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PERSONAGENS:
JAMIL
KÁTIA da década de 30 e KÁTIA BLUE ( MESMA ATRIZ)
KÁTIA REMELEXO e KÁTIA RAINHA DA FAVELA ( MESMA ATRIZ)
DR. PAULO
PAULINHO (BOY) e PAULO ÍNDIO (MESMO ATOR)
LIVALDINO
ROSECLAIR (SUA ESPOSA)
ANTENOR (CABO ELEITORAL DE LIVALDINO)
BUROCRATA (REPARTIÇÃO)
DITO ANEXINS (JORNALEIRO)
PARANHOS (GUARDA NOTURNO)
PORTEIRO
MÉDICO
VELHINHA (CENA 3)
TAXISTA
VELHINHO (CENA 8)
REPENTISTAS
PADRE
CORO DE PIERRÔS (1937)
FOLIÕES (1997)
CORO DE PAULISTANOS
CORO DE CORRELIGIONÁRIOS DE LIVALDINO
CORO DE BUROCRATAS
CORO DE NOTÍVAGOS
CORO DE GUARDAS MUNICIPAIS
CORO DE POLICIAIS MILITARES
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CENA 1
DA LADEIRA DA MEMÓRIA
DESCE O BONDE CAMARÃO
QUE NÃO VAI ATÉ A GLÓRIA
E NEM CHEGA À REDENÇÃO
A ESPERANÇA É PASSAGEIRA
MOTORNEIRO, A ILUSÃO
PELA PRAÇA DA BANDEIRA
DE UMA DOR SEM DIREÇÃO
E ESSE TREM SEM TRAJETÓRIA
DESCARRILHA NO AMOR
MAS O BONDE DA HISTÓRIA
SEGUE SEM RETROVISOR
PASSA AO LARGO DE FRANCISCO
JUNTO AO PAÇO DE JOÃO
SEU DESTINO É SEMPRE O RISCO:
PARAR FORA DE ESTAÇÃO
TEMPO DE CARNAVAL
DANÇAM O BEM E O MAL
E A SOLIDÃO É DE NINGUÉM
PIERRÔ, ARLEQUIM, REFRÃO
DE QUEM SERÁ NO FIM
A COLOMBINA DE UM VINTÉM
JAMIL- Me desculpe!
JAMIL- Obrigado.
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JORNALEIRO- O senhor é encanador?
JAMIL- Eu? Sou caixeiro viajante; trabalho para a ‘Paulo e Paulo, válvulas e consertos
sanitários’; é uma empresa nova, pequena. Nem me apresentei: eu sou Jamil. Jamil
Fortunato!
JORNALEIRO- Oh, Paranhos, problema nenhum. Eu que trombei com o nosso amigo
Jamil, caixeiro viajante.
JORNALEIRO- São 23:20; seu relógio deve estar parado. Se não correr, não pega o trem.
JAMIL- Meu Deus! (RETROCEDENDO) A foto. Onde está a foto? Preciso achar.
GUARDA- É, seu Jamil; os carros em São Paulo nunca saem no horário. Que foto é essa?
Posso ajudar?
JAMIL- Kátia, minha noiva. A foto é importante, tem no verso o endereço dela e tudo o
mais.
GUARDA- Aqui está. (LENDO O ENDEREÇO NO VERSO) Campos Elíseos? Moça rica.
Não é longe daqui. Pretendem se casar?
JAMIL- Claro! O quanto antes. Agora me desculpem, mas devo ir. Prazer em conhecê-los!
(SAI APRESSADO)
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Cada dia a sorte escolhe seu caminho. (QUANDO ESTÃO PARA SAIR DE CENA
APARECE KÁTIA, APRESSADA)
KÁTIA- (AO GUARDA) O senhor saberia me dizer se ainda passa táxi por aqui? (ELE
ASSENTE COM A CABEÇA E APONTA ONDE SERIA O PONTO) Obrigada. Táxi, por
favor!
JORNALEIRO- Era! Sabe, a fé remove montanhas; mas não segura nenhuma mulher.
(SAEM)
CENA 2
SÓ UM BILHETE NA MÃO
CINCO DA MANHÃ
DESÇO AS ESCADAS
JUNTO COM GENTE
QUE TEM MAIS O QUE FAZER
NEM SEI A ESTAÇÃO
ESSA BUSCA É VÃ
EU SOU O PANACA
QUE SEGUE EM FRENTE
MAS SEMPRE ACABA NA SÉ – COM FÉ
SEGURA A MÃO, CONSOLAÇÃO
UM DIA ELA APARECE
LUZ, SÃO BENTO, SÃO JOAQUIM
OUVE A MINHA PRECE
NA MARECHAL, NA BARRA FUNDA
QUEM SABE SE ELA DESCE
DE UM VAGÃO NA BRIGADEIRO
SE O MILAGRE ACONTECE
PENSEI ATÉ FAZER ANÚNCIO
CANSEI DE SER SÓ EU E, SÓ
VAI QUE ELA ESCUTA E ATÉ RESOLVE
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COMPARECER À S. S. O.
COMPARECER À S. S. O.
SÓ (ao início)
S.O.S. S.O.S.
SÓS
(REFRÃO - 3 Xs)
JAMIL- Ah..., por favor, eu estou procurando o bairro dos Campos Elíseos, Alameda Glete.
O senhor poderia me informar onde fica?
PORTEIRO- Tá nela.
JAMIL- Não; acho que a minha é essa mesma. Eu estou procurando o nº 37.
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PORTEIRO- Bom, tem a Kátia Remelexo, do 1301. Essa é profissa!(O PORTEIRO
INTERFONA MAS NINGUÉM ATENDE)
PORTEIRO- Ou não tem ninguém, ou ela tá ocupada com outro cliente. Olha aí! A
Remelexo tá chegando. (CHEGA KÁTIA REMELEXO, FANTASIADA COM UMA
MÁSCARA E ROUPAS SUMARÍSSIMAS)
JAMIL- Eu não peguei em nada; mas você está quase..., quase pelada.
