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Rodrigo Ferreira

Livro-reportagem de Rodrigo Cardo-


so Ferreira (RGM 35430), elaborado
como Trabalho de Conclusão de Curso
(TCC), exigência parcial para concluir o
curso de Comunicação Social – Habi-
litação em Jornalismo na Universidade
de Mogi das Cruzes (UMC)

Professor Orientador: Sérsi Bardari

Novembro
2008

1
Diagramação, Produção Gráfica, Capa e Fotos
Rodrigo Ferreira

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“A arte de interrogar não é tão fácil como se pensa. É mais uma arte de
mestres do que de discípulos; é preciso ter aprendido muitas coisas para saber
perguntar o que não se sabe”,
Jean Jacques Rousseau (1712 – 1778), filósofo suíço

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Índice

Agradecimentos ...........................................................................................07
Introdução .....................................................................................................09
Os trilhos na linha do tempo .....................................................................11
Atenção!..........................................................................................................12
A voz dos usuários .......................................................................................14
Estação Estudantes .....................................................................................17
“I wanna Rock”
Estação Mogi das Cruzes ............................................................................20
“Em casa de metroviário, o transporte é o trem”
Estação Brás Cubas .....................................................................................24
“Construindo uma vida sobre trilhos”
Estação Jundiapeba ......................................................................................29
“A profissional da beleza”
Estação Suzano .............................................................................................33
“O bom passageiro ao trem retorna”
Estação Calmon Viana ................................................................................38
“Amo muito tudo isso”
Estação Poá ...................................................................................................42
“A maldição da Rua 25 de Março”
Estação Ferraz de Vasconcelos ..................................................................47
“Odeio muito tudo isso”
Estação Antônio Gianetti Neto .................................................................51
“Filho de peixe”
Estação Guaianazes .....................................................................................55
“O libertino”
Os trilhos do livro-reportagem ..................................................................61
Bibliografia ....................................................................................................65
Sobre o autor ................................................................................................67

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Agradecimentos

T entei, mas não consegui fugir do clichê dos “agradecimentos”. En-


tão vamos lá!
Dedico esse trabalho primeiramente à duas pessoas de fundamental
importância na minha vida pessoal, acadêmica e profissional: minha mãe
Tereza e minha irmã Márcia, pelo amor e por todas oportunidades que
me deram durantes esses meus 21 anos de vida.
Dedico também aos meus verdadeiros amigos, que sem eles, não
conseguiria concluir esse projeto. Muito obrigado à Aline Cardoso,
Fernanda Silva, Tatiana Barboza, Thiago Baños, Isís Manoel, Angélica
Barboza,Thiago Campos, Larissa Pisanelli, Rafael Vaz e Matheus Baños,
pelos momentos de dedicação, pelas longas conversas e discussões sobre
o rumo do trabalho, por me ajudarem a continuar toda vez que pensava
em desistir e pelos cafés servidos durante as longas horas em que escre-
via os textos. E também aos pais dos meus amigos, que sempre me rece-
beram de braços abertos. Obrigado mãe Ana e pai Nilson, dona Neide,
dona Márcia e dona Lalá.
Aos professores Sersi Badari, Roberto Medeiros e Elizeu Silva, por
todos os momentos de orientação e compreensão.
E, claro, aos dez entrevistados desse livro-reportagem, que são par-
te fundamental. Obrigado por cederem preciosos momentos e abrirem
parte de suas vidas para mim.
Novamente, muito obrigado!

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Introdução

A proximadamente 387 mil usuários transportados por dia.


Simplesmente a linha que mais recebe passageiros da Com-
panhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Mais de 50 quilôme-
tros de extensão, percorridos em média em 1 hora e 30 minutos, das 4
da manhã até meia-noite.
Os números representam o funcionamento da Linha 11 Coral da
CPTM. Mais do que números, no entanto, o que tem realmente impor-
tância são as pessoas que dependem desse meio de transporte coletivo,
principalmente para trabalhar e estudar.
Na mídia em geral fala-se pouco sobre esse trajeto, que liga a estação
Estudantes, em Mogi das Cruzes, à estação Luz, na região central de São
Paulo. Fatos como a má qualidade dos trens, a precariedade das estações,
as superlotações diárias, os atrasos constantes são poucos divulgados.
Exceto quando algo grave acontece, e a mídia não pode deixar de lado.
Fala-se menos ainda, na verdade quase nunca, sobre as pessoas que fa-
zem parte desse mundo, onde a lei que aprendemos nas aulas de físicas,
segundo a qual dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço, fica de
fora, literalmente de fora dos bancos e corredores apertados repletos de
pessoas.
Nessa verdadeira viagem, muita coisa pode acontecer: paqueras, aci-
dentes, assaltos, brigas, amizades, mortes. São muitos os personagens
que completam os espaços das estações e trens. Trata-se dos passagei-
ros, que a CPTM chama pelo impessoal nome de usuário. Personagens
como o famoso grupo de evangélicos que utiliza o tempo da viagem

