na direção do comportamento seual grande parte de suas
energias criadoras. Como não podia competir por prestígio social através
daaquisição de riquezas, de honrarias ou de poder, ele converteu os centros de
interesses eróticos em equivalente psicossocial de outras modalidades,
culturalmente consagradas, de auto-realização. Observações análogas podem
ser feitas a respeito da prostituição ou do crime, que surgiam como
alternativas desejadas de ajustamento às condições imperantes de vida social.
(FERNANDES, 2008, p. 276).

Há um salto entre Freyre (2006) e Fernandes (2008), o último, desmitificando de


vez o mito da democracia racial e destacando o negro em seu contexto social
verdadeiro, ou seja, sem fabulações, Florestan demonstra que a constituição do negro
enquanto matriz brasileira foi feita sob regime de extrema violação, dominação e
mercantilização de seus corpos. O corpo negro utilizado no trabalho braçal, doravante
restrito dessas funções e exposto a condições de extrema pobreza e vulnerabilidades
sociais, empurrou o negro e o mulato para a prostituição e o crime. Em relação a
prostituição, cabe ressaltar que, em Freyre (2006) a sexualização do negro já era citado
na colônia, mais ainda, o negro foi culpabilizado pela depravação da colônia em
detrimento do sexo puro e legítimo praticado pelos brancos em seus casamentos
consagrados no catolicismo. O sexo inter-racial era visto como horror, profanação e
revolta, pois consideravasse o negro como uma bestialidade. Foi, sobretudo, com Freyre
que o mito da democracia racial encheu o coração dos brasileiros e a miscigenação se
transformou em “identidade nacional”, afirma Jessé Souza (2015).

Além disso, o imaginário produzido na colônia em relação ao sexo inter-racial é


envolto pelo imaginário do sexo sujo, voraz, violento. Mesmo sendo violada pelo
branco, a negra era culpabilizada pela volúpia de seu corpo e suas mandingas para
conquistar o senhor branco. Sendo, por isso, muitas vezes mutiladas por suas donas as
senhoras brancas. Desconheço bibliografia sobre o contato gay na colônia, que
considere registros ou casos onde o envolvimento era entre o homem livre branco e o
homem escravo negro.

Nossa sociedade ainda está repleta desse imaginário que por um lado restringe e
subjuga o negro em contextos sociais, por outro utiliza-o num viés mercadológico para
apresentá-lo como, por exemplo, as mulatas no carnaval “tipo exportação”, os homens
negros no futebol e até mesmo no mercado audiovisual pornográfico. Em se tratando da
produção de filmes pornográficos, o mercado se vale desse imaginário social instituído
e reforça os estereótipos cristalizados em nossa sociedade desde a colônia. O sexo
proibido e violento característico das narrativas interraciais, são reproduzidos em
estúdios pornôs no mundo todo, no Brasil, isso não é diferente.

No Brasil atual, as condições de vida dos negros pouco mudou. De certo que não
são mais escravos, mas ainda permanecem envoltos por uma maquinaria de poder 5 que
o preserva em condições sociais desfavoráveis.

A relação de prazer e poder nas produções fílmicas interraciais, tentam


reproduzir as experiências relatadas em diversos autores como os já citados. Abaixo,
veremos um pouco sobre como isso acontece na pornografia e de quais maneiras esse
esteótipo é reproduzido.

2 – O MERCADO PORNOGRÁFICO E A “CONSPIRAÇÃO


MASTURBATÓRIA”

A pornografia está repleta de certa racialização do desejo, uma vez que investe
pesado na produção de filmes com temáticas interraciais e com características de sexo
amador, ou seja, a naturalização da cena, geralmente com poucos recursos, faz com que
o ambiente retratado lembre as experiências comuns e diárias que podem passar as
pessoas. As relações de poder são visíveis nessa produção de filmes, o interdito das
raças e suas classes sociais é acentuado nas cenas para dar mais veracidade ao enredo.

5 Maquinarias do poder aos moldes foucaultianos que representam as estruturas capilares que dominam
os corpos dóceis através de uma subjugação sutil, mas eficaz. Sobre poder em Foucault ler (1979);
(2008).
A introdução de diferenças raciais, ou de classe, no interior desse aparato
representacional, como um sinal invertido da subordinação realmente
existente, faz das inferioridades sociais e políticas marcas de um atrativo
erótico quase irresistível, como se observa para o contexto concreto da
prática homossexual em diversos quadrantes da América Latina, onde a
transgressão do interdito homossexual, parece favorecida pela diferença de
classe entre o homossexual de classe média e o jovem heterossexual negro ou
meramente pobre da periferia ou favela (RAPISARDI & MODARELLI,
2001: GIRALDO, ARIAS &REYES, 2007 apud: PINHO, 2012 p, 164)

O interesse dessas produções é, no ambiente da pornografia , reproduzir os


traços das interações sexuais que eventualmente acontecem, com margem para
teatralização, hipersexualidade, virilidade extrema e performances exageradas da
masculinidade do homem negro. Com enredos que teatralizam as profissões
preponderantes aos negros essas produções reativam um tipo de imaginário social que,
ao ser teatralizado pelo tom do desejo carnal e atitudes vorazes ou sexo forte, acabam
por esconder e teatralizar as condições de desigualdade inscritas em nossa história desde
a colônia. Naturalizam a opressão e coisificam o corpo negro transformando-o em
máquina do sexo, ou seja, restringem a atuação do homem negro ao erotismo e ao sexo.
Essa coisificação do corpo negro nada mais é do que o reforço do racismo e um
atenuante da realidade desigual em que vivem.