KÁTIA- Aí, Joaquim; é outro doido. Não deixa subir nem fodendo. (SOBE)
PORTEIRO- Ouviu o que ela disse? Nem fodendo! E olha que é a profissão dela. Cai fora!
(JAMIL SAI DA PORTARIA DESACORÇOADO E SE SENTA NO MEIO-FIO EM
FRENTE AO PRÉDIO)
JAMIL- (PARA SI) Não posso perder o meu amor desse jeito. Maldita cidade! Mas eu não
vou me entregar.
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UMA SERENATA FEITA AO PÉ DE UM ESPIGÃO
POR CERTO NÃO VAI ESCUTAR
TREZE PAVIMENTOS, JÁ TRÊS HORAS DE CANÇÃO
COM O SACO CHEIO DE BOA INTENÇÃO
CENA 3
VELHINHA- Ajudem este pobre coitado! É melhor a gente descobrir a identidade do moço
para avisar a família. (ABRE A MALETA DE JAMIL) Tá aqui: Jamil Fortunato; mas é do
interior. Tem dinheiro antigo aqui. Eu me lembro dessas notas de quando eu era mocinha.
E uns negócios estranhos... parece a descarga da minha avó. (A VELHINHA GUARDA
TUDO NA SUA SACOLA E SÁI. JAMIL COMEÇA A ACORDAR)
MÉDICO- Olha; ele está acordando! Senhor Jamil, o senhor está bem?
JAMIL- Jamil bem, o quê? Quem são os senhores? Aliás, quem sou eu?
FOLIÃO 1- Eu já disse que o cara é louco. Por quê ninguém acredita em mim? O que que
eu tenho que fazer prá provar que o louco é ele, heim? Eu não sou doido, não; louco é ele!
(CHEGA DR. PAULO)
DR. PAULO- Mas que bagunça é essa, Jamil? Você já está no seu horário de trabalho.Um
administrador de empresas; assistente..., mas de minhas empresas!
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DR. PAULO- Agora já chega. Belo carnaval, heim, Jamil? Enquanto isso, a ‘Paulo e Paulo,
Empreendimentos Hidráulicos’ fica esperando o senhor passar o tempo. Vamos embora!
Nossas empresas não podem parar.
CENA 4
DR. PAULO- Estou aguardando uma posição sobre nossa licitação. Será que é preciso
relembrar ao senhor que nossas válvulas são responsáveis pelo escoamento de 38% de tudo
o que há de pior, de todos os dejetos, de todas as privadas, públicas ou privadas
paulistanas?
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DR. PAULO- Quieto! (FALANDO BEM BAIXO) Quais as novidades sobre o processo
548.169/005?
JAMIL- O quê?
DR. PAULO- (UM POUCO MAIS ALTO) Eu perguntei quais são as novidades sobre o
processo 548.169/005?
JAMIL- Olha, doutor, deve estar havendo algum equívoco. Eu não consigo me lembrar de
nada. Só sei meu próprio nome porque me disseram. Esse tal processo, por exemplo, não
faço idéia do que é que o senhor quer de mim.
DR. PAULO- Acho que já entendi. Gosto de homens ambiciosos, senhor Jamil, só não
havia percebido que o senhor era um deles. Pois bem, qual a reivindicação? Promoção?
Quem sabe uma secretária só para o senhor? Que tal a senhorita Kátia?
PAULINHO- Desculpe, Dr. Paulo! É sobre a tal concorrência dos banheiros, doutor.
Aquele protocolo.
DR. PAULO- Que que tem? Você nem devia estar sabendo nada sobre isso.
PAULINHO- É por isso que eu vim aqui, falar com o Dr. Jamil. Ele tinha pedido prá eu
entregar o troço à Dona Kátia, disse que era importante. Só que ontem eu tive que faltar por
causa do dente; doía muito. Bom... eu faltei e esqueci o lance do protocolo. Tá aqui.
(ENTREGA O PROTOCOLO AO DR. PAULO)
DR. PAULO- Quer dizer que todos já estão sabendo de uma licitação ultra-secreta? Que
maravilha! (A JAMIL, NUM TOM MAIS BAIXO) Dr. Jamil, responda-me sem delongas: o
senhor realmente deixou um documento dessa importância nas mãos de um office boy?
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JAMIL E PAULINHO- Quem?
PAULINHO- Dr. Jamil, fala prá ele. Não foi o senhor que me entregou aquele treco?
DR. PAULO- Fora, Paulinho. Seus serviços não interessam mais às nossas empresas.
DR. PAULO- Não tenho tempo para isso. Agora, fora! (PAULINHO SAI
RESMUNGANDO. A JAMIL) Estudarei a promoção de que falamos. Agora, pegue o
protocolo. Leve-o à reunião com o Secretário. Ele é, assim por dizer, como um código bem
claro dentro desta conversa.
JAMIL- (PARA SI) Meu Deus! Eu nem sabia que trabalhava aqui e já fui promovido. E o
rapaz perdeu o emprego, talvez por minha causa.
CENA 5
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OU PERCO O EMPREGO E O MEU AMOR
MAXI-DEFLATOR; FALAR COM O AUDITOR
CÂMBIO OFICIAL; CARTÕES PARA O NATAL
AH, SE EU DEMORAR MEU TEMPO VAI PASSAR
É TANTA PAIXÃO, QUE EU POSSO DISCORDAR
MAS DIZEM QUE FAZ MAL AO CORAÇÃO
TAXISTA- Puxa, moça, acho que não foi grande idéia virar à esquerda naquela rua. Vai se
atrasar mesmo.
KÁTIA- Prá seu governo, eu não preciso bater cartão. Quanto eu devo? Vou ficar por aqui
mesmo e vou indo a pé.
ANTENOR (CABO ELEITORAL)- Meus guerreiros e minhas guerreiras! Não estou aqui
para falar de alegria, mas de revolta e indignação. Olhem para cima e tentem ver Deus. Mas
olhem para baixo, e cuidado onde pisam. Nos falta um guia, nos falta um norte e até um
passado. Dizem que nosso povo não tem memória. É mentira! Nós não temos é passado.