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para cantar louvores ao “Bom Deus” e, claro, tentar converter algumas
almas perdidas; o triste garoto, que pede "qualquer moeda ou um vale
transporte", porque precisa alimentar seus cinco irmãos pequenos que
estão em casa; o cativante deficiente auditivo, que, assim que passa pe-
los corredores do vagão, deixa no colo dos passageiros duas cartelas de
adesivos pelo singelo preço de 1 real; os tradicionais vendedores ambu-
lantes, com todos seus quitutes "saudáveis" e tentadores, como choco-
lates, biscoitos, "coca-cola, cerveja e água", amendoins, e as "deliciosas
cocadas caseiras"; o inesquecível e curioso vendedor do "super descas-
cador de legumes", que realiza demonstrações ao vivo, que até lembram
aqueles programas de TV que vendem utensílios domésticos. Poderiam
ser citados dezenas deles, que são a parte quase folclórica desse universo
que se move sobre trilhos.
Não se pode esquecer os cheiros. Passageiros dotados de olfato po-
deroso podem identificar diversos aromas pela viagem. Desde os mais
agradáveis até àqueles indesejáveis.
Vale destacar também o grande poder de resiliência dos passageiros.
Mesmo em meio ao caos das viagens nos horários de pico, muitos ainda
conseguem ler, ouvir música, estudar e até fazer amizades.
É nesse habitat nada natural que milhares de pessoas passam algumas
horas diariamente. Pessoas diferentes, mas com algo em comum.
Este livro-reportagem não tem a pretensão de denunciar um sistema
de transporte público arcaico, apontar soluções para os problemas coti-
dianos das viagens pelas linhas ferroviárias ou mesmo defender direitos
de quem quer que seja.
Busco aqui mostrar um pouco das histórias de alguns dos milhares
personagens que completam um enredo em movimento. Entre tantos
Carlos, Marias, Eduardos, Beneditas e Josés, dez pessoas fazem parte
desse trabalho. De Estudantes à Guaianazes, conheça quem são alguns
usuários, as diferentes histórias, as vidas que seguem sobre os trilhos.
Boa leitura!

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Os trilhos na linha do
tempo

A atual Linha 11 Coral começou a ser construída em 1869


pela Companhia de Estrada de Ferro São Paulo-Rio (tam-
bém conhecida como Estrada de Ferro do Norte), que seria incorporada
pela Estrada de Ferro Central do Brasil em 1890.
No começo do Século XX, iniciou-se a operação de trens suburbanos,
primeiramente até a Penha, região leste de São Paulo, atingindo Mogi
das Cruzes na década de 1910. Tinha à época 49 km de extensão e 19
estações.
Em 1976, a linha foi estendida até Estudantes, para que pudesse aten-
der aos alunos de faculdades localizadas em Mogi.
Em 1975, a linha passaria a ser administrada diretamente pela Rede
Ferroviária Federal – RFFSA, que, desde 1957, tinha a Central do Brasil
como uma de suas subsidiárias.
Em 1984, passou para a Companhia Brasileira de Trens Urbanos –
CBTU, que herdou todo o serviço de trens metropolitanos da Rede.
Em 1994, a linha foi estadualizada e passada às mãos da Companhia
Paulista de Trens Metropolitanos, que, em 2000, desativou todas as es-
tações entre Brás e Tatuapé, e entre esta e Guaianazes. O antigo trecho
entre Artur Alvim e Guaianazes foi suprimido para dar lugar a um novo
traçado, retificado e com três túneis, em que foram construídas a nova
estação Itaquera e as estações Dom Bosco, José Bonifácio e Guaianazes
(nova). A partir de então, o trecho entre Luz e Guaianazes passou a ser
denominado Expresso Leste.
Em 2008, as linhas da CPTM receberam números, cores e nomes de
pedras preciosas. A intenção foi facilitar a identificação, como já acon-
tece com as linhas do Metrô. Então, a conhecida Linha E, tornou-se a
atual Linha 11 Coral.

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Atenção!

