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Escritos musicais Gregos - Teoria Harmônica

(Andrew Barker)

Introdução.

As raízes das ciências gregas dos harmônicos e da acústica iniciam entre o século V e VI a.C..
Nenhum tratado deste período sobreviveu, somente curtas citações. São os futuros autores, que ao
refletir sobre o passado, oferecem alusões e referências sobre as obras pioneiras. Alguns deles
chegam a citar diversas tradições de investigação. As pesquisas deste período são aparentemente
pouco sistematizadas e geralmente abordam diversas competências, uma escrita com maior rigor
científico inicia somente no fim do séc. V mas principalmente no séc IV.

Mesmo nos primeiros três quartos do séc. IV existem poucos registros de especialistas das ciências
musicais, uma pequena coleção de citações e paráfrases do trabalho de Archytas dão uma tênue
representação dos trabalhos destes primeiros setenta e cinco anos. Mas por volta deste período
existe outra significante fonte de informação nos escritos dos filósofos, especialmente Platão e
Aristóteles, embora nenhum deles fizeram da música seu principal tema de pesquisa, ambos
notaram que suas reflexões em outras áreas exigia uma atenção cuidadosa à esses assuntos. Além de
dar informações valiosas sobre o trabalho de seus contemporâneos e predecessores, cada um deles
contribuiu com o tema provocando uma forte influência nos futuros teóricos.

Dentre as ciências que o método Aristotélico de classificação identifica como questionamentos


independentes está a física acústica, dos anos após a morte de Aristóteles sobreviveu uma coleção
feita em sua ‘escola’, o Lyceum, abordando problemas que surgiram na área, junto com soluções
sugeridas. Na mesma coleção está um conjunto de quebra cabeças relacionados a música de forma
geral, alguns deles sobre os harmônicos. Outro filosofo desta escola, sucessor de Aristóteles,
Theophrastus, recapitula muito criticamente as suposições e procedimentos de todos os teóricos que
até aquele momento haviam concebido o estudo musical, sob qualquer ponto de vista, como uma
disciplina quantitativa ou matemática.

Até então tudo que sabemos sobre os especialistas em harmônicos vem indiretamente, em relatos e
comentários de outros ou na forma de citações fragmentadas, fora do seu contexto. Mas no fim do
séc. IV temos dois impressionantes trabalhos, o Elementa Harmonica de Aristoxenus, e o Sectio
Canonis atribuído a Euclides. O primeiro esta incompleto, como o temos é provavelmente os restos
de mais de um tratado, posteriormente editado como uma obra contínua. Subsequentes teoristas
tratam os escritos de Aristoxenus tanto como a pedra fundadora de uma das maiores tradições dos
harmônicos gregos, bem como o apogeu de suas descobertas. O Sectio Canonis é datado
incertamente a este período, ele trata de forma hábil e sistemática uma exposição da teoria
harmônica absolutamente diferente do estilo de Aristoxenus, este baseado na matemática e na física
em vez da experiência musical. É uma espécie de iluminação da tradição que podemos chamar
grosseiramente de ‘pitagórica’ ou ‘Platonista’, mais rigorosa e científica em seus vários aspectos.

O empreendimento teorético dos harmônicos, sob a rota de duas principais escolas de pensamento
(com diferentes interesses e abordagens, cada uma diferenciando-se internamente de forma
significativa) estava agora em curso. Infelizmente muito pouco restou dos escritos em ambas as
tradições ao longo dos próximos trezentos anos. Do tempo em que nossas evidencias diretas
começam a ressurgir, no primeiro século d.C., podemos reunir uma quantidade satisfatória de
material descrevendo ideias contemporâneas, e dando alguma noção da relação com seus
precursores do séc. IV. Entre eles estão o trabalho de Nicomachus, de cerca do final do séc. I,
Ptolomeu, do séc. II, e Aristides Quintilianus, com data incerta mas provavelmente pertence ao séc.
III ou IV. Entre os três, o de Ptolomeu e de Aristides são de grande valor intrínseco: Ptolomeu pelo
seu rigor intelectual, seu método original e atraente, suas críticas detalhadas das teorias precedentes
e seu desenvolvimento independente de novas; Aristides pela sua impressionante tentativa em um
projeto extraordinário no qual o autor se propõe com entusiasmo, o de trazer tudo o que pode ser
dito sobre música em um resumo esquemático que abrange toda a vida humana, a ordem cósmica e
Deus. Ambos transmitem uma massa de informação sobre a prática musical, e sobre suas ideias
sobre autores anteriores, muito do qual desconhecido até então. O trabalho de Nicomachus embora
mais leve que os anteriores, é significante por ser o mais antigo e completo tratado do gênero do
qual Aristides desenvolve uma visão muito mais ampla, os ensaios ‘Pitagóricos’ na metafísica
musical. Como os outros dois, deve ser tratado como um marco divisor na história da musicologia
pela influência que veio a exercer nos teóricos do período pós-clássico.