Não temos nada de bom para lembrar. Mas ainda temos nossa fé e nossa revolta, e é com
elas que lutaremos. (ANTENOR CANTA “LIVALDINO VIRÁ”, MÚSICA 7- AUTOR:
ÁLVARO CUEVA)
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FELINOS E DONOS DO NOSSO DESTINO
AGUARDEM A VINDA DE UM PALADINO
DO NOSSO BAMBINO, QUE ELE VIRÁ
VOTE LIVALDINO, JÁ
LIVALDINO SOBRAL
VOTE LIVALDINO, JÁ
DEPUTADO FEDERAL
PREFEITURA DE CAPITAL
OU NO SENADO NACIONAL
RAMPAS DO PLANALTO CENTRAL
ENTRE PRO SEU CURRAL
LIVALDYNO,
NOSOTROS TAMBIEM
ESPERAMOS POR USTED
VENGA LIVALDYNO
ANTENOR- Aqui está ele. O homem que não fala; age. Mas ele não fala por opção
política. Porque sabe que palavras bonitas não vão nos levar além do dicionário. E,
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finalmente, porque quer provar que um homem de bem pode se eleger pelo que é e não pelo
que fala. E aos provocadores , ele responderá sempre com o mesmo argumento:
REFRÃO
REFRÃO
CENA 6
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LIVALDINO- “Nada a declarar!” Grande discurso! “O homem que não fala; obra”. Grande
slogan!
ROSECLAIR- Meu amor; você não declara nem imposto de renda. Depois, você não teria
nada a dizer mesmo.
LIVALDINO- É isso! Meu caro Antenor, que você acha dessa frase: “Não tenho nada a
dizer; e tenho dito!”
ANTENOR- Precisamos tomar cuidado para não mudar demais o rumo da campanha.
Lembre-se: time que está ganhando...
ROSECLAIR- Vê se cala a boca, seu inútil! Agora cai fora que eu quero conversar com
meu maridinho. (SAI ANTENOR) Pois bem, Dino; que negócio é esse de quinhentas mil
pessoas no comício; eu falei que era prá publicar um milhão!
LIVALDINO- Mas, meu docinho, devemos ser comedidos. Ninguém iria acreditar.
ROSECLAIR- Humildade não vai fazer de mim 1ª Dama. Agora use seus contatos na
favela para uma causa justa, só para variar.
LIVALDINO- Está bem. Mas por quê a gente não muda de assunto, minha tetéia?
CENA 7
DR. PAULO- Senhor Jamil; boa sorte com o Secretário. E não se esqueça que sem este
papelzinho somos um concorrente como qualquer outro. (DEIXANDO O PROTOCOLO
SOBRE A MESA DE KÁTIA) Vou deixar na mesa de sua nova secretária. Nove da
matina; onde diabos se meteu essa Dona Kátia?
JAMIL- Me desculpe. A senhorita deve ser a Senhorita Kátia; muito prazer. Jamil, um seu
criado. É que o Doutor Paulo me disse que eu devia procurar alguém em alguma Secretaria
e que há um certo protocolo a se cumprir. E eu devia procurar alguma coisa por aqui. Ele
falou que a Senhorita é a minha secretária ...
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KÁTIA- Doutor Jamil, fique à vontade. Eu é que estou atrasada. Quer dizer que finalmente
me oficializaram como sua secretária? Agora, também não sei porque tanto mistério com
esse documento.
KÁTIA- (PEGANDO O PROTOCOLO) Olha, aqui está o protocolo. Outro dia o senhor me
disse que precisava que eu guardasse em um lugar bem seguro, prá eu não comentar com
ninguém. Eu ia guardar lá em casa, porque lá é bem seguro. Mas depois o senhor sumiu e
eu não recebi protocolo nenhum.
JAMIL- Esse jornal é de hoje? (LENDO) “Livaldino promete levar quinhentos mil às
ruas.” Isso é muito, ou pouco?
KÁTIA- Muito ou pouco, o quê, Doutor Jamil? O senhor está tão estranho! (VOLTA DR.
PAULO)
DR. PAULO- Agora chega de conversa! Jamil; Secretaria de Obras, falar com o Senhor
Livaldino. E me dê aqui o meu jornal.
JAMIL- Bom, então vou indo. Até logo, Doutor Paulo. (SAI DR. PAULO) Até a vista,
Senhorita Kátia.
CENA 8
JAMIL- (PARA SI) Secretaria de Obras, falar com o Senhor Livaldino. Secretaria de Obras,
falar com o Senhor Livaldino. Mostrar o protocolo. Caramba! Isso deve ser bem importante
mesmo. Pena que eu não sei do que se trata. No mínimo eu acordei num mal dia. (LENDO
UMA INSCRIÇÃO RABISCADA NAS COSTAS DO BANCO DA FRENTE) “Kátia ama
Paulo Índio; 03/04/81”. Será esse o ano em que a gente está? Não pode ser. A data no jornal
era outra. E como tem Kátia e Paulo por aqui! E essa Kátia devia estar bem apaixonada por
esse Paulo para sair rabiscando pelos ônibus da cidade. Mas não deixa de ser bonito. Que
amor! Ai, que fome!
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VELHO- Absurdo! Deviam botar todos numa câmara de gás!
VELHO- Esses vândalos! Na câmara de gás! Onde já se viu escrever essas pornografias em
um ônibus?
VELHO- Mas o senhor bem pode imaginar o que os dois faziam neste banco enquanto
escreviam esta... O senhor pode estar sentado sobre tudo quanto é porcaria.
VELHO- Quem?
JAMIL- E se o senhor reparar bem, foi ela quem escreveu. O nome dela vem na frente.
JAMIL- O senhor devia é ter mais respeito pela Senhorita Kátia e por seus sentimentos.