C aro leitor, antes de embarcar pelas estações-capítulos deste


livro-reportagem conheça quais ações são proibidas nas de-
pendências da CPTM, de acordo com a Norma de Transporte, Tráfego
e Segurança da própria empresa, nem sempre respeitada:

• fumar no interior dos trens, plataformas e estações;


• pedir esmolas; comercializar e/ou distribuir mercadorias ou impres-
sos;
• a presença de crianças desacompanhadas de pessoas responsáveis
pela sua segurança, com idade inferior a 6 anos;
• aliciar usuários para oferecer serviços;
• transportar volumes com dimensões superiores a 150 x 60 x 30 cen-
tímetros, que causem risco ou transtorno aos demais usuários;
• transportar materiais inflamáveis, explosivos (botijões de gás), radio-
ativos, corrosivos, tóxicos, que exalem mau odor ou bio-contagiosos;
• acionar, desnecessariamente, alarmes, dispositivos de segurança e
equipamentos;
• danificar, sujar, escrever, pichar e desenhar nas paredes e equipamen-
tos;
• transportar animais, exceto cão-guia devidamente autorizado para
acompanhar usuário portador de deficiência visual;
• andar de bicicleta, “skate”, patins ou similares;
• viajar em lugar não destinado aos usuários;
• afixar cartazes, exceto com autorização prévia;

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• portar armas, sem a devida autorização legal;
• viajar sem dispor de recursos para pagar o bilhete (art. 176 do Código
Penal);
• a presença de pessoas embriagadas ou intoxicadas por álcool ou ou-
tras substâncias tóxicas;
• fazer pregação religiosa ou política, apregoar ou cantar;
• ligar rádios ou outros aparelhos sonoros ou tocar instrumentos musi-
cais que causem incômodo ou desconforto aos demais usuários;
• utilizar equipamentos para fotografias ou filmagens de cunho comer-
cial ou jornalístico, exceto com autorização prévia.
• Impedir o fechamento das portas do trem, retardando a partida.

Os usuários infratores estarão sujeitos à perda do direito de viagem e


às penalidades na forma da lei

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A voz dos usuários

C onfira o que os dez personagens do livro-reportagem “Vidas


Sobre os Trilhos – De Estudantes à Guaianazes”, pensam
sobre as viagens nos trens da Linha 11 Coral da CPTM

"Sempre que tá tudo lotado, aparece um cara engraçadinho querendo levar


vantagem da situação. Fica bem atrás esfregando o quadril na gente. Ai que
ódio!”, Tatiana Siqueira, atendente de telemarketing

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"Quem pega trem e metrô diariamente pode prestar atenção: o comporta-
mento dos passageiros muda assim que passam para o metrô. A educação
está mais presente no metrô", Nilson Batista, metroviário

"O trem é o melhor meio de transporte que existe. Quem inventou o trem
está de parabéns!”, Fátima, vendedora ambulante

"Eu amo as 'coisas' do trem! São tantas pessoas diferentes, estilos,


conversas...é muito variado. Acho que sou um pouco estranha, porque adoro
os horários de pico. Adoro ver tudo cheio", Valéria Souza, cabeleireira

“Quando fiquei longe dos trens, lembrava todos os dias dos empurrões para
chegar ao trabalho, dos atrasos constantes e até dos amendoins e das balas de
goma que eu comprava nos vagões”, Matheus Barreto,
técnico de segurança do trabalho

“No horário de pico, quando todos entram empurrando dentro do trem,


quando eu vejo um gatinho, em vez de empurrar, eu apalpo”, Simone de
Oliveira, auxiliar de RH

"O trem pra mim é para todas as horas. Pra trabalhar, passear. É meu
companheirão, meu jumentão!", Terezinha Bezerra, vendedora

"Se eu pudesse, colocaria uma sirene em cada vagão e pisava fundo no acele-
rador do trem!”, Vladimir Nogueira, motorista

“A sociedade tá muito embaçada, cara! Tem gente que briga por causa de
lugar dentro do trem. Ninguém respeita mais ninguém”,
Diego Magno, vendedor ambulante

“Muitas pessoas aproveitam para fazer o trem de motel.


Seja hétero ou homossexual”, Paulo Oliveira, assistente financeiro

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Caros leitores, este livro-reportagem tem como
destino a estação-capítulo Guaianazes.
Tenham todos uma boa leitura!

