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Belo Horizonte
Centro Universitário UNA
Novembro/ 2008
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Fabrícia Gatti Alves
Belo Horizonte
Centro Universitário UNA
Novembro/ 2008
A474v Alves, Fabrícia Gatti
CDU:338.485
Agradeço, em especial, a Deus, por direcionar minha vida a belos caminhos, repletos de
alegrias e aprendizados.
Agradeço aos meus pais, Serafim e Angélica, aos meus avós maternos Waldemar (em
memória) e Ernestina, avós paternos Alcina (em memória) e Fortunato (em memória), às
minhas irmãs queridas, Maria Flávia e Cacilda, pela amizade, pelo apoio e pelo privilégio de
sermos uma família unida pelo amor incondicional. Tutto buona gente!
Agradeço ao Luiz, pela parceria, pelos conselhos e essencial ajuda nos momentos de alegria e
desespero.
Agradeço aos companheiros e companheiras de turma pela parceria e apoio nas tarefas e no
dia-a-dia na sala de aula.
Agradeço a colaboração da Ferrovia Centro Atlântica - FCA, da Santa Rosa Bureau Cultural,
da Equipe Trem da Vale e da Equipe Complexo Ferroviário São João Del-Rei – Tiradentes.
“Viver e não ter a vergonha de ser feliz;
Cantar, e cantar, e cantar
A beleza de ser um eterno aprendiz.
Ah meu Deus!
Eu sei, eu sei
Que a vida devia ser bem melhor, e será;
Mas isso não impede que eu repita,
É bonita, é bonita e é bonita”
Gonzaguinha
RESUMO
This thesis intends to analyze in what ways the railroad memory and the historical heritage are
appreciated for tourist purpose in Minas Gerais, based on research cases on three railroad
enterprises. The selected cases include the train that connects the cities of Ouro Preto and
Mariana, called Trem da Vale; the train that connects the cities of São João Del-Rei to
Tiradentes and the train that connects the cities of Belo Horizonte, in Minas Gerais, to Vitória,
in Espírito Santo, entitled Estrada de Ferro Vitória-Minas. Each of railroad extract presents
different strategies for recovery, revitalization and appreciation of its railroad heritage,
including the case of the Vitória-Minas extract which was spontaneously appropriated by
tourism. From the study of documents, data and historical facts, it was possible to describe the
process of insertion, evolution, prime and decline of the railroads in Brazil. It was noticed that
a great part of the information was available in the electronic format in companies, organs and
institutions linked to the iron ore sector. After documental and bibliographical research, semi-
structured interviews were accomplished with the managers of each train, as well as technical
visits to the cities at secretariats, organs, and institutions linked to tourism, culture and
heritage. The analysis of results was established in dimensions, namely: economic, socio-
cultural, environmental, tourism and interpretative. These last two dimensions, tourism and
interpretative, were worked concomitantly, considering that their patrimonial interpretation
highlights the value and meaning of the heritage at issue and allows a wider interest from
visitors and tourists. It concludes that the railroad system is closely tied to the economic,
social and cultural heritage of Minas Gerais and through the recovery and revitalization of the
memory and the historical railroad heritage, cities in Minas Gerais have increased the number
of visitors, promoting and incrementing their local cultural heritage.
Figura 9 Prédio de acesso para embarque e desembarque do Trem Vitória – Minas 104
na Estação Ferroviária de Belo Horizonte......................................................
Figura 10 Vagões de passageiros do Trem Vitória- 108
Minas.............................................................................................................
LISTA DE QUADROS
Quadro 6 Recursos de interpretação utilizados no Trem São João Del Rei a 130
Tiradentes
Quadro 7 Recursos de interpretação utilizados no Trem Vitória - Minas 131
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 17
1 INTRODUÇÃO
Juntamente com a valorização e o resgate do legado cultural, uma modalidade de turismo que
cresce no Brasil e em outros países é a busca por atrativos culturais de localidades. Portuguez
(2004) afirma que alguns estados brasileiros, como Minas Gerais e Rio Grande do Sul, têm no
turismo histórico-cultural uma de suas maiores fontes de captação de turistas.
Juntamente com essas organizações notam-se o incentivo e o apoio do poder público através
das prefeituras onde se localizam empreendimentos ferroviários e do governo do Estado de
Minas Gerais. O projeto “Trens de Minas”, criado pelo governo estadual em 2004, tem como
proposta fomentar o desenvolvimento do transporte ferroviário para passageiros por meio de
expansão e modernização da malha férrea de Minas Gerais, e a utilização de trens turísticos
de forma auto-sustentável. O projeto envolveu a parceria do Instituto Estadual do Patrimônio
Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA) e das Secretarias: de Transportes e Obras
Públicas, de Cultura e a de Turismo. Esse e outros projetos são citados no corpo deste
trabalho.
Apesar dos esforços e realizações, boa parte desse patrimônio se perdeu ao longo dos anos ou
está em processo de depredação. O futuro da preservação ferroviária neste momento depende
da percepção sobre o valor e o significado desse patrimônio para a memória social. Novas
formas de interpretação do legado ferroviário permitem o entendimento da representação e
19
Os trens de passageiros selecionados foram: Trem de São João Del Rei-Tiradentes, Trem de
Ouro Preto-Mariana (Trem da Vale) e o Trem Vitória-Minas. O pressuposto norteador desta
pesquisa são as formas de gerir, de interpretar, dar significado e valorizar o legado ferroviário
como parte integrante da cultura local e como vetor de interação com a comunidade e os
visitantes, permitindo o desenvolvimento turístico.
O número de trens turísticos em operação no Brasil está crescendo, hoje há pelo menos 17
opções de trens turísticos e, só em Minas Gerais, é possível realizar cinco passeios em linhas
que estavam desativadas e foram recuperadas com finalidade turística (ABOTTC, 2005).
Viajar de trem exerce certo fascínio, pois remete a um tempo em que a vida passava mais
devagar. Apreciar a paisagem, conhecer a história e a cultura das localidades através de um
passeio turístico ferroviário tem sido a preferência de um número significativo de turistas. Na
perspectiva de Troitiño Vinueza (2004):
O trabalho está organizado em cinco capítulos, sendo o primeiro esta introdução. No capítulo
2, o patrimônio histórico cultural é tratado, trazendo conceitos, a representação do legado para
a sociedade e sua relação com o desenvolvimento humano e a atividade turística, através da
pesquisa em obras de estudiosos da área como Gonçalves (2003), Pellegrini (1993), Barretto
(2000), Funari e Pinsky (2003), Portuguez (2004), Neves (2003), entre outros. Ainda nesse
capítulo trata-se dos temas interpretação patrimonial, memória e relação desta última com o
Turismo e o patrimônio cultural. Também é apresentada a Lei Rouanet – Lei Federal de
Incentivo à Cultura, utilizada para obtenção de verbas e patrocínio para projetos culturais.
2 PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CULTURAL
Gonçalves (2003) defende que não há limites para qualificação da palavra patrimônio, a
mesma sendo referida como patrimônio econômico, patrimônio imobiliário, patrimônio
financeiro, patrimônio cultural, patrimônio arquitetônico, patrimônio histórico, patrimônio
artístico, patrimônio etnográfico, patrimônio ecológico, dentre outros. Rodrigues (2003)
concorda que a palavra patrimônio pode “assumir sentidos diversos”, pois sempre esteve
presente na realidade social.
Para Portuguez (2004, p.8) “o patrimônio refere-se às pessoas, às origens e à história de uma
comunidade”. Já Pellegrini (1993) expõe tratados da Constituição Federal de 1988, Art. 216,
seção II – DA CULTURA, no qual se estabelece o conceito de patrimônio cultural, a saber:
Com vistas a criar referências comuns a todos que habitavam um mesmo território, a criação
de patrimônios nacionais foi intensificada durante o século XIX. O patrimônio passou a
constituir uma coleção simbólica unificadora, que procura dar base cultural idêntica a todos,
embora grupos sociais e étnicos presentes em um mesmo território sejam diversos. O
23
patrimônio tornou-se uma construção social, elaborado para ser uma representação do passado
histórico e cultural de uma sociedade (RODRIGUES, 2003, p.16).
Barretto (2000) defende que o patrimônio, sendo considerado como os monumentos de uma
nação, se torna um mediador entre o passado e o presente, uma âncora capaz de conceder uma
sensação de continuidade em relação a um passado comum, servindo de referencial capaz de
identificar uma nação.
O patrimônio possui uma relação muito forte com o conceito de nação, pois ambos carregam
a simbologia de acontecimentos históricos de todo um povo. A noção de posse coletiva a
partir do exercício da cidadania inspirou o uso do termo “patrimônio” para nomear o conjunto
de bens de valor cultural que passaram a ser propriedade da nação, logo, uma herança coletiva
pertencente a todos (BARBOSA, 2001).
A solenidade, algumas vezes atribuída ao termo patrimônio, sugere que dele façam parte
apenas os grandes edifícios ou grandes obras de arte, mas o patrimônio cultural abrange tudo
1
Entende-se colecionamento a partir da origem da palavra: coleção; reunião de objetos da mesma natureza.
Compilação. Ajuntamento. (MELHORAMENTOS, 1975)
24
que faz parte do engenho humano (FUNARI; PINSKY, 2003). Pellegrini (1993, p.92) afirma
que o significado de patrimônio cultural é muito amplo, incluindo “outros produtos do sentir,
do pensar e do agir humanos”.
O patrimônio deixou de ser definido pelos prédios que abrigaram reis, condes e
marqueses e pelos utensílios a eles pertencentes, passando a ser definido como
conjunto de todos os utensílios, hábitos, usos e costumes, crenças e forma de vida
cotidiana de todos os segmentos que compuseram e compõem a sociedade
(BARRETTO, 2001, p.11).
Martins (2003, p.43) concorda, afirmando que “todo grupo necessita de uma cultura que o
sustente para poder existir, vivenciada no sentido comum e repassada através da
comunicação, para manter o sentido de pertencer entre seus integrantes”.
O termo patrimônio remete à propriedade de algo que pode ser deixado de herança. Conclui-
se que é um produto da cultura que é herdado e transmitido de geração para geração. Assim
como o conceito de cultura não pode prescindir das dimensões material e simbólica, o
25
conceito de patrimônio cultural também não pode se dissociar dessas duas dimensões
(NEVES, 2003).
Neves (2003) identifica o entendimento do patrimônio cultural como condição para revelar as
identidades e, ao mesmo tempo, garantir a condição de cidadania. Para o autor:
Estendendo este conceito para o de cidadania cultural, pode-se sugerir que significa,
resumidamente, o direito de produzir cultura, usufruir direitos culturais, desde os
mais elementares aos mais sofisticados, e ainda poder influir nas decisões acerca das
políticas culturais (NEVES, 2003, p.59).
De acordo com Neves (2003), no conceito amplo de patrimônio cultural estão incluídas a
esfera do meio ambiente, onde o homem habita e que ele transforma para realizar suas
necessidades materiais e simbólicas, suas habilidades e o saber fazer humano, vitais para a
construção da existência de forma plena; e os chamados bens culturais, que são produtos
resultantes da ação do homem no meio onde vive (NEVES, 2003).
Para o historiador Bolle3 (1984) apud Neves (2003) os lugares e objetos, por si mesmos, não
significariam nada além de suas qualidades físicas, porém o patrimônio cultural associa
materialidade e significados simbólicos. São os significados – a carga afetiva, de conflito, de
emoção presente em monumentos, objetos e edificações, saberes e manifestações – que
realmente definem o patrimônio cultural (BOLLE, 1984 apud NEVES, 2003).
Quanto ao patrimônio histórico, de acordo com Barbosa (2001), este conceito se definiu ao
final do século XVII, quando o estado assumiu, em nome do interesse público, a proteção
legal de determinados bens carregados de simbolismo da nação.
2
UNESCO (ICOMOS - Conselho Internacional de Monumentos e Sítios). Declaração do México. Conferência
Mundial sobre as Políticas Culturais. Cidade do México: 1982. Disponível em: <http: //
www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/mexico-86.htm.> Acesso em: 10 mar 2007.
3
BOLLE, W. Cultura, patrimônio e preservação. In: ARANTES, A. A. Produzindo o passado: estratégias de
construção do patrimônio cultural. São Paulo: Brasiliense, 1984.
26
O patrimônio histórico abrange todos os elementos que formam a identidade do lugar, não
somente bens materiais, mas sim todo o traçado urbano, símbolos, os valores intangíveis e a
paisagem urbana que compõe o espaço. Dessa forma, a concepção contemporânea de
patrimônio histórico inclui desde as manifestações da ação humana aos elementos que
constituem o espaço (FÉRES, 2002).
O início da prática da interpretação ocorreu na década de 1960 na Grã Betanha, a partir dos
trabalhos pioneiros da National Countryside Commission que focava suas ações na
valorização do patrimônio natural, como áreas rurais, parques e reservas naturais. A partir de
1970 a prática evoluiu para monumentos, edifícios e sítios históricos, passando a incluir áreas
importantes do ambiente urbano. Na década de 1980, a interpretação e a revitalização
tomaram conta das atrações históricas e culturais, com o objetivo de atender a um público
ávido por consumi-las. “Quando a preservação e a interpretação do patrimônio ambiental
urbano passaram a sensibilizar e a engajar grandes segmentos da população britânica, o
patrimônio cultural desenvolveu-se, então, como principal recurso da indústria turística”
(GOODEY; MURTA, 1995, p. 21)
investem e incentivam a prática. No Brasil se trata de tema recente, sendo divulgada pelo país
a partir de 1990 (MURTA; GOODEY, 2002).
De acordo com Murta e Albano (2002), a idéia central de interpretação do patrimônio, seja ele
natural ou cultural, é realçar seu valor único, estabelecendo uma conexão com o visitante para
ampliar o conhecimento sobre o um local visitado. As autoras ainda ressaltam que: “[...] o
olhar do visitante procura encontrar a singularidade do lugar, seus símbolos e significados
28
mais marcantes” (MURTA; ALBANO, 2002, p.9). Principalmente na atual cultura ocidental
globalizada, onde tudo se uniformiza, faz-se de grande importância voltar-se para a emoção e
o estímulo para novas formas de olhar e de apreciar (MURTA; ALBANO, 2002). “A
interpretação não é um evento em si, mas um processo contínuo que envolve a comunidade
com o passado, presente e futuro de um acervo, de um sítio ou de uma cidade. Seu objetivo é
apresentá-los, promovê-los e atualizá-los como atrações” (GOODEY; MURTA, 1995, p.25).
Para o produto turístico, a interpretação exerce uma influência diferencial por agregar valor ao
mesmo e por auxiliar o conhecimento e a apreciação dos lugares por parte dos visitantes,
podendo prolongar a permanência e estimular o retorno. Pode-se afirmar que interpretação é
“mais que informar, a interpretação tem como objetivo convencer as pessoas do valor do seu
patrimônio, encorajando-os a conservá-lo” (MURTA; ALBANO, 2002, p.10).
Por meio dela é possível destacar o caráter diferencial de suas atrações culturais,
estimular o olhar do visitante, diversificar o produto turístico e por último, mas não
menos importante, despertar o interesse e o orgulho da comunidade sobre o
significado de seu patrimônio cultural (GOODEY; MURTA, 1995, p.27).
São apresentados abaixo os seis princípios clássicos da interpretação estabelecidos por Tilden
(1957) e os outros quatro princípios acrescentados por Goodey e Murta (1995) tendo em vista
o desenvolvimento da interpretação desde que os primeiros princípios foram elaborados:
2.2 Memória
De acordo com Henry Rousso (2005), importante historiador francês, a memória é uma
reconstrução psíquica e intelectual que de fato acarreta uma representação seletiva do
passado, um passado que não é de um indivíduo somente, mas de um indivíduo inserido num
contexto familiar, social, nacional. Como sugeriu Maurice Halbwachs, toda memória é, por
definição, ‘coletiva’ e seu atributo direto é garantir a permanência no tempo e a resistência à
alteridade, ao ‘tempo que muda’, às rupturas que são o destino de toda a vida humana
(ROUSSO, 2005). Esse mesmo autor completa sua abordagem afirmando que a memória
constitui elemento essencial da percepção de si e dos outros.
As mudanças pelas quais as sociedades vêm passando nos últimos tempos trouxeram o
sentimento de perda do passado, do desenraizamento e do esquecimento fácil, originando a
necessidade de indivíduos e coletividades retomarem seu passado, na busca por elementos que
permitam uma recomposição da sua história e de sua identidade. “Há quem afirme que a
história tem sido o caminho procurado para compreender as rupturas e mudanças que
experimentam em suas próprias vidas, em conexão com as transformações do contexto social
em que vivem” (FREIRE; PEREIRA, 2002, p.122). Rousso (1997) concorda ao afirmar que:
“a demanda social da história nunca esteve tão forte, a memória – ou seja, a presença do
passado – nunca foi parte tão integrante de nossa cultura, nem tão valorizada” (ROUSSO,
1997, p.26).