Tradições de pesquisa na ciência acústica e nos harmônicos.

Os harmônicos gregos, em uma visão mais ampla, é o estudo dos elementos no qual uma melodia é
construída, das relações nas quais elas podem ser coerentemente fundamentadas entre uma e outra,
das estruturas ordenadas (sistemas escalares) formado pelo complexo dessas relações e da forma na
qual diferentes estruturas são geradas pela combinação ou transformação de outras. Não houve uma
abordagem homogênea neste estudo, na maior parte de sua história, os escritos sobre os harmônicos
na Grécia podem ser classificados sobre duas tradições relativamente distintas, a ‘Aristoxênica’ e a
‘Pitagórica’, cada qual com seus próprios pressupostos característicos, métodos e objetivos.
Nenhuma dessas escolas são ‘monolíticas’ - existem diferenças internas importantes - e o trabalho
de uma não avançou de forma independente da outra. Houveram tentativas ocasionais de juntar as
duas abordagens em uma síntese coerente, no entanto são mais frequentes as interações polêmicas
entre as divisões doutrinárias.

Na forma como Aristoxenus a concebe, harmônicos é uma ciência na qual os dados e os princípios
interpretativos são independentes daqueles de qualquer outro domínio investigativo. Seu assunto é a
musica como a escutamos, a percepção oferece os dados ao ouvido musical perspicaz. Sua tarefa é
apresentar a ordem que define o fenômeno percebido; analisar os padrões sistemáticos nos quais se
organizam; mostrar quais requisitos definem as notas em padrões de organização, se elas são
compreendidas como melódicas, explicar o porque certas possíveis sequencias de alturas formam
uma melodia enquanto outras não; e finalmente revelar todas as regras que governam as formas
melódicas, fluindo de um grupo coordenado de princípios que descrevem uma unidade, essência
exata, do ‘melódico’ ou da ‘boa afinação’.

Três pontos são de especial importância neste programa. Primeiro, a ciência inicia-se desde dados
apresentados à percepção e por ela compreendidos como sendo musicais. São estes quem devem ser
conduzidos a uma ordem compreensiva, precisamente os aspectos sobre os quais eles atingem a
audição de uma forma melódica, ou exibindo específicos tipos de relações melódicas: eles não
devem ser ‘re-descritos’, para fins científicos, como (por exemplo) movimentos físicos no ar. A
ordem que Aristoxenus busca é um conjunto de relações entre itens compreendidos em suas
características como notas, e não há necessidade, nem razões, para supor que as mesmas relações se
mantém entre os movimentos físicos que são suas causas materiais (uma analogia moderna seria, a
nola A é a dominante de D Maior, mas 440 ciclos por segundo não pode ser a dominante de
ninguém). Segundo, e como uma consequência, harmônicos devem descrever um fenômeno em
termos que refletem a forma na qual eles são compreendidos pelo ouvido. Diversas e notáveis
conclusões fluem disso, bem como uma tendência geral de escrever em uma linguagem
desenvolvida com base nas terminologias dos músicos práticos: o mais importante é que notas
devem ser tratadas como pontos situados em um contínuo de alturas, e as relações entre elas como
‘distâncias’ ou ‘intervalos’ (diastemata). Intervalos não devem ser definidos por referência a algo
não-musical, algo que o ouvido não compreende como tal (por exemplo, como as razões entre as
velocidades dos movimentos pelo qual as alturas relevantes são produzidas). Terceiro, os princípios
que coordenam a ciência devem eles mesmos serem encontrados pela abstração dos dados musicais
percebidos. Nós explicamos o porquê desta sequência ser melódica enquanto outra não é, pela
identificação de um padrão de ordem geral, essencial a todas as melodias, no qual o precedente, e
não o antecedente, sujeita-se. O princípio inicial no qual essa ordem essencial é extraía, ao longo de
todos ou outros princípios deste domínio, seria pela experiência do ouvido musical treinado. Eles
não estão procurando fora dele, por exemplo na matemática: não é porque uma sequencia pode ser
descrita por uma fórmula matemática que ela é melodicamente coerente, também não é porque duas
estruturas diferem de forma significante matematicamente que elas caem em diferentes estéticas de
categorias harmônicas (fronteiras entre estruturas que diferem significantemente sobre um ponto de
vista matemático podem não coincidir com as que são musicalmente importantes).