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Estação
Estudantes

"I wanna rock"

J á passam das 7h30 da manhã. Atrasada como sempre, a garota


de 22 anos chega correndo à porta da estação Estudantes e, an-
tes de passar pelo bloqueio, apaga o cigarro de filtro vermelho com a sola
do All Star preto e já bem velho, ajeita os cabelos esvoaçantes e aumenta
o volume do mp3, no qual ouve o "puro e verdadeiro rock'n'roll".
O destino é a Estação República do Metrô. Trabalha há seis meses no cen-
tro de São Paulo como atendente de telemarketing. "Sempre chego atrasada,
isso já é normal!", diz Tatiana Siqueira, de modo despreocupado.
Moradora de Mogi das Cruzes desde o nascimento, Tatiana sempre
quis, e quer, trabalha e residir em São Paulo. O primeiro objetivo já al-
cançou. "Bem, é difícil pegar esse trem lotado todos os dias. Mas fazer
o quê?! Agora que consegui trabalhar em São Paulo, só falta encontrar
alguém pra dividir apartamento comigo e me jogar. Como dizem, o ne-
gócio é 'se jogá e acreditá'", diz ela entre gargalhadas.
O contato com o trem não é de hoje, ou dos seis meses que utiliza o
meio de transporte diariamente para trabalhar. Desde os 13 anos, a garo-
ta viaja freqüentemente rumo à vida noturna de São Paulo, que, segundo
ela, só perde para Londres. "E olha que eu nunca fui lá, hein. Mas isso

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também faz parte dos meus planos", diz.
Por meio do trem, Tatiana conheceu diversos pontos da cidade de São
Paulo, tantos que nem ela mesma lembra. Pois, além de ir às baladas da
cidade, ela também faz parte do jet-set das bandas de rock'n'roll. "Na
minha primeira banda eu tocava contrabaixo, e mandávamos um som
punk rock. Aí, literalmente viajávamos todas as regiões de São Paulo, to-
cando nos lugares mais diferentes. Claro que nunca ganhamos dinheiro
algum com isso!", lembra ela.
São muitas as histórias e passagens que a aspirante à rockstar vivenciou
e presenciou sobre as linhas ferroviárias. Algumas chamaram mais sua
atenção, por causa do preconceito dos passageiros com os roqueiros,
rótulo que ela detesta. Tati, apelido pelo qual é conhecida, sempre saiu
de casa, com os amigos, produzida com no estilo, composto por meia
arrastão, coturno, jaqueta de couro, lápis preto demarcando os olhos,
cabelos coloridos, piercings e tatuagens, entre outros acessórios. Esse es-
tilo sempre chamou atenção de todos, como ela explica. "Não podíamos
passar que todos nos olhavam no vagão. Até que era engraçado. Acho
que imaginavam que éramos um bando de loucos...", diz ela. "Uma vez,
eu e um amigo estávamos sentados e tinha apenas um lugar no banco, ao
nosso lado. Quando a porta do vagão abriu, uma criança veio correndo
para sentar no lugar vago, mas a mãe, que já tinha nos visto, deu um tapa
na criança e gritou: 'aí não menino!'. A mãe e a criança ficaram de pé a
viagem toda. E o lugar ao nosso lado, vazio. Ninguém queria sentar ao
lado de dois supostos loucos", completa.
Esse episódio aconteceu logo após o crime em que um grupo de ski-
nheads atirou dois jovens para fora do trem em movimento, nas pro-
ximidades da estação de Brás Cubas, em dezembro de 2003. Naquele
momento, pessoas com "visuais estanhos" eram vistas com mais atenção
e ligadas à violência.
Mas nem todos nos vagões de trem vêm Tati com olhos preconceitu-
osos. Muitos, na sua grande maioria homens, vêm a garota com olhos
de desejo. Ela relata que, por várias vezes, com o vagão do trem repleto
de pessoas nos famosos horários de pico, quando o mínimo de distância
dos outros passageiros é privilégio apenas do maquinista do trem, rece-
beu muitas cantadas, e até ousadas insinuações.