A referência ao passado “serve para manter a coesão dos grupos e instituições que compõem
uma sociedade, para definir seu lugar respectivo, sua complementaridade, mas também as
oposições irredutíveis” (POLLAK, 1989, p.9). É de suma importância ter sempre presente
que as tradições não se constituem por obra da natureza, mas por ação humana. E que a
ambigüidade marca tanto o conceito de memória quanto o de identidade. Todavia tal
ambigüidade não é irredutível. Seu esclarecimento pode dar-se no aprofundamento da
consciência histórica e cultural. Ter consciência histórica não é informar-se das coisas outrora
acontecidas, mas perceber o universo social como algo submetido a um processo contínuo de
formação e reorganização.
Ao falar-se de memória e história, cabe uma observação sobre a relação entre esses dois
campos, que se entrelaçam, mas se distinguem. No dizer de Robert Frank6 (1992 apud Freire
e Pereira (2002):
4
LEVY-STRAUSS, C. Antropologia estructural. 5a ed. Madrid: Siglo XX, 1986.
5
NORA, Pierre. Entre memória e História: a problemática dos lugares. Projeto História, n.10, São Paulo:
PUC-SP, p.13, 1993.
6
FRANK, Robert. La Mémoire et l’Histoire. Cahiers de IHTP, n.21, Paris, p.66-67, nov.1992.
32
Exilar a memória no passado é deixar de entendê-la como força motriz do presente. Sem
memória, não há presente humano, nem tampouco futuro. A memória gira em torno de um
dado básico do fenômeno humano, a mudança. Se não houver memória, a mudança será fator
de alienação e desagregação, pois inexistiria uma plataforma de referência (ROUSSO, 2005).
De acordo com Azevedo (2002), o turismo implica a busca por diferenças traçadas pela
cultura e pelo patrimônio, ao representar um dos veículos mais importantes de divulgação
cultural. O Turismo reafirma a cultura e as singularidades de patrimônios de localidades.
“Turismo tem na cultura e no patrimônio dois esteios insubstituíveis que lhe permitem
usufruir o encontro de singularidades” (AZEVEDO, 2002, p.134).
Os valores criados pelo homem, a cultura, o patrimônio e a identidade dos povos representam
nitidamente os elementos diferenciais para a prática da atividade turística, gerada pela busca
de conhecer hábitos, costumes, manifestações culturais, edificações históricas, etc. O turismo
pode contribuir para o desenvolvimento endógeno, como realçado por Azevedo e Irving
(2002), através da utilização do patrimônio local como bem de alto valor econômico; como
estímulo às comunidades em termos de auto-estima e como possibilidade de geração de renda
e oportunidades.
7
FRANK, Robert. La Mémoire et l’Histoire. Cahiers de IHTP, n.21, Paris, p.66-67, nov.1992.
33
A Carta de Quito recomendou que projetos de valorização do patrimônio fizessem parte dos
planos para desenvolver a nação e fossem realizados juntamente com o equipamento turístico
das regiões envolvidas, aliando interesses privados e o respaldo da opinião pública para seu
desenvolvimento (RODRIGUES, 2003).
O Turismo lida com um universo muito mais rico que atividades de lazer e tornou-se claro,
sobretudo, que o desenvolvimento local não pode prescindir da dimensão cultural
(AZEVEDO, 2002). Porém, o acesso e o uso do patrimônio precisam estar agregados ao
cuidado e à sua utilização de forma correta. Barretto (2000) explica que uma das advertências
da convenção do Patrimônio Mundial da UNESCO, em 1972, foi relativa à sua destruição e à
ameaça decorrente tanto de fatores naturais quanto por mudanças nas condições econômicas e
sociais, dentre as quais estaria o Turismo.
Cultura é um insumo turístico importante, mas é aquela cultura viva, praticada pela
comunidade em seu cotidiano. Não é um espetáculo, que inicia quando o ônibus dos
visitantes chega, mas uma atividade que a comunidade exerce rotineiramente.
Quando os visitantes chegarem, eles serão bem vindos e convidados a juntos dançar,
cantar, saborear o pão, aplaudir o artista. (GASTAL, 2001, p.129).
Rodrigues (2003) concorda, dizendo que a preservação do patrimônio cultural garante que as
sociedades tenham mais oportunidades de perceberem a si próprias, auxiliando o
conhecimento do passado. Os remanescentes materiais de cultura são testemunhos de
34
De acordo com Teles8 (2001 apud Portuguez, 2004), a implantação de ações em benefício da
cultura e da conservação dos objetos de interesse histórico e do patrimônio artístico teve
início no Brasil em 1934. Mas foi em 1970, com a assinatura do Compromisso de Brasília, e
com a assinatura do Compromisso de Salvador, em 1971, que os municípios brasileiros
possuidores de bens materiais e imateriais da cultura brasileira começaram a legislar sobre a
conservação de seus patrimônios. Para Rhoden9 (2001 apud Portuguez, 2004, p.9), “esse foi
um passo importante dado pelas esferas locais, uma vez que só o poder federal tinha criado
mecanismos legais até então”.
Preservar significa proteger, resguardar, evitar que alguma coisa seja atingida por
alguma outra que lhe possa ocasionar dano. Conservar significa manter, guardar para
que haja uma permanência no tempo. Desde que guardar é diferente de resguardar,
preservar o patrimônio implica mantê-lo intocado, ao passo que conservar implica
integrá-lo no dinamismo do processo cultural (BARRETTO, 2000, p.15).
8
TELES, R. M. S. Patrimônio Cultural. Em: GONÇALVES, A; BOFF, C. Turismo e Cultura: A História e os
Atrativos Regionais. Santo Ângelo, Venâncio Aires, p.41-44, 2001.
9
RHODEN, L.F. Patrimônio Histórico com Potencialidade para o Turismo. In: GONÇALVES, A. B.; BOFF, C.
Turismo e Cultura: A História e os Atrativos Regionais. Santo Ângelo, Venâncio Aires, 2001.
35
Rhoden apud Portuguez (2004) defende que a chave para o sucesso turístico de localidades
dotadas de acervos relevantes é a construção consciente de uma ponte entre a preservação e o
uso sustentável de seus recursos. Estendendo a análise, Barretto (2000) explica que na maior
parte dos países da Europa tem havido uma enorme valorização dos museus e do patrimônio
histórico como atrativo para o Turismo, fato este que pode beneficiar as comunidades e
também garantir a continuidade no tempo dos patrimônios revitalizados e utilizados para o
fomento da atividade turística.
O legado cultural constitui um atrativo turístico que, se bem trabalhado, pode atrair um
público diferenciado. E trabalhar a tradição como atrativo ajuda a recuperar a memória e a
identidade locais, “o que, na atualidade, constitui um imperativo para manter um equilíbrio
saudável entre a manutenção da cultura local e a incorporação dos avanços positivos da
cultura global” (BARRETTO, 2000, p. 75).
36
A partir da década de 1980, após o período da ditadura, algumas políticas foram implantadas
para o setor cultural, através das denominadas leis de incentivo, como foi a Lei nº 7.505 de 20
de junho de 1986 - Lei Sarney - criada pelo presidente José Sarney e substituída em 23 de
dezembro de 1991 pela Lei nº 8 313 - Lei Rouanet - elaborada pelo diplomata e cientista
político Sérgio Paulo Rouanet, secretário de Cultura da Presidência (1991/1992) no Governo
Fernando Collor (ROSA; ODDONE, 2006).
A Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313) foi concebida para incentivar
investimentos culturais. Ela pode ser utilizada por empresas e pessoas físicas que almejam
financiar projetos culturais.
A Lei instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), que é formado por três
mecanismos: o Fundo Nacional de Cultura (FNC), o Mecenato, e o Fundo de Investimento
Cultural e Artístico (Ficart).
A Lei Federal nº 8.313 permite que projetos aprovados pela Comissão Nacional de Incentivo
à Cultura (CNIC) recebam patrocínios e doações de empresas e pessoas que poderão abater,
ainda que parcialmente, os pagamentos concedidos ao Imposto de Renda correspondente (IR).
Os projetos têm que ser de natureza cultural, destinados a desenvolver as formas de
expressão, os modos de criar e fazer, os processos de preservação e conservação do
patrimônio cultural brasileiro, os estudos e métodos de interpretação da realidade cultural,
além de contribuir para disponibilizar meios que permitam o conhecimento dos bens e valores
artísticos e culturais, compreendendo, segundo Ministério da Cultura (2007), os seguintes
segmentos:
IV- Música;
VIII- Humanidades; e
Podem candidatar-se aos benefícios da Lei pessoas físicas, empresas e instituições com ou
sem fins lucrativos, com foco cultural, e entidades públicas da administração indireta, tais
como fundações, autarquias e institutos, com a prerrogativa de serem de personalidade
jurídica própria e natureza cultural. Essa Lei foi elaborada para democratizar o acesso da
38
população aos bens culturais, através de contrapartidas sociais que os projetos aprovados
devem apresentar, como ingressos a preços populares ou entradas gratuitas em espetáculo,
distribuição de livros para bibliotecas, exposições de artes abertas ao público, entre outros.
Outra filosofia dessa Lei é a destinação do máximo de recursos possíveis para a atividade-fim,
ou seja, o produto cultural (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2007).
I- No caso de pessoas físicas, oitenta por cento das doações e sessenta por cento dos
patrocínios;
II- No caso das pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, quarenta por cento das
doações e trinta por cento dos patrocínios.
A Lei deixa claro que as empresas também poderão incluir o valor total das doações e dos
patrocínios na despesa operacional, reduzindo, assim, o lucro real da empresa no exercício, o
que diminui o valor do imposto a ser pago (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2007).
O valor total a ser descontado do imposto não pode ultrapassar 4% (quatro por cento) do valor
total devido no caso das pessoas jurídicas e 6% (seis por cento) no caso das pessoas físicas.
Além das vantagens tributárias, o patrocinador poderá, dependendo do projeto que apoiar,
obter retorno em produtos (livros, discos, etc.) para utilização como brinde ou para obtenção
de mídia espontânea. O recebimento de produto artístico está limitado a 25% do total
produzido e deve ser destinado à distribuição gratuita (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2007).
39
Somente em 1830, já com inovações técnicas, foi aberta ao tráfego a linha Manchester –
Liverpool que representou de fato o primeiro serviço regular ferroviário do mundo, com
horários fixos de partida e chegada, transportando cargas e passageiros. Dessa forma, a
ferrovia permitiu aproximar os lugares, reduzindo o tempo de deslocamento, mudando
costumes e facilitando a comunicação (MORAIS, 2002).
George Stephenson, em associação com seu filho, Robert Stephenson, fundou a primeira
fábrica de locomotivas do mundo. Dessa forma, “ele foi considerado o inventor da
locomotiva a vapor e construtor da primeira estrada de ferro” (DNIT. FERROVIÁRIO,
2007, p.1).
La Torre (2002) acrescenta que as ferrovias difundiram-se da Inglaterra para todo o continente
europeu de forma vertiginosa. Por volta de 1870, a espinha dorsal da atual rede ferroviária da
40
Europa já havia sido construída. As linhas principais e auxiliares adicionais foram construídas
durante o final do séc. XIX e princípio do séc. XX (LA TORRE, 2002).
Nos Estados Unidos a ferrovia teve início em 1829 e evoluiu rapidamente, tendo este país
ultrapassado a Inglaterra em extensão de vias férreas construídas até 1833, com 1.200
quilômetros contra os 360 quilômetros daquele país (LA TORRE). Morais (2002) relata que
na América Latina a ferrovia pioneira foi construída em Cuba, em 1837, surgindo em 1851 no
Chile e no Peru, e, no Brasil, em 1854 (MORAIS, 2002).
Com o advento das ferrovias, as portas do mundo ao comércio e à colonização foram abertas.
Após a construção de ferrovias, em meados do séc. XIX, o oeste norte-americano, a Argentina
e o Brasil experimentaram uma fase de acelerado desenvolvimento (LA TORRE, 2002).
O trem teve um significado especial na vida do homem do início da era moderna. A criação
do sistema de transporte ferroviário foi, reconhecidamente, um dos maiores determinantes
para o desfecho da Revolução Industrial, pois possibilitou o transporte rápido e
economicamente viável dos produtos industrializados e das matérias-primas necessárias para
sua fabricação (DNIT. FERROVIÁRIO, 2007).
Não tardou muito para que o Brasil reconhecesse as questões relacionadas à invenção da
locomotiva e à construção de estradas de ferro. As primeiras iniciativas nacionais de
construção de ferrovias datam de 1828, quando o Governo Imperial autorizou a implantação
das mesmas por Carta de Lei. O objetivo era interligar várias regiões do Brasil (DNIT.
FERROVIÁRIO, 2007).
Faz-se importante ressaltar que, antes da chegada das ferrovias em solo brasileiro, o transporte
terrestre de mercadorias era realizado por tração animal (burros). De acordo com o
Departamento Nacional de Infra-estrutura e Transporte (2007, p.1):
41
Naquela época, os portos fluminenses de Parati e Angra dos Reis exportavam cerca
de 100 mil sacas de café, provenientes do Vale do Paraíba. Em São Paulo,
anualmente, chegavam ao Porto de Santos cerca de 200 mil bestas carregadas com
café e outros produtos agrícolas (DNIT. FERROVIÁRIO, 2007, p.1).
O Governo Imperial promulgou a Lei n.º 641, em 26 de julho de 1852, na qual prometia
vantagens, como isenções e garantia de juros sobre o valor investido, às empresas brasileiras
ou estrangeiras que se interessassem em construir e explorar ferrovias em qualquer parte do
Brasil (DNIT. FERROVIÁRIO, 2007).
No dia 01 de maio de 1854, a ferrovia foi aberta ao tráfego para transporte de cargas e
passageiros, em conexão com a barca a vapor “Guarani”, que vinha da Prainha, Praça Mauá,
até o ponto inicial da linha, a Estação de Guia de Pacobaíba. A estrada de ferro construída
ficou conhecida como Estrada de Ferro Petrópolis ou Estrada de Ferro Mauá e a primeira
locomotiva foi intitulada de “Baroneza”. O trecho férreo percorria a distância de 14,5km em
bitola de 1,68m (PRESERFE, 2004).
De acordo com Morais (2002), é possível dimensionar o forte efeito que o advento da ferrovia
exerceu na vida e no desenvolvimento dos brasileiros. Com a sistematização dos transportes e
das comunicações, a economia progrediu e o avanço ferroviário pelo interior provocou um
desenvolvimento socioeconômico jamais experimentado (MORAIS, 2002).
É nas estradas ferro que vamos encontrar um dos mais significativos investimentos
britânicos. Eram quase todas incorporadas na Inglaterra, onde se levantava o capital,
comprava-se todo o material para construção e se trazia o pessoal técnico para
operá-la (GRAHAM10 apud TENÓRIO, 1979, p.33).
A Estrada de Ferro Central do Brasil apresenta-se como uma referência importante na história
ferroviária brasileira, por ligar entre si os três principais estados do Brasil: Rio de Janeiro,
10
GRAHAM, J.D. (1960, p. 63)
43
Minas Gerais e São Paulo. Tal interligação possibilitou um forte movimento de pessoas e
cargas, e foi muito importante no transporte das jazidas de minério de ferro de Minas Gerais
(DNIT. FERROVIÁRIO, 2007).
Em 1877 foi concluída a ligação do Rio de Janeiro a São Paulo pela junção das ferrovias
Paulista (Estrada de Ferro São Paulo) e D. Pedro II (Estrada de Ferro D. Pedro II). Até o final
do século XIX, outras concessões foram outorgadas, com destaque para as seguintes:
Companhia Mogiana, em 03/05/1875; Companhia Sorocaba, em 10/07/1875; Central do
Brasil, em 02/02/1876; Santo Amaro, em 02/12/1880; Paranaguá a Curitiba, em 19/12/1883;
Porto Alegre a Nova Hamburgo, em 14/04/1884; Dona Tereza Cristina (Santa Catarina), em
04/09/1884, e Corcovado (Rio de Janeiro), em 09/10/1884 (DNIT. FERROVIÁRIO, 2007).
Fato relevante no governo de Getúlio Vargas, no final da década de 1930, foi o início do
processo de reorganização das estradas de ferro com aplicação de investimentos, e também
com a rescisão de contrato com empresas estrangeiras e nacionais que se encontravam frágeis
financeiramente. Dessa maneira, várias ferrovias foram incorporadas ao patrimônio da União,
cuja administração ficou a cargo da Inspetoria Federal de Estradas – IFE, órgão do Ministério
da Viação e Obras Públicas, responsável pela gestão do transporte ferroviário e rodoviário
brasileiro (DNIT. FERROVIÁRIO, 2007).
A Rede Ferroviária Federal S.A. foi criada em 16 de março de 1957, a partir da Lei nº 3.115,
que unificou as 42 ferrovias existentes, gerando um sistema regional composto por 18
estradas de ferro, que totalizavam 37.000 quilômetros de linhas distribuídas pelo país (DNIT.