Do outro lado do muro estão aqueles teóricos que podem ser agrupados, convenientemente, sobre a
descrição ‘Pitagórica’. O termo é impreciso. Nem todos aqueles compreendidos pelo termo
declaram fidelidade ao próprio Pitágoras. Poucos eram membros genuínos da irmandade Pitagórica,
dedicados a seus rituais e seu modo de vida bem como a suas ideias intelectuais: em sua forma
original a irmandade se dissipou no início do séc. IV. Alguns, particularmente, eram matemáticos
especializados cujo os amplos compromissos filosóficos, caso existiam, possuíam pouca relação
com seus trabalhos neste área. Mesmo que nós restringíssemos o termo as pessoas que se
classificam como tal, existe um universo de diferenças entre os sucessores imediatos de Pitágoras
no sexto e quinto século a.C., os Pitagóricos sucessores de Platão no quarto e terceiro, e os
entusiastas do renascimento neo-Pitagórico nos primeiros séculos d.C.. Já sobre os harmônicos eles
tiveram certas visões e atitudes em comum, e se seus trabalhos não são um único empreendimento
são ao menos uma rede interconectada de vertentes; portanto uma classificação bruta não é
completamente arbitrária.

Existe uma quantidade enorme de informação sobre os Pitagóricos, mas se tratando dos séculos
cinco e seis a.C., a maior parte do volume é de desinformação, uma mistura de reconstruções
especulativas, interpretações anacrônicas e leves falsificações. De Platão em seguida as ideias
supostamente desenvolvidas pelos primeiros Pitagóricos foram renovadas, embelezadas e
recentemente adaptadas para se adequar a cada passagem intelectual ou aos costumes religiosos; tal
foi a veneração inspirada pelo fundador da seita já falecido há muito tempo que tais romances,
frequentemente bizarros e de exagerados trajes filosóficos eram raramente rotulados com os nomes
dos seus próprios criadores, mas com o nome do próprio Pitágoras, ou dos seus discípulos diretos.
Consequentemente algumas evidencias são confusas.

No princípio, os Pitagóricos não estavam particularmente interessados no estudo da música. Suas