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"Sempre que tá tudo lotado, aparece um cara engraçadinho queren-
do levar vantagem da situação. Fica bem atrás esfregando o quadril na
gente. Ai que ódio! Eu fico louca, e faço aquele barraco!", diz ela. Mas,
como ninguém é de ferro, Tati conta um segredo. "Bem, uma vez...ai
que vergonha! Um cara que estava atrás de mim começou a tomar certas
liberdades, encostando seu corpo contra o meu. Eu, de primeira, não vi
quem era, e quando eu já ia começar o barraco, olhei para trás: era um
cara lindo, do meu tipo! Aí não agüentei! Ai que vergonha!...Bem, quan-
do vi que o cara era bonitão, e percebi que ninguém estava vendo àqueles
movimentos, fingi que não era comigo, e aproveitei a viagem, se é que
me entende!!", conta ela gargalhando e com o rosto corado. Mas, como
ela mesma diz, "abafa o caso!".
Hoje, Tati não tem mais sua banda de punk rock, nem toca contrabai-
xo. Faz parte de uma banda de rock'n'roll, que mistura ritmos dos anos
60, 70 e 80, da qual ela é vocalista.
Além de usar o trem para trabalhar todos os dias como atendente de
telemarketing (ela jura que não abusa do gerúndio), a jovem ensaia com
a banda todos os domingos em um estúdio que fica na Vila Madalena,
bairro da zona oeste de São Paulo. Ela é a única que mora distante de
São Paulo e também a única que utiliza o trem para ensaiar, as outras
quatro integrantes da banda – a banda é composta apenas por mulheres
– moram na capital paulista.
"Meu melhor amigo e também o groupie oficial da banda, que morava
em Mogi e sempre ia comigo aos ensaios, mudou para São Paulo. Agora
faço essa verdadeira viagem sozinha. Esse é mais um motivo para que eu
saia de Mogi e vá morar em São Paulo. Agora é questão de tempo para
concretizar esse objetivo", desabafa ela.
Enquanto isso não acontece, a sonhadora Tati continua com suas via-
gens e seus atrasos diários nos trens da Linha 11 da CPTM. Não é pos-
sível dizer que ela é apenas mais uma passageira, pois sempre que entra
no trem desperta a curiosidade dos demais, fato que ela adora. "Eu amo
chamar atenção! Nasci pra isso! Me sinto ótima na frente dos holofotes
e flashs. E no trem não é diferente: atraio atenção, sim! E gosto disso!",
conclui.

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Estação
Mogi das Cruzes

“Em casa de metroviário,


o transporte é o trem”

P oliticamente correto, sensato e de fala mansa. Essas são algu-


mas das principais características de Nilson Batista, conhe-
cido também por "Batatinha", de 51 anos, que há mais de 25 percorre
diariamente o trecho de mais de 50 quilômetros que liga Mogi à São
Paulo, onde trabalha como metroviário.
Casado e pai de duas filhas, antes mesmo de pensar em realizar essa
viagem diariamente até o trabalho, Batatinha já seguia todos os dias em
direção à estação ferroviária de Mogi das Cruzes. "Meu pai foi ferroviá-
rio por 33 anos. E todos os dias durante minha infância, até uns 13 anos,
eu levava o almoço dele na estação. Desde sempre tive contato com os
trens", lembra.
Quando chegava com o almoço do pai, batatinha podia acompanhar
um pouco o processo operacional da estação. Como ele lembra, na épo-
ca todo o processo era realizado manualmente. "Eu achava bem bacana
toda aquela movimentação. Mas nunca pensei que iria utilizar todos os
dias os trens. E muito menos trabalhar em algo semelhante!".

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Mas o destino se encarregou de estreitar ainda mais relação dele com
os trens. Em 1982, quando já somava 25 primaveras, batatinha, que esta-
va desempregado, resolveu tentar um emprego no Metrô de São Paulo,
mesmo morando em Mogi. Na época, não era necessário realizar con-
curso público. Para sua felicidade foi contratado, e continua até hoje.
Além do novo trabalho, ele ganhou uma nova rotina e também uma
longa viagem diária. São aproximadamente duas horas até o trabalho e
mais de duas horas para chegar em casa, isso quando não ocorrem atra-
sos nas partidas e saídas dos trens, o que, segundo ele, é comum, mas
já foi pior. "Como eu utilizo o trem há muito tempo, é fácil perceber as
mudanças em todos os aspectos. Atrasos eram muito comuns. Tá certo
que hoje ainda tem, mas não são como antes. Assalto, então, antigamen-
te tinha muito, hoje é mais difícil", avalia.
Mesmo utilizando os trens nos famosos horários de pico, Batatinha
consegue manter a calma com as superlotações. "Na verdade não adianta
fazer muita coisa. Tenho de trabalhar, e muitas outras pessoas também.
Então, fazer o quê?! Sempre soube relevar...", diz ele despreocupado em
pegar os trens lotados.
Como ele diz, "graças a Deus" não passou por nenhum apuro durante
as viagens. Mas sempre soube de tudo que acontecia. "Alguns amigos
meus foram assaltados. Eu nunca. Os arrastões eram freqüentes. Quan-
do acontecia isso, no outro dia eu ficava sabendo", diz. Os chamados
"arrastões" eram assaltos em grupos, realizados dentro dos vagões. Se-
gundo batatinha, participavam desse assalto homens e mulheres, sempre
agindo armados e rapidamente.
Numa conversa com Batatinha sobre os trens, é possível notar que,
para ele, o sistema de transporte mudou muito, e para melhor. Mas existe
algo que ele sempre analisou, e que desde sempre foi assim. Batatinha
tem uma espécie de teoria sobre os usuários da CPTM e do Metrô. Par-
tindo do princípio de que são as mesmas pessoas que utilizam ambos os
meios de transportes, elaborou uma pergunta pertinente: porque o com-
portamento das pessoas é diferente em cada meio de transporte? "Quem
pega trem e metrô diariamente pode prestar atenção: o comportamento
dos passageiros muda assim que passam para o metrô. A educação está
mais presente no metrô", ressalta batatinha, que aponta como um dos