FERROVIÁRIO, 2007). O objetivo principal da Rede era atender e gerir os interesses da
União no setor ferroviário, além de administrar e melhorar o tráfego das estradas de ferro
(INVENTARIANÇA DA EXTINTA RFFSA, 2007). “O transporte ferroviário na década de
1940, devido à grande concorrência gerada pelo transporte rodoviário, o que forçou o
Governo Federal a repensar as ferrovias do país, uma vez que a maioria já era administrada
pelo governo” (MORAIS, 2002, p. 53).
Entre 1940 e 1960, verificou-se certa estagnação e até mesmo o declínio das ferrovias,
chegando muitas delas a serem desativadas. Tal fato ocorreu devido à expansão das rodovias
em conseqüência do uso de novas fontes energéticas (petróleo, por exemplo) (SOARES,
2007). Recorre-se a Morais (2002) que ilustra alguns dos fatores que iniciaram a
impopularidade das ferrovias, a saber:
Com diversos ramais deficitários a Rede Ferroviária Federal S.A. inicia, na década de 1960,
um programa de erradicação de ramais antieconômicos. E é nessa fase, como relata Morais
(2002), “que o transporte de passageiros começa a ser suprimido dando-se maior ênfase ao
transporte de cargas” (MORAIS, 2002, p. 15).
No ano de 1969, as linhas férreas que integravam a Rede Ferroviária Federal S.A. foram
reunidas em quatro sistemas regionais: Sistema Regional Nordeste, com sede em Recife;
Sistema Regional Centro, com sede no Rio de Janeiro; Sistema Regional Centro-Sul, com
sede em São Paulo; e Sistema Regional Sul, com sede em Porto Alegre (INVENTARIANÇA
DA EXTINTA RFFSA, 2007).
De acordo com Veiga e Guimarães (2008), outros entraves marcaram o desenvolvimento das
ferrovias em solo brasileiro, como as diferentes bitolas das linhas (distância entre os trilhos).
As primeiras linhas de trem do país utilizaram a chamada “bitola larga”, que media 1600mm e
seguia o modelo inglês. Durante a expansão, alguns trechos foram construídos com bitola
estreita, de 1000mm, por uma questão de economia. Essa diferença entre bitolas impediu a
ligação direta das linhas de trem, o que auxiliou o desestímulo do investimento em ferrovias
(VEIGA; GUIMARÃES, 2008).
Com a edição da Lei n.º 8.031/90 e suas alterações posteriores, foi estabelecido o Programa
Nacional de Desestatização – PND, e a Rede Ferroviária Federal S.A. foi inserida no
programa em 10/03/92, por meio do Decreto n.º 473. Nesse processo o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES foi o gestor responsável e, nos termos do
Decreto n.º 1.024/94, elaborou as maneiras e as obrigações gerais para concessão das linhas
férreas da RFFSA (DNIT. FERROVIÁRIO, 2007). A privatização das ferrovias brasileiras
deixou marcas que são relatadas por Morais (2002):
O processo de desestatização da Rede Ferroviária Federal S.A. teve como base a Lei n.º
8.987/95 - Lei das Concessões, que definiu as condições e os direitos dos envolvidos, além da
forma de manutenção econômica e financeira (DNIT. FERROVIÁRIO, 2007).
Segue abaixo a tabela 1 com a divisão das linhas pertencentes à Rede Ferroviária Federal S.A.
por várias empresas e a cronologia dos fatos:
47
TABELA 1
A desestatização das malhas da Rede Ferroviária Federal S.A
A Rede Ferroviária Federal S.A. foi dissolvida de acordo com o estabelecido no Decreto nº.
3.277, de 07 de dezembro de 1999, alterado pelo Decreto nº. 4.109, de 30 de janeiro de 2002,
pelo Decreto nº. 4.839, de 12 de setembro de 2003, e pelo Decreto nº. 5.103, de 11 de junho
de 2004. A extinção da Rede Ferroviária S.A. ocorreu mediante a Medida Provisória nº. 353,
de 22 de janeiro de 2007, estabelecida pelo decreto nº. 6.018 de 22/01/2007, sancionado pela
Lei nº. 11.483 (DNIT. FERROVIÁRIO, 2007).
A partir da transferência das operações férreas para a iniciativa privada ocorreu uma
reestruturação do setor ferroviário com a celebração de concessões iniciada na década de 90,
em especial para o transporte de cargas.
Muitos fragmentos das ferrovias brasileiras se perderam com o tempo e estações foram
abandonadas. No entanto, parte desse legado foi direcionada para preservação e encontra-se
48
Novos projetos com a finalidade de reconstrução das ferrovias, tanto para transporte de cargas
como de passageiros, podem ser identificados no âmbito nacional e estadual. Em maio de
2003 foi criado o Plano Nacional de Revitalização das Ferrovias Brasileiras (PRF), com
objetivo de promover a integração das ferrovias, incrementar a oferta e a qualidade dos
serviços e reconstituir os corredores operacionais de transporte ferroviário para atender às
exportações e à demanda interna (ANTT, 2007a). O Plano é composto por quatro programas:
1) Programa de Integração e Adequação Operacional das Ferrovias; 2) Programa de
Ampliação da Capacidade dos Corredores de Transportes; 3) Programa de Expansão e
Modernização da Malha Ferroviária; 4) Programa de Resgate do Transporte Ferroviário de
Passageiros (MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, 2007).
O Programa Trens de Minas abrange 153 municípios nas regiões do Triângulo Mineiro, Rio
Doce, Campo das Vertentes, Zona da Mata, Sul e Norte mineiros. Cidades como Congonhas,
Itabira, Santa Bárbara, Divinópolis, São João Del Rei, Ribeirão Vermelho, Cordisburgo,
51
Governador Valadares, Além Paraíba, Chiador, Passa Quatro, Visconde do Rio Branco, Santo
Antônio do Monte, Araguari e outras foram contempladas (SETOP, 2007).
• Definição das áreas de influência econômica dos trens de passageiros pela Fundação
João Pinheiro;
• Estudos preliminares, estudos de viabilidade técnica e econômica, e projetos
executivos para implantação de trens de passageiros - com a Secretaria de Política
Nacional de Transportes / Ministério dos Transportes / Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social;
• Resgate da memória e preservação do patrimônio histórico e cultural das ferrovias em
Minas Gerais - Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado de
Minas Gerais – IEPHA (MG);
• Consultoria Ferroviária.
No ano de 1986, a Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) criou o Setor de Preservação do
Patrimônio Histórico Ferroviário, o PRESERFE, ligado à Superintendência de Patrimônio e
mais tarde transformado em Gerência. Com base nas diretrizes do programa (Programa de
Preservação do Patrimônio Histórico) inicial, o PRESERFE ficou responsável pela orientação
e manutenção dos trabalhos de preservação e restauração da RFFSA (PRESERFE, 2004).
De acordo com PRESERFE (2004, p.4), “a história do Brasil no final do século passado e no
início deste século está diretamente ligada ao advento da ferrovia e preservar este patrimônio
é de extrema importância”. Por isso o PRESERFE criou, em 1991, o Manual de Preservação
de Edificações Ferroviárias Antigas, com informações básicas sobre a preservação e a
restauração de edifícios antigos destinado a orientar os responsáveis por esses bens
(PRESERFE, 2004). “A conscientização destes profissionais, com relação ao cuidado a ser
dispensado aos prédios ferroviários antigos, é de fundamental importância, pois deles
dependem a aceitação e cumprimento das orientações estabelecidas neste manual”
(PRESERFE, 2004, p.4).
Esse manual foi relançado em 2004, em decorrência dos 150 anos de ferrovia no Brasil. O
intento foi realizado pelo Ministério dos Transportes – Secretaria de Política Nacional de
Transportes em parceria com o Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia –
53
CONFEA. O conteúdo inclui regras gerais que possibilitam a elaboração de projetos nos
âmbitos de restauração, reforma, adaptação e conservação de construções ferroviárias com o
foco na preservação das características originais. Dessa forma, o Manual de Preservação de
Edificações Ferroviárias Antigas do PRESERFE descreve que:
Outras ações realizadas pela Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF, 2007):
- Inspeção da Linha entre César de Souza e Sabaúna (São Paulo) em maio de 2002;
- Realização da exposição 150 Anos da Ferrovia no Brasil - Projeto ANPF (São Paulo);
- Instalação em 2003 de cerca de 50 faixas de aviso ao público sobre a volta dos trens e
sobre o cuidado nas passagens de nível no percurso entre César de Souza até São
Silvestre. Essas faixas faziam parte do Programa de Educação e Conscientização
Ferroviária - PECOF, proposto pela ANPF;
- Realização de diversos eventos em Sabaúna e em Jacareí, no Estado de São Paulo.
Com sede no Rio de Janeiro a entidade apoiou e realizou em parceria com o Movimento de
Preservação Ferroviária eventos ligados à revitalização do acervo ferroviário regional e
nacional. A associação é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP e
no biênio de 2006 a 2008 está sendo presidida por Sávio Neves e vice-presidida por Adonai
Aires Filho (ABOTTC, 2005).
Ferroviário de São João del-Rei, Museu do Trem do Recife, Museu Ferroviário de Curitiba,
Museu do Trem do Rio de Janeiro, Centro de Preservação da História Ferroviária de São
Paulo, Museu do Imigrante – SP, Museu do Trem de São Leopoldo, Museu Ferroviário da
Estrada de Ferro Leopoldina, Museu Ferroviário de Miguel Pereira, Museu Ferroviário
Regional de Bauru, Museu Vale do Rio Doce, Museu Ferroviário de João Neiva, Museu da
Companhia Paulista de Estradas de Ferro, Museu da Estrada de Ferro Sorocaba (MEMÓRIA
DO TREM, 2007).
Alguns acervos arquivísticos possuem materiais sobre as ferrovias, como: Arquivo Histórico
do Museu da Inconfidência (AHMI – Ouro Preto-MG), Cúria Metropolitana da Arquidiocese
de Mariana (ACMAM – Mariana-MG), Arquivo Público Moreira Sales (AIMS – Rio de
Janeiro-RJ), Arquivo Nacional (AN – Rio de Janeiro-RJ), Sede da Extinta Rede Ferroviária
Federal S.A. (RFFSA – Rio de Janeiro-RJ) e Arquivo do Itamaraty (AI – Rio de Janeiro-RJ),
além de diversas coleções particulares em diversas partes do país.
A interpretação do patrimônio histórico ferroviário está presente em parte dos trens turísticos
brasileiros, associando a história ferroviária ao passeio. Outros buscam as tradições
folclóricas, musicais ou gastronômicas para valorizar e enriquecer o trajeto turístico. São
57
2- Trem Estrada Real (SP): O trem parte da Estação Ferroviária de Paraíba do Sul e
percorre 14 quilômetros em direção a Cavaru. Passa por vários bairros e recantos
rurais onde há a venda de produtos artesanais, cerâmicas, doces e orquidário. Os
principais atrativos são: a Ponte Giratória, a Ponte Dr. Leopoldo Leite (construção
inglesa de 1895) e, na Estação de Cavaru, a rotunda (ABOTTC, 2005);
4- Trem dos Imigrantes (SP): O trem percorre três quilômetros partindo da Estação
Memorial dos Imigrantes. O trajeto passa no Memorial do Imigrante, na Hospedaria
do Imigrante e nos bairros da Mooca e do Brás (conhecidos na cidade de São Paulo
por abrigarem imigrantes). Durante o percurso é possível conhecer um pouco mais da
história da cidade de São Paulo (ABOTTC, 2005);
58
8- Trem da Serra do Mar (SC): Partindo da Estação Ferroviária de Rio Negrinho, sede do
Museu Dinâmico da Maria Fumaça (com acervo diversificado e peças relacionadas à
história ferroviária no Brasil), o percurso de 42 quilômetros tem como destino a
Estação Ferroviária de Rio Natal (colônia polonesa no interior de São Bento do Sul).
O atrativo principal do passeio é a paisagem da Serra do Mar, representante da Mata
Atlântica. Na chegada os passageiros são recepcionados com um almoço de pratos
típicos poloneses e apresentações de grupos folclóricos (ABOTTC, 2005);
9- Trem do Forró (PE): Com partida da cidade de Recife e destino ao Cabo de Santo
Agostinho, as saídas ocorrem em dias variados do mês de junho, nas comemorações
das festas juninas. O atrativo - e diferencial - do passeio é que em todos os vagões se
11
Teleférico – espécie de ascensor suspenso de cabos e que, de um monte a outro, ou de um monte a um ponto
mais baixo, transporta mercadorias ou passageiros. Fonte: MELHORAMENTOS.
59
10- Maria Fumaça SESC Mineiro Grussaí (RJ): O percurso total é de 10 quilômetros
saindo da Estação Bom Despacho SESC Mineiro Grussaí na cidade de São João da
Barra e retornando à mesma. O passeio é animado com apresentação de show musical
nas estações (ABOTTC, 2005);
11- Trem do Corcovado (RJ): É considerado o passeio turístico mais antigo do país,
percorrendo a centenária Estrada de Ferro do Corcovado. A partida ocorre no bairro
Cosme Velho com destino ao Alto do Morro Corcovado, em um total de quatro
quilômetros. Os principais atrativos são a Floresta da Tijuca, o Monumento Cristo
Redentor, o Hotel Paineiras e a Estação Cosme Velho, tombada pelo IPHAN
(ABOTTC, 2005);
12- Estrada de Ferro Oeste de Minas (MG): A locomotiva liga as cidades de São João del-
Rei e Tiradentes em um percurso de 13 quilômetros. Desde sua inauguração, em 1881,
a locomotiva não parou de funcionar. Como opção de turismo a mesma começou a
operar a partir 1982. Uma das principais atrações é a rotunda12 na cidade de Tiradentes
e o Museu Ferroviário em São João del-Rei (ABOTTC, 2005);
13- Trem da Serra da Mantiqueira (MG/SP): com partida de Passa Quatro com destino a
Coronel Fulgêncio, a locomotiva a vapor é de 1925 e estava abandonada desde o início
da década de 90, tendo sido recuperada pela Associação Brasileira de Preservação
Ferroviária (ABPF), tornando-se uma opção de lazer para moradores e visitantes. A
viagem é conhecida como Trem da Serra e percorre a distância de 12 quilômetros. Os
principais atrativos são a Estação de Passa Quatro, o Túnel Coronel Fulgêncio,
atrativos musicais e a gastronomia mineira (ABOTTC, 2005);
14- Trem das Águas (MG): O trem parte de São Lourenço com destino a Soledade de
Minas, em um percurso de 10 quilômetros de extensão. Na Estação de São Lourenço
12
“Mecanismo pelo qual a locomotiva inverte sua posição na linha férrea, e, com uma curta manobra, engata-
se novamente aos vagões para regressar a São João del-Rei” (PELLEGRINI, 1993, p.112)
60
ocorrem shows musicais antes do embarque. Durante o percurso são servidos cachaça
e queijo de Minas (ABOTTC, 2005);
15- Trem Vitória-Minas (MG / ES): O trem Vitória-Minas é o único que opera viagens
diárias de passageiros no Brasil. A partida é da Estação Central de Belo Horizonte
com destino a Vitória-ES. O percurso é de 664 quilômetros e a atração principal é a
paisagem (VALE, 2007b);
16- Trem Ouro Preto / Mariana (MG) CVRD: A recente inauguração desse passeio
ocorreu em maio de 2006. O percurso estende-se por 18 quilômetros e tem quatro
estações no trajeto, saindo de Ouro Preto com destino a Mariana. As estações das duas
cidades possuem opções de lazer e cultura e a viagem dura cerca de uma hora (VALE,
2007b);
17- Serra Verde Express (PR): A partida é da Estação Rodoferroviária em Curitiba com
destino a Paranaguá, em uma distância de 110 quilômetros. Durante o percurso os
guias turísticos contam a história local. O trajeto passa por pontes e túneis, além de
diversas paisagens durante todo o passeio (SERRA VERDE EXPRESS, 2008);
18- Great Brazil Express (PR): Primeiro trem de luxo do Brasil, foi inaugurado em
fevereiro de 2008 na cidade de Morretes - Paraná. O trajeto férreo liga as cidades de
Ponta Grossa e Cascavel, passando por Irati e Guarapuava em um total de 500km de
extensão. A capacidade do trem é de vinte e dois passageiros que podem desfrutar de
poltronas de couro, música ambiente, televisão e bar, além de apreciarem a paisagem
típica paranaense de florestas de araucária e plantações de soja. O empreendimento é
uma parceria da Serra Verde Express, empresa do Paraná, com a Transnico
Internacional, empresa belga e uma das principais operadoras de turismo ferroviário
na Europa (GREAT BRAZIL EXPRESS, 2008);
19- Trem Rubi (SC): O trem sai de Tubarão, Santa Catarina com destino a Siderópolis,
passando pelas cidades de Imbituba, Urussanga e Criciuma, em um percurso de
120km de extensão. Na cidade de Tubarão há um Museu Ferroviário. O diferencial
desse trajeto é o fato de o trem esperar pelos passageiros que optam por ir à praia em
Imbituba. E também durante as festas da Etnia, da Uva e do Vinho (que acontecem em
61
Para a realização desta pesquisa foi feita a opção pela abordagem qualitativa com a finalidade
exploratória, ou seja, visando a proporcionar maior familiaridade com o problema com vistas
a torná-lo explícito. Para isso houve a realização de procedimentos técnicos como consulta
bibliográfica, pesquisa documental, realização de entrevistas e elaboração de três estudos de
casos.