pesquisas nos harmônicos surgem de uma convicção de que o universo é ordenado, a perfeição da
alma humana depende de sua compreensão, e da assimilação em si de tal ordem, sendo que reside
nos números a chave para entender sua natureza. A música entra em questão com o descobrimento
de que as relações entre as notas moldam uma estrutura melódica que pode em si ser expressa em
fórmulas matemáticas simples e puras. O comprimento de duas partes de uma corda dando notas
com uma oitava de distância estão na razão 2:1, enquanto a razão 3:2 gera uma quinta e 4:3 uma
quarta. Essas relações harmônicas fundamentais correspondem a conexões matemáticas básicas o
que é evidentemente elegante, estimulando a ideia de que todas as propriedades dos intervalos
harmônicos ganham seu status musical como consequência de suas propriedades matemáticas. Aqui
surge o teorema que conflita bruscamente com a dos Aristoxênicos. A ordem encontrada na música
é uma ordem matemática; os princípios da coerência de um sistema harmônico coordenado são
princípios matemáticos. E desde que esses são princípios que criam uma perceptível beleza e uma
satisfatório sistema de organização, talvez sejam essas as mesmas relações matemáticas, ou alguma
de suas extensões, que ocultam a admirável ordem do cosmos, e a ordem pela qual a alma humana
pode aspirar.
Ideias entusiasmadamente alimentadas pela investigação na matemática, juntamente com algumas
especulações racionalistas sobre a importância simbólica de números particulares. Uma atenção
especial dada as razões matemáticas e proporções, com constantes referências que retomam ao
paradigma das razões que governam as estruturas musicais básicas. Ao final do séc. V, uma análise
em termos de razões foi estendida por ao menos um padrão de afinação abrangendo uma oitava
completa, onde todas as relações importantes entre suas notas são descritas como razões entre
números; outras, representando diferentes sistemas de afinação, surgem durante o princípio do séc.
IV no trabalho de Archytas. Questões de ordem mais abstratas também entram em foco no trabalho
de Archytas, e insistentemente em Platão. Mais importante, dado tais conjuntos de combinações de
razões que formam um sistema escalar coerente, porque motivo? Qual o princípio matemático no
qual um conjunto de razões conformam-se em uma estrutura harmoniosamente coordenada? Qual a
característica especial de tais princípios que dão ao todo uma fonte de ordem e coerência, seria
musical, física ou cósmica? Novamente, o que há em algumas das relações musicais que se refletem
em concordância com seu homólogo musical, enquanto outras razões igualmente inteligíveis
correspondem a dissonâncias?

Tais questões procuraram por respostas na matemática, mas não somente nela. Ideias Pitagóricas
sobre música iniciam-se provavelmente das observações dos comprimentos das cordas. Mas sons
musicais podem ser produzidos por outros meios, e em todos os casos sons audíveis não são em si
comprimentos. Então quando duas cordas estão na relação de uma oitava, quais são os itens que
suportam uma a outra na razão 2:1? Aqui a matemática harmônica precisa de um suplemente nas
especulações físicas, pesquisas sobre a natureza e causas do som como um fenômeno físico.
Sabemos pouco sobre suas origens: O primeiro e substancialmente considerado são os primeiros
fragmentos de Archytas, no qual a maioria dos futuros pesquisadores em física acústica tomam-no
como seu ponto de partida. O fato crucial é que tais teoristas foram capazes de identificar uma
variável física quantitativa (mais comumente, a velocidade da transmissão sonora através do ar)
como a que determina sua altura. Razões entre diferentes valores desta variável podem então serem
identificadas como as razões que cada harmônico concerne a si, e isso torna possível propor
explicações físicas, e também matemáticas a tais fenômenos como a consonância.

Em alguns escritos, notavelmente no Euclidiano Sectio Canonis, a tarefa empreendida pelo autor é
mostrar como a proposta harmônica pode ser demonstrada como teoremas dentro da própria
matemática, dando certas hipóteses sobre a natureza física do fenômeno musical. Em outros, o lado
metafísico e místico do Pitagorismo toma a dianteira, em tentativas de relacionar a ordem musical a
harmonia dos céus e a organização inteligível do universo como um todo. As vezes, como em Platão
e nos autores que o sucedem, a análise harmônica se foca somente naquelas formas de afinações
que exibem princípios matemáticos e metafísicos de coordenação em suas formas mais puras –
outros tipos de sistemas são descartados como meras aberrações humanas. Em outros momentos da
tradição, no entanto, uma incompatibilidade entre teoria e prática é provavelmente tomada como um
sinal de teoria imperfeita. Archytas, por exemplo, e mais notavelmente Ptolomeu (apesar de seus
conceitos e métodos derivarem principalmente de sua original genialidade do que de uma tradição
Pitagórica), dirigiram ao menos parte de suas análises aos sistemas musicais realmente em uso, em
uma tentativa de mostrar que eles também exibiam padrões coerentes de organização musical. Mas
em todos harmônicos ‘Pitagóricos’ existem características em comum que distinguem sua
empreitada da dos Aristoxênicos. As mais importantes são essas.