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motivos dessa maior educação dos usuários no Metrô, o trabalho efetivo
da empresa.
Assim como ele, muitos amigos e conhecidos utilizam o trem para
trabalhar. Todos com muito tempo de experiência nos vagões. Mas além
do meio de transporte, eles têm outra coisa em comum: o jogo de cartas.
“Para passar o tempo eu e alguns amigos vamos trabalhar e retornamos
jogando baralho! È muito divertido! Assim fazemos novas amizades,
conhecemos pessoas diferentes. O trem é lugar de fazer amizade, de
criar laços”, diz ele, que sempre é o último dos amigos a sair do trem em
direção à casa.
Esse gosto por novas amizades e de sempre estar com amigos tem
uma explicação. Batatinha faz parte de um grupo de escoteiro em Mogi
das Cruzes há mais de 15 anos. Entre os princípios desse movimento,
que existe em todas as partes do mundo, estão lealdade, honra e, claro,
respeito e amizade. “Ser escoteiro é uma das minhas maiores paixões,
depois da minha família”, afirma ele.
Como um bom escoteiro, Batatinha nunca perde a calma, mesmo com
os grandes atrasos dos trens, que ele já foi vítima nesses anos. Segundo
ele, houve épocas em que todos os dias chegava atrasado ao trabalho. E
sempre com a desculpa que o trem atrasou ou quebrou no caminho. Era
a mais pura verdade, mas, para atrasos no trabalho, desculpas são sempre
desculpas.
Esses atrasos aconteciam por vários motivos. Há algum tempo, de
acordo com ele, era normal os trens da Linha 11 realizarem a viagem
com as portas abertas, momento em que muitas pessoas, na maioria
jovens, se arriscavam subindo sobre os trens e também ficando pendu-
rados nas portas. Esses jovens eram conhecidos como surfistas de trem
e pingentes, e já protagonizaram diversas tragédias.
“Os trens sempre andavam com as portas abertas e superlotados. As-
sim, muitas pessoas seguiam viagem penduradas nas portas e outros
ainda, por diversão, subiam sobre o teto do trem. Já ocorreram várias
mortes. Cada vez que alguém cai na linha, o trem ficava parado até retira-
rem o corpo do local. Aí eram horas de espera com todos os passageiros
sempre de mau humor e reclamando”, conta.
Segundo Batatinha, essas pessoas que arriscavam as vidas foram desa-

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parecendo gradativamente, na medida em que a fiscalização aumentava.
Mesmo com todos esses anos de experiência nos trens, Batatinha afir-
ma que cada viagem é única, em todos os aspectos. “Ninguém sabe o
que vai encontrar pela frente. Um local cheio de pessoas de pessoas
diferentes sempre reserva alguma surpresa”, diz.
Ele nem pensa em parar tão cedo, ou mesmo mudar para perto do
trabalho. Para ele, São Paulo é apenas para trabalhar, e nada mais.

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Estação
Brás Cubas

“Construindo uma vida


sobre os trilhos”

I magine o mundo inteiro com apenas um meio de transporte:


o trem. Ou melhor, imagine apenas o Brasil, com sua extensão
de oito milhões de km² e mais de 180 milhões de habitantes, tendo como
opção de transporte coletivo apenas os trens sobre seus trilhos. Nada
de aviões, carros, ônibus e muito menos táxis. Esse é um dos sonhos
da pernambucana Fátima, de 36 anos, como ela mesma explica. "Se eu
pudesse administrar o Brasil, faria muitas estações de trens ligando todos
os estados e todas as cidades. Colocaria os trens em todo lugar".
Fátima nasceu no município de Canhotinho, que tem esse nome de-
vido à história de dois irmãos. Um deles era conhecido por todos pelo
apelido de Canhoto e, como forma de diferenciá-los, o outro ficou sendo
chamado de Canhotinho. A cidade fica próxima a Garanhuns, "cidade
natal do nosso presidente Lula", ressalta Fátima com muito orgulho.
Sua história não é diferente da de muitos pernambucanos deste país.
Fátima morava com a grande família - ao todo eram 11 pessoas vivendo
em um sítio – quando, aos seus 23 anos, no ano de 1996, vendo aos pou-

