Você está na página 1de 259

José Prata Araújo

José Prata Araújo


do Brasil na política Um retrato do Brasil é um amplo e Os primeiros três
externa, como um país anos do governo Lula
protagonista da integração informado balanço do governo Lula, já proporcionaram
latino-americana ou como importantes e positivas
situando-o no contexto de um quadro
satélite da política dos mudanças no país. Em
Estados Unidos na região. comparativo com os governos neoliberais de 2006, o Brasil decidirá se
Este livro apresenta um irá querer a continuidade
completo e minucioso
balanço do primeiro
FHC e afirmando suas potencialidades.
Trata-se de um detalhado painel do país
um retrato e o aprofundamento de
um projeto de esquerda

um retrato do Brasil • BALANÇO DO GOVERNO LULA


mandato de Lula e da ou se retornará ao projeto
coalizão liderada pelo nos últimos anos que fornece informações neoliberal. Será decidido

do Brasil
Partido dos Trabalhadores também se a democracia
em relação a sua fundamentais a todos aqueles que desejam brasileira comporta uma
concepção de Estado rotatividade no poder
e a suas ações nas
conhecer e entender as mudanças pelas mais substantiva ou se
áreas social e política, quais o Brasil vem passando. continuará sendo um
na economia e no mero revezamento de
desenvolvimento, e nas
relações exteriores,
BALANÇO DO GOVERNO LULA segmentos das elites no
governo. E, finalmente,
apontando avanços e o processo eleitoral de
problemas enfrentados. 2006 definirá os rumos

Capa.indd 1 7/19/06 2:57:33 PM


José Prata Araújo

José Prata Araújo


do Brasil na política Um retrato do Brasil é um amplo e Os primeiros três
externa, como um país anos do governo Lula
protagonista da integração informado balanço do governo Lula, já proporcionaram
latino-americana ou como importantes e positivas
situando-o no contexto de um quadro
satélite da política dos mudanças no país. Em
Estados Unidos na região. comparativo com os governos neoliberais de 2006, o Brasil decidirá se
Este livro apresenta um irá querer a continuidade
completo e minucioso
balanço do primeiro
FHC e afirmando suas potencialidades.
Trata-se de um detalhado painel do país
um retrato e o aprofundamento de
um projeto de esquerda

um retrato do Brasil • BALANÇO DO GOVERNO LULA


mandato de Lula e da ou se retornará ao projeto
coalizão liderada pelo nos últimos anos que fornece informações neoliberal. Será decidido

do Brasil
Partido dos Trabalhadores também se a democracia
em relação a sua fundamentais a todos aqueles que desejam brasileira comporta uma
concepção de Estado rotatividade no poder
e a suas ações nas
conhecer e entender as mudanças pelas mais substantiva ou se
áreas social e política, quais o Brasil vem passando. continuará sendo um
na economia e no mero revezamento de
desenvolvimento, e nas
relações exteriores,
BALANÇO DO GOVERNO LULA segmentos das elites no
governo. E, finalmente,
apontando avanços e o processo eleitoral de
problemas enfrentados. 2006 definirá os rumos

Capa.indd 1 7/19/06 2:57:33 PM


José Prata Araújo

José Prata Araújo


do Brasil na política Um retrato do Brasil é um amplo e Os primeiros três
externa, como um país anos do governo Lula
protagonista da integração informado balanço do governo Lula, já proporcionaram
latino-americana ou como importantes e positivas
situando-o no contexto de um quadro
satélite da política dos mudanças no país. Em
Estados Unidos na região. comparativo com os governos neoliberais de 2006, o Brasil decidirá se
Este livro apresenta um irá querer a continuidade
completo e minucioso
balanço do primeiro
FHC e afirmando suas potencialidades.
Trata-se de um detalhado painel do país
um retrato e o aprofundamento de
um projeto de esquerda

um retrato do Brasil • BALANÇO DO GOVERNO LULA


mandato de Lula e da ou se retornará ao projeto
coalizão liderada pelo nos últimos anos que fornece informações neoliberal. Será decidido

do Brasil
Partido dos Trabalhadores também se a democracia
em relação a sua fundamentais a todos aqueles que desejam brasileira comporta uma
concepção de Estado rotatividade no poder
e a suas ações nas
conhecer e entender as mudanças pelas mais substantiva ou se
áreas social e política, quais o Brasil vem passando. continuará sendo um
na economia e no mero revezamento de
desenvolvimento, e nas
relações exteriores,
BALANÇO DO GOVERNO LULA segmentos das elites no
governo. E, finalmente,
apontando avanços e o processo eleitoral de
problemas enfrentados. 2006 definirá os rumos

Capa.indd 1 7/19/06 2:57:33 PM


José Prata Araújo

José Prata Araújo


do Brasil na política Um retrato do Brasil é um amplo e Os primeiros três
externa, como um país anos do governo Lula
protagonista da integração informado balanço do governo Lula, já proporcionaram
latino-americana ou como importantes e positivas
situando-o no contexto de um quadro
satélite da política dos mudanças no país. Em
Estados Unidos na região. comparativo com os governos neoliberais de 2006, o Brasil decidirá se
Este livro apresenta um irá querer a continuidade
completo e minucioso
balanço do primeiro
FHC e afirmando suas potencialidades.
Trata-se de um detalhado painel do país
um retrato e o aprofundamento de
um projeto de esquerda

um retrato do Brasil • BALANÇO DO GOVERNO LULA


mandato de Lula e da ou se retornará ao projeto
coalizão liderada pelo nos últimos anos que fornece informações neoliberal. Será decidido

do Brasil
Partido dos Trabalhadores também se a democracia
em relação a sua fundamentais a todos aqueles que desejam brasileira comporta uma
concepção de Estado rotatividade no poder
e a suas ações nas
conhecer e entender as mudanças pelas mais substantiva ou se
áreas social e política, quais o Brasil vem passando. continuará sendo um
na economia e no mero revezamento de
desenvolvimento, e nas
relações exteriores,
BALANÇO DO GOVERNO LULA segmentos das elites no
governo. E, finalmente,
apontando avanços e o processo eleitoral de
problemas enfrentados. 2006 definirá os rumos

Capa.indd 1 7/19/06 2:57:33 PM


UM RETRATO DO BRASIL
Créditos das imagens da capa (da direita para a esquerda):
Ricardo Stuckert/ABr; Marcello Casal Jr./ABr; Lindomar Cruz/ABr;
Foto Divulgação DNIT; Ricardo Stuckert/ABr; Ana Nascimento/ABr;
Marcello Casal Jr/ABr; Marcello Casal Jr./ABr; Rose Brasil/ABr.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Araújo, José Prata


Um retrato do Brasil : balanço do governo Lula /
José Prata Araújo. — 1. ed. — São Paulo :
Editora Fundação Perseu Abramo, 2006. —
(Coleção Brasil urgente)
ISBN 85-7643-032-0
1. Brasil - Política e governo 2. Partido dos Trabalhado-
res (Brasil) 3. Silva, Luís Inácio Lula da, 1945- I. Título. II. Série.

06-5188 CDD-320.981
Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil : Política e governo 320.981
UM RETRATO DO BRASIL
BALANÇO DO GOVERNO LULA

JOSÉ PRATA ARAÚJO

EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO


Fundação Perseu Abramo
Instituída pelo Diretório Nacional
do Partido dos Trabalhadores em maio de 1996.
Diretoria
Hamilton Pereira (presidente)
Ricardo de Azevedo (vice-presidente)
Selma Rocha (diretora)
Flávio Jorge Rodrigues da Silva (diretor)

Editora Fundação Perseu Abramo


Coordenação Editorial
Flamarion Maués
Assistente Editorial
Viviane Akemi Uemura
Revisão
Maurício Balthazar Leal
Capa
Eliana Kestenbaum
Editoração Eletrônica
Enrique Pablo Grande

Impressão
Bartira Gráfica

1a edição: agosto de 2006

Todos os direitos reservados à


Editora Fundação Perseu Abramo
Rua Francisco Cruz, 224
04117-091 — São Paulo — SP — Brasil
Telefone: (11) 5571-4299 – Fax: (11) 5571-0910
Correio eletrônico: editora@fpabramo.org.br

Visite a página eletrônica da Fundação Perseu Abramo


http://www.fpabramo.org.br

Copyright © 2006 by José Prata Araújo


ISBN 85-7643-032-0
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................. 9
CONCEPÇÃO DE ESTADO .......................................... 11
O PRIVATISMO TUCANO ........................................................... 11
OS RESULTADOS SOFRÍVEIS DAS PRIVATIZAÇÕES
– LUCIANO COUTINHO ................................................ 16
PRIVATIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ............................... 18
O ESTADO NO GOVERNO LULA .......................................... 23
CONCEPÇÃO DE ESTADO E ELEIÇÕES DE 2006 ..................... 26
SÍNTESE .......................................................................... 29
O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES” ....................... 33
A EXPERIÊNCIA DOS TIGRES ASIÁTICOS ............................... 34
O QUE NÃO DEVE SER COPIADO DOS ASIÁTICOS ................... 36
O CONTEXTO LATINO-AMERICANO ..................................... 41
O ESTADO NA AMÉRICA LATINA ........................................ 46
SÍNTESE .......................................................................... 53
VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA ............ 55
ABERTURA, CÂMBIO E TRANSAÇÕES CORRENTES .................. 55
O QUE É O BALANÇO DE TRANSAÇÕES CORRENTES ............... 58
DÍVIDA EXTERNA, TÍTULOS CAMBIAIS E A MÍDIA .................. 59
PASSIVO EXTERNO ............................................................ 64
COM LULA, BRASIL FICOU MENOS VULNERÁVEL ................. 66
O QUE É O RISCO-PAÍS ..................................................... 71
SÍNTESE ......................................................................... 72
CRESCIMENTO ECONÔMICO, INFLAÇÃO E JUROS ......... 75
O ALTO CUSTO DA “ESTABILIDADE” ECONÔMICA ................. 76
OPORTUNIDADE PERDIDA ................................................ 81
OS NÚMEROS DO GOVERNO LULA ..................................... 86
UM RETRATO DO BRASIL

JUROS, ESQUERDA E DIREITA ............................................. 90


SÍNTESE ......................................................................... 93
DÍVIDA PÚBLICA, SUPERÁVIT
PRIMÁRIO E CARGA TRIBUTÁRIA .............................. 95
QUE RESPONSABILIDADE FISCAL? .................................... 95
INDICADORES FISCAIS NO GOVERNO LULA ....................... 101
SÍNTESE ........................................................................ 109
POLÍTICA EXTERNA E INTEGRAÇÃO
DA AMÉRICA LATINA ............................................. 111
O QUE É A ALCA? – MARCO AURÉLIO WEISSHEIMER ...... 112
ÁREA DE LIVRE COMÉRCIO DAS AMÉRICAS – ALCA ........... 113
A CONSTITUIÇÃO DO G-20 ............................................ . 115
ESQUERDIZAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA ....... 117
ELEIÇÕES E O FUTURO DA AMÉRICA LATINA ..................... 119
DÚVIDA, DECEPÇÃO E ESPERANÇA – JOSÉ LUIS FIORI ........ 122
SÍNTESE ........................................................................ 124
CORRUPÇÃO E REFORMA POLÍTICA ........................... 125
OS MAIORES PREDADORES DO ESTADO ............................. 125
AS BASES SOCIAIS DA HONESTIDADE
– RENATO JANINE RIBEIRO ........................................ 130
CRISE E CONCEPÇÃO DE ESTADO ...................................... 132
REFORMA POLÍTICA DEMOCRÁTICA ................................... 136
SÍNTESE ........................................................................ 139
DESENVOLVIMENTO SOCIAL ..................................... 141
INFLAÇÃO REDUZIDA À METADE ....................................... 141
IGPs: OS MENORES DA HISTÓRIA ....................................... 142
A RETOMADA DO EMPREGO ............................................ 143
SALÁRIO MÍNIMO ........................................................... 145
PRECARIZAÇÃO FOI SUSPENSA ......................................... 147
RENDIMENTO MÉDIO ...................................................... 147
IMPOSTO DE RENDA E SIMPLES ....................................... 149
MELHORES ACORDOS SALARIAIS ..................................... 150

6
UM RETRATO DO BRASIL

UMA REVOLUÇÃO NO CRÉDITO ......................................... 151


BOLSA FAMÍLIA ........................................................... 153
REDUÇÃO DA POBREZA E DA DESIGUALDADE .................. 155
7 MILHÕES MIGRAM DA CLASSE D/E PARA
A CLASSE C – EMIR SADER ........................................... 158
PROUNI E FUNDEB ........................................................ 159
REFORMA AGRÁRIA E POLÍTICA AGRÍCOLA ........................ 160
PREVIDÊNCIA SOCIAL ..................................................... 162
DOMICÍLIOS PRÓPRIOS, SERVIÇOS E BENS .......................... 164
PROGRAMAS DE SAÚDE .................................................. 166
OUTRAS POLÍTICAS SOCIAIS ............................................. 167
SÍNTESE ........................................................................ 168
O BRASIL QUE QUEREMOS ........................................ 171
PSDB: O NÚCLEO DURO DO GRANDE CAPITAL .................... 171
TRÊS TAREFAS HISTÓRICAS .............................................. 176
“COM LULA, FOI TODO UM INCONSCIENTE COLETIVO
QUE CHEGOU AO PODER” – CÂNDIDO MENDES .............. 180

ANEXO: SÍNTESE DOS PRINCIPAIS INDICADORES


SOCIOECONÔMICOS DO BRASIL ................................. 199
GEOGRAFIA E POPULAÇÃO ............................................. 199
FAMÍLIAS E DOMICÍLIOS .................................................. 206
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL ....................... 210
INDICADORES DE SAÚDE ................................................ 213
EDUCAÇÃO .................................................................... 218
PREVIDÊNCIA SOCIAL E PRIVADA .................................... 221
SEGURANÇA PÚBLICA ..................................................... 225
MUNDO DO TRABALHO ................................................. 227
ESTRUTURA FUNDIÁRIA ................................................... 238
PARTIDOS E ELEITORADO ................................................ 241
IDENTIDADES DIVERSAS ................................................. 243
SÍNTESE ....................................................................... 246
NOTAS ..................................................................... 249

7
SOBRE O AUTOR

José Prata Araújo é economista formado pela PUC-


Minas e especialista em direitos sociais. Foi militante
sindical bancário e membro do Sindicato dos Bancários
de Belo Horizonte e Região por três gestões. Suas pu-
blicações – cartilhas, livros, boletins – venderam, desde
1999, 650 mil exemplares em todo o país. Suas publica-
ções mais recentes são: Guia dos direitos do povo,
Manual dos direitos dos segurados do INSS e Guia
dos direitos previdenciários dos servidores públicos.
É assessor de políticas sociais do Sindicato dos Traba-
lhadores do Poder Judiciário Federal de Minas Gerais
(Sitraemg); do Sindicato dos Servidores Municipais da
Prefeitura de Belo Horizonte (Assemp); do Sindicato
dos Servidores de Justiça de 2ª Instância de Minas
Gerais (Sinjus); e do Sindicato dos Médicos de Minas Ge-
rais (Sinmed-MG). O conteúdo desta publicação é de
inteira responsabilidade do autor, não refletindo, neces-
sariamente, a posição das entidades para as quais pres-
ta serviços.
UM RETRATO DO BRASIL

INTRODUÇÃO

Os primeiros três anos do governo Lula já proporcio-


naram importantes e positivas mudanças no país. Em
2006, o Brasil decidirá se irá querer a continuidade e o
aprofundamento de um projeto de esquerda ou se
retornará com o projeto neoliberal. Será decidido tam-
bém se a democracia brasileira comporta uma rotatividade
no poder mais substantiva ou se continuará sendo um
mero revezamento de segmentos das elites no governo.
E, finalmente, o processo eleitoral de 2006 definirá os
rumos do Brasil na política externa, como um país prota-
gonista da integração latino-americana ou como satélite
da política dos Estados Unidos na região.
Este livro apresenta um completo e minucioso balanço
do primeiro mandato de Lula e da coalizão liderada pelo
Partido dos Trabalhadores em relação a sua concepção
de Estado e a suas ações nas áreas social e política, na
economia e no desenvolvimento, e nas relações exterio-
res, apontando avanços e problemas enfrentados.

9
JOSÉ PRATA ARAÚJO

CONCEPÇÃO DE ESTADO

Uma questão fundamental que demarca esquerda e


direita neste momento histórico é a concepção de Es-
tado. O neoliberalismo prega uma reforma radical do
Estado, com a privatização das estatais estratégicas
para o desenvolvimento e dos principais serviços pú-
blicos – previdência, saúde e educação. Seu objetivo é
que o Estado não se intrometa mais nas relações de
trabalho. Nestas questões relevantes, existem impor-
tantes diferenças entre o governo Lula e o governo
Fernando Henrique. Na verdade, a concepção de Es-
tado é a questão mais importante que estará em dispu-
ta nas eleições de 2006.

O PRIVATISMO TUCANO

Quem expressou com precisão a diferença entre Lula


e FHC na questão estratégica da concepção de Estado
foi o economista tucano José Roberto Mendonça de
Barros. Sem as tergiversações típicas do PSDB (Partido
da Social-Democracia Brasileira), ele afirmou:

11
CONCEPÇÃO DE ESTADO

“A grande diferença geral que há entre as duas


administrações é a concepção de Estado. No go-
verno FHC a concepção era de um Estado menor,
mais regulador, voltado para os gastos prioritários
na área social, privatizando, concedendo e terceiri-
zando. No caso do governo Lula, até agora a orien-
tação geral é mais Estado, mais funcionários, me-
nos terceirização, menos privatização, menos capi-
tal privado, menos agências reguladoras, mais po-
der para os ministérios. Eu acho essa visão absolu-
tamente ultrapassada e que não funciona”1.

Vale lembrar que José Roberto Mendonça de Barros,


o seu irmão Luiz Carlos Mendonça de Barros, o ex-
ministro Bresser Pereira e o ex-prefeito de São Paulo
José Serra são considerados os expoentes da “ala
desenvolvimentista” do PSDB. Se eles representam a “es-
querda” do partido, dá para avaliar o conteúdo do con-
junto da obra tucana para o Estado brasileiro. Os tuca-
nos, de fato, têm diferenças internas nas políticas
macroeconômicas, mas tanto “desenvolvimentistas”
como “monetaristas” se unificam na concepção de Es-
tado, que prevê um amplo programa de privatização das
estatais e dos serviços públicos. Os dois governos de
FHC foram amplamente hegemonizados pela ala
monetarista de Pedro Malan- FHC e já conhecemos suas
políticas. Já a ala “esquerda” pode ser definida como
liberal-desenvolvimentista e, na mídia, tem como uma
das principais expressões o jornal Folha de S.Paulo.

12
JOSÉ PRATA ARAÚJO

São críticos da ortodoxia do governo Lula na política


macroeconômica, mas não têm qualquer reparação ao
processo de privatização do Estado realizado nos dois
governos de FHC, bem como à sua continuidade futura.
Bresser Pereira foi até mesmo, quando titular do Minis-
tério da Administração e Reforma do Estado (MARE), car-
go que ocupou no primeiro mandato de Fernando Henrique,
um dos principais formuladores da concepção de Estado
na gestão de Fernando Henrique. O então Plano Diretor
da Reforma do Estado classificava as atividades governa-
mentais em quatro segmentos: a) o Núcleo Estratégico de
Estado, formado pela alta cúpula estatal dos poderes Exe-
cutivo, Legislativo e Judiciário; b) o Setor de Atividades
Exclusivas de Estado, formado basicamente pelas áreas
de tributação, fiscalização, segurança pública, Justiça, fo-
mento, regulação, diplomacia e previdência básica; c) o
Setor de Serviços Não-Exclusivos de Estado, que congre-
ga todos os serviços da área social, cultura e os serviços de
utilidade pública em geral; d) o Setor de Produção para o
Mercado, formado pelas estatais, que, na visão do Plano
Diretor de FHC, deveriam ser todas privatizadas.
Nos dois governos de Fernando Henrique, este Plano
Diretor foi amplamente executado. Na concepção dos
tucanos, portanto, o Estado não deve ter qualquer papel
direto na economia, enquanto controlador de grandes
empresas estratégicas para o desenvolvimento econô-
mico. Foi isso que orientou o amplo programa de
privatizações nas áreas de telefonia, mineração, side-
rurgia, energia elétrica, bancos, ferrovias, produção de

13
CONCEPÇÃO DE ESTADO

aviões, saneamento básico etc.,


que implicou a transferência
para o setor privado de uma
importante fatia do patrimônio
público, em torno de US$ 105
bilhões pelo câmbio vigente
durante o período da paridade
cambial. Veja a tabela 1. Foi
uma transferência patrimonial
de 12% do PIB, a maior reali-
zada no mundo nesta época de
hegemonia neoliberal. Como se vê, o auge da privatização
aconteceu nos anos de 1997 e 1998, quando foram ar-
recadados US$ 65,2 bilhões, utilizados integralmente para
tentar manter a falida âncora cambial do Plano Real.
O jornalista Aloysio Biondi, já falecido, ironizou o pro-
cesso de privatização:

“Compre você também uma empresa pública, um


banco, uma ferrovia, uma rodovia, um porto etc. O
governo vende baratíssimo ou pode até doar. Assim
é a privatização brasileira: o governo financia a com-
pra no leilão, vende moedas podres a longo prazo e
ainda financia os investimentos que os ‘comprado-
res’ precisam fazer. E para aumentar os lucros dos
futuros ‘compradores’ o governo engole dívidas
bilionárias, demite funcionários, investe maciçamente
e até aumenta tarifas e preços antes da privatização”.2

14
JOSÉ PRATA ARAÚJO

Para avaliar o tamanho do prejuízo causado aos co-


fres públicos pela privatização tucana, seria fundamen-
tal que os partidos de esquerda e/ou a CUT (Central Única
dos Trabalhadores) encomendassem estudos compara-
tivos do preço de venda das estatais e do valor de mer-
cado, depois do vigoroso processo de valorização que
estas empresas experimentaram.
Um exemplo ilustrativo da privatização tucana é a Vale
do Rio Doce. Uma decisão do Tribunal Regional Fede-
ral de Brasília determinou a realização de uma perícia
técnica para averiguar o valor da empresa na ocasião
da privatização. Os dados, que indicam uma forte
subestimação do preço de venda, são os seguintes:

“No dia 8 de maio de 1995, a Vale informara à SEC


(Securities and Exchange Comission), entidade
que fiscaliza o mercado acionário nos EUA, que
suas reservas lavráveis de minério de ferro em mu-
nicípios de Minas Gerais eram de 7,918 bilhões de
toneladas. No edital de privatização, foi mencio-
nado só 1,4 bilhão de toneladas. Uma diferença de
6,518 bilhões de toneladas. Quanto às minas de
ferro da Serra de Carajás, a Vale informou à entida-
de norte-americana que suas reservas totalizavam
4,970 bilhões de toneladas. De novo o edital de
privatização mencionou um número menor: 1,8 bi-
lhão de toneladas. Uma subestimação de 3,170
bilhões de toneladas”3.

15
CONCEPÇÃO DE ESTADO

Os resultados sofríveis das privatizações


Luciano Coutinho
ara o economista Lucia- abrindo novos modelos de
P no Coutinho, da Unicamp
(Universidade Estadual de
negócio rentáveis para o
setor privado (telefonia mó-
Campinas), os resultados vel, serviços via internet
das privatizações, sobretu- etc.), os resultados do para-
do da infra-estrutura e dos digma neoliberal foram so-
serviços públicos, e da fríveis. Com efeito, nos mo-
regulação foram sofríveis: nopólios naturais, em que
“A primeira lição é que a as economias de escala
privatização e a competi- são poderosas, com longos
ção funcionam bem em prazos de maturação dos
segmentos tipicamente pri- investimentos e com pre-
vados – por exemplo em sença de externalidades, o
setores industriais que ha- modelo privado tende a pro-
viam sido desenvolvidos ou vocar dificuldades de difícil
absorvidos pelo Estado em superação. Com efeito, a
decorrência de fragilidades missão social intrínseca às
patrimoniais do setor priva- infra-estruturas que ofere-
do (exemplo: siderurgia, cem serviços de utilidade
mineração, construção na- pública é pouco compatível
val e petroquímica). Já na com os objetivos de maxi-
esfera das infra-estruturas mização de lucros do inves-
e dos serviços públicos (te- tidor privado. Este requer
lecomunicações, energia, taxas de retorno muito mais
saneamento, transportes elevadas (que refletem a es-
etc.), a experiência foi pro- cassez de capital e os ris-
blemática. À exceção das cos específicos desses
telecomunicações, setor no empreendimentos) em
qual uma revolução tecno- comparação com a taxa de
lógica vem modificando o retorno socialmente dese-
monopólio natural original e jada ou praticada na esfe-

16
JOSÉ PRATA ARAÚJO

ra pública. Ao requererem las populações de baixa


taxas de retorno mais al- renda, tornando muito
tas, os investimentos pri- mais árdua a tarefa do
vados necessitam de pre- agente regulador”
ços e tarifas mais elevados (COUTINHO, Luciano.
para remunerar os seus ati- “Regulação com eficiência
vos, em detrimento das e eqüidade”. Folha de
condições de acesso pe- S.Paulo, 22/02/2004).

A privatização da Vale do Rio Doce é um escândalo:


seu valor de mercado no final de 2005 era 15 vezes
maior do que o valor de quando foi vendida em 1997.
Naquele ano, o governo federal vendeu as ações que
detinha por R$ 3,338 bilhões, o que equivalia a 41,73%
do valor da empresa, que era de R$ 8 bilhões. No final
de 2005, a Consultoria Global Invest estimou o valor da
Vale do Rio Doce na Bolsa de Valores em US$ 55,5
bilhões, o que equivalia a R$ 122 bilhões. Assim, as ações
pertencentes à União vendidas por R$ 3,338 bilhões em
1997 passaram a valer R$ 50,910 bilhões em 2005.
Todo o processo de privatização foi realizado com um
falso discurso social: era preciso retirar o Estado da eco-
nomia para que ele pudesse se dedicar à prestação de
bons serviços públicos nas áreas de saúde, educação e
segurança. Isso se revelou uma farsa porque implicou,
em primeiro lugar, a demissão de mais 600 mil trabalha-
dores e, para a população em geral, fez disparar os pre-
ços dos serviços públicos de telefonia, energia elétrica e
água, que passaram a representar um enorme peso no
orçamento doméstico. As privatizações, apesar de seus

17
CONCEPÇÃO DE ESTADO

valores astronômicos, não contribuíram para melhorar a


situação fiscal do governo, porque os recursos arrecada-
dos foram esterilizados pelas altas taxas de juros pratica-
das pelo governo FHC. As privatizações não tiveram tam-
bém nenhum impacto relevante no crescimento da eco-
nomia, porque não implicaram o aumento expressivo da
capacidade produtiva, mas apenas uma transferência
patrimonial da capacidade instalada já existente.

PRIVATIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

Como já vimos, na concepção de Estado tucano/pefelista


se previa o Setor de Serviços Não-Exclusivos de Estado,
que congregaria todos os serviços da área social (saúde,
assistência social, educação, segurança, grande parte da
previdência), cultura e os serviços de utilidade pública em
geral (coleta de lixo etc.). Os formuladores desta proposta
dizem que esses serviços são todos passíveis de
privatização. Para eles, o Estado deve garantir o provi-
mento, mas não necessariamente a produção/execução
direta. Isso pode ficar sob a responsabilidade de institui-
ções privadas ou públicas não-estatais. Para viabilizar esse
amplo processo de privatização dos serviços públicos, foi
aprovada a criação das chamadas “Organizações Sociais”,
através de uma lei de 1998. A terceirização dos serviços
públicos foi ampliada, como no caso da desastrada
terceirização da perícia médica do INSS (Instituto Nacional
do Seguro Social), que, de 2002 a 2005, fez triplicar a con-
cessão de auxílios-doença, ficando o Instituto com controle

18
JOSÉ PRATA ARAÚJO

precário de uma das áreas estratégicas da concessão de


benefícios. Com a privatização das estatais e com a cria-
ção das agências reguladoras com enormes poderes, fo-
ram esvaziadas diversas funções estratégicas dos ministé-
rios. E nas duas gestões de FHC o Estado foi sucateado
também com a enorme redução do número de servidores
e com o arrocho salarial.
Depois de reformar o capítulo da ordem econômica da
Constituição de 1988 com a quebra dos monopólios esta-
tais e a privatização das estatais, no segundo mandato de
Fernando Henrique a proposta era a realização de uma
ampla reforma do capítulo da ordem social, especialmen-
te com a supressão dos direitos trabalhistas, como vere-
mos mais adiante, e com a privatização da previdência
social. O economista, ex-ministro e ex-deputado tucano
Antônio Kandir, num livro editado pelo Ministério da Pre-
vidência, reconheceu a influência do modelo chileno de
privatização da previdência no núcleo que se tornaria
hegemônico no interior do governo FHC: “O modelo chile-
no é o referencial fundamental da reforma brasileira – e
as diversas propostas existentes trazem esta marca –,
mas seus diversos componentes devem ser devidamente
traduzidos às particularidades políticas, jurídicas e finan-
ceiras brasileiras”.
Antônio Kandir, com uma sinceridade de impressio-
nar, deu três razões para defender o modelo chileno adap-
tado e o teto de três salários mínimos para a previdência
pública: a) a privatização total polarizaria o debate e di-
ficultaria a aprovação da reforma:

19
CONCEPÇÃO DE ESTADO

“Qualquer movimento radical de reforma do siste-


ma previdenciário tende a tornar ideológica a discus-
são, favorecendo a polarização das forças políticas re-
presentadas no Congresso Nacional. Vale dizer que
haveria uma forte reação à privatização total da Previ-
dência Social por parte dos parlamentares mais iden-
tificados com a tese da necessidade da intervenção
estatal na garantia dos direitos sociais da população”4;

b) empresas privadas não têm interesse nos pobres:

“Haveria, igualmente, uma reação negativa dos po-


tenciais interessados na administração das entida-
des de previdência, no que tange à absorção de um
número elevado de pequenas contas”;

c) pobres não têm cultura para participar de previdên-


cia privada:

“A boa saúde financeira de um sistema previden-


ciário privado depende do poder de acompanha-
mento e fiscalização exercido pelos seus segurados.
Esse poder, por sua vez, pressupõe uma capacida-
de cognitiva mínima, o que, certamente, guarda re-
lação com um nível mínimo de renda”5.

Este modelo não foi aplicado no Brasil por diversas ra-


zões. Primeira: ao contrário de outros países latino-ame-
ricanos, temos em nosso país organizações de esquerda

20
JOSÉ PRATA ARAÚJO

fortes que se opuseram à privatização. Segunda: a previ-


dência está constitucionalizada e a privatização esbarrou
na dificuldade representada por um quórum muito alto no
Congresso Nacional. Terceira: a reforma da previdência
planejada para o segundo mandato de Fernando Henrique
teve que ser adiada devido às sucessivas crises enfrenta-
das pelo Brasil, que deterioraram dramaticamente a situa-
ção fiscal do país. A privatização da previdência no Bra-
sil abriria um rombo de R$ 4 trilhões e o esforço fiscal
para cobri-lo seria de 8% do PIB, o dobro do atual superá-
vit primário, o que levaria o Brasil a uma situação de mo-
ratória técnica, como na Argentina. Como disse o ex-
ministro Antônio Britto: “A questão da privatização da
previdência não é política nem ideológica, é atuarial”. Ou
seja, não havia, na base do governo Fernando Henrique,
quem se opusesse à privatização da previdência por prin-
cípio. Assim, ela só não aconteceu devido às restrições
fiscais. Não foi aleatória, portanto, a entrega do Ministé-
rio da Previdência Social ao PFL (Partido da Frente Libe-
ral), partido doutrinariamente comprometido com a
privatização da previdência pública.
Como já dissemos, o governo Fernando Henrique de-
sistiu da privatização da previdência em 1998 devido à
grave crise enfrentada pelo país com o fim da paridade
cambial e o agravamento do déficit das contas públicas.
No dia 4 de julho de 1999, o jornal Folha de S.Paulo
estampou a seguinte manchete em seu caderno de eco-
nomia: “Governo descarta privatizar o INSS”. A reporta-
gem informava o seguinte:

21
CONCEPÇÃO DE ESTADO

“O governo decidiu deixar a iniciativa privada


de fora da administração do novo sistema de apo-
sentadoria para os trabalhadores que ganham até
o teto de contribuições do INSS. Até essa faixa, o
sistema continuará integralmente público. A de-
cisão encerra uma acirrada discussão interna no
governo. O modelo escolhido representa um freio
na expectativa de um grande negócio no Brasil: a
entrada dos fundos de previdência privada no
mercado para trabalhadores que ganham menos
de dez salários mínimos. A opção contrária à pri-
vatização foi tomada para evitar uma explosão da
dívida pública no país, que custaria quase R$ 2
trilhões, cerca de duas vezes o PIB (Produto In-
terno Bruto). O reconhecimento dessa dívida tor-
nou insustentável o custo de transição para um
sistema privado”.

Foi visível a contrariedade com que o governo Fer-


nando Henrique recuou da privatização da previdência,
mas não sem sonhar com a sua retomada futura. São
palavras do ex-ministro Waldeck Ornélas: “Não adianta
sonhar com um sistema que poderia ser ideal se a reali-
dade não permite. A reforma profunda virá no próximo
século”6. Um dos membros da equipe de FHC, o econo-
mista Francisco de Oliveira Barreto, do Instituto de Pes-
quisa Econômica Aplicada (IPEA), lamentou o recuo na
privatização da previdência:

22
JOSÉ PRATA ARAÚJO

“A situação fiscal era outra, a dívida pública ain-


da não havia explodido e ainda podíamos pensar
em emitir títulos públicos para lastrear a transição.
Agora isso seria insano. O Estado será o dono da
bola até que seja possível zerar o déficit. O gestor
privado só poderá entrar daqui a cinco ou seis anos,
se a situação financeira melhorar. O máximo que
poderemos fazer nesse sentido [a participação das
empresas privadas] é deixar brechas para uma futu-
ra mudança no sistema”7.

O ESTADO NO GOVERNO LULA

É na concepção de Estado que podemos localizar uma


das maiores descontinuidades entre os governo de Lula e
de FHC. As grandes empresas estatais que sobreviveram
à avalanche neoliberal foram preservadas no governo Lula
– Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal,
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social), Banco do Nordeste, grandes empresas de ener-
gia elétrica federais, Correios, Infraero etc. São empre-
sas que se mostraram muito importantes para a reorgani-
zação do Estado e para o funcionamento da economia. A
Petrobrás foi fundamental para minimizar o choque de
preços do petróleo e o governo Lula, mesmo com a enor-
me pressão dos acionistas privados, não reajustou os pre-
ços dos derivados na proporção do aumento de preços
verificado no mercado internacional. Lula preservou a

23
CONCEPÇÃO DE ESTADO

Petrobrás e no começo de 2006, com justa razão, pôde


apresentar à nação e capitalizar politicamente uma reali-
zação histórica da empresa: a auto-suficiência do Brasil
em petróleo. O BNDES, o banco da privatização nas ges-
tões de Fernando Henrique, retomou sua missão de fi-
nanciar a produção e a geração de empregos e é um dos
maiores bancos de fomento do mundo. Os outros bancos
estatais – Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil
principalmente – voltaram a atuar de forma mais agressi-
va na concessão de crédito rural, financiamento de habi-
tação e saneamento, bem como na inclusão bancária. As
estatais de energia elétrica foram fortalecidas e voltaram
a ampliar os seus investimentos.
Na previdência social, as mudanças nos critérios de
concessão de aposentadorias e pensões, a contribuição
de aposentados e pensionistas, entre outras medidas, ir-
ritaram muito os servidores públicos, como veremos
mais adiante. Mas a reforma, no essencial, não foi es-
trutural e privatista, como aconteceu em outros países
da América Latina. Foi adotado para os servidores pú-
blicos um modelo de previdência similar ao das esta-
tais: uma previdência pública básica (INSS) até o teto de
R$ 2.801,56; e uma previdência complementar pública,
não-estatal (os fundos de pensão), para a faixa sala-
rial superior a R$ 2.801,56. Esse modelo de previdência
é defendido e sua gestão disputada nas estatais por to-
das as correntes sindicais, sejam elas vinculadas: ao PT
(Partido dos Trabalhadores), ao PCdoB (Partido Comu-
nista do Brasil), ao PSTU (Partido Socialista dos Traba-

24
JOSÉ PRATA ARAÚJO

lhadores Unificado),
ao PSOL (Partido So-
cialismo e Liberda-
de), ao PCO (Partido
da Causa Operária)
etc. Sobre a nature-
za dos fundos de
pensão, acreditamos
que não há dúvida: se
o patrocinador será o
governo, se os parti-
cipantes serão servidores públicos e se a gestão será pú-
blica, tais fundos serão públicos, ainda que não estatais.
Vale ressaltar também que, na reforma da previdência, o
governo Lula propôs que o Seguro de Acidentes do Tra-
balho (SAT) fosse um monopólio do INSS, o que não passou
devido às articulações da oposição – PFL e PSDB.
Tem razão o economista José Roberto Mendonça de
Barros ao dizer que, no governo Lula, além da suspen-
são das privatizações de empresas estratégicas, a orien-
tação geral é mais Estado, mais funcionários, menos
terceirização, menos agências reguladoras, mais poder
para os ministérios. Veja na tabela 2 a evolução do nú-
mero de servidores federais de 2002 a 2005. Em 1995
eram 1.033.548 os servidores dos três poderes (civis e
militares do Poder Executivo, e servidores dos poderes
Legislativo e Judiciário) e em 2002 o número tinha sido
reduzido para 912.192. Já no governo Lula, o serviço
público voltou a ser fortalecido e o número de servido-

25
CONCEPÇÃO DE ESTADO

res subiu para 984.364 em novembro de 2005, com


72.172 novas contratações, e, até o final de 2006, com
outros concursos públicos, novos servidores serão con-
tratados. E isso sem falar das novas admissões nas es-
tatais federais. Dessa forma, a terceirização vem per-
dendo força na máquina pública federal. Essa expansão
da contratação de servidores foi considerada pelo ex-
ministro do Planejamento, Martus Tavares, uma “herança
supermaldita” do governo Lula, em entrevista ao jornal
Valor Econômico, porque se deu através de concurso
público, não podendo ser revertida8. No caso das agên-
cias reguladoras, seu poder vem sendo reduzido, ao pas-
so que muitas decisões cruciais para o desenvolvimento
do país voltaram para o controle dos ministérios, como o
de Minas e Energia, por exemplo.

CONCEPÇÃO DE ESTADO E ELEIÇÕES DE 2006

A oposição liberal-conservadora – PSDB e PFL – já


está com o discurso afiado para as eleições de 2006:
fará uma campanha baseada na defesa da ética na po-
lítica; da eficiência da máquina governamental; e da re-
tomada forte do crescimento da economia. Somente o
apoio maciço do empresariado e a violenta blindagem
da mídia explicam como os tucanos e os pefelistas man-
têm intocada a fama nessas três áreas. Na verdade, os
argumentos dos tucanos e dos pefelistas não passam de
fumaça para esconder os seus reais objetivos: vencer
as eleições de 2006 para retomar uma agenda neoliberal

26
JOSÉ PRATA ARAÚJO

para o Estado brasileiro, comprometida com a transfe-


rência do que restou de estatais e de serviços públicos
rentáveis para a iniciativa privada.
Os tucanos e os pefelistas estão todos assanhados com
essa perspectiva em 2006. Um dos principais intelectuais
do PSDB, o economista Edmar Bacha, em entrevista publi-
cada no site do partido em dezembro de 2005, abriu o jogo:

“Se os tucanos ganharem a eleição presidencial


de 2006, o Brasil vai passar por um ‘choque de ca-
pitalismo’ na linha que foi proposta pelo então can-
didato presidencial do PSDB, Mário Covas. A gran-
de diferença entre um eventual governo tucano e a
atual gestão petista é que um presidente do PSDB –
seja Serra, Alckmin, Aécio, Tasso – vai assumir que
o país precisa passar por uma nova rodada de re-
formas em áreas como setor fiscal, Previdência,
mercado de trabalho, estrutura tributária etc., sem
se preocupar em ser chamado de neoliberal. Os
petistas mantiveram a política econômica de curto
prazo (regime cambial, metas de inflação, superávits
primários), mas, no que diz respeito ao longo prazo
e ao estímulo aos investimentos, em temas como
marco regulatório, privatizações e concessões, os
preconceitos ideológicos aliaram-se à ineficiência
administrativa para produzir uma total paralisia”9.

Como se vê, o que Edmar Bacha propõe não é um


“choque de capitalismo” – até porque o Brasil já é um

27
CONCEPÇÃO DE ESTADO

país capitalista; o que ele defende, em verdade, é um


“choque de neoliberalismo”.
Outros economistas, partidos e instituições próximos
aos tucanos também defendem uma privatização selva-
gem. A economista Eliana Cardoso defendeu aberta-
mente a privatização do Banco do Brasil e da Caixa
Econômica Federal:

“A privatização do BB e da Caixa Econômica é me-


dida indispensável à transparência dos orçamentos
do governo e à estabilidade financeira, pois bancos
estatais representam empecilhos ao crescimento
sustentado. Gerentes de bancos privados direcionam
empréstimos aos setores mais competitivos, em que
não existe a intromissão do governo”10.

O diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Interna-


cional), Rodrigo de Rato, defendeu que o governo bra-
sileiro deveria colocar no topo de suas prioridades o
fim do crédito direcionado para habitação e agricultu-
ra e os empréstimos do BNDES, o que, na prática, leva-
ria à privatização do BB, da Caixa Econômica Federal
e do BNDES. O economista Sérgio Werlang defende que
“o governo reduza o seu tamanho e as privatizações
das ainda inúmeras empresas públicas deveria ter con-
tinuidade e mesmo ser acelerada”11. O economista
Gabriel Palma defendeu: “Outra coisa é que o Brasil
tem ativos muito grandes, como a Petrobrás e Itaipu,
que poderiam ser vendidos para o abatimento dessa

28
JOSÉ PRATA ARAÚJO

dívida interna”12. O programa de refundação do PFL


indica claramente a proposta de privatização da previ-
dência: “Criar uma nova Previdência, mediante a ado-
ção de novas regras, tecnicamente equilibradas, apli-
cáveis aos entrantes no mercado, após sua publica-
ção”. Essa forma de privatização da previdência teria
um pequeno impacto fiscal no curto prazo, mas no médio
prazo – próximos 15 a 20 anos – seria uma enorme
bomba relógio para os futuros governos. Na questão
trabalhista, trata-se, para tucanos e pefelistas, de reto-
mar a proposta de ampla precarização dos direitos tra-
balhistas, como veremos mais adiante.

Síntese
✔ Quem melhor expressou as diferenças entre Lula e
FHC na concepção de Estado foi o economista tu-
cano José Roberto Mendonça de Barros: “A gran-
de diferença geral que há entre as duas administra-
ções é a concepção de Estado. No governo FHC a
concepção era de um Estado menor, mais regula-
dor, voltado para os gastos prioritários na área so-
cial, privatizando, concedendo e terceirizando. No
caso do governo Lula, até agora a orientação geral
é mais Estado, mais funcionários, menos tercei-
rização, menos privatização, menos capital priva-
do, menos agências reguladoras, mais poder para
os ministérios”.
✔ Fernando Henrique adotou o Plano Diretor da Re-
forma do Estado, em que propugnava a privatização
de todas as estatais e dos serviços públicos não

29
CONCEPÇÃO DE ESTADO

“exclusivos de Estado”. FHC privatizou dezenas de


empresas nas áreas de telefonia, bancos, minera-
ção, siderurgia, energia elétrica, saneamento bási-
co etc. por US$ 105 bilhões.
✔ Um exemplo representativo da privatização tucana
é a Vale do Rio Doce: seu valor de mercado no final
de 2005 era 15 vezes maior do que o valor de quan-
do ela foi vendida em 1997. Naquele ano, o governo
federal vendeu as ações que detinha por R$ 3,338
bilhões, o que equivalia a 41,73% do valor da em-
presa, que era de R$ 8 bilhões. No final de 2005, a
Consultoria Global Invest estimou o valor da Vale
do Rio Doce na Bolsa de Valores em US$ 55,5
bilhões, o que equivalia a R$ 122 bilhões. Assim,
as ações pertencentes à União vendidas por R$
3,338 bilhões em 1997 passaram a valer R$ 50,910
bilhões em 2005.
✔ Fernando Henrique jogou pesado na privatização
dos serviços públicos através das chamadas Orga-
nizações Sociais. Só não privatizou a previdência
social, como queriam os empresários, porque o
Brasil quebrou e não pôde financiar a transição do
sistema público para o privado.
✔ O governo Lula suspendeu o programa de
privatização das estatais estratégicas – Petrobrás,
Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES,
Furnas, Itaipu, Eletrosul, Eletronorte, Correios,
Infraero etc. Lula preservou a Petrobrás e agora,
com justa razão, apresentou à nação uma realiza-
ção histórica da empresa: a auto-suficiência do
Brasil em petróleo.
✔ O governo FHC reduziu o número de servidores fede-
rais dos três poderes de 1.033.548 para 912.192,

30
JOSÉ PRATA ARAÚJO

terceirizou muitos serviços públicos, deu poderes


exorbitantes para as agências reguladoras e enfra-
queceu a administração federal. O governo Lula rea-
lizou diversos concursos públicos e aumentou o nú-
mero de servidores federais de 912.192 para 984.364,
realizou novas contratações nas estatais, restringiu
a terceirização e fortaleceu a ação governamental.