Primeiro, notas são abordadas como entidades e um dos seus atributos, o das alturas, varia
quantitativamente, e pode ser expressa em números. Intervalos entre notas são expressos em razões
numéricas. Notas, então, são itens que possuem magnitudes de algum tipo. Elas não são pontos em
uma linha, com intervalos sendo distâncias ‘lineares’ entre elas.
Segundo, os princípios no qual os sistemas estruturais harmônicos devem ser analisados e pelo qual
sua coerência deve ser explicada são matemáticos. De forma geral, a linguagem apropriada para a
discussão de questões harmônicas é a matemática, no qual os harmônicos são um ramo: não é uma
disciplina autônoma a ser discutida com uma terminologia independente desenvolvida através das
expressões dos músicos práticos.

Terceiro, a aplicação dos conceitos matemáticos no fenômeno musical é mediado por uma teoria
física que re-identifica as entidades em discussão, percebidas sob a forma de notas, como
movimentos em um meio material. É a esses movimentos que as características quantitativas se
conectam diretamente.

Finalmente, na maioria dos escritores ‘Pitagóricos’, o estudo dos harmônicos é parte de uma
empreitada muito maior, designada a mostrar como os mesmos princípios governam a relação
‘harmoniosa’ entre os elementos de todas as estruturas significantes do cosmos. O universo e suas
partes são todas sujeitas aos mesmos padrões perfeitos de nítida ordem matemática. Esse programa
foi seguido em muitos moldes e com diferentes presunções sobre a natureza e a fonte de tal ordem,
mas os projetos empreendidos em suas diversas formas por Philolaus (Filolau de Crotona), Archytas
(Arquitas de Tarento), Platão, Theon (Teón de Esmirna), Nicomachus (Nicomachus de Gerasa),
Ptolomeu e Aristides Quintilianus (Aristides Quintiliano) todos compartilham de uma inspiração
similar. Na matemática, especialmente na matemática dos harmônicos, reside a chave para a
organização racional do universo.

Alguns escritores, particularmente durante e após o primeiro séc. d.C., fizeram heroicas tentativas
de combinar elementos tirados de ambas tradições harmônicas. Do ponto de vista da análise
musical, os Aristoxênicos tiveram um repertório mais rico e flexível de conceitos traçados, e foram
capazes de dar considerações sistemáticas a estruturas musicais muitos mais variadas. Os
Pitagóricos não oferecem nada comparável, mas seus procedimentos recorrem a uma demanda para
o rigor intelectual e argumentos demostrativos, alimentados, como temos visto, para indagações
cientificas e metafísicas de um âmbito muito mais amplo. Poucos teóricos oferecem formas
persuasivas de reconciliar ambas abordagens. Em Theon, Nicomachus e Aristides Quintilianus,
análises Pitagóricas e Aristoxênicas dificilmente encontram-se lado a lado. Somente Ptolomeu, no
qual habilidade metodológica e matemática excede a deles de longe, oferece um conveniente
caminho intelectual de coordenar uma forma de análise rigorosamente matemática, próxima a
Pitagórica, com uma sensibilidade realística à complexidade e variabilidade das estruturas musicais
atuais, preservando parte da riqueza das considerações musicais Aristoxênicas enquanto rejeita-se
totalmente sua estrutura de conceitos e métodos.

Toda a teoria acústica grega inicia da proposição que som é uma forma de movimento no ar,
causado por um impacto feito no ar por um corpo sólido, ou por uma emissão de um sopro. Uma
das questões de maior importância refere-se as alturas 1. O que distingue um movimento percebido
como um som agudo em altura de um som percebido como baixo? A questão é obviamente crucial
para a matemática harmônica, e para a interpretação das razões na qual intervalos musicais são
descritos. É essencial identificar as variáveis na qual as ‘magnitudes’ nos termos das razões
quantificam. Diversas abordagens desenredam-se. A mais antiga (a de Archytas e Platão) e
amplamente a mais popular nos escritores seguintes identificam essa variável como sendo a
velocidade da transmissão do som de um lugar a outro: teorias deste tipo continuamente ressurgem
ao longo da antiguidade. Mas eles propõem problemas óbvios, notadamente o de explicar como dois
sons de diferentes alturas, simultaneamente produzidos, podem ser escutados simultaneamente a
certa distância de sua fonte original. Uma segunda teoria é sugerida em um número de fontes, mas
explicitamente afirmada somente em uma, o Sectio Canonis. Iniciando da observação de que cordas
dedilhadas, geram um som aparentemente contínuo, oscilando em vai e vem. A corda é portanto