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cos os irmãos saindo de casa rumo à São Paulo em busca de uma vida
melhor, resolveu também deixar a cidade natal. Foi a última das irmãs
que saiu de casa, deixando lá apenas seu pai, sua mãe e uma tia.
"Quando pensei em vir pra São Paulo, foi uma coisa muito louca sabe!
Deixei tudo pra trás e resolvi tentar a vida aqui", lembra, com os olhos
pretos brilhando.
Quando chegou a São Paulo, foi morar com os irmãos, que já estavam
aqui. Mas, logo que chegou, outra surpresa: os sete irmãos, um a um
foram "ajeitando a vida", e deixando a casa. Até que, antes de ser nova-
mente a última das irmãs, Fátima casou-se com um antigo namorado de
Canhotinho, que também estava em São Paulo. "Vi novamente minha
família se separando. Cada um tomando seu rumo. Então resolvi casar.
Pois, pra mim, casamento é como um jogo, fui tentar pra ver se dava
certo", conta ela.
Casou em 1997, apenas um ano depois de chegar em São Paulo. Já
com o marido, mudou-se para Mogi das Cruzes, no bairro chamado
Rodeio. Nesse lugar, Fátima diz que viveu muito sofrimento. "Fui morar
com meu marido num local invadido, que, quando chovia, a água tomava
de conta tudo. Meu sonho sempre foi sair de lá", recorda.
Assim que conseguiu mudar de casa, para o atual bairro onde mora,
Brás Cubas, Fátima deparou-se com mais um obstáculo: o marido per-
deu o emprego. Mas agora não eram apenas o casal na casa. Havia tam-
bém o primeiro filho, que hoje tem 13 anos.
Sem emprego, e conseqüentemente sem dinheiro, Fátima incentivou
o marido a entrar para um ramo diferente: o comercio ambulante nos
trens. "Inventa alguma coisa homem de Deus! Você precisa trabalhar!",
disse ela ao marido, já com uma garrafa térmica nas mãos cheia de café,
"Vá vender cafezinho na porta da estação".
No primeiro dia, como vendedor de cafezinho, a vergonha não deixou
seu esposo trabalhar. Ele voltou para casa sem vender nada. Mas Fátima
estava decidida que ele precisa fazer alguma coisa. "Vai pro trem vender
sorvete", ordenou ela.
Fátima lembra que o primeiro dia de trabalho de seu marido no trem
não foi muito feliz. "Eu comprei uma caixa de isopor e lotei de sorvetes.
Mas olhe só: num é que ele deixou o sorvete se derreter todinho", diz ela

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com seu sotaque marcante, rindo sobre a trapalhada.
Como a necessidade era grande, dessa vez, o marido de Fátima conti-
nuou as vendas nos trens, mas não com sorvetes, e sim com chocolates.
Mesmo com a renda do trabalho diário nos trens, o orçamento da famí-
lia ainda era apertado. Foi quando Fátima tomou uma decisão que, como
ela diz, mudou sua vida para melhor.
"Eu já trabalhei com muitas coisas. Já fui doméstica, costureira, feiran-
te. Mas com meus filhos pequenos não tinha como trabalhar. Aí decidi
ir vender nos trens durante a noite, e deixava minhas crianças com uma
pessoa". Essa decisão foi tomada há seis anos.
No início, começou vendendo cervejas, mas logo mudou para o cho-
colate, por dois motivos em especial. "Vender cerveja é complicado, é
muito pesado! Parei de vender pelo peso e também porque vender bebi-
da alcoólica é proibido! Se bem que, na verdade, vender qualquer coisa
nos trens é!", diz ela entre risos.
Com o trabalho, além da nova renda, Fátima conseguiu independência.
"Não existe nada melhor que a gente tomar conta do nosso nariz!". Na
época, a renda contribuiu muito, pois a família já contava com mais um
integrante: o filho caçula. Eram dois filhos, Fátima e o marido.
Fátima lembra que o primeiro dia de trabalho foi difícil, mas com a
experiência de quem já trabalhou em feira, que, como ela diz, são pesso-
as comunicativas e "desenroladas", ela superou e pegou gosto pelo tra-
balho. São muitas as histórias vividas por essa pernambucana, algumas
engraçadas, outras tristes, e outras ainda de violência.
O comércio dentro dos trens e nas estações é expressamente proibido.
Para tentar controlar e inibir essas ações, encarregados da vigilância da
CPTM realizam uma verdadeira caça de cães e gatos.
Fátima lembra bem da primeira vez que foi pega vendendo e obrigada
a entregar a mercadoria. Ela estava na estação Calmon Vianna, junto
com outro ambulante. Mas com jeitinho, Fátima conseguiu contornar a
situação. "Eu sempre soube que poderia ser pega. Aí, uma vez, um guar-
da, um morenão, alto, forte e folgado pra caramba, me viu vendendo
com outro ambulante e disse: 'vocês num sabem que não pode trabalhar
aqui? Vou levar essas mercadorias'". Realmente o vigilante levou e pediu
para acompanhá-lo. Foram todos para uma sala na estação. Enquanto