(LEVANTA-SE. PARA SI) E se foi há tanto tempo, quem sabe ela não esteja sozinha?
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NO PRÓXIMO PONTO EU JÁ DESÇO
UM PASSINHO, POR FAVOR!
SUBIU O PREÇO DA PASSAGEM, SEMPRE ESQUEÇO
KÁTIA E PAULO NÃO ME SAEM DA CABEÇA
AI, MINHA CABEÇA, AGORA PERDI MEU PONTO
(EU TÔ TONTO, NO PONTO, PRONTO, EU TÔ TONTO, NO PONTO)
ESSE MOTORISTA CORRE MUITO E EU TÔ TONTO
(EU JÁ DISSE, TÔ TONTO, TONTO, UM TANTO QUANTO TONTO)
TEM UMA VELHINHA NA MINHA FRENTE
NÃO IMPORTA, EU EMPURRO
SE CHIAR EU DOU UM MURRO
ESQUECI MEUS DOCUMENTOS LÁ NO BANCO
(QUANTO BANCO!)
DESÇO, TÁ CHOVENDO, NÃO AGÜENTO DE NERVOSO
ELA DEVE SER MORENA, ALTA E MAGRA:
FAZ MEU TIPO
ESSE PAULO É UM BABACA, EU A AMO
ESQUECI MINHA CABEÇA LÁ NO BANCO
ENTRA UM FISCO NA MINHA VIDA TODO ANO
TEM UMA VELHINHA NA MINHA FRENTE
MAS QUE PERNAS, SEU MOÇO!
E ELA OLHA PARA MIM
ESSE PAULO É UM BABACA
EU RECLAMO, CLAMO, INFLAMO
JAMIL- (A ALGUM POPULAR) Por favor, o senhor poderia me informar onde fica a
Secretaria de Obras? (ALGUÉM INDICA E ELE VAI NA DIREÇÃO INDICADA;
ENTRA NA REPARTIÇÃO E SE DIRIGE A UMA FUNCIONÁRIA) Por favor, eu
gostaria de marcar uma audiência com o Secretário.
SINTO INFORMAR-LHE
MAS O SEU CADASTRO NÃO SE ENCONTRA COMIGO
TENTE PROCURÁ-LO NA SESSÃO DE IMPASSES
LÁ COM O DOUTOR CLODOMIRO
SE NÃO ENCONTRÁ-LO, DESÇA DOIS ANDARES
FAÇA UM POUCO DE EXERCÍCIO
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QUEIRA DIRIGIR-SE À FILA DE DETALHES
FALE COM A DONA CLOTILDE
SEJA UM POUCO HUMILDE
E TENHA A VIRTUDE DE SABER ESPERAR
NÃO SE PREOCUPE POIS DEPOIS DA FILA
BASTA A CERTIDÃO RETIRAR
LEVE-A AO ESCRITÓRIO DO SENHOR ONÓRIO
LÁ ELE IRÁ CARIMBAR
SINTA-SE À VONTADE, MAS NÃO CRUZE AS PERNAS
E É PROIBIDO FUMAR
SENTE-SE UM MINUTO
MAS SÓ UM MINUTO, CEDA LOGO O SEU LUGAR
NÃO FIQUE NERVOSO, NÃO FAÇA ALVOROÇO
A REPARTIÇÃO VAI FECHAR
VOLTE EM QUINZE DIAS; TRAGA SEU REGISTRO
POIS PELO SEU NÚMERO VÃO LHE CHAMAR
NÃO SEI QUAL A PREÇA; PUXE LOGO A PEÇA
POIS JÁ PODERÁ URINAR
JAMIL- Mas, minha senhora, eu só preciso marcar uma audiência com o Secretário de
Obras.
CENA 9
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JAMIL ESTÁ DENTRO DE OUTRO ÔNIBUS, TENTANDO VOLTAR AO
ESCRITÓRIO. EM UM BANCO MAIS À FRENTE, JAMIL VÊ UM HOMEM
RABISCANDO ALGO NAS COSTAS DO BANCO DO ÔNIBUS. DIRIGE-SE ATÉ
ELE.) Com licença; o senhor sempre..., como direi..? Sempre rabisca nos bancos de
ônibus?
JAMIL- Problema nenhum. Por um acaso eu não conheço o senhor de algum lugar? Seu
rosto me parece familiar, e olha que eu não conheço ninguém por aqui.
PAULO ÍNDIO- Por aqui todos se conhecem e ninguém conhece ninguém. Agora vai
falando; o que que o doutor quer?
JAMIL- (SENTA-SE) É que no outro ônibus que eu peguei tinha uma inscrição parecida
com essa que o senhor está...(LENDO) Hei! “Didã ama Paulo Índio”. É você o Paulo Índio?
Mas eu pensei que fosse a Senhorita Kátia que...
JAMIL- Então o senhor me conhece mesmo? Espera um pouco. Não é você o rapaz,
Paulinho, que o Doutor Paulo demitiu... Mas não pode ser. Ele era bem mais novo. Talvez
seu irmão.
PAULO ÍNDIO- Paulinho eu fui há muito tempo, doutor. Em todo caso, quem sabe?
JAMIL- Mas é muita coincidência. Eu estava justamente pensando o dia todo que tinha sido
a Senhorita Kátia quem escreveu a inscrição; geralmente quem escreve põe seu nome na
frente. E, no entanto... O senhor ainda tem contato com a Dona Kátia? Eu pergunto porque,
afinal, de 81 até hoje, bem..., parece um bocado de tempo.
PAULO ÍNDIO- Tempo? Que sei eu? Prá mim parece ontem. Mas se o doutor está tão
interessado em saber, eu posso apresentar a minha Kátia. Só que vai ter que esticar um
pouco a sua viagem.
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JAMIL- Bem, é claro que eu gostaria. Mas acho que já está ficando um pouco tarde e o meu
chefe...
PAULO ÍNDIO- O Doutor Paulo não vai ligar, com certeza. Vai ficar menos decepcionado
do que eu ficaria se o doutor insistisse em recusar o meu convite.