1 Uma segunda questão de maior importância é como ele é transmitido de lugar a lugar.
concebida como fazendo não um impacto no ar, mas uma sequencia de golpes separados, um
seguido do outro tão rapidamente que nossa escuta compreende o resultado dos movimentos como
um som único, contínuo e ininterrupto. Esta concepção é em seguida generalizada para abranger
todas as formas de sons produzidos. Ela se alia a uma segunda observação, de que cordas gerando
sons agudos oscilam mais rápido. A conclusão do escritor de Sectio Canonis é que precisamente
essa frequência relativa de impactos batendo no ouvido que é responsável por constituir o fenômeno
percebido como de alturas graves e agudas. Houveram outras teorias também, nem todas tratando
da altura como embasada em algo diretamente quantificável: ligadas, por exemplo, com a ‘forma’
do som em movimento. As teorias anteriores foram muito mais influentes. Enquanto a ciência dos
harmônicos exibe parte das mais impressionantes realizações intelectuais gregas, seria falso afirmar
o mesmo em relação à acústica.

Organização do espaço harmônico

Seria extensa uma consideração completa dos conceitos e estruturas analisadas pelos teóricos
harmônicos devido ao volume de informação e também as mudanças que tais estruturas musicais
sofrem ao longo do tempo. Um rascunho esquemático de alguns de seus mais importantes pode ser
útil, mas não deixa de ser simplificado conceitualmente e historicamente, buscaremos definir o que
é um terreno em comum entre uma variedade de escritores e períodos.

Tetracordes e notas fixas

Os gregos concebiam seus sistemas escalares e seus padrões de afinação como expressões das
organizações e divisões impostas pela melodia no ‘espaço’ tonal ou pela extensão na qual habita. A
extensão analisada normalmente não excede duas oitavas, e era de altura ‘abstrata’: ou seja, não era
definida nenhum altura (definida) ou extensão particular, mas simplesmente como a extensão na
qual qualquer melodia pode ocupar, ou pela estrutura implícita da melodia como seu fundamento.

A estrutura amplamente abordada era como uma moldura onde um conjunto de notas formam em
suas fronteiras os tetracordes. Em sua forma mais básica de organização, esses tetracordes estavam
em si ordenados de forma regular, e as notas que o limitam eram consideradas ‘fixas’, invariáveis
em relação uma a outra. Deste modo a oitava central do sistema mais fundamental foi dividida em
duas partes principais, cada um delas abrangendo uma quarta, e separadas (‘disjuntas’) por um tom.
Acima desta oitava, e compartilhando sua nota mais alta, reside um próximo tetracorde; abaixo
havia outro, também em ‘conjunção’ com o mais baixo dos dois tetracordes centrais. A extensão de
duas oitavas se completa pela adição de mais uma nota abaixo, em um intervalo de um tom abaixo
da nota mais grave de tetracorde inferior. Nomes foram agregados a essas notas fixas, e aos
tetracordes, como mostra a tabela abaixo:

Nete hyperbolaion
Quarta Tetracorde hyperbolaion
Oitava Nete diezeugmenon
Quarta Tetracorde diezeugmenon
Paramese
Oitava Tom
Mese
Quarta Tetracorde meson
Oitava Hypate meson
Quarta Tetracorde hypaton
Hypate hypaton
Tom
Proslambanomenos

Uma estrutura alternativa, por vezes tratada como variável da primeira, por vezes como um sistema
paralelo independente, mantém os dois tetracordes mais baixos, mas procede ascendendo de mese
para um terceiro tetracorde em conjunção com o segundo. Este tetracorde recebeu o nome de
synemmenon (‘o das notas conjuntas’), que em contrapartida era diezeugmenon (‘o das notas
disjuntas’). A estrutura geralmente não era concebida se estendendo um tetracorde acima da nota
mais aguda desde, nete synemmenon.