De acordo com Young13 (1960, apud Gil, 1994, p. 59), o estudo de caso pode ser definido
como:
As vantagens do estudo de caso são o estímulo a descobertas novas, devido ao seu caráter
flexível que possibilita novos direcionamentos no decorrer da pesquisa; a ênfase na
diversidade de dimensões de um problema; e a simplicidade, em comparação a outros estudos,
dos procedimentos de coleta e análise dos dados da pesquisa. Como limitações citam-se a
13
YOUNG, P. Métodos Científicos de investigación social. México: Instituto de Investigaciones Sociales de La
Universidad Del México, 1960.
63
Os casos selecionados e estudados foram: o trem que liga as cidades de Ouro Preto a Mariana,
chamado Trem da Vale; o trem de São João Del-Rei à cidade de Tiradentes e o trem que liga
as cidades de Belo Horizonte - MG e Vitória - ES, intitulada Estrada de Ferro Vitória a Minas
(EFVM). Esses trechos se apresentam, nos dois primeiros casos supracitados, como
estratégias de valorização do patrimônio histórico-ferroviário exclusivamente, tratando-se o
terceiro de um trajeto apropriado pelo turismo de maneira espontânea.
Optou-se por realizar a coleta de dados em etapas para evolutivamente entender a realidade
dos empreendimentos ferroviários em Minas Gerais. As informações obtidas a partir da
pesquisa documental aprofundada permitiram conhecer a história, os dados e fatos
importantes que geraram uma avaliação prévia dos estudos de caso supracitados e do
patrimônio histórico ferroviário de Minas Gerais.
Alguns museus da extinta Rede Ferroviária Federal S.A. implantados pela Gerência de
Preservação do Patrimônio Histórico Ferroviário (PRESERFE) encontram-se fechados e
outros foram extintos, bem como as bibliotecas regionais da extinta Rede Ferroviária Federal
S.A. Tal fato dificulta e restringe o acesso aos documentos e às informações dessas
instituições.
64
O uso da internet para acessar sites de organizações, associações e instituições foi de grande
importância, pois parte significativa da informação sobre o ferroviarismo brasileiro encontra-
se disponível em formato eletrônico.
14
Secretaria de Política Nacional de Transportes – Departamento de Relações Institucionais
65
Ainda em São João Del-Rei foi realizado um tour pelo conjunto ferroviário com a narração de
uma funcionária da Estação de São João Del-Rei. Nesse trajeto foi possível compreender o
maquinário, os artefatos e as peças relativas ao patrimônio ferroviário local e nacional.
Para a análise dos dados foram confeccionados quadros que comparam os empreendimentos
ferroviários entre si, a partir das dimensões de análises supracitadas. Utilizaram-se também os
princípios básicos da interpretação patrimonial elaborados por Freeman Tilden (1957) e
expandidos por Stela Maris Murta e Brian Goodey (2002) para verificar a implantação dos
mesmos nos trechos ferroviários.
A Ferrovia Centro Atlântica (FCA) é uma concessionária de transporte ferroviário que iniciou
suas atividades em 01 de setembro de 1996, após o processo de desestatização da malha
centro-leste da Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) e originou-se da fusão de três
Superintendências (FERROVIA CENTRO ATLÂNTICA, 2008):
• SR2, com sede em Belo Horizonte, originária da Viação Férrea Centro-Oeste e parte
da Estrada de Ferro Central do Brasil;
• SR7, com sede em Salvador e originária da antiga Viação Férrea Federal Leste
Brasileiro.
A malha centro-leste abrange sete estados, a saber: Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de
Janeiro, Sergipe, Goiás, Bahia, São Paulo e Distrito Federal.
A primeira etapa de transição RFFSA/FCA foi crucial para as transformações nos âmbitos
operacional, gerencial e de recursos humanos, delineando os primeiros moldes da concessão
da nova ferrovia. Inicialmente voltada para a operação ferroviária de cargas, a FCA passou a
desenvolver logística focada, principalmente, em granéis como a soja, derivados de petróleo e
álcool combustível (FERROVIA CENTRO ATLÂNTICA, 2008).
A partir de agosto de 1999, a Vale (Companhia Vale do Rio Doce) passou a ser líder do grupo
de controle da Ferrovia Centro Atlântica, com grande representatividade no processo de
gestão e recuperação da empresa (FERROVIA CENTRO ATLÂNTICA, 2008).
Em 2001, a Vale iniciou uma série de investimentos voltados para aumentar a oferta de
transportes, a segurança operacional, a manutenção do material rodante e cursos de formação
– atualização da equipe técnica (FERROVIA CENTRO ATLÂNTICA, 2008).
Faz-se importante destacar o Trem Expresso que iniciou suas operações em 2001 e prestava
serviço multimodal rodoferroviário. O trem funcionava diariamente e atendia os clientes
buscando a carga “porta a porta” com serviços diários e horários predefinidos.
68
No ano de 2001, a Vale assumiu o controle acionário da FCA (99,9%) com a autorização da
Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Desde que assumiu a operação da malha Centro-Leste, a FCA tem colocado em prática um
plano de investimentos em recuperação da via permanente (linha férrea), aquisição e
recuperação de locomotivas e vagões, melhorias tecnológicas e de segurança, meio ambiente
e qualificação profissional. De 1997 até 2005, a empresa investiu mais de R$2 bilhões
(FERROVIA CENTRO ATLÂNTICA, 2007).
A Ferrovia Centro Atlântica representa o principal eixo de conexão entre as regiões Nordeste,
Sudeste e Centro-Leste. Sua frota atual é composta por mais de 10.000 (dez mil) vagões e
cerca de 480 (quatrocentos e oitenta) locomotivas, todas monitoradas via satélite (GPS).
Segundo o gerente de trens turísticos da Ferrovia Centro Atlântica, Marcos Teixeira, os
investimentos iniciais disponibilizados pela Vale para desenvolvimento e manutenção dos
trechos da FCA já foram retornados, sendo que a concessionária possui autonomia quanto aos
seus custos (FERROVIA CENTRO ATLÂNTICA, 2008).
Marcos Teixeira afirmou que a Ferrovia Centro Atlântica representa um completo sistema
logístico de transporte, pois está interligada com as principais ferrovias brasileiras e possui
parcerias com outros modais, o que lhe possibilita conectar-se com os maiores centros
consumidores do Brasil e do MERCOSUL.
A Companhia Vale do Rio Doce foi criada pelo governo brasileiro em 1942 e foi privatizada
no ano de 1997. Intitulada de Vale em 2007, a mineradora atua nos cinco continentes. A
empresa possui um histórico de exploração do minério de ferro e, nos últimos anos, se
desenvolveu e ampliou seus negócios para a mineração diversificada como alumínio, cobre e
zinco, o minério de ferro permanecendo como “carro chefe”. A empresa também tem
negócios em energia e logística que auxiliam no processo da ‘atividade fim’ que é a
mineração. A empresa produz em torno de 20% (vinte por cento) da energia de que ela
necessita para funcionamento e tem no trabalho de logística o aparato necessário para o
transporte e distribuição do minério das minas, via linha férrea, até os portos (VALE, 2008a).
A partir do mapa (FIGURA 1) de autoria de Girardi e Rosa (2005), realizou-se uma marcação
dos trechos ferroviários, a saber: em de cor-de-rosa, o trajeto férreo entre as cidades de Ouro
Preto a Mariana; na cor marrom claro, está o percurso ferroviário de São João Del-Rei a
Tiradentes; e na cor azul está realçada a ferrovia que liga as cidades de Belo Horizonte e
Vitória – EFVM (como mostra a legenda na parte de baixo do mapa). Abaixo estão
relacionados dados sobre cada cidade integrante dos três trechos ferroviários abordados neste
estudo.
71
A cidade mineira de São João Del-Rei está localizada na região do Campo das Vertentes, com
as seguintes coordenadas geográficas: Latitude S. 21°08’00” e Longitude W. 44°15’40”
(IBGE, 2007b).
A denominação original da cidade era Arraial Novo do Rio das Mortes e foi o paulista
Lourenço Costa que descobriu ouro no Ribeirão de São Francisco Xavier no ano de 1704. Em
1713, a localidade situada às margens do Rio das Mortes prosperou e foi elevada a vila
ganhando o nome São João Del Rei em homenagem ao rei de Portugal, Dom João V. Ao
contrário de outras localidades, São João Del-Rei conseguiu sobreviver ao declínio do ciclo
da mineração através da agricultura, da pecuária e do comércio (PREFEITURA DE SÃO
JOÃO DEL REI, 2008).
A população atual de São João Del-Rei, segundo o IBGE (2007a), é de 81.918 pessoas em
uma área total de 1464km².
Tiradentes está localizada na região do Campo das Vertentes, Minas Gerais, é uma pequena
cidade com menos de seis mil habitantes e sua economia é baseada na atividade turística com
capacidade de hospedagem de até oito mil leitos em pousadas e hotéis. O título de vila foi
concedido em 1718, ano em que passou a se chamar São José, em homenagem ao príncipe de
Portugal. O nome atual se deve ao mártir da Inconfidência, Joaquim José da Silva Xavier, o
Tiradentes, nascido nos arredores da cidade (PREFEITURA DE TIRADENTES, 2008).
Ouro Preto localiza-se na região do Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais e possui uma área
territorial de 1.245km², com 67.048 habitantes (IBGE, 2007a). O ponto mais alto da região é
o Pico do Itacolomi, com 1.722m. A economia local é baseada na mineração, na metalurgia,
no comércio e no turismo (PREFEITURA DE OURO PRETO, 2008).
A cidade é considerada Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO desde 1980, por
reunir um dos conjuntos mais importantes do barroco mineiro. Fundada em 24 de junho de
72
1698, pelo bandeirante Antônio Dias de Oliveira e pelo Padre João de Faria Fialho, foi
elevada a vila em 08 de julho de 1711. No ano de 1789, eclodiu o movimento libertário que
propunha a autonomia para a colônia – a chamada Inconfidência Mineira. Em 1823, o
Imperador D.Pedro I, elevou Vila Rica à condição de cidade, com o título de Imperial Cidade
de Ouro Preto. Capital da província durante o Império, Ouro Preto tornou-se capital do Estado
de Minas Gerais em 1889, com a chegada da república (PREFEITURA DE OURO PRETO,
2008).
A cidade de Belo Horizonte foi planejada para ser a capital do Estado de Minas Gerais, em
substituição a Ouro Preto, e sua fundação é datada de 1897. Ela se ergue onde havia o
povoado de Curral del-Rey, e do antigo arraial restou quase que exclusivamente a Matriz de
Nossa Senhora da Boa Viagem, ponto central do povoado, e a edificação que abriga hoje o
Museu Abílio Barreto, local que foi originalmente sede da fazenda do Córrego do Leitão,
construída pelo curralense José Cândido Lúcio da Silveira, por volta de 1883 (IBGE, 2008b).
Vitória é uma das capitais mais antigas do Brasil. A história da cidade remete ao
descobrimento do Brasil, pois, quando os portugueses desembarcaram de suas caravelas na
capitania do Espírito Santo, em 1535, em busca de local seguro, encontraram bem junto ao
litoral uma ilha, uma grande extensão de terra entre o mar e o manguezal, protegida por
maciço rochoso e cercado de densa vegetação. Nessa fortaleza natural, resistiram a todos os
ataques. E, para louvar suas conquistas, no dia 08 de setembro de 1551, deram à ilha protetora
– que os nativos chamavam de Guaananira, ou ilha do mel – o nome de Vitória
(PREFEITURA DE VITÓRIA, 2008).
A capital do Estado do Espírito Santo é reconhecida por suas tradições, como os pescadores e
as paneleiras, juntamente com o conjunto de edificações e monumentos do Centro Histórico,
passando por igrejas e conventos seculares. Atualmente sua população é de 314.042
habitantes (IBGE, 2007a).
Em 30 de abril de 1873 foi firmado o primeiro contrato que concedeu privilégio por cinqüenta
anos à empresa de que eram concessionários os bacharéis José Rezende Teixeira Guimarães e
Luiz Augusto de Oliveira, para o estabelecimento de uma estrada de ferro de bitola estreita
74
que, partindo da Estrada de Ferro D.Pedro II, nas vertentes do Rio das Mortes, se dirigisse a
um ponto navegável do Rio Grande e, seguindo a oeste, fosse ter divisas com a província
(VAZ, 1922).
Vaz (1922) explica que a lei nº 2.398, de 05 de novembro de 1877, entretanto, limitou a
referida concessão e liberou somente a construção da primeira seção, até a cidade de São João
Del-Rei.
Depois de alguns estudos ficou definido o entroncamento, na estação de Sítio (atual cidade de
Antônio Carlos - MG), com a Estrada de Ferro D. Pedro II. Atendendo às condições da área e
devido a razões econômicas, ficou deliberada a bitola de 0,76 m (VAZ, 1922).
Em 1881, terminou a construção de todo o trecho e a estrada de ferro foi prolongada até São
João Del-Rei. A companhia contava com o seguinte equipamento: quatro locomotivas, quatro
carros (hoje chamados de vagões) de 1ª classe, quatro carros de 2ª classe, um carro de luxo,
dois carros de bagagens, dois carros de animais, quinze vagões fechados, dez abertos e um
carro guindaste (VAZ, 1922).
Múcio Jansen Vaz (1922), autor do trabalho descritivo “Estrada de Ferro Oeste de Minas”,
relatou que a inauguração de toda a linha ocorreu em 28 de agosto de 1881 e contou com
quatro estações: Sítio (atual Antônio Carlos), Barroso, São José Del-Rei (atual Tiradentes),
São João Del-Rei e dois postos telegráficos (Ilhéos e Capão Redondo). A celebração teve a
presença de seu idealizador, o imperador D. Pedro II. A bitola de 0,76 cm ligou as estações de
Sítio (atual cidade de Antônio Carlos - MG) a Barroso – MG.
Em 1887 a linha férrea chegou a Aureliano Mourão e a partir dessa cidade o trecho bifurcava,
sendo que uma linha chegava a Lavras e a outra, considerada a principal, seguia sentido norte
até Barra do Paraopeba (VAZ, 1922).
Na segunda metade do século XX, a erradicação do trecho de bitola de 0,76 cm foi feita em
pedaços, tendo sido o primeiro em 1960 (Pompeu - Barra) e o último, em 1984 (Antônio
Carlos - Aureliano Mourão). Restou o trecho entre São João Del-Rei e Tiradentes, que até o
momento está em atividade com finalidade turística (ESTAÇÕES FERROVIÁRIAS DE
MINAS, 2008).
O trecho ferroviário de 12km de extensão que interliga as cidades mineiras de São João Del-
Rei e Tiradentes está em funcionamento desde sua inauguração no ano de 1881. O passeio é
realizado na antiga Estrada de Ferro Oeste de Minas – EFOM, ligando as estações construídas
no século XIX (FERROVIA CENTRO ATLÂNTICA, 2007).
76
Em 2001 a Ferrovia Centro Atlântica foi solicitada a operar o percurso ferroviário visando a
disciplinar e regularizar o trecho que era gerido desde 1996, com a privatização, por uma
associação de proteção ao patrimônio (FERROVIA CENTRO ATLÂNTICA, 2007).
Após três anos, em 2004 houve a regularização dessa operação através da assinatura do termo
de permissão de uso do trecho ferroviário pela FCA, que até o momento operava
informalmente e sem garantia de continuidade. Dessa forma, o trecho São João Del-Rei a
Tiradentes não faz parte dos trechos de concessão da FCA, sendo objeto de um contrato
específico para operação, com prazo indefinido.
Foram necessários três anos de trabalho para restauração e recuperação de todo o conjunto
ferroviário. As obras de restauração foram executadas com a coordenação da Gerência de
Preservação do Patrimônio Histórico – PRESERFE, e orientação do “Manual de Preservação
de Edificações Ferroviárias Antigas” elaborado pela mesma (FCA, 2007).
As placas informativas a respeito das peças e do mobiliário no interior do museu e dos demais
maquinários e carros expostos na estação são feitas de papel, algumas desgastadas e ilegíveis.
Algumas peças não possuem sinalização e as paredes do museu estão descascando e possuem
infiltrações.
Para a Ferrovia Centro Atlântica (2007), o Museu Ferroviário constitui-se de duas partes: uma
estática, que abriga os artefatos, e a outra dinâmica, composta pela linha férrea de bitola
estreita, paisagem e locomotivas. As locomotivas “Baldwins” e sua composição foram
fabricadas na Filadélfia (EUA), no final do século XIX. Elas percorrem um trajeto de 12km
de extensão, construído há mais de 100 anos, passando por paisagens históricas com o Rio das
Mortes (palco da Guerra dos Emboabas entre 1707 e 1709) e margeando a Serra de São José,
área de preservação ambiental e legado natural da região.