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ESSA CARROÇA VAI BATER
NO COLETIVO, EM BAIXO RELEVO
TODAS ME AMAM, CONFORME INSCREVO
SÃO KÁTIAS, SÔNIAS, VERAS E MARIAS
UM DIA VOU ME RESOLVER
MEU CANIVETE ME AUXILIA
CORTA, ME PROTEGE
INSCREVE, FERE, AUFERE
MARCA, ARRECADA
NÃO CONFIA
DEVO GRANA AO ZÉ MOELA
FUMO AO BERINJELA
LÁ NA VILA O CANO DITA O DIA
CENA 10
PAULO ÍNDIO- (GRITANDO) Kátia! Oh, Kátia, vem logo! Quero que você conheça um
doutor, meu amigo. (A JAMIL)
PAULO ÍNDIO- Não. Esse é só meu palacete de verão. Nunca entrou numa favela, doutor?
JAMIL- Prá falar a verdade, não sei. Mas acho que não.
PAULO ÍNDIO- Acho que ela saiu. (GRITANDO) Kátia! (A JAMIL) Ela não deve
demorar. (PAULO ÍNDIO COMEÇA A ENROLAR UM CIGARRO.) E você, doutor, tem
mulher em casa?
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JAMIL- Bom, eu não sei. Não sei nem se tenho casa. Na verdade, eu tenho a sensação de
estar sempre no lugar errado e na hora errada. Eu não lembro de nada.
PAULO ÍNDIO- Eu acho que sei do que é que o doutor está falando. Todo mundo se sente
assim de vez em quando. (PAUSA) Nem sempre eu sei se tenho mulher.
PAULO ÍNDIO- Às vezes ela é minha mulher; às vezes, eu não sei. (PAUSA) Tá de
barriga, a desgraçada.
PAULO ÍNDIO- Será que você não entende? Ela tá grávida... Eu não disse que era o autor.
(PAUSA) A gente nunca sabe.
JAMIL- Eu estou um pouco confuso mesmo; a tal Kátia que eu conheço, por exemplo, eu já
estava com ciúme dela e do Doutor Paulo.
JAMIL- (TAMBÉM RINDO) No entanto ela é outra Kátia e ele é outro Paulo. E eu nem sei
quem eu seria se eu não fosse quem eu sou. É muito estranho; parece que eu sinto por ela o
que eu devia estar sentindo por outra pessoa.
PAULO ÍNDIO- É, doutor; a gente sempre sente a coisa certa pela pessoa errada. (PAUSA)
Mas tudo que é de amor um dia passa. (CHEGA KÁTIA, RAINHA DA FAVELA) Oh,
minha rainha; muito trabalho hoje? (A JAMIL) Esse aqui é o Doutor Jamil; um chegado
meu.
PAULO ÍNDIO- Você tinha prometido largar essa vida. Mas voltou a andar como madame;
o mesmo perfume, a mesma roupa... Já tô até vendo o chofer te trazendo aqui na favela.
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JAMIL- Minha senhora; eu já lhe dei os parabéns?
KÁTIA (RAINHA)- Patrão! É por causa dele que eu tô nessa. Você insistiu prá eu falar
com o Doutor Paulo. Só por isso eu procurei o velho de novo. O Zé Moela garantiu que era
só até fechar o rolo dos banheiros.
KÁTIA (RAINHA)- Eu já te disse que não dá prá falar da nossa vida na frente dos outros. E
você tá louco; já não me reconhece, nem ao que é teu: teu filho, tua mulher, tua vida. Eu
tenho mais o que fazer. (SAI; PAUSA)
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ATÉ ONDE SEI, EU QUERO CRER
TE AMANDO
CENA 11
DR. PAULO- Favela, o quê?.. Onde?.. Mas que diabos você está fazendo numa favela,
Jamil? Você tinha que estar... (PARA SI) Eu mereço! (NOVAMENTE A JAMIL) Eu quero
você na Secretaria de Obras imediatamente. O protocolo, está com você? Ao menos isso.
Eu estou mandando a Senhorita Kátia até aí, de táxi. Tá, eu anoto. (ANOTANDO) O
secretário Livaldino estará esperando pelo protocolo até às dezoito horas. Não cogite falhar
novamente. O senhor já me aprontou surpresas o bastante para uma licitação que já estava
ganha. (BATE O TELEFONE SAI DE CENA, GRITANDO PARA AS COXIAS) Dona
Kátia, depressa! A senhorita precisa ir encontrar o Dr. Jamil.
CENA 12
ROSECLAIR- Você quer parar com isso, seu palhaço! Dino, eu mandei parar! (ELE
PÁRA)
LIVALDINO- Essa sua greve estúpida pode até colocar em risco o meu desempenho nas
urnas.
ROSECLAIR- Seu desempenho? Primeiro, arranje todo o dinheiro de que precisamos para
a campanha; depois, cuide de me eleger 1ª Dama. Aí, então, nossa orgia pessoal recomeça,
Dininho.
LIVALDINO- Você pensa que é fácil a vida de um homem público? É tanta tensão, tanto
estresse e você ainda fica me forçando a esse regime. Como é que eu vou relaxar? Não
quero nem saber! Vai ser agora! Atracajar!!(VOLTA A PERSEGUÍ-LA)
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ROSECLAIR- (BATEM À PORTA) Pode entrar! (ENTRA ANTENOR)
LIVALDINO- Mas meu bem; olhe os trajes em que eu estou. Saia já, Antenor.
ROSECLAIR- (A LIVALDINO) Você acha que alguém vai notar os seus trajes quando eu
estou vestida dessa forma? Não se incomode. (A ANTENOR) O que é que você quer, seu
banana?
ANTENOR- É que está aí um tal de Senhor Jamil, da parte do Dr. Paulo. Aquele Dr. Paulo,
o senhor se lembra? Veio com uma Dona Kátia não sei das quantas falar sobre a licitação
que o senhor já sabe.