31
JOSÉ PRATA ARAÚJO

O BRASIL E OS PAÍSES
“EMERGENTES”

A oposição, à direita e à esquerda, vem utilizando


politicamente a comparação entre o Brasil e outros
países “emergentes” para combater as políticas do
governo Lula. A oposição liberal-conservadora, que em
2002 espalhou o terrorismo econômico – risco do Bra-
sil virar a Venezuela ou a Argentina –, agora, demago-
gicamente, transformou esses dois países em para-
digmas de desenvolvimento de países “emergentes” na
América Latina. A oposição à esquerda também erra
na análise comparativa: desconhece as enormes dife-
renças políticas, econômicas, sociais e culturais entre
o Brasil e demais “emergentes” e as implicações no
ritmo e na qualidade do crescimento econômico. O
Brasil deve realmente adotar algumas políticas de ou-
tros países “emergentes” – juros baixos, taxa de câm-
bio competitiva etc.–, mas não podemos nem devemos
aplicar em nosso país outras “vantagens comparati-
vas” desses países – regimes políticos autoritários,
ausência de liberdade e autonomia sindical, sistemas
de proteção social modestos, desregulamentação am-
pla das relações de trabalho.

33
O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”

A EXPERIÊNCIA DOS TIGRES ASIÁTICOS

O Brasil foi, durante 80 anos – de 1900 a 1980 –, o


país que mais cresceu no planeta. Fomos o tigre do pe-
ríodo. Crescemos a taxas superiores a 5%, com picos
de mais de 10% em pelo menos seis anos no período
analisado. Nos últimos 20 anos, todavia, o Brasil deixou
de crescer de forma sustentada e, literalmente, perdeu
o bonde da história. O desempenho nas décadas perdi-
das de 1980 e 1990 foi estampado na seguinte compa-
ração: em 1992, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil
era de US$ 390 bilhões e chegou a US$ 500 bilhões, em
2003. No mesmo período, o PIB da China saltou de US$
280 bilhões para US$ 1,4 trilhão1. Em 2005, com o cres-
cimento econômico e com a revisão da metodologia de
cálculo do setor de serviços, a economia chinesa deu
um salto no PIB, o que transformou a China na quarta
economia mundial. Esse desempenho econômico mo-
desto do Brasil e os resultados espetaculares da China
e de outros tigres asiáticos têm explicações nas políti-
cas econômicas adotadas pelos países.
Os países asiáticos, pragmaticamente, tiraram partido
da globalização. Expandiram enormemente as exporta-
ções com o aumento do fluxo de comércio internacio-
nal, e, para isso, mantiveram a moeda local relativamen-
te desvalorizada, como forma de compensar a defasa-
gem tecnológica em relação aos países desenvolvidos e
as desigualdades do comércio internacional. Priorizaram
a atração de investimentos estrangeiros produtivos, que

34
JOSÉ PRATA ARAÚJO

expandiram enormemente a capacidade produtiva e se


transformaram em grandes plataformas de exportação
internacional. Acumularam enormes reservas em dólar
e se preveniram contra as crises cambiais nos cenários
turbulentos da “globalização econômica”: a China tem
reservas de US$ 819 bilhões; a Índia de US$ 133 bi-
lhões; a Coréia do Sul de US$ 217 bilhões; Taiwan de
US$ 257 bilhões. Praticam taxas de juros anuais muito
baixas para estimular a economia: China (2,25%), Índia
(6,67%), Coréia do Sul (4,27%), Taiwan (1,65%). Rea-
lizaram também grandes investimentos em educação e
ciência e tecnologia, o que possibilitou a disputa de pro-
dutos de maior valor agregado. Os tigres asiáticos tive-
ram altas taxas de investimento, o que garantiu cresci-
mento robusto com inflação baixa: China (1,9%), Coréia
do Sul (2,8%), Índia (5,6%), Taiwan (2,7%). A China
desmonta as teses neoliberais, que debitam a estagna-
ção econômica à presença estatal na economia, e, com
formas de propriedade mista – estatal e privada –, vem
liderando o crescimento mundial2.
Esse conjunto de políticas contribuiu, em grande medi-
da, para taxas de crescimento espetaculares dos tigres
asiáticos nos últimos 25 anos. Dados divulgados pelo
empresário Benjamin Steinbruch, no artigo “Lanterninhas
do crescimento”3, citando fontes do FMI, indicam que de
1980 a 2005 os tigres asiáticos tiveram o seguinte cresci-
mento acumulado: China (862,8%), Vietnã (420,8%),
Coréia do Sul (421,7%), Taiwan (357,7%), Malásia (344%),
Índia (306,2%), Indonésia (217,3%). No mesmo período,

35
O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”

o Japão cresceu bem menos, em torno de 77,4%, mas,


mesmo estagnado há mais de dez anos, este país conti-
nua como a segunda grande potência econômica mun-
dial, com PIB de US$ 4,6 trilhões. Com altos índices de
crescimento econômico, os países asiáticos estão
alavancando o crescimento da economia mundial; finan-
ciam, com seus enormes superávits, os déficits dos paí-
ses desenvolvidos como os Estados Unidos; e geram cres-
cimento expressivo do PIB per capita e reduzem a misé-
ria de suas populações. Mas, como veremos a seguir, al-
gumas “vantagens comparativas” dos tigres asiáticos são
indefensáveis e não servem de modelo para o Brasil.

O QUE NÃO DEVE SER COPIADO DOS ASIÁTICOS


Os países asiáticos, em sua maioria, têm governos
autoritários, e alguns deles, como a China, permitem a
existência apenas de um único partido. São nações, por-
tanto, menos conflituosas politicamente, o que facilita
enormemente o funcionamento da economia. Em geral,
o direito de organização sindical é proibido ou fortemen-
te limitado, o que mantém a mão-de-obra rigidamente
disciplinada, uma “vantagem comparativa” enorme so-
bre outros países onde os trabalhadores possuem liber-
dade e autonomia sindical e conquistas bastante conso-
lidadas, como é o caso dos países europeus e, em certa
medida, também do Brasil. São experiências que não
podemos nem devemos copiar. Por mais que a oposição
liberal-conservadora desestabilize e tente golpear a es-

36
JOSÉ PRATA ARAÚJO

querda, ninguém com tradição democrática irá propor o


fim do pluripartidarismo e da rotatividade de poder efe-
tivada nas diversas eleições. No Brasil, não aceitamos
também as restrições à liberdade e à autonomia sindi-
cais. O que queremos é ampliá-las e consolidá-las onde
são mais necessárias: nos locais de trabalho.
O modelo de relações de trabalho dos países asiáticos
é também indefensável no Brasil. Esse modelo é hoje a
referência internacional do neoliberalismo. José Pastore,
consultor ultraliberal ligado ao grande empresariado bra-
sileiro, tem no modelo dos tigres asiáticos o principal
paradigma. Numa análise comparativa das relações de
trabalho nos diversos países, ele afirmou:

“Na Europa, o problema tem sido ainda mais gra-


ve. A parcela da mão-de-obra atrelada a contratos
coletivos é muito grande e atinge praticamente to-
dos os setores estratégicos. Tais contratos têm se
revelado demasiadamente rígidos para acompanhar
o aumento de competitividade internacional, a
flexibilização da tecnologia e a necessidade de se
praticar formas de contratação e de remuneração
mais baseadas nos resultados do que no tempo tra-
balhado. Essa rigidez contratual de um sistema dito
negocial passa a ser tão perniciosa quanto a infle-
xibilidade da lei nos sistemas estatutários”4.

O sistema estadunidense é elogiado por não garantir


quase nenhuma proteção, nem mesmo contratual:

37
O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”

“Como se sabe, nos Estados Unidos apenas 14%


da mão-de-obra é sindicalizada e o sindicalismo
está em franco declínio. Oitenta e seis por cento
dos americanos são recrutados diretamente pelas
empresas, sem nenhum tipo de contrato – coleti-
vo ou individual”5.

Indo ainda mais longe, José Pastore se fixa no modelo


do Japão e tigres asiáticos:

“Enquanto a rigidez contratual acontece parcial-


mente nos Estados Unidos e extensamente na Eu-
ropa, o Japão e os Tigres Asiáticos vão contratan-
do mão-de-obra e terceirizando as atividades com a
máxima flexibilidade, viabilizando um ajuste rápido
às novas tecnologias e permitindo a conquista de
parcelas significativas do mercado internacional”6.

Esse modelo de relações de trabalho, combinado com


graves restrições à liberdade e à autonomia sindicais,
permite que empresas se transfiram para a Ásia e pra-
tiquem salários miseráveis de US$ 30 mensais. É esse
modelo dos tigres asiáticos e também dos Estados Uni-
dos que o consultor José Pastore, com amplo apoio do
empresariado, quer que seja implementado no Brasil:

“As novas condições econômicas determinadas


pela revolução tecnológica, pelo aumento da com-
petição mundial e pela recorrência da recessão vêm

38
JOSÉ PRATA ARAÚJO

demonstrando estímulos para uma redução da le-


gislação sobre o mercado de trabalho e ênfase na
negociação e contratação por empresa – desesti-
mulando-se com isso os contratos rígidos e irreais
negociados por setor, e, muito menos, no nível na-
cional. Se as partes desejam realmente a instituição
do contrato coletivo de trabalho, este terá mais fun-
cionalidade na medida em que for descentralizado
e baseado em negociações realmente livres a nível
da empresa – com pouca legislação e sem a interfe-
rência da Justiça do Trabalho”7.

Outra “vantagem competitiva” dos tigres asiáticos é


a sua baixa carga tributária, que varia entre 15% a 20%
do PIB. Isso acontece porque, na maioria desses países,
não foi implantado um Estado social que elevasse, de
forma expressiva, os custos do Estado, sobretudo com
seguridade social – aposentadoria, pensão, outros bene-
fícios previdenciários, saúde pública, assistência social,
seguro-desemprego. Em muitos países asiáticos, os cus-
tos com a velhice, a morte, a invalidez, a maternidade, o
desemprego, a doença, o acidente são, como no velho
Estado liberal, suportados pelos familiares, sem uma
presença expressiva do Estado. Para os neoliberais, a
previdência é o bode expiatório do baixo crescimento
brasileiro. O ex-ministro Maílson da Nóbrega, em en-
trevista ao canal de TV Globonews, afirmou que nosso
grande problema é que o Brasil gasta 12% do PIB com
previdência e a Coréia do Sul gasta apenas 1,8%. Fábio

39
O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”

Giambiagi, do IPEA, afirmou que, enquanto a China gas-


ta 3% do PIB anual com previdência social, o Brasil es-
taria gastando 13% e isto explicaria, em grande medida,
as disparidades no crescimento econômico dos dois pa-
íses. O economista Thomás Tosta de Sá afirmou que
“os países asiáticos, que maravilham o mundo com suas
fantásticas taxas de crescimento econômico, não têm
previdência oficial; em contrapartida, a taxa de poupan-
ça de suas economias supera os 35% do PIB”8.
Os economistas Caio Megale e Luiz Fernando
Figueiredo, sócios da Mauá Investimentos, resumem a
crítica neoliberal ao modelo social vigente no Brasil:
optamos pelo modelo mais próximo ao bem-estar social
europeu do que aquele fundado no liberalismo macroeco-
nômico, nos moldes dos tigres asiáticos. Tomando como
ponto de partida da análise o crescimento de 2005, eles
concluíram o seguinte:

“O crescimento medíocre de 2005 tem explicações


conjunturais e estruturais. A explicação conjuntural
passa pelo fato de termos crescido abaixo do nível
considerado ‘potencial’ para nossa economia, que
se estima em torno de 3,5%. O problema estrutural
é que, mesmo se estivéssemos no potencial, ainda
é um nível extremamente baixo quando comparado
ao dos demais países emergentes [...] Mesmo com
superávit fiscal, nossa poupança doméstica conti-
nua espremida por gastos públicos gigantescos de
40% do PIB, enquanto nossos pares emergentes

40
JOSÉ PRATA ARAÚJO

gastam [algo] próximo a 25% do PIB. Para financiar


esses gastos, taxamos outros 40% do PIB, semean-
do ineficiência no setor produtivo doméstico [...]
Esse quadro é resultado de escolhas que o país vem
fazendo ao longo do tempo, mais intensivamente a
partir da Constituição de 1988. As decisões no cam-
po da Previdência Social, da legislação trabalhista,
dos gastos públicos, da abertura econômica, foram,
em sua maioria, na direção de um Estado assisten-
cialista, paternalista, desincentivando o avanço dos
ganhos de eficiência e, conseqüentemente, da pro-
dutividade. Ou seja, optamos por adotar um mode-
lo mais próximo do ‘bem-estar social’ europeu do
que aquele fundado no liberalismo macroeco-
nômico, nos moldes dos países asiáticos campeões
de crescimento do mundo moderno”9.

Não podemos aceitar este modelo de desproteção


social no Brasil.

O CONTEXTO LATINO-AMERICANO

Na economia, ao contrário dos tigres asiáticos, os paí-


ses da América Latina adotaram políticas que aumen-
taram dramaticamente a vulnerabilidade externa e in-
terna da economia. Depois de processos de hiperinflação,
alguns países da região – como a Argentina e Brasil –
adotaram a chamada “âncora cambial”, que, se teve
algum sucesso no combate à inflação, implicou perdas

41
O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”

econômicas dramáticas. Brasil e Argentina adotaram


uma mistura explosiva: realizaram aberturas comerciais
sem contrapartida dos países ricos, o que favoreceu
enormemente as importações, e valorizaram as moedas
locais, o que fez inibir as exportações, e, por isso, passa-
ram a conviver com déficits comerciais expressivos e
déficits no balanço de transações correntes. Os dois
países, sem reservas internacionais significativas, sucum-
biram diversas vezes às crises cambiais. Com a dola-
rização das dívidas internas, no momento do fim da ân-
cora cambial, tais dívidas deram um enorme salto. Para
cobrir o rombo nas contas externas e conter a descon-
fiança na capacidade de pagamento da dívida interna,
foram adotadas taxas de juros elevadíssimas, que só fi-
zeram ampliar a vulnerabilidade de suas economias, além
do impacto negativo no crescimento econômico e na
geração de empregos. Presos aos compromissos com
bancos e organismos financeiros internacionais, os paí-
ses latino-americanos, ao contrário dos tigres asiáticos,
não colocaram como prioridade a atração de investi-
mentos produtivos, mas a de capitais financeiros para
cobrir suas dívidas. Na economia, portanto, a herança
do neoliberalismo – de valorização das moedas locais,
de juros altos, de endividamento interno – deixou uma
situação de terra arrasada.
Na América Latina não temos exemplos consolida-
dos de países que, pelo crescimento sustentado e conti-
nuado, possam ser comparados aos tigres asiáticos. No
artigo citado do empresário Benjamin Steinbruch, o cres-

42
JOSÉ PRATA ARAÚJO

cimento do PIB acumulado pelas três principais econo-


mias latino-americanas nos últimos 25 anos, de 1980 a
2004, é pífio: México (87%), Brasil (71,6%) e Argenti-
na (43,9%). Mesmo o crescimento expressivo de algu-
mas economias latino-americanas nos anos recentes está
longe de ser sustentado, baseado em estruturas econô-
micas diversificadas e competitivas e com elevado grau
de investimento.
Numa análise comparativa entre países latino-ameri-
canos, tomando como referência o período de 1999 a 2005,
o crescimento econômico foi muito baixo em todos eles.
A referência retroativa a 1999 não é arbitrária, foi quan-
do o neoliberalismo entrou em forte crise na região. Veja
a tabela 1. Como se vê, o crescimento médio no período
foi de 2,3% no Brasil; 1,5%, na Venezuela; 1,1%, na Ar-
gentina; 3,5%, no Chile; 2,8%, no México; e de 0,4%, no
Uruguai. Argentina, Venezuela e Uruguai enfrentaram
graves recessões econômicas (crescimento negativo do
PIB) no período e somente em 2004 voltaram a ter o PIB
de 1998. Foram seis anos de crescimento zero e isto não
pode ser esque-
cido em nenhu-
ma análise com-
parativa do Bra-
sil com esses
“emergentes”.
Fica claro que
o grande cresci-
mento recente

43
O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”

da Argentina e da Venezuela foi impulsionado, em boa


medida, pela capacidade ociosa gigantesca da econo-
mia, resultado de fortes recessões enfrentadas pelos dois
países e pela disparada do preço do petróleo, no caso da
Venezuela. Capacidade ociosa significa que se pode ter
altas taxas de crescimento sem necessidade de novos
investimentos, ou seja, a produção pode ser aumentada
com a capacidade já instalada. São evidentes os garga-
los para o crescimento sustentado das duas economias:
pressão inflacionária, com inflação de dois dígitos nos
dois países; baixo nível de investimento para sustentar a
expansão da economia; estruturas produtivas pouco
diversificadas, o que torna especialmente a Venezuela
fortemente dependente do preço do petróleo; desem-
prego ainda elevado, superior a 12%, e empobrecimen-
to da população depois de anos de recessão econômica;
sucateamento da infra-estrutura para o crescimento
econômico etc.
É necessário, entretanto, reconhecer que o crescimento
recente da Argentina e da Venezuela não está ligado
apenas à enorme capacidade ociosa existente na eco-
nomia dos dois países. Ele está assentado também em
políticas que deveriam ser seguidas pelo Brasil para
acelerar o nosso crescimento econômico. Os dois paí-
ses praticam taxas de juros anuais muito baixas: 8,5%
na Argentina e 10,4% na Venezuela. Nos dois casos a
taxa de juro real, descontada a inflação, é negativa. A
Argentina não abre mão de manter uma taxa de câmbio
competitiva para favorecer as exportações, e, para isso,

44
JOSÉ PRATA ARAÚJO

realiza uma agressiva política de compra de dólares para


recomposição das reservas internacionais e adota o con-
trole da entrada de capitais como forma de evitar a va-
lorização da moeda local.
Finalmente, algumas palavras sobre o elogiado pro-
cesso de renegociação da dívida pública da Argentina,
que implicou, para a sua maior parcela, descontos de
até 75% do valor devido. O país saiu da moratória,
mas seu endividamento não deixa de ser muito
preocupante, em torno de 80% do PIB, muito superior
ainda à dívida pública brasileira, de 52% do PIB. O go-
verno argentino vem praticando um superávit primário
de 4% do PIB para pagamento da dívida pública. Ver-
dade que esse superávit é percentualmente menor do
que o do Brasil, mas, considerando a reduzida carga
tributária da Argentina, o percentual de recursos pú-
blicos para pagamento da dívida é maior do que em
nosso país. Explicando melhor: 4% de superávit num
país com carga tributária de 23% do PIB, como na Ar-
gentina, significa economizar 17,4% dos impostos ar-
recadados para pagamento da dívida pública; ao passo
que o superávit de 4,8% do PIB existente no Brasil, que
tem carga tributária de 37%, significa economizar 13%
dos impostos para o pagamento da dívida pública. A
política fiscal da Argentina é melhor do que a do Bra-
sil, não exatamente na questão do superávit primário,
que é também elevado, mas no custo da rolagem da
dívida pública, que é mais baixo devido à taxa de juros
baixa praticada no país, que, além de reduzir os encar-

45
O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”

gos da dívida, favorece o crescimento econômico e o


aumento da receita. Até onde temos informações, o
superávit de 4% do PIB da Argentina tem sido sufi-
ciente para cobrir todas as despesas, inclusive com os
juros da dívida pública, o que significa déficit fiscal zero,
como é proposto no Brasil por Delfim Netto.

O ESTADO NA AMÉRICA LATINA

A América Latina, com governos fortemente influen-


ciados pelos Estados Unidos e por organismos financei-
ros internacionais, foi um dos principais laboratórios do
neoliberalismo no mundo. No Chile, em 1981, antes das
reformas liberais de Ronald Reagan e Margareth
Tatcher, sob o comando do general Augusto Pinochet,
foi implantado um exemplo acabado de reforma
neoliberal: a privatização da seguridade social (previ-
dência e saúde). Em grande parte da América Latina,
além da implementação do modelo chileno de priva-
tização da previdência, da saúde e de outros serviços
sociais, foi implementado um amplo programa de pri-
vatização de empresas estatais estratégicas nas áreas
de petróleo, energia elétrica, mineração, bancos, side-
rurgias, telefonia, transportes ferroviários, serviços de
saneamento básico etc. Na região, o aparelho estatal
foi amplamente desmantelado e hoje a carga tributária
para a sua manutenção, à exceção do Brasil, está na
faixa de 15% a pouco mais de 20% do PIB. Nem mesmo
nos Estados Unidos a experiência liberal foi tão longe:

46
JOSÉ PRATA ARAÚJO

lá a carga tributária continua na faixa dos 30% do PIB e


o Estado mantém uma presença ainda importante na
prestação de serviços públicos, como previdência so-
cial, assistência social, educação e saúde, ainda que
conveniada com o setor privado.
O economista estadunidense Carmelo Mesa-Largo
afirma que a reforma estrutural da previdência social
em oito países da América Latina – Argentina, Bolívia,
Chile, Colômbia, El Salvador, México, Peru e Uruguai –
deveria servir de paradigma mundial para a privatização
da seguridade social. Diz ele:

“Nesta área crucial, a América Latina vem acumu-


lando uma vasta experiência ao longo dos últimos
dezesseis anos, dado que oito países da região vêm
implementando diversas reformas de caráter estru-
tural em seus sistemas previdenciários. No passa-
do, a América Latina copiava os modelos dos paí-
ses desenvolvidos; agora estes podem aprender e
estão aprendendo com a rica, variada e pioneira
experiência latino-americana neste campo, a partir
de suas conquistas, de seus equívocos e das difi-
culdades ainda existentes”10.

Veja que vergonha: no passado de implantação das


conquistas sociais, a América Latina chegou atrasada;
mas quando se tratou de extinguir tais conquistas os
governos da região estiveram na vanguarda. Vanguar-
da do atraso!

47
O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”

São características do modelo chileno de privatização


da seguridade social, que se espalhou por outros países
da América Latina: a) somente os trabalhadores cus-
teiam a previdência e a saúde, deixando a proteção so-
cial por conta e risco de cada trabalhador isoladamente,
o que não é praticado nem mesmo no liberal Estados
Unidos; b) previdência e saúde são programas priva-
dos, mas compulsórios, em que a capacidade tributária,
que deveria ser exclusividade do Estado, foi estendida
ao setor privado. É algo parecido com o seguro DPVAT
(Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores
de Via Terrestre) no Brasil: privado e obrigatório; c) o
monumental passivo da privatização da previdência foi
estatizado (estoque de aposentadorias e pensões já con-
cedidas e devolução das contribuições dos trabalhado-
res ainda em atividade efetuadas ao sistema público de
previdência), o que foi uma das principais causas da
falência do Estado na Argentina.
Além dos aspectos econômicos, fiscais e jurídicos, o
modelo chileno é altamente questionável do ponto de
vista ético. A privatização da previdência social é uma
das maiores rupturas sociais modernas. Veja o que dis-
se Júlio Bustamante, chefão da previdência privada chi-
lena, numa palestra em Brasília, em 1993:

“A curva de despesas começa a descer porque –


perdoem-me dizer assim tão friamente – começam a
morrer os antigos pensionistas do sistema, de tal
maneira que o Estado vai eliminando a sua carga.

48
JOSÉ PRATA ARAÚJO

Assim, nossos cálculos mostram que, daqui a 15 anos,


praticamente 1 milhão de aposentados desaparecerão,
chegando a 20% do que são atualmente”11.

Assim, a previdência privada só se consolida com a


morte de todos os aposentados e pensionistas da pre-
vidência pública, que representam o passivo indesejado
do Estado no processo de transição. A previdência,
que é um pacto de vida, com a privatização vira um
pacto de morte.
Se o Estado latino-americano não mais atua na prote-
ção social de seus cidadãos, se não está mais presente
na economia nos setores estratégicos, para que serve o
Estado do ponto de vista da maioria da população? Tra-
ta-se do Estado dos sonhos dos neoliberais: enxuto e sus-
tentado por uma pequena carga tributária, o que, devido
às resistências populares, não conseguiram implantar ple-
namente em quase nenhum país desenvolvido.
Na questão do Estado, portanto, o Brasil não tem qua-
se nada a copiar dos demais países emergentes, espe-
cialmente os da América Latina. Muito pelo contrário, o
Brasil é um dos poucos países emergentes onde sobrou
algum vestígio do Estado social e desenvolvimentista.
Análises comparativas do Brasil com outros países
“emergentes” que tomem como parâmetro apenas a
questão da taxa de juros e a do superávit primário são
uma aposta perigosa na desinformação e no retrocesso.
Deduzidos os gastos com juros, o Brasil tem um Estado
quase duas vezes maior do que a maioria dos Estados

49
O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”

latino-americanos. A Argentina, com uma carga tribu-


tária de 23% do PIB, deduzido o superávit primário de
4% do PIB, tem gastos sociais e na infra-estrutura de
19% do PIB; enquanto o Brasil, com carga tributária de
37%, deduzido o superávit primário de 4,8%, tem gastos
com políticas sociais e infra-estrutura de 32,2% do PIB.
Aqui, o neoliberalismo é um projeto inconcluso por uma
série de razões – atrasamos a sua aplicação com o
impeachment do ex-presidente Fernando Collor; diver-
sas organizações populares e partidárias, ao contrário
de outros países latino-americanos, se opuseram ao
desmantelamento do Estado; a crise fiscal do Estado
dificultou a privatização de diversos serviços públicos,
como a previdência. Só nosso sistema de proteção so-
cial – previdência (aposentadoria, pensão etc.); saúde,
assistência social (bolsa família, benefício de prestação
continuada etc.), benefícios vinculados ao Ministério do
Trabalho (seguro-desemprego e abono salarial) – ga-
rante benefícios superiores a R$ 300 bilhões por ano. É
absurda a comparação que se faz no Brasil do porte da
previdência pública e privada. Esta comparação, em
geral, é feita da seguinte forma: a receita anual da pre-
vidência pública (INSS e regime dos servidores) e a re-
ceita histórica dos fundos privados desde 1977. Quando
comparadas as receitas, ano a ano, fica claro que, mes-
mo com o crescimento da previdência privada, ela re-
presenta ainda um percentual pequeno do sistema
previdenciário. Ainda assim, os grandes fundos são pú-
blicos, ligados às empresas estatais. Não têm cabimen-

50
JOSÉ PRATA ARAÚJO

to também afirmações de que o programa Bolsa Famí-


lia é uma receita do Banco Mundial. Na América Lati-
na programas desse tipo visaram substituir o sistema
público de proteção social; aqui no Brasil, trata-se ape-
nas de um programa complementar a um sistema de
proteção social bastante amplo mantido pelo Estado, que
representa em torno de 17% do PIB, ou seja, do tama-
nho do Estado mexicano em termos percentuais.
Além disso, o Estado brasileiro tem uma forte presen-
ça em outros serviços públicos, como educação, segu-
rança etc.; além de manter em lei uma ampla legislação
trabalhista. E mesmo com a privatização de cerca de
12% do PIB nos governos Itamar Franco e Fernando
Henrique o Estado brasileiro tem ainda empresas estra-
tégicas nas seguintes áreas: petróleo, bancos, energia
elétrica, correios, portos e aeroportos, saneamento bá-
sico etc. Vale ressaltar que um dos pontos centrais da
plataforma do presidente Evo Morales, na Bolívia, é a
estatização do petróleo e do gás, o que em nosso país já
é garantido pela Petrobrás, uma empresa de economia
mista que é um símbolo nacional.
Um dos grandes entraves ao neoliberalismo no Brasil
é o tamanho do Estado, considerado ainda muito
intervencionista. O presidente do grupo Arcelor, gigan-
te mundial da siderurgia, Guy Dolé, afirma que a em-
presa vem engavetando alguns investimentos no Brasil
devido à alta carga tributária: “Hoje, é quase tão caro
investir no Brasil quanto na Europa. Isso não pode con-
tinuar porque, caso contrário, as empresas não vão in-

51
O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”

vestir no país”12. O economista Adauto Lima, ligado ao


mercado financeiro, afirma que um dos fatores que aju-
daram na recuperação da Argentina foi a menor carga
tributária, que lá é de 23% do PIB, contra 37% no Brasil:
“Lá, o setor público não retira renda disponível na socie-
dade na [mesma] proporção que no Brasil, o que permi-
tiu que as empresas se recuperassem com recursos pró-
prios”13. A diferença de carga tributária entre o Brasil e
os demais países emergentes deve-se, em grande medi-
da, aos custos do sistema de proteção social que temos
em nosso país, que foi privatizado e existe de forma
mínima nos demais países. Portanto, reduzir a carga tri-
butária com a privatização do sistema de proteção so-
cial não é uma política aceitável para ser aplicada no
Brasil. Como se vê, uma análise comparativa do Brasil
com outros países “emergentes” apenas na política ma-
croeconômica, como é realizada por muitos economis-
tas e correntes de esquerda, acaba jogando água no
moinho do neoliberalismo. A agenda da esquerda não
se resume simplesmente aos índices de crescimento
econômico; é, acima de tudo, a agenda da igualdade
social. Neste sentido, os projetos de desenvolvimento
dos tigres asiáticos e dos “emergentes” da América
Latina devem ser analisados com um olhar mais crítico.
E mais: na perspectiva da igualdade social, algumas coi-
sas que ainda temos no Brasil – seguridade social, legis-
lação trabalhista, grandes estatais – são diferenciais fun-
damentais em relação a outros países “emergentes”, e
deveriam ser motivo de orgulho para nós, brasileiros.

52
JOSÉ PRATA ARAÚJO

Síntese
O que devemos copiar dos “emergentes”
✔ Taxas de juros, nominal e real, baixas como forma
de estimular o crescimento econômico, a geração
de emprego e renda, e de reduzir a dívida pública.
✔ Manutenção da taxa de câmbio competitiva, através
de diversas medidas, mantendo a moeda local rela-
tivamente desvalorizada, como forma de expandir as
exportações e compensar, em parte, as desigualda-
des tecnológicas com os países desenvolvidos e
aquelas existentes no comércio internacional.
✔ Prioridade absoluta para a atração de investimen-
tos produtivos, que gerem emprego, renda, recei-
tas públicas e divisas para o país, e desestímulo à
presença dos capitais especulativos, que valorizam
a moeda local e desestimulam a produção.
✔ Política de aumento expressivo das reservas inter-
nacionais em dólar como forma de o país honrar
seus compromissos externos, ficando assim me-
nos vulnerável às crises cambiais.
✔ Investimento pesado em educação, ciência e
tecnologia para diversificar mais a estrutura produ-
tiva do país, visando a produção de produtos de
maior valor agregado.

O que não devemos copiar dos países “emergentes”


✔ Adoção de regimes políticos autoritários e de limi-
tação da liberdade e da autonomia sindical, como
acontece na Ásia, que reduzem conflitos e facili-
tam a gestão da economia, mas que tolhem a li-
berdade política e os direitos dos trabalhadores.

53
O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”

✔ Redução dos custos do trabalho através da supres-


são e/ou precarização total da legislação trabalhis-
ta. Isso favorece a atração de capitais, mas gera
mais pobreza e desigualdade, como acontece na
maioria dos países emergentes.
✔ Redução drástica da carga tributária para a média
de 20% do PIB, praticada nos países emergentes,
através da privatização do sistema de proteção
social, porque, se isso facilita também a atração
de capitais, pela redução dos custos do trabalho,
gera também mais pobreza e desigualdade.
✔ Pretender que o Brasil seja, como acontece na maio-
ria dos países “emergentes”, simplesmente, uma
plataforma de exportação mundial. O país precisa
crescer com o aumento das exportações, mas tam-
bém com o fortalecimento do mercado interno, e,
para isso, a manutenção das conquistas sociais, a
democratização da propriedade e a distribuição de
renda são fundamentais. Ademais, precisamos apos-
tar também num desenvolvimento sustentável,
minimizando os impactos sobre o meio ambiente.

54
JOSÉ PRATA ARAÚJO

VULNERABILIDADE EXTERNA
DA ECONOMIA

Nestes tempos da chamada globalização da economia,


é fundamental o enfrentamento da questão da vulne-
rabilidade externa. Ou seja, com a abertura comercial e a
desregulamentação dos mercados financeiros, as econo-
mias de diversos países, especialmente dos países “emer-
gentes” e países pobres, ficam constantemente expostas
às crises cambiais e aos ataques especulativos sobre as
moedas locais. Nessas condições, para que o país tenha
um projeto nacional de desenvolvimento com um mínimo
de autonomia, é preciso que as contas externas estejam
equilibradas ou superavitárias, com a drástica redução da
dependência dos capitais especulativos. Nessa questão
estratégica, existe também uma evidente descontinuidade
dos governos Lula e FHC, como veremos a seguir.

ABERTURA, CÂMBIO E TRANSAÇÕES CORRENTES

Nos oito anos de Fernando Henrique, o Brasil quebrou


três vezes: em 1997-1998 (crise asiática e russa), quando
o governo estadunidense montou um grande plano de ajuda
do FMI para salvar o governo às vésperas da eleição; em
2001, quando da crise econômica da Argentina; e em 2002,

55
VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA

quando o terrorismo econômico tucano/pefelista gerou um


enorme estrago na economia, com graves conseqüências
no início do governo Lula. Neste período, o Brasil se trans-
formou no maior devedor do Fundo Monetário Internacio-
nal e recebeu três empréstimos: US$ 14,3 bilhões em 1998;
US$ 17,2 bilhões em 2001; e US$ 26 bilhões em 2002.
Com toda a razão, os partidos de esquerda e os sindicatos
combateram as políticas do FMI para o Brasil. Mas é bom
lembrar que o FMI é causa e conseqüência de nossos pro-
blemas. Ou seja, as políticas do Fundo foram extrema-
mente prejudiciais ao crescimento da economia. Mas o
Brasil só chegou ao Fundo devido aos enormes equívo-
cos da política econômica tucano/pefelista. Como vere-
mos a seguir, a política econômica desequilibrou a balan-
ça comercial e a balança de serviços e rendas, que for-
mam o chamado balanço de transações correntes, princi-
pal indicador da solvência das contas externas do país.
Toda crise da economia no Brasil era, segundo Fer-
nando Henrique, uma conseqüência inevitável da con-
juntura internacional e do processo de globalização. Se
isso fosse verdade, como explicar então que as crises
não tenham atingido na mesma intensidade todos os paí-
ses? Por que alguns quebraram e outros não? O econo-
mista Paulo Nogueira Batista Jr. afirma que as turbu-
lências internacionais impactam mais ou menos os paí-
ses em função do grau de vulnerabilidade de cada um:

“A conclusão que se tira freqüentemente, com a


globalização, é que os países estão à mercê da es-

56
JOSÉ PRATA ARAÚJO

peculação financeira. Não é bem assim. Só os paí-


ses que adotam políticas econômicas temerárias –
temerárias não, vamos usar o adjetivo correto: idio-
tas, como, por exemplo, a Rússia de Ieltsin e o Bra-
sil de FHC – é que ficam submetidos aos caprichos,
humores e interesses dos mercados financeiros in-
ternacionais e outras forças estrangeiras”1.

A política econômica do trio FHC/Pedro Malan/


Gustavo Franco, de 1995 a 1999, se baseou numa com-
binação explosiva: abertura comercial sem contra-
partida e forte valorização do câmbio (paridade real/
dólar). A abertura comercial foi realizada segundo os
interesses dos países desenvolvidos naqueles itens em
que são competitivos (na indústria e no setor de servi-
ços); já nos produtos agrícolas, em que os chamados
países emergentes, como é caso do Brasil, são mais
competitivos, foram mantidas diversas barreiras comer-
ciais pelos países desenvolvidos (subsídios agrícolas,
barreiras sanitárias, taxas diferenciadas etc.). De ou-
tro lado, a paridade cambial real/dólar encareceu nos-
sas exportações e barateou as importações realizadas
pelo Brasil. Resultado dessa loucura: o superávit co-
mercial do Brasil (exportações menos importações) foi
rapidamente transformado em déficit comercial. Veja
a tabela1. Como se vê, Fernando Henrique herdou uma
balança comercial com superávit de US$ 10,466 bi-
lhões em 1994, mas no seu primeiro ano de governo

57
VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA

houve uma reversão do


quadro positivo e o dé-
ficit atingiu US$ 3,466
bilhões. Os resultados
negativos se prolonga-
ram até o ano 2000 e
somente em 2001,
como conseqüência do
fim da paridade cam-
bial, a balança comer-
cial brasileira saiu do vermelho.
Com isso, a economia brasileira foi colocada, cons-
cientemente, pelo tucanato numa situação de enorme
vulnerabilidade.

O que é o balanço de transações correntes

A vulnerabilidade externa
de um país se mede
pelo balanço de transa-
pamentos e outros itens),
que é sempre deficitária
porque o Brasil não é um
ções correntes, composto grande credor internacional
pela balança comercial para receber juros, nem
(exportações e importa- possui multinacionais para
ções), de que tratamos an- remeter lucros e dividendos
teriormente; pela balança para nosso país; e pelas
de serviços e rendas (juros, transferências unilaterais
lucros e dividendos, via- (dinheiro que é enviado ou
gens internacionais, trans- recebido pelo país de for-
portes, seguros, computa- ma espontânea, como no
ção e informação, royalties caso dos brasileiros resi-
e licenças, aluguel de equi- dentes no exterior).

58
JOSÉ PRATA ARAÚJO

Como o Brasil passou a ser


deficitário na balança comer-
cial, única forma na atualidade
de equacionar suas contas exter-
nas, o déficit em transações cor-
rentes disparou na gestão de
Fernando Henrique. Em 1994, o
Brasil apresentou um pequeno
déficit no balanço de transações
correntes de US$ 1,811 bilhão;
já nos anos seguintes o déficit
disparou, chegando ao seu maior valor em 1998, com US$
33,416 bilhões. Veja a tabela 2. Depois da desvalorização
do real, o déficit caiu aos poucos e o Brasil demorou qua-
tro anos para equilibrar suas contas externas. Essa é a
grande obra de FHC: nos oito anos de governo, com o
populismo cambial (paridade real/dólar), abriu um rombo
de US$ 188 bilhões nas contas externas do Brasil. Como
veremos a seguir, toda a política econômica de FHC/Malan
ao longo de quase uma década foi para tentar financiar
esse enorme rombo, sendo que as medidas tomadas não
reverteram o quadro, pelo contrário, transformaram o
Brasil num país ainda mais vulnerável.

DÍVIDA EXTERNA, TÍTULOS CAMBIAIS E A MÍDIA

Na era FHC, a dívida externa teve um enorme cresci-


mento: era de US$ 148,295 bilhões, em 1994; atingiu o
pico em 1998 ao atingir US$ 241,644 bilhões; e fechou

59
VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA

em US$ 210,711 bilhões no final


de 2002. Veja a tabela 3. Esse
aumento do endividamento foi,
sobretudo, privado. Isso acon-
teceu porque era conveniente
tanto para os grandes empre-
sários, principalmente do setor
bancário, como para a política
econômica de FHC. As empre-
sas privadas se endividaram em
dólar porque o câmbio era fixo
e nessa situação vislumbraram a possibilidade de au-
mentar seus investimentos recorrendo a empréstimos
internacionais com taxas de juros bem mais baixas do
que aquelas praticadas internamente. E mais: alguns seg-
mentos se endividaram em dólar para ganhar dinheiro fácil
com a diferença da taxa de juros, ou seja, pegava-se
empréstimo internacional com uma determinada taxa de
juros e aplicavam-se os recursos em títulos do governo
brasileiro a taxas mais altas, embolsando assim a diferen-
ça. Para o governo Fernando Henrique, essa política de
endividamento externo era conveniente porque trazia
dólares para o Brasil cobrir o seu rombo externo.
Esse endividamento externo acabou contaminando a
dívida pública interna. A dívida do governo em reais
sempre teve uma razoável autonomia em relação ao
quadro externo e aos solavancos no câmbio. Fernando
Henrique transformou a dívida interna em mais um fa-
tor de vulnerabilidade externa do país, ao ampliar enor-

60
JOSÉ PRATA ARAÚJO

memente a emissão de títulos cambiais, que chegaram


a representar ao final de seu governo 37% do endivida-
mento público. Essa dolarização da dívida interna foi
uma espécie de estatização da dívida externa. Ou seja,
grandes empresas e bancos endividados em dólar, para
se protegerem da desvalorização cambial, refugiaram-
se crescentemente em títulos cambiais, jogando parte
da conta da aventura do câmbio fixo para a sociedade.
Parte expressiva do aumento da dívida interna depois
de 1999 foi resultado do ônus representado pelos títulos
cambiais. Por exemplo, uma empresa que devesse US$
1 bilhão até 1999, com o câmbio na relação 1 x 1, devia
em reais também R$ 1 bilhão. Essa dívida, com a rela-
ção real/dólar tendo chegado na faixa de 3 x 1, passou
em reais para R$ 3 bilhões. Aquelas empresas que pos-
suíam títulos cambiais repassaram essa conta para o
governo brasileiro, ou seja, para a sociedade, que assu-
miu o ônus da desvalorização cambial. Esse é mais um
exemplo de um escândalo bilionário, amparado legal-
mente, de transferência de recursos públicos para o se-
tor privado.
É nessa questão que deve ser buscada a explicação
de por que Fernando Henrique manteve uma política
suicida de populismo cambial de 1995 a 1999. Muitos
perguntam-se: como um homem culto e inteligente como
FHC permitiu tamanho desastre? Foram exatamente as
empresas endividadas em dólar que deram sustentação
enquanto puderam à aventura da âncora cambial. Por
um motivo simples: a desvalorização do real aumentaria

61
VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA

na mesma proporção a dívida dessas empresas endivi-


dadas em dólar. Entre essas empresas estavam princi-
palmente bancos, grandes indústrias e, afundadas até o
pescoço em dívidas dolarizadas, grandes grupos de mídia.
As grandes empresas da mídia brasileira – Globo, Abril,
Folha, O Estado de S. Paulo, SBT e RBS – enfrentam uma
crise financeira sem precedentes e acumulam uma dívi-
da de R$ 10 bilhões, sendo 80% em dólar. Ou seja, a
mídia brasileira, contraditoriamente, sustentou a política
econômica e acabou sendo uma de suas principais víti-
mas. Endividou-se em dólar para se modernizar (novos
parques gráficos) e ampliou os negócios em diversas
áreas (novas publicações, TV por assinatura, internet),
mas a população, em especial a classe média, empobre-
cida pela política econômica, não sustentou o cresci-
mento dos negócios. Resultado: alto endividamento em
dólar, que se multiplicou em reais com o fim da paridade
cambial, e receitas em reais em queda, devido à estag-
nação econômica.
Isso explica por que durante os longos anos da gestão
Fernando Henrique não tivemos quase nenhum espaço
na mídia para posições críticas em relação à política
econômica tucano/pefelista. A mídia estava amarrada,
não somente do ponto de vista ideológico, mas tinha tam-
bém os seus negócios fortemente vinculados à aventura
da paridade cambial. No artigo “Em crise, jornalismo
vira profeta do acontecido”, o jornalista Josias de Sou-
za, ex-chefe da sucursal da Folha de S.Paulo em
Brasília, fez um mea-culpa:

62
JOSÉ PRATA ARAÚJO

“As corporações jornalísticas cometeram na úl-


tima década dois relevantes equívocos: 1) difun-
diram a tese de que a adesão do Brasil ao consen-
so liberal era prenúncio de prosperidade; 2) acre-
ditaram no devaneio. A indústria da informação
tirou do noticiário que produziu as suas próprias
confusões. Crente na perspectiva da bonança, tra-
çou planos expansionistas. Contraiu empréstimos
em dólar. Plantou em seus balanços encrencas mi-
lionárias. Colhe agora a tempestade. Vítima de si
mesma, a mídia virou notícia. O setor atravessa uma
crise sem precedentes. Talvez a maior dos últimos
50 anos. Com o destino atado a um iminente so-
corro financeiro do BNDES, a maioria das empresas
de comunicações encontra-se exilada de suas cer-
tezas. O consenso econômico em decomposição
é o incômodo local desse exílio. Nós, mercadores
da informação, devemos à clientela uma boa expli-
cação. Consumidores mais atentos já se pergun-
tam: por que acreditar em produtores de notícia que
não foram capazes de iluminar o próprio futuro? A
embaraçosa verdade é que o jornalismo se eximiu
nos últimos anos da tarefa de expor adequadamen-
te as contradições do modelo único. Limitou-se a
reproduzir, de modo acrítico, a atmosfera de oba-
oba e contemplação em que se processou o deba-
te econômico. Escassos opositores da nova ordem
foram tratados como chatos que queriam estragar
a festa”2.

63
VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA

PASSIVO EXTERNO

Outras medidas que aprofundaram a vulnerabilidade


externa de nosso país foram as privatizações e a
desnacionalização de nossa economia. Na era FHC, o
Brasil foi literalmente colocado à venda para cobrir o
rombo das contas externas. As privatizações renderam
ao governo US$ 105 bilhões e, no período de 1995 a
2000, centenas de empresas brasileiras foram compra-
das por empresas estrangeiras. Até 1995, o estoque de
capital estrangeiro no Brasil totalizava aproximadamen-
te US$ 50 bilhões. Apenas no período de 1996 a 2000, o
valor de investimentos diretos estrangeiros totalizou US$
120 bilhões, mais do que o dobro do estoque histórico
existente no país até então. Veja a tabela 4. Porque esse
gigantesco volume de capitais estrangeiros não acele-
rou o desenvolvimento do Brasil? Segundo Reinaldo
Gonçalves e Valter Pomar porque “a maior parte foi
destinada à compra de empresas (estatais e privadas);
financiou, portanto, a transfe-
rência de patrimônio, não a cria-
ção de riqueza nova”3.
O jornal Valor Econômico
apontou outra grande distorção
dos investimentos estrangeiros
no Brasil na era FHC: dos US$
120 bilhões a que nos referimos
anteriormente, grande parte foi
para o setor de serviços – ban-

64
JOSÉ PRATA ARAÚJO

cos, energia elétrica, telecomunicações etc. – e uma


pequena parte para a indústria. O jornal explica as con-
seqüências disso:

“Todo investimento estrangeiro direto, mais


cedo ou mais tarde, gera remessa de lucro. Onera
a conta de transações correntes com o exterior
(comércio, serviços e transferências unilaterais),
principal indicador da situação das contas exter-
nas. Quando o investimento é feito na indústria
e na agricultura, pode gerar receita de exportação
e influir no desempenho da balança comercial,
que também integra as transações correntes. Já
as atividades relacionadas a serviços quase não
geram divisas”.