Notas móveis e os gêneros

Cada tetracorde cobre uma quarta: entre as fronteiras de cada restam duas notas a serem
adicionadas. Essas, no entanto, não eram invariantes em relação a seus vizinhos. Diversos sistemas
estavam disponíveis no qual essas notas internas podiam ser mais altas ou mais baixas com respeito
as fronteiras dos tetracordes. De acordo com Aristoxenus, por exemplo, a nota ‘móvel’ mais alta em
um tetracorde poderia residir a qualquer distância de um tom a um ditom (dois tons) abaixo à
fronteira superior, e a nota móvel mais baixa a qualquer distância, de um quarto de tom a meio tom
acima da fronteira inferior. Através de um número indefinido de variações de posições no qual essas
extensões eram princípios aceitáveis, certas configurações de divisões do tetracorde eram as mais
familiares, e estas caiam em três grupos estéticos distinguíveis ou ‘gêneros’, o enarmônico, o
cromático e o diatônico. Teóricos diferem consideravelmente em suas quantificações dessas três
divisões (especialmente aqueles teóricos que descrevem os intervalos como razões entre números,
ao invés de ‘um quarto de tom’, ‘semitom’, etc.). Mas tipicamente concordam que o que determina
as mudanças de gênero era primeiramente a distância entre a nota móvel mais alta e a fronteira
superior do tetracorde. Essa fronteira era maior no gênero enarmônico, menor no diatônico,
intermediário no cromático. Passando por alto as complicações e recordando o que é mais simples e
comum nas divisões dos tetracordes, como expressadas dos Aristoxenus e seus sucessores. Aqui um
tetracorde enarmônico divide a extensão de uma quarta entre notas fixas, do grave ao agudo, em um
quarto de tom, um quarto de tom e um ditom; um tetracorde cromático em um semitom, semitom,
um tom e meio; e um tetracorde diatônico em semitom, tom, tom.

As notas que repousam entre as notas fixas no entanto receberam nomes que as qualificam como
enarmônicas, cromáticas ou diatônicas. Nós podemos agora completar na estrutura de duas oitavas
com as notas móveis colocadas entre as fronteiras de cada tetracorde, para completar o que é
chamado como o Grande Sistema Perfeito (‘Great Perfect System’ - GPS). Os detalhes das divisões
dos tetracordes foram mostrados apenas nos tetracordes superiores; os outros são formados
identicamente. Notas fixas estão em letra maiúscula. Os dois tetracordes inferiores, se conjuntos
com mese no tetracorde synemmenon, formam o Sistema Menos Perfeito (‘Lesser Perfect System’ -
LPS). As notas móveis entre nete synemmenon e mese eram chamadas de paranete synemmenon e
trite synemmenon.
NETE HYPERBOLAION Tom / Três semitons / Ditono
Paranete hyperbolaion (diatônica)
(cromática)
(enarmônica) Tom / Semitom / Quarto de tom
Tetracorde
hyperbolaion Trite hyperbolaion (diatônica ou cromática)
(enarmônica)
Semitom / Semitom / Quarto de tom
NETE DIEZEUGMENON

Paranete diezeugmenon
Tetracorde
diezeugmenon Trite diezeugmenon

PARAMESE
Tom
MESE

Lichanos meson
Tetracorde
meson Parhypate meson

HYPATE MESON

Lichanos hypaton
Tetracorde
hypaton Parhypate hypaton

HYPATE HYPATON
Tom
PROSLAMBANOMENOS
O Harmoniai

O sistema descrito até agora provê o fundamento para todos outros, mas eles não são o fim da
história. Nem mesmo, eles são corretamente dizendo seu início, mas representam um estágio
intermediário na história da investigação harmônica. Podemos agora mudar para próxima forma de
análise que é relativamente mais antiga, precedendo Aristoxenus, que lida com estruturas que
abrangem apenas uma oitava.