Aparentemente, a pornografia parece não ter tanta importância no que tange a


reprodução desses estereótipos na sociedade. Entretanto, nas analises atentas de Paul B.
Preciado (2002;2008) a pornografia é parte integrante do que chamou de “conspiração
masturbatória”, ou seja, o sexo e as práticas sexuais sendo pedagogicamente
reproduzidas a fim de estabelecer controle social reificando performances e condutas.

Através da administração própria de testosterona em seu corpo, Paul Preciado,


discute no livro Testo Yonqui, publicado em 2008, a estrita relação entre sexo,
sexualidade, política e economia. Para ele, o que até então se conhecia como “sociedade
do controle”, seguindo os moldes Foucaultianos, passou a se manifestar
Farmacopornograficamente. Nessa nova perspectiva, saímos do controle do panoptico
de Jeremy Bentham, calculado, frio, disciplinar e arquitetônico para um regime
sofisticado, um “controle pop”, implantado nos sujeitos através da própria conjuntura
biológica. Órgãos, fluxos neurotransmissores e formas de agenciamento que funcionam,
para ele, como um programa político.

A conspiração masturbatória é mais eficiente, visto que utiliza uma ferramenta


de colonização das subjetividades mais suave, menos visível, configurada nos silêncios
das masturbações diárias. Em suas práticas masturbatórias, esses sujeitos são levados a
crer que a única forma de masculinidade possível para eles é o caracterizado nesses
filmes. Instituindo, assim, uma construção inviezada de masculinidade que acaba por
criar estereótipos e atividades sexuais esperadas pelos parceiros com quem fazem sexo.
Funcionando como um programa político nas palavras de Preciado,

A sexopolítica é uma das formas dominates da ação biopolítica no


capitalismo contemporâneo. Com ela, o sexo [os órgãos chamados “sexuais”,
as práticas sexuais e também os códigos de masculinidade e de feminilidade,
as identidades sexuais normais e desviantes] entra no cálculo do poder,
fazendo dos discursos sobre o sexo e das tecnologias de normalização das
identidades sexuais um agente de controle da vida. (PRECIADO, 2001, p 11).

Os efeitos dessa captura das subjetividades podem ser sentidas, por exemplo, no
imaginário social do “cafuçu”6. Ou seja, a masculinidade do homem negro coisificada e
transformada em mercadoria de barganha onde favores sexuais são trocados por favores
financeiros. E é justamente esse estereótipo o principal alvo das produções fílmicas
pornográficas na internet. Abaixo, alguns exemplos disso.

6 Neologismo criado no Brasil, para adjetivar os homens mais rudes, de baixa renda, e que geralmente
moram nas periferias das cidades. Se vestem com roupas esportivas, de modo simples e largadão.
Geralmente trabalham em coisas que não exigem muito estudo, ou são malandros e não gostam de
trabalhar. Adoram ficar com a mulherada, mas devido a falta de grana, acabam fazendo "favores" ficando
com gays em troca de cigarros, bebidas ou uns trocados, e no final acabam gostando da coisa, e alguns até
querem ser o macho fixo de algum gay em troca de uma "vida boa". Extraído de
http://www.dicionarioinformal.com.br/cafuçu/
Figura 01 e 02: Site da produtora Brazilian Boys, 2017.
Figura 03: Site da produtora Clair Procution, 2017.

Considerações Finais

Historicamente, o lugar social destinado aos negros e mulatos pouco mudou.


Ainda são destinados ao trabalho braçal, fruto de anos de exclusão e marginalização,
ainda ocupam, em grande maioria, as vagas de trabalha preteridas pelos homens
brancos, são as maiores vítimas da criminalidade e estão mais expostos a violência,
principalmente nos grandes centros urbanos.

Seu corpo continua sendo fetichizado por estereótipos que persistem em nossa
sociedade. A mulata “tipo exportação”, o cafuçu desejado apenas para contato sexual,
mas nunca para trânsito em meio social, entre outros. O homem negro e gay sofre ainda
mais, seu corpo só pode assumir uma performance que é a virilidade e
hipermasculinidade, não sendo assim, é prontamente desprezado e subjugado pela
homofobia e o racismo.

A pornografia tem papel importante na reprodução silenciosa desses


estereótipos, na medida em que inscreve nas subjetividades modelos de conduta e
práticas sexuais aceitáveis para o negro. Essa captura dos sujeitos feita no silêncio das
masturbações cotidianas ao redor do mundo, tem coisificado o corpo negro e reforçado
no imaginário que o sexo na modalidade interracial é necessariamente o sexo brutal e
violento. Reiterando o tom exótico e profano que persegue a negritude brasileira.

Tomar ciência dessa força reprodutora de significados perjorativos, é parte


crucial na reflexão proposta nesse trabalho. O regime farmacopornografico segue sendo
denunciado de diferentes maneiras, mas principalmente através do trabalho de Preciado.
Os estudos de gênero, raça e sexualidade são marcadamente importantes na tarefa da
desconstrução do corpo negro enquanto bestialidade sexual, além de auxiliar na
emancipação desses sujeitos que, muitas vezes, se reconhecem apenas através do lugar
em que foram forçados a nascer, crescer e constituir suas subjetividades. Somente
através do empoderamento dos sujeitos e da conscientização para o caráter arbitrário do
social, fruto de uma construção sociohistorica e não uma prisão biológica é que
podemos tornar igualitárias as nossas práticas sociais e lutar pela igualdade de
oportunidades e direitos, inclusive direitos sexuais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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de Janeiro: Zahar, 2010.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto
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FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. 5. ed. São


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