79
Do outro lado, dentro da estação, na plataforma oposta, ficam expostos os carros e vagões não
mais utilizados. Cita-se o “Carro Pagador e Chefe de Trem” que era utilizado em todas as
estradas de ferro, até ser adotado o pagamento bancário atual. Para segurança do transporte, o
chefe de trem viajava no mesmo carro, mas em compartimento separado. Era formado um
trem especial, composto de uma locomotiva e o(s) carro(s) pagador(es) com uma segurança
ampliada. Este se denominava “Trem Pagador”.
Outro carro de destaque em exposição é o “Carro da Administração 0-151” que era utilizado
para servir à administração da Rede Mineira de Viação nos trechos de bitola estreita.
Composto por quatro cabines, dois sanitários e uma varanda fechada, era requisitado para
viagens noturnas e de percurso extenso.
Além das locomotivas e dos artefatos expostos no museu, é oferecida ao visitante uma visita
guiada ao prédio da rotunda, também chamado de “coliseu” (FIGURA 4). O prédio é
caracterizado pela arquitetura circular, com um vão sobre a plataforma giratória no centro da
construção. A parte interna da rotunda abriga uma coleção histórica de locomotivas
15
Trecho do painel original da locomotiva.
80
“Baldwins” de bitola 0,76m, além de carros e vagões que representam fragmentos da história
ferroviária.
FIGURA 4: Interior do prédio da rotunda na Estação Ferroviária de São João Del Rei
Fonte: própria
No passado, boa parte do prédio foi destruída por um incêndio, restando apenas suas paredes
circulares. O prédio da rotunda foi completamente recuperado e restaurado pela Ferrovia
Centro Atlântica, com apoio e parceria de empresas públicas e privadas.
A rotunda possui 25 linhas concêntricas que eram utilizadas para estacionar as locomotivas.
Atualmente uma das principais atrações em seu interior é o carro fúnebre, que desperta a
curiosidade do visitante, pois cumpria uma importante missão nas ferrovias quando ainda não
existiam as estradas e rodovias. Outra atração da rotunda é a explicação pelo guia do
complexo ferroviário sobre o funcionamento da máquina a vapor, que é feita em frente a uma
locomotiva cortada longitudinalmente e onde está localizada, também, uma placa com
informações técnicas.
Segundo o gerente de trens turísticos da FCA, Marcos Teixeira, a empresa considera o trecho
São João Del-Rei – Tiradentes um ativo de relacionamento social, a partir da conservação e
preservação do patrimônio histórico e cultural. Por isso, é de grande importância o cuidado no
atendimento aos turistas e à comunidade, além do apoio e incentivo a eventos culturais e
turísticos no complexo.
Dessa maneira, a Ferrovia Centro Atlântica mantém um relacionamento estreito com órgãos
turísticos da localidade visando a parcerias e projetos em comum. A Secretária de Turismo e
Cultura da cidade, Lúcia Bortolo, explicou que a FCA cede ingressos para alguns grupos que
vão conhecer a cidade e estes realizam apresentações na plataforma da estação, tanto em São
João Del-Rei como em Tiradentes, como, por exemplo, alguns corais.
Também de acordo com a Secretária de Turismo e Cultura, outra parceria que será firmada é a
instalação do ‘Museu do Sino’ no complexo ferroviário. Ainda sem data prevista o espaço
será contemplado com mais esse patrimônio local, que é a tradição da entoação dos sinos.
Uma ação da Ferrovia Centro Atlântica em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, a Prefeitura Municipal de São João Del-Rei e a Universidade Federal de
São João Del-Rei foi o evento cultural intitulado “1º Festival de Literatura de São João Del-
Rei”, realizado em dezembro de 2007 nos galpões da rotunda do Complexo Ferroviário de
São João Del-Rei.
O festival levou escritores renomados para a cidade e buscou reafirmar a tradição literária na
cidade e, paralelamente, incentivar a apropriação do patrimônio edificado ferroviário por parte
dos moradores e visitantes.
Segundo José Henriques, a partir do momento em que a Ferrovia Centro Atlântica começou a
operar o trecho São João Del-Rei a Tiradentes, muitas melhorias aconteceram e o passeio
ganhou maior credibilidade e funcionalidade turística. Anteriormente à administração do trem
pela Ferrovia Centro Atlântica, as pessoas que o utilizavam costumavam depredá-lo:
[...] o preço da passagem era irrisório, era o valor de uma passagem de ônibus;
Então, as pessoas se embebedavam no trem, acendiam fogareiros, cortavam as
poltronas de couro com navalha... Até que o valor da passagem foi multiplicado por
dez. No início a população não entendeu, eles demoraram a enxergar que em
qualquer país do mundo os equipamentos turísticos possuem um preço diferenciado,
para manter o bem e também um padrão de comportamento nessas áreas [...].
83
Para José Henriques, a comunidade local aprova e fica feliz com a recuperação do trecho e do
patrimônio ferroviário pela Ferrovia Centro Atlântica. A única queixa é quanto ao valor
cobrado pelas passagens. Porém, em baixa temporada as passagens são disponibilizadas pela
metade do preço, o que permite atender todos os interessados.
A Ferrovia Centro Atlântica iniciou em 2007 uma feira de artesanato aos domingos em frente
ao Complexo Ferroviário de São João Del-Rei, no coreto da praça, o que vem fomentando as
artes e a cultura da cidade já que há apresentações de bandas musicais e exposição das
barracas com produtos locais. Assim, para os são-joanenses, o Complexo Ferroviário de São
Del-Rei representa um dos principais ícones da cidade, sendo parte ativa da história local.
A estação ferroviária de Tiradentes abriga, além de uma loja de artesanato, a rotunda manual e
a plataforma de embarque e desembarque que vira ponto de encontro para os turistas que
aguardam a virada da locomotiva na rotunda manual (FIGURA 5). Poucos painéis instruem o
visitante e/ou turista com informações referentes aos horários de partida e chegada e também
um pouco da história da referida estação.
84
Recorre-se a Morais (2002) para relatar as origens do trecho ferroviário que liga as cidades
mineiras de Ouro Preto e Mariana.
Em 1853, por decisão do governo, foi assinado em Londres o contrato para a construção da
Estrada de Ferro D. Pedro II. Somente em 1855 iniciou-se a organização da companhia no Rio
de Janeiro, quando a linha férrea já possuía estatuto. Benévolo (1953) ressalta que a Estrada
de Ferro D. Pedro II, juntamente com a Estrada de Ferro Mauá e a Estrada de Ferro
Cantagalo, foram as três companhias construídas com capital nacional, já que o predomínio na
época era de empresas estrangeiras, principalmente inglesas, na implantação de ferrovias
(BENÉVOLO, 1953, p.166).
O primeiro presidente da companhia, Christiano Benedicto Ottoni, foi nomeado por D. Pedro
II para ser o responsável pela implantação da ferrovia e o mesmo a presidiu até 1865, quando
foi apropriada pelo Governo Imperial (BENÉVOLO, 1953).
Recorre-se a Pessoa Junior16 (1886 apud Morais, 2002, p.21) para relatar o seguinte fato:
A partir de 1890, o percalço da baldeação foi resolvido com o alargamento do trecho paulista
(Estrada de Ferro São Paulo - Rio de Janeiro) quando o mesmo foi incorporado à Estrada de
Ferro Central do Brasil. No mesmo ano (1890) a linha mineira da estrada chegou a Juiz de
Fora - MG (TREM DA VALE, 2006).
A linha do centro da Estrada de Ferro Central do Brasil era considerada a principal de todo o
seu trajeto e seu objetivo era interligar a capital do império a Belém do Pará, atravessando a
província de Minas Gerais até o Rio São Francisco, em Pirapora – MG (VALE, 2008c).
Ao longo da linha do centro da Estrada de Ferro Central do Brasil, em Minas Gerais, diversos
ramais foram edificados visando a ligá-la a outras ferrovias e também a atender a demandas
comerciais. Dentre os ramais da Estrada de Ferro Central do Brasil estava o ramal de Ponte
Nova - MG. Esse ramal partia da estação de Miguel Burnier até Ouro Preto. Porém, o
prolongamento da linha até Ponte Nova só foi concluído entre 1914 e 1926. Nesse ponto a
Estrada de Ferro Central do Brasil ligava-se a duas linhas da Estrada de Ferro Leopoldina: a
Três Rios / Caratinga MG e o ramal de Dom Silvério (VALE, 2008c).
O ramal de Ouro Preto, como era conhecido o trecho entre Ouro Preto e Mariana no século
XIX – antes de seu prolongamento até Ponte Nova – MG –, partia do entroncamento da linha
do centro da Estrada de Ferro Central do Brasil, na estação de Miguel Burnier - MG. O
16
PESSOA JUNIOR, Cyro Diocleciano Ribeiro. Estudo Descritivo das Estradas de Ferro do Brasil. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1886.
17
Sítio é a atual cidade de Antônio Carlos -MG
87
percurso foi construído para permitir a ligação da capital da província de Minas Gerais, Ouro
Preto, à capital do Império, Rio de Janeiro. A circulação no ramal de Ouro Preto foi aberta
provisoriamente em 01 de janeiro de 1888, quando foram franqueadas ao público as estações
de Ouro Preto e Rodrigo Silva. O trecho tinha 42,385km de extensão e, a partir da abertura do
mesmo, a Estrada de Ferro Central Brasil passou a ter um total de 828,467km de linha
trafegável (TREM DA VALE, 2006).
O percurso entre Miguel Burnier e Ouro Preto representa a parte mais antiga do ramal de
Ponte Nova. A estação de Miguel Burnier foi inaugurada em 16 de julho de 1887 e a estação
de Ouro Preto em 01 de janeiro de 1888 (TREM DA VALE, 2006).
Figueira (1908) relata a dificuldade na consolidação das obras do ramal de Ouro Preto, pois
foi necessário vencer as dificuldades geográficas da região, principalmente entre Tripuí e
Ouro Preto. A mesma publicação também faz referência à altitude no ponto culminante do
trecho com cota de 1.362,400m acima do nível do mar (FIGUEIRA, 1908).
Após a década de 1960, a Rede Ferroviária Federal transferiu vários ramais da antiga Estrada
de Ferro Central do Brasil, dentre eles o de Ponte Nova, para a administração da
Superintendência de Produção Campos – SP3, que operava a antiga malha da Estrada de Ferro
Leopoldina (VASCONCELOS, 1935).
De acordo com Morais (2002), o ramal de Ponte Nova manteve-se operacional até a década
de 1980 e, em 1985, foi criado um trem turístico, entre Ouro Preto e Mariana, que funcionou
por pouco tempo. Durante o funcionamento do trajeto para o turismo as estações de Ouro
88
Com a inclusão do trecho na malha centro-leste no processo de privatização, esse percurso foi
arrendado pela Ferrovia Centro Atlântica - FCA. Ainda no processo de privatização, em
meados de 1990, o trecho deixou de ser utilizado, e em alguns pontos teve os trilhos retirados
(MORAIS, 2002).
O projeto Trem da Vale recuperou o trecho ferroviário de 18km de extensão que liga as
cidades mineiras de Ouro Preto e Mariana, com objetivo de restaurar e revitalizar as estações
e o percurso ferroviário com finalidade turístico-cultural.
O Trem da Vale é uma iniciativa da Vale e da Ferrovia Centro Atlântica (FCA) planejada e
executada pela Santa Rosa Bureau Cultural, produtora cultural, com o apoio da Lei Federal de
Incentivo à Cultura - Lei Rouanet, das prefeituras de Mariana e Ouro Preto, dos Ministérios
do Turismo e da Cultura, da Universidade Federal de Ouro Preto e da Associação Brasileira
de Preservação Ferroviária.
Marcos Teixeira, gerente de trens turísticos da Ferrovia Centro Atlântica, explica como o
projeto Trem da Vale se estrutura:
[...] A FCA integra o trecho como operadora, pois o mesmo está sob sua concessão;
a empresa Vale está diretamente ligada à cidade de Mariana devido às minas que ela
possui na região, e foi a responsável por disponibilizar capital para a recuperação da
linha e restauração das estações (Estação de Ouro Preto, Estação Vitorino Dias,
Estação Passagem de Mariana e Estação de Mariana). A Fundação Vale do Rio
Doce entrou na gestão com o incentivo através da Lei Federal Rouanet- nº. 8.313/91
e a Santa Rosa Bureau Cultural foi contratada pela fundação para fazer a gestão
operacional no dia-a-dia do projeto [...].
89
A manutenção do projeto se faz pela Lei de Incentivo à Cultura (Lei Federal Rouanet - nº.
8.313/1991), através da qual projetos aprovados pela Comissão Nacional de Incentivo à
Cultura (CNIC) podem receber patrocínios e doações de empresas e pessoas, que poderão
abater, ainda que parcialmente, do Imposto de Renda devido (Lei Federal Rouanet- nº.
8.313/91 – Ministério da Cultura).
O proponente do projeto Trem da Vale é a Fundação Vale e a Santa Rosa Bureau Cultural
entra com a expertise para os contatos e relacionamento com o Ministério da Cultura, além da
prestação de contas necessária. O projeto é vinculado e dependente de aprovação, a cada dois
anos, pela Lei Federal de Incentivo à Cultura – Lei Rouanet nº 8.313/91.
O projeto pretende gerar novas posturas que visem a atitudes preservacionistas por parte de
moradores e visitantes, além de promover o desenvolvimento da produção cultural. “Nessa
perspectiva, a preservação deixa de ser imposta e passa a fazer parte do comportamento da
comunidade, disseminando o respeito e a responsabilidade, individual e coletiva, em relação a
seu patrimônio cultural e natural” (FUNDAÇÃO VALE, 2006, p.17).
No livro de apresentação do Trem da Vale (FUNDAÇÃO VALE, 2006, p. 15), são apontados
alguns objetivos que nortearam a equipe de profissionais envolvidos no projeto, a saber:
- O Programa Vale Preservar dirigido ao 2° ciclo do ensino fundamental (5ª a 8ª séries) das
escolas públicas de Ouro Preto e Mariana. O programa propõe envolver a população local
com seus recursos naturais e suas manifestações culturais e artísticas. São realizados trabalhos
interdisciplinares, conforme orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais. A primeira
ação implantada pelo programa Vale Preservar formou um total de 77 participantes.
Alternando conceituação, reflexão e prática, foram elaborados dossiês de preservação que
incluíram: seleção de legados culturais e naturais, coleta de documentação, pesquisa oral,
registro fotográfico e videográfico, além da produção de 77 Diários de Viagens, registros das
experiências dos participantes durante as oficinas;
91
- Outro programa implantado pelo Trem da Vale é o Vale Conhecer, que apóia programas e
projetos elaborados pelas comunidades de Ouro Preto e Mariana que visem à valorização e à
proteção do patrimônio cultural e natural dessas cidades. Segundo Luciana Lamounier,
produtora cultural do projeto: “[...] O Programa Vale Conhecer firma parcerias com
instituições públicas e privadas visando que iniciativas de valorização, preservação e
conservação do patrimônio local tenham condições de se realizar e terem continuidade [...]”.
• Vídeo de Educação Patrimonial: produção de vídeo que enfoca conceitos relativos aos
bens patrimoniais, e também sua perspectiva de preservação, além de registrar as
práticas desenvolvidas nas oficinas do programa piloto do Vale Preservar, disponível
para escolas, bibliotecas e instituições culturais afins.
O programa produziu uma Caderneta de Campo e um Mapa Ambiental, que traz uma relação
dos bens naturais da região, o que, de acordo com a produtora cultural do Trem da Vale, irá
contribuir para a preservação e a difusão dos patrimônios e disseminará futuras ações como:
uma hora e dez minutos a uma velocidade média de 20km/h. Os vagões seguem o mesmo
estilo dos antigos trens e possuem seu interior em madeira.
A Estação de Ouro Preto (FIGURA 6) foi modelada para abrigar diversos espaços de
educação patrimonial, a saber:
- A área externa ao prédio abriga uma lona circense, concebida para abrigar atividades
culturais e educativas para as crianças e os jovens da região. A proposta do Trem da Vale é
que o “Circo da Estação” trabalhe valores referentes à cidadania e atenda à demanda por
espaços e oportunidades de cultura e lazer através do ensino das artes circenses e outras
práticas. A Fundação Vale propõe que tais atividades estimulem a desinibição e a criatividade,
complementando a formação dos alunos e abrindo “novas perspectivas e visões de mundo até
então desconhecidas ou mesmo inacessíveis” (FUNDAÇÃO VALE, 2006, p.55).