Desde o século sete, ou mesmo antes, os Gregos eram familiares com um número de diferentes
melodias, associadas a diferentes regiões ou povos da área de Aegean. Contudo um certo estilo,
chamado ‘Dorico’ conforme o povo Dórico Grego, veio a se tornar um estilo característico e nobre.
Interações entre Gregos de diferentes lugares, e o contato com culturas não-Helênicas, levaram a
adoção de outros estilos na música dos principais centros da civilização. No século seis este
processo estava bem avançado, e a literatura do sexto e quinto século nos dá pistas das maneiras no
qual os estilos eram empregados. Músicas Jônicas, Frígias, Lídias e Dóricas parecem preservar
características distintas, carregadas com diferente efeitos emocionais, estéticos e morais, e suas
origens estão nos diferentes nichos culturais ou religiosos. Trabalhos longos de compositores
sofisticados do século cinco poderiam mudar de um estilo a outro no curso de uma mesma peça,
como forma de gerar mudanças de sentimentos ou estados de espírito, não como uma mera exibição
de complicadas técnicas. Poetas como Aristophanes ao final do século cinco ainda podia indicar
distinguíveis características musicais simplesmente por meio de nomes regionais, e as diferenças
eram ainda suficientemente definidas no século quatro pelos filósofos, notavelmente Platão, ao usá-
las como fundamento para suas teorias sobre as diferentes características morais e influências
musicais de diferentes tipos.

Ao redor do século cinco uma concepção nova começa a emergir: as principais diferenças entre
características regionais começam a ser identificadas como as diferenças do que é chamado de
harmoniai. A palavra possui muitos usos, mas aqui seu significado principal é ‘afinação’,
especificamente ‘padrão de afinação sobre a extensão de uma oitava’. Sua principal aplicação é na
organização dos intervalos entre notas soadas pelas cordas da lira ou da citara (kithara), alterando
os intervalos entre as cordas o intérprete podia preparar seu instrumento para uma peça em uma
diferente harmonia, Dórica, Frígia, ou qualquer outra.

Tentativas de sintetizar o harmoniai a um sistema, e em particular de expressá-lo como


transformações ordenadas de uma estrutura simples, provavelmente origina-se no final do século
cinco, em partes como uma consequência do crescente uso de modulações entre harmoniai na
música prática, em partes sobre a influência da teoria musical abstrata, que estava apenas
começando a surgir como uma importante disciplina técnica. Não podemos atribuir uma data precia
a Eratocles, mas por volta de uma década ou duas do ano de 400 é uma suposição razoável, é a ele e
a sua escola de harmônicos teóoricos que Aristoxenus atribui uma representação dos ‘sete
octacordes que eles chamam harmoniai’ , como um ciclo reordenado de certas séries de intervalos
dentro de uma oitava. Isso é, se iniciamos de uma série de intervalos abrangendo uma oitava,
constituindo uma das harmoniai, podemos gerar outras ao remover o intervalo de um dos extremos
e colocá-lo no outro extremo da série, mudando as alturas da composição interna da corda, de modo
que o total sempre mantém com o mesmo arranjo geral, desta forma produzimos as sete ‘espécies’
da oitava, cada uma constituindo uma harmoniai.
Também ouvimos de Aristoxenus que a análise de seus predecessores se confinam ao gênero
enarmônico, na qual os tetracordes eram divididos em dois passos de um quarto de tom, mas um
ditom. De acordo com fontes posteriores (especialmente Cleonides e Aristides Quintilianus), bem
como de Aristoxenus, podemos atribuir a escola de Eratocles o seguinte sistema de harmoniai,
representado em um diagrama que divide a oitava em vinte e quatro quartos de tomam-no

(lista dos modos)

Considerando agora a tabela da harmoniai em relação as notas e intervalos do Grande Sistema


Perfeito (GPS), ficará claro, primeiro, que no centro, a espécie Dórica da oitava corresponde á
sequência. No GPS, de hypate meson a nete dyezeugmenon, dois tetracordes com suas notas fixas
separadas por um tom. Este continua sendo o caso mesmo que a análise seja realizada no gênero
cromático (½, ½, 3/2, 1, ½, ½, 3/2) ou diatônico (½, 1, 1, 1, ½, 1, 1, como seguindo das notas E a E
em um teclado modero). Cada um deles está representado em sua própria extensão no GPS. Como a
estrutura do mixolídio que segue de baixo para cima por uma oitava de hypate hypaton; Lídio
iniciando de parhypate hypaton; frígio de lichanos hypaton; dórico, como visto, de hypate meson;
hipolídio de parhypate meson; hipofrígio de lichanos meson; hipodórico de mese. Esse tipo de
consideração é encontrado, por exemplo em Aristides Quintilianus. Refletindo sobre as
terminologias, podemos concluir que harmoniai está mais para um ‘modo’ do que para uma
‘tonalidade’.

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