Ou seja, o setor de serviços privatizado aumentou a


remessa de lucros das empresas estrangeiras para fora
do Brasil, sem nenhuma contrapartida para o país, pois se
trata de serviços não-comercializáveis que não integram
nossa pauta de exportações e, portanto, não trazem dóla-
res para que nosso país equilibre suas contas externas.
Nos oito anos da era FHC, o passivo externo bruto –
estoque da dívida externa e estoque de capital estran-
geiro investido no país – passou de US$ 200 bilhões para
aproximadamente US$ 400 bilhões. Isso pressionou
enormemente a balança de serviços e rendas com au-
mento substancial do pagamento de juros e amortiza-
ções da dívida externa e remessa de lucros e dividen-

65
VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA

dos. Veja a tabela 5. Como se


vê, a remessa de lucros pas-
sou de apenas US$ 2,483 bi-
lhões em 1994 para nada me-
nos que US$ 12,686 bilhões em
2005. Quem vem liderando a
remessa de lucros é exata-
mente o setor de serviços
privatizado – bancos, telefonia,
energia elétrica etc.

COM LULA, BRASIL FICOU MENOS VULNERÁVEL


Na área econômica, o principal avanço do governo Lula
foi a importante e estratégica redução da vulnerabilidade
externa do Brasil. A principal conquista foi na balança
comercial, como pode ser visto na tabela 1. Foram os
melhores resultados da história. As exportações atingi-
ram, em 2005, US$ 118,308 bilhões, contra US$ 60,361
bilhões em 2002; um crescimento de quase 100% em
apenas três anos. Nos oito anos da gestão FHC, as ex-
portações cresceram apenas 39%. O superávit comer-
cial (exportações menos importações) em 2005 atingiu
US$ 44,757 bilhões, um avanço espetacular sobre o va-
lor conseguido em 2002, de US$ 13,121 bilhões. A par-
ticipação do Brasil no comércio internacional saltou de
0,96%, em 2002, para 1,11%, em 2005. E, finalmente,
no período analisado, a corrente de comércio (soma das

66
JOSÉ PRATA ARAÚJO

exportações mais as importações) passou de US$


107,601 bilhões para US$ 191,859 bilhões.
Esse avanço na balança comercial se deveu a di-
versos fatores: ao crescimento robusto da economia
mundial; aos novos mercados abertos para os produ-
tos brasileiros no governo Lula; ao aumento significativo
dos preços dos produtos exportáveis do Brasil – as
commodities; ao avanço na exportação de produtos de
maior valor agregado. Não se confirmaram as expecta-
tivas negativas sobre a balança comercial da valoriza-
ção do real, sobretudo devido ao aumento de preços de
nossos produtos, que vem compensando com sobra a
valorização do câmbio. Se o câmbio continuar valoriza-
do o impacto negativo na balança comercial será inevi-
tável em algum momento. Por isso um câmbio competi-
tivo continua sendo necessário para aumentar o valor
de nossas commodities e, sobretudo, para garantir maior
competitividade de nossos produtos mais elaborados, para
os quais a concorrência internacional é mais acirrada, e
para atrair novos investimentos, que são definidos, em
grande medida, em função da política cambial.
Neste cenário, o balanço de transações correntes,
formado pela balança comercial (exportações menos
importações), pela balança de serviços e rendas (juros
da dívida externa, remessa de lucros, gastos com via-
gens internacionais, entre outros itens) e as transferên-
cias unilaterais (dinheiro enviado ao Brasil por residen-
tes no exterior e vice-versa), passou a apresentar su-
cessivos superávits, como pode ser visto na tabela 2. Só

67
VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA

em dez dos últimos 59 anos o Brasil teve superávit no


balanço de transações correntes, sendo três no governo
Lula (2003, 2004 e 2005). Em 2005, o Brasil apresentou
um superávit de US$ 14,199 bilhões, o melhor resultado
desde que essa estatística começou a ser calculada em
1947. É importante destacar que os superávits nas con-
tas externas vêm ocorrendo sem recessão na economia
e com algum crescimento econômico, tendo as importa-
ções no governo Lula apresentado um crescimento ex-
pressivo: foram de US$ 47,240 bilhões, em 2002, e atin-
giram US$ 73,551 bilhões, em 2005.
Outro dado importante é o do comportamento da dívi-
da externa (pública e privada), como pode ser visto na
tabela 3. Ela atingiu o pico de US$ 241,644 bilhões, em
1998, e fechou em US$ 210,711 bilhões em 2002, final
do segundo governo FHC. Nos três primeiros anos do
governo Lula, a dívida externa sofreu sucessivas redu-
ções e fechou 2005 em US$ 168,610 bilhões. Desse to-
tal, 60% são dívida externa pública e 40% da iniciativa
privada. Este é o menor valor desde 1996.
Comparada com diversos indicadores, fica clara a
redução da vulnerabilidade do Brasil. Em dezembro de
2002, a dívida externa representava 46% do PIB e, em
dezembro de 2005, recuou para 21%; no mesmo perío-
do a relação dívida externa/exportações recuou de 3,5
para 1,4. No ano de 2006, as reservas internacionais em
dólar do Brasil irão superar a dívida pública em dólar,
uma situação inédita na história recente do nosso país.
Ou seja, a dívida externa líquida será zerada, uma con-

68
JOSÉ PRATA ARAÚJO

quista histórica do país, especialmente nestes tempos


de “globalização econômica”.
Outros números sobre reservas internacionais, dívida
interna dolarizada, cotação do dólar e crise do petróleo
comprovam a redução da vulnerabilidade externa do Bra-
sil. O governo Lula adotou uma agressiva política de re-
composição das reservas internacionais líquidas (sem os
empréstimos do FMI), através da compra de dólares pelo
Banco Central, tendo passado de apenas US$ 16 bilhões,
em 2002, para US$ 54 bilhões, no final de 2005. Isso,
além de reduzir a vulnerabilidade externa, contribuiu tam-
bém para evitar uma valorização ainda maior da taxa de
câmbio. Medida também decisiva foi a desdolarização da
dívida interna: os títulos cambiais, que chegaram a repre-
sentar 37% da dívida pública, em 2002, foram totalmente
resgatados e essa dívida dolarizada foi zerada no início de
2006. Foi aliviada a pressão sobre o câmbio e a relação
dólar/real, que disparou no final de 2002 para 1,00 x 3,50,
recuou drasticamente, o que implicou uma valorização
até excessiva do real, que precisa ser revertida através
de diversas medidas.
Uma forma importante de redução de nossa vulnera-
bilidade tem sido a política de preços para os derivados
do petróleo praticada pela Petrobrás no governo Lula.
É difícil compreender por que o Brasil, que produzia qua-
se a totalidade do petróleo que consumia, precisava ali-
nhar os seus preços, sobretudo nos momentos de maior
turbulência, aos preços internacionais em dólar. Claro
que a Petrobrás precisava ter lucros expressivos para

69
VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA

manter a sua capacidade de investimento na busca da auto-


suficiência brasileira em petróleo. A empresa pode ter
um lucro maior quando os preços do petróleo ficam muito
baixos, mas pode sim conviver com um lucro mais baixo
nos momentos de grande turbulência, quando o preço
do petróleo chega às alturas. Nada justifica, num país
quase auto-suficiente em petróleo, o repasse imediato
dos preços do mercado internacional para o mercado
interno. Essa política tem sido contestada por alguns
segmentos, vinculados aos interesses privados:

“O fato de os preços da Petrobrás serem utiliza-


dos para atingir metas macroeconômicas e políticas,
e, dessa forma, não oscilarem de acordo com os
preços internacionais, permanecendo por períodos
de tempo consideráveis ora abaixo, ora acima do
patamar externo, inibe a atuação dos importadores,
a entrada de novos agentes na ativi-
dade de refino no Brasil e impede a exis-
tência de um mercado competitivo”
(Pires e Campos Filho).

Como se vê, para alguns analis-


tas a condição para a ampliação
da presença privada no setor de
petróleo no Brasil é a dolarização
dos preços no mercado interno,
mesmo que isso implique enormes
prejuízos para a economia, em ter-

70
JOSÉ PRATA ARAÚJO

mos de vulnerabilidade, e para a população, no tocante


ao aumento da inflação.
Com esses indicadores extremamente positivos no
cenário externo de nossa economia, o risco-país des-
pencou e atingiu os menores patamares históricos. Veja
a tabela 6. Depois de atingir 2.436 pontos em setembro
de 2002, no auge do terrorismo econômico tucano-
pefelista, o índice recuou para 231 pontos no dia 15 de
fevereiro de 2006.

O que é o risco-país

O risco-país é medido
pelo banco norte-ame-
ricano JP Morgan. Ele é um
um país pagam, em média,
acima da média dos títu-
los do Tesouro americano
termômetro da confiança para prazos semelhantes.
dos investidores estrangei- Simplificando, isso repre-
ros na capacidade de um senta quanto os investido-
país de honrar suas dívidas. res percebem pelo risco de
A base para medição é o comprar papéis de econo-
risco dos Estados Unidos, mias como as emergentes.
considerado zero. Cada Quando o risco de um país
100 pontos de risco-país está em 400 pontos, é por-
equivale a uma taxa de ju- que seus títulos pagam, em
ros adicional de 1 ponto média, 4 pontos percentuais
percentual em relação aos ao ano acima da remune-
Estados Unidos que o país ração da média dos títulos
deve pagar na colocação de americanos, que seriam
seus papéis. “Na prática, o um padrão de risco nulo”
risco-país equivale à dife- (O Estado de S. Paulo,
rença do que os títulos de 22/12/2004).

71
VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA

Como coroamento desse processo de redução da


vulnerabilidade da economia brasileira, o governo Lula en-
cerrou o acordo com o FMI, pondo fim a sete anos de tutela
do Fundo sobre nossa economia e nosso país. Isso não
aconteceu no formato de ruptura unilateral, o que não dimi-
nuiu os méritos que essa medida tem para a nossa econo-
mia e para a soberania nacional. E complementando esse
processo o governo brasileiro quitou com o FMI, de forma
antecipada, no final de 2005, a dívida bilionária de US$ 15,6
bilhões, herança do governo FHC.

Síntese
✔ As exportações brasileiras passaram de US$
60,361 bilhões, em 2002, para US$ 118,308 bi-
lhões em 2005, um salto de quase 100% em três
anos. Nos oito anos da gestão FHC, as exporta-
ções cresceram apenas 39%. O superávit comer-
cial passou, no mesmo período, de US$ 13,121
bilhões para US$ 44,757 bilhões. Foram os me-
lhores resultados da história.
✔ O balanço de transações correntes, que engloba a
balança comercial, a balança de serviços e rendas
e as transferências unilaterais, saiu de um déficit de
US$ 7,637 bilhões em 2002 para um superávit de
US$ 14,199 bilhões em 2005, o melhor resultado
desde 1947. Veja que diferença na redução da
vulnerabilidade externa de nossa economia: FHC, em
oito anos de governo, produziu um déficit no balan-
ço de transações correntes de US$ 188 bilhões; nos
três anos do governo Lula neste indicador fundamen-
tal, o superávit foi de US$ 30,045 bilhões.

72
JOSÉ PRATA ARAÚJO

✔ A dívida externa – pública e privada – foi reduzida


de US$ 210,711 bilhões em 2002 para US$
168,610 bilhões em 2005, o menor valor desde
1996, e importante: enquanto proporção do PIB é a
menor desde 1975.
✔ As reservas internacionais líquidas, principal linha
de defesa de um país contra os ataques especula-
tivos à sua moeda, passaram de minguados US$ 16
bilhões em 2002 para US$ 54 bilhões em 2005.
✔ A dívida interna dolarizada – títulos cambiais –, gran-
de fator de vulnerabilidade externa da economia,
que chegou a representar 37% do PIB em setembro
de 2002, foi zerada no início de 2006;
✔ A Petrobrás, embora pressionada pelos acionistas
privados, não reajustou os preços dos derivados na
mesma proporção dos preços internacionais, o que
reduziu o impacto da crise do petróleo no Brasil.
✔ O risco-país, termômetro da confiança dos investi-
dores externos no Brasil, despencou de 2.436 pon-
tos (setembro de 2002) para 231 pontos em feve-
reiro de 2006.
✔ Depois de sete anos atrelado aos acordos com o
FMI, o governo Lula encerrou o acordo com o Fundo
e quitou, de forma antecipada, a dívida herdada do
governo FHC.

73
JOSÉ PRATA ARAÚJO

CRESCIMENTO ECONÔMICO,
INFLAÇÃO E JUROS

Como veremos a seguir, é na política macroeconômica


que podemos localizar a maior continuidade do governo
Lula com o governo FHC, especialmente na que foi adota-
da no segundo mandato tucano/pefelista. Essa política
macroeconômica é baseada em três pilares: metas de in-
flação, câmbio flutuante e superávit primário nas contas
públicas. De fato, estes instrumentos de política econô-
mica são utilizados na maioria dos países do mundo. No
entanto, a sua aplicação com maior ou menor flexibilida-
de de acordo com as condições concretas de cada país é
fundamental para estimular ou não o crescimento econô-
mico. Entretanto, estes pilares não vêm sendo manejados
com a devida flexibilidade em nosso país, o que inibiu o
crescimento econômico. A falta de ousadia do governo
na política econômica vem resultando em conseqüências
negativas no plano político: estressou as relações políti-
cas com as bases sociais que elegeram Lula; causou de-
fecções de algum vulto nas bases da esquerda; e reduziu
a aprovação do governo no conjunto da sociedade. De
uma maneira geral, os números da economia do governo
Lula, como o do crescimento econômico, são melhores

75
CRESCIMENTO ECONÔMICO, INFLAÇÃO E JUROS

do que os de Fernando Henrique. Mas não são números


robustos que consigam garantir uma ampla aprovação
junto à população brasileira.

O ALTO CUSTO DA “ESTABILIDADE” ECONÔMICA


Para entender a implantação do neoliberalismo na
América Latina, é preciso compreender algumas ca-
racterísticas políticas, econômicas e sociais de nossa
região, que foram altamente favoráveis a essa política
ortodoxa. São elas: hiperinflação, exclusão social e
autoritarismo político. A América Latina experimen-
tou, ao longo das últimas décadas, um processo infla-
cionário crônico. A inflação, sabidamente, sacrifica
mais os pobres, que não contam com indexação sala-
rial nem com contas remuneradas. Os neoliberais ma-
nipularam as camadas mais pobres da população e an-
coraram as contra-reformas neoliberais no anseio po-
pular de maior estabilidade dos preços. Como as ques-
tões macroeconômicas são muito complexas, menti-
ram dizendo que todas as contra-reformas – abertura
comercial, privatizações das estatais, ataques aos servi-
dores, privatização da previdência etc. – visavam man-
ter a inflação baixa e liberar o Estado para investir nas
questões sociais.
Uma segunda característica latino-americana que fa-
cilitou a penetração do neoliberalismo é a histórica ex-
clusão social. Foi nesse ambiente que o neoliberalismo
atuou de forma criminosa, utilizando a velha estratégia

76
JOSÉ PRATA ARAÚJO

de dividir para dominar, ou seja, apostou na desagrega-


ção social, explorando divergências e ressentimentos dos
excluídos contra os incluídos. Finalmente, nossa região
tem uma pesada herança de ditaduras militares e regi-
mes autoritários e uma sociedade civil bastante desor-
ganizada. Os sindicatos, como nos velhos regimes dita-
toriais, são, em sua maioria, ligados aos governos e ao
patronato, e em muitos países deram integral apoio às
reformas neoliberais, como no caso da Argentina.
No caso brasileiro, aconteceu um erro estratégico da
esquerda no enfoque da questão da inflação, que teve
enormes conseqüências políticas. Nas décadas de 1970
e 1980 tínhamos no Brasil um forte e massivo movi-
mento contra a carestia, responsável por grandes atos
de massa – passeatas, abaixo-assinados etc. –, vincula-
do aos movimentos da Igreja Católica e a grupos de
esquerda. Gradativamente a esquerda, amplamente
hegemonizada pelo sindicalismo, trocou a luta contra a
carestia pela luta da indexação mensal dos salários. Para
os setores mais organizados dos trabalhadores, essa
indexação dos salários mais o acesso a contas bancá-
rias remuneradas garantiam, de alguma forma, a pre-
servação do poder aquisitivo. Mas especialmente para
as camadas mais populares a inflação elevada era um
pesadelo que corroía, de forma acelerada, o já pequeno
poder aquisitivo. Hiperinflação, como alguém já disse
certa vez, é quando vender, na maioria das vezes, dá
prejuízo. Ou seja, para o comerciante, dada a rapidez
com que os preços são reajustados no atacado, o preço

77
CRESCIMENTO ECONÔMICO, INFLAÇÃO E JUROS

de venda é inferior ao preço de custo para a reposição


dos estoques. Foi para se proteger dessa situação que
os preços passaram a ser remarcados de forma frenéti-
ca. E quem pagava o custo da escalada inflacionária
era, principalmente, a população pobre.
No Brasil, depois de sucessivos planos econômicos
fracassados, foi lançado, em julho de 1994, ainda no
governo Itamar Franco, o Plano Real, sob a coordena-
ção do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique
Cardoso. O Plano Real baixou drasticamente a infla-
ção: de 2.477,15% em 1993, o maior percentual da his-
tória brasileira, caiu, em 1995, para 22,41% e, em 1996,
para 9,56%. Com o Plano Real, PSDB e aliados conse-
guiram uma aliança inusitada: dos segmentos mais ricos
da sociedade, os quais foram favorecidos com a entre-
ga do patrimônio público e com a elevada remuneração
das aplicações financeiras, com os segmentos mais po-
bres da sociedade, que foram premiados com o controle
da inflação e com a conseqüente melhoria da renda nos
primeiros anos. É um fato inquestio-
nável, do ponto de vista imediato, a
repercussão do Plano Real na me-
lhoria da vida da população mais po-
bre: segundo dados do IBGE, de 1993
para 1995 a pobreza teve uma ex-
pressiva redução, de 36,57% para
29,82% da população. Veja a tabela
1. Foi essa ampla base social que
viabilizou a eleição de Fernando

78
JOSÉ PRATA ARAÚJO

Henrique na eleição de 1994, já no primeiro turno, e


novamente em 1998, também no primeiro turno.
O Plano Real, de difícil questionamento nos primeiros
anos, implicou um enorme custo da “estabilização” da
economia brasileira. Como já vimos, seu principal pilar
foi a âncora cambial, que manteve de 1995 a 1999 a
paridade do real com o dólar. Os efeitos colaterais des-
sa política já foram apontados neste estudo: a valoriza-
ção rápida do real desequilibrou a balança comercial e a
balança de transações correntes; o Brasil foi colocado
à venda – privatização de estatais e venda de empresas
privadas brasileiras para os capitais internacionais –; além
do aumento expressivo do endividamento externo, estes
foram os dois expedientes utilizados para cobrir o rom-
bo no balanço de transações correntes; o país manteve
os juros reais elevados para sustentar a insustentável
paridade cambial; os juros elevados fizeram explodir a
dívida interna e limitaram drasticamente o crescimento
econômico; e o país quebrou em 1998, quando foi salvo
da bancarrota por um pacote de socorro do FMI, articu-
lado pelo presidente estadunidense Bill Clinton para
viabilizar a reeleição de FHC. Em 1999, a âncora cambial
não se sustentou e foram adotados novos instrumentos
de política econômica. A política suicida da âncora cam-
bial foi mantida a ferro e fogo por FHC e sua equipe, sob o
pretexto de que o seu fim significaria a volta da
hiperinflação, o que não aconteceu. Pagamos, portanto,
um preço desnecessário pelo populismo cambial tucano-
pefelista. A “estabilidade” econômica não gerou o cres-

79
CRESCIMENTO ECONÔMICO, INFLAÇÃO E JUROS

cimento econômico propagado e FHC encerrou o seu pri-


meiro mandato no final de 1998 com crescimento médio
da economia nos quatro anos de apenas 2,57%.
No segundo mandato, como já vimos, FHC adotou uma
política econômica baseada em três pilares: câmbio flu-
tuante, metas de inflação e superávit fiscal primário. A
adoção do câmbio flutuante, que substituiu a paridade
cambial real/dólar, melhorou os resultados das contas
externas do Brasil, mas num ritmo lento, o que deixou
nosso país ainda bastante vulnerável, com pequeno su-
perávit comercial, déficit no balanço de transações cor-
rentes, reservas internacionais insignificantes etc. As
metas de inflação foram fixadas em patamares muito
ambiciosos, o que levou o Banco Central a manter a
taxa de juros em níveis elevados para fazer a inflação
convergir para as metas. Juros altos impactaram a dívi-
da interna, que foi elevada substancialmente. A introdu-
ção da política do superávit primário reduziu os investi-
mentos públicos e o Brasil viveu o apagão no setor de
energia elétrica em 2001. O terrorismo econômico tu-
cano-pefelista em 2002, nessas condições, acentuou a
vulnerabilidade externa do Brasil e o país enfrentou mais
uma crise cambial; com o dólar com cotação altíssima,
o risco-país em mais de 2.000 pontos, a inflação se ele-
vou substancialmente, sobretudo com a alta do dólar, e
FHC, mais uma vez, pediu socorro ao FMI. Foram mais
quatro anos em que pagamos um elevado preço pela
“estabilidade” econômica, sem necessidade, e o país
cresceu a taxas modestas, em média, de 2,10%. Se o

80
JOSÉ PRATA ARAÚJO

Plano Real teve ganhos imediatos para a população nos


primeiros anos, com o passar do tempo a crise social se
agravou com a precarização do trabalho, com a redu-
ção da renda média do trabalhador, com os baixos índi-
ces de crescimento econômico, com a estabilização dos
níveis de pobreza em patamares elevados por diversos
anos, o que levou a população a apostar na eleição de
Lula para comandar o Brasil.

OPORTUNIDADE PERDIDA

O governo Lula herdou uma economia profundamen-


te desorganizada. É a chamada “herança maldita”, que
tanto irrita os tucanos e pefelistas. Nestas condições, o
ano de 2003, com uma política mais flexível, poderia ter
tido um crescimento econômico superior aos 0,55%, mas
dificilmente seria algo expressivo, devido aos graves
problemas nas contas externas, no câmbio, na inflação,
na composição do endividamento interno, nas taxas de
juros, nos níveis elevados do risco-país etc. O governo
Lula argumentou junto à sua base social que os sacrifí-
cios de 2003 seriam recompensados nos anos seguintes
com a transição para um novo padrão de desenvolvi-
mento continuado e sustentado.
No segundo ano do governo Lula, o Brasil viveu um
excelente momento em termos de crescimento econô-
mico. A economia cresceu 4,9%, o melhor desempenho
desde 1994. Em 1o de janeiro de 2005, o jornal Folha de
S.Paulo abriu o seu caderno de economia com a se-

81
CRESCIMENTO ECONÔMICO, INFLAÇÃO E JUROS

guinte chamada: “País obtém combinação histórica em


2004”. Num quadro comparativo de 1950 a 2004, o jor-
nal informou o seguinte:

“O Brasil obteve em 2004 uma combinação de re-


sultados econômicos inédita em sua história recen-
te. Desde 1950 não havia, ao mesmo tempo, cresci-
mento econômico forte do PIB (Produto Interno Bru-
to), superávit comercial expressivo e inflação anual
de um dígito. No levantamento feito [...] a partir de
dados oficiais, foram considerados como parâme-
tros de crescimento acima de 4%, saldo comercial
acima de 1% do PIB e inflação abaixo de 10% ao ano.
A combinação é raríssima no país, onde os perío-
dos de expansão econômica foram historicamente
marcados por surtos inflacionários ou descontrole
nas transações com o exterior”1.

De fato, os números da economia brasileira eram


alvissareiros: o crescimento econômico foi robusto; a
taxa de inflação de 6,56% (índice da FIPE – Fundação
Instituto de Pesquisas Econômicas) foi a quinta menor
desde 1950 (superior apenas aos índices de 2000, 1998,
1997 e 1950); o superávit comercial em proporção do
PIB foi o quarto melhor desde 1950 (inferior apenas aos
dos anos de 1988, 1985 e 1984); e o balanço de transa-
ções correntes foi o melhor desde 1947.
O “céu de brigadeiro” vivido pela economia brasileira
em 2004 poderia ter aberto a fase do “espetáculo do

82
JOSÉ PRATA ARAÚJO

crescimento” prometido pelo presidente Lula. Não se


tratava de voluntarismo político. Existiam condições téc-
nicas e políticas para isso. Tecnicamente, era correto
apostar na aceleração do crescimento econômico por-
que os dois maiores gargalos que sempre abortaram o
nosso crescimento – inflação elevada e vulnerabilidade
externa – estavam sob controle. Politicamente, a apos-
ta num maior crescimento econômico era uma exigên-
cia da base de apoio do governo Lula – PT, PSB, PCdoB e
mesmo dos partidos de centro, como PMDB, PTB, PP e
PL; do vice-presidente José Alencar; da quase totalida-
de dos ministros de todos os partidos; da CUT e dos movi-
mentos sociais; e de segmentos empresariais que apoia-
ram a eleição do presidente Lula.
No plano externo, a situação era também muito favo-
rável, com uma convergência para o crescimento eco-
nômico poucas vezes vista na história recente; e, na
América Latina, o governo Lula contava com importante
respaldo político. Além do mais, havia uma razão prag-
mática para uma forte aposta no crescimento econômi-
co: o terceiro ano é muito importante para o governo,
porque os dados da economia e da geração de emprego
do ano pré-eleitoral impactam fortemente na decisão do
eleitorado de reeleger ou não o presidente da República.
Mas, inexplicavelmente, o governo Lula colocou o pé
no freio do crescimento econômico. Foi um tiro no pé. O
grande equívoco foi a fixação de uma meta de inflação
irrealista para a realidade brasileira. Economistas, mes-
mo de trajetórias tão distintas como Aloizio Mercadante

83
CRESCIMENTO ECONÔMICO, INFLAÇÃO E JUROS

e Delfim Netto, já apontaram o erro que foi a fixação de


uma meta de inflação muito ambiciosa num cenário eco-
nômico marcado pela indexação das tarifas públicas ao
Índice Geral de Preços (IGP) e pelo choque de preços de
alguns produtos que compõem a nossa pauta de exporta-
ções. Lula tinha três alternativas: rompimento dos con-
tratos com as empresas concessionárias de serviços pú-
blicos para desindexar os preços de energia e telecomu-
nicações do IGP; manutenção dos contratos, mas com o
expurgo de tais preços e de outros preços administrados
da meta de inflação; e, finalmente, a não-adoção das pro-
postas anteriores, mas a fixação de meta de inflação mais
gradualista para a inflação em 2005 e 2006. Aloizio
Mercadante defendeu esta última proposta: a meta de
inflação de 5,5%, com variação para cima ou para baixo
de 2,5%, com teto de 8%, de 2004, deveria ser mantida
em 2005 e 2006. Não se tratava, como afirmou o então
ministro da Fazenda Antônio Palocci, de aceitar um pou-
co mais de inflação para se ter um maior crescimento
econômico, argumento equivocado porque todos os índi-
ces estavam em queda; mas sim de uma estratégia rea-
lista e mais gradual de desinflacionar a economia brasilei-
ra sem maiores sacrifícios para o crescimento econômi-
co e a geração de empregos.
O governo não deu ouvidos a Aloizio Mercadante e a
outros economistas, e o Conselho Monetário Nacional
(CMN), formado pelos ministros da Fazenda e do Planeja-
mento e pelo presidente do Banco Central, fixou a meta
de inflação de 2005 em 4,5% – centro da meta – com

84
JOSÉ PRATA ARAÚJO

variação de até 2,5%, o que elevava o teto da meta para


7%. Em função do caráter irrealista dessa decisão, o centro
da meta foi abandonado pelo Banco Central – a meta
ajustada subiu para 5,1% – e a inflação ameaçou ultrapas-
sar o teto fixado. Baseado nesse temor, o Banco Central
subiu os juros durante nove meses, de setembro de 2004 a
maio de 2005, tendo a Selic passado naquele período de
16% para 19,75% ao ano. Somente no mês de junho de
2005 a Selic deixou de subir, mas continuou nesse patamar
elevadíssimo até setembro de 2005. Dessa forma, o Banco
Central aprofundou o equívoco do Conselho Monetário
Nacional e subiu os juros, sem necessidade, por um prazo
muito longo e depois demorou para reduzi-los.
A irracionalidade dessa política de juros do governo Lula
é evidente. Em 2002, último do governo FHC, a inflação
medida pelo IPCA (Índice Geral de Preços ao Consumi-
dor Amplo) fechou o ano em 12,53% e, anualizada, indi-
cava percentuais superiores a 30%. O governo controlou
a inflação, que fechou 2003 em 9,3%, e, em 2004, recuou
ainda mais, para 7,6%. É provavelmente o caso único no
mundo que, num cenário de inflação em queda, o Banco
Central tenha aplicado um minichoque de juros. Essa po-
lítica foi tão absurda que até os principais interessados
nos juros elevados – os banqueiros – criticaram o Banco
Central. Representantes dos dois principais bancos pri-
vados nacionais, o presidente do Bradesco, Márcio
Cipriano, e o economista do Itaú, Sérgio Werlang, por
diversas vezes na imprensa criticaram o excesso de
conservadorismo do Banco Central.

85
CRESCIMENTO ECONÔMICO, INFLAÇÃO E JUROS

Essa política de juros elevados teve diversas conse-


qüências negativas. Valorizou a taxa de câmbio de forma
excessiva ao favorecer a atração de capitais especulativos
para o país, o que não chegou a comprometer os bons
resultados da balança comercial, mas impediu que os seus
resultados fossem ainda mais expressivos. Encareceu o
processo de recomposição de nossas reservas internacio-
nais, que são remuneradas a taxas baixas, ao passo que
os títulos públicos emitidos são remunerados em geral pela
Selic. Tornou a administração da dívida interna extrema-
mente penosa para o governo e a sociedade e esterilizou
o esforço fiscal realizado com a elevação do superávit
primário, que já era altamente limitador do investimento
público. Desestimulou o crescimento econômico e a ge-
ração de empregos. E ainda tivemos a seca no Sul do
país, que reduziu a produção agrícola; e a forte crise po-
lítica, que impactou a economia ao diminuir o ímpeto para
os investimentos e para o consumo. Essa combinação
negativa fez que o crescimento econômico de 2005 fosse
modesto, de apenas 2,3%, muito abaixo dos 4% a 5%
projetados pelo governo. Sem dúvida, o governo Lula
perdeu a chance de acelerar o crescimento econômico
em 2005 e de consolidar um forte apoio para a sua reelei-
ção em 2006.

OS NÚMEROS DO GOVERNO LULA

O governo Lula vai terminar o seu mandato muito dis-


tante do “espetáculo do crescimento” prometido à socie-

86
JOSÉ PRATA ARAÚJO

dade brasileira. Veja a tabela 2.


A média do crescimento econô-
mico nos três primeiros anos –
2003 (0,5%), 2004 (4,9%) e 2005
(2,3%) – é de 2,6%. Caso se con-
firme a previsão de crescimento
de 4% em 2006, a média de cres-
cimento da economia brasileira no
governo Lula será de 2,92%. Tra-
ta-se de um percentual ainda bai-
xo para as necessidades do Bra-
sil e inferior à média do crescimento dos países “emer-
gentes” e do mundo. Mas será uma média superior aos
dois mandatos de Fernando Henrique, quando o cresci-
mento médio ficou em 2,3%. Além do mais, é preciso
lembrar que o ano de 2003 foi praticamente perdido
devido à desorganização da economia. Quando o go-
verno Lula recuperou uma maior governabilidade sobre
a economia, nos três últimos anos do seu mandato, a
média de crescimento deverá chegar a 3,7%, bastante
superior à da era FHC.
Na questão da taxa de juros, o governo Lula perdeu a
oportunidade de testar novos patamares na economia
brasileira. Os juros no Brasil têm enfrentado um verda-
deiro paredão no seu processo de redução: 15% em ter-
mos nominais e 10% em termos reais. Foram criadas as
condições, com a redução da vulnerabilidade externa e
com o controle inflacionário, para taxas de juros nomi-
nais inferiores a 15% e taxas reais de um dígito. Na

87
CRESCIMENTO ECONÔMICO, INFLAÇÃO E JUROS

comparação com os dois manda-


tos de Fernando Henrique, os ju-
ros praticados no governo Lula ti-
veram alguma redução. A taxa
praticada em dezembro de 2002
era de 25%, e em março de 2006
era de 16,5%. A taxa de juros no-
minal média foi de 27%, entre
1995 e 2002, e se reduziu para a
média de 19,6% de 2003 a 2005.
Veja a tabela 3. Já a taxa de juros
real (taxas de juros nominal descontada a inflação) se
reduziu de 16,75%, dos oito anos de Fernando Henrique,
para a casa dos 10% nos dois primeiros anos do gover-
no Lula. Veja a tabela 4. Em 2005, a taxa de juros real
foi de 12,43%, o que elevou o percentual nos três pri-
meiros anos do governo Lula para 10,8%.
Uma área da economia em que o governo Lula terá
muito a mostrar é no controle
da inflação, fundamental, todos
sabemos, para melhorar a vida
da população, especialmente da
mais pobre. Veja a tabela 5. A
inflação medida pelo IPCA fe-
chou 2002, último ano do gover-
no FHC, em 12,53% e se redu-
ziu pela metade em 2005, ter-
ceiro ano do governo Lula, para
5,69%. Outros índices também

88
JOSÉ PRATA ARAÚJO

convergiram para a faixa de 5% no


período: o INPC (Índice Nacional de
Preços ao Consumidor) passou de
14,74% para 5%; o ICV-DIEESE (Ín-
dice de Custo de Vida do Departa-
mento Intersindical de Estatísticas e
Estudos Sócio-Econômicos) recuou
de 12,93% para 4,54%. Outro avan-
ço foi o recuo expressivo dos IGPs,
que reajustam os preços administra-
dos, como energia, telefonia, e aluguéis. Esses preços,
devido à correção contratual pelo IGP-M (Índice Geral
de Preços de Mercado) e pelo IGP-DI (Índice Geral de
Preços – Disponibilidade Interna), viraram um pesadelo
no orçamento doméstico das famílias brasileiras, espe-
cialmente depois da privatização das estatais prestadoras
de serviços públicos. Estudo do Ministério da Fazenda
indica que em dez anos, de 1995 a 2005, os preços ad-
ministrados subiram, em média, 339%, contra 93% dos
chamados preços livres. Neste sentido, é muito positivo
que no período de 2002 a 2005 o IGP-M e o IGP-DI te-
nham recuado, respectivamente de 25,31% e 26,41%
para 1,21% e 1,22%, os menores valores da história
desses dois índices da Fundação Getúlio Vargas. Isso
significa que o pesadelo dos aumentos exorbitantes de
algumas tarifas de serviços administrados pode ter che-
gado ao fim para a população.
Finalmente, abordemos outros indicadores econômi-
cos e financeiros: crédito, taxa de investimento, investi-

89
CRESCIMENTO ECONÔMICO, INFLAÇÃO E JUROS

mentos estrangeiros e Bolsa de Valores. Na questão do


crédito, o governo Lula realizou uma pequena revolu-
ção, em particular com o crédito consignado com des-
conto em folha, que apresentou taxas de juros bastante
inferiores às praticadas em outras modalidades de em-
préstimos. Isso contribuiu muito para elevar o volume
de crédito no Brasil de 24% do PIB, em 2002, para 31,3%,
em 2005. A taxa de investimento, fundamental para
alavancar o crescimento econômico, passou de 18% do
PIB, em 2002, para 19,6% do PIB, em 2004. Os investi-
mentos estrangeiros, que em 2002 foram de US$ 16,6
bilhões, atingiram, em 2004, US$ 18,2 bilhões. A Bolsa
de Valores de São Paulo (Bovespa), que em 2002 che-
gou ao fundo do poço com 11.268 pontos, atingiu seu
maior valor histórico no início de 2006, ultrapassando os
35.000 pontos, uma valorização de mais de 200%. Isso
reflete movimentos especulativos mas também o bom
momento vivido pelas empresas brasileiras com ações
na Bolsa.

JUROS, ESQUERDA E DIREITA


Um dos problemas do debate político no Brasil é sua
concentração quase unicamente nas questões macroe-
conômicas de curto prazo, especialmente na questão da
taxa de juros. Nesta visão simplista, ser de esquerda
significa praticar juros baixos e ser conservador é prati-
car juros altos e favorecer o capital financeiro. Uma
redução drástica dos juros é uma necessidade inadiável

90
JOSÉ PRATA ARAÚJO

no Brasil para retomar o


crescimento, a geração de
empregos e para reduzir os
encargos da dívida pública.
Vale dizer, no entanto, que os
juros elevadíssimos pratica-
dos no Brasil são a exceção,
não a regra mundial. O neoli-
beralismo não é incompatível
com juros baixos. Vivemos
numa época histórica mar-
cada pela hegemonia neo-
liberal e com a inflação con-
trolada na maioria dos países.
As taxas de juros internacio-
nais são as mais baixas dos
últimos 30 anos: ela é negati-
va na maioria dos países de-
senvolvidos e está pouco aci-
ma de 1% na média dos paí-
ses emergentes. Veja a tabe-
la 6. Como se vê, não há uma
clivagem ideológica na ques-
tão da taxa de juros. Se pra-
ticar juros baixos fosse sinô-
nimo de esquerda, George
Bush seria um esquerdista
com as taxas de juros negativas nos Estados Unidos. O
neoliberalismo é uma resposta conservadora à estagna-

91
CRESCIMENTO ECONÔMICO, INFLAÇÃO E JUROS

ção do capitalismo, que propõe revitalizar o acúmulo do


capital através, entre outras, das seguintes medidas: aber-
tura comercial para favorecer o comércio internacional
do ponto de vista dos países desenvolvidos, ou seja, aber-
tura para o setor industrial e de serviços e protecionis-
mo para o setor agrícola; desregulamentação financei-
ra, com garantia de liberdade total para o capital finan-
ceiro poder entrar e sair dos países sem qualquer entra-
ve legal; propriedade intelectual como forma de privatizar
os grandes inventos tecnológicos da humanidade; pri-
vatização do Estado, seja de estatais estratégicas seja
dos serviços públicos, e supressão de direitos dos traba-
lhadores, para ampliar a acumulação capitalista; e, no
plano ético, a substituição da ética da solidariedade pela
ética da competição desenfreada.
São essas questões que demarcam os campos políti-
cos e ideológicos nesta época histórica. E é isso que
explica por que, mesmo praticando taxas de juros ex-
tremamente elevadas, o presidente Lula desfruta de
um apoio reduzido do empresariado. Pesquisa realiza-
da pelo Instituto Vox Populi, por encomenda da revista
Exame, com o presidente ou o principal executivo das
231 companhias do ranking “Melhores e Maiores” da
revista, indicou as seguintes preferências para a presi-
dência da República: Geraldo Alckmin, com 40%; José
Serra, com 21%; e Lula somente em terceiro lugar,
com 7% da preferência dos grandes empresários2. Pesa
contra Lula, entre as elites econômicas, o fato de o
presidente não ser um deles, e, acima de tudo, a com-

92
JOSÉ PRATA ARAÚJO

preensão de que o presidente interrompeu o projeto


neoliberal no seu ponto central: a privatização das es-
tatais e dos serviços públicos e a precarização da le-
gislação trabalhista. A privatização significa não ape-
nas a transferência de empresas e serviços rentáveis
para o setor privado, mas também a possibilidade, com
a redução do tamanho do Estado, de se reduzir drasti-
camente a carga tributária, que hoje sustenta os servi-
ços públicos. Isso explica o fato de o presidente Nestor
Kirchner, da Argentina, mesmo tomando medidas he-
terodoxas importantes na condução da política macroe-
conômica, ter um forte apoio do empresariado daquele
país. O presidente argentino não ousou, ainda, atacar
de frente o modelo neoliberal, reestatizando as empre-
sas estratégicas e a previdência social, como vem fa-
zendo o presidente boliviano Evo Morales.

Síntese
✔ A média do crescimento econômico nos dois man-
datos de Fernando Henrique foi de 2,3% e nos três
primeiros anos do governo Lula foi de 2,6%, deven-
do atingir 3% ao final de 2006.
✔ A taxa de juros nominal, que no final de 2002 era
de 25%, recuou, em março de 2006, para 16,5%; a
taxa de juros média dos oito anos de mandato de
FHC, que foi de 26,7%, recuou para 19,6% nos três
primeiros anos do governo Lula.
✔ A taxa de juros real (taxa nominal descontada a
inflação) que foi, em média, de 16,75% nos gover-
no de FHC, recuou para 10,8% no governo Lula.

93
CRESCIMENTO ECONÔMICO, INFLAÇÃO E JUROS

✔ A inflação medida pelo IPCA foi, em 2002, de


12,53% e recuou, em 2005, para menos da meta-
de: 5,69%.
✔ Os IGPs – IGP-M e IGP-DI –, que reajustam as tarifas
públicas, recuaram, respectivamente, de 25,31% e
26,41%, em 2002, para 1,21% e 1,22% em 2005.
✔ No governo Lula aconteceu uma revolução no sis-
tema de crédito, especialmente com o crédito con-
signado, e o volume de crédito passou de 24% do
PIB, em 2002, para 31,3%, em 2005.
✔ A taxa de investimento, fundamental para o cresci-
mento do país, subiu de 18% do PIB, em 2002, para
19,6% do PIB, em 2004.
✔ Os investimentos estrangeiros passaram de US$ 16,6
bilhões, em 2002, para US$ 18,2 bilhões, em 2004.
✔ A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), que
fechou 2002 em apenas 11.268 pontos, disparou e
entrou em 2006 com históricos 35.000 pontos e
deve ultrapassar nesse ano os 40.000 pontos.

94
JOSÉ PRATA ARAÚJO

DÍVIDA PÚBLICA, SUPERÁVIT


PRIMÁRIO E CARGA TRIBUTÁRIA

Uma análise dos principais indicadores na área fiscal


– dívida pública, superávit primário, carga tributária,
despesas públicas – demonstra claramente que a fama
de bons gerentes dos tucanos e pefelistas não se sus-
tenta. Somente a blindagem que esses setores tiveram
e continuam tendo da mídia brasileira faz permanecer
essa reputação mais que duvidosa. O governo Lula po-
deria ter avançado muito mais na área fiscal se tivesse
testado e praticado novos patamares de juros no Brasil,
que teriam impacto positivo nas contas públicas. Ainda
assim, como veremos a seguir, seus indicadores fiscais
são muito superiores aos dos dois mandatos de FHC.

QUE RESPONSABILIDADE FISCAL?

Mesmo sendo o campeão do endividamento do Esta-


do brasileiro, FHC gaba-se de ter introduzido no Brasil a
Lei de Responsabilidade Fiscal, que teria, supostamen-
te, garantido “transparência e austeridade” nas contas
públicas. Essa Lei é, ainda hoje, uma forte blindagem da
reputação administrativa de tucanos e pefelistas. A Lei

95
DÍVIDA PÚBLICA, SUPERÁVIT PRIMÁRIO E CARGA TRIBUTÁRIA

de Responsabilidade Fiscal, aprovada somente em 2000,


já na fase final da era FHC, não foi uma atitude de pri-
meira hora do governo para garantir a sustentabilidade
da dívida pública e preparar o Brasil para um cresci-
mento sustentado. Sua aprovação tardia atendeu a ou-
tro objetivo: o estabelecimento de uma âncora fiscal para
cobrir os enormes rombos dos cinco primeiros anos da
gestão tucano-pefelista. No período de 1995 a 1999, o
Brasil pagou um alto preço pelo populismo cambial: ta-
xas de juros nominais médias de 32%; juros reais mé-
dios (juros nominais descontada a inflação) de 21%; dé-
ficit nominal médio das contas públicas de 7,4% do PIB.
Essa irresponsabilidade fiscal teve como resultado o
grande salto da dívida pública brasileira, que passou de
30,4% do PIB, em 1994, para 49,4%, em 1999.
Como se comportou a dívida pública, um dos princi-
pais indicadores da política fiscal, em toda a era FHC?
No final de 1994, a dívida pública era de R$ 153,162
bilhões (30,4% do PIB); oito anos depois, em 2002, no
final do segundo mandato, saltou para R$ 881 bilhões
(55,5% do PIB). Ou seja, a dívida pública cresceu na
era FHC 475% em termos nominais e quase dobrou
enquanto percentual do PIB. Se alguém tem uma dívi-
da, tem três alternativas para solucioná-la: aumentar a
receita, diminuir as despesas ou vender o patrimônio.
Fernando Henrique fez tudo isso: subiu a carga tribu-
tária em 6% do PIB; reduziu despesas, ao arrochar as
despesas de pessoal e cortar investimentos; e vendeu
as estatais por US$ 100 bilhões. Ainda assim, quase

96
JOSÉ PRATA ARAÚJO

dobrou a dívida em termos reais. Segundo Reinaldo


Gonçalves, professor da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro), “não há registro na história de um
processo de endividamento interno como no governo
Fernando Henrique”1. E o que é pior: FHC deixou uma
dívida pública de difícil administração, porque parte
expressiva estava lastreada em títulos cambiais e títu-
los pós-fixados com vencimento em curtíssimo prazo.
Veja o que o governo Fernando Henrique escreveu
na proposta da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)
de 2002:

“A variável mais importante no longo prazo para


conferir credibilidade à política macroeconômica é
a relação dívida/PIB – Produto Interno Bruto. Uma
trajetória estável desta relação proporciona a folga
necessária à gestão de eventuais desajustes de
curto prazo e reduz o risco financeiro de qualquer
empreendimento ou investimento no país”2.