A pedagogia utilizada volta-se para o crescimento pessoal, social e cognitivo dos alunos,
como, por exemplo: “a superação de limites físicos, imposta pelo aprendizado das técnicas
circenses, pode ser aplicada ao cotidiano desses jovens, que conseguem incorporá-la à
94
supressão das dificuldades a que são constantemente expostos” (FUNDAÇÃO VALE, 2006,
p.55).
Dois vagões instalados ao lado da lona do “Circo da Estação” foram recuperados e utilizados
para sediar a administração e o vestiário do circo.
- No hall de entrada da Estação de Ouro Preto dois móveis com gavetas interativas relatam as
características e singularidades arquitetônicas das estações de Ouro Preto e de Mariana. À
esquerda do hall o visitante pode ouvir histórias sobre Mariana, de sua ocupação e da chegada
do trem através da utilização de monitores LCD e sound-tube, que proporciona a audição
exclusiva do relato. À direita o mesmo se verifica em relação à cidade de Ouro Preto.
- O “Espaço UFOP” (Espaço Universidade Federal de Ouro Preto) está localizado no lado
esquerdo da estação e é destinado à exposição de peças do Setor Ferroviário (provenientes do
Museu de Ciência e Técnica da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto -
UFOP), informações e objetos referentes às máquinas a vapor. Também motivou as antigas
práticas de ensino adotadas na Escola de Minas de Ouro Preto, vinculadas à ferrovia e à
mineração.
95
- A estação de Ouro Preto também abriga a “Sala de Histórias”, um espaço multiuso destinado
a depoimentos, registro da história oral e valorização da identidade regional. A sala é
equipada com televisor de plasma, aparelho de DVD, cadeiras, bancada e dois totens com
monitores LCD que transmitem depoimentos de pessoas que estiveram ligadas ao eixo
ferroviário de alguma forma. A fundação pretende utilizar o espaço para outras ações de
educação patrimonial.
- Outro vagão instalado, também na área externa, é o “Vagão Sonoro Ambiental” (FIGURA
7), composto por uma estrutura construída de sucatas variadas, que produzem sons diversos
que podem ser comandados pelos visitantes. Essa estrutura pode ser desmontada e
transportada para espaços públicos, permitindo seu acesso e utilização de outras formas, como
em apresentações musicais, aulas de musicalização e interações pedagógicas. Dentro do vagão
também há uma oficina de construção de instrumentos musicais, aberta à visitação.
96
A Estação de Mariana (FIGURA 8), também intitulada no projeto de “Estação Parque”, abriga
em seu prédio principal, do lado direito, uma biblioteca voltada para o público infanto-juvenil,
cujo acervo inclui 4.000 (quatro mil) livros, além de DVDs e periódicos. Uma sala multiuso
localizada do lado esquerdo do prédio é utilizada como suporte para os usuários da biblioteca
e para atividades previstas, como sessões comentadas de vídeos e filmes, encontros temáticos,
palestras e seminários.
Assim como na Estação de Ouro Preto, a área interna da Estação de Mariana é equipada com
monitores LCD de exibição que reproduzem depoimentos da história oral de pessoas da
região que estiveram ligadas ao desenvolvimento do trecho ferroviário. Um quiosque
multimídia projeta fatos e curiosidades sobre o percurso, além de relatar o patrimônio cultural
e ambiental de Mariana. Um televisor de plasma permite que a consulta seja compartilhada
com outros usuários.
97
De acordo com a Fundação Vale, a idéia da “Praça Lúdico Musical” advém da tradição da
cidade de Mariana como berço de grandes músicos e compositores, ainda no século XVIII. A
criação da praça envolveu a participação de crianças e educadores da Escola Estadual
Professor Santa Godoy, localizada na frente da Estação de Mariana. De acordo com a
Fundação, as crianças participaram de encontros e puderam dar sugestões para o projeto do
espaço. Os resultados desses encontros estão compilados em 400 (quatrocentos) desenhos e
textos realizados pelos estudantes e expostos em vedação em vidro temperado ao redor da
Praça Lúdico Musical (FUNDAÇÃO VALE, 2006). A Fundação Vale (2006) destaca a
importância da participação da comunidade escolar:
O “Vagão dos Sentidos” é destinado a projeções internas de imagens poéticas sobre a história
de Minas Gerais e a viagem de trem naquele trecho. O vagão possui cadeiras giratórias,
sistema de som, e as projeções são realizadas sobre as superfícies internas das janelas do
vagão. Os primeiros temas abordados foram o barroco e a mineração, trazendo referências
significativas do cotidiano das duas cidades históricas. O terceiro vagão é utilizado para
abrigar um café, e é denominado “Vagão Cafeteria”.
98
Uma área de convivência foi montada do lado de fora do prédio, em frente aos vagões. Esse
espaço é destinado a trocas intergeracionais sobre valores e memórias de pessoas de diferentes
idades.
Luciana Lamounier, produtora cultural do projeto, destaca que, além dos espaços e ações já
realizadas, serão fixados quiosques multimídia com informações sobre atrativos culturais das
cidades de Ouro Preto e Mariana, incentivando e convidando a comunidade e visitantes a
conhecerem os equipamentos do Trem da Vale.
Os estudos iniciais para a construção da EFVM datam de 1876, adotando-se como principal
diretriz de penetração o Vale do Rio Doce, seguindo desde a região próxima a Colatina até a
foz do Rio Santo Antônio, de onde partiria em direção a noroeste até a cidade de Diamantina
– MG. A empresa Companhia Estrada de Ferro Vitória-Minas foi fundada em julho de 1901
pelos engenheiros João Teixeira Soares e Pedro Nolasco Pereira da Cunha (ANTT, 2007b).
Em 1904 foi inaugurado o primeiro trecho de 29km da ferrovia a partir de Porto Velho, às
margens da baía de Vitória, com as estações de Cariacica e Alfredo Maia. Como o objetivo na
época era alcançar a cidade de Diamantina - MG, a ferrovia tinha a denominação inicial de
Estrada de Ferro Vitória - Diamantina (ANTT, 2007b).
de Ferro Central do Brasil – EFCB em 1920, vindo a ser erradicado pela Rede Ferroviária
Federal S.A. (RFFSA) na década de 1960 (ANTT, 2007b).
No ano de 1939 foi criada a Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia, tendo como
acionista principal o já citado Percival Farquhar, que incorporou em seu patrimônio a Estrada
de Ferro Vitória- Minas (Vale, 2008c).
A partir da eclosão da Segunda Guerra Mundial, houve o aumento na demanda por minério de
ferro pelos países aliados, o que levou os Estados Unidos a negociar com o governo brasileiro
a criação de uma nova empresa estatal destinada à exportação do minério. Dessa forma, foi
fundada a Companhia Vale do Rio Doce, em 01 de junho de 1942.
Como parte da Companhia Vale do Rio Doce – CVRD ‘a Estrada de Ferro Vitória –
Minas (EFVM)’ iniciou uma fase nova de desenvolvimento, com investimentos em
equipamentos, tanto nas instalações fixas como no material rodante e de tração. Em
outubro de 1943, a linha chegou a Itabira e possibilitou o carregamento direto do
minério nos trens próximos às minas. Foram também adquiridos vagões e novas
locomotivas Mikado, sendo construídas variantes para correção do traçado e o novo
cais de minério no morro de Atalaia, em frente à cidade de Vitória, concluído em
1943. Nos anos seguintes ao final da guerra o desenvolvimento continuou, com a
implantação da tração diesel e a ampliação das instalações de minério (AGÊNCIA
NACIONAL DE TRANSPORTE TERRESTRE, 2007b).
Na década de 1980, a Rede Ferroviária Federal começou a construir a nova linha férrea entre
Costa Lacerda e Belo Horizonte, destinada a aumentar a capacidade de escoamento dos
produtos do Triângulo Mineiro e de Goiás para o porto de Vitória, como parte do Corredor de
Transporte Centro-Leste (ANTT, 2007b).
Através de um acordo com a Rede Ferroviária Federal S.A., a Companhia Vale do Rio Doce
assumiu a tutela pelas obras ao final da década de 1980, incorporando todo o trecho até
Capitão Eduardo à Estrada de Ferro Vitória a Minas. Os trechos construídos permitiram o
acesso de todas as locomotivas da Estrada de Ferro Vitória a Minas à região de Belo
Horizonte. A duplicação da linha da ferrovia prosseguiu em direção a Costa Lacerda, sendo
concluída em 2000 (VALE, 2008c).
De acordo com dados da Vale (2008c), a obtenção da concessão da EFVM pela Ferrovia
Centro Atlântica em 1996 contribuiu para potencializar o fluxo de transporte, em especial o de
produtos agrícolas para exportação, originados do Corredor Centro-Leste.
Em 2001, a Ferrovia Centro Atlântica foi incorporada pela Companhia Vale do Rio Doce e o
escoamento de produção que a ferrovia realiza é considerado um dos mais rentáveis e
modernos do país, transportando 40% de toda a carga ferroviária nacional. Isso corresponde a
mais de 135 milhões de toneladas por ano, das quais, aproximadamente, 80% correspondem a
minério de ferro e os 20% restantes representam 60 (sessenta) tipos diferentes de produtos,
como, por exemplo, aço, carvão, calcário, granito, entre outros (VALE, 2008b).
18
MARCOS TEIXEIRA, Gerente de Trens Turísticos da Ferrovia Centro Atlântica.
102
1992- Foi inauguração da variante Capitão Eduardo a Costa Lacerda, com 46km de extensão,
que permite a integração da Estrada de Ferro Vitória-Minas à malha da Rede Ferroviária
Federal.
1994- O Trem de Passageiros, que antes ligava Vitória - ES a Itabira - MG, chega a Belo
Horizonte - MG.
1996- Inauguração do Centro de Controle Operacional (CCO), em Tubarão - ES.
1997- Em 01 de julho, o Governo Federal concede à Vale o direito a operar a Estrada de Ferro
Vitória-Minas por 30 anos, renováveis por mais 30 anos.
1998- Foi inaugurado em 15 de outubro o Museu Ferroviário da Vale, na antiga sede da
estação Pedro Nolasco, em Vila Velha – ES.
2000- Início do controle da Ferrovia Centro Atlântica pela Vale.
2001- Inauguração do Centro de Pesquisa e Treinamento Ferroviário, considerado o mais
moderno centro de formação de ferroviários no Brasil. Foi lançado o projeto Estação
Cidadania, programa de responsabilidade social que leva várias atividades a comunidades
carentes localizadas ao longo da ferrovia.
2004- Iniciado o curso de pós-graduação em Engenharia Ferroviária na PUC/MG, patrocinado
pela Vale. Foi implantado o projeto Cidadania nos Trilhos, sobre a segurança de todos que
vivem ao longo da ferrovia.
2005- Foi implantado o projeto Cultura nos Trilhos para incentivar novos artistas e a cultura
dos residentes ao longo da linha do trem. No mesmo ano o Plano de Controle e Segurança de
Transportes para Cargas Perigosas foi iniciado, com o mapeamento da fragilidade de
ecossistemas ao longo da faixa de domínio da ferrovia.
2006- Início do uso experimental de biodiesel em locomotivas.
O trecho ferroviário que liga as cidades de Belo Horizonte e Vitória mantém o trem de
passageiros e é o único com viagens diárias no Brasil. O percurso tem a duração de 13 (treze)
horas no total de 905 quilômetros de extensão, com vinte e oito paradas em vinte e seis
cidades. O horário de partida é às 7h30 e a troca de tripulação acontece na metade do
percurso, na cidade de Governador Valadares, leste de Minas Gerais. A linha possui dois
ramais, um para a descida do trem para o litoral e o outro no sentido ascendente, para a região
104
montanhosa de Minas Gerais. Ambos fazem conexão com os trens que atendem a cidade de
Itabira (VALE, 2008b).
A locomotiva que puxa os vagões é movida a energia elétrica produzida através de geradores
de alta potência de combustão de óleo diesel. O percurso de ida e volta de Vitória consome
4.500 litros de óleo diesel. Após a locomotiva, o comboio é composto do carro gerador de
energia, do carro comando, de três vagões restaurantes, de trinta e dois carros na classe
econômica e dez carros executivos. Nesses últimos, há sistema de ar condicionado e serviço
de bordo. Por ano a ferrovia transporta aproximadamente 1,2 milhões de pessoas, numa média
de três mil passageiros por dia (VALE, 2008c).
FIGURA 9: Prédio de acesso para embarque e desembarque do Trem Vitória – Minas na Estação
Ferroviária de Belo Horizonte (2008)
Fonte: própria
As passagens podem ser adquiridas diretamente nas estações do trem e podem ser compradas
até 30 dias antes da viagem. Cancelamento ou troca de passagem deve ser feito seis horas
antes da partida do trem. Crianças de até cinco anos não pagam passagem desde que não
ocupem assento reservado.
O gerente de trens turísticos da FCA, Marcos Teixeira, relatou que as comunidades que
residem ao longo da Estrada de Ferro Vitória-Minas são beneficiadas com projetos e ações
desenvolvidas pela Ferrovia Centro Atlântica, pela Vale e outras parcerias como entidades e
pessoas interessadas.
Uma das principais iniciativas do relacionamento da Ferrovia Centro Atlântica (FCA) foi o
programa “Cidadania nos Trilhos”, que teve como objetivo levar dicas de segurança para as
comunidades próximas à linha férrea.
Em cada município, a FCA buscou unir esforços com igrejas, órgãos públicos, ONGs,
fundações, associações e entidades de classe, oferecendo parceria em iniciativas já existentes
ou construindo propostas em conjunto.
Outra ação desenvolvida pela FCA foi o “Diálogo Social”, que se trata de um canal de
comunicação direto entre a empresa e a sociedade. Através do número 0800-285 7000 a
comunidade tem a oportunidade de encaminhar denúncias, sugestões, reclamações, elogios ou
esclarecimento de dúvidas. O serviço tem como objetivo estreitar a comunicação entre
empresa e população, melhorando o atendimento e solucionando possíveis problemas.
Para aproximar e informar as comunidades sobre as ferrovias e estações foi desenvolvido pela
Ferrovia Centro Atlântica o “Programa de Visitas”, implantado em 2005, que leva adultos,
jovens e crianças às oficinas e estações ferroviárias da empresa. De acordo com a FCA, o
objetivo da ação é mostrar o funcionamento da ferrovia às comunidades de cidades por onde
passa.
Como forma de colaborar com o meio ambiente, as operações das locomotivas passaram a
utilizar, desde maio de 2007, o B20 – mistura de 20% de biodiesel vegetal com 80% de diesel.
No período de maio a dezembro de 2007, mais de 224 mil toneladas de CO2 deixaram de ser
lançados na atmosfera. Os efluentes das oficinas são tratados em local apropriado e o mesmo
cuidado é estendido à manutenção da sua faixa de domínio ao longo da linha (VALE, 2008b).
107
Criado em 1998 o Museu Ferroviário da Vale, localizado em Vila Velha – ES, tem como
objetivo preservar a história das ferrovias e a influência das mesmas no desenvolvimento
territorial do Brasil. O museu fica na antiga Estação Pedro Nolasco, no bairro de Argolas,
Vila Velha. A estação foi construída em 1927, com o nome de Estação São Carlos. Passou a
se chamar Pedro Nolasco em 1935, em homenagem ao engenheiro responsável pela
construção da Estrada de Ferro Vitória a Minas. O prédio da antiga estação foi restaurado e
abriga há dez anos o Museu Ferroviário da Vale.
O Museu Ferroviário da Vale possui um acervo permanente que é composto por 133 itens,
entre peças e fotografias, que contam a história da Estrada de Ferro Vitória a Minas. O local
abriga uma sala exclusiva para a maquete de 34m² de área construída, que mostra todo o
trajeto ferroviário de Vitória a Minas e o processo de extração e transporte do minério. A
maquete foi construída especialmente para o Museu pela Associação Mineira de
Ferromodelismo, em escala 1:87 (HO), e mostra desde as minas de extração até o processo de
descarregamento dos vagões no porto de Tubarão, no Espírito Santo.
Outro item de grande relevância para a história é a locomotiva a vapor datada de 1945,
representação de uma das últimas Maria-Fumaça compradas pela empresa. Ela foi restaurada
e está exposta no pátio externo da estação junto a dois vagões de passageiros, feitos de
madeira, completamente restaurados, nos quais o visitante pode entrar e apreciar de perto.
O Museu Ferroviário da Vale possui o espaço denominado ‘Café do Museu’, um antigo vagão
de trem transformado em restaurante e lanchonete. O cardápio possui um menu mais
sofisticado durante a noite e pratos mais simples e baratos no almoço, no sistema de self-
service.
Para as pessoas que gostam de arte, o Museu Ferroviário é considerado um dos mais ricos e
dinâmicos do estado. Desde sua inauguração ele apresenta obras de artistas que fazem parte
da história da arte contemporânea nacional e internacional. As mostras são realizadas na ‘Sala
de Exposições Temporárias’, localizada no edifício-sede do Museu, e no ‘Galpão de
Exposições’, um antigo armazém de cargas adaptado para exposições de grande porte.