LIVALDINO- Claro, claro; mande entrar. Só vou vestir minhas calças. (LIVALDINO E
ROSECLAIR SE VESTEM. SAI ANTENOR) Agora é melhor você ir, Roseclair. Depois
falamos sobre nossa vida conjugal.
ROSECLAIR- Acho que é melhor, mesmo. Esse tipo de conversa só me entedia. Tchau!
(QUANDO ELA ESTÁ PARA SAIR, ENTRAM JAMIL E KÁTIA) Meu Deus! O senhor é
que é o tal Senhor Jari de que tanto falam?
ROSECLAIR- Não se esqueça de convidar o Senhor Jamil para jantar em casa qualquer dia.
(A JAMIL) Seria um prazer indescritível. Até loguinho. (SAI ROSECLAIR)
JAMIL- É a Senhorita Kátia, lá do escritório. Ela veio me ajudar a chegar aqui porque eu
havia me perdido; eh...bem... numa favela...
LIVALDINO- Boca do Índio? Claro que conheço! Tenho ótimas bases por lá. Conheceu o
Zé Moela? Ele tem me prestado ótimos serviços em minha segurança pessoal.(PAUSA.
LIVALDINO OLHA ACINTOSAMENTE PARA AS PERNAS DE KÁTIA. DEPOIS,
NUM ROMPANTE, A JAMIL) O protocolo, por favor.
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JAMIL- Ah, aqui está! (ENTREGA-O A LIVALDINO)
LIVALDINO- Está feito o negócio. Como o senhor sabe, este papel jamais poderia cair em
mãos erradas. Significaria minha ruína. E a de seu patrãozinho também, é claro.
KÁTIA- O Dr. Paulo estava realmente preocupado com essa concorrência. Acho que agora
ele vai ficar tenso até que saia o resultado da licitação.
LIVALDINO- Oh, meu bem! Em poucos meses estaremos inaugurando a maior parceria
entre o Poder Público e a iniciativa privada. E a ‘Paulo e Paulo, Empreendimentos
Hidráulicos’ já sabe perfeitamente qual seu papel neste projeto. Construiremos juntos o
maior e único ‘banheiródromo’ público do mundo. Transformaremos toda a Praça da
República, oficialmente, em um imenso mictório.
LIVALDINO- (RONDANDO KÁTIA) Está tudo certo e nada resolvido. (A JAMIL) Diga
ao Dr. Paulo para depositar o dinheiro da campanha na conta numerada 548.169/005,
conforme o combinado. Agora já pode ir. Eu e a Senhorita Kátia ficaremos aqui mais um
pouco. Acertando detalhes. (LIVALDINO COMEÇA A ACARICIAR AS PERNAS DE
KÁTIA,SOB SUA SAIA).
ANTENOR- Pode deixar; vou ligar para o Senhor Zé agora mesmo. (SAI)
LIVALDINO- (AO TELEFONE) Paulo? Sou eu. Como, tudo bem? Eu tô menstruando pelo
nariz e você me pergunta se eu estou bem? É o seguinte: seu funcionário de confiança me
passou a perna e fugiu com o protocolo. Eu quero ele aqui imediatamente, caso contrário
quem paga é você. (BATE O TELEFONE)
CENA 13
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KÁTIA (RAINHA)- Larguei meu homem. Tô grávida. Você precisa me ajudar.
DR. PAULO- Acho melhor você voltar prá ele. Afinal, ele é o pai do seu filho, não é?
DR. PAULO- (BATENDO O FONE) Merda! Ninguém atende. Onde foi se enfiar esse
larápio desse Jamil?
KÁTIA (RAINHA)- Eu quero sair de São Paulo. Eu quero que você me arranje um lugar;
talvez um emprego no interior.
KÁTIA (RAINHA)- Você não pode me tratar assim. (ENTRA PAULO ÍNDIO)
KÁTIA (RAINHA)- Ele é o meu homem, Paulo. Só veio aqui me buscar. Não é, Índio?
PAULO ÍNDIO- Doutor, tem um amigo meu que quer muito saber onde é que tá um troço
dele. Ele disse que o senhor sabia. E então?
PAULO ÍNDIO- Boca do Índio; Zé Moela; candidato a sei lá que porra; protocolo... Será
que agora o senhor entende?
DR. PAULO- Eh,... bem,... diga ao Zé que eu preciso de um pouco mais de tempo. Talvez
até amanhã eu tenha boas notícias para o nosso candidato.
PAULO ÍNDIO- Amanhã? Sinto muito! (SACA UMA ARMA) O doutor é candidato único
a presunto. (ATIRA EM DR. PAULO, QUE MORRE NA HORA)
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CENA 14
JAMIL- Claro que não! Se bem que eu não faça idéia do que é que eu vou fazer. E o tal
protocolo está aqui comigo. Você acha que eu devo denunciar os dois?
KÁTIA- Não sei. Essa gente pode ser perigosa. Você não tem parentes no interior? Talvez
a gente, quer dizer, você pudesse passar uns tempos por lá.
JAMIL- Sei lá. O que eu queria mesmo era denunciar essa gente. (PAUSA. JAMIL
COMEÇA A CANTAROLAR ALGUMA MARCHINHA DA DÉCADA DE 30)
KÁTIA- (CANTAROLA JUNTO) Você também conhece essa música. Meu pai vivia
cantando quando eu era menina.
KÁTIA- Que é isso; foi há mais de dez anos. Você sempre foi um pouco atrapalhado com
itinerários mesmo. Não mudou muito.
JAMIL- Claro. Então, essa história, por exemplo. Eu não me lembro de nada. Prá ser
sincero, parece que eu a conheci hoje, assim como todo o resto. Talvez eu só me lembre
mesmo da nossa marchinha.
KÁTIA- Tá ficando um bocado tarde. Já passa das três e meia. Olha, Jamil, eu não quero
nem saber. Nós vamos prá minha casa. Que você acha?