São os próprios tucanos e pefelistas que afirmam: a


credibilidade da política macroeconômica está na rela-
ção dívida/PIB. Fernando Henrique, ao dobrar a dívida
interna em termos reais, definitivamente não foi o presi-
dente de um governo cuja marca tenha sido a responsa-
bilidade fiscal.
Na era FHC, a questão fiscal não foi devidamente com-
preendida pela esquerda. Durante todos esses anos foi
comum a afirmação de que FHC estava implantando no

97
DÍVIDA PÚBLICA, SUPERÁVIT PRIMÁRIO E CARGA TRIBUTÁRIA

Brasil o “Estado mínimo”. Tirando alguns países da


América Latina, onde a seguridade social e outros ser-
viços públicos foram privatizados, no Brasil, na Euro-
pa e também nos Estados Unidos, o Estado não redu-
ziu de tamanho, mas sim teve aumentado o seu qui-
nhão na riqueza nacional. Como já demonstrou o eco-
nomista Paulo Nogueira Batista Jr., na maioria desses
países a carga tributária cresceu de forma expressiva.
Mas com a crescente financeirização do capital o Es-
tado cresceu mais no pagamento dos encargos finan-
ceiros do que nas políticas públicas. Não é verdade
que todo o crescimento da carga tributária no Brasil
foi unicamente para o pagamento da dívida pública,
também as políticas públicas tiveram algum crescimen-
to, só que bastante inferior. De acordo com o jornal
Folha de S.Paulo, em caderno dedicado à era FHC, os
gastos sociais no período cresceram de fato, puxados
pela grande inflexibilidade dos gastos previdenciários
(benefícios de prestação continuada e indexação le-
gal), tendo passado de 12% do PIB, em 1995, para 14%
em 2001, mas perderam representatividade em rela-
ção à receita corrente do governo (passaram de 60%
da receita, em 1995, para 55% em 2001).
Dois componentes do sistema tributário brasileiro ex-
plicam por que os neoliberais, em tese adeptos do Esta-
do mínimo, concordaram com um aumento de 6% da
carga tributária: o aumento foi nos impostos indiretos
sobre o consumo, o que onerou mais as camadas po-
bres, e sua destinação foi prioritariamente para o paga-

98
JOSÉ PRATA ARAÚJO

mento dos juros da dívida pública, o que favoreceu as


camadas mais ricas da sociedade. Sobre o aumento da
carga tributária, é preciso ressaltar o seguinte: como
presidente, FHC, no período de 1995 a 2002, aumentou a
carga tributária em 6% do PIB. Mas foi ele também,
como ministro da Fazenda, empossado em maio de 1993,
que comandou o aumento da carga tributária em 4% do
PIB de 1993 para 1994. Portanto, sob o comando de
Fernando Henrique, a carga tributária foi elevada em
10% do PIB.
Na questão fiscal foram os tucanos e os pefelistas
que implodiram também o pacto federativo, que tem na
justa alocação dos recursos tributários para a União, os
estados e os municípios um de seus pilares fundamen-
tais. De acordo com a Constituição Federal de 1988, a
União só reparte com os estados (Fundo de Participa-
ção dos Estados) e com os municípios (Fundo de Parti-
cipação dos Municípios) a receita tributária relativa aos
impostos (Imposto de Renda, Imposto Sobre Produtos
Industrializados etc.); já a receita tributária com contri-
buições sociais (CPMF – Contribuição Provisória sobre
Movimentação ou Transmissão de Valores e de Crédi-
tos e Direitos de Natureza Financeira, Cofins – Contri-
buição para o Financiamento da Seguridade Social, CLL
– Contribuição sobre o Lucro Líquido, CIDE – Contribui-
ção de Intervenção do Domínio Econômico, previdên-
cia etc.) é exclusivamente da União. Os 10% de au-
mento da carga tributária na era FHC (o equivalente atual-
mente a R$ 200 bilhões por ano) foram conseguidos,

99
DÍVIDA PÚBLICA, SUPERÁVIT PRIMÁRIO E CARGA TRIBUTÁRIA

sobretudo, com a criação e/ou o aumento de alíquotas


de contribuições sociais, o que acabou inflando artifici-
almente o orçamento da Seguridade Social, que passou
a apresentar enormes “superávits”.
Grande parte da esquerda nunca compreendeu essa
manobra do governo Fernando Henrique e passou a
denunciar os “desvios” do orçamento da Seguridade
Social como explicação de sua crise financeira. Trata-
se de um erro elementar: se o nível de desemprego ba-
teu todos os recordes históricos; se cresceu enorme-
mente a precarização do trabalho (emprego sem cartei-
ra assinada, falsas cooperativas, falsos estágios, falso
trabalho autônomo, terceirização); se os salários dos tra-
balhadores desde 1997 estiveram ladeira abaixo – como
poderia a previdência, cuja receita depende completa-
mente do mercado formal de trabalho, estar com os re-
cursos sobrando no caixa? Na verdade, a Previdência
Social é a expressão acabada de duas décadas perdi-
das: suas receitas foram dilaceradas pela estagnação
econômica e pelo desemprego, que desequilibrou suas
contas com as despesas sociais fundamentais para com-
bater a crescente miséria imposta por essa mesma es-
tagnação. Portanto, a Seguridade Social foi transforma-
da numa instituição “testa-de-ferro” do governo FHC: teve
suas receitas agigantadas, em grande medida, não para
melhorar a previdência, a saúde e a assistência social,
mas como forma de desvincular receitas de estados e
municípios e viabilizar o pagamento dos crescentes en-
cargos da dívida pública. Como 60% dos recursos de

100
JOSÉ PRATA ARAÚJO

estados e municípios são aplicados em gastos de pes-


soal, o gigantesco “superávit” da Seguridade Social foi
conseguido com a desvinculação de salários de servido-
res estaduais e municipais.

INDICADORES FISCAIS NO GOVERNO LULA

Depois de oito anos de elevação nos


dois governos de FHC, a dívida públi-
ca, enquanto proporção do PIB, recuou
no governo Lula. Seu valor nominal
subiu: em 2002, era de R$ 881,108 bi-
lhões e atingiu, em 2005, R$ 1 trilhão.
Mas enquanto proporção do PIB, indi-
cador mais importante na análise de
indicadores macroeconômicos, ela re-
cuou de 55,5% para 51,6%. Veja a ta-
bela 1. Isso se deveu a, pelo menos,
quatro fatores: ao maior crescimento eco-
nômico; à redução das taxas de juros,
como já vimos no capítulo anterior; ao
aumento do superávit primário; e ao re-
cuo do valor do dólar, que reduziu, em
reais, o peso da dívida indexada à moeda
estadunidense. Vale ressaltar que essa
redução da dívida pública foi realizada
com a manutenção da carga tributária pra-
ticamente estabilizada, como pode ser
visto na tabela 2. Depois de subir mais

101
DÍVIDA PÚBLICA, SUPERÁVIT PRIMÁRIO E CARGA TRIBUTÁRIA

de 6% do PIB na era FHC, com Lula a carga tributária


passou de 35,53% do PIB, em 2002, para 35,91%, em
2004. A redução da dívida se deu, ainda, sem os recursos
de privatização de estatais e com a retomada de impor-
tantes gastos públicos, como é o caso da recomposição
do quadro de pessoal do serviço público federal.
O principal avanço, no entanto, se deu na composi-
ção da dívida pública, em que o destaque é a sua des-
dolarização. A dívida corrigida pelo câmbio – títulos
cambiais – chegou a representar, em 2002, final do
governo FHC, 37% da dívida pública, o que equivalia a
compromissos no valor de R$ 230,57 bilhões. No go-
verno Lula, essa dívida dolarizada, grande fator de
vulnerabilidade de nossa economia, foi zerada. Isso sig-
nifica um enorme avanço na administração da dívida
pública, que deixa de refletir as variações no câmbio e
passa a depender basicamente da evolução da taxa de
juros interna (Selic) e da taxa de crescimento do PIB.
Outro avanço é a ampliação dos papéis prefixados, que
atingiram 25% da composição da dívida pública. En-
tretanto, a composição da dívida pública indica, ainda,
aspectos problemáticos: ela continua fortemente vin-
culada à Selic, com participação de 52% do total, e o
período de vencimento é muito curto: 27 meses, em
média, o que é muito distante dos prazos dos países
desenvolvidos, que chegam a 30 anos.
Os resultados fiscais seriam, contudo, muito mais po-
sitivos se o governo Lula tivesse sido mais audacioso na
redução da taxa de juros. Veja a tabela 3, com os encar-

102
JOSÉ PRATA ARAÚJO

gos da dívida pública nos últimos


11 anos e com os elevados supe-
rávits primários realizados, sobre-
tudo a partir de 1999. Os núme-
ros são estarrecedores. De julho
de 1994, data da implantação do
Plano Real, até dezembro de
2005, as despesas com os juros
da dívida pública somaram a
estratosférica quantia de R$ 1,025
trilhão, valor do tamanho do PIB
de 2001. Neste mesmo período,
o país realizou superávits primários crescentes para o
pagamento de juros no valor de R$ 417 bilhões, e ainda
assim este valor quitou apenas 41% do total. Esses nú-
meros indicam claramente que o aumento e a manuten-
ção dos juros em patamares elevados têm conseqüên-
cias muito negativas e esterilizam todo o esforço fiscal.
Juro real elevado aumenta a dívida pública e reduz o
crescimento do PIB, o que mantém, por conseqüência,
elevada a relação dívida pública/PIB.
Verdade que o governo Lula obteve resultados fiscais
muito modestos e manteve muito elevados os gastos com
os juros da dívida pública. No entanto, num país com um
importante resíduo inflacionário como o Brasil, não são
corretas análises de endividamento público apenas do
ponto de vista nominal. É preciso analisar os indicado-
res enquanto proporção do PIB, ou seja, na sua evolução
em termos reais. Nesse sentido, os gastos com juros

103
DÍVIDA PÚBLICA, SUPERÁVIT PRIMÁRIO E CARGA TRIBUTÁRIA

nos dois mandatos


de Fernando Henri-
que foram superio-
res aos dos três pri-
meiros anos do go-
verno Lula. Veja a
tabela 4. No perío-
do de 1995 a 2002,
os gastos com juros
da dívida pública
foram, em média,
de 8,82% do PIB, com picos de 13,2% e 14,17% do PIB,
em 1999 e 2002, anos em que o país viveu duas sérias
crises cambiais. Já nos três primeiros anos do governo
Lula, os gastos com juros recuaram, ainda que de forma
modesta, para 7,7% do PIB. Gastos com juros maiores e
menor superávit primário (receitas menos despesas,
exceto juros) levaram a uma piora acentuada da situa-
ção fiscal na gestão Fernando Henrique, quando o re-
sultado nominal das contas públicas, o chamado déficit
nominal (receitas menos despesas, juros incluídos) atin-
giu, em média, 7,2% do PIB. No governo Lula, a dívida
pública recuou em relação ao PIB devido aos juros me-
nores e ao superávit primário maior, o que reduziu o
déficit nominal das contas públicas, para, em média,
3,1% do PIB. Esse percentual é próximo ao praticado
nos países europeus e nos Estados Unidos.
A sociedade brasileira precisa discutir uma questão
técnica complicada, que são os critérios para contabili-

104
JOSÉ PRATA ARAÚJO

zar receitas, despesas e superávit primário do gover-


no. O consultor Antoninho Marmo Trevisan afirma que
na contabilidade imposta pelo FMI o Brasil está proibi-
do de crescer:

“O FMI impôs uma contabilidade que eu chamo de


contabilidade casuística para o Brasil. Desde então,
os investimentos públicos passaram a ser conta-
bilizados como despesas. A partir desse momento,
o Brasil parou de crescer. Terminado o milagre bra-
sileiro, a partir do início dos anos 80, deixamos de
investir em infra-estrutura, e o que se constata é que
o crescimento do PIB baixou dos 5,7% que manteve
de 1947 até o final dos anos 70 para desprezíveis
2%. O problema do Brasil é contábil. O Brasil está
proibido de crescer. O país está condenado, mate-
maticamente e contabilmente, ao não-crescimento.
Imagine se uma empresa no Brasil ou em qualquer
lugar do mundo tivesse de lançar cada investimen-
to que fizesse na compra de equipamentos, máqui-
nas e imóveis como despesa. O que aconteceria
com o balanço? Ela não ia ter ativos. O patrimônio
dela não existiria e ela só apresentaria prejuízos. O
problema do Brasil é que as contas públicas estão
sendo medidas de forma errada. Despesa é consu-
mo de patrimônio, investimento agrega ao
patrimônio. É um engodo contábil. O superávit bra-
sileiro, comparado com outros países, é uma
excrescência. É uma comparação que não existe.

105
DÍVIDA PÚBLICA, SUPERÁVIT PRIMÁRIO E CARGA TRIBUTÁRIA

Pelas minhas contas, o superávit seria, pelo me-


nos, uns três a quatro pontos maior. Outros paí-
ses contabilizam investimentos como ativo, e não
como passivo”3.

Portanto, sem rever a questão do superávit primário, o


Estado não retomará sua capacidade de investimento. As
alternativas do governo Lula são basicamente três: a) re-
duzir o percentual do superávit primário; b) não contabilizar
os investimentos das estatais como despesas, o que po-
derá possibilitar, somente na Petrobrás e na Eletrobrás,
investimentos de R$ 11 bilhões por ano; c) adotar o supe-
rávit anticíclico, que já foi aventado pelo governo (econo-
mizar mais quando o país cresce mais e economizar me-
nos quando o crescimento econômico é menor).
O que não se pode aceitar é a proposta do deputado
Delfim Netto (PMDB-SP) de déficit nominal zero, com a
elevação do superávit primário para até 7% do PIB para
reduzir rapidamente a dívida pública. Qual o superávit
primário necessário para estabilizar a dívida pública como
proporção do PIB, principal indicador de saúde das con-
tas públicas? O próprio deputado, baseado em algumas
projeções, explica essa matemática:

“Um algebrismo elementar mostra que, para man-


ter essa relação constante, o superávit deve ser
igual ao nível da dívida (hoje 52%) multiplicado pela
diferença entre a taxa de juros real (hoje 14%) e taxa
de crescimento real (hoje 3,3%). Que número é esse?

106
JOSÉ PRATA ARAÚJO

Exatamente 5,56%. Qualquer número menor que


esse aumentará a relação dívida/PIB e estimulará o
aumento dos juros. Nas condições atuais, portan-
to, o superávit de 4,25% ampliaria a relação dívida/
PIB e tornaria mais difícil reduzir a taxa de juros.
Enquanto não tivermos as condições objetivas de
realizá-los, não vale sonhar com taxa de juros real
de 10% e supor crescimento de 5%, momento em
que o superávit primário de 4,25% reduziria siste-
maticamente a relação dívida/PIB”4.

Considerando a taxa de juros e o crescimento mundial,


não é sonho, como afirma Delfim Netto, uma taxa de
juros real de 10% e crescimento de 5%. São patamares
que já deveriam ter sido atingidos há muito tempo. Na
maioria dos países, alguns com dívidas superiores à brasi-
leira, a taxa de juros real é negativa ou próxima de 1%. O
crescimento mundial está também bastante acelerado.
Perseguir, em curto prazo, uma taxa de juros real de 10%
e um crescimento de 5%, sem aumentar o superávit pri-
mário de 4,25% implica, como reconhece o deputado, uma
redução acentuada da dívida pública (52%). Com base
nesses indicadores, o superávit primário necessário para
manter a dívida constante seria: dívida de 52% do PIB
multiplicada pela diferença entre a taxa de juros real (10%)
e o crescimento do PIB (5%), cujo resultado é um
percentual de 2,6% do PIB. Ou seja, nessa hipótese o su-
perávit primário de 4,25% do PIB implicaria uma redução
da dívida/ PIB de 1,65% ao ano. Portanto, o caminho para

107
DÍVIDA PÚBLICA, SUPERÁVIT PRIMÁRIO E CARGA TRIBUTÁRIA

equacionar a questão fiscal no Brasil passa não pelo au-


mento ainda maior do superávit primário, mas pela redu-
ção expressiva da taxa de juros real da economia.
No entanto, a questão da ciranda financeira em que o
Brasil continua ainda envolvido é bem mais complexa
do que aquela sugerida pelo discurso político simplista.
Verdade que os bancos são os grandes ganhadores com
as taxas de juros elevadas, mas não somente eles. Como
diz José Luís Fiori: “A separação entre capital especu-
lativo-financeiro e capital industrial é uma ficção que
não existe mais, a não ser no caso das fabriquetas e dos
botequins da economia de mercado”5. Existe uma cres-
cente fusão patrimonial entre os diversos segmentos do
capital: não são poucas as empresas que montaram os
seus próprios bancos e financeiras (20% dos lucros do
grupo Votorantin, de propriedade da família Ermírio de
Morais, por exemplo, vêm do banco do conglomerado)
e, de outro lado, os bancos têm participação acionária e
até o controle de muitas empresas industriais,
agropecuárias e de serviços. Ao contrário do que mui-
tos pensam, grande parte dos recursos que estão apli-
cados em títulos do governo não são dos bancos, mas
de terceiros (empresas industriais, de serviços e agro-
pecuárias; das classes médias rentistas; dos participan-
tes dos fundos de pensão etc.). São 6 milhões de pes-
soas físicas e empresas que investem em fundos de in-
vestimento e possuem planos de previdência privada e
que embolsam a maior parte dos juros da dívida pública.
Por isso, o problema da dívida interna é extremamente

108
JOSÉ PRATA ARAÚJO

complexo. O não-pagamento, como alguns sugerem,


seria uma catástrofe para os bancos e também para toda
a economia, e até mesmo uma renegociação da dívida é
inviável pela absoluta falta de interlocutores. A saída é
baixar os juros, colocar a dívida interna numa curva
declinante e estimular o seu alongamento.
Síntese
✔ A dívida pública passou de 30,4% do PIB para 55,5%
na era FHC. No governo Lula, ela passou de R$ 881,108
bilhões para R$ 1 trilhão, mas, enquanto percentual
do PIB, indicador mais importante da política macro-
econômica, ela recuou de 55,5% para 51,6%.
✔ A carga tributária, depois de subir 10% do PIB na
era FHC (4% do PIB quando ele era ministro da Fa-
zenda e mais 6% do PIB como presidente) pratica-
mente se estabilizou no governo Lula, tendo pas-
sando de 35,53% do PIB, em 2002, para 35,91%
em 2004.
✔ A dívida pública atrelada aos títulos cambiais, gran-
de fator de vulnerabilidade de nossa economia, que
chegou a representar, em 2002, 37% da dívida to-
tal, ou R$ 230 bilhões, foi zerada no início de 2006.
✔ Nos anos entre 1995 e 2002, os gastos com juros
da dívida pública atingiram, em média, 8,82% do PIB,
e recuaram nos três primeiros anos do governo Lula,
ainda que de forma insuficiente, para 7,7% do PIB.
✔ O déficit nominal das contas públicas (receitas me-
nos despesas, juros incluídos), principal indicador do
desempenho das contas públicas, que foi de 7,2%
do PIB, em média, nos dois mandatos de FHC, recuou
para menos da metade no governo Lula: 3,1% do PIB.

109
JOSÉ PRATA ARAÚJO

POLÍTICA EXTERNA
E INTEGRAÇÃO DA
AMÉRICA LATINA

Não há dúvidas de que a política externa do governo


Lula será um dos principais alvos da oposição liberal-
conservadora representada pelo PSDB e pelo PFL. Pro-
vavelmente, isso não será feito de forma hostil e aberta,
mas um de seus objetivos, com certeza, será retomar
uma agenda liberal para a América Latina com a derro-
ta do que consideram o “novo populismo” na região.
Nesse sentido, duas eleições são cruciais em 2006: Brasil
e México. No auge da crise política, em julho de 2005, o
jornal O Globo publicou um editorial em que questiona-
va duramente a política externa do governo Lula:

“É arriscada a noção de que um expediente váli-


do para enfrentar a hegemonia americana seria apro-
ximar-se a qualquer custo da China e da Índia. Ela
trai a persistência de um ranço terceiro-mundista,
que leva o país a inclinar-se para figuras suspeitas
como Hugo Chavez. E escamoteia o fato de que a
China e a Índia, apesar de parceiros comerciais de-
sejáveis e aliados multilaterais, são nossos compe-
tidores – por sinal cada dia mais próximos dos EUA”1.

111
POLÍTICA EXTERNA E INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA

Realizamos, a seguir, um breve balanço da política


externa do governo em três de seus principais aspectos:
ALCA, a participação no G-20, e a integração da Améri-
ca Latina.
O que é a ALCA?
Marco Aurélio Weissheimer

"A Área de Livre Comér-


cio das Américas é o
nome dado ao processo de
melhor dizer. O projeto de
integração foi lançado pelos
líderes de 34 países das
expansão do Acordo de Li- Américas do Norte, Central
vre Comércio da América do e do Sul e do Caribe duran-
Norte (Nafta) a todos os res- te a Cúpula das Américas
tantes países do Hemisfé- em Miami, Flórida, em de-
rio Ocidental, exceto Cuba. zembro de 1994. Durante
Com uma população de 800 esse encontro, o então pre-
milhões e um PIB aproxima- sidente Bill Clinton [norte-
do de US$ 11 trilhões, a ALCA americano] se comprome-
seria a maior zona de livre teu a realizar o sonho do an-
comércio do mundo. Ou terior presidente George
seja, a ALCA pode se tornar Bush de um acordo de livre
o acordo de livre comércio comércio que se estendes-
de maior alcance no mun- se desde Anchorage até
do, com um âmbito que pe- Tierra del Fuego, unisse as
netrará em todos os aspec- economias do hemisfério,
tos da vida dos cidadãos das aumentasse a integração
Américas. Mas, ao contrá- social e política entre os
rio do projeto da União Eu- países e se baseasse no
ropéia, a ALCA é sobretudo mesmo modelo de livre co-
uma proposta de integração mércio que o Nafta”.
comercial. De desregula- [...] “São graves as con-
mentação comercial, seria seqüências que a propos-

112
JOSÉ PRATA ARAÚJO

ÁREA DE LIVRE COMÉRCIO DAS AMÉRICAS – ALCA

A posição do governo Lula foi fundamental para barrar


a proposta de uma ALCA ampla e abrangente, como que-
riam os Estados Unidos.
A ALCA, no formato proposto pelos norte-americanos,
é especialmente problemática para o Brasil, no que se
refere à manutenção do sistema de proteção social e da
legislação trabalhista. No governo Fernando Henrique,
os técnicos do Ministério da Previdência Social defen-
deram, sem rodeios, o seguinte:

ta da ALCA pode ter para os que ocorreu em acordos


países latino-americanos. comerciais anteriores,
Ela estabelece condições como aqueles firmados
sobre políticas de concor- pelo Nafta e pela OMC (Or-
rência, contratos públicos, ganização Mundial do Co-
acesso ao mercado e reso- mércio), este acordo de li-
lução de disputas que, jun- vre comércio para as Amé-
tas com a inclusão de ser- ricas não contempla salva-
viços e investimentos, po- guardas em seu texto para
dem retirar de todos os proteger trabalhadores, di-
governos a capacidade de reitos humanos, segurança
criar ou manter leis, normas social nem normas de saú-
e regulamentos para prote- de e ambientais”.
ger a saúde, a segurança e WEISSHEIMER, Marco
o bem-estar dos cidadãos Aurélio. “O ataque da ALCA
e do meio ambiente que à esfera pública”. Agência
partilham. A exemplo do Carta Maior, 25/07/2001.

113
POLÍTICA EXTERNA E INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA

“A integração dos países em blocos comerciais


tem importantes implicações nas legislações traba-
lhista e previdenciária. Para que as empresas conti-
nuem competitivas, as legislações dos países que
compõem os blocos precisam ser neutras, ou seja,
precisam ser equivalentes em termos de custos de
produção. Além disso, uma característica básica
dos Mercados Comuns tem sido a mobilidade da
mão-de-obra. Quanto mais os blocos se fortalece-
rem, menor deverá ser a diferenciação entre os paí-
ses membros no que se refere à legislação trabalhis-
ta e previdenciária. A lógica inerente dos blocos
comerciais leva inevitavelmente a uma harmonização
nessa área”2.

Esse tipo de diagnóstico e o apoio da oposição con-


servadora à ALCA são os maiores ingredientes para uma
privatização radical da seguridade social e para a
precarização ao máximo da legislação trabalhista. O
Brasil, como já vimos neste estudo, tem um sistema de
proteção social que custa 17% do PIB, uma diferencia-
ção radical em relação aos demais países das Améri-
cas, que, em sua maioria, privatizaram a seguridade so-
cial e adotaram políticas sociais focalistas e de cobertu-
ra limitada. A seguridade social brasileira, na lógica con-
servadora dos blocos comerciais, é considerada um custo
de produção adicional para as empresas que operam no
país e precisa, por isso, ser suprimida. A mesma coisa
se aplica em relação à legislação trabalhista. Nosso país

114
JOSÉ PRATA ARAÚJO

regula as relações de trabalho através de um sistema


misto: parte dos direitos é garantida pela legislação tra-
balhista e a outra parte através de acordos e conven-
ções de trabalho, que têm também força de lei. Os de-
fensores da ALCA querem extinguir a legislação traba-
lhista e adotar um modelo de negociação coletiva, man-
tendo-se um sistema selvagem de relações de trabalho,
em que a negociação será uma farsa para extinguir di-
reitos trabalhistas.

A CONSTITUIÇÃO DO G-20

Uma das grandes iniciativas do governo Lula na polí-


tica externa foi o papel que assumiu na liderança dos
países em desenvolvimento e pobres nos fóruns inter-
nacionais, onde se discutem e se deliberam as regras e
condições do comércio internacional, como é o caso da
Organização Mundial do Comércio. Já vimos neste es-
tudo o absurdo que significam as regras da abertura
comercial realizada segundo os interesses dos países
ricos: abertura ao máximo do comércio naqueles seg-
mentos que lhes interessam – como no caso dos produ-
tos industriais – e implementação de uma inaceitável
proteção nos segmentos do comércio em que os países
em desenvolvimento e pobres são mais competitivos –
como no caso dos produtos agrícolas.
Essas regras comerciais impõem perdas dramáticas
nas contas externas para os países em desenvolvimen-
to e pobres, com graves repercussões no desenvolvi-

115
POLÍTICA EXTERNA E INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA

mento interno e na geração de emprego e renda. Dessa


forma, a balança de serviços e rendas (pagamento de
juros da dívida externa, remessa de lucros, royalties e
licenças, aluguel de equipamentos, transportes etc.) é
amplamente desfavorável a esses países. A única for-
ma de equilibrar as contas externas dos países em de-
senvolvimento e pobres é através da balança comercial,
com a criação de condições favoráveis ao incremento
das exportações. Neste sentido, a mudança nas regras
do comércio internacional – especialmente com o fim do
protecionismo aos produtos agrícolas – é fundamental para
que tenhamos um mundo mais igual e mais justo.
A importância do G-20 foi reconhecida por um espe-
cialista em política internacional, Francisco Carlos
Teixeira, professor da UFRJ:

“Desde 2003, quando o Brasil (ao lado de Índia,


China, Argentina e África do Sul) criara o G-20 – gru-
po de países emergentes, grandes produtores agrí-
colas –, as relações Norte/Sul, para simplificar, ficam
mais tensas. Especialmente as questões referentes
aos milionários subsídios agrícolas que ameaçavam
a boa conclusão da chamada Rodada de Doha da
OMC. Os Estados Unidos, a União Européia e o Ja-

pão haviam negociado previamente à reunião de


Cancún, no México, visando impor seus interesses
no estabelecimento das regras do comércio mundial.
Fora um ato de arrogância imperial, com uma clara
tentativa de impor uma ordem econômica injusta ao

116
JOSÉ PRATA ARAÚJO

conjunto dos povos do planeta. A resposta dos 20


países reunidos em Cancún foi a paralisia total das
conversações, com grave risco para a própria exis-
tência da Rodada de Doha (em razão da Conferência
da OMC em Doha, no Catar, em 2001) e que estabele-
cera para o 2005 a meta de diminuição drástica das
barreiras tarifárias ao comércio de bens agrícolas. Na
maioria das vezes, em virtude de interesses eleitorais
– a manutenção do voto de grupos de produtores
rurais sem condições de competir no comércio mun-
dial –, os governos europeus, dos Estados Unidos e
do Japão pagam quantias fabulosas para manter no
mercado produtores absolutamente não-competiti-
vos (como os produtores de açúcar dos Estados
Unidos, de arroz do Japão ou de frangos da União
Européia). O conjunto de tais subsídios chegou à
soma fantástica de mais de US$ 330 bilhões em 2003,
distorcendo os termos mundiais do comércio e ge-
rando desemprego e baixa renda nos principais paí-
ses produtores do Terceiro Mundo”3.

ESQUERDIZAÇÃO E INTEGRAÇÃO
DA AMÉRICA LATINA

A América Latina experimenta uma virada à esquerda


sem precedentes em sua história. O cientista político José
Luís Fiori destaca esse acontecimento extraordinário:
“Quem viveu e viu, quem leu ou escutou a história da
América Latina, depois da Segunda Guerra Mundial, sabe

117
POLÍTICA EXTERNA E INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA

que neste início do século XXI está acontecendo algo ex-


traordinário neste continente, talvez uma ruptura revolu-
cionária”4. Neste processo, é inegável o papel protago-
nista que teve o Brasil, através do governo Lula. Foi o
governo brasileiro que liderou, diplomaticamente, uma
saída democrática para a crise venezuelana através da
constituição do “Grupo de países Amigos da Venezuela”
– incluindo a ajuda direta a Hugo Chavez, com o envio de
petróleo em meio à greve geral da PDVSA, empresa de
petróleo daquele país, no final de 2002. O governo Lula,
em todas as eleições do continente, adotou uma posição
de clara simpatia pelas candidaturas de esquerda, como
as de Nestor Kirchner, na Argentina, de Evo Morales, na
Bolívia, e de Tabaré Vasquez, no Uruguai. O certo é que
em meados de 2005 podiam ser contabilizados pelo me-
nos sete governos de esquerda na América Latina: Bra-
sil, Cuba, Venezuela, Argentina, Chile, Uruguai e Bolívia.
Essa virada histórica à esquerda tem contribuído deci-
sivamente para estimular a integração econômica, políti-
ca e cultural da América Latina. Entre as medidas neste
sentido, podemos destacar: a rejeição da ALCA ampla e
abrangente proposta pelos Estados Unidos e seus aliados
mais próximos; a retomada, o fortalecimento e a amplia-
ção do Mercosul (Mercado Comum do Sul); a adoção de
mecanismos de financiamento para a construção de infra-
estrutura, como estradas, ferrovias e pontes; a integração
energética, por meio de projetos nas áreas de gás, eletri-
cidade e petróleo; maior parceria dos países do continen-
te nos fóruns internacionais, como é o caso da Organiza-

118
JOSÉ PRATA ARAÚJO

ção Mundial do Comércio; a postura de diversos países


latino-americanos de não-alinhamento com os Estados
Unidos na política de invasão do Iraque em 2004.
A continuidade da integração da América Latina, con-
tudo, depende essencialmente de que os grandes países
da região, especialmente o Brasil, apostem nesta políti-
ca. O economista Paulo Nogueira Batista Jr. ressalta o
papel de nosso país na integração regional:

“A tríade Argentina–Brasil–Venezuela tem condi-


ções de articular um projeto ambicioso de integração
sul-americana. Esses três países têm um papel funda-
mental a desempenhar, principalmente o Brasil, o maior
e mais desenvolvido país do continente. Trata-se de
reconhecer que a integração sul-americana só poderá
prosperar se os países mais fortes estiverem dispos-
tos a fazer concessões e a dar tratamento preferencial
e diferenciado aos países menores e menos desenvol-
vidos. Não podemos perder de vista o muito que está
em jogo. Conseguiremos construir um bloco sul-ame-
ricano num mundo crescentemente multipolar? Ou
voltaremos à condição de satélites de um bloco co-
mandado por Washington?”5.

ELEIÇÕES E O FUTURO DA AMÉRICA LATINA

O jornal Folha de S.Paulo publicou, no mês dezembro


de 2005, uma matéria intitulada “Novo populismo na
América Latina preocupa economistas”. O diário intro-

119
POLÍTICA EXTERNA E INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA

duz a matéria dizen-


do: “Dezembro inau-
gura o ano das elei-
ções presidenciais na
América Latina. Se-
rão nove a partir de
agora e, se incluídas
as eleições legisla-
tivas, 12, nada me-
nos do que uma por
mês, em média.
Com as mudanças políticas, surge o risco de mudanças
econômicas, o que faz os economistas, ou pelo menos
parte importante deles, preocuparem-se com o que tem
sido chamado de nascimento do ‘novo populismo’ na re-
gião”. Veja a tabela 1, com o quadro eleitoral divulgado
pela Folha.
No final de 2005, as duas eleições presidenciais na
América Latina foram vencidas pela esquerda: Michelle
Bachelet, uma mulher progressista, de esquerda, divor-
ciada e agnóstica, superou os preconceitos e será a pri-
meira mulher a governar o Chile; Evo Morales, que re-
presentou, pela primeira vez na história, a vitória de um
índio para presidente da Bolívia. O escritor uruguaio
Eduardo Galeano, com seu enorme brilhantismo, fala das
duas vitórias:

“Com toda razão, Evo, em seu primeiro discurso


presidencial, disse que, em 1825, os indígenas não

120
JOSÉ PRATA ARAÚJO

foram convidados para a fundação da Bolívia. Essa


é também a história de toda a América, incluindo os
EUA. A independência dos países americanos foi

usurpada desde o primeiro momento por uma mi-


noria muito minoritária. Todas as primeiras Consti-
tuições, sem exceção, deixaram de fora as mulheres,
os índios, os negros e os pobres em geral. Pelo
menos nesse sentido, a eleição de Evo Morales é
equivalente à eleição de Michele Bachelet. Evo e
Eva. Pela primeira vez uma mulher é presidente do
Chile. O mesmo poderia ser dito do Brasil, onde, pela
primeira vez, o ministro da Cultura é negro. Por aca-
so não tem raízes africanas a cultura que salvou o
Brasil da tristeza? Nestas terras doentes de racis-
mo e machismo, não faltará quem ache que tudo isso
é um escândalo. O escandaloso mesmo é que não
tenha acontecido antes”6.

Em 2006, acontecerão muitas eleições, mas duas de-


las poderão mudar de vez os rumos da América Latina.
A do México, em julho, onde liderava as pesquisas o
candidato de esquerda, o ex-prefeito da cidade do Mé-
xico, Andrés Manoel Lopez Obrador7. E em outubro
teremos outra eleição decisiva: a do Brasil, de cujo re-
sultado dependerá se nosso país continuará sendo um
dos protagonistas da integração da América Latina, ou,
como disse José Luis Fiori, se voltará a ser novamente
um clone do governo dos Estados Unidos.

121
POLÍTICA EXTERNA E INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA

Diversos intelectuais têm ressaltado a importância da


reeleição de Lula para o Brasil e para toda a América
Latina. É o caso de Flávio Aguiar:

“Sem Lula não existe o Itamaraty de hoje, e sem o


Itamaraty de hoje o Brasil retornará ao de ontem, isto
é, o da diplomacia sempre competente, como de cos-
tume, mas com a costumeira política de subordina-
ção defensiva, ou de defesa subordinante [...] Enfim,

Dúvida, decepção e esperança


José Luis Fiori
este momento, esta democratas e dos conser-
"N nova situação emer-
gente deixa no ar uma dú-
vadores, neste momento
tão desafiador da história
vida e uma decepção, mas continental. O debate polí-
também uma enorme es- tico e ideológico entre os
perança. Dúvida, com rela- dois tem sido de uma me-
ção ao comportamento que diocridade e monotonia in-
terão os Estados Unidos. digesta, quase sempre,
Neste ponto, a história pas- sobre as milimétricas dife-
sada não estimula otimis- renças que separam uma
mos, mas não é impossí- social-democracia sem
vel uma repactuação da idéias próprias, e um
hegemonia norte-america- conservadorismo de uma
na, dentro do ‘hemisfério idéia só, a do medo do
ocidental’, se os ‘latinos’ ‘populismo macroeconô-
souberem atuar conjunta- mico’. Mas mesmo fora
mente. Decepção, com re- deste ‘binômio’ o ‘mundo
lação à pobreza das idéias das idéias’ tem estado na
e dos projetos dos social- defensiva e cumprido ape-

122
JOSÉ PRATA ARAÚJO

que as esquerdas escolham seu caminho. Vamos ten-


tar aprender com os erros, ao invés de reiterá-los, por
outras veredas. E o erro maior, aquele que é a espi-
nha dorsal dos outros, é o do desconhecimento do
Brasil, de sua circunstância e sua conjuntura. As
esquerdas, como as classes dominantes, parecem
olhar por vezes (as classes dominantes quase sem-
pre) o país como um modelo mal realizado de alguma
outra coisa com que se sonha, ou se delira”8.

nas o papel de raciona- cionismo imperial dos Es-


lizador de interesses espe- tados Unidos, mas defen-
cíficos e muito transparen- dem um projeto político e
tes. Além disto, não exis- econômico sul-americano
tem em lugar algum novas que não desconhece a im-
‘sínteses teóricas’, ‘utopias portância norte-americana,
empacotadas’, ou projetos nem propõe nenhum tipo
acabados na cabeça dos de isolacionismo ‘indi-
intelectuais. Por isso, na genista’. Um bom ponto de
América Latina, quem está partida, e motivo de justa
agora abrindo ou tentando esperança para quem já vi-
abrir novos caminhos são veu e viu tantas derrotas da
homens que não perten- esquerda, neste continen-
cem às elites tradicionais te governado há tanto tem-
e são pouco ‘cosmopoli- po por elites conservado-
tas’, mas têm objetivos éti- ras, quase sempre sub-
cos, sociais e políticos missas e subalternas”
muito claros, populares, (FIORI , José Luis.
nacionais e igualitários. “Lembranças e esperan-
São críticos das políticas ças”, Valor Econômico,
neoliberais e do interven- 04/01/2006).

123
POLÍTICA EXTERNA E INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA

Síntese
✔ A política externa do governo Lula será um dos prin-
cipais alvos da oposição liberal-conservadora (PSDB
e PFL) nas eleições presidenciais de 2006, que pre-
tende retomar uma política externa subserviente e
de aliança preferencial com os Estados Unidos.
✔ A posição do Brasil foi decisiva para o não-encami-
nhamento, até agora, da Área de Livre Comércio
das Américas ampla e abrangente como preten-
diam os Estados Unidos.
✔ O Brasil foi um dos principais protagonistas do G-
20, grupo formado pelos países em desenvolvimen-
to e pobres, que luta na Organização Mundial do
Comércio contra os bilionários subsídios agrícolas
dos países ricos (US$ 330 bilhões, em 2003).
✔ A eleição do presidente Lula abriu um processo
amplo e rico de esquerdização e integração da
América Latina, que começa a desabrochar em di-
versos aspectos econômicos e políticos.
✔ Do final de 2005 até o início de 2007, haverá oito
eleições presidenciais na América Latina, das quais
as mais importantes são a do México, em julho de
2006, e a do Brasil, em outubro de 2006.

124
JOSÉ PRATA ARAÚJO

CORRUPÇÃO E
REFORMA POLÍTICA

O tema da corrupção será intensamente explorado em


2006 pela oposição ao governo Lula, devido à crise políti-
ca envolvendo o esquema de caixa dois do PT e de outros
partidos brasileiros. A oposição liberal-conservadora não
tem, evidentemente, nenhuma autoridade política para
falar em luta contra a corrupção e o caixa dois, e o que
pretende mesmo é desgastar as funções estatais para
emplacar novamente uma agenda liberal para o Estado
brasileiro. De outro lado, para a esquerda será importan-
te, para dar uma resposta contundente à crise, retomar a
bandeira da reforma política, fundamental para combater
a promiscuidade entre o público e o privado no Brasil.
Por isso, nossa bandeira deve ser, ao contrário dos
neoliberais, a desprivatização do Estado brasileiro.

OS MAIORES PREDADORES DO ESTADO


Desde o início de 2006, o governo Lula e a figura do
presidente tiveram uma importante recuperação nas pes-
quisas, o que surpreendeu a oposição liberal-conservado-
ra representada pelo PSDB e pelo PFL. O jornal Folha de

125
CORRUPÇÃO E REFORMA POLÍTICA

S.Paulo, numa pequena nota na coluna “Painel”, de 29/


01/2006, explica esse fato: “Na opinião de especialistas, a
questão ética não será o ponto central da campanha. ‘Será
uma nova disputa entre Lula e FHC, dessa vez entre o que
cada um fez’, disse um deles. Por isso, Lula foi orientado
a bater na tecla da comparação entre os governos, como
tem feito”. Se essa agenda política prosperar, Lula ven-
cerá as eleições presidenciais.
Não está claro ainda qual será a agenda da oposição
na eleição de 2006. Provavelmente será a promessa de
retomada forte do crescimento econômico, a necessi-
dade de realização de um choque gerencial no governo
e o combate à corrupção. Na área econômica e geren-
cial, como já vimos neste estudo, os tucanos e os pefe-
listas não têm como realizar comparações convincen-
tes. Daí por que Fernando Henrique vem defendendo
uma maior ênfase na questão da corrupção, ao estilo da
velha UDN (União Democrática Nacional). Ele decla-
rou, numa palestra, no final de janeiro:

“O PSDB tem que saber o que interessa a discutir


na campanha. E não embarcar na discussão que
interessa ao governo. Tem que saber o que nos in-
teressa, e forçar essa agenda. Tem que puxar para
briga. Se você não tem capacidade para definir a
agenda, você perde. Não podemos embarcar nos
nossos companheiros que estão lá em cima, não. A
conversa deles é de que essa questão moral não
conta mais. Conta, sim. Ladrão, não mais. Eles (os

126
JOSÉ PRATA ARAÚJO

petistas) decidiram agora dizer que todo mundo é


igual, farinha do mesmo saco. Não somos, não. Nem
todo mundo é igual a eles”1.

É muita cara-de-pau! De fato, os tucanos não são iguais


aos petistas. São muito piores. São eles que representam
de forma “carnal”, para usar uma expressão do ex-presi-
dente argentino Carlos Menem, o grande empresariado
do eixo São Paulo–Rio de Janeiro, os grandes predado-
res do Estado brasileiro. Fernando Henrique, numa en-
trevista ao jornal O Globo, em 2001, analisando o seu
governo afirmou: “Precisei avançar com o atraso, uma
ironia da História. Mas sem a aliança não teria governa-
do, o país não teria mudado”2. Naquele ano, o cientista
político José Luís Fiori, de forma impiedosa, rebateu FHC,
dizendo que os coronéis nordestinos tiveram um papel
menor na coligação que sustentou o governo:

“Há que se ter o máximo cuidado para não trans-


formar os nordestinos na nova Geni dessa histó-
ria, maneira fácil de lavar as mãos em nome da
modernidade. Os grandes predadores do Estado,
durante esse período, estiveram ligados ao gran-
de capital privado e às finanças nacionais e inter-
nacionais. Eles não se dedicaram à criação de rãs
[alusão de Fiori ao escândalo envolvendo Jader
Barbalho]. Dedicaram-se às privatizações e ao as-
salto aos fundos de pensão e às novas agências

127
CORRUPÇÃO E REFORMA POLÍTICA

de regulação, o verdadeiro filé-mignon do business


durante este período, servido sobretudo na ponte
Rio–São Paulo. É aí que está o núcleo duro e rea-
cionário dessa coalizão, e ele sempre esteve, o tem-
po todo, concentrado no Sudeste moderno do
país. Aí é que ocorreu a grande corrupção em tor-
no e dentro do Estado. É aí que hoje se disputam
os grandes negócios que restam para ser feitos.
Em particular o da privatização da Previdência. Os
coronéis que hoje estão em foco cumpriam um
papel menor nesta festa, e alguns deles não pas-
sam de ratos de navio”3.

Agora, o grande capital nacional e internacional e a


mídia, sem uma agenda convincente no plano econômi-
co e social, se aproveitam dos equívocos do PT e dos
partidos aliados e tentam criar uma agenda com que
esperam viabilizar seu retorno ao governo: o combate à
corrupção. Os grandes capitalistas e seus representan-
tes na política nacional, nos bastidores do poder, estão
morrendo de rir da esquerda: à boca pequena, a expres-
são que mais usam para caracterizar os petistas é “ama-
dores”. São senhores que conhecem como ninguém
como se apropriar de recursos públicos. Os exemplos
recentes mais graúdos são: a privatização das estatais,
os títulos cambiais e os juros de uma dívida pública que
colocaram nas alturas, para citar alguns. Bilhões de reais
para financiamento de campanha através de caixa dois,

128
JOSÉ PRATA ARAÚJO

esses senhores conhecem desde sempre. Todos sabem


que o DNA do valerioduto (no duplo sentido) é tucano.
Todos conhecem os inúmeros escândalos do governo
Fernando Henrique que foram abafados. Mas, publica-
mente, são paladinos da moralidade. Os grandes capita-
listas predadores do Estado linchando a classe média
petista por ser corrupta. Haja espírito democrático para
suportar tamanha farsa!
Na verdade, esses grandes capitalistas, seus repre-
sentantes na mídia e nos partidos políticos, não são mo-
ralistas. Pior: são falsos moralistas. Bem disse a psica-
nalista Maria Rita Kehl:

“Há quem pareça feliz por descobrir que o PT, que


sempre cobrou ética na política quando era oposi-
ção, agora também se revela corrupto. Para esses é
como se o pior crime cometido por integrantes do
partido não fosse a corrupção atual, e sim as exi-
gências de transparência do passado. Pior que um
moralista, só um falso moralista: fingindo indigna-
ção, políticos do PFL, do PSDB, do PP [Partido Pro-
gressista] e até do Prona [Partido de Reedificação
da Ordem Nacional] vêm a público dizer como a
formiga à cigarra: você não cantou no verão? Pois
agora dance!. Mas a indignação da sociedade tem
outro sentido. A desilusão e a revolta contra o PT
são mais graves do que contra outros partidos que,
agora ou em outros tempos, tenham se revelado
corruptos porque foi o PT que acenou com a ban-

129
CORRUPÇÃO E REFORMA POLÍTICA

deira da transparência e do respeito ao bem públi-


co, que não é outra senão a bandeira da democra-
cia verdadeira, exercida em nome do povo”4.