108
No campo educacional cita-se o projeto “Educação nos Trilhos”, realizado pela Fundação
Vale em parceria com o Canal Futura. Criado em 2000, é um projeto socioeducativo que
acontece nas estações e nos trens de passageiros da Vale. Utilizando a programação do Canal
Futura associada a ações de mobilização, o projeto visa a contribuir para a melhoria da
qualidade de vida dos usuários e das comunidades ao longo das ferrovias. De acordo com a
Vale (2008b), são beneficiadas cerca de 500 (quinhentas) mil pessoas que circulam pelas
Estradas de Ferro Carajás (PA e MA) e pela Estrada de Ferro Vitória-Minas.
No Teletrem, durante a viagem são transmitidos programas do Canal Futura. Uma faixa de
programação especial é produzida mensalmente e veiculada dentro dos trens. Os programas
são selecionados de acordo com pesquisas que ajudam a definir as necessidades e demandas
dos usuários do trem. Os programas abordam conteúdos curriculares de educação básica,
questões e serviços relacionados às áreas de saúde, trabalho, direitos do cidadão, ecologia e
patrimônio cultural, além de assuntos relacionados à realidade local.
Além dos programas de arquivo do Canal Futura, também são produzidos conteúdos
específicos, que vão desde interprogramas com dicas úteis aos passageiros, a partir do
cotidiano das viagens no trem, a documentários abordando aspectos culturais regionais. Esses
programas são gravados na região e têm como objetivo promover a identificação do público.
O Teletrem funciona diariamente, desde 2006, durante as viagens do trem de passageiros da
EFVM(FCA,2005).
O projeto “Educação nos Trilhos” é monitorado por pesquisas que ajudam a promover
melhorias no projeto e para criar novas ações e atividades nas Estações Conhecimento, além
de medir os resultados do projeto.
Através da Fundação Vale, a ferrovia Vitória a Minas desenvolve, desde 2007, o projeto
“Cinema nos Trilhos”. A iniciativa teve a parceria da Cinear Produções, e conta com
exibições de filmes nas regiões do trajeto da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM), o que,
de acordo com a Vale, estimula a cultura e a arte e representa mais uma opção de
entretenimento.
Antes de cada projeção, histórias da comunidade e de seus personagens são gravadas pela
equipe do “Cinema nos Trilhos”. As entrevistas oferecem a todas as pessoas a chance de falar
e opinar nas telas, como protagonistas de sua própria história. O vídeo é editado e exibido
antes da projeção do filme principal em 35 mm. Cerca de quarenta mil pessoas de trinta
comunidades foram beneficiadas pelo programa nesse período (VALE, 2008b).
111
QUADRO 1
Análise das características históricas dos empreendimentos ferroviários (Continua)
QUADRO 1
Análise das características históricas dos empreendimentos ferroviários (Conclusão)
ESTUDO DE
CASOS TREM DA VALE TREM DE SÃO ESTRADA DE
(OURO PRETO - JOÃO DEL-REI - FERRO
MG /MARIANA – TIRADENTES / VITÓRIA –
MG) MG MINAS / EFVM
(BELO
HORIZONTE -
MG / VITÓRIA -
ES)
Ano de criação da
ferrovia 1887 / 1888 1880 / 1881 1904
(Século XIX) (Século XIX) (Século XX)
Trecho ficou
desativado SIM NÃO NÃO
Ano de reativação
do trecho 2006 Não se aplica Não se aplica
Empresa
responsável pela Ferrovia Centro Ferrovia Centro Vale e Ferrovia
linha férrea Atlântica Atlântica Centro Atlântica
(concessão) (convidada) (concessão)
Fonte: dados da pesquisa
Percebe-se que os trechos ferroviários mais antigos, o do Complexo Ferroviário de São João
Del Rei e o do Trem da Vale, foram construídos no final do século XIX. Porém, somente o
trecho do Trem da Vale, entre Ouro Preto e Mariana, ficou fora de atividade por algum tempo.
Em 1985 o trecho ferroviário foi reativado com a finalidade turística e suas estações foram
restauradas. Na época, “no trajeto, em um dos pontos mais interessantes, foi criado o mirante
onde o trem fazia uma parada para que o público pudesse apreciar a belíssima vista”
(MORAIS, 2002, p. 20). Com a privatização, em meados da década de 1990, o percurso
ferroviário entre Ouro Preto e Mariana foi desativado novamente, e em alguns pontos teve os
trilhos retirados. A partir da implementação do projeto Trem da Vale em 2006, o trecho, que é
de concessão da Ferrovia Centro Atlântica, voltou a funcionar.
113
As entrevistas realizadas junto aos gerentes dos trens turísticos possibilitaram conhecer o
processo de desenvolvimento e gestão de cada deles. Cada caso possui uma estratégia
econômica que permite a sobrevivência e o crescimento dos empreendimentos.
QUADRO 2
Análise das formas de gerenciamento dos empreendimentos ferroviários. (Continua)
QUADRO 2
Análise das formas de gerenciamento dos empreendimentos ferroviários. (Conclusão)
Como demonstrado no quadro acima, os trechos ferroviários Vitória a Minas e São João Del
Rei a Tiradentes obtêm receita para se manterem, sendo auto-sustentáveis na perspectiva de
seus gestores.
Já a manutenção do Trem da Vale se faz através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, pela
qual os projetos aprovados podem captar recursos, patrocínios e doações de empresas e
pessoas. Os doadores ou patrocinadores que investem na cultura dessa forma podem deduzir
em seus pagamentos referentes ao Imposto sobre a Renda (IR) os valores efetivamente
contribuídos em favor de projetos culturais aprovados (Lei Federal Rouanet- nº. 8.313/91 –
Ministério da Cultura). O projeto Trem da Vale está vinculado e dependente de aprovação a
cada dois anos pela Lei de Incentivo à Cultura.
O Trem da Vale tem como proponente a Fundação Vale que também é responsável pelo
investimento destinado à recuperação da linha férrea e das estações, através da Ferrovia
Centro Atlântica. A Santa Rosa Bureau Cultural entra com a expertise para os contatos e
relacionamentos com o Ministério da Cultura, prestação de contas e responsabilidade pela
gestão do empreendimento.
Por ter entrado em funcionamento recentemente, o trecho ferroviário entre Ouro Preto e
Mariana apresentou um número modesto de passageiros no último ano (2007), como
demonstrado no Quadro 2. Isso se deve ao fato do pouco conhecimento sobre a reativação do
trecho.
O GRAF. 1 apresenta o fluxo de passageiros por mês e passageiros por ano do Trem da Vale.
116
14.000
12.000
10.000
8.000
nº pass
6.000
4.000
2.000
0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
2006 0 3.229 5.312 13.420 6.012 7.488 4.121 5.876 2.871
2007 5.574 3.306 4.121 5.962 3.675 5.790 9.055 5.878 7.793 6.551 6.225 4.907
2008 5.708 4.109 4.210 5.817 8.387 7.087 8.524
meses
Com os dados sobre o fluxo de passageiros no percurso férreo de São João Del Rei a
Tiradentes, cedidos pela Ferrovia Centro Atlântica, elaborou-se o GRAF. 2:
117
30.000
25.000
20.000
Nº pass 15.000
10.000
5.000
0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
2006 16.593 7.293 5.068 14.945 5.998 8.928 25.743 6.596 11.402 15.658 9.001 7.845
2007 11.278 6.495 4.351 11.923 6.232 11.832 21.891 7.372 12.097 14.867 10.876 9.301
2008 12.158 7.788 7.928 9.374 14.201 8.599 23.972
Meses
A ‘temporada de alta’ para o trecho pode ser considerada o mês de julho, com crescimento
significativo no fluxo de visitantes.
O trecho ferroviário de São João Del Rei a Tiradentes e o de Ouro Preto a Mariana possuem
uma média de turistas que é influenciada pela sazonalidade, pois ambos estão localizados em
cidades históricas que recebem um fluxo maior de visitantes nos períodos de férias e feriados.
Nessas cidades ainda é preciso considerar a diversidade de atrativos que o visitante encontra.
As quatro cidades abrigam patrimônio histórico cultural remanescente do Barroco Mineiro,
em grande parte tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –
IPHAN.
118
QUADRO 3
Análise das ações socioculturais desenvolvidas pelos empreendimentos ferroviários.
(Continua)
QUADRO 3
Análise das ações socioculturais desenvolvidas pelos empreendimentos ferroviários.
(Conclusão)
- Resgate do
“Circo da
Estação”
(Estação de Ouro
Preto)
- “Vagão Oficina
de Vídeo – Sala
de Histórias”
Principais beneficiados
Alunos da rede Moradores e Comunidades
pública de turistas situadas ao longo
ensino e da ferrovia;
moradores das benefício a dez
cidades de Ouro municípios de
Preto, Mariana e MG e ES
região, e turistas. (VALE, 2008).
Fonte: dados da pesquisa
120
Também como exemplo, em 2007 o Complexo Ferroviário de São João Del-Rei cedeu os
galpões da rotunda para a realização do 1° Festival de Literatura de São João Del-Rei, evento
patrocinado pela Cemig, pela Secretaria Estadual de Cultura e pelo SEBRAE (Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).
A reforma da ‘Estação de Chagas Dória’, em 2005, foi uma demanda social, principalmente
dos moradores do Bairro Matosinhos em São João Del-Rei. A reinauguração contou com a
presença de dezenas de moradores e autoridades. No entanto, depois da recuperação, o espaço
físico da estação não é utilizado, apesar de os moradores quererem aproveitá-la para fins
culturais, como relata o presidente da Associação de Moradores do Bairro Matosinhos:
[...] a estação deveria continuar exercendo sua utilidade social e cultural, envolvendo
o artesanato, as danças, festas, enfim, atividades que podem acontecer no espaço da
estação. Dessa forma, ela não fica disponibilizada para a depredação e desgaste [...]
José Cláudio Henriques, presidente da Associação de Moradores do Bairro
Matosinhos.
A gerência de trens turísticos da FCA informou que outras ações, outros projetos e parcerias
estão em processo e devem ser implantados até o final de 2008.
121
O caso Trem da Vale é diferente, pois o eixo do projeto é a valorização do patrimônio cultural
e natural das localidades históricas e da região.
Partindo dos projetos com foco socioeducativo, cita-se o Vale Preservar, programa que é
dirigido aos alunos do 2º ciclo do ensino fundamental das escolas públicas de Ouro Preto a
Mariana, para envolvê-los com a população local, com seus recursos e manifestações culturais
e artísticas. A primeira ação implementada pelo Vale Preservar formou setenta e sete
participantes que elaboraram dossiês de preservação sobre os legados culturais através de
pesquisa oral e registro fotográfico. Essa ação buscou fazer com que crianças e jovens da
comunidade se interessassem pela memória e pela história da ferrovia.
Outra ação do projeto que está em andamento é o Vagão Sonoro Musical – na Estação de
Ouro Preto. O vagão abriga uma escultura de sucatas que produzem sons diversos. Essa
estrutura pode ser transportada para espaços públicos, o que permite a realização de
apresentações, aulas e interações pedagógicas. Nota-se que a idéia busca disponibilizar o
acesso à música para a população da região e também demonstra como é possível aproveitar
sucatas e objetos descartados para utilização de outras maneiras.
Na Estação de Ouro Preto, intitulada pelo projeto de Estação Cidadania, está localizado o
Circo da Estação, uma lona montada na área externa ao prédio da estação com objetivo de
abrigar atividades culturais e educativas para crianças e jovens da região. A pedagogia
aplicada “ volta-se para o crescimento pessoal, social e cognitivo dos alunos” (FUNDAÇÃO
VALE, 2006, p. 55). O Circo da Estação foi um resgate da existência de um circo em frente à
Estação de Ouro Preto, na época de fundação do trecho ferroviário.
As ações Vale Conhecer e Vale Promover estão ligadas, pois a primeira apóia projetos e
programas de valorização e proteção ao patrimônio cultural e natural desenvolvidos pela
comunidade de Mariana e Ouro Preto, e a segunda, o Vale Promover, age na divulgação do
patrimônio da região, tanto o cultural quanto o natural. Esses programas incentivam a
repercussão e continuidade das iniciativas populares, juntamente com a
conservação/preservação do patrimônio regional. A partir disso, a auto-estima e o sentido de
pertencimento da comunidade são realçados, despertando a apropriação pela população do seu
legado. “Os programas educativos e culturais foram desenhados para se contrapor ao processo
123
No caso do Trem Vitória a Minas, o trecho percorre diversos municípios e distritos dos
estados de Minas Gerais e do Espírito Santo. Dessa forma, existem muitas pessoas que
trabalham ou estão envolvidas direta ou indiretamente com a ferrovia. Em 2001 a Vale
inaugurou o ‘Centro de Pesquisa e Treinamento Ferroviário’, que atende à demanda por mão-
de-obra qualificada e interessada no setor férreo. O Centro é importante para estimular novas
tecnologias e melhorias para o transporte ferroviário, além de representar uma oportunidade
para quem deseja aprender sobre o setor ferroviário.
124
Outra ação com foco socioeducativo foi a criação, em 2004, do curso de pós-graduação em
Engenharia Ferroviária na PUC-MG, patrocinado pela Vale. O curso pode ser considerado um
instrumento de capacitação para futuros funcionários da rede ferroviária de Minas a Vitória. O
curso é uma ação diferenciada e positiva apesar de ser restrita a quem já está envolvido com o
ferroviarismo de alguma forma.
Foi possível verificar que os projetos socioeducacionais do Trem Vitória a Minas são, na
maior parte das vezes, direcionados à região que margeia a ferrovia, como o projeto Educação
nos Trilhos, que transmite vídeos pedagógicos e de orientação para as comunidades. Essa
ação foi iniciada em 2000 e continua em funcionamento com temáticas diversificadas, como
educação ambiental, saúde, educação para a cidadania, entre outros.
De acordo com a Ferrovia Centro Atlântica, outra iniciativa importante foi o programa
Cidadania nos Trilhos, criado em 2004, que teve como objetivo disponibilizar informações de
segurança para os moradores do entorno da linha férrea. Essa ação vem ao encontro da
necessidade de conscientização dos perigos inerentes a quem reside próximo à linha férrea. O
trabalho foi feito de forma descontraída, utilizando apresentações do grupo teatral Trupe
FCA. Através de parcerias com instituições, associações e pessoas ligadas a cada uma das
comunidades, o projeto percorreu mais de vinte municípios da área de influência da
concessionária, atingindo um público estimado de 65.000 pessoas (FCA, 2005).
Outra ação desenvolvida pela Ferrovia Centro Atlântica é o Programa de Visitas com o
objetivo de aproximar a comunidade com o universo ferroviário, através da visitação às
estações, oficinas e aos vagões de locomotivas, acompanhada de informações disponibilizadas
pelos funcionários. O Programa de Visitas abrange nove municípios, a saber: Araguari, Belo
Horizonte, Divinópolis, Lavras, Montes Claros, Ribeirão Preto, Uberaba, Uberlândia e Vila
Velha, sendo que todos podem participar do programa.
No que tange ao incentivo cultural, a Vale realizou, em 2004, o projeto Cultura nos Trilhos
em comemoração ao centenário da Estrada de Ferro Vitória a Minas. A ação foi realizada em
125
Em 2007, outra ação foi realizada com foco cultural, o Cinema nos Trilhos que levou à
exibição de filmes nas cidades localizadas ao longo da Estrada de Ferro Vitória a Minas, e
também estimulou o relato em vídeo de histórias da própria comunidade, para exibições
futuras. De acordo com a Vale, cerca quarenta mil pessoas de trinta comunidades já foram
beneficiadas (VALE, 2008b).
QUADRO 4
Análises das ações para conservação e proteção do patrimônio natural desenvolvidas pelos
empreendimentos ferroviários. (Continua)
Início do uso
experimental de
biodiesel em
locomotivas;
Tratamento dos
efluentes das
oficinas e
manutenção da
faixa de domínio
ao longo da linha;
QUADRO 4
Análises das ações para conservação e proteção do patrimônio natural desenvolvidas pelos
empreendimentos ferroviários. (Conclusão)
TREM DA TREM DE SÃO ESTRADA DE
ESTUDO DE VALE JOÃO DEL REI - FERRO
CASOS (OURO PRETO - TIRADENTES / VITÓRIA –
MG /MARIANA MG MINAS / EFVM
– MG) (BELO
HORIZONTE -
MG / VITÓRIA -
ES)
Oficinas de Não foi citado Não foi citado
Projetos futuros para vivência
proteção/conservação ecológica;
ambiental
Trilhas
interpretativas e
jornadas
ecológicas.
Programa
Ecologiscola –
Artecologia e
Oficina de
Reciclagem.
Setor responsável Setor “Educação Não se aplica Departamento de
pelas ações Patrimônio Desenvolvimento
ambientais Ambiental”. Organizacional e
de Gestão
Ambiental e
Territorial, entre
outros.
Fonte: dados da pesquisa
127
O Complexo Ferroviário de São João Del-Rei e Tiradentes não possui ações voltadas para a
conservação e/ou preservação do patrimônio natural, apesar de o trecho percorrer áreas
naturais, como a Serra de São José.
