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Tecnocontroles Da Subjetividade
Tecnocontroles Da Subjetividade
RESUMO
1 Cientista social, mestrando pelo Programa de Ciências Sociais da UFRN (PPgCS-UFRN) e membro do
Núcleo de Estudos Críticos em Subjetividades Contemporâneas (NUECS-UFRN) e do Grupo de Pesquisa
Saúde, Gênero, Trabalho e Meio Ambiente (SAGMA-UFRN) Email: kelvis_nascimento@hotmail.com
Maria Elvira Díaz, no seu livro “Nas redes do sexo: os bastidores do pornô
brasileiro” de 2010, demonstra como nossa herança colonial escravocrata personificou o
negro e sua sexualidade em torno do que seria proibido, amoral.
Nossa historiografia, a partir dos anos 1930, traz profundos estudos de como o
Brasil se constituiu em relação aos povos múltiplos que aqui encontraram abrigo. O
povo africano, extraído à força de sua terra e trazido em navios para serem vendidos aos
grandes fazendeiros brancos, são um caso particular em que a repressão e submissão
respingam em seus descendentes até os dias atuais.
Casa Grande e Senzala (1936), de Gilberto Freyre, é considerado um clássico na
interpretação da formação do Brasil. Suas análises colaboram em grande medida nessa
tentativa de compor essa identidade. Baseando-se no período colonial, retrata o sistema
escravocrata e a estigmatização das raças consideradas inferiores, principalmente a
negra. A interpretação do autor sobre a sociedade escravocrata brasileira através de sua
circunstância econômica acaba por refletir sobre a forma como o corpo negro era visto e
tratado, sobretudo no que se refere à exploração sexual. Os fatos narrados ajudam a
entender como a exploração sexual se manifestava em relação às negras escravizadas. O
capítulo “Características gerais da colonização portuguesa do Brasil: formação de
uma sociedade agrária, escravocrata e híbrida”, o autor comenta sobre o intercurso
sexual entre o senhor e a mulher negra escravizada como uma situação de desprestígio
com a mulher, ou seja, além de ser negro, o caráter do gênero foi crucial nessa
submissão sexual das mulheres negras.
Muitas africanas conseguiram impor respeito dos brancos; umas, pelo temor
inspirado por suas mandingas; outras, como as Minas, pelos seus quindins e
pela sua finura de mulher [...] Situação de ‘caseiras” e “concumbinas” dos
brancos; e não exclusivamente de animais engordados nas senzalas para gozo
físico dos senhores e aumento do seu capital-homem (FREYRE, 2006, p 516)
Freyre conta que as próprias condições sociais nos antigos engenhos, rapazes
rodeados da “mulata fácil”, podem explicar essa disposição sexual dos senhores brancos
pelas negras. Freyre chega a comentar episódios onde essa preferência se tornava
fixação e homens brancos que só conseguiam obter prazer com mulheres negras, como
o caso do jovem de família escravocrata do Sul que “para excitar-se diante da noiva
branca precisou, nas primeiras noites de casado, de levar para a alcova a camisa úmida
de suor, impregnada de bodum, da escrava negra sua amante” (FREYRE, 2006. p 368).
Eles não podem, por conseguinte, fazer face à competição com trabalhadores
brancos, especialmente os de oriegem europeias, a sibstituição populacional
adquire, para eles, um sentido estrito e impiedoso. Portanto, a pauperização o
negro e do mulato na cidade de São Paulo possui traços específicos. Ela
decorre da degradação que ambos sofreram com a perda do monopólio de
serviços e sua eclusão concomitante [...] Trata-se, em suma, de uma pobreza
associada que à privação, em larga escala,de fontes regulares de ganho e de
sustento, que à adaptaão inevitável a ocupações flutuantes, descontínuas e
infimamente retribuídas. Uma pobreza que tendia, em bloco, para a miséria,
da qual se separava por muros quase imperceptíveis, invariavelmente tênues
e instáveis, se existissem de fato. Realisticamente falando, ‘a miséria rondava
a pobreza’ do negro e do mulato. A distinão entre as duas era sutíl,
sustentando-se em precários envolvimentos nosistema de trabalho e na ânsia
incontida, compartilhada desigualmente, de não ser considerado ‘dependente’
‘inválido’ ou ‘desgraçado’. (FERNANDES, 2008, p. 270 e 271).
As condições de vulnerabilidade social, o ócio produzido pela falta de acesso a
renda e as condições precárias de moradias, geralmente os negros ocupavam cortiços,
levou o negro a buscar alternativas como a prostituição e o crime.