Mesmo com todos os grandes equívocos cometidos por


setores do PT, é inegável que, dos grandes partidos brasi-

As bases sociais da honestidade


Renato Janine Ribeiro

"A corrupção não é ape-


nas o furto de um
bem. Não podemos reduzir
xão, isto é, a capacidade
de alguém sentir a dor que
afeta seu semelhante. Ora,
a corrupção a uma visão su- boa parte da iniciação na
perficial que a considera vida de nossas classes
análoga ao furto ou ao rou- médias e ricas consiste em
bo (veja-se o insulto tão aprender como não ser to-
comum, ‘político ladrão’). cado pela miséria ambien-
Ela é pior que isso. Vai na te. Todos os mendigos são
jugular do bem comum. atores. Todos os miseráveis
Faz troça da coisa pública, são preguiçosos. Todos be-
da res publica. Arruína os bem. E por isso nada te-
costumes. Prestigia con- mos a ver com sua condi-
dutas que fazem mal ao ção inumana. Minha tese é
outro. Se em nossa socie- que a insensibilidade ao
dade a miséria coexiste sofrimento dos mais po-
com o luxo, a Daslu com bres, laboriosamente cons-
a favela, isso não cria em truída ao longo de cinco
nós uma indiferença olím- séculos, é o caldo de cul-
pica ao sofrimento alheio? tura para a corrupção. O
Recuamos para antes de desdém pela pobreza nos
Rousseau, que, 250 anos torna uma sociedade vicia-
atrás, ‘inventou’ a compai- da. Como valores éticos

130
JOSÉ PRATA ARAÚJO

poderão vicejar nesse ter- o partido mais apto a apon-


reno? Daí que só o com- tar, hoje, para a redução da
bate frontal à injustiça so- iniqüidade no Brasil. Ou-
cial poderá enfrentar a tros grandes partidos se
corrupção. Tudo o mais acomodam com a injusti-
serão meras palavras, mui- ça ou, pela composição de
tas delas ingênuas, algu- suas bases, têm políticas
mas hipócritas”. menos empenhadas na
[...] ”Quem tem condi- luta contra a desigualdade.
ções de travar o combate É claro que, se há corrup-
contra a corrupção? Gos- ção no PT, ela deve ser apu-
temos ou não, o partido que rada, mas também é ver-
mais tem condições de dade que ele é o partido
enfrentar de frente a injus- mais afeito a discussões
tiça social é o PT (ao qual sérias, lavando sua roupa
não sou filiado). Ele tem fa- suja com freqüência – e
lhas. Quando era oposição mesmo em público. Lem-
e fiel a seus valores de brando o título de um clás-
sempre, não se preocupou sico de Barrington Moore
com a governabilidade. E, sobre as bases sociais da
depois que se mostrou res- democracia e da ditadura,
ponsável, governando cida- temos de discutir a corrup-
des, estados e, finalmen- ção à luz dos seus funda-
te, o país, suspendeu al- mentos na sociedade. Re-
guns de seus valores – sumindo, a corrupção só
não se sabe se tempora- poderá ser controlada se re-
riamente ou se para sem- solvermos a injustiça so-
pre. Ele vive, como todos cial, e o PT é quem melhor
os que querem melhorar o sinaliza nesta direção, hoje”
mundo, dividido entre o ra- (RIBEIRO, Renato
dicalismo nem sempre res- Janine. “As bases sociais
ponsável e a responsabili- da honestidade”. Folha de
dade pouco radical. Mas é S.Paulo, 02/07/2005).

131
CORRUPÇÃO E REFORMA POLÍTICA

leiros, é ele o que tem mais condições de lutar contra a


corrupção. Isso porque a corrupção nada mais é que a
apropriação ilegal dos bens públicos por interesses priva-
dos. Neste sentido, os partidos representantes do grande
capital, com a intimidade que têm com o lucro e a apro-
priação privada, serão sempre os mais tentados a ultra-
passar as fronteiras da legalidade para se apropriarem de
bens públicos. Já partidos populares como o PT, com mais
intimidade com a luta pela igualdade e pela justiça social,
são menos vulneráveis à corrupção. É preciso que se diga
em alto e bom som: o escândalo do caixa dois, envolven-
do o PT, não é “o maior escândalo de corrupção da histó-
ria brasileira”, mas é apenas o maior escândalo já divul-
gado pela imprensa brasileira. Já os escândalos bilionários,
alguns envolvendo a própria mídia, como é o caso dos
títulos cambiais que abordamos neste estudo, foram sim-
plesmente esquecidos por essa mídia sem escrúpulos e
abertamente partidarizada.

CRISE E CONCEPÇÃO DE ESTADO

Com a crise política, a oposição liberal-conservado-


ra – PSDB e PFL – bate forte na tecla da corrupção e do
aparelhamento do Estado pelo PT. Tudo isso é fumaça
dos falsos moralistas para esconder o real objetivo: des-
gastar as atividades estatais e emplacar novamente uma
agenda liberal para o Estado brasileiro. O articulista
Paulo Guedes, que se autodenomina liberal-democra-
ta, escreveu um artigo denominado “A mãe de todos

132
JOSÉ PRATA ARAÚJO

os corruptos”, que é uma síntese perfeita do pensa-


mento liberal:

“Existe uma linha lógica que costura os fatos nos


últimos 40 anos de nossa História. Os diversos
governos do período, apesar das diversas cores de
sua vestimenta, têm em comum a enorme interven-
ção estatal, o excesso de gastos públicos e as con-
seqüentes mazelas financeiras. E a corrupção é ape-
nas a face oculta desse modelo. A mãe de todos os
corruptos é o excesso de gastos do governo”5.

O cientista político Armando Boito Jr., com rara feli-


cidade, expôs o pensamento neoliberal sobre o Estado e
o seu caráter anti-social e reacionário:

“No plano político, a ação econômica do Esta-


do, segundo os neoliberais, criaria privilégios para
alguns e dependência para muitos. Os cidadãos
habituar-se-iam ao paternalismo do Estado e, as-
sim, deixariam de desenvolver sua capacidade de
iniciativa para resolver seus próprios problemas.
Quanto aos serviços públicos e à segurança so-
cial que são oferecidos pelo Estado aos cidadãos,
esses assumiriam uma atitude filial frente à buro-
cracia pública, perderiam sua independência indi-
vidual. Ademais, não valorizariam tais serviços,
uma vez que não pagam por eles. Os cidadãos
assumiriam uma atitude indiferente ou predatória

133
CORRUPÇÃO E REFORMA POLÍTICA

frente às instituições, bens e serviços públicos,


porque estes não exigem contrapartida monetária,
e a burocracia que administra tais instituições e
serviços não os trataria com o devido zelo, uma
vez que não são propriedade sua. Os neoliberais
insistem, por causa disso, na tese da degradação,
que seria inevitável, das instituições públicas.
Observe-se como é deslocado o fetiche da figura
do proprietário privado capitalista. Se o fato de as
instituições e serviços públicos serem administra-
dos por um corpo de funcionários que não detém
sua propriedade provocasse sua degradação, as
empresas capitalistas modernas, cuja propalada
eficiência tanto encanta os neoliberais, também
estariam condenadas ao declínio. A empresa ca-
pitalista administrada por seu proprietário, se foi
importante na era do capitalismo concorrencial,
cedeu lugar, na era do capitalismo dos monopó-
lios, às grandes organizações administradas por
uma burocracia assalariada de especialistas”6.

Como se vê são duas abordagens completamente dis-


tintas do problema da corrupção: para a esquerda, ela é
filha da injustiça social e para ser combatida precisa de
uma forte presença estatal para universalizar os direitos
da cidadania. De outro lado, temos a visão neoliberal: a
corrupção é filha do excesso de presença estatal na
sociedade, e o seu combate passa pela privatização ra-
dical das instituições públicas. Esse é o centro do deba-

134
JOSÉ PRATA ARAÚJO

te do Brasil de hoje sobre a questão da corrupção, e


tudo mais é apenas jogo de cena, é tergiversação para
esconder o que de fato interessa.
Do ponto de vista da esquerda não dá para defender
o Estado que aí está. Precisamos acumular forças para
uma reforma democrática do Estado urgentemente.
Todos os caminhos implicam riscos. Como disse Rena-
to Janine Ribeiro em relação ao PT: “Ele vive, como
todos os que querem melhorar o mundo, dividido entre o
radicalismo nem sempre responsável e a responsabili-
dade pouco radical”. Propostas de rupturas abruptas con-
duzem, em geral, ao isolamento, por falta de base social
para implementá-las. Mas é um engano pensar que o
caminho da reforma das instituições também não impli-
ca riscos. Neste caso o grande risco é o seguinte: um
partido de esquerda, com uma estratégia mais modera-
da, consegue amplo apoio social e uma vitória eleitoral
com a promessa de reformar o Estado. No poder, se
acomoda às benesses desse Estado e o transforma em
um instrumento de controle dos sentimentos de mudan-
ça da sociedade.
O PT foi responsável por importantes políticas
democratizantes do Estado brasileiro, como o orçamen-
to participativo; o incentivo à participação, como no caso
dos Conselhos; o estimulo à organização da sociedade,
especialmente dos sindicatos; a suspensão da privati-
zação das estatais e dos serviços públicos; o estímulo
aos mecanismos de transparência em suas administra-
ções. Mas o ímpeto transformador do partido vem dimi-

135
CORRUPÇÃO E REFORMA POLÍTICA

nuindo na mesma intensidade com que conquista fatias


maiores do poder público. Isso é um erro. Transforma-
ções mais permanentes só serão sustentadas no longo
prazo – e a experiência mundial já demonstrou isso –,
não simplesmente pela ocupação de postos no Estado,
mas, acima de tudo, por sua reforma e sua mudança
democrática, pelas políticas de coesão social que ado-
ta e pela participação popular. Esses são os caminhos.
E são os melhores caminhos por dois motivos: porque
atendem aos princípios que defendemos e porque são
os únicos que nos levarão às vitórias que tanto almeja-
mos. Tentar disputar os rumos políticos do país com
base nos expedientes políticos tradicionais das elites –
aparelhamento partidário do Estado, poder econômico
ditando os rumos das eleições, corrupção, caixa dois
etc. – é ferir princípios e apostar na derrota, porque
nesse terreno essas elites, como detentoras do poder
econômico, serão imbatíveis.

REFORMA POLÍTICA DEMOCRÁTICA

Nosso sistema político-eleitoral tem alguns pontos in-


teressantes, como a representação política proporcio-
nal, que permite a existência de muitos partidos; o aces-
so gratuito dos partidos e candidatos ao rádio e à tele-
visão; a votação em urnas eletrônicas, o que deu agili-
dade ao processo eleitoral e reduziu drasticamente os
questionamentos dos resultados; o fundo partidário, que
garante recursos básicos para o funcionamento dos par-

136
JOSÉ PRATA ARAÚJO

tidos etc. Mas, nas suas principais características, nosso


sistema político-eleitoral é, fundamentalmente, anti-re-
publicano, desagregador, gerador de crises e de insta-
bilidade política: o mandato parlamentar é individuali-
zado, o que leva a uma monumental fragmentação po-
lítica; os partidos são, com raras exceções, ficções
cartoriais e muitos não passam de legendas de alu-
guel; não existe fidelidade partidária, sendo o troca-
troca partidário a regra no país; a política é brutalmen-
te profissionalizada desde as Câmaras Municipais e
Assembléias Legislativas até o Congresso Nacional,
com a possibilidade de contratação de um grande nú-
mero de profissionais da política, além da existência
de verbas diversas; a individualização dos mandatos
torna as campanhas excessivamente onerosas e o fi-
nanciamento privado de campanha é realizado princi-
palmente através de caixa dois – de cada dez reais
gastos apenas um é declarado; a dispersão das cam-
panhas eleitorais inviabiliza a fiscalização pela Justiça
Eleitoral, como reconhece o presidente do Tribunal
Regional Eleitoral de São Paulo: “Os partidos fingem
que declaram e nós fingimos que fiscalizamos”.
O impacto desse sistema político-eleitoral na gestão
pública é dramático. O que temos não são governos de
coalizão partidária nos municípios, nos estados e na
União. Sem partidos consolidados e com a prevalência
da representação individualizada, temos, em verdade,
“governos do varejão político”, em que a estabilidade de
um governo fica dependente da distribuição de cargos e

137
CORRUPÇÃO E REFORMA POLÍTICA

da liberação das emendas para obras paroquiais, o que


desprofissionaliza o Estado brasileiro e desvia bilhões
de reais para obras de prioridade e necessidade alta-
mente questionáveis. Já o financiamento privado das
campanhas eleitorais estabelece a promiscuidade entre
o setor público e as empresas privadas, especialmente
aquelas que têm negócios, direta ou indiretamente, com
os governos.
Essa situação impõe a necessidade de uma profunda
reforma política que dote o Brasil de uma legislação
político-eleitoral compatível com uma democracia ma-
dura e consolidada. Essa é uma das principais reivindi-
cações da “Carta ao povo brasileiro”, assinada pelos
principais movimentos sociais do país em junho de 2005,
que exige, entre outras coisas, a fidelidade partidária, o
financiamento público exclusivo das campanhas e a apre-
sentação de candidaturas em listas fechadas com alter-
nância de gênero e etnia.

138
JOSÉ PRATA ARAÚJO

Síntese
✔ Nas eleições de 2006, a oposição liberal-conser-
vadora – PSDB e PFL –, sem uma agenda convin-
cente nas áreas econômica e social, irá apresen-
tar uma agenda moralista, ou melhor, falsamente
moralista – o combate à corrupção – como centro
da disputa política.
✔ O escandaloso é que estes caçadores de corrup-
tos representam organicamente os grandes capi-
talistas privados nacionais e internacionais, estes
sim os grandes predadores do Estado brasileiro,
como no caso das privatizações.
✔ Por mais que tenha cometido erros, o PT é, dos
grandes partidos, o que melhor tem condições de
levar à frente a luta contra a corrupção. Somente
partidos comprometidos com a justiça e a igualda-
des sociais podem encabeçar o combate à corrup-
ção, que é a apropriação de forma ilegal de bens
públicos por interesses privados.
✔ A questão de fundo na crise política atual não é
corrupção, mas sim a concepção de Estado. Os
neoliberais querem desgastar e desacreditar as
instituições estatais para privatizá-las. É mais ou
menos o seguinte: já que não se pode controlar o
que é público, que então seja entregue tudo ao
setor privado.
✔ A alternativa da esquerda deve ser o acúmulo de
forças para uma reforma democrática do Estado
brasileiro, fazendo com este seja mais democráti-
co, transparente e suscetível de controle social.

139
JOSÉ PRATA ARAÚJO

DESENVOLVIMENTO SOCIAL

Na área social, o governo Lula conseguiu avanços


importantes. É evidente que se o crescimento econômi-
co tivesse se acelerado e se os juros tivessem recuado
com mais rapidez tais indicadores seriam mais positi-
vos. Mas mesmo com tais constrangimentos às políti-
cas sociais o governo tem muito o que mostrar. E não
são avanços tímidos, como alguns setores, mesmo da
esquerda, afirmam. São avanços, em muitos casos, ex-
pressivos, em diversas áreas: inflação, emprego, salário
mínimo, reajustes salariais das categorias organizadas,
políticas de transferência de renda (Bolsa Família), edu-
cação, crédito e inclusão bancária, política agrícola, dis-
tribuição de renda etc.

INFLAÇÃO REDUZIDA À METADE


O governo Lula se iniciou com uma enorme pressão
inflacionária, decorrente do terrorismo econômico tuca-
no-pefelista, que gerou uma grave crise cambial com
forte repercussão sobre a inflação. Nos meses finais do
governo FHC em 2002, a inflação disparou: foi de 1,31%

141
DESENVOLVIMENTO SOCIAL

em outubro, 3,02% em novembro e


2,10% em dezembro. A inflação
anualizada, ou seja, do final de 2002 ao
final de 2003, se não fosse contida, ba-
teria na casa dos 30% anuais. Como
podemos ver na tabela 1, os índices de
inflação ao consumidor foram reduzidos
à metade nos últimos três anos: o IPCA
caiu de 12,53%, em 2002, para 5,69%,
em 2005 (o menor percentual desde
1998); o INPC, no mesmo período, recuou de 14,74%
para 5,05% (também o menor desde 1998). Essa redu-
ção da inflação teve uma repercussão importante para
a população, considerando, sobretudo, que os alimentos,
de acordo com o IPCA, subiram apenas 1,99% em 2005,
e itens como o arroz tiveram quedas de até 21,45%.

IGPs: OS MENORES DA HISTÓRIA

Outra herança terrível da era FHC foram os números


dos Índices Gerais de Preços (IGPs): IGP-M e IGP-DI, que
reajustam os preços administrados, como energia elétri-
ca, telefonia, aluguéis etc. Esses índices foram os esco-
lhidos, não aleatoriamente, para reajustar os preços das
empresas privatizadas porque, por serem muito sensí-
veis às variações cambiais, eram uma garantia às
multinacionais que compraram as empresas de telefo-
nia e de energia elétrica contra as desvalorizações cam-
biais. Desse modo, os preços foram dolarizados para

142
JOSÉ PRATA ARAÚJO

atrair as multinacionais para as


privatizações e, assim, o país ter
acesso aos dólares para cobrir o
rombo nas contas externas. Foram
os IGPs os principais responsáveis
pela disparada dos preços adminis-
trados, que subiram, de 1995 a 2005,
339%, contra 126% do IPCA no mes-
mo período. Como pode ser visto na
tabela 2, no ano de 2002 o IGP-M e o
IGP-DI foram, respectivamente, de 25,31% e 26,41%,
tendo recuado, em 2005, para 1,21% e 1,22%, os meno-
res percentuais da história dos IGPs. Assim, podemos
dizer que foi o governo Lula que desinflacionou esses
preços tão importantes para a população, como os de
energia, telefonia e aluguéis.

A RETOMADA DO EMPREGO

Na geração de empregos, os
avanços no governo Lula foram
inegáveis, sobretudo no empre-
go de carteira assinada, de
acordo com o Cadastro Geral
de Empregados e Desemprega-
dos (Caged), do Ministério de
Trabalho. Veja a tabela 3. A era
FHC foi de destruição do empre-
go formal no Brasil. Os núme-

143
DESENVOLVIMENTO SOCIAL

ros são os seguintes: de 1995 a 2002, foram criados ape-


nas 797.047 empregos de carteira assinada, com média
anual de 99.630 empregos e média mensal de apenas
8.302 empregos. Isso aconteceu devido à valorização
cambial, à demissão de mais de 600 mil trabalhadores
nas estatais privatizadas e ao processo de precarização
incentivado pelo governo federal, como no caso do fal-
so cooperativismo. No governo Lula, houve uma forte
retomada do emprego de carteira assinada: foram
3.422.690 empregos de 2003 a 2005, com média anual
de 1.140.896 e média mensal de 95.075 empregos. É
um fato surpreendente: o emprego formal no triênio
cresceu 15,2%, o dobro do crescimento econômico no
período. A estimativa do Ministério do Trabalho é de
criação de mais 1,5 milhão de empregos formais em 2006,
fechando, assim, com 5 milhões no governo Lula. Já o
nível de ocupação medido pela Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílio do Instituto Brasileiro de Geo-
grafia e Estatística (PNAD-IBGE), que retrata a evolução
do emprego formal celetista e estatutário e das outras
formas de ocupação, traz números mais amplos da ge-
ração de emprego no país. No período de setembro de
2002 a setembro de 2004, a população ocupada, excluí-
da a da área rural da região Norte, passou de 78,958
milhões para 82,817 milhões pessoas. Isso significa que
em dois anos foram criadas 3,859 milhões de novas ocu-
pações em todo o país.
Outras pesquisas confirmam a retomada do emprego
no governo Lula. A Pesquisa Mensal de Emprego do

144
JOSÉ PRATA ARAÚJO

IBGE nas seis principais regiões metropolitanas do país


apresentou, em 2005, o melhor resultado da série histó-
rica iniciada em março de 2002. Naquele ano, a média
de março a dezembro foi de 11,7%, recuando, em 2005,
para 9,8%. No mês de dezembro de 2002, o último da
era FHC, o desemprego fechou em 10,5% e, em dezem-
bro de 2005, o percentual recuou para 8,3%. Também a
pesquisa de emprego do Dieese, que tem metodologia
diferente do IBGE, que apontara desemprego na Grande
São Paulo de 19% em 2002, recuou, em 2005, para
16,9% – o menor percentual desde 1997.

SALÁRIO MÍNIMO
O salário mínimo vem sofrendo um processo de recu-
peração já há alguns anos. Com o reajuste para R$
350,00, em abril de 2006, o mínimo, no governo Lula,
atingirá um reajuste nominal de
75%, com crescimento real de
24,25%. O salário mínimo no go-
verno Lula vem crescendo no que
diz respeito ao poder de compra,
devido ao aumento real, mas tam-
bém graças ao comportamento da
inflação, em particular no que diz
respeito aos produtos da cesta bá-
sica. Veja a tabela 4. Como pode
ser visto na tabela, tomando como
exemplo o caso de São Paulo, o

145
DESENVOLVIMENTO SOCIAL

salário mínimo comprava, em 2002, 1,42 cestas básicas


e, em 2006, passará a comprar 1,91. O senador Aloizio
Mercadante comemorou o novo salário mínimo: “Va-
mos pegar a cesta básica: em 2002, o salário comprava
66 quilos de feijão. Hoje, compra 156 quilos. Comprava
131 quilos de arroz. Com o novo valor, compra 257 qui-
los. Dobramos a capacidade de comprar arroz e feijão,
a refeição básica do brasileiro”1. Segundo o Dieese, em
números de cestas básicas, o salário mínimo é o maior
desde 1979. O jornal Valor Econômico, citando dados
do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA),
afirma que o novo mínimo é o melhor desde 1966, “gra-
ças ao ambiente de inflação controlada vigente no país”.
O Dieese afirma ser bastante expressivo o impacto
do reajuste do salário mínimo para R$ 350,00 no merca-
do interno:

“Considerando os dados do PNAD, que indicam


que quase 40 milhões de brasileiros ganham até um
salário mínimo, e que seu valor será acrescido de
R$ 50,00, estima-se que seu impacto potencial no
poder de compra dos trabalhadores será de R$ 25,5
bilhões/ano. Em se tratando de salário mínimo, este
valor deverá ser destinado, prioritariamente, ao
consumo dos chamados ‘bens de salário’, propi-
ciando um acréscimo de demanda por alimentos,
vestuário, remédios, etc. Trata-se, portanto, de um
efeito positivo sobre o mercado interno através do
crescimento da produção de bens de consumo”2.

146
JOSÉ PRATA ARAÚJO

PRECARIZAÇÃO FOI SUSPENSA

Fernando Henrique iniciou um processo de precarização


do trabalho no Brasil que só não foi completado devido à
resistência do movimento sindical e à falta de tempo para
sua tramitação no Congresso Nacional. José Pastore, o
principal assessor do ex-ministro do Trabalho Francisco
Dorneles, no governo Fernando Henrique, chegou a pro-
por uma Emenda Constitucional em que quatro palavras
colocariam abaixo quase cem anos de conquistas sociais:
no caput do artigo 7º da Constituição Federal, onde está
escrito “são direitos sociais dos trabalhadores”, seria acres-
cida a expressão “passíveis de negociação coletiva”. Dada
a dificuldade de se aprovar uma Emenda Constitucional,
José Pastore foi um dos mentores do projeto de lei que
visava precarizar, pelo menos, a legislação infraconstitu-
cional. De acordo com o referido projeto, o artigo 618 da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) passaria a ter a
seguinte redação: “Na ausência de convenção ou acordo
coletivos firmados por manifestação expressa da vontade
das partes, a lei regulará as condições de trabalho”. Ou
seja, a legislação trabalhista deixaria de ser o piso para os
acordos e convenções coletivas e passaria a ser o teto dos
direitos. Esse projeto de lei foi arquivado no governo Lula.

RENDIMENTO MÉDIO

O rendimento médio da população ocupada, calcula-


do pelo IBGE, vem caindo desde 1997 e se estabilizou

147
DESENVOLVIMENTO SOCIAL

em 2004, em R$
733,00. Este indi-
cador é inferior ao
de 2002, quando o
rendimento médio
foi de R$ 793,00.
Mas algumas con-
siderações precisam ser feitas. O rendimento médio só
não subiu sensivelmente nos últimos anos devido ao maior
número de contratações de trabalhadores de salários
mais baixos. Veja a tabela 5. Isso fica claro com os
seguintes números de 2004: o saldo de novos empregos
de carteira assinada foi de 1.523.276, mas na faixa até
2 salários mínimos foram criados 1.692.304 empregos;
e mais 90.938 de 2,01 a 3 salários mínimos. O saldo
final foi inferior a estes números porque houve uma perda
de 270.623 empregos de rendimento superior a 3 salá-
rios mínimos. Dessa forma, com a criação de um maior
número de empregos na faixa até 2 salários mínimos, a
média salarial dos trabalhadores é puxada para baixo,
mas não significa, como muitos pensam, que os traba-
lhadores em atividade tiveram uma redução nominal de
salários, o que é vedado por lei.
Contribui também para a redução do rendimento mé-
dio do trabalhador o fechamento de vagas de rendimen-
to superior a 3 salários mínimos, o que, como pode ser
visto na tabela, vem diminuindo nos últimos três anos.
Tudo indica que o rendimento médio da população ocu-
pada se acelerou em 2005, e a pesquisa do IBGE nas

148
JOSÉ PRATA ARAÚJO

regiões metropolitanas já indicou essa tendência. Mas,


ao contrário do rendimento médio, a massa salarial, com
o incremento do emprego, vem crescendo, o que favo-
rece a retomada do crescimento da economia.

IMPOSTO DE RENDA E SIMPLES

Durante sete anos da gestão Fernando Henrique, de


1995 a 2001, seguindo a determinação de desindexação
ditada pelo Plano Real (desindexação que não alcançou
os preços dos serviços públicos, como já vimos), a Ta-
bela do Imposto de Renda foi congelada, causando for-
tes prejuízos aos assalariados. Veja a tabela 6. Com isso
milhões de trabalhadores perderam renda disponível para
os seus gastos: muitos que eram isentos passaram a
contribuir; quem já contribuía passou a contribuir sobre
uma renda tributável maior; e perderam, sobretudo, aque-
les cujas faixas salariais atingiam
os limites da tributação, com a
mudança de faixa e o acréscimo
no percentual do Imposto de Ren-
da. O governo Fernando Henrique
só corrigiu a tabela em 2002; seus
efeitos não alcançaram, portanto,
os sete anos anteriores; e restou
uma defasagem de 39% para zerar
a inflação do período. O governo
Lula corrigiu a Tabela do Imposto
de Renda em 18,8%, ficando um

149
DESENVOLVIMENTO SOCIAL

resíduo de apenas 4,63% para zerar a inflação do perío-


do. Esse resíduo é menor, sobretudo para os assalaria-
dos com menores rendas tributáveis, porque em 2004
foi adotado, de agosto a dezembro, um redutor fixo de
R$ 100,00 na renda tributável.
A mesma defasagem aconteceu também com o Sim-
ples, sistema simplificado de pagamentos de impostos
federais. A lei que implantou o Simples é de 1996 e os
limites de faturamento para enquadramento das empre-
sas ficou congelado durante todo o governo Fernando
Henrique, com graves prejuízos para micro e pequenos
empresários. No governo Lula, finalmente, essa distorção
foi, em parte, corrigida e o limite para enquadramento
de microempresa subiu de R$ 120.000,00 para R$
240.000,00; e para empresa de pequeno porte passou
de R$ 1.200.000,00 para R$ 2.400.000,00. Resta ainda
corrigir as faixas do Simples para acabar com as
distorções de muitos anos.

MELHORES ACORDOS SALARIAIS

O colunista Elio Gaspari


disse, certa vez, que uma
das melhores coisas do go-
verno Lula era o “Bolsa-
Dissídio”3. Veja a tabela 7.
Analisando os resultados de
640 negociações salariais
de 2005, o Dieese concluiu:

150
JOSÉ PRATA ARAÚJO

“A análise destas informações aponta para a conti-


nuidade da tendência favorável, já observada em 2004,
à recomposição do poder aquisitivo dos trabalhado-
res: a proporção de negociações que resultou em au-
mentos reais de salário atingiu a maior marca apurada
pelo Dieese, nos dez anos de existência da pesquisa.
Tomando como referência o INPC do IBGE – indicador
normalmente utilizado como parâmetro em negocia-
ções salariais – constata-se que 72% das negociações
observadas estabeleceram reajustes salariais superio-
res à inflação acumulada no espaço de um ano, con-
cluído na da data-base fixada para o ano de 2005. Se
consideradas também as negociações que resultaram
em reajustes salariais equivalentes ao INPC, verifica-
se que 88% do total conseguiram, no mínimo, recupe-
rar as perdas salariais acumuladas na data-base”4.

Tudo indica que entramos numa fase favorável para


as negociações coletivas. Isso se deveu aos melhores
indicadores econômicos e sociais (crescimento econô-
mico, recuperação do mercado de trabalho, inflação sob
controle etc.), bem como ao comportamento do gover-
no, que, ao contrário de FHC, não criminaliza as lutas
sindicais e populares.

UMA REVOLUÇÃO NO CRÉDITO

Nos últimos dois anos aconteceu no Brasil uma revo-


lução no crédito. Isso se deveu a diversos aperfeiçoa-

151
DESENVOLVIMENTO SOCIAL

mentos institucionais, tais como a aprovação da nova


Lei de Falências, a implantação do microcrédito e, so-
bretudo, a legislação que implementou o crédito consig-
nado com desconto em folha para o setor privado e para
aposentados e pensionistas do INSS. Dados divulgados
pelo Banco Central indicam que o crédito cresceu 4,3%
do PIB em 2005 e atingiu no final do ano a soma de R$
606,874 bilhões (31,3% do PIB), o maior percentual des-
de 1995. Veja a tabela 8. Como se pode ver, o crédito
consignado vem lideran-
do o aumento do crédito
no Brasil, com cresci-
mento, em 2005, de
82,7%, e volume de R$
32,036 bilhões, o que re-
presenta 50% do crédi-
to pessoal no país.
O que explica essa
expansão são as taxas
de juros mais baixas: se-
gundo o Dieese, este
tipo de crédito, em ou-
tubro de 2005, tinha ta-
xas anuais médias de
37,2%, que é ainda mui-
to alta, mas é muito in-
ferior às demais moda-
lidades de crédito pes-
soal que cobram juros

152
JOSÉ PRATA ARAÚJO

anuais médias de 85,2%5. O que impressiona é que um


instrumento típico de mercado, como o crédito consig-
nado, só é expressivo no setor público (88% do total),
contra apenas 12% no setor privado. Na questão do
crédito chama a atenção ainda a grande importância
do crédito direcionado (BNDES, rural e habitação), com
volume de R$ 202,099 bilhões, quase todo concedido
por bancos estatais. Apesar do aumento do volume de
crédito, o Brasil fica muito atrás de outros países: Chi-
le (60% do PIB); China (110%), Japão (120%) e Esta-
dos Unidos (80%). No Brasil chegamos a apenas 31,3%
do PIB.

BOLSA FAMÍLIA
O Programa Bolsa Família é fruto da unificação de
quatro programas de renda mínima: Bolsa-Escola, Bolsa-
Alimentação, Vale Gás e Cartão-Alimentação. São dois
os tipos de benefícios do Bolsa Família: a) benefício bási-
co destinado a unidades familiares que se encontrem em
situação de extrema pobreza, com valor de R$ 50,00
mensais. Será concedido a famílias com renda per capita
de até R$ 50,00 mensais; b) benefício variável destinado
a unidades familiares que se encontrem em situação de
pobreza e extrema pobreza e que tenham em sua compo-
sição: gestantes, nutrizes, crianças entre zero e 12 anos
de idade e adolescentes até 15 anos de idade. Seu valor
mensal será de R$ 15,00 por beneficiário até o limite de
R$ 45,00 por família beneficiada e será concedido a fa-

153
DESENVOLVIMENTO SOCIAL

mílias com renda per capita de até R$ 120,00. A família


em situação de extrema pobreza – renda per capita de até
R$ 50,00 mensais – terá direito ao benefício básico e ao
benefício variável. Já a família em situação de pobreza –
renda per capita até R$ 120,00 mensais – fará jus apenas
ao benefício variável. O Bolsa Família tem, portanto, um
valor mínimo de R$ 15,00 e máximo de R$ 95,00.
O Bolsa Família mudou para melhor a transferência
de renda por cinco motivos: a) unificou programas, aca-
bando com a absurda superposição de programas se-
melhantes; b) aumentou o valor médio pago às famílias,
sobretudo com a introdução de uma renda básica de R$
50,00 mensais para as famílias que se encontram em
situação de extrema pobreza; c) ampliou o alcance da
transferência de renda, que tem como meta a cobertura
de todas as famílias pobres (11,2 milhões pela PNAD
2002); d) foram mantidas diversas exigências para o
recebimento dos benefícios variáveis, o que garante uma
posição mais ativa da população em face deste tipo de
programa; e) o Bolsa Família se articula com diversos
outros programas, que podem significar para milhares
de famílias a porta de saída da situação de pobreza.
O Bolsa Família não é um programa focalista subs-
titutivo, como aconteceu na América Latina. Aqui, esse
tipo de programa não substituiu, mas sim ampliou o siste-
ma de proteção social, que continua, no fundamental,
intocado. O Bolsa Família estabelece, também, uma nova
relação da esquerda com a população mais pobre. Antes,
ao rejeitar o assistencialismo e o fisiologismo sem colocar

154
JOSÉ PRATA ARAÚJO

nada no lugar, a esquerda acabava


passando uma imagem de indiferen-
ça diante do sofrimento gerado pela
miséria e pela fome. Isso mantinha o
caminho aberto para os “pais dos po-
bres”, políticos demagogos que fatu-
ravam com a miséria da população. Agora, o Bolsa Fa-
mília trouxe a questão da miséria para o centro da agenda
política e ampliou enormemente o prestígio da esquerda
nos segmentos populares. Veja a tabela 9. Como se vê,
os recursos da transferência de renda triplicaram no go-
verno Lula, passando de R$ 2,148 bilhões, em 2002, para
R$ 6,476 bilhões, em 2005. O número de famílias benefi-
ciadas subiu de 3,6 milhões, em 2003, para 8,7 milhões,
em 2005, e a meta é até o final de 2006 alcançar todas as
11,2 milhões famílias pobres do Brasil. Assim, 40 milhões
de brasileiros serão beneficiados com o Bolsa Família,
quando o programa alcançar a sua meta.

REDUÇÃO DA POBREZA E DA DESIGUALDADE

Depois de um início de governo Lula com baixo cresci-


mento econômico e indicadores sociais muito ruins, a PNAD
2004 trouxe dados muito positivos na redução da pobreza e
da desigualdade no Brasil. Estudo coordenado pelo econo-
mista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas, concluiu:

“A proporção de pessoas abaixo da linha de misé-


ria passou de 27,26% em 2003 para 25,08% em 2004,

155
DESENVOLVIMENTO SOCIAL

atingindo agora o nível mais baixo da série desde o


lançamento da nova PNAD em 1992, quando era de
35,87%. Esse número é obtido a partir de uma linha
de miséria correspondente a R$ 115,00 mensais”6.

Uma queda de 8% num único ano é um número ro-


busto e significa a saída de mais de 3 milhões de brasi-
leiros da linha de pobreza. Marcelo Néri atribui a “que-
da espetacular” da pobreza em 2004 a diversos fatores:
crescimento da economia, estabilidade da inflação, rea-
juste do salário mínimo, recuperação do mercado de tra-
balho, aumento da geração de empregos formais, trans-
ferência de renda focalizada do Estado e redução da
desigualdade de renda do trabalho7.
Outra conclusão dos especialistas sobre a PNAD 2004
indica uma expressiva redução da desigualdade. Um in-
dicador internacional sobre o tema é o índice de Gini,
que mede o grau de concentração de uma distribuição,
cujo valor varia de zero (perfeita igualdade) até um (de-
sigualdade máxima). O jornalista Elio Gaspari, na colu-
na que assina em diversos jornais brasileiros, estampou
a seguinte chamada: “Grande notícia: a desigualdade
murchou”. Ele afirma:

“É possível que esta seja uma das boas notícias


dos últimos 30 anos e vem pela voz de quem enten-
de do assunto, o economista Marcelo Medeiros, do
Instituto de Pesquisa Aplicada, o Ipea: ‘Desde 2001
a desigualdade social brasileira entrou num declínio

156
JOSÉ PRATA ARAÚJO

sistemático e vigoroso. O declínio da desigualdade


veio junto com uma redução da pobreza. É um fato
inédito no Brasil, sem paralelo no mundo de hoje’.
O índice de Gini, sinalizador internacional de desi-
gualdades sociais, caiu sucessivamente de 0,597 em
2002, até 0,574 em 2004. Entre 2003 e 2004, a queda
foi de 5%, coisa jamais vista no Brasil. Isso aconte-
ceu numa época em que o mundo passa por um
surto de desigualdade. No México e na Índia, por
exemplo, a diferença aumentou”8.

Esse aumento da renda da população mais pobre já


repercute fortemente no comércio.
O jornal O Globo dedicou a capa da edição de 5 de
fevereiro de 2006 ao assunto e deu a seguinte manche-
te interna: “Popular e bilionário”. O jornal afirma:

“Crédito farto, mais empregos de até três salários


mínimos e um ganho na renda das famílias mais po-
bres levaram a uma verdadeira explosão do consu-
mo popular nos últimos anos. Grandes redes de va-
rejo e indústrias de diferentes setores já percebe-
ram essa expansão e, cada vez mais, procuram aten-
der melhor ao cliente de baixa renda. Lojistas dis-
putam a oferta de computadores populares, telefô-
nicas lançam tarifas específicas, bancos e segura-
doras criam apólices a preços módicos e fabrican-
tes de cosméticos inovam nas suas linhas de pro-

157
DESENVOLVIMENTO SOCIAL

dutos. Quem quiser crescer terá que vender para as


classes C, D e E”.

7 milhões migram da classe D/E para a classe C


Emir Sader

A s manchetes da Folha
de S. Paulo e do Glo-
bo deste domingo [09/07/
milhões de pessoas. As
duas pesquisas oferecem
três questões importantes
2006] falam sobre a trans- para debate:
ferência de 6 ou 7 milhões a) Para a direita: como pro-
de brasileiros para a clas- por “desenvolvimento, em-
se média. O governo Lula prego e renda”, melhor do
produziu uma melhora con- que isso? Pela primeira vez
siderável na classificação se altera o ponteiro da desi-
econômica dos eleitores a gualdade social no Brasil;
partir de 2003, diz pesqui- b) Para os críticos de es-
sa Datafolha, publicada querda: como são possíveis
pela Folha. Segundo esse políticas sociais de efeito
levantamento, cerca de 6 tão significativo, sem mudar
milhões de eleitores saí- a política econômica?
ram da classe D/E, sendo c) Para o governo: esgo-
que a maioria deles migrou tou-se a forma de melhoria
para a C. A manchete do social, sem mudar signifi-
Globo afirma: “Sete mi- cativamente a política de
lhões de pessoas sobem emprego (que, na situação
para a classe média”. Se- atual, gera mais emprego
gundo a matéria, mais de formal, mas de muito bai-
2 milhões de famílias bra- xo nível).
sileiras conseguiram as-
cender na pirâmide do con- SADER, Emir. “Duas
sumo este ano e chega- pesquisas importantes”.
ram à classe média, o que Agência Carta Maior/Blog
representa cerca de 7 do Emir, 09/07/2006.

158
JOSÉ PRATA ARAÚJO

PROUNI E FUNDEB

Um dos principais méritos da política educacional do


governo Lula é o desenvolvimento integrado dos diver-
sos níveis de ensino, rompendo assim com a concepção
focalista no ensino fundamental que marcou a gestão
FHC. Um dos principais avanços foi a criação do Pro-
grama Universidade para Todos (ProUni), o maior pro-
grama de bolsas de estudo da história da educação bra-
sileira. O ProUni tem diversos méritos: a) facilita o aces-
so à universidade dos estudantes mais pobres que cur-
saram o ensino médio nas escolas públicas: quem tem
renda familiar per capita de até um salário mínimo e
meio recebe bolsa integral; e aqueles com renda fami-
liar per capita de até três salários mínimos recebem
bolsa parcial de 50%; b) os subsídios, que eram conce-
didos aos estudantes ricos através do Imposto de Ren-
da e das isenções de impostos para as escolas “filantró-
picas”, são agora, com mais justiça ainda, concedidos
aos estudantes pobres; c) as bolsas em escolas privadas
não implicam o esvaziamento da educação superior pú-
blica, que também vem sendo ampliada: o governo está
investindo na criação de nove universidades federais,
36 novos campi e 42 escolas técnicas federais (ensino
médio); d) trata-se de um programa ambicioso, que ofe-
receu inicialmente 203 mil bolsas de estudo e que, num
prazo de quatro anos, chegará a 400 mil.
A partir de uma da visão integrada da educação, ou-
tro grande avanço é a criação do Fundo de Manutenção

159
DESENVOLVIMENTO SOCIAL

e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), em


substituição ao atual Fundef (voltado apenas para o en-
sino fundamental). Dados da PNAD-2004 indicam clara-
mente que o ensino fundamental está praticamente
universalizado, restando apenas 2,9% de alunos fora da
escola, sendo o maior desafio agora universalizar a pré-
escola (18,9% das crianças fora da escola) e o ensino
médio (18,1% dos jovens fora da escola), além da ne-
cessidade de avanços na abertura de creches. O mais
importante no Fundeb é o substancial aumento dos re-
cursos federais para a educação básica, que passam
dos atuais R$ 395,3 milhões por ano (como se vê, o
focalismo tucano era feito com recursos de estados e
municípios) para R$ 4,5 bilhões no quarto ano de vigên-
cia. Outra medida que ajudará na universalização da
educação infantil será a unificação e ampliação, até 2010,
em todo o país, da duração mínima do ensino funda-
mental de oito para nove anos e a matrícula obrigatória
aos seis anos de idade. Assim, a pré-escola passará a
atender crianças de quatro e cinco anos de idade.

REFORMA AGRÁRIA E POLÍTICA AGRÍCOLA


Mais uma vez os números da reforma agrária geram
enormes polêmicas. Como observa o pesquisador Juliano
de Carvalho Filho: “Controvérsia sobre números não é
novidade quando se trata de reforma agrária. Quem
acompanha a política agrária deve se lembrar de várias
situações em que este fato ocorreu. Chegou a vez do

160
JOSÉ PRATA ARAÚJO

governo Lula”9. Para o go-


verno, são os seguintes os
números da reforma agrá-
ria no Brasil: 245 mil famí-
lias assentadas entre 2003
e 2005; R$ 2,730 bilhões in-
vestidos na obtenção de ter-
ras; 22,480 milhões de hectares de terras destinados à
reforma agrária no período. Estes números são contes-
tados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST):

“A análise dos dados disponíveis permite duvidar


de que 127,5 mil famílias podem ser consideradas as-
sentadas em 2005. Apenas 45,7% foram assentadas
em áreas de reforma agrária. O restante (54,3%) refe-
re-se a assentamentos antigos ou reordenação de as-
sentamentos em terras públicas. Os dados também
mostram que grande parte dos assentamentos ocor-
reu em áreas de fronteira agrícola”10.

Quanto aos números da política agrícola, não existem


maiores divergências. Veja a tabela 10. São os seguin-
tes os dados do governo:

“O Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimen-


to da Agricultura Familiar], que havia emprestado
no máximo R$ 2,2 bilhões até 2002, triplicou de va-
lor na safra 2004/2005 e quadruplicou na safra de

161
DESENVOLVIMENTO SOCIAL

2005/2006. Os contratos realizados só atingiam 900


mil famílias até a safra 2002/2003. Na última safra
foram realizados mais de 1,6 milhão de contratos,
crescimento de 80%, e devem chegar a dois mi-
lhões na safra 2005/2006, incluindo um milhão de
famílias na política de crédito”11.

Outras medidas de apoio à agricultura familiar são:


assistência técnica, seguro agrícola, apoio à comercia-
lização e Bolsa-Estiagem para famílias atingidas pela
seca. Uma das principais apostas do governo Lula, com
forte repercussão na agricultura familiar, é o biodisel,
que é um combustível renovável produzido a partir de
diversas plantas oleaginosas, como mamona, dendê, gi-
rassol, babaçu, amendoim, pinhão manso e soja. Para
o governo, isso poderá promover uma revolução na ge-
ração de empregos no campo, sobretudo na agricultu-
ra familiar.