KÁTIA- Que tem demais? Tenho um quarto e uma sala, se você preferir.
JAMIL- Mas nós nem namorados somos, ou somos e eu também não sei?
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KÁTIA- Não; não somos. Ainda não. (KÁTIA BEIJA JAMIL)
KÁTIA- Vamos?
JAMIL- Não posso. Vai você. Acho que eu vou virar a noite. Não quero que você pense que
eu... Bem, você me entende.
KÁTIA- Não; eu nunca vou entender os homens. Eu levo dez anos prá criar coragem e você
me vem com essa. Até logo, Dr. Jamil. (ELA SE LEVANTA PARA SAIR)
KÁTIA- Vou deixar meu endereço. Pode me procurar, se quiser. (PROCURA POR UM
PAPEL PARA ANOTAR O ENDEREÇO) Droga! Nunca tem um papel quando a gente
precisa. Eu vou anotar aqui nesta foto. Assim você não esquece de mim. (DÁ A FOTO A
JAMIL E NOVAMENTE SE BEIJAM) Tchau, Jamil. (SAINDO)Táxi, por favor!
JAMIL- Como pude me esquecer que amava essa mulher? (ENTRA EM PALCO O
MESMO JORNALEIRO DA CENA 1)
JORNALEIRO- ‘Notícias Paulistanas’, o jornal de São Paulo. (A JAMIL) Oh! O senhor por
aqui, Seu Jamil? Quem é vivo sempre aparece, heim? Como é que foi de viagem? E a
noivinha? Pelo jeitão na foto, tá cada vez melhor.
JAMIL- O senhor me conhece? Quer dizer que a Kátia é minha noiva, mesmo?
JAMIL- Todos me dizem que eu disse tanta coisa. Acho que eu preciso escrever minhas
amnésias. Seria um livro e tanto. Posso ler as manchetes?
JORNALEIRO- Claro, Seu Jamil! Esse aqui é por minha conta. Amigo é prá essas coisas.
(DÁ UM JORNAL A JAMIL)
JAMIL- “Livaldino não tem concorrentes que possam detê-lo. Março de 1997.” Parece que
o homem não perde mais. A não ser que eu faça alguma coisa.
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JORNALEIRO- Conheço o senhor de outros carnavais. E tudo o que eu sei é que eu estava
certo quando disse que o senhor ia perder o trem. Sente falta dela? (PAUSA) Até logo, Seu
Jamil! A gente se vê por aí.
JAMIL- “Dr. Paulo, da ‘Paulo e Paulo, Empreendimentos Hidráulicos’ é achado morto. Foi
assassinado com dois tiros”. Meu Deus! As coisas estão tomando um rumo bem pior do que
eu podia imaginar. E kátia? Ela está sozinha. (OLHANDO O ENDEREÇO NA FOTO) Eu
vou prá lá. (SAI)
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CENA 15
JAMIL- O senhor vai ter problemas, Senhor Secretário. O protocolo não está mais comigo,
mas nas mãos de uma autoridade fidedigna.
LIVALDINO- Problemas tem agora o senhor. Nenhuma autoridade é totalmente fiel, muito
menos totalmente digna. Meus pêsames. Venho também ao seu velório.
PAULO ÍNDIO- (A JAMIL) Parece que nos reencontramos, Doutor. Agora, é melhor me
dar o protocolo; não quero ter que acertar uma pessoa como o senhor.
PAULO ÍNDIO- Todos somos um pouco canalhas. Mas eu sou um que preferia não matar o
senhor.
CENA 16
JAMIL- Espera um pouco! Eu não tenho nada a ver com esse assassinato. Eu só trabalhava
para o Dr. Paulo.
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LÍDER DOS GUARDAS- Cala a boca! (A OUTRO GUARDA) Verifica os bolsos direito.
Tem que estar em algum lugar.
LÍDER DOS POLICIAIS- Vamos com calma aqui no pedaço. (AO LÍDER DOS
GUARDAS) Qual o problema aqui com o distinto?
JAMIL- Eles querem que eu entregue um documento que devia estar com a Justiça. São uns
vendidos! Trabalham para um marginal chamado Livaldino. O Secretário, mesmo.
LÍDER DOS GUARDAS- Azulzinho, não. Pega leve, oh meganha. Depois, estamos a
serviço da municipalidade e chegamos primeiro. O elemento é meu!
LÍDER DOS POLICIAIS- Meganha é a genitora. E os municipais não tem nada que se
meter em prisão de cidadãos. (A JAMIL) Agora vai me dando os documentos prá eu
verificar a ficha corrida do gatuno.
JAMIL- Não tenho minha identidade. Devo ter perdido; mas acredite em mim, por favor.
Esses homens estão envolvidos até em assassinato.
LÍDER DOS POLICIAIS E LÍDER DOS GUARDAS- (JUNTOS) Ah, sem identidade?
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EU SOU DEFESA E SACO BEM O ATAQUE
ACHACO UM CHEQUE, SACO A ARMA, SACO ESSA FUNÇÃO
DEFENDO A LEI, DEFENDO A PROPRIEDADE
E SE DEFENDO ALGUM POR FORA, LAVO A MINHA MÃO (EU MOLHO A MÃO)
PEÇO QUE ENTENDA, TODA SOCIEDADE
TEM FEROZ NECESSIDADE DE CONTRAVENÇÃO
EU DESÇO A LENHA NA POBREZA, EU DESÇO BAIXO
COMO UM CARRO EM DESGOVERNO DESCE A CONTRA-MÃO
MÃO??!
REFRÃO
SE PERDEU A SUA IDENTIDADE
SE PERDEU SUA VERDADE OU SUA VERSÃO
ENTENDO A SUA SITUAÇÃO, MAS NÃO LHE DOU A LIBERDADE
VEJA MINHA POSIÇÃO, ENTENDA MINHA CRUELDADE
EU GANHO POUCO, DURMO POUCO
TUDO É POUCO, TUDO É ‘HARD’
MAS POUCO PODE SER MUITO MAIS DO QUE TUDO
E TUDO PODE SER UM POUCO MAIS
REFRÃO
JAMIL- Já chega! Eu quero meu advogado! (OS DOIS LÍDERES DÃO UMA
BORDOADA NA CABEÇA DE JAMIL, QUE DESMAIA)
LÍDER DOS GUARDAS- Tá vendo o que você fez? Eu falei que o homem era meu. Agora
ele tá morto e a gente tá fodido!