O programa Educação para o Patrimônio Natural também produziu uma Caderneta de Campo
e um Mapa Ambiental, através da identificação e classificação das ocorrências naturais da
região. Os patrimônios foram classificados nas seguintes categorias: geológicos,
arqueológicos, geográficos, genéticos, hidrológicos, da biodiversidade (fauna e flora) e
tecnológicos. Dessa forma, a Fundação Vale afirma que:
utilizar desde maio de 2007 uma mistura de 20% de biodiesel vegetal com 80% de diesel, o
que reduziu a emissão de mais 224 mil toneladas de CO2 na atmosfera (VALE, 2008b).
QUADRO 5
Recursos de interpretação utilizados no Trem da Vale (Continua)
TREM DA VALE O QUE SÃO E A FINALIDADE
QUADRO 5
Recursos de interpretação utilizados no Trem da Vale (Conclusão)
TREM DA VALE O QUE SÃO E A FINALIDADE
QUADRO 6
Recursos de interpretação utilizados no Trem São João Del-Rei a Tiradentes (Continua)
TREM SÃO JOÃO DEL-REI A O QUE SÃO E A FINALIDADE
TIRADENTES
QUADRO 6
Recursos de interpretação utilizados no Trem São João Del-Rei a Tiradentes (Conclusão)
TREM SÃO JOÃO DEL-REI A O QUE SÃO E A FINALIDADE
TIRADENTES
QUADRO 7
Recursos de interpretação utilizados no Trem Vitória-Minas
TREM VITÓRIA-MINAS O QUE SÃO E A FINALIDADE
O trecho ferroviário Vitória a Minas possui sua particularidade quanto à utilização de recursos
de interpretação, já que o mesmo cumpre primeiramente a função de transporte de passageiros
e também de cargas. Em 1998 a Vale inaugurou o Museu Ferroviário da Vale, local que
abriga peças, locomotivas, maquinários e registros do desenvolvimento da Estrada de Ferro
Vitória a Minas e também de outras ferrovias no Brasil. O museu possui uma maquete
detalhada do trecho e também a demonstração de como é feita a extração e o transporte do
minério de ferro pela ferrovia. As maquetes são instrumentos de grande relevância na medida
133
QUADRO 8
Análises da influência dos princípios da interpretação
patrimonial nos empreendimentos ferroviários. (Continua)
PRINCÍPIOS DA INTERPRETAÇÃO PRESENÇA OU INFLUÊNCIA DOS
PATRIMONIAL PRINCÍPIOS NOS
EMPREENDIMENTOS
FERROVIÁRIOS
1.Manter o foco nos sentidos do Os três empreendimentos ferroviários
visitante, de forma a estabelecer a apresentam formas de conscientizar o
conscientização sobre visitante sobre o valor do patrimônio
determinadas características do ferroviário em questão e apresentam
ambiente. detalhes do ambiente que demonstram
isto.
No caso do Complexo de São João Del-
Rei o registro de fotografias com trajes de
época estabelece conexão com as
características de vestuário do período de
implantação do transporte ferroviário no
local.
No Trem da Vale houve o resgate do circo
que existia em frente à Estação de Ouro
Preto, com a implantação do Circo da
Estação, remetendo à época de construção
da mesma e do trecho.
O Trem Vitória-Minas através da Vale
utilizou o espaço da antiga Estação de
Pedro Nolasco (parada final do trecho
férreo Belo Horizonte no sentido Vitória)
para implantação do Museu Ferroviário da
Vale - Vila Velha.
135
QUADRO 8
Análises da influência dos princípios da interpretação
patrimonial nos empreendimentos ferroviários. (Continua)
PRINCÍPIOS DA INTERPRETAÇÃO PRESENÇA OU INFLUÊNCIA DOS
PATRIMONIAL PRINCÍPIOS NOS
EMPREENDIMENTOS
FERROVIÁRIOS
2.Revelar sentidos com base na No Complexo Ferroviário de São João
informação e não apenas informar; Del-Rei é utilizada a interpretação ao vivo
consiste em revelar uma verdade e através do passeio à rotunda, local de
um significado profundos. exposição de locomotivas e vagões
centenários, acompanhado de funcionário
do complexo.
Para mais informações seriam necessários
outros estudos para a avaliação junto aos
visitantes e às comunidades dos
significados percebidos.
3.Para apresentação de material de No caso do Trem da Vale, identificou-se a
caráter científico, histórico ou utilização de maquete do percurso férreo,
arquitetônico, utilizar artes visuais instrumentos e equipamentos audiovisuais
e de animação diferenciadas. e de animação.
O trecho ferroviário Vitória – Minas é
representado em maquete no Museu
Ferroviário da Vale.
No Complexo Ferroviário de São João
Del-Rei não são utilizadas artes visuais e
de animação.
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QUADRO 8
Análises da influência dos princípios da interpretação
patrimonial nos empreendimentos ferroviários. (Continua)
PRINCÍPIOS DA INTERPRETAÇÃO PRESENÇA OU INFLUÊNCIA DOS
PATRIMONIAL PRINCÍPIOS NOS
EMPREENDIMENTOS
FERROVIÁRIOS
4.Não apenas instruir, como O Trem Vitória a Minas e o Trem São
também, provocar, estimulando a João a Tiradentes possuem museus
curiosidade do visitante, correlacionados aos empreendimentos,
encorajando-o a explorar de forma fato que auxilia o acesso e o
aprofundada o que está sendo conhecimento sobre o patrimônio
interpretado. ferroviário. O Trem da Vale utiliza os
espaços das estações para que o visitante
possa se informar e conhecer mais sobre a
ferrovia e sua história. O projeto também
desenvolveu o roteiro publicado, Trilhas
Sensoriais, que conduz o visitante à
cultura e aos aspectos naturais das cidades
de Ouro Preto e Mariana.
5.Apresentar a história de forma No caso Trem da Vale essa premissa é
completa evitando fragmentá-la; contemplada pela abrangência na
dirigir-se à pessoa inteira. abordagem do tema ferroviário. O Trem
São João Del-Rei - Tiradentes possui a
exposição permanente do Museu
Ferroviário na Estação de São João Del-
Rei que relata, através de quadros e fotos,
o desenvolvimento da EFOM e sua
influência no desenvolvimento das
cidades de Tiradentes e São João Del-Rei.
O trecho Vitória a Minas se apóia no
Museu Ferroviário da Vale para o relato
da história da ferrovia e seu
desenvolvimento ao longo dos anos.
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QUADRO 8
Análises da influência dos princípios da interpretação
patrimonial nos empreendimentos ferroviários. (Continua)
PRINCÍPIOS DA INTERPRETAÇÃO PRESENÇA OU INFLUÊNCIA DOS
PATRIMONIAL PRINCÍPIOS NOS
EMPREENDIMENTOS
FERROVIÁRIOS
6.Ser acessível a público o mais Os três empreendimentos ferroviários
amplo possível, levando em podem ser visitados por faixas etárias
consideração os portadores de diferentes, porém nenhum deles possui
necessidades especiais. placas e sinalizações adaptadas aos
portadores de deficiências visuais e
auditivas. Para verificar acessos para as
pessoas com dificuldades de locomoção
seria necessário outro estudo.
7.Incluir a comunidade na Apenas o Trem da Vale contempla esse
realização ou pelo menos iniciar a princípio de forma mais completa, pois
interpretação em parceria com a houve a participação da comunidade na
comunidade, para troca de implantação do projeto e na coleta de
conhecimentos e recursos. informações e depoimentos que foram
utilizados na interpretação patrimonial .
O Trem Vitória-Minas desenvolve ações
destinadas à comunidade, mas não há
participação no processo de decisão e
elaboração dessas ações. O mesmo foi
verificado no Trem São João Del-Rei -
Tiradentes.
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QUADRO 8
Análises da influência dos princípios da interpretação
patrimonial nos empreendimentos ferroviários. (Continua)
PRINCÍPIOS DA INTERPRETAÇÃO PRESENÇA OU INFLUÊNCIA DOS
PATRIMONIAL PRINCÍPIOS NOS
EMPREENDIMENTOS
FERROVIÁRIOS
8.Aplicar uma abordagem Esse princípio foi verificado somente no
abrangente, interligando temas caso Trem da Vale, pois o mesmo
passados, temas do presente e do conjugou temas relacionados à história, à
futuro, realçando a dimensão economia, ao meio ambiente e à
socioeconômica, ao lado das arquitetura, fazendo paralelos de épocas
dimensões histórica, ecológica e diferentes e apresentando perspectivas
arquitetônica. futuras.
QUADRO 8
Análises da influência dos princípios da interpretação
patrimonial nos empreendimentos ferroviários. (Conclusão)
PRINCÍPIOS DA INTERPRETAÇÃO PRESENÇA OU INFLUÊNCIA DOS
PATRIMONIAL PRINCÍPIOS NOS
EMPREENDIMENTOS
FERROVIÁRIOS
10.Considerar sempre o Todos os três casos possuem infra-
atendimento ao cliente, indicando estrutura adequada para atendimento ao
as instalações básicas, como visitante, embora o Trem Vitória-Minas
sanitários, segurança, pontos de não possua estacionamento destinado
descanso, estacionamento, entre exclusivamente aos usuários do trem.
outros elementos essenciais a uma Somente o Trem da Vale possui
experiência agradável do lugar. sinalização das áreas das estações e dos
equipamentos presentes nas mesmas.
Fonte: dados da pesquisa
Desde os primeiros dias dos trens, sempre houve turistas que se deslocavam em
trens, mas normalmente o ocupavam como meio de chegar a um destino atrativo do
ponto de vista turístico, sem que considerasse o próprio trem como parte desta
atração. Pouco a pouco, em função da supressão dos trens de passageiros [...] e o
pequeno investimento em tais trens, tendeu-se a criar na mente do público, [...] uma
associação entre passado romântico ou aventureiro de seus dias de juventude e as
viagens de trem, o que contribuiu a transformar o próprio trem em um ponto de
atração turística (ALLIS, 2006, p. 110).
Dessa forma, nos três casos estudados, a utilização de trens turísticos representa um atrativo
turístico e uma forma eficaz de preservação patrimonial, da memória e dos bens construídos, e
de valorização da cultura típica das localidades, através da conscientização da comunidade
sobre a importância de manter viva a própria história. Os trens fazem parte da história das
cidades onde existem e deixaram influências no modo de vida da população. Nos casos do
140
Trem da Vale e do Trem São João Del-Rei - Tiradentes notou-se grande identificação dos
moradores com o patrimônio histórico ferroviário de cada localidade. Em folders turísticos,
municipais e promocionais de São João Del-Rei e Tiradentes, há a utilização da imagem da
Maria-Fumaça como um dos símbolos principais dessas cidades.
O resgate dos trens turísticos, pela sua característica de trecho, ou seja, condução entre duas
localidades, provoca o desenvolvimento simultâneo da região, ou ainda o compartilhamento
do fluxo já existente em um local para fomentar a visitação em outro.
Assim, afirma-se que a importância dos trens turísticos advém da apropriação e revitalização
da memória e do patrimônio ferroviário a partir do intento de retransmitir a ambiência de uma
época passada e de grande interesse para coletividade, e que no presente momento absorve a
movimentação turística (MAMEDE; VIEIRA; GUIMARÃES, 2008).
No caso do Trem da Vale, a revitalização do trecho férreo entre as cidades de Ouro Preto e
Mariana trouxe para a comunidade o benefício da educação patrimonial, que permite aos
autóctones reconhecerem e participarem no usufruto do legado ferroviário, em principal pelas
crianças das escolas públicas. Ainda trata-se de um desafio para o empreendimento a inserção
da comunidade de baixa renda, que encontra dificuldade de realizar o passeio ferroviário
devido ao alto preço da tarifa.
Além do exposto acima, um dos objetivos do projeto Trem da Vale é a promoção do turismo
cultural na região de Ouro Preto e Mariana, visando a dinamizar a economia local e a geração
de empregos a partir da reativação do trecho ferroviário entre as duas cidades. Segundo
Martins e Vieira (2006), o turismo cultural tem se fortalecido, pois os viajantes procuram o
crescimento por meio da observação e interação com culturas diferentes, visando a novas
experiências. Dessa maneira, o empreendimento ferroviário incrementa a atratividade turística
de Ouro Preto, Mariana e região, a partir da valorização do patrimônio histórico e cultural
existente.
141
Ainda quanto ao interesse pelo turismo cultural, Barretto (2000, p.22) relata que: “[...] a
procura é pela cultura atual e pela passada. Assiste-se atualmente a uma procura sem
precedentes por lugares históricos, ligados à petite histoire ou aos grandes feitos da história
política e social mais ampla”.
Diante do exposto, a atividade turística deve focar no fortalecimento dos laços culturais da
sociedade, com a utilização do planejamento e do envolvimento comunitário. Os três
empreendimentos ferroviários estão inseridos na gerência de trens turísticos da Ferrovia
Centro Atlântica - FCA. A mesma é responsável por traçar estratégias de crescimento da
movimentação de passageiros, de desenvolvimento dos trechos férreos e de atuação nas
comunidades envolvidas nos trajetos.
Percebeu-se, por exemplo, que o propósito principal do Trem da Vale não é realizar um
simples passeio de Maria-Fumaça, mas apropriar e valorizar todo o legado histórico-cultural
de duas importantes cidades mineiras.
Assim, os trens de passageiros geram benefícios ao turismo local e sua atividade pode ser
considerada uma importante maneira de valorização patrimonial, que beneficia moradores e
turistas a partir da implantação de empreendimentos e das atividades afins.
143
6 CONCLUSÃO
Passados alguns anos após o processo de privatização das ferrovias, percebeu-se em muitos
estados brasileiros a retomada do trem, baseada em programas estaduais e federais destinados
a fomentar e viabilizar seu resgate e preservação. A reinserção do transporte ferroviário na
vida dos brasileiros tem permitido o desenvolvimento econômico e o entendimento e
apropriação desse fragmento cultural presente na história de muitas comunidades.
Pode-se afirmar que os trechos ferroviários, Ouro Preto – Mariana e São João Del-Rei –
Tiradentes, integram a história de desenvolvimento de Minas Gerais e são atrativos turísticos
das cidades onde estão localizados. Enquanto o trecho Belo Horizonte – Vitória representa
uma opção mais econômica de transporte e ligação entre duas importantes capitais de estados
brasileiros.
144
Notou-se que o Trem da Vale tem sido capaz de restaurar e reintegrar uma importante parte
do patrimônio histórico com a revitalização do trecho e aumento de informações a respeito do
mesmo. Porém, os altos preços aplicados as tarifas para o passeio ferroviário bloqueia a
participação da comunidade local de baixa renda.
Para o caso do trecho São João Del-Rei - Tiradentes, a identificação do legado por parte dos
moradores é muito presente. O uso da Maria-Fumaça como simbologia das cidades de São
João Del-Rei e Tiradentes é uma constante, revelando que nessas localidades a ferrovia não
passou por período de declínio e sempre esteve ligada à história cultural dos moradores.
O Trem Vitória-Minas apresenta-se como diferente dos demais, por ter como premissa inicial
o transporte de cargas e de passageiros, sem necessariamente ser destinado a atender à
movimentação turística. O percurso interliga municípios dos estados de Minas Gerais e do
Espírito Santo e, conseqüentemente, permite o acesso de visitantes a cidades turísticas
mineiras e capixabas. As ações junto às comunidades do entorno da ferrovia Vitória-Minas
levaram benefícios educacionais, de segurança, manifestações artísticas e culturais.
Conclui-se, assim, que os três percursos ferroviários estudados apresentam diferentes níveis e
formas de participação na valorização turística, conservação e preservação da memória e do
patrimônio histórico ferroviário. E se apresentam como uma opção de transporte nostálgico e
seguro.
A principal dificuldade encontrada pela autora para a realização da presente pesquisa foi a
escassez de literatura sobre o tema ferroviário, havendo poucos livros e textos destinados a
analisar a reinserção e a revitalização dos trens com finalidade turística e cultural em Minas
Gerais e no Brasil.
Os dados obtidos nesta pesquisa são de grande valia para embasar futuras intervenções nos
empreendimentos ferroviários estudados e fomentar o conhecimento, a divulgação e a
valorização da memória e do patrimônio ferroviário
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ANO DE CRIAÇÃO:
REALIZAÇÃO:
GESTOR:
DATA DA ENTREVISTA:
4- Houve algum outro projeto similar que serviu de modelo para o projeto turístico ferroviário
em questão? O quanto influenciou?
7- Como foi o processo de resgate da memória ferroviária para a realização do projeto? Houve
a participação da comunidade no processo?
8- Em sua opinião, qual é o diferencial do projeto (em relação a outros projetos de valorização
do patrimônio ferroviário, no Brasil e no exterior)?
13- A discussão atual sobre a expansão do transporte ferroviário no Brasil, intensificada pela
crise aérea, pode afetar o turismo ferroviário em nosso país? Como?
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