PREVIDÊNCIA SOCIAL

Na área previdenciária foi onde aconteceram as maio-


res tensões do governo Lula com os movimentos sociais,
especialmente com os servidores públicos, que foram os
grandes prejudicados, de fato, com a reforma da previ-
dência. No regime geral de previdência (INSS) não acon-
teceram supressão de direitos e sim alguns avanços: os
reajustes reais do salário mínimo impactaram positiva-
mente milhões de aposentados e pensionistas; foi reco-

162
JOSÉ PRATA ARAÚJO

nhecido pelo governo um megapassivo de R$ 12 bilhões,


referente a perdas do período de 1994 a 1997, e os bene-
fícios desses aposentados e pensionistas referentes a este
período foram reajustados de agora em diante; alguns
benefícios foram melhorados, como é o caso do salário-
família e do Benefício de Prestação Continuada, que,
neste último caso, passou a incluir o segundo idoso da
família; a data-base dos aposentados e pensionistas foi
unificada no mês de maio e o pagamento dos benefícios
foi antecipado para até o quinto dia útil de cada mês;
foram reativados os conselhos de previdência; foi apro-
vada uma lei com o fim da perda da qualidade de segura-
do, o que possibilitou o acesso à aposentadoria de milha-
res de ex-segurados; foi extinta a escala de salários para
a contribuição dos contribuintes individuais; decreto do
governo reconheceu o direito adquirido à conversão de
tempo especial para tempo comum; foram aprovados o
plano de inclusão previdenciária e a aposentadoria ante-
cipada para portadores de deficiência, que precisam ain-
da ser regulamentados.
Já para os servidores públicos, aconteceu, de fato, a
supressão de muitos direitos com a reforma da previ-
dência. A idade mínima para a aposentadoria integral
subiu abruptamente sete anos em muitos casos; foi su-
primida a paridade para a maioria dos benefícios
previdenciários; foi estabelecida uma contribuição para
aposentados e pensionistas, com maior impacto no ser-
viço público federal, já que a maioria dos servidores es-
taduais e municipais aposentados e pensionistas sempre

163
DESENVOLVIMENTO SOCIAL

contribuíram para a previdência; a pensão deixou de ser


integral, entre outras medidas. Foram suprimidas as re-
gras tradicionais da previdência do servidor público e,
ao contrário do muitos pensam, não foram sequer
implementadas as regras vigentes no INSS. Não foi apro-
vada ainda a previdência complementar para melhorar
a aposentadoria dos novos servidores. A aposentadoria
deixará de ser integral, mas não será calculada também
pela média, já que o seu limite é a última remuneração,
ou seja, a aposentadoria será fixada no valor da média
ou da última remuneração, o que for pior. A paridade
será extinta, mas não foi adotada para os servidores a
reposição pela inflação, ou seja, milhares de servidores
estão num vácuo legislativo, sem a paridade e sem qual-
quer outra regra de correção dos benefícios.

DOMICÍLIOS PRÓPRIOS, SERVIÇOS E BENS

Não se têm dados disponíveis ou estatísticas referen-


tes a períodos de governo determinados sobre domicí-
lios próprios, serviços e bens domésticos. Tomamos como
referência para a análise da evolução destes itens as
duas últimas PNADs divulgadas pelo IBGE, cujos dados
foram coletados em setembro de 2002 e setembro de
2004, mas o período coincide, em grande parte, com os
dois primeiros anos do governo Lula. Veja a tabela 11.
Como pode ser visto, o número de domicílios próprios
avançou quase 2,5 milhões, um crescimento de 7%. Nos
serviços públicos de abastecimento de água, esgotamento

164
JOSÉ PRATA ARAÚJO

sanitário, coleta de lixo, iluminação elétrica, telefonia,


foram evidentes os avanços na cobertura. Os maiores
avanços foram na telefonia, com aumento de 14,9%, e
de esgoto, com aumento de 10,1% no período. Nos bens
e serviços nos domicílios, houve inúmeros avanços, com
destaque para o acesso ao microcomputador, com cres-
cimento de 25,3%; acesso à internet (28,5%) e máquina
de lavar roupa (10% de crescimento).
São previsíveis novos avanços quando da divulgação
das PNADs de 2005 e 2006. Diversos programas e políti-
cas do governo Lula repercutirão fortemente na aquisi-
ção de domicílios próprios, no acesso a serviços públi-
cos e na aquisição de bens. Entre eles podemos citar: a)
os investimentos já realizados em 2005 e, especialmen-
te, o pacote de R$ 18 bilhões para a construção civil e

165
DESENVOLVIMENTO SOCIAL

saneamento básico em 2006; b) a continuidade do pro-


grama “Luz para Todos”, que prevê a universalização
da iluminação elétrica até 2008, com investimento total
de R$ 8 bilhões; c) a adoção de programas de telefonia
popular, com redução da assinatura básica residencial;
d) a expansão do crédito consignado e do microcrédito,
que tem forte repercussão positiva na aquisição de bens
domésticos, especialmente pelas camadas mais pobres;
e) o programa “Computador para Todos”, que ampliará
muito o acesso ao microcomputador e à internet, esti-
mado em 7 milhões de computadores nos próximos três
anos pelo agente financiador, o BNDES.

PROGRAMAS DE SAÚDE
Na área de saúde, o governo Lula vem divulgando as
seguintes realizações: a) 2 bilhões de atendimentos rea-
lizados pelo Serviço Único de Saúde (SUS) em 2005, con-
tra 1,8 bilhão em 2002; b) implantação do Serviço de
Atendimento Móvel de Urgência (Samu) em 330 gran-
des municípios de 22 estados e cobertura para 68,3 mi-
lhões de pessoas; c) Programa Brasil Sorridente, que
ampliou o serviço de saúde bucal no Brasil, cujos inves-
timentos passaram de 56,5 milhões em 2002 para R$
400 milhões em 2005; d) investimentos de R$ 4,2 bi-
lhões em medicamentos em 2006, contra R$ 2,1 bilhões
em 2002; e) criação do Programa Farmácia Popular,
que já conta com 100 unidades e, caso sejam cumpridas
as metas do governo, fechará 2006 com 334 unidades;

166
JOSÉ PRATA ARAÚJO

f) criação da Empresa Brasileira de Hemoderivados e


Biotecnologia (Hemobrás), visando a ampliação da pro-
dução de medicamentos; g) investimentos, através do
Reforsus, na ampliação da rede hospitalar e ambulatorial,
especialmente na construção de unidades nas áreas de
urgência e emergência e assistência ao parto; h) repas-
se para a assistência médica dos estados e municípios,
da atenção básica até a alta complexidade, de R$ 21
bilhões em 2005 contra R$ 15,8 bilhões em 2002, com
incremento de 33%.

OUTRAS POLÍTICAS SOCIAIS

Além das políticas sociais citadas anteriormente, pode-


mos destacar outras: a) programa de inclusão bancária,
que garantiu conta simplificada para 6,5 milhões de brasi-
leiros; b) Estatuto do Idoso, que garantiu diversas con-
quistas, tais como: possibilidade de inclusão do segundo
idoso da família no Benefício de 1 salário mínimo; des-
contos para os idosos nas atividades culturais e de lazer;
criminalização das práticas discriminatórias contra os ido-
sos etc.; c) aprovação de auxílio emergencial para famí-
lias com renda até 2 salários mínimos vítimas de desas-
tres, no valor de R$ 300,00 por até cinco meses.

167
DESENVOLVIMENTO SOCIAL

Síntese
✔ A inflação medida pelo IPCA recuou de 12,53%,
em 2002, para 5,69%, em 2005, sendo que neste
último ano os alimentos em geral subiram apenas
1,9% e o arroz desabou de preço com recuo de
21,45%.
✔ Os IGPs: IGP-M e IGP-DI, que reajustam os preços de
telefonia, energia elétrica e aluguéis, recuaram, res-
pectivamente, de 25,31% e 26,41%, em 2002, para
1,21% e 1,22%, em 2005, os menores da história.
✔ No período de 2003 a 2005 foram gerados no país
3.422.690 empregos de carteira assinada – uma
média anual de 1.140.896 e mensal de 95.075 em-
pregos. Já nos oito de FHC foram gerados apenas
797.047 empregos de carteira assinada – com
média anual de 99.630 e média mensal de apenas
8.302 empregos.
✔ No governo Lula o salário mínimo teve reajuste no-
minal de 75% e aumento real de 24,25% e, com o
controle da inflação, atingiu o seu maior poder aqui-
sitivo desde 1979, segundo o Dieese.
✔ Lula mandou arquivar o projeto de lei de precarização
da legislação trabalhista do governo FHC, que pre-
via que o negociado substituiria o legislado.
✔ A tabela do Imposto de Renda no governo Lula foi
reajustada em 18,8% em três anos de mandato,
deixando um resíduo em relação à inflação de
4,63%. Nos oito anos de FHC, o reajuste foi de ape-
nas 17,5%, o que deixou um resíduo de 39% em
relação à inflação do período.
✔ Depois de permanecer congelado durante oito anos
no governo FHC, os limites do Simples, sistema

168
JOSÉ PRATA ARAÚJO

simplificado federal de impostos, foram reajusta-


dos em 100%.
✔ Em 2005, segundo o Dieese, 71,7% dos acordos
coletivos foram superiores ao INPC. Foram os me-
lhores resultados dos últimos dez anos.
✔ O governo Lula realizou uma revolução no crédito
com o microcrédito e, principalmente, com o crédi-
to consignado, que cobram taxas de juros mais
baixas e representam quase 50% do crédito pes-
soal no país.
✔ Os gastos com programas de transferência de ren-
da passaram de R$ 2,148 bilhões, em 2002, e atin-
giram o valor de R$ 6,476 bilhões, em 2005, inclu-
indo o Bolsa Família.
✔ A PNAD-2004 do IBGE indicou forte redução da pobre-
za no Brasil, da ordem de 8%, o que significou a
saída de 3 milhões de brasileiros da linha de pobre-
za. Caíram a pobreza e também a desigualdade
medida pelo índice de Gini.
✔ Na educação, o Programa Universidade para Todos
(ProUni) garantiu bolsas de estudos integrais e
parciais na educação superior para 200 mil estu-
dantes do ensino médio público; e o Fundeb signi-
ficará um enorme impulso à universalização da edu-
cação básica, e contará com a injeção de R$ 4,5
bilhões de recursos do governo federal.
✔ Segundo dados do governo, foram assentadas de
2003 a 2005 245 mil famílias (dados contestados
pelo MST, como pode ser visto neste estudo); e os
recursos para a agricultura familiar passaram de R$
2,4 bilhões, em 2002, para R$ 9 bilhões, em 2006.
✔ Na previdência social do setor privado (INSS), os
principais avanços foram: reajustes reais do piso

169
DESENVOLVIMENTO SOCIAL

previdenciário; pagamento de um passivo de R$ 12


bilhões e reajuste para 2 milhões de aposentados;
unificação da data-base em maio; e antecipação
dos pagamentos para até o quinto dia útil. Na pre-
vidência dos servidores públicos, no entanto, foram
suprimidos diversos direitos, o que afetou a rela-
ção do governo Lula com este segmento social.
✔ Todos os serviços públicos tiveram ampliada a sua
cobertura, de 2002 para 2004, com destaque para
o esgotamento sanitário, com o acesso para 3,3
milhões de novos domicílios.
✔ Na área de saúde, os destaques são o Samu, que
já está presente em 330 grandes municípios; o pro-
grama Brasil Sorridente, que multiplicou por oito
os investimentos em saúde bucal; o programa Far-
mácia Popular, que deverá fechar 2006 com mais
de 300 unidades, entre outros.

170
JOSÉ PRATA ARAÚJO

O BRASIL QUE QUEREMOS

Não é pouca coisa o que estará em jogo na disputa


política de 2006. O país vai decidir se quer a continuida-
de e o aprofundamento de um projeto de esquerda ou se
retorna com o projeto neoliberal. Será decidido também
se a democracia brasileira comporta uma rotatividade
no poder mais substantiva ou se continuará sendo um
mero revezamento de segmentos das elites no governo.
E, finalmente, os resultados das eleições definirão os
rumos do Brasil na política externa, como um país pro-
tagonista da integração latino-americana ou como saté-
lite da política dos Estados Unidos na região.

PSDB: O NÚCLEO DURO DO GRANDE CAPITAL

Uma análise muito comum na esquerda brasileira é


de que o PSDB “endireitou” quando se aliou com o PFL,
partido formado por políticos vinculados à ditadura mili-
tar e aos coronéis do Norte e do Nordeste. Essa visão
tem sido questionada por diversos intelectuais. O cien-
tista político José Luís Fiori, em texto que já citamos
neste estudo, contesta a transformação dos nordestinos

171
O BRASIL QUE QUEREMOS

na “Geni” da coligação neoliberal que governou o Brasil


de 1995 a 2002. Para ele, o PFL não passa de “rato de
navio” e o núcleo duro dessa coligação sempre esteve
no Sudeste, sob a liderança do PSDB paulista. Para o
cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, o PFL
não passa de um “partido laranja” do PSDB:

“Uma coisa que para mim ficou revelada nesta


crise foi que, no plano do poder nacional, o PFL é
um partido laranja do PSDB. O PFL é um partido autô-
nomo nos planos estaduais, mas no plano nacional
não tem projeto autônomo e é liderado pelo PSDB”1.

O PSDB poderia ter ocupado um espaço de centro-


esquerda na política brasileira. Seus principais líderes
tiveram uma trajetória de resistência à ditadura, estive-
ram na linha de frente na luta pela redemocratização,
participaram do impeachment de Fernando Collor. Seu
principal idealizador, o ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso, foi um dos arquitetos da “Teoria da dependên-
cia”, que advogava um desenvolvimento mais autôno-
mo para aos países da periferia do capitalismo. Mas
esses mesmos líderes tucanos sempre foram muito
elitistas e refratários às formas de organização popular
que emergissem de baixo para cima da sociedade. Daí
por que a opção deles foi, ao invés de cerrar fileiras
com organizações como o PT e a CUT, caminhar para o
centro político com a constituição de um partido que
buscasse se vincular especialmente às classes médias

172
JOSÉ PRATA ARAÚJO

urbanas. No poder, infelizmente, o PSDB abandonou o


verniz de centro-esquerda e associou-se organicamente
ao grande capital nacional e internacional; de forma ob-
cecada e acrítica colocou como principal meta a refor-
ma radical do Estado e o encerramento da “era Vargas”;
aderiu à onda neoliberal que varreu a América Latina
na década de 1990 e rompeu radicalmente a interlocução
com os movimentos sociais. Com isso, inviabilizou de
vez a aproximação com outras organizações e outros
partidos de esquerda.
Os tucanos, agora fora do governo federal, demons-
tram um enorme ressentimento com os petistas por estes
terem, supostamente, dificultado a governabilidade durante
o governo FHC. De fato, o PT na oposição cometeu mui-
tas vezes excessos e nem sempre apresentou propostas
alternativas consistentes para o país. Mas essa não é a
questão de fundo: a radicalização no período FHC foi res-
ponsabilidade, acima de tudo, dos tucanos, que rompe-
ram com seu passado de centro-esquerda e no governo,
em vez de privilegiarem a coesão da sociedade como fez
a socialdemocracia européia no passado, optaram pela
polarização da sociedade seguindo o figurino neoliberal.
O Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), na ver-
dade, nunca foi socialdemocrata. Quem confessou isso,
sem maquiagens, foi Fernando Henrique numa entrevista
ao jornal Folha de S.Paulo, no ano de 2002: “Nunca
quis que o partido se chamasse PSDB. Sempre fui contra
a inclusão da social-democracia na sigla. Como é que
vou explicar pelo resto da vida que um partido que não

173
O BRASIL QUE QUEREMOS

tem sindicato se autodenomine dessa forma?”. Ainda


de acordo com o ex-presidente, a idéia da sigla PSDB é
depositária de uma visão da Europa dos anos 1950, quan-
do “o sindicato era o motor da transformação e da
melhoria das condições de vida”. Para ele, no Brasil o
sindicato “não é fator propulsor das reformas, mas de
manutenção da ordem, já é incluído, não representa os
verdadeiramente excluídos”2.
O sociólogo e economista Francisco de Oliveira la-
menta o fato de o PSDB ter caminhado para a direita:

“Uma confusão semântica é o PSDB. Não é social-


democrata. Na história do capitalismo desenvolvi-
do, a social-democracia teve sempre uma base ine-
quivocamente operária. O PSDB foi basicamente uma
pirataria semântica. O PSDB surgiu devido ao fato
de que tínhamos uma sociedade muito diversificada.
O PSDB cobriu esse vazio: classes médias ilustradas
que queriam maior racionalidade na política, maior
transparência nos negócios do Estado. Era essen-
cialmente um partido laico. No poder, se converteu
numa espécie de partido de centro. Infelizmente, foi
mais para a direita do que deveria”.

É de se lamentar, de fato, os rumos tomados pelo PSDB.


Mas não se deve ter ilusões: é inviável, como alguns
ainda apregoam, a constituição de uma concertação que
una PT e PSDB para garantir a governabilidade, como
existe no Chile, por exemplo. Esse seria o caminho mais

174
JOSÉ PRATA ARAÚJO

provável no Brasil se o PSDB não tivesse se convertido


no núcleo duro do grande capital.
Não há dúvida de que o neoliberalismo fracassou na
América Latina, pois não conseguiu implementar o pro-
metido crescimento econômico sustentado da economia.
A vitória da esquerda em diversos países é uma busca
de alternativa do povo latino-americano a esse fracasso
neoliberal. O pós-neoliberalismo se apresentou de for-
ma diferenciada no Brasil e em outros países. Ao con-
trário de outros países da América Latina, onde os “es-
tadistas” neoliberais da década de 1990 foram desmo-
ralizados – como são os casos de Menem na Argentina,
de Salinas no México, de Fujimori no Peru e de Carlos
Andrés Perez na Venezuela –, no Brasil os perdedores
das eleições de 2002 (PSDB e PFL) mantiveram impor-
tantes bases políticas, sobretudo nos governos estaduais.
Circulam com desembaraço nos meios políticos e em-
presariais, e são competitivos novamente nas eleições
de 2006. Isso aconteceu por diversas razões: a) a resis-
tência dos partidos de esquerda e dos movimentos so-
ciais levou a que o neoliberalismo fosse no Brasil um
projeto inconcluso, o que fez com que o desastre econô-
mico fosse minimizado; b) não tivemos entre nós, nas
diversas crises cambiais, por razões diversas, profun-
das recessões econômicas, como em outros países, o
que evitou um maior agravamento da crise social; c) os
principais líderes tucanos não se envolveram pessoal-
mente em graves denúncias de corrupção, o que os pre-
servou na política brasileira; d) a timidez do governo

175
O BRASIL QUE QUEREMOS

Lula, sobretudo na política econômica, não estabeleceu


uma ruptura de continuidade mais profunda com a he-
rança tucana; e) os tucanos gozam de um prestígio enor-
me junto ao empresariado, não por grandes méritos que
pudessem ter tido nos oito anos de governo, mas princi-
palmente porque privatizaram 12% do PIB brasileiro, po-
lítica que propõem retomar no governo, e ajudaram a
fortalecer uma elite empresarial que lhes guarda uma
gratidão eterna; f) os tucanos e os pefelistas desfrutam
de uma blindagem quase completa por parte da mídia
brasileira, o que lhes permite se apresentar como bons
gestores e políticos éticos.

TRÊS TAREFAS HISTÓRICAS


1. Derrotar a revanche das elites, o golpe midiático e
consolidar a democracia
Quem acompanha o noticiário político percebe clara-
mente que as elites econômicas e a mídia consideram a
eleição do presidente Lula um acidente de percurso na
história brasileira. Com a crise política, elas davam como
certo o retorno da oposição liberal-conservadora ao go-
verno. Quem expressou esse pensamento de forma ra-
dical foi o brasilianista e historiador estadunidense
Thomas Skidmore, que, em agosto de 2005, considera-
va Lula um “fantasma”:

“Sua imagem no país, na sociedade brasileira, está


prejudicada sem possibilidade de conserto. Não

176
JOSÉ PRATA ARAÚJO

pode retomar o controle sobre a administração. Ele


já se foi. O que todos têm que se concentrar agora
é numa forma de conduzir o país, dado o fato de que
o presidente é um homem oco. É um verdadeiro fan-
tasma [...] A única sugestão que ouvi que me pare-
ce razoável é de os principais partidos de oposição
concordarem em permitir que Lula permaneça na
Presidência, mas realmente isolá-lo e deixar o Brasil
governar a si mesmo”3.

Thomas Skidmore foi mais longe ao afirmar que


estamos condenados inevitavelmente a ser governados
por uma pequena classe:

“A crise elimina uma alternativa ao status quo. O


Brasil é um país muito orientado pelas elites. O que
isso vai fazer é dar força ao processo de colocar a
política e o poder nas mãos de pessoas muito expe-
rientes, como Fernando Henrique Cardoso. Ele é o
exemplo perfeito. Alguém bem nascido, com muita
experiência, que fala vários idiomas. São pessoas
assim que sabem conduzir o país. A sociedade não
vai mais votar em um populista como Lula. Vai vol-
tar para as pessoas mais seguras, que não repre-
sentam o país, mas apenas uma pequena classe”4.

Passados alguns meses do auge da crise, fica claro


que o grande capital, a mídia e a oposição liberal-con-
servadora subestimaram a capacidade de recuperação

177
O BRASIL QUE QUEREMOS

do governo Lula. Um exemplo disso é a revista Época,


que deu chamada de capa para o presidente Lula e na
reportagem sob o título “Ele decolou” afirmou que “con-
tra todos os prognósticos Lula se tornou o grande favo-
rito nas eleições presidenciais”. A revista sintetiza o
quadro político desde julho de 2005:

“Havia, até poucos meses atrás, apenas dois cená-


rios possíveis – ambos fatais – para o futuro político
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O primeiro
era um tiro certeiro: o impeachment. O PT, em franga-
lhos, vivia uma de suas maiores crises internas. Era
tido como certo que, cedo ou tarde, Lula tombaria,
vítima da onda de escândalos que começou o com
mensalão de Jefferson, prosseguiu com o valerioduto,
derrubou ministros e deputados, culminou com o
dudagate e atingiu de raspão o filho, o compadre e o
melhor amigo do presidente. O segundo cenário era
uma morte lenta. O presidente agonizaria aos pou-
cos em público e seria inexoravelmente derrotado nas
eleições deste ano. Bastava conversar com líderes
da oposição ou analistas políticos para ouvir frases
como: ‘A reeleição já era’; ‘O próximo presidente não
será Lula’; ‘Não há dúvida de que Lula não ganhará
a eleição’. Em qualquer um dos dois cenários, Lula
era um cadáver político. Não mais”5.

Na verdade, mesmo no auge da crise, alguns intelec-


tuais já apontavam esse grave erro de avaliação de nos-

178
JOSÉ PRATA ARAÚJO

sas elites. Nem “todos os prognósticos”, como afirma-


va a revista Época, consideravam Lula um “cadáver
político”. O cientista político Juarez Guimarães, profes-
sor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e
militante petista, um dos mais destacados intelectuais
do PT neste período de grave crise política, de forma
enfática e determinada, previu que o PT poderia dar a
volta por cima. No artigo “A crise no romance de for-
mação do PT”, publicado no boletim eletrônico “Peris-
cópio”, da Fundação Perseu Abramo, ele concluiu com
as seguintes palavras:

“A esperança do povo brasileiro é generosa. Sabe


que o PT foi e é ainda companheiro de muitas das
suas lutas, conquistas e sonhos. Ela não irá deser-
tar de um partido que assuma corajosamente,
dialogicamente, a sua renovação como uma força
socialista, democrática e republicana”6.

Maria da Conceição Tavares disse certa vez que “Lula


não é uma criação de intelectuais, é uma criação do
povo”, e as elites subestimaram isto.
A mais brilhante avaliação da crise política foi feita
pelo sociólogo Cândido Mendes, um ex-tucano que se
aproximou do presidente Lula. Em artigo escrito no auge
da crise, ele afirmou que não seria tarefa fácil a destrui-
ção do presidente Lula porque “foi todo um inconscien-
te coletivo que chegou ao poder” e que o povo tem uma
“identificação primária com o presidente”.

179
O BRASIL QUE QUEREMOS

“Com Lula, foi todo um inconsciente


coletivo que chegou ao poder”
Cândido Mendes

"B resser Pereira vem


nos dar, nestas pá-
ginas, a análise talvez mais
dutível, continua sob o fas-
cínio presidencial e se re-
munera pela enorme e
contundente da crise atual única carga simbólica da
do sistema, batendo a son- chegada lá. Por mais que
da toda. Estaríamos a pi- o velho moralismo se ale-
que de uma crise de legi- vante e volte à água de
timação capaz de atingir barrela das comissões de
as bases sociais do gover- inquérito, um próximo plei-
no e as previsões tranqüi- to será visto por esse Bra-
las, de início, de reeleição. sil de fundo como as ten-
Não nos poupa do veredic- tativas de desmonte e de
to letal: o governo Lula aca- forra do país apeado do
bou [...] O Brasil de salão poder nas últimas eleições
continua a considerar os [...] Tal como essa conta-
vaticínios sobre a opinião bilidade de classes e seus
pública como seu animal votos das previsões políti-
de estimação. Só que não cas tradicionais não põem
internalizamos a profunda a nu todo o peso real de
diferença, hoje, de apoio do voto para o novo pleito. Isso
dito povo ao presidente. porque, após o acesso
Foi todo um novo incons- simbólico dos excluídos ao
ciente coletivo que chegou poder, deparamos o quan-
ao poder, atarantado até to a consciência desse
pelo seu êxito, no espetá- fato desbarata os jogos do
culo da tomada de posse situacionismo e [do] opo-
no Planalto em 2003 [...] sicionismo tradicionais [...]
Esse sentimento, ao mes- Um vetor novo da coisa pú-
mo tempo pletórico e irre- blica rompe a ronda da re-

180
JOSÉ PRATA ARAÚJO

presentação de interesses ria com o presidente no


só compatíveis com o país Planalto, e que lá está por
oligárquico. A avalanche sua vontade. Sua decep-
de Lula – essa que man- ção não é a dos desgos-
tém íntegra a sua base e tos de ocasião dos velhos
reeleição – nasceu da per- donos do poder [...] Não é
cepção da vitória diferente pela aceitação do papel de
e se nutre dessa primeira vítima que o presidente
fruição, independentemen- entrará num jogo que não
te dos resultados do gover- é seu. Sabe onde avança
no [...] Não funciona a ló- a sua iniciativa histórica. O
gica das predições da que- passo adiante pede, sim,
da da legitimação tradicio- a disciplina férrea de deci-
nal, para a do desgarre da dir a expectativa do país
base social de um gover- que com ele entrou no Pa-
no, nessas condições tão lácio do Planalto em 2003;
específicas de acesso de que fruiu, então, de uma
Lula à Presidência. O país primeira cidadania vingada;
de agora não incorporou, que vai à reeleição, nas
ainda, a expectativa e a pa- suas contas com o presi-
ciência do voto nascido dente e, nesse estrito pac-
desse inconsciente coleti- to de esperança, sem o
vo que transborda das re- profissionalismo da catás-
presentações clássicas trofe à minuta”
ou de suas crises de legi- (MENDES, Cândido. “Lula,
timidade. O que lhe impor- depois de Lula”. Folha de
ta é a identificação primá- S.Paulo, 22/07/2005).

O certo é que iniciamos 2006 com uma recuperação


substancial da avaliação do governo Lula e da imagem
do presidente. Para isso contribuíram, já no final de 2005,
dois importantes episódios: o Processo de Eleição Dire-
ta do PT, do qual participaram quase 300 mil filiados, um

181
O BRASIL QUE QUEREMOS

número recorde que surpreendeu segmentos do partido


e, especialmente, a oposição liberal-conservadora. Esse
evento foi um aviso de que o PT estava vivo e tinha
condições de recuperar a iniciativa política. Um segun-
do acontecimento crucial foi a eleição de Aldo Rebelo
para a presidência da Câmara dos Deputados, o que
tirou da oposição liberal-conservadora a capacidade de
“sangrar” o presidente Lula num posto fundamental da
política nacional. Wanderley Guilherme dos Santos qua-
lificou o “sangramento” como tática de jagunço:

“Há duas formas de esterilizar um governo. Uma


é o impedimento. A outra é a que a oposição vem
usando, impedindo o governo de governar. Isso vem
sendo chamado pelo nome ‘gentil’ de sangrar o
governo. É uma retórica de jagunço, sangrar o go-
verno, sangrar o presidente da República”7.

Conta muito também para a retomada da avaliação


do governo Lula o controle da inflação; a adoção de
diversas políticas sociais que reduzem a pobreza e a
desigualdade; a divulgação de bons resultados na gera-
ção de emprego e renda; medidas mais ousadas como o
reajuste do salário mínimo para R$ 350,00; e o encerra-
mento definitivo das relações formais com o FMI, com o
pagamento antecipado do empréstimo.
A oposição liberal-conservadora sentiu o golpe e rea-
giu de forma violenta. No auge da crise política, todos
se lembram da frase preconceituosa do presidente do

182
JOSÉ PRATA ARAÚJO

PFL, Jorge Bornhausen, comemorando a vitória por an-


tecipação. Perguntado se não estava desencantado com
a crise respondeu: “Desencantado? Pelo contrário. Es-
tou é encantado, porque estaremos livres dessa raça
pelos próximos 30 anos”. É essa mesma postura violen-
ta e preconceituosa que move agora outros membros
da oposição liberal-conservadora, já não tão seguros da
vitória para a Presidência da República. O moralismo
udenista vem sendo liderado pelo ex-presidente Fernando
Henrique, que agride a esquerda quando afirma, em
entrevista à revista Isto É, “que a ética do PT é rou-
bar”8. Na entrevista, FHC destila preconceito e elitismo
contra os mais pobres. Desmerece a trajetória dos imi-
grantes pobres: “Lula é o símbolo do imigrante operário
pobre que chegou a presidente. É um símbolo declinante,
uma estrela cadente”. FHC trata os pobres como um
bando de ignorantes que não pensam: “Houve uma mu-
dança de sentimento da classe média em relação ao
presidente. Ele percebeu e virou o discurso para a mas-
sa de não-informados”. Outra reação destemperada foi
da deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP), que, ao participar
de uma reunião do PSDB, afirmou sobre a CUT: “Estava
vindo para cá e vi o escritório da CUT. Pelo amor de
Deus, fecha esse troço. CUT não presta para nada. É
uma cambada de mentirosos, falsos, covardes, bandi-
dos e assassinos”9.
A oposição liberal-conservadora não consegue escon-
der mais o arrependimento por não ter sangrado até o
fim o presidente Lula, ou seja, por não ter defendido o

183
O BRASIL QUE QUEREMOS

impeachment do presidente quando essa possibilidade


parecia viável. Um grande empresário do comércio, cujo
nome não foi revelado, declarou ao repórter César
Felício, do jornal Valor Econômico, sobre o presidente
Lula: “Na hora em que era preciso fazê-lo sangrar até o
fim, a oposição decidiu poupá-lo. Agora, qualquer de-
núncia será vista como baixaria de campanha. Lula so-
breviveu à crise e chega muito mais forte do que todos
esperavam à reeleição”10. Na entrevista à revista Isto
É, FHC, ao ser perguntado se o impeachment deveria ter
sido discutido, respondeu: “Sim, mas agora não dá mais”.
Essas afirmações só confirmam os termos da histórica
entrevista do cientista político Wanderley Guilherme dos
Santos à revista Carta Capital em junho de 2005, quando
acusou a oposição, liderada por Fernando Henrique, de
preparar um “golpe branco” contra o governo Lula11.
PSDB e PFL tiveram más notícias no início de 2006,
mas não podem ser subestimados. Já estão se rearti-
culando e se preparando para a guerra eleitoral. Estão
arrependidos de ter subestimado o presidente Lula e di-
ficilmente cometerão um novo erro de avaliação desta
dimensão. É evidente que quem dita a agenda política
ganha as eleições e se a agenda política for a compara-
ção da gestão atual com a de FHC, Lula ganhará as elei-
ções. Daí por que decidiram partir violentamente para o
ataque a fim de recuperar o terreno perdido e sonham
repetir no Brasil o que foi o eixo das eleições recentes
no Canadá e até mesmo para a Autoridade Palestina,
que foram dominadas pelo tema da corrupção. Querem

184
JOSÉ PRATA ARAÚJO

transformar a questão ética no eixo das eleições, por-


que esperam com isso garantir o voto das classes mé-
dias urbanas. Ao grande capital prometem “um choque
de capitalismo”, na expressão do economista tucano
Edmar Bacha. Como o Brasil já é um país capitalista, o
que estão propondo para mobilizar o empresariado é
romper com o que consideram “vacilação” e “dubieda-
de” tucanas no governo anterior e retomar uma agenda
radical para o Brasil, “sem medo de sermos qualifica-
dos de neoliberais”, como afirma Bacha. Isso significa
a retomada do processo de privatizações, de uma refor-
ma trabalhista profunda, de cortes severos nos gastos
públicos para viabilizar a privatização de serviços públi-
cos e a redução da carga tributária, de retomada da
articulação da ALCA etc. Tudo isso é declarado aberta-
mente, não só por Edmar Bacha, mas por outros tuca-
nos e aliados, como Eliana Cardoso, Sérgio Werlang,
Raul Velloso e o ex-ministro Martus Tavares. Este últi-
mo, em entrevista ao jornal Valor Econômico, qualifi-
cou como herança “supermaldita” do governo Lula os
reajustes do salário mínimo e a admissão de novos ser-
vidores federais concursados12. Como se vê, os tuca-
nos estão dispostos a partir para a guerra e rachar o
Brasil se for necessário para recuperar o governo.
Não será tarefa fácil derrotar a oposição liberal-con-
servadora. Mas com inteligência, calma e engajamento
militante esta é uma possibilidade concreta no cenário
eleitoral de 2006. Se reelegermos o presidente Lula,
estaremos rompendo com a “fatalidade” de sermos go-

185
O BRASIL QUE QUEREMOS

vernados eternamente por grupos minoritários ligados


ao grande capital nacional e internacional. Significará
um avanço enorme na democracia brasileira, que será
alargada pela possibilidade de rotatividade mais subs-
tantiva no governo. Representará uma ruptura de conti-
nuidade na história brasileira e uma revolução pela via
pacífica. A derrota das elites será também uma derrota
do golpe midiático que quiseram aplicar no presidente
Lula. Wanderley Guilherme dos Santos afirma que a
democracia num país em desenvolvimento se consolidará
quando a sua estabilidade “não depender de militar, nem
da Igreja, nem da imprensa”13. Derrotar a oposição li-
beral-conservadora é afirmar o povo como o principal
protagonista da história do país. Significa que o poder
econômico e a mídia não são imbatíveis quando o povo
decide tomar os destinos em suas mãos. Significa a en-
trada definitiva dos pobres na cena política superando a
dicotomia elitista, que divide o povo entre os “formado-
res de opinião” e os “não-informados”.

2. Reeleger Lula e construir um país com mais desen-


volvimento e menos desigualdade
Na eleição presidencial de 2006, a esquerda se apre-
sentará de uma forma mais fragmentada do que em
2002. Além da candidatura Lula, representando o PT, o
PSB, o PCdoB e outros partidos aliados, provavelmente
partidos como PSOL, PDT, PPS, PSTU e PCO poderão apre-
sentar candidaturas próprias, na maioria dos casos de
ex-petistas. Mas não existem dúvidas de que a única

186
JOSÉ PRATA ARAÚJO

candidatura que disputa para ganhar, que tem condições


de derrotar a oposição liberal-conservadora é a de Lula.
E ela merece o apoio do povo não somente porque é a
mais viável eleitoralmente, mas também porque tem rea-
lizações importantes a mostrar nestes quatro anos de
governo, como vimos ao longo deste livro, especialmen-
te no capítulo dedicado à questão social. As demais can-
didaturas, queiram ou não os seus propositores, serão
candidaturas não para a disputa de grandes projetos para
a sociedade, mas para a autoconstrução partidária. Por
isso mesmo, para ter alguma viabilidade eleitoral – e é
possível que algumas delas tenham alguns milhões de
votos – serão candidaturas de esquerda que enfrenta-
rão um cenário político incômodo: como não disputam
para ganhar, serão forçadas pela dinâmica política a pre-
servar a direita, centrando a demarcação em Lula e no
PT, como forma de descolar uma parte do eleitorado de
esquerda para um novo campo político.
A reeleição de Lula é hoje uma forte possibilidade,
mas não se deve subestimar as dificuldades para fazê-
la vitoriosa. Entre essas dificuldades podemos apontar:
a) o desgaste sofrido pelo PT e pelo governo na crise
política do caixa dois de campanha e seus reflexos elei-
torais; b) a fragilidade da coligação que sustentará a
candidatura de Lula, até o momento, sem o suporte de
grandes partidos, que tem como uma das principais con-
seqüências a diminuição de tempo de campanha no es-
tratégico espaço de rádio e TV; c) maior fragmentação
da esquerda, como apontamos anteriormente; d) o rela-

187
O BRASIL QUE QUEREMOS

tivo isolamento em que se encontra a candidatura Lula


nas classes médias e na intelectualidade e as enormes
dificuldades para a reversão deste quadro, ainda que as
pesquisas mais recentes indiquem uma melhoria nestes
segmentos; e) a falta de palanques fortes em estados
importantes, o que dificulta a montagem de uma logística
de campanha em muitos lugares; f) o horário eleitoral
será um verdadeiro linchamento do governo Lula, tanto
à esquerda (PSOL, PDT, PPS, PSTU, PCO) como ao centro
e à direita (PSDB, PFL, Prona, PMDB); g) serão grandes as
dificuldades para o financiamento de campanha depois
da crise política do caixa dois.
De outro lado, é evidente que a candidatura Lula tem
pontos muito favoráveis para se consolidar: a) a recu-
peração da aprovação do governo Lula e da figura do
presidente; b) o crescente apoio da população mais po-
bre do país ao presidente, que representa a parcela am-
plamente majoritária do eleitorado brasileiro, o que vem
se refletindo nas pesquisas eleitorais; c) o surpreenden-
te prestígio popular do PT, que continua, mesmo depois
do terremoto da crise política, como o partido preferido
dos brasileiros; d) o crescimento de Lula nas pesquisas
poderá ter como conseqüência a consolidação de um
arco de alianças mais forte; e) a promissora entrada na
agenda política nacional, como veremos a seguir, do eixo
“mais desenvolvimento, menos desigualdade”; f) a cri-
se política mexeu com a militância, como atestou o pro-
cesso de eleição interna do PT, e tudo indica que se o PT
e os demais partidos de esquerda apostarem politica-

188
JOSÉ PRATA ARAÚJO

mente poderemos ter um forte engajamento dos movi-


mentos sociais no processo eleitoral; g) a fórmula “ree-
leição sem desincompatibilização” montada pelos tuca-
nos e pefelistas se voltará contra eles agora, já que até
junho o presidente Lula poderá correr o país, inaugurar
obras, participar de eventos, na condição de presidente
da República e não de candidato a presidente; h) a situa-
ção política da América Latina ajuda a compor um ce-
nário positivo, com a virada à esquerda na maioria dos
países da região; i) o fato de o PT e o governo terem
cortado na carne (afastamento de dirigentes e demis-
são de dezenas de funcionários do governo) é uma cla-
ra demonstração de que a esquerda é mais comprome-
tida com a ética, ao contrário dos partidos conservado-
res, que varrem sempre para debaixo do tapete os seus
escândalos; j) a propaganda do governo melhorou muito
no último período, com o estabelecimento de um eixo
mais claro e com a regionalização.
Nas eleições, devem ser trabalhados diversos eixos
programáticos, mas não temos dúvida de que, para a
esquerda, a agenda central destas eleições é aquela já
indicada na propaganda do governo Lula: “Mais desen-
volvimento, menos desigualdade”. Essa agenda é muito
promissora, como reconheceu o jornalista Vinicius Tor-
res Freire:

“O eleitor mais pobre gosta mais de Lula, assim


como o eleitor mais rico gostava mais de FHC. Petistas
e tucanos polarizam não só a disputa presidencial

189
O BRASIL QUE QUEREMOS

mas, em certa medida, as preferências de classe. Nos


anos FHC, a avaliação positiva do governo era mais
comum entre os mais ricos. Sob Lula, isso se inver-
te. De resto, cresceu a divergência de opinião entre
ricos e pobres; entre os eleitores do Sudeste e do
Nordeste. Lula faz propaganda maciça na TV, certo.
Mas o eleitor, o pobre, inclusive, não é tábula rasa
que engula sem mais o marketing. Algo do que Lula
faz ou diz o interessa, como revela a crescente po-
larização social do voto. Isso não quer dizer que o
voto brasileiro tenda a ser mais ‘classista’. Mas
indica que a polêmica político-social brasileira mu-
dou e que a desigualdade ocupa cada vez mais o
centro do debate”14.

É evidente que a luta contra a desigualdade histórica


da sociedade brasileira não é neutra politicamente, tem
um claro viés “classista”. Não é coincidência que essa
questão fundamental tenha tido o seu papel realçado
exatamente quando os partidos de esquerda e uma lide-
rança popular como Lula chegaram ao governo. No
entanto, a luta contra a desigualdade só terá chance de
prosperar se deixar de ser uma questão apenas
“classista”, para a qual devam ser mobilizados apenas
os mais diretamente interessados, os pobres. Uma es-
tratégia apenas classista estreita politicamente a luta
contra a desigualdade, pois significa abdicar, a priori,
da disputa política, significa empurrar para os braços da

190
JOSÉ PRATA ARAÚJO

direita segmentos mais resistentes à distribuição da ren-


da. Para a superação das diferenças sociais, devem ser
convocados as classes médias e os empresários com
uma visão mais social do processo de desenvolvimento.
A superação da desigualdade deve ocupar, portanto, um
lugar destacado na agenda política nacional, e a conso-
lidação de uma sociedade mais coesa, integrada e segu-
ra deve ser uma conquista de todos. Portanto, o cami-
nho mais promissor para mudar o Brasil é a aposta na
coesão e na integração da sociedade, buscando arbitrar
de forma democrática os conflitos, e não pela via da
polarização da sociedade. A experiência internacional
já demonstrou que os maiores avanços sociais e as maio-
res resistências aos retrocessos acontecem exatamen-
te naquelas sociedades mais coesas e igualitárias. Não
é por outra razão que são as sociedades da Europa Oci-
dental as que mais resistem ao neoliberalismo.
É esta questão crucial que distingue Lula na história
brasileira. O cientista político Juarez Guimarães, em ar-
tigo escrito para o boletim “Periscópio”, da Fundação
Perseu Abramo, afirmou que Lula cumpre um papel
civilizatório em nosso país, pois “o que faz é arbitrar
democraticamente o conflito presente na sociedade”.
Analisando os documentários Peões e Entreatos, ele
afirmou, no mês de maio de 2005:

“A violência polarizadora destas imagens que


hoje colocam em suspensão a figura pública e his-
tórica de Lula evocam aquelas outras que levaram

191
O BRASIL QUE QUEREMOS

a um fim trágico a personalidade mais influente da


história brasileira no século XX. Mas entre Lula e
Vargas há mais do que diferença de origem social e
de percurso: são diversos os seus graus de adesão
aos princípios da democracia. E o que é a democra-
cia senão o lugar permanente de expressão,
legitimação e institucionalização do conflito? Ao
trazer para si, para a sua figura pública hoje dilace-
rada, as violentas tensões que movem a sociedade
brasileira, o que Lula faz é civilizar e arbitrar demo-
craticamente o conflito”15.

Quando explodiu a crise política no mês de junho de


2005, Juarez Guimarães escreveu um novo artigo no
“Periscópio”, em que afirmava que o objetivo da oposi-
ção liberal-conservadora era impugnar o caráter pro-
missor e civilizatório do presidente Lula.
Portanto, para derrotar a oposição liberal-conserva-
dora, é preciso ter uma estratégia correta para enfrentá-
la. Se aceitarmos a disputa no terreno e com os méto-
dos propostos por Fernando Henrique, caminharemos
para a derrota. Não vamos polarizar e rachar o Brasil
como quer Fernando Henrique. Esta estratégia não é a
melhor para a esquerda e, se ganhássemos a eleição
com ela, seria difícil governar. Não significa que não
devamos travar um combate político contundente com
a oposição. Defendo que a candidatura de Lula e as
demais candidaturas majoritárias nos estados assumam
perfis mais agregadores e menos polêmicos. Numa di-

192
JOSÉ PRATA ARAÚJO

visão de tarefas, a polêmica deve ser travada de forma


mais contundente pelas candidaturas proporcionais e
pelos movimentos sociais. Tem que ser uma disputa ra-
dical, mas limpa, baseada em informações as mais pre-
cisas possíveis e através de mecanismos transparentes.
Não podemos transformar as eleições numa guerra de
boletins apócrifos e de mentiras, como é o método dos
partidos de direita.
Finalmente, algumas considerações sobre os eixos
programáticos, que, em minha opinião, devem girar em
torno de quatro pontos:
a) defesa das realizações do governo Lula, especial-
mente daquelas da área social (geração de emprego,
renda do trabalhador e salário mínimo, inflação sob con-
trole, Bolsa Família, ProUni e Fundeb, Samu etc.), do
encerramento dos acordos com o FMI e quitação anteci-
pada da dívida com o Fundo; auto-suficiência do Brasil
em petróleo, entre outras;
b) aceleração do processo de crescimento econômi-
co, pois com a economia arrumada – redução drástica
da vulnerabilidade externa, controle da inflação –, o
Brasil, adotando taxas de juros mais baixas e mantendo
a moeda relativamente desvalorizada, poderá crescer a
percentuais mais expressivos. Num eventual segundo
mandato uma agenda desenvolvimentista será fundamen-
tal para estabelecer um respaldo duradouro para a es-
querda em nosso país;
c) aprofundamento das políticas de distribuição de
renda, através da redução da taxas de juros; da ado-

193
O BRASIL QUE QUEREMOS

ção de uma política tributária menos regressiva; da


manutenção do controle inflacionário; da recupera-
ção do salário mínimo e dos demais rendimentos dos
trabalhadores; da continuidade da recuperação do tra-
balho formal; do investimento em educação, com a
fixação de metas para a universalização da educa-
ção básica e criação de condições para os pobres
chegarem à universidade; do aprofundamento da re-
forma agrária; do reconhecimento do direito de pro-
priedade vinculado à sua função social; da democra-
tização dos locais de trabalho como forma de equili-
brar as relações trabalhistas; do combate a toda for-
ma de discriminação; e do aprofundamento dos pro-
gramas de transferência de renda;
d) realização de uma reforma política democrática,
que tenha como eixos a adoção do sistema de listas
fechadas nas eleições proporcionais, ou então de um
sistema proporcional misto (metade dos parlamenta-
res eleitos pelo sistema de lista aberta e metade dos
parlamentares eleitos pelo sistema de listas proporcio-
nais fechadas); a implementação do sistema de finan-
ciamento público das campanhas políticas; e o fortale-
cimento dos mecanismos de participação popular. Para
viabilizar a reeleição, no atual quadro partidário brasi-
leiro, o presidente Lula terá que realizar composições
amplas, mas isso não pode ser empecilho, como tem
acontecido, para uma abrangente reforma do sistema
político-eleitoral brasileiro, que possa, futuramente,
gerar governos mais programáticos e estáveis.