Nossa sociedade ainda está repleta desse imaginário que por um lado restringe e
subjuga o negro em contextos sociais, por outro utiliza-o num viés mercadológico para
apresentá-lo como, por exemplo, as mulatas no carnaval “tipo exportação”, os homens
negros no futebol e até mesmo no mercado audiovisual pornográfico. Em se tratando da
produção de filmes pornográficos, o mercado se vale desse imaginário social instituído
e reforça os estereótipos cristalizados em nossa sociedade desde a colônia. O sexo
proibido e violento característico das narrativas interraciais, são reproduzidos em
estúdios pornôs no mundo todo, no Brasil, isso não é diferente.
No Brasil atual, as condições de vida dos negros pouco mudou. De certo que não
são mais escravos, mas ainda permanecem envoltos por uma maquinaria de poder 5 que
o preserva em condições sociais desfavoráveis.
A pornografia está repleta de certa racialização do desejo, uma vez que investe
pesado na produção de filmes com temáticas interraciais e com características de sexo
amador, ou seja, a naturalização da cena, geralmente com poucos recursos, faz com que
o ambiente retratado lembre as experiências comuns e diárias que podem passar as
pessoas. As relações de poder são visíveis nessa produção de filmes, o interdito das
raças e suas classes sociais é acentuado nas cenas para dar mais veracidade ao enredo.
5 Maquinarias do poder aos moldes foucaultianos que representam as estruturas capilares que dominam
os corpos dóceis através de uma subjugação sutil, mas eficaz. Sobre poder em Foucault ler (1979);
(2008).
A introdução de diferenças raciais, ou de classe, no interior desse aparato
representacional, como um sinal invertido da subordinação realmente
existente, faz das inferioridades sociais e políticas marcas de um atrativo
erótico quase irresistível, como se observa para o contexto concreto da
prática homossexual em diversos quadrantes da América Latina, onde a
transgressão do interdito homossexual, parece favorecida pela diferença de
classe entre o homossexual de classe média e o jovem heterossexual negro ou
meramente pobre da periferia ou favela (RAPISARDI & MODARELLI,
2001: GIRALDO, ARIAS &REYES, 2007 apud: PINHO, 2012 p, 164)
Os efeitos dessa captura das subjetividades podem ser sentidas, por exemplo, no
imaginário social do “cafuçu”6. Ou seja, a masculinidade do homem negro coisificada e
transformada em mercadoria de barganha onde favores sexuais são trocados por favores
financeiros. E é justamente esse estereótipo o principal alvo das produções fílmicas
pornográficas na internet. Abaixo, alguns exemplos disso.
6 Neologismo criado no Brasil, para adjetivar os homens mais rudes, de baixa renda, e que geralmente
moram nas periferias das cidades. Se vestem com roupas esportivas, de modo simples e largadão.
Geralmente trabalham em coisas que não exigem muito estudo, ou são malandros e não gostam de
trabalhar. Adoram ficar com a mulherada, mas devido a falta de grana, acabam fazendo "favores" ficando
com gays em troca de cigarros, bebidas ou uns trocados, e no final acabam gostando da coisa, e alguns até
querem ser o macho fixo de algum gay em troca de uma "vida boa". Extraído de
http://www.dicionarioinformal.com.br/cafuçu/
Figura 01 e 02: Site da produtora Brazilian Boys, 2017.
Figura 03: Site da produtora Clair Procution, 2017.
Considerações Finais
Seu corpo continua sendo fetichizado por estereótipos que persistem em nossa
sociedade. A mulata “tipo exportação”, o cafuçu desejado apenas para contato sexual,
mas nunca para trânsito em meio social, entre outros. O homem negro e gay sofre ainda
mais, seu corpo só pode assumir uma performance que é a virilidade e
hipermasculinidade, não sendo assim, é prontamente desprezado e subjugado pela
homofobia e o racismo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENÍTEZ, Maria Elvira Díaz. Nas redes do sexo: os bastidores do pornô brasileiro. Rio
de Janeiro: Zahar, 2010.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto
Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979
______. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 35. ed.
Petrópolis: Vozes, 2008.
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o
regime da economia patriarcal. . São Paulo: Global. (2006).
PINHO, Osmundo. Race Fucker: representações raciais na pornografia gay. Cad. Pagu
[online]. 2012, n.38, pp.159-195. ISSN 1809-4449. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-
83332012000100006