LÍDER DOS POLICIAIS- Olha aqui, oh bonequinha; se você gosta de homem, pode ficar
com ele.
LÍDER DOS GUARDAS- Acho que o pau vai comer! Bonequinha, não!
JAMIL- Que está acontecendo por aqui? Minha cabeça! E a Kátia; onde está? Mas qual
Kátia? Meu Deus! (OLHANDO PARA A DEVASTAÇÃO E OS CADÁVERES) Em que
tempo estamos? Agora estou me lembrando de tudo, mas acho que é até pior. (TIRA UM
SAPATO E, DE DENTRO DELE, O PROTOCOLO) Preciso fazer alguma coisa sobre isso.
Preciso fazer alguma coisa sobre Kátia. Por fim, preciso fazer alguma coisa sobre mim.
(SAI)
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CENA 17
JAMIL- Promete que não vai acontecer nada à minha Kátia, também?
PAULO ÍNDIO- Se depender de mim, os dois pombinhos podem voar para onde quiserem.
Mas nem tudo depende de mim. É melhor vocês sumirem.
JAMIL- Entendi. Ele tá aqui. (ENTREGA O PROTOCOLO A PAULO ÍNDIO) Você sabe
o que significa esse papel?
PAULO ÍNDIO- Mais do que o doutor pode imaginar. Esse papel é o nosso passaporte para
sair daqui com alguma grana. Vou arrancar algum dele. Ele iria se eleger, de todo jeito.
PAULO ÍNDIO- Depois que eu chantagear o velho, ele também vai querer me apagar. Por
isso, é melhor não esperar por um postal meu. Boa sorte, chefe.
JAMIL- Prá você também. Cuide bem da sua Kátia. Adeus. (SAI)
CENA 18
KÁTIA (BLUE)- Mal posso acreditar que eu estou com você. Mas por que você me trouxe
aqui? Perto da Estação da Luz, um lugar tão pouco romântico.
JAMIL- Prá mim, até que é romântico; ou já foi, não sei. Não sei direito porque quis vir
aqui, mas sinto que é necessário.
KÁTIA (BLUE)- Meu Deus, Jamil, você está tão enigmático. Eu quero um beijo.
(BEIJAM-SE)
JAMIL- Parece mentira que eu estive tanto tempo a seu lado e nunca percebi o que estava
perdendo. Sempre me senti muito sozinho e também deslocado. Tive que me esquecer
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quem eu era prá lembrar de você. (BEIJAM-SE NOVAMENTE. ENTRA EM CENA O
JORNALEIRO)
JAMIL- Calma, Kátia. Esse é meu mais velho amigo. Como vai, Dito?
JAMIL- Espera! Quero lhe apresentar minha noiva, ou namorada, sei lá. Kátia, este é o
Dito.
KÁTIA (BLUE)- O prazer é meu. Desculpe a grosseria; não sabia que era amigo do Jamil.
JORNALEIRO- Vejo que consertou seu relógio. Adeus! Tenho que sair. Ah! Veja se não
vai perder o trem, desta vez. (SAI)
JAMIL- Não sei direito. Ele é sempre muito esquisito. Acho melhor ver a tal seção.
(ABRINDO O JORNAL) “Prefeito eleito de São Paulo, promete maior mictório público na
Praça da República!. Março de 1937.” Como assim? Em que ano nós estamos, afinal de
contas?
JAMIL- Acho que não. (PAUSA) Talvez o Dito tenha razão: já é hora de partir. É melhor
que você saiba; se eu estiver certo, nós vamos para um outro tempo, um tempo anterior,
onde as coisas eram melhores.
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JAMIL- Não sei. Mas não é aqui. Talvez um lugar que eu mesmo inventei, ou um tempo
que só exista na minha cabeça. Mas agora preciso encontrar o meu lugar. (JAMIL BEIJA
KÁTIA. RECITA PARA A PLATÉIA A INTRODUÇÃO DE “ELEGIA
PAULISTANA”, MÚSICA 16 - AUTOR: ÁLVARO CUEVA)
(PARTE FALADA)
DE DENTRO NÃO TE VEJO
RUMORES, TUMORES E ESSA VISEIRA DE CIDADÃO ENGOLIDO
NÃO ME PERMITEM DESCREVER-TE
SEM QUE ESSA MÁGOA DESVIRTUE MINHA OPINIÃO
PORTANTO, VÔO MAIS ALTO QUE TUAS AVES URBANAS
E, DE FORA, FALAREI DE TI
COMO SE FOSSES PARTE DE MEU PASSADO
COMO PAISAGEM AMARELECIDA NUMA FOTO DE LAMBE-LAMBE
A RIMA E A MELODIA SÃO SÓ RECURSOS FÁCEIS
PARA CONSAGRAR MINHA OBVIEDADE
MINHA IMPRESSÃO: AUDI ADIANTE
MEU OBJETO: TU, SÃO PAULO
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KÁTIA- Deve haver alguém que possa me amar todos os momentos; e isso com certeza
inclui o presente. Eu fugiria com você para qualquer lugar, mas não para um passado que
nunca existiu. No passado, existe uma Kátia que te esperou por dez anos. Você diz que me
ama, mas quer me achar onde eu não posso existir. Talvez seja melhor você partir mesmo.
Mas sozinho.
JAMIL- Será que você não percebe? Precisamos ir; temos pouco tempo.
JAMIL- Kátia, me espere! Eu vou com você;... se você me aceitar. (BEIJAM-SE PELA
ÚLTIMA VEZ. SAEM DE CENA)
PANO.
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