194
JOSÉ PRATA ARAÚJO

3. Confirmar o Brasil como protagonista da integração


latino-americana
Será um enorme retrocesso para a esquerda brasileira,
num olhar mais internacional, a derrota do presidente Lula
na eleição de outubro. Luís Fernando Verissimo, na crô-
nica “Bombons”, afirma que o PT corre o risco de sair da
festa quando ela começa a ficar animada. Disse ele:

“A História é uma velha senhora pachorrenta com


gosto fatal pela ironia. A velha senhora também se
delicia com os paradoxos sabor latino-americano.
Dependendo do efeito político e eleitoral das suas
lambanças em 2005, que só conheceremos em 2006,
o PT pode muito bem perder o poder justamente no
momento em que seus congêneres e assemelhados
sobem no resto da América, com candidatos de
esquerda cotados para chegar ao governo no Mé-
xico, no Equador e no Chile, sem contar os que já
são governo na Venezuela, na Bolívia, no Uruguai
e, vá lá, na Argentina. A tendência para a esquerda
até no Chile, suposto mostruário dos melhores pro-
dutos do neoliberalismo no continente, tem várias
faces e causas, mas pode ser resumida numa frase:
o consenso de Washington fracassou. A reação às
novidades virá com força, como veio aqui, e é
‘debatível’ quais delas, entre as populistas e as mais
substanciosas, como parece ser a dessa socialista
chilena, resistirão por muito tempo. O fato é que o
Brasil do PT pode estar deixando o baile quando ele

195
O BRASIL QUE QUEREMOS

começa a ficar animado. Paga o preço pela sua pre-


cocidade. Agora, ou será um exemplo de sucesso
para os outros ou o exemplo do que os espera. Ou
apenas um exemplo da sua própria incompetência.
Vamos ver o que acontece. Esse bombom a Histó-
ria não comeu ainda”.16

Verissimo disse tudo: perder a eleição no Brasil, numa


conjuntura de virada à esquerda sem precedentes na his-
tória da América Latina, é o mesmo que sair da festa
quando ela está ficando animada. Temos que trabalhar e
lutar com toda força e paixão para que esta festa do povo
latino-americano se prolongue por muitos e muitos anos.
A vitória da esquerda no Brasil será também funda-
mental para a esquerda latino-americana. Como vimos
acima, nosso país “ou será um exemplo de sucesso para
os outros ou o exemplo do que os espera”. O sociólogo
Emir Sader explica por que a reeleição de Lula é funda-
mental para o futuro da América Latina:

“No Brasil se decide muito do futuro da América


Latina. A política externa brasileira colocou o país
como eixo de uma ampla aliança, que vai de Cuba e
da Venezuela por um lado, até a Argentina e o Uru-
guai, incorporando agora certamente a Bolívia. A
continuidade dessa política permitirá, agora com um
campo mais amplo de ação – incluindo a Bolívia e
eventualmente o México e o Peru – consolidar o
único espaço de integração em escala internacio-

196
JOSÉ PRATA ARAÚJO

nal com autonomia em relação aos EUA. Um even-


tual retorno da aliança tucano-pefelista represen-
tará não apenas uma desarticulação dessa aliança
ampla, com a desaparição do seu eixo, mas, para os
EUA, a conquista de um aliado importante, que rom-
perá o isolamento, depois que o fracasso do gover-
no de Vicente Fox demoliu a aposta que faziam no
ex-gerente da Coca-Cola como seu principal aliado
no continente. O certo é que a América Latina será
outra depois desse ciclo eleitoral, mais integrada e
progressista ou dividida e conservadora, com o for-
talecimento do governo Bush no continente. É um
ano longo, que vai de dezembro de 2005 até abril de
2007, em que as eleições do México e – principal-
mente – do Brasil serão as mais decisivas”17.

197
JOSÉ PRATA ARAÚJO

ANEXO
SÍNTESE DOS PRINCIPAIS
INDICADORES
SOCIOECONÔMICOS DO BRASIL

Para que possamos formar uma opinião sobre o Brasil


que queremos é fundamental o conhecimento do Brasil
que temos. Este apêndice traça um diagnóstico de nosso
país em diversas áreas: geografia e população, famílias e
domicílios, economia, desigualdades regionais, saúde,
educação, previdência social e privada, segurança públi-
ca, mundo do trabalho, estrutura fundiária, partidos e elei-
torado, identidades diversas (raça, religião e portadores
de deficiência).

GEOGRAFIA E POPULAÇÃO
Aspectos geográficos
A extensão territorial do Brasil é de 8.547.403 km2 – é o
quinto maior país do mundo em tamanho, atrás apenas de
Rússia, Canadá, Estados Unidos e China. Como parte da
América do Sul, faz fronteira com os seguintes países:
Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia,
Venezuela, Guiana, Guiana Francesa e Suriname.
Nosso país é composto por 27 unidades da federação
e 5.507 municípios (dados de 2000). São as seguintes
as unidades federativas por região: Norte: Rondônia,
Acre, Amazonas, Roraima, Pará, Amapá e Tocantins;

199
ANEXO

Nordeste: Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte,


Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia; Sudes-
te: Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São
Paulo; Sul: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul;
Centro-Oeste: Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás
e Distrito Federal.

Tamanho dos municípios


Uma das características do Brasil é a existência de um
grande número de municípios. Isso foi o resultado de jus-
tas reivindicações emancipacionistas das comunidades
locais, mas também de interesses políticos e das facilida-
des legais, durante um certo período, para a criação de
novos municípios. Veja a tabela 1. Como se vê, os 2.642
municípios com até 10.000 habitantes (48% do total) ti-
nham população de 13.865.155 habitantes (8,2% da po-
pulação brasileira); já os 31 municípios com mais de
500.000 habitantes (0,6% do total) tinham população de
46.882.273 habitantes (28% do total).
As seis maiores cidades brasileiras, segundo estimati-
vas do IBGE para 2005, em número de habitantes, eram:
São Paulo (10.927.985), Rio de Janeiro (6.094.183), Sal-
vador (2.673.560),
Belo Horizonte
(2.375.329), Forta-
leza (2.374.944) e
Brasília (2.333.108
habitantes).

População
De acordo com a
Pesquisa Nacional

200
JOSÉ PRATA ARAÚJO

por Amostra de Domicílios – PNAD-2004, o Brasil tinha


uma população de 182.060.108 habitantes, representando
2,85% da população do mundo, a qual é estimada em 6,5
bilhões de pessoas. Por regiões, os números de habitan-
tes eram os seguintes: 14.434.109, no Norte; 50.534.403,
no Nordeste; 77.577.219, no Sudeste; 26.697.985, no Sul;
e 12.816.392, no Centro-Oeste. Os cinco maiores Esta-
dos em número de habitantes eram: São Paulo
(39.939.195), Minas Gerais (19.038.693), Rio de Janeiro
(15.236.905), Bahia (13.704.574) e
Rio Grande do Sul (10.748.024 habi-
tantes). Veja a tabela 2.
Por idade, a população apresentava
os seguintes quantitativos:
• de 0 a 4 anos, 14.977.223;
• de 5 a 9 anos, 17.323.088;
• de 10 a 14 anos,17.043.986;
• de 15 a 19 anos, 17.763.002;
• de 20 a 24 anos, 17.051.360;
• de 25 a 29 anos, 41.701.077;
• de 40 a 59 anos, 38.526.304;
• de 60 anos ou mais, 17.662.715 ha-
bitantes.
Ainda de acordo com a PNAD-2004,
as mulheres eram maioria da popula-
ção: elas eram 93.386.375 e os ho-
mens 88.673.733.

Crescimento da urbanização
A PNAD-2004 mostrou que o Brasil
está cada vez mais urbano: eram
151.109.890 pessoas vivendo nas ci-

201
ANEXO

dades (83%) contra apenas 30.950.218 pessoas (17%)


que continuavam residindo no campo. A região Sudeste
era a mais urbanizada, com 92,1%, seguida da região
Centro-Oeste, com 86,3% e da região Sul, com 82%. As
regiões Norte e Nordeste eram as maiores no que tange à
população rural, com 26,5% e 28,5% respectivamente.
Na questão de gênero, de acordo com dados do Censo
2000, as mulheres eram maioria no meio urbano: elas eram
71.070.966 e os homens 66.882.993. Já no campo, a si-
tuação se invertia: os homens eram 16.693.022 e as mu-
lheres 15.152.189.
A urbanização é um dos traços mais marcantes do Bra-
sil nas últimas décadas, influindo fortemente na organiza-
ção das cidades, nas políticas públicas e nas condições de
vida da população. Para o IBGE, a urbanização é resultado
de três fatores: do próprio crescimento vegetativo das
áreas urbanas; da migração com destino urbano; e da in-
corporação de áreas que em censos anteriores eram clas-
sificadas como rurais.

Migração
A PNAD-2004 pesquisou a migração no Brasil entre mu-
nicípios e entre entes da Federação. São 109.595.057 de
habitantes naturais dos municípios onde residem (60,2%
do total) e 72.461.647 não-naturais (39,8% do total). En-
tre os Estados, se destacaram na taxa de habitantes não-
naturais de seus municípios os seguintes: Mato Grosso
(61,3%), Rondônia (60,2%), Roraima (57,7%), Goiás
(54,3%), Tocantins (54,2%), Distrito Federal (51,3%),
Mato Grosso do Sul (49,3%), Paraná (48,2%), São Paulo
(46,7%), Amapá (45,6%), Pará (44,8%), Espírito Santo
(44,4%) e Santa Catarina (41,1%).

202
JOSÉ PRATA ARAÚJO

Quanto ao perfil dos


habitantes nas unida-
des da Federação, se-
guem-se os números:
152.522.959 são natu-
rais dos estados onde
residem (83,8%) e
29.533.745 (16,2%)
não são naturais. Veja
a tabela 3. Em núme-
ros absolutos, os des-
taques são estados do
Sudeste: São Paulo
tem 9.755.804 não-
naturais do estado; e
no Rio de Janeiro eles
são 2.625.398. Já em
termos relativos, os
não-naturais se des-
tacam nos estados do
Norte e Centro-Oes-
te: Distrito Federal
(51,3%), Rondônia (50,5%), Roraima (50,3%), Mato Gros-
so (43,2%), Tocantins (32,1%), Mato Grosso do Sul
(30,9%) e Amapá (30,6%).

Taxa de fecundidade
Nosso país está atravessando a chamada “transição
demográfica”, caracterizada pelo acentuado envelhecimen-
to da população e que tem como uma de suas causas a
redução acelerada da taxa de fecundidade. Em 1960, a
taxa de fecundidade era de 6,3 filhos por mulher e, em

203
ANEXO

1980, de 4,4. Em 2004, a taxa de fecundidade no Brasil


era de 2,1 filhos por mulher. A região Norte apresentou a
mais alta taxa (2,8), e a Sul a mais baixa (1,9). Em segui-
da, vieram o Nordeste (2,3), o Centro-Oeste (2,1) e o
Sudeste (2,0).
A queda da taxa de fecundidade pode ser explicada por
diversos fatores, sendo os principais: a urbanização da
sociedade e a mudança na cultura familiar; a inserção da
mulher no mercado de trabalho; a introdução de mecanis-
mos contraceptivos, sobretudo a partir da década de 1960;
a realização de cirurgias para se evitar filhos, especial-
mente pelas mulheres (ligadura de trompas).

Esperança de vida
Além da redução da taxa de fecundidade, também con-
tribuiu para o envelhecimento da população o aumento
da esperança de vida da população brasileira. Dados do
IBGE apontaram que a esperança de vida ao nascer, para
ambos os sexos, atingiu, em 2004, 71,7 anos. Este nú-
mero representa um avanço se comparado, por exem-
plo, a 1980, quando a esperança de vida ao nascer era de
62,6 anos. Trata-se, no entanto, de um número ainda
desconfortável que coloca o Brasil no 82º lugar no
ranking mundial da ONU e no 17º lugar na América Lati-
na e no Caribe. As mulheres têm uma maior esperança
de vida ao nascer: 75,5 anos contra 67,9 anos dos ho-
mens, uma diferença, portanto, de 7,6 anos.
O ranking das regiões e das unidades da Federação (veja
a tabela 4) é um claro exemplo das desigualdades existen-
tes no Brasil. Esperança de vida ao nascer acima da média
nacional era encontrada nas regiões Sul (73,9 anos), Su-
deste (73,2 anos) e Centro-Oeste (72,9 anos); já abaixo

204
JOSÉ PRATA ARAÚJO

da média nacional estavam as regiões


Norte (70,7 anos) e, sobretudo, a
Nordeste (68,6 anos). Já no ranking
das unidades da Federação com as
maior esperança de vida, o Distrito
Federal ocupava o primeiro lugar,
com 74,6 anos, e Alagoas ocupava
o último, com 65,5 anos, o que dá
uma diferença na esperança de vida
nos dois extremos de 9,1 anos.
Duas observações sobre a espe-
rança de vida. Primeira: a expressi-
va diferença entre mulheres e ho-
mens relaciona-se, principalmente,
com a sobremortalidade masculina
– particularmente entre jovens –, ma-
joritariamente ligada a causas exter-
nas, como acidentes de trânsito e ho-
micídios. Segunda: o número relati-
vo à esperança de vida ao nascer é
baixo, devido à elevada mortalidade
infantil; às deficiências no sistema
de saúde; à pobreza e às desigualda-
des regionais; e por isso a melhoria
deste indicador está condicionada à
implementação de políticas públicas
nestas áreas. Não é correto, no entanto, utilizar a espe-
rança de vida ao nascer no debate previdenciário. Neste
caso, o dado mais importante é a esperança de vida na
velhice: aos 60 anos, para ambos os sexos, ela é de 20,7
anos, sendo de 22,2 anos para as mulheres e de 19,1 anos
para os homens. Portanto, o idoso brasileiro vive, em

205
ANEXO

média, até os 80,7 anos. Vem crescendo, inclusive, o nu-


mero de centenários: em 2000, eram 24.576 os brasilei-
ros e brasileiras com mais de 100 anos.

FAMÍLIAS E DOMICÍLIOS
Famílias brasileiras
Em 2004, de acordo com a PNAD do IBGE , eram
56.078.995 famílias residentes em domicílios particula-
res em todo o país. Por região, elas se distribuíam as-
sim: Norte (4.009.242), Nordeste (14.542.795), Sudes-
te (24.793.528), Sul (8.706.207) e Centro-Oeste
(4.027.223). O número médio de pessoas por família
era de 3,2 no Brasil, sendo maior no Norte (3,6) e no
Nordeste (3,5) e menor no Sul (3,1) e no Sudeste (3,1).
Do total de famílias, 39.594.819 tinham o homem como
referência (70,6%) e outras 16.484.176 tinham a mu-
lher como referência (29,4%), percentual que é distri-
buído de forma bastante homogênea pelas diversas regi-
ões. Por unidade da Federação, os destaques das mulhe-
res como referência da família são no Distrito Federal
(40,9%), Roraima (33,9%) e Pernambuco (32,9%). No
Censo 2000, o IBGE apurou que, entre as pessoas de 10
anos ou mais, 67.713.209 viviam em união, assim dis-
tribuídas: 33.472.336 estavam casadas no civil e no re-
ligioso, 11.858.429 somente no civil, 2.990.848 somen-
te no religioso e 19.391.597 viviam em união consensual.

Condições da habitação
Em 2004, o IBGE contabilizou em todo o país 51.752.528
domicílios particulares permanentes, com a seguinte dis-
tribuição regional: 3.561.524 no Norte; 13.090.124 no Nor-

206
JOSÉ PRATA ARAÚJO

deste; 23.157.114 no Sudeste;


8.198.266 no Sul; 3.745.500 no
Centro-Oeste. Do total de domicí-
lios, 38.145.282 eram próprios
(73,7%), sendo 35.940.977 já qui-
tados e 2.204.305 em processo de
aquisição; 7.991.831 eram alugados
(15,4%); 5.360.427 eram cedidos
(10,4%); e 254.988 tinham outra
forma de ocupação. O número
médio de moradores por domicílio
no país era de 3,5, sendo maior no
Norte (4,0) e no Nordeste (3,9) e
menor no Centro-Oeste (3,4), no
Sul e no Sudeste (3,3).
O Censo 2000 do IBGE trouxe outras informações im-
portantes sobre os domicílios brasileiros. Naquele ano,
9.244.140 domicílios não estavam ocupados, sendo que
6.029.756 estavam vagos; 2.685.701 eram de uso ocasio-
nal; e 528.683 estavam fechados. Já o número de cômo-
dos e de dormitórios dos domicílios brasileiros espelham
a precariedade de grande parte deles. Veja a tabela 5. Do
total de domicílios, 14.086.712 tinham de 1 a 4 cômodos;
e 14.285.277 tinham um único dormitório.

Serviços públicos
Um importante indicador sobre a qualidade de vida da
população brasileira é o acesso aos serviços públicos de
abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta de
lixo, iluminação elétrica e de telefonia. Veja a tabela 6. Em
2004, no total de domicílios do país, 9.196.356 não eram
atendidos por rede geral de água (17,8%); 16.088.648

207
ANEXO

não dispunham de esgotamento sanitário adequado


(31,1%); 7.859.982 não contavam com coleta de lixo
(15,2%); 17.925.345 não tinham telefone (34,6%) e em
1.634.107 não havia iluminação elétrica (3,2%). Na análi-
se por região, o IBGE concluiu:

“O confronto regional mostrou que a região


Sudeste detinha os maiores percentuais de mo-
radias que dispunham de iluminação elétrica, rede
de abastecimento de água, rede coletora de es-
goto, coleta de lixo e, também, em termos de
esgotamento sanitário adequado (existente quan-
do a instalação sanitária é ligada à rede coletora
de esgoto ou à fossa séptica), enquanto a região
Sul superou as demais no que se refere à pro-
porção de residências com telefone. A região
Norte apresentou os menores percentuais de
habitação com iluminação elétrica (89,5%) e aten-
didas pela rede geral de
abastecimento de água
(55,2%), sendo que este re-
sultado ficou bastante dis-
tanciado dos referentes às
demais regiões. Ainda que
a proporção de moradias
atendidas por rede coletora
de esgoto da região Norte
tenha sido, destacadamente,
a menor (4%), em termos
de esgotamento sanitário
adequado alcançou 50,5%,
superando os resultados das

208
JOSÉ PRATA ARAÚJO

regiões Nordeste (45,4%) e Centro-Oeste


(41,5%). Os percentuais de residências em que
havia telefone (41,3%) e atendidas por coleta de
lixo (69,8%) da região Nordeste foram inferiores
aos das demais, ainda que, em relação a esta últi-
ma característica, o resultado não tenha ficado
distanciado daquele da região Norte (70,9%)”1.

Bens duráveis
A PNAD-2004 avaliou a exis-
tência de bens duráveis nos do-
micílios brasileiros. Veja a ta-
bela 7. No total das moradias
do país, 87,4% tinham geladei-
ra e 97,5% fogão; 17,1% pos-
suíam freezer e 34,5% conta-
vam com máquina de lavar rou-
pa. A televisão existia em 90,3% dos domicílios e o rádio,
87,8%, enquanto o microcomputador estava disponível
em 16,3% das residências. Conclusões do IBGE:

“A região Sul deteve os maiores percentuais de


domicílios com rádio, máquina de lavar roupa e
freezer e a região Sudeste as mais elevadas propor-
ções de moradias com geladeira, televisão e
microcomputador. Cabe destacar que o percentual
de domicílios com freezer na região Sul manteve-se
bastante distanciado dos referentes às demais. Os
resultados da região Centro-Oeste vieram em segui-
da aos dessas duas. A região Norte deteve os mais
baixos percentuais de residência com rádio (73%) e

209
ANEXO

televisão (79,3%) e a região Nordeste os menores


percentuais de residências com geladeira (70,7%),
freezer (6,7%) e máquinas de lavar roupa (10,2%).
Com referência aos domicílios com microcompu-
tador, as proporções de moradias com este bem
foram praticamente iguais nas regiões Norte (6,9%)
e Nordeste (6,8%)”2.

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL


Décima quarta economia do mundo
Em 2004, o Brasil ocupava a 14ª colocação no ranking
mundial das maiores economias do planeta, com um PIB de
US$ 605 bilhões. Veja a tabela 8. Essa estatura da economia
brasileira só foi conseguida porque o nosso país cresceu de
1900 a 1980 a taxas médias de 5,6% ao ano, tendo chegado
a ocupar a oitava colocação mundial. Nas últimas três déca-
das, as taxas de crescimento desabaram e o país vem per-
dendo espaço entre as maiores eco-
nomias do planeta. No ranking do PIB
per capita, principal indicador da ri-
queza de uma nação, ocupamos so-
mente a 64ª colocação. É preciso des-
tacar, no entanto, que o ranking das
riquezas das nações, baseado apenas
na equivalência das riquezas expres-
sas em dólar, não reflete a realidade
da produção dos diversos países, por-
que os efeitos do câmbio podem in-
flar ou diminuir o PIB. Nos cálculos
do Banco Mundial, levando-se em
consideração a paridade em poder de

210
JOSÉ PRATA ARAÚJO

compra, que anula os efeitos do câmbio, o Brasil tem um PIB


de US$ 1,482 trilhão, ocupando a 9ª colocação mundial.
Em reais, o PIB brasileiro alcançou, em 2004, a quantia de
R$ 1,766 trilhão. O PIB setorial brasileiro é assim dividido:
serviços (53,14%), indústria (37,21%) e agropecuária
(9,65%). Os outros grandes indica-
dores de nossa economia – tamanho
do Estado na economia, taxas de
crescimento econômico recentes, ba-
lança comercial, balanço de transa-
ções correntes, dívida externa, reser-
vas internacionais, risco-país, cota-
ção do dólar, taxas de inflação, taxas
de juros, pontuação da Bolsa de Va-
lores, dívida pública, carga tributá-
ria, superávit primário etc. – podem
ser encontrados ao longo deste livro.

Desigualdades regionais
Uma das marcas do Brasil são as
enormes desigualdades regionais.
Dois indicadores – PIB per capita e
rendimento médio das pessoas ocu-
padas – confirmam isso. No estudo
Contas Regionais do Brasil 2003 do
IBGE os números do PIB per capita (PIB
total dividido pela população) eram:
Brasil, R$ 8,694 mil; Sudeste, R$
11,257 mil; Sul, R$ 10,998 mil; Cen-
tro-Oeste, R$ 9,278 mil; Norte, R$
5,512 mil; e Nordeste, R$ 4,306 mil.
Veja a tabela 9. O que significa que o

211
ANEXO

PIB per capita das regiões mais pobres – Nordeste e Norte –


era, respectivamente, de apenas 50% e 63% do nacional e de
38% e 49% daquele da região Sudeste. Na comparação en-
tre as unidades da Federação, nos dois extremos, o menor
PIB per capita, o do Maranhão, de R$ 2,354 mil, representa-
va apenas 14% do maior do país, o do Distrito Federal (R$
16,920 mil).
Outros números confirmam ainda as enormes desigual-
dades regionais. De acordo com a PNAD do IBGE, em 2004
o rendimento médio da população ocupada ficou em R$
733,00. Mas esse valor, quando desagregado por região,
apresentava enormes disparidades: Sudeste (R$ 848,00),
Centro-Oeste (R$ 843,00), Sul (R$ 825,00), Norte (R$
601,00) e Nordeste (R$ 450,00). Em relação ao rendi-
mento do Sudeste, que foi mais alto, o Nordeste repre-
sentou 53,1% e o Norte, 70,9%. No total de pessoas ocu-
padas, 27,6% ganhavam 1 salário mínimo, mas no Nor-
deste este indicador alcançou 46,0% e no Norte, 30,9%.
O rendimento médio mensal dos domicílios (que agrega
as fontes de rendimento dos seus moradores) foi de R$
1.383,00 em 2004. O maior valor foi verificado no Su-
deste (R$ 1.620,00) e os menores no Norte (1.085,00) e
no Nordeste (R$ 870,00). Como vimos neste livro, as
desigualdades regionais estão presentes ainda nas áreas
de educação, saúde, previdência, acesso aos bens e servi-
ços nos domicílios, rendimentos e mercado de trabalho.

Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)


O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um in-
dicador que mede a qualidade de vida da população. É
elaborado pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento) e leva em conta três itens: a renda, a

212
JOSÉ PRATA ARAÚJO

educação e a expectativa de vida. Ele varia de 0 a 1: até


0,499 (baixo desenvolvimento); de 0,5 a 0,599 (médio
baixo); de 0,6 a 0,699 (médio); de 0,7 a 0,799 (médio
alto) e acima de 0,8 (alto desenvolvimento). Em 2003, o
IDH do Brasil era de 0,792, o que o coloca na categoria de
médio alto desenvolvimento humano e na 63ª posição no
ranking internacional das nações. Por estado só temos os
dados do ano de 2000. Veja a tabela 10. Eles revelaram o
que já demonstramos ao longo deste estudo: a liderança
ficou com o Distrito Federal e ou-
tros estados do Sul e Sudeste, e os
piores índices foram encontrados
no Nordeste.

INDICADORES DE SAÚDE
Taxa de mortalidade infantil
A Taxa de Mortalidade Infantil
expressa o número de óbitos de
menores de 1 ano de idade para cada
1.000 nascidos vivos. É a probabili-
dade de um recém-nascido falecer
antes de completar o primeiro ano
de vida. De acordo com estudos de
2004 do IBGE, a taxa de mortalidade
infantil era de 26,6. Este número,
ainda elevado, é um enorme avanço
se comparado a 1980, por exemplo,
quando a taxa de mortalidade infan-
til era de 69,1, tendo ocorrido, no
período, uma redução desse indica-
dor da ordem de 61,5%. Com a taxa

213
ANEXO

de mortalidade infantil de 26,6 por mil crianças nascidas


vivas, o Brasil ocupava um lugar desconfortável no plano
internacional: era apenas o 99º colocado no ranking da ONU,
liderado pela Islândia, com 3,2; e na América Latina nosso
país ocupava a modesta 21ª colocação.
Mas são inegáveis os avanços na redução da mortalida-
de infantil em nosso país. O IBGE explica as razões:

“Estes resultados mostram que o país, como


um todo, foi beneficiado pelo declínio da mor-
talidade e uma das conseqüências diretas deste
fenômeno foi a elevação da vida média ao nas-
cer do brasileiro. A relativa melhoria no acesso
da população aos serviços de saúde, as campa-
nhas nacionais de vacinação, o aumento do nú-
mero de atendimentos pré-natais, bem como o
acompanhamento clínico do recém-nascido e o
incentivo ao aleitamento materno, o aumento do
nível de escolaridade da população, os investi-
mentos na infra-estrutura de saneamento bási-
co e a percepção dos indivíduos com relação à
enfermidade são apenas parte de um conjunto
de fatores que podem explicar os avanços sobre
a mortalidade no Brasil”3.

A desagregação da taxa de mortalidade infantil por re-


gião e unidade da Federação é mais um indicador das de-
sigualdades regionais e sociais do Brasil. Veja a tabela 11.
A taxa de mortalidade infantil encontra-se acima da média
nacional no Nordeste (39,5) e no Norte (27,4); e é inferior
à média nacional nas regiões Centro-Oeste (20,7), Sudes-

214
JOSÉ PRATA ARAÚJO

te (19,5) e Sul (17,8). No ranking


dos estados, as menores taxas de mor-
talidade infantil foram as do Rio Gran-
de do Sul, com 14,7, e de São Paulo,
com 17,0; ao passo que as maiores
taxas foram dos estados de Alagoas
e Maranhão, com, respectivamente,
55,7 e 43,6 falecimentos em cada
1.000 crianças antes de completarem
o primeiro ano de idade. Estima-se
que, em 2004, tenham morrido 99.000
crianças menores de um ano de ida-
de, sendo que 57% destas mortes
(56.430) se concentraram em esta-
dos das regiões Norte e Nordeste.

Avaliação da saúde
Na PNAD-2003, o IBGE pediu ao bra-
sileiro que avaliasse a sua saúde. Dos
entrevistados, 78,6% auto-avaliaram
o seu estado de saúde como “muito
bom e bom”, 17,9% afirmaram ser
“regular” e 3,4% “ruim e muito
ruim”. Os homens apresentaram uma
auto-avaliação maior de “muito bom
e bom” (81%), superior ao percentual das mulheres
(76,4%). Na faixa de idade superior a 64 anos, o índice
da avaliação positiva da saúde recuou para 40,85%. Ou-
tra diferenciação na avaliação positiva da saúde foi
verificada nas regiões rural e urbana, com índices, res-
pectivamente, de 75,1% e 79,3%. Aproximadamente
29,9% da população brasileira reportou ser portadora de,

215
ANEXO

pelo menos, uma doença crônica. Esta proporção au-


mentou com a idade e variou segundo o sexo, sendo
maior entre as mulheres (33,9%) do que entre os ho-
mens (25,7%).
Os dados da PNAD-2003 indicaram, ainda, que o núme-
ro de consultas médicas per capita na população foi de
2,4, sendo mais alto no grupo de 0 a 4 anos (3,4) e no de
65 anos ou mais (4,1). Uma parcela expressiva dos brasi-
leiros (15,9%), o equivalente a 27,9 milhões de pessoas,
declarou nunca ter feito uma consulta ao dentista. Sobre
as mulheres, a pesquisa indicou: 65,6% delas com mais
de 40 anos já realizaram exame clínico de mamas; 50,3%
com mais de 50 anos já realizaram mamografia; 79,1%
com mais de 24 anos já se submeteram a exame preven-
tivo de colo de útero. Cerca de 12,3 milhões de pessoas
tiveram uma ou mais internações hospitalares no ano que
antecedeu à pesquisa do IBGE, o que corresponde a um
coeficiente de 7,0 por 100 habitantes.

SUS e planos privados


A PNAD-2003 do IBGE estimou em 133 milhões os brasi-
leiros (75,4% da população) que têm a assistência à saúde
realizada unicamente através da rede pública do Sistema
Único de Saúde (SUS) e em 43,2 milhões o número de
brasileiros cobertos por planos de saúde (24,6% da popu-
lação). Estes números comprovam o caráter limitado da
saúde privada e a importância fundamental que a saúde
pública tem para a maioria da população. Mas não só isso.
Também os brasileiros cobertos por planos de saúde são
beneficiados, de forma direta ou indireta, por ações públi-
cas de saúde, especialmente as referentes à vigilância sani-
tária e epidemiológica; ao atendimento de urgência e emer-

216
JOSÉ PRATA ARAÚJO

gência; ao atendimento de urgência pelo Samu; e a ações


preventivas na área de saneamento básico.
Das 43,2 milhões de pessoas cobertas por planos de
saúde, 34,2 milhões (79,2%) estavam vinculadas a pla-
nos de saúde privado, individual ou coletivo; e as 9 mi-
lhões restantes (20,8%) estavam cobertas por planos de
instituição de assistência ao servidor público. A cobertura
por plano de saúde era muito mais expressiva no meio
urbano (28%) do que nas áreas rurais (6%). Numa clara
confirmação do caráter elitista dos planos de saúde, os
dados do IBGE apontaram que na faixa de renda familiar
inferior a 1 salário mínimo apenas 2,9% eram atendidos,
contra 83,8% na faixa superior a 20 salários mínimos.

Rede de atendimento
Em 2002, os estabelecimentos em geral da saúde atin-
giram o número de 53.825 em todo o país, dos quais
37.674 públicos e 16.151 privados. Os estabelecimentos
privados eram maioria naqueles com internação: 4.809
contra 2.588 públicos. Já nos estabelecimentos sem
internação, mais voltados para a prevenção de doenças, o
setor público se destacava: 35.086 contra 11.342 priva-
dos. Estes números demonstram que o setor privado con-
centra o atendimento em atividades médicas com
internação, cujos procedimentos mais complexos são mais
lucrativos, ficando para o setor público a responsabilida-
de pela prevenção das doenças.
Em 2002, o sistema de saúde brasileiro tinha 471.171
leitos para internação, dos quais 146.319 na rede pública
e 324.852 na rede privada (particular e conveniada com o
SUS). Dos 357.143 leitos que o SUS dispunha para garantir
a internação da população, era a seguinte a divisão por

217
ANEXO

esfera administrativa: 13.310 (federal), 59.958 (estadual),


65.109 (municipal), 89.452 privado com fins lucrativos e
129.314 sem fins lucrativos. Em 2002, o total do Brasil
foi de 2,70 leitos por 1.000 habitantes, o que está dentro
dos parâmetros do Ministério da Saúde, que prevê a ne-
cessidade de 2,5 a 3 leitos por 1.000 habitantes. De acor-
do com os dados do IBGE , aconteceram, em 2002,
19.967.198 internações hospitalares em todo o país, o que
dá um indicador de internação de 11,58 por 100 habitan-
tes. Esse número é superior à estimativa de necessidade
de internação hospitalar prevista pelo Ministério da Saú-
de, de 7% a 9% da população.
Em 2002, era de 466.111 o total de médicos no sistema
de saúde brasileiro, dos quais 17.628 na região Norte;
93.034 no Nordeste; 251.090 no Sudeste; 74.250 no Sul;
e 30.109, no Centro-Oeste. A distribuição de médicos era
de 3,37 postos de trabalho por 1.000 habitantes no Su-
deste, contra apenas 1,31 na região Norte.

EDUCAÇÃO
Taxa de analfabetismo
De acordo com a PNAD-2004, para uma população aci-
ma de 10 anos estimada em 149.759.797 pessoas, a taxa
de analfabetismo era de 10,5%, o que significava a exis-
tência em nosso país de 15.724.778 pessoas analfabetas.
A taxa era ligeiramente superior entre os homens (10,8%)
do que entre as mulheres (10,2%). Em mais um indicador
social importante, ficaram evidentes as desigualdades exis-
tentes no Brasil: a taxa de analfabetismo era superior à
média nacional no Nordeste (20,6%) e no Norte (11,7%),
e inferior nas regiões Centro-Oeste (8,3%), Sudeste (6,1%)

218
JOSÉ PRATA ARAÚJO

e Sul (5,7%). Outro indicador importante é a taxa de anal-


fabetismo por faixa etária, em que ficou evidente a sua
maior concentração na população mais idosa. Na faixa de
10 a 14 anos, ela era de 3,8% e na faixa de 15 a 24 anos,
de 3,2%; mas na faixa da população com 25 ou mais de
idade a taxa de analfabetismo sobe para 14,3%.
É inegável a redução da taxa de analfabetismo no Brasil:
ela era de 25,5% em 1980, de 19,7% em 1991, de 12,8%
em 2000; e recuou para 10,5% em 2004. Essa redução se
deveu ao aumento da escolarização da população mais jo-
vem e à morte das pessoas mais idosas analfabetas. Infe-
lizmente, fracassaram no país os planos de alfabetização
das pessoas mais idosas, como reconhece Simon
Schwartzman, ex-presidente do IBGE: “As altas taxas de
analfabetismo estão concentradas nas populações mais
velhas. À medida que as pessoas mais idosas morrem, cai
a taxa de analfabetismo”4. Assim, fica difícil comemorar
plenamente a redução do analfabetismo no Brasil.

Número médio de anos de estudo


Um indicador fundamental na área de educação é o nú-
mero médio de anos de estudo das pessoas com 10 ou
mais anos de idade. Segundo a PNAD do IBGE, esse indica-
dor atingiu no Brasil 6,6 anos, em 2004, sendo ligeira-
mente superior entre as mulheres (6,7 anos) do que entre
os homens (6,4 anos). Por região do país o ranking do
número médio dos anos de estudo era o seguinte: Sudeste
(7,3 anos), Sul (7,1 anos), Centro-Oeste (6,8 anos), Nor-
te (5,9 anos) e Nordeste (5,3 anos).
Na população com 10 ou mais anos de idade, a proporção
dos que alcançaram pelo menos 11 anos de estudo (ou seja,
que concluíram pelo menos o ensino médio ou equivalente)

219
ANEXO

ficou em apenas 26%. Refletindo a maior escolarização das


mulheres, esse indicador correspondente ao contingente fe-
minino foi de 27,7%, ou seja, 3,6 pontos percentuais acima
do referente à população masculina (24,1%). Essa disparidade
entre o nível de instrução dos dois gêneros mostrou-se ainda
mais acentuada na população ocupada. No grupamento de
mulheres ocupadas, 40% tinham 11 anos ou mais de estudo,
isto é, 10,8 pontos percentuais acima do indicador referente
aos homens (29,2%).

Amplitude da educação pública


De acordo com o Censo Escolar da Educação Básica
2005, do Ministério da Educação, o Brasil tinha, naquele
ano, 55.768.890 estudantes na educação básica. Veja a
tabela 12. Eram 7.204.674 na educação infantil, 33.529.827
no ensino fundamental, 9.032.320 no ensino médio,
705.628 na educação profissional e 4.621.233 na educa-
ção de jovens e adultos. Segundo o IBGE, em 2004 esta-
vam fora da escola os seguintes percentuais de pessoas:
18,9% das crianças de 5 e 6 anos; 2,9% de crianças e
jovens de 7 a 14 anos; e 18,1% no grupo de 15 a 17 anos.
O IBGE ressalta, no entanto, que esses percentuais são
ainda elevados, mas expressam um enorme avanço quan-
do comparados com 1999, quando os percentuais eram,
respectivamente, de 29,0%, 4,3%, e 21,5%.

220
JOSÉ PRATA ARAÚJO

Na educação básica, a presença do ensino público era am-


plamente predominante: eram 48.757.873 matrículas (87%)
contra apenas 7.011.017 (13%) na rede privada. Por seg-
mento da educação básica, o ensino público representava os
seguintes percentuais: 72% da educação infantil, 90% do
ensino fundamental, 88% do ensino médio, 42% da educa-
ção profissional e 95% da educação jovens e adultos.
Por esfera administrativa, a responsabilidade pelo ensino
público era assim dividida entre as três instâncias de gover-
no: os municípios se destacavam na oferta de vagas da
educação infantil (95% do total), do ensino fundamental
(60% do total) e da educação de jovens e adultos (47% do
total das matrículas). Os estados tinham uma forte presen-
ça no ensino médio (97% do total das matrículas), na edu-
cação de jovens e adultos (53% do total) e no ensino fun-
damental (40% do total). Na educação básica o Governo
Federal somente tinha uma presença expressiva na educa-
ção profissional, com 28% do total das matrículas.
O Ministério da Educação realizou, em 2003, o Censo
da Educação Superior. Nesse segmento, considerado mais
lucrativo, se sobressaiu a rede privada. Das 1.859 insti-
tuições atuantes na área, 1.652 são privadas e 207 públi-
cas. Das 3.887.771 matrículas, 2.750.652 eram na rede
privada (71% do total) contra 1.137.119 (29%) na rede
pública. Na educação superior pública, a ampla predomi-
nância, por esfera de governo, é federal.

PREVIDÊNCIA SOCIAL E PRIVADA


Previdência Social (INSS)
Não há dúvida de que a Previdência Social é o mais
amplo e importante programa social mantido pelo Estado

221
ANEXO

brasileiro. Veja a tabela 13.


No mês de novembro de
2005, o INSS fechou com
23.905.688 benefícios, in-
cluídos neste número os 2,8
milhões de benefícios assis-
tenciais que o INSS paga, mas
que são subordinados ao
Ministério do Desenvolvi-
mento Social. Do total de
benefícios, 16.572.432 fo-
ram pagos no meio urbano
e 7.333.256 no meio rural. Para custear esses benefícios
ao longo do ano de 2005, foi gasta a extraordinária quan-
tia de R$ 146,010 bilhões, dos quais R$ 141,920 bilhões
com benefícios previdenciários e R$ 4,080 bilhões com
sentenças judiciais. Como cada beneficiário contribuiu com
a manutenção de mais 2,5 pessoas, em média, isso signi-
fica que 60 milhões de brasileiros dependem, de alguma
forma, da Previdência Social. Já os contribuintes da Pre-
vidência em 2004 eram 30.875.570.
A Previdência Social, todavia, não é somente o maior
programa social brasileiro. É também o que mais distribui a
renda nacional, o que se dá de três formas principalmente:
das regiões mais ricas (Sudeste e Sul) para as mais pobres
(Nordeste e Norte); das grandes para as pequenas cidades;
da cidade para o campo. A distribuição dos benefícios por
faixa salarial indica claramente uma prevalência muito grande
daqueles de 1 salário mínimo. Dos 23.905.688 benefícios
pagos pelo INSS, 62,6% deles são neste valor. Para muitas
pessoas, está aí o exemplo definitivo de que o INSS é uma
“vala comum”. Acontece que existe essa brutal concentra-

222
JOSÉ PRATA ARAÚJO

ção de benefícios no valor de 1 mínimo porque a Previdên-


cia Social brasileira incorporou 13 milhões de beneficiários
sem capacidade ou com pequena capacidade contributiva
(os que recebem aposentadoria e pensão rural, aposenta-
doria por idade urbana e pensões dela decorrente, benefí-
cios assistenciais etc.). Portanto, para aproximadamente
13 milhões de brasileiros, que pouco ou nada contribuíram
individualmente para a Previdência Social, o recebimento
de um salário mínimo é uma enorme conquista, sendo este,
com certeza, um dos maiores programas de renda mínima
do mundo.

Previdência dos servidores


A previdência do setor público no
Brasil engloba os sistemas dos três
níveis de governo: federal, estadual
e municipal. São os chamados Regi-
mes Próprios de Previdência (RPP)
dos servidores públicos. Têm Regi-
me Próprio de Previdência os entes
estatais que asseguram aos servido-
res de cargos efetivos, ao menos, apo-
sentadoria e pensão por morte, sen-
do o pagamento realizado através de Institutos de Previ-
dência ou diretamente através de contas vinculadas aos
Tesouros. Os Regimes Próprios reúnem aproximadamente
3 milhões de aposentados e pensionistas e pagamentos
anuais da ordem de R$ 80 bilhões/ano. Veja a tabela 14.

Previdência privada
Parece até piada: as empresas privadas são as maiores
inimigas da previdência pública, mas são também os maio-

223
ANEXO

res obstáculos à implantação da previdência privada que


tanto defendem. Basta analisar o mapa da previdência com-
plementar no Brasil para que se perceba que os grandes
fundos de pensão são de empresas estatais ou ex-estatais.
Quase não existem fundos de previdência expressivos em
empresas tradicio-
nalmente privadas
em nosso país. Para
confirmar isso, bas-
ta analisar o ranking
dos ativos de inves-
timento das Empre-
sas Fechadas de Pre-
vidência Comple-
mentar ( EFPC ), que
possuem investi-
mentos da ordem de
R$ 300 bilhões, dos
quais 70% vincula-
dos a fundos do se-
tor público. Veja a
tabela 15, com a re-
lação dos 34 fundos
de pensão com patri-
mônio superior a R$
1 bilhão, liderados
por três fundos de es-
tatais: Previ, do Ban-
co do Brasil, Petros,
da Petrobrás, e
Funcef, da Caixa
Econômica Federal,

224
JOSÉ PRATA ARAÚJO

com investimentos, respectivamente, de R$ 72,448 bi-


lhões, R$ 26,204 bilhões e R$ 18,199 bilhões. Do total,
14 são públicos federais, quatro públicos estaduais e 16
privados – todavia neste caso nove são ligados a estatais
privatizadas. Já a previdência privada aberta, de fins lu-
crativos, fechou 2005 com aplicações de R$ 74 bilhões.
Por que a previdência complementar só deu certo no
setor público? Porque a política de pessoal das estatais –
maior estabilidade no emprego, melhores salários – criou
uma perspectiva de pessoal de longo prazo, tanto para os
funcionários como para as empresas. A previdência com-
plementar não deu certo nas empresas privadas – nem
mesmo nas empresas financeiras que administram essa
forma de previdência – porque a política de pessoal de
tais empresas é literalmente selvagem, marcada pela enorme
rotatividade no emprego e pelos baixos salários.

SEGURANÇA PÚBLICA
A criminalidade no país
O Ministério de Justiça passou a divulgar, nos últimos
anos, um estudo fundamental para a análise e o acompa-
nhamento da segurança pública no Brasil. Trata-se da dis-

225
ANEXO

tribuição das ocorrências registradas pelas polícias civis


de todos os estados brasileiros. Em 2003, o número foi
de 6.787.955 ocorrências, o que é elevadíssimo, conside-
rando ainda que muitas ocorrências, sobretudo as de me-
nor gravidade, estão fora dessas estatísticas. Veja a tabela
16. Os crimes violentos letais somaram 47.154; já outros
crimes violentos não-letais passaram de 900 mil, o que
caracteriza praticamente uma guerra civil no Brasil. Di-
versos países que enfrentaram guerras civis não tiveram
tal número de perdas de vidas humanas como se tem em
nosso país.
Nas estatísticas que apontamos devem ser considera-
dos: a) crimes violentos letais intencionais: homicídio
doloso, lesão corporal seguida de morte, morte suspeita e
roubo seguido de morte; b) crimes violentos não-letais
contra pessoa: atentado violento ao pudor, estupro, tenta-
tiva de homicídio e tortura: c) crimes violentos contra o
patrimônio: extorsão mediante seqüestro, roubo a coleti-
vo, a estabelecimento comercial, a residência, a transeun-
tes, de carga, a estabelecimento bancário, de veículo, se-
guido de morte e outros roubos; d) delitos de trânsito:
homicídio culposo (acidente de trânsito) e lesão corporal
(acidente de trânsito); e) delitos envolvendo drogas: tráfi-
co de drogas, uso e porte de drogas.
Outra situação extremamente grave são as deficiências
do sistema penitenciário nacional. Em 2005, segundo da-
dos divulgados pela revista Época, o Brasil tinha uma po-
pulação carcerária de 360 mil pessoas. Já as vagas nas
penitenciárias somavam 260 mil, o que implicava um dé-
ficit total de 100 mil vagas. Esse déficit se concentrava
especialmente nas grandes unidades da Federação, sendo
o caso mais grave o de Minas Gerais.

226
JOSÉ PRATA ARAÚJO

Causas da violência
A violência não pode e não deve ser associada, de for-
ma simplista, à pobreza. Até porque as regiões mais vio-
lentas do Brasil são onde se encontram os estados mais
ricos, e, dentro desses estados, a violência é maior nas
sub-regiões mais ricas. Muitas são as causas da violência:
a desigualdade nas regiões mais ricas, a desagregação dos
laços familiares nos centros urbanos, a falta de perspecti-
va de emprego e de vida para os mais jovens, as deficiên-
cias na educação e em outras políticas públicas, a impuni-
dade – já que poucas ocorrências policiais terminam em
condenação –, as deficiências do aparato de segurança e
do Poder Judiciário, a crescente estruturação das organi-
zações criminosas, a corrupção no aparato de segurança
– responsável, em grande medida, pelas fugas das prisões –,
a legalização da comercialização de armas, a falência do
sistema prisional, entre outras.

MUNDO DO TRABALHO
PEA, ocupação e desocupação
Em 2004, as pessoas com 10 ou mais anos de idade
eram 149.759.797. Neste contingente populacional po-
dem ser extraídos os grandes números do mundo do tra-
balho no Brasil. Veja a tabela 17. A População Economica-
mente Ativa (PEA) somava 92.860.128 pessoas, o que dava
uma taxa de atividade de 62%. Já a população ocupada
era de 84.596.294 pessoas, fazendo com o nível de ocu-
pação atingisse 56,5% das pessoas com mais de 10 anos
de idade. A população desocupada atingiu 8.263.834 em
todo o país, uma taxa de 8,9% da PEA. Já a população não-
economicamente ativa ficou em 56.887.169.

227
ANEXO

A análise do nível de ocupa-


ção (pessoas ocupadas enquan-
to percentual das pessoas com
10 ou mais anos de idade) e a
taxa de desocupação (pessoas
desocupadas enquanto percen-
tual da PEA), por sexo e região,
apontam importantes dispa-
ridades. Para uma taxa de ocu-
pação do Brasil de 56,5%, se
fizermos uma análise por sexo,
veremos que os homens tinham
a maior taxa (68,2%) e as mu-
lheres a menor (45,6%). Por
região, o Sul liderava com
62,8%, seguido do Centro-Oes-
te (58,6%) e do Norte (57,8%);
ficaram abaixo da média nacional o Nordeste (55,3%) e o
Sudeste (54,5%). Inversamente, para uma taxa de deso-
cupação de 8,9% no país, as mulheres lideravam com
11,7%; por região tinham os maiores percentuais a região
Sudeste (10,5%), o Nordeste (8,9%) e o Centro-Oeste
(8,1%); têm as menores taxas de desocupação o Norte
(7%) e principalmente o Sul (5,7%).

População ocupada por grupos de idade


Da análise da população ocupada, segundo grupos de
idade, podem ser retiradas importantes conclusões para as
políticas públicas. Veja a tabela 18. Mesmo sendo proibido
pela Constituição Federal qualquer trabalho antes dos 16
anos de idade, salvo na condição de menor aprendiz a partir
dos 14 anos, em 2004 nada menos que 5.051.039 crianças

228
JOSÉ PRATA ARAÚJO

e adolescentes de 10 a 17 anos já
estavam incorporados ao merca-
do de trabalho (5,9% de toda a
população ocupada). O trabalho
infantil era mais concentrado no
Norte (8,7%), no Nordeste
(8,5%) e no Sul (6,3%), e me-
nor do que a média nacional no
Centro-Oeste (5,6%) e principal-
mente no Sudeste (3,8%). Por
sexo, o trabalho infantil era mais concentrado entre os ho-
mens, com 3.324.579 (66% do total), e menor entre as
mulheres, com 1.726.460 (34% do total). O trabalho in-
fantil vem sendo reduzido no Brasil, mas apresenta ainda
percentuais muito elevados. Na análise da população ocu-
pada por idade, fica evidente a permanência de amplos
segmentos dos aposentados no mercado de trabalho, já
que 5.273.383 pessoas com 60 anos ou mais continua-
vam compondo a população ocupada.

População ocupada por setor da economia


A distribuição da população por segmento da economia
por região e sexo traz informações preciosas para o entendi-
mento do mundo do trabalho no Brasil. Veja a tabela 19.
Considerando as atividades agrupadas em cinco segmentos
pelo IBGE, o segmento dos serviços se destaca como o gran-
de empregador, com 40,5% da mão-de-obra ocupada; se-
guido do setor agrícola, com 21%; do comércio e repara-
ção, com 17,3%; a indústria fica apenas em quarto lugar,
com 14,7%; e a construção com 6,3% da mão-de-obra ocu-
pada. Mas deve-se lembrar que a indústria, com seu maior
valor agregado e capacidade irradiadora, acaba sendo a res-

229
ANEXO

ponsável indireta por milhões de empregos em outros seg-


mentos da economia.
O IBGE analisa a composição regional da mão-de-obra:

“A estrutura da atividade econômica é bastante dis-


tinta regionalmente, o que se reflete na composição
da população ocupada. Enquanto nas regiões Sudeste
e Centro-Oeste o segmento formado pelas atividades
dos serviços absorvia, respectivamente, 46,8% e
45,6% da população ocupada, nas demais regiões este
percentual variou 33,3% a 36,0%. No segmento da in-
dústria também foram constatados dois níveis, fican-
do as participações das regiões Sudeste (17,7%) e Sul
(18,5%) no mais elevado e os das demais concentra-
dos de 9,4% a 11,4%. Já os percentuais de pessoas
ocupadas no segmento agrícola ficaram nitidamente
afastados entre si (variando de 36,2%, na região Nor-
deste, a 10% no Sudeste). Nos segmentos da cons-
trução e do comércio e reparação, os percentuais das
regiões ficaram menos afastados. No da construção,

230
JOSÉ PRATA ARAÚJO

situaram-se no intervalo de 5,3% a 7% e no do comér-


cio e reparação, no de 15,5% a 19%”5.

De acordo com os dados do IBGE, as populações ocupa-


das masculina e feminina se distribuem de forma bastante
distinta nos segmentos da atividade econômica, ou seja,
são marcantes as diferenças por gênero:

“Perto de dois terços das mulheres ocupadas es-


tavam concentradas em quatro grupamentos de ati-
vidade (serviços domésticos, educação, saúde e
serviços sociais; agrícola; e comércio e reparação).
Já na distribuição da população masculina, os qua-
tro maiores grupamentos (agrícola; comércio e re-
paração; indústria; e construção) reuniam quase
70% dos homens”6.

Posição na ocupação e categoria do emprego


A análise da população ocupada segundo a posição na
ocupação e a categoria do emprego, mesmo consideran-
do as melhorias recentes no governo Lula, é um retrato
da precariedade do trabalho no Brasil. Veja a tabela 20.
Numa população ocupada de 84.596.294 pessoas, os
empregados e trabalhadores domésticos eram 53.172.441
(62,9% do total). Os outros grandes contingentes eram:
18.574.690 trabalhadores por conta própria (22%),
3.479.064 empregadores (4,1%), 3.387.184 trabalhado-
res na produção para o próprio consumo (4%) e 5.883.282
não-remunerados (7%). Por região, o percentual de em-
pregados e trabalhadores domésticos era maior do que a
média nacional no Centro-Oeste (68,3%) e no Sudeste
(72,2%) e menor no Norte (53,2%), no Nordeste (50,6%)

231
ANEXO

e no Sul (60,8%). Já o percentual de trabalhadores por


conta própria, inversamente, era maior no Norte (26,5%)
e no Nordeste (27,4%) e menor no Centro-Oeste (19,7%)
e no Sudeste (18,6%). São também marcantes as dife-
renças na posição na ocupação no que se refere a gênero:
na população ocupada masculina, a categoria dos empre-
gados representava 60,1% e, na feminina, 48,4%. Ou seja,
as mulheres são maioria nas ocupações mais precárias.
Também na formalização e informalização da mão-de-
obra as diferenças regionais e de gênero são marcantes.
Como já vimos, os empregados e trabalhadores domésti-
cos eram 53.172.441 (62,9% do total da população ocu-
pada). Deste número, 27.364.212 tinham carteira assina-
da (51,5% do total), 5.571.200 eram militares e
estatutários (10,5%) e 20.235.166 não tinham carteira
assinada (38% do total). Os maiores percentuais de em-

232
JOSÉ PRATA ARAÚJO

pregados formais (empregados com carteira assinada,


militares e estatutários) se encontrava no Sul (70,2%), no
Sudeste (67,7%) e no Centro-Oeste (58,9%); e os meno-
res percentuais eram encontrados no Norte (49,9%) e no
Nordeste (47,5%). Na categoria dos empregados e traba-
lhadores domésticos, as mulheres eram mais informais:
enquanto do total de homens nessa categoria 35,9% não
tinham carteira assinada, entre elas o percentual alcança-
va 40,9%.

Rendimento médio
Em 2004, segundo a PNAD do IBGE, o rendimento médio
mensal nominal da população ocupada no país foi de R$
733,00. A distribuição regional demonstra, mais uma vez,
as enormes disparidades: Sudeste (R$ 848,00), Centro-
Oeste (843,00), Sul (825,00), Norte (R$ 601,00), fican-
do em último lugar o Nordeste (R$ 450,00). Em relação
ao rendimento médio mensal do Sudeste (R$ 848,00), o
mais alto, o Nordeste representou apenas 53,1% e o Nor-
te, 70,9%. Quanto à diferenciação dos rendimentos, se-
gundo o gênero, o IBGE conclui:

“As distintas formas de inserção das populações


feminina e masculina no mercado de trabalho – em
termos de ocupação, atividade, posição na ocupa-
ção, categoria do emprego, horas trabalhadas, en-
tre outros – influenciam nitidamente o nível dos
rendimentos desses dois contingentes. A defasa-
gem entre as remunerações de homens e mulheres
foi diferenciada por posição na ocupação. Entre os
empregados, o rendimento médio mensal do traba-
lho das mulheres representava 89,2% do auferido

233
ANEXO

pelos homens; entre os empregadores, 72,5%; nos


trabalhadores domésticos, 70,9%; e nos trabalha-
dores por conta própria, 65,1%”7.

O rendimento médio mensal dos domicílios (que agre-


ga todas as fontes de rendimento de seus moradores)
foi, em todo o Brasil, de R$ 1.383,00, em 2004. Os maio-
res valores ficaram nas regiões Sudeste (R$ 1.620,00),
Sul (R$ 1.593,00) e Centro-Oeste (R$ 1.549,00); e os
menores ficaram no Norte (R$ 1.085,00) e no Nordeste
(R$ 870,00).

Desigualdade e índice de Gini


O índice de Gini mede o grau de concentração de uma
distribuição, cujo valor varia de zero (perfeita igualdade)
até um (desigualdade máxima). No Brasil, estamos ainda
mais próximos da desigualdade máxima do que da perfei-
ta igualdade. No país, do total de rendimentos de traba-
lho, os 10% dos ocupados com as maiores remunerações
detiveram 44,6%, enquanto os 10% dos ocupados com
os menores rendimentos ficaram com 1%. O índice de
Gini da distribuição de rendimentos de trabalho situou-se
em 0,547. Esse indicador mostrou que o grau de concen-
tração desses rendimentos foi mais elevado nas regiões
Nordeste (0,569) e Centro-Oeste (0,556). Nas demais,
esse índice ficou em 0,511 na região Norte, 0,515 na Sul
e 0,523 na Sudeste.

Pessoas ocupadas por classes de rendimento mensal


O agrupamento das pessoas ocupadas segundo as clas-
ses de rendimento em número de salários mínimos com-

234
JOSÉ PRATA ARAÚJO

prova a enorme concentração nas faixas inferiores de ren-


dimento. Do total da população ocupada de 84.596.294
pessoas, nada menos que 47.471.925 (56,1% do total)
estavam na faixa de até 2 salários mínimos. Veja a tabela 21.
As disparidades são enormes em relação a região, gênero
e categoria do em-
prego. No total das
pessoas ocupadas,
27,6% ganhavam
até 1 salário míni-
mo. No Nordeste,
no entanto, esse in-
dicador alcançou
46% e no Norte,
30,9%. Na outra
ponta, 3,7% da po-
pulação ocupada
ganhava mais de 10 salários mínimos; e nesta faixa os
menores percentuais eram os do Nordeste (1,6%) e do
Norte (2,1%); já os maiores percentuais se concentra-
ram no Centro-Oeste (5,1%) e no Sudeste (4,8%). Por
gênero, a disparidade fica evidente: na faixa de 1 salário
mínimo, estavam 24,1% dos homens e 32,5% das mu-
lheres. E finalmente a disparidade quanto à categoria do
emprego: naqueles com carteira assinada, o percentual
dos que recebiam até 1 salário mínimo era de 13% e nos
sem carteira assinada o percentual subia para nada me-
nos que 57,4%.

Famílias por classes de rendimentos


A distribuição das famílias por classes de rendimento
mensal per capita é uma fonte fundamental das políticas

235
ANEXO

públicas, como no caso do programa Bolsa Família. Veja


a tabela 22. Das 56.039.518 famílias brasileiras,
13.201.733 (23,6% do total) tinham rendimento mensal
per capita de até meio salário mínimo. São essas as famí-
lias consideradas pobres e muito pobres nas estatísticas
oficiais. Mais uma vez ficam claras as enormes disparidades
regionais: 6.319.308 dessas famílias (48% do total) en-
contram-se no Nordeste, 3.624.763 moram no Sudeste
(28%), 1.327.911 no Norte (10%), 1.161.408 residem no
Sul (8%) e 768.343 famílias são do Centro-Oeste (6%).
O governo, no programa Bolsa Família, trabalha com o
número de 11,2 milhões de famílias pobres, que são aque-
las que têm rendimento per capita de até R$ 100,00, por-
que os dados são da PNAD 2002 e o salário mínimo naque-
le ano era de R$ 200,00.

Acidentes e doenças do trabalho


Segundo números do Ministério da Previdência So-
cial, em 2004 ocorreram em todo o país 458.956 aci-
dentes do trabalho. Desse total, 371.482 foram aciden-
tes típicos, 59.887 foram acidentes de trajeto e 27.587

236
JOSÉ PRATA ARAÚJO

foram doenças do trabalho. Esse número é muito eleva-


do, e ainda está subestimado, considerando que muitos
acidentes não são comunicados e que a população pes-
quisada é apenas aquela segurada do INSS, ficando de
fora das estatísticas os servidores públicos, os trabalha-
dores sem carteira assinada e os demais trabalhadores
precários não segurados da Previdência Social. Por se-
tor da economia, a indústria liderou os acidentes do tra-
balho (211.559), ficando em segundo lugar os serviços
(202.566) e em terceiro lugar a agricultura (37.197 aci-
dentes do trabalho); ignorados (7.634). Em 2004, eram
709.032 os mutilados pelo trabalho e seus dependentes
mantidos por benefícios da Previdência Social, dos quais
121.777 aposentados por invalidez, 125.505 beneficiários
de pensão por morte e 461.750 recebendo auxílios di-
versos (doença, acidente e suplementar).

Cobertura previdenciária e sindicalização


Segundo a PNAD 2004, para uma população ocupada de
84.596.294 pessoas, os contribuintes, em qualquer traba-
lho, para Instituto de Previdência, somavam 39.374.705
(46,5% do total). Por região eram os seguintes percentuais:
58,3% no Sudeste, 53,1% no Sul, 46,8% no Centro-Oes-
te, 31,2% no Norte e, por último, 28,2% no Nordeste.
Num país como o Brasil, com altos índices de trabalho
precário em sua mão-de-obra, é muito difícil a inclusão
previdenciária dos trabalhadores em atividade por três ra-
zões: a) os contribuintes individuais (autônomos, empre-
sários, cooperativados) são segurados obrigatórios da
Previdência Social, mas depende deles a iniciativa do re-
colhimento, o que faz que a contribuição seja, na prática,
facultativa; b) os contribuintes individuais não vivenciam

237
ANEXO

a socialização do mundo de trabalho formal e tendem a


ser mais individualistas e imediatistas; c) os trabalhado-
res precários são os mais pobres e têm que bancar sozi-
nhos a Previdência Social, tendo que arcar com contri-
buição de 20% do salário, contra 10%, em média, dos
trabalhadores de carteira assinada. Vale dizer que esses
números tratam da população ocupada; o percentual de
cobertura previdenciária da população idosa é muito su-
perior (em torno de 77%), porque muitas pessoas na
velhice têm acesso aos benefícios previdenciários sem a
exigência de contribuição (aposentadoria rural e benefí-
cios assistenciais), com pouca contribuição para a Pre-
vidência Social (aposentadoria por idade urbana) ou como
dependente de segurado do INSS (pensão por morte e
auxílio-reclusão).
Em 2004, os trabalhadores sindicalizados somavam
15.200.906 (18% do total da população ocupada). Por
região, o Sul liderava a taxa de sindicalização (22,2%),
seguido pelo Nordeste (18,4%) e pelo Sudeste (17,5%),
ficando nas duas últimas colocações o Centro-Oeste
(14,5%) e o Norte (13,2%).

ESTRUTURA FUNDIÁRIA
O país dos latifúndios
Segundo o Cadastro do Incra, o Brasil tem uma estru-
tura fundiária fortemente concentrada nas mãos de um
pequeno número de proprietários. Veja a tabela 23. Os
imóveis com até 10 hectares são 1.338.711 (31,6% do
total), mas ocupam apenas 1,8% da área total de terras.
Na outra ponta, os 32.264 imóveis com mais de 2.000
hectares (0,8% do total de imóveis) ocupam 31,6% da

238
JOSÉ PRATA ARAÚJO

área total de terras. O Ministério do Desenvolvimento


Agrário diz que esse perfil da propriedade rural inibe um
projeto de desenvolvimento com justiça social:

“No meio rural convivem imensas possibilidades


com uma formação social e econômica que repro-
duz a pobreza rural e a exclusão social. Um dos ele-
mentos centrais desta ordem injusta é a desigual-
dade no acesso à terra no Brasil, que é ainda maior
do que a desigualdade da distribuição de renda. O
índice de Gini mede o grau de concentração, sendo
que zero indica igualdade absoluta, e 1, a concen-
tração absoluta. Para o Brasil, o índice de distribui-
ção de renda é 0,6 e para a concentração fundiária
está acima de 0,8. A elevada concentração da es-
trutura fundiária brasileira dá origem a relações eco-
nômicas, sociais, políticas e culturais cristalizadas
em um modelo agrícola inibidor de um desenvolvi-
mento que combine a geração de riquezas e o cres-
cimento econômico, com justiça social e cidadania
para a população rural”8.

239
ANEXO

Desigualdade no acesso à renda


Uma característica do modelo agrário brasileiro é a de-
sigualdade no acesso à renda, conforme aponta o Minis-
tério do Desenvolvimento Agrário:

“Associada à elevada concentração da terra há


uma imensa desigualdade no acesso à renda. De
acordo com os dados do Censo Demográfico de
2000, 5 milhões de famílias rurais vivem com me-
nos de dois salários mínimos mensais – cifra esta
que, com pequenas variações, é encontrada em
todas as regiões do país. É no meio rural brasileiro
que se encontram os maiores índices de mortali-
dade infantil, de incidência de epidemias, de insa-
lubridade, de analfabetismo. Essa enorme pobre-
za decorre das restrições ao acesso aos bens e
serviços indispensáveis à reprodução biológica e
social, à fruição dos confortos proporcionados
pelo grau de desenvolvimento da nossa socieda-
de. Os pobres do campo são pobres porque não
têm acesso a terra suficiente e a políticas agríco-
las adequadas para gerar uma produção apta a
satisfazer necessidades próprias e de suas famí-
lias. Falta título de propriedade ou posse de ter-
ras, ou estas são muito pequenas, pouco férteis,
mal situadas em relação aos mercados e insufi-
cientemente dotadas de infra-estrutura produtiva.
São pobres, também, porque recebem, pelo aluguel
de sua força de trabalho, remuneração insuficien-
te; ou ainda porque os direitos da cidadania – saú-
de, educação, alimentação e moradia – não che-
gam. O trabalho existente é sazonal, ou o salário é

240
JOSÉ PRATA ARAÚJO

aviltado pela existência de um enorme contingen-


te de mão-de-obra ociosa no campo”9.

PARTIDOS E ELEITORADO
Partidos políticos
Uma das marcas do sistema político-partidário brasilei-
ro é a fragmentação partidária. Essa fragmentação resulta
da representação
proporcional exis-
tente no Brasil, que
garante a existência
de correntes ideoló-
gicas minoritárias,
mas também das fa-
cilidades da legisla-
ção para a constitui-
ção de partidos de
aluguel. São 29 os
partidos políticos com
registro definitivo no
Tribunal Superior
Eleitoral (TSE). Veja a
tabela 24. Os maio-
res partidos brasilei-
ros são: a) PT , que
elegeu o presidente
da República em
2002 e a maior ban-
cadas para a Câma-
ra Federal; que ga-

241
ANEXO

rantiu uma representação expressiva no Senado; e que foi


o partido mais votado nas eleições municipais de 2004; b)
o PSDB, que governou o Brasil de 1995 a 2002; que man-
teve uma forte presença nos governos estaduais, como
nos casos de Minas Gerais e de São Paulo, além de ser
forte também na Câmara Federal, no Senado, nas Assem-
bléias Legislativas e nos municípios; c) o PMDB, que mes-
mo tendo ficado fora da disputa presidencial nas últimas
eleições mantém uma grande densidade nacional, sendo
forte nos governos estaduais, sobretudo nos estados do
Sul, no Senado, na Câmara Federal, nas Assembléias
Legislativas e nos municípios; d) o PFL, que nunca conse-
guiu viabilizar um projeto nacional, dada sua fragilidade
no Sudeste, mas que tem presença forte em alguns go-
vernos estaduais, no Senado e na Câmara Federal.
Para que se tenha uma idéia da fragmentação dos parti-
dos políticos, basta dizer que o PT, o mais votado para a
Câmara Federal em 2002, elegeu apenas 91 dos 513 de-
putados federais, ou 17,7% do total. Para garantir a
governabilidade, o partido do presidente teve que compor
com outro grande partido e mais alguns partidos médios.

Eleitorado
De acordo com os dados do TSE, em novembro de 2005
o eleitorado brasileiro somava 123.247.070. Veja a tabela
25. Por região, os eleitores são assim distribuídos: Sudeste:
53.778.016 (43,6% do total); Nordeste: 33.619.026
(27,3%); Sul: 18.690.403 (15,2%); Centro-Oeste: 8.604.752
(7%) e Norte: 8.493.244 (7%); Exterior: 61.629. Os cinco
Estados com maior número de eleitores são: São Paulo:
27.464.862 (22,3%); Minas Gerais: 13.355.260 (10,8%);
Rio de Janeiro: 10.682.062 (8,7%); Bahia: 8.989.768 (7,3%)

242
JOSÉ PRATA ARAÚJO

e Rio Grande do Sul:


7.607.028 (6,2%).
Desses números,
podem ser tiradas al-
gumas conclusões:
a) sem uma forte
presença no Sudes-
te, especialmente em
São Paulo, dificil-
mente se viabiliza
uma candidatura pre-
sidencial, o que for-
talece o PT e o PSDB,
que têm presença
mais uniforme na re-
gião; b) o Nordeste
tem um eleitorado
mais fragmentado
por estados, mas é
uma região que pode
desequilibrar uma
eleição, com seus
33,6 milhões de elei-
tores; c) a região Sul do país, que conta com um eleitorado
bastante politizado, cumpre também um papel importante
em toda disputa política.

IDENTIDADES DIVERSAS
Identidade étnica
É preciso dizer, inicialmente, que a identidade étnica
não é fixada pelos pesquisadores do IBGE, mas que se tra-

243
ANEXO

ta de uma classificação declarada por cada entrevistado.


A PNAD 2004 pesquisou em valores absolutos e relativos a
população, segundo a cor ou a raça. Numa população es-
timada de 182.060.108 pessoas, os brasileiros se classifi-
caram da seguinte forma: 93.604.435 se definiram como
brancos (51,4%), 10.739.709 como negros (5,9% do to-
tal), 76.635.241 como pardos (42,1%) e 1.068.367 como
de outras etnias, tais como amarelos e índios (0,6%). Por
região, a população do Sul e do Sudeste se classificou
como majoritariamente branca, com percentuais de 82,8%
e 61,2%, respectivamente. Já as populações do Norte,
Nordeste e Centro-Oeste se classificaram como majorita-
riamente pardas, com percentuais, respectivamente, de
71,4%, 63,6%, e 51,2%. Os maiores percentuais dos se
declararam negros foram encontrados no Sudeste (7%) e
no Nordeste (6,3%).

As religiões dos brasileiros


No Censo 2000, o IBGE pesquisou quais são as religiões
dos brasileiros. Para uma população naquele ano de
169.872.856 pessoas, os números são os seguintes:
124.980.132 declararam ser vinculadas à religião católica
apostólica romana (73,8%), 26.184.941 à religião evan-
gélica (15,5%), 6.215.380 às outras diversas religiões
(3,6%) e outros 12.492.403 se declararam como sendo
sem religião (7,3%). Em relação ao Censo de 1991, o
grande recuo foi da religião católica, que passou de 83,8%
para os 73,8%. Já a religião evangélica foi a que mais
cresceu, tendo passado de 9,1% para os 15,5%, em 2000.
A religião católica é mais forte no meio rural (83%), no
Nordeste (80,1%) e no Sul (76,7%). Já a religião evangé-

244
JOSÉ PRATA ARAÚJO

lica se destaca no meio urbano (16,48%), entre as mulhe-


res (17,1%), no Centro-Oeste (19,1%) e no Norte (18,3%).

Portadores de deficiência
De acordo com o Censo 2000, 24.600.256 brasileiros
(14,5% da população) declararam ser portadores de uma
ou mais deficiências. Desse total, 16.644.842 se disse-
ram incapazes, com alguma ou grande dificuldade de en-
xergar; 7.939.784 incapazes, com alguma ou grande difi-
culdade permanente de caminhar e subir escadas;
5.735.099 incapazes, com alguma ou com grande dificul-
dade permanente de ouvir; 2.844.937 tinham deficiência
mental permanente; 937.463 eram portadores de
tetraplegia, paraplegia ou hemiplegia permanente; e 478.597
apresentaram falta de membro ou de parte dele. Foi a pri-
meira vez que perguntas sobre portadores de deficiência
foram incluídas no Censo, o que acabou gerando muita
polêmica. Segundo o IBGE, só foi considerada deficiência
a dificuldade que persiste mesmo com o uso de correção
– óculos, aparelhos para surdez e prótese, por exemplo.
Adílson Ventura, o então presidente do Conselho Nacio-
nal das Pessoas Portadoras de Deficiência, questionou os
resultados da pesquisa quanto à deficiência visual: “Con-
sideramos deficiência uma pessoa que enxerga menos de
30% com seu melhor olho. Essas pessoas que disseram
ter alguma deficiência visual podem ter dificuldade, mas
não deficiência real. Pelos dados que estão aí, o Brasil
seria um país de cegos”10.

245
ANEXO

Síntese
✔ O Brasil tem uma extensão territorial de 8.547.403
km2 e é o quinto país em tamanho do mundo. São
27 as unidades federativas e 5.507 o número de
municípios (dados de 2000), tendo, na maior parte,
menos de 10 mil habitantes.
✔ A população brasileira em 2004 era de 182.060.108
pessoas, o que representava 2,85% da população
do mundo, estimada em 6,5 bilhões de pessoas;
✔ Nosso país é marcadamente urbano: 83% da po-
pulação moram nas cidades e apenas 17% resi-
dem no campo.
✔ A população brasileira passa por um acelerado pro-
cesso de envelhecimento: a taxa de fecundidade é
de 2,1 filhos por mulher e a esperança de vida ao
nascer dos brasileiros atingiu 71,7 anos.
✔ Famílias e domicílios: são 56.078.995 as famílias
em todo o país; o número médio de pessoas por
família é de 3,2; existem no país 51.752.528 do-
micílios, estando 83% ocupados e outros 17% de-
socupados; não são atendidos por rede de água
(17,8%), esgotamento sanitário (31,1%), coleta de
lixo (15,2%), telefone (34,6%) e iluminação elétri-
ca (3,2%).
✔ O Brasil é a 14ª economia no ranking mundial, mas
no PIB per capita (PIB dividido pela população) o país
cai para a 64ª colocação.
✔ Uma das marcas do Brasil são as desigualdades
regionais. Um exemplo representativo dessa situa-
ção: em 2003, o PIB per capita da região Sudeste
era de R$ 11,257 mil contra apenas R$ 4,306 mil
da região Nordeste.

246
JOSÉ PRATA ARAÚJO

✔ O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Bra-


sil é 0,792, o que coloca nosso país na posição de
“médio alto desenvolvimento humano”, na classifi-
cação da ONU.
✔ Alguns indicadores de saúde: taxa de mortalidade
infantil: 26,6 para 1.000 crianças nascidas vivas;
os planos de saúde privados atendem apenas
24,6% da população; o Sistema Único de Saúde
responde pelo atendimento de 75,4% da popula-
ção brasileira.
✔ Indicadores da educação: são analfabetas
15.724.778 pessoas (10,5% da população); o nú-
mero médio de anos de estudo da população é
de 6,6 anos; o Brasil possui 55.768.890 estudan-
tes na educação básica, sendo o ensino público
responsável por 87% das matrículas; são
3.887.771 estudantes na educação superior, ten-
do o ensino público uma presença minoritária,
com 29% das matrículas.
✔ A Previdência Social (INSS) garante o pagamento de
benefícios para 23.905.688 de aposentados e pen-
sionistas e possui 30.875.570 contribuintes.
✔ Dados da segurança pública: em 2003 foram
contabilizadas 6.787.955 ocorrências policiais em todo
o país, das quais 47.154 foram crimes violentos le-
tais e outras 900 mil crimes violentos não-letais.
✔ Números do mundo do trabalho: a População Eco-
nomicamente Ativa (PEA) é de 92.860.128 pessoas;
a população ocupada é de 84.596.294 pessoas; a
população desocupada é de 8.263.834; o trabalho
infantil atinge ainda 5.051.039 crianças e adolescen-
tes de 10 a 17 anos; o rendimento médio do traba-
lhador brasileiro é de R$ 733,00; são 458.956 os

247
ANEXO

acidentes de trabalho por ano; os contribuintes para


qualquer regime de previdência somam 39.374.705;
são sindicalizados 15.200.906 trabalhadores.
✔ O Brasil é campeão do latifúndio: 32.264 latifún-
dios com mais de 2.000 hectares ocupam 31,6%
da área total de terras, ao passo que 1.338.711
imóveis de até 10 hectares ocupam apenas 1,8%
da área total de terras.
✔ Dados dos partidos e do eleitorado: são 29 os par-
tidos políticos com registro no TSE; o maior partido
na Câmara Federal, o PT, elegeu apenas 17,7% dos
deputados federais. No mês de novembro de 2005,
o eleitorado somava 123.247.070 em todo o país.
✔ No Brasil, 51,4% da população se autodeclara ser
“branca”; 42,1%, parda; 6%, negra; e 0,5% de ou-
tras etnias, como amarelos e índios.
✔ As religiões dos brasileiros: 73,8% são católicos;
15,5%, evangélicos; 3,6%, de outras religiões; e
7,3% não têm religião.
✔ Portadores de deficiência: 24.600.256 brasileiros
(14,5%) declaram ser portadores de deficiência.

248
JOSÉ PRATA ARAÚJO

NOTAS

1 – CONCEPÇÃO DE ESTADO
1
CANZIAN, Fernando. “Política econômica tolhe o entusiasmo para
investir”. Folha de S.Paulo, 06/06/2005.
2
BIONDI, Aloysio. O Brasil privatizado. São Paulo, Editora Fundação
Perseu Abramo, 1999.
3
“Defesa alegou que leilão seguiu interesse público”. Folha de S. Paulo,
21/01/2006.
4
KANDIR, Antônio. “Diretrizes operacionais e conceituais para a reforma
da Previdência Social”. In: KANDIR, A. et alii. A Previdência Social e a
revisão constitucional. Brasília, MPS/CEPAL, 1993.
5
Idem, ibidem.
6
SALOMON, Marta. “Governo descarta ‘privatizar’ o INSS”. Folha de
S.Paulo, 04/07/1999.
7
SALOMON, Marta. “Crise faz governo mudar projeto para Previdência”.
Folha de S.Paulo, 18/09/1998.
8
“Para Martus, PSDB em 2007 terá mais força para reformas que na
era FHC”. Valor Econômico, 20/01/2006.
9
DANTAS, Fernando e CALDAS, Suely. “Choque de capitalismo vem aí”.
O Estado de S. Paulo, 18/12/2005.
10
LEITE, Janaína. “Ministro da Fazenda é indispensável, diz economista”.
Folha de S.Paulo, 27/11/2005.
11
WERLANG, Sérgio. “O tamanho do setor público”. Valor Econômico,
23/01/2006.

249
NOTAS

12
CANZIAN, Fernando. “Juros altos e câmbio destroem indústria, afirma
economista”. Folha de S.Paulo, 02/01/2006.

2 – O BRASIL E
OS PAÍSES “EMERGENTES”
1
“China e Brasil”. Editorial da Folha de S.Paulo, 23/05/2004.
2
Dados sobre reservas, juros e inflação são da Folha de S.Paulo,
27/02/2006.
3
STEINBRUCH, Benjamin. “Lanterninhas do crescimento”. Folha de
S.Paulo, 23/08/2005.
4
PASTORE, José. Contrato coletivo de trabalho: virtudes e limites. Documento
xerografado, 1992.
5
Idem, ibidem.
6
Idem, ibidem.
7
Idem, ibidem.
8
SÁ, Thomás Tosta de. “Ciclo Lula: a hora do ajuste”. Valor Econômico,
09/03/2006.
9
“O que falta para o crescimento sustentável”. Folha de S.Paulo,
25/02/2006.
10
MESA-LARGO, Carmelo. “Análise Comparativa da reforma estrutural
do sistema previdenciário realizada em oito países latino-americanos;
descrição, avaliação e lições”. Conjuntura Social, 8, 4: 7-65, out.-
dez. 1997.
11
BUSTAMANTE, Júlio. A Previdência Social e a revisão constitucional –
Seminário Internacional. Brasília, MPAS/CEPAL, 1994.
12
SOARES, Pedro. “Arcelor desiste de siderúrgica no Maranhão”. Folha
de S.Paulo, 29/11/2005.
13
TREVISAN, Cláudia. “Argentina aposta no oposto do Brasil”. Folha de
S.Paulo, 20/11/2005.

250
JOSÉ PRATA ARAÚJO

3 – VULNERABILIDADE
EXTERNA DA ECONOMIA
1
BATISTA JR .,Paulo Nogueira. “Brasil sitiado”. Folha de S.Paulo,
13/06/2002.
2
Folha de S.Paulo, 02/05/2004.
3
GONÇALVES, Reinaldo e POMAR, Valter. O Brasil endividado: Como nossa
dívida externa aumentou mais de 100 bilhões de dólares nos anos 90. São
Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2000, p. 19.

4 – CRESCIMENTO ECONÔMICO,
INFLAÇÃO E JUROS
1
RODRIGUES, Fernando e PATU, Gustavo. “País obtém combinação
histórica em 2004”. Folha de S.Paulo, 01/01/2005.
2
“O candidato dos empresários”. Exame, 25/10/2005.

5 – DÍVIDA PÚBLICA, SUPERÁVIT


PRIMÁRIO E CARGA TRIBUTÁRIA
1
“Para debatedores do Fórum Social, Brasil deveria decretar moratória”.
Folha de S.Paulo, 29/10/2001.
2
Anexo de Metas Fiscais. Lei De Diretrizes Orçamentárias – 2002.
Demonstrativo das metas anuais – Art. 4o, § 2o, inciso II, da Lei
Complementar no 101, de 2000. Medida Provisória nº 2.211, de 29/
08/2001.
3
BARROS, Guilherme. “Trevisan critica Fundo e vê o país ‘proibido de
crescer’”. Folha de S.Paulo, 10/05/2004.
4
DELFIM NETTO, Antonio. “Governo complicado”. Folha de S.Paulo,
16/11/2005.
5
ANTUNES, Claudia. “Para Fiori, ‘revolta social’ será crescente”. Folha
de S.Paulo, 09/05/2004.

251
NOTAS

6 – POLÍTICA EXTERNA E
INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA
1
“Projeto em xeque”. O Globo, 03/07/2005.
2
Livro Branco da Previdência Social. Brasília, Secretaria de Comunicação
Social, 1997.
3
TEIXEIRA, Francisco Carlos. “União sul-americana e globalização mais
justa”. Agência Carta Maior, 01/12/2005.
4
FIORI , José Luis. “Lembranças e esperanças”. Valor Econômico,
04/01/2006.
5
BATISTA JR., Paulo Nogueira. “Washington está perdendo a América
Latina?”. Folha de S.Paulo, 26/01/2006.
6
GALEANO, Eduardo. “A segunda fundação da Bolívia”. Folha de S.Paulo,
29/01/2006.
7
No momento que este livro foi impresso (meados de julho de 2006), já
haviam acontecido as eleições no México e a vitória, com margem
estreitíssima de votos, havia sido atribuída ao candidato do PAN (Partido de
Acción Nacional) Felipe Calderón. O candidato Lopez Obrador, todavia,
não reconhecia os resultados e exigia a recontagem dos votos, convocando
grandes manifestações populares para exigir que isso fosse feito.
8
AGUIAR, Flávio. “Os des(a)tinos das esquerdas”. Agência Carta Maior,
10/01/2006.

7 – CORRUPÇÃO E REFORMA POLÍTICA


1
FREIRE, Flávio. “FH: corrupção deve ser tema de campanha”. O Globo,
31/01/2006.
2
CRUVINEL, Tereza. “FH: ‘Chega de fascismo’”. O Globo, 23/05/01.
3
BARROS E SILVA, Fernando de e BRANT, Maria. “Fiori manda era tucana
para o espaço”. Folha de S.Paulo, 13/05/2001.
4
KEHL, Maria Rita. “A elite somos nós”. Folha de S. Paulo, 12/08/2005.
5
GUEDES, Paulo. “A mãe de todos os corruptos”. O Globo, 13/06/2005.
6
BOITO JR., Armando. Política neoliberal e sindicalismo no Brasil. São
Paulo, Xamã, 1999.

252
JOSÉ PRATA ARAÚJO

8 – DESENVOLVIMENTO SOCIAL
1
SOUZA, Josias. “Desentendimento máximo”. Blog de Josias de Souza,
25/01/2006: <http://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br>
2
“A campanha do salário mínimo”. Nota Técnica 12, Dieese, fev.
2006. Disponível em <http://www.dieese.org.br/notatecnica/
notatec12SM.pdf>.
3
GASPARI, Elio. “Ave Lula, Ave grevistas”. Folha de S.Paulo, 22/09/2004.
4
“A negociação dos reajustes salariais em 2005”. Estudos e Pesquisas.
Dieese, ano 2, nº 18, mar. 2006.
5
A economia brasileira no triênio 2003-2005 e os subsídios da CUT para
a política econômica. Subseção DIEESE – CUT Nacional. São Paulo,
dez. 2005.
6
NERI, Marcelo (Coord.). Miséria em queda. Centro de Políticas Sociais
do IBRE/FGV e da EPGE/FGV. Disponível em < http://www.fgv.br/cps/artigos/
Conjuntura/2005/hc517.pdf>
7
OLIVEIRA, Nielmar de. “Fundação Getúlio Vargas lança hoje estudo
sobre pobreza no Brasil”. Agência Brasil, 28/11/2005.
8
GASPARI, Elio. “Grande notícia: a desigualdade murchou”. Folha de
S.Paulo, 29/01/2006.
9
CARVALHO FILHO, Juliano de. “O governo Lula fracassou na reforma
agrária”. O Globo, 20/01/2006.
10
ROTTA, Vera. “MST questiona números divulgados pelo Ministério
do Desenvolvimento Agrário”. Agência Carta Maior, 24/01/2006.
11
“Verba do Pronaf é quatro vezes maior nesta safra”. Revista editada
pelo Governo Federal, dez. 2005.

9 – O BRASIL QUE QUEREMOS


1
MARREIRO, Flávia e MACHADO, Uirá. “Oposição perdeu a hora do
golpe branco”. Folha de S.Paulo, 21/08/2005.
2
“FHC vê equívoco ‘conceitual’ na origem do PSDB”. Folha de S.Paulo,
22/12/2002.

253
NOTAS

3
DANTAS, Iuri. “Lula virou um ‘fantasma’, diz Skidmore”. Folha de
S.Paulo, 28/08/2005.
4
Idem, ibidem.
5
“Quem disse que ele estava morto?”. Época, 13/02/2006.
6
“A crise no romance de formação do PT”. Periscópio – Boletim eletrônico
da Fundação Perseu Abramo e Secretaria Nacional de Formação Política
do PT , edição nº 49, agosto de 2005. Disponível em <http://
www2.fpa.org.br/portal/uploads/periscopio49.pdf>
7
MARREIRO, Flávia e MACHADO, Uirá. “Oposição perdeu a hora do
golpe branco”. Folha de S.Paulo, 21/08/2005.
8
PRADO, Antonio Carlos e DAMIANI, Marco. “FHC atira primeiro”. IstoÉ,
08/02/2006.
9
ALONSO, Aurélio. “Contra PT, PSDB quer atrair movimento social”. O
Debate, Santa Cruz do Rio Pardo – SP, 29/01/2006.
10
FELÍCIO, César. “A regra do jogo e a vantagem de Lula”, Valor Econômico,
03/02/2006.
11
DIAS, Maurício. “FHC apoiaria ‘golpe branco’”. Carta Capital, Ano XI,
nº 346, 15/06/2005.
12
“Para Martus, PSDB em 2007 terá mais força para reformas que na era
FHC”. Valor Econômico, 20/01/2006.
13
DIAS, Maurício. “FHC apoiaria ‘golpe branco’”. Carta Capital, Ano XI,
nº 346, 15/06/2005.
14
FREIRE, Vinicius Torres. “Lula e tucanos, ricos e pobres”. Folha de
S.Paulo, 06/02/2006.
15
“Lula, quem?”. Periscópio – Boletim eletrônico da Fundação Perseu
Abramo e Secretaria Nacional de Formação Política do PT, Edição nº
46, maio de 2005. Disponível em <http://www.fpabramo.org.br/
periscopio/arquivos_pdf/periscopio46.pdf.>
16
VERISSIMO , Luis Fernando. “Bombons”. O Estado de S.Paulo,
22/12/2005.
17
SADER, Emir. “Resultados eleitorais podem isolar EUA no continente”.
Agência Carta Maior, 28/12/2005.

254
JOSÉ PRATA ARAÚJO

APÊNDICE: SÍNTESE DOS PRINCIPAIS


DADOS SOCIOECONÔMICOS DO BRASIL
1
Síntese dos indicadores – 2004, IBGE.
2
Síntese dos indicadores – 2004, IBGE.
3
A mortalidade no Brasil no período 1980-2004: desafios e oportunidades
para os próximos anos, IBGE.
4
“Analfabetismo se concentra na população mais velha”. Folha de
S.Paulo, 20/12/2001.
5
Síntese dos indicadores – 2004, IBGE.
6
Comunicação Social do IBGE, 21/11/2005.
7
Comunicação Social do IBGE, 25/11/2005.
8
II Plano Nacional de Reforma Agrária – PNRA . Ministério do
Desenvolvimento Agrário ( MDA ), 2004. Disponível em: http://
www.mda.gov.br/arquivos/PNRA_2004.pdf.
9
Idem, ibidem.
10
“Problema atinge 14,5% da população”. Folha de S.Paulo, 09/05/2002.

255
Editora Fundação Perseu Abramo
Rua Francisco Cruz, 224
04117-091 – São Paulo – SP
Fone: (11) 5571-4299
Fax: (11) 5571-0910
Correio Eletrônico: editora@fpabramo.org.br
Na internet: http://www.fpabramo.org.br

Um retrato do Brasil foi impresso na cidade de São Pau-


lo pela Gráfica Bartira em julho de 2006, ano em que a
Fundação Perseu Abramo completa 10 anos de exis-
tência. A tiragem foi de 3.000 exemplares. O texto foi
composto em Times New Roman no corpo 11,4/14. Os
fotolitos do miolo e da capa foram executados pela
Graphium Gráfica e Fotolito. A capa foi impressa em
papel Carta Íntegra 220g; o miolo foi impresso em
Offset 75g.

Você também pode gostar