26
o outro ambulante discutia com vigilante, Fátima teve uma idéia, como
ela conta. "O vigilante deixou minhas coisas em cima duma mesa. Aí eu
fingi que fui no banheiro e aproveitei para pegar tudo. Coloquei toda
mercadoria dentro da minha blusa. Só ficaram quatro barras de chocola-
te e 20 balas de goma", diz ela demonstrando orgulho com o olhar.
Uma das últimas vezes que Fátima foi pega, além de perder toda a
mercadoria, acabou sendo vítima de violência física. Segundo ela, o vigi-
lante da CPTM percebeu que ela estava vendendo e a abordou. "Quando
percebi que o cara me viu, sentei e guardei meus chocolates. Ele chegou,
me puxou com ignorância e torceu meu braço tentando pegar minha
mochila. Mesmo assim eu não deixei e disse que só uma vigilante mulher
iria mexer nas minhas coisas". Para "felicidade" de Fátima, a vigilante
feminina foi até o local e pegou apenas parte da mercadoria, tentando
colaborar com ela.
Não satisfeito o vigilante percebeu que Fátima ainda tinha chocolates
e dessa vez utilizou mais força. "Quando ele viu que eu ainda tava com
alguma mercadoria, agarrou meu pescoço e me levou pra uma sala da es-
tação. Aí sim, ele conseguiu pegar o restante", diz indignada. O resultado
dessa violência foram quatro dias com o corpo dolorido, um boletim de
ocorrência feito por ela na delegacia e nenhuma providência ou punição
pela violência cometida.
Mesmo com essas e outras dificuldades na rotina de trabalho realizado
de domingo a domingo, sempre no período da noite, Fátima tem grande
apreço pelo trem. "O trem é o melhor meio de transporte que existe.
Quem inventou o trem está de parabéns! Foi uma ótima invenção. Eu
trato dele como se fosse minha casa", confessa.
Questionada a respeito de trabalhar em outra função, fora dos trens,
ela diz sem hesitar. "Eu não quero saber de outro serviço. Hoje o salário
para trabalhar lá fora é muito baixo".
A renda vinda do comércio dos trens é utilizada para o sustento dela
e dos dois filhos, pois há três anos deixou o marido. Hoje ela mora em
Brás Cubas em casa alugada. Além da renda e da independência, o trem
ainda lhe rendeu um novo amor. O destino quis que a ambulante namo-
rasse exatamente um vigilante da estação. O palco do início dessa relação
foram os trilhos.

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Fátima conheceu o atual namorado na estação. Segundo ela, o vigilante
já a paquerava há algum tempo. Certo dia, ele finalmente se declarou. "Faz
tanto tempo que eu sou louco pra namorar com você, e você nem dá
atenção pra mim!", disse o vigilante apaixonado. "Aí eu disse: quem sabe
um dia!", lembra ela. Já são dois anos que o casal está junto, mas cada um
na sua casa, pois Fátima não pensa em casamento por enquanto.

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Estação
Jundiapeba

“A profissional da beleza”

D e acordo com o dicionário Aurélio, cabeleireiro é o profis-


sional que corta, pinta ou faz alterações no cabelo das pes-
soas. Mas, para Valéria Souza, que é cabeleireira e atua há quatro anos na
profissão, o significado é bem maior. "Nós cabeleireiros salvamos vidas!
Muitas pessoas chegam destruídas, sem auto-estima, acabadas mesmo! E
depois que saem do salão, estão diferentes. Cheias de vida, falantes, um
arraso!", diz a jovem de 25 anos, que é apaixonada pela profissão.
Moradora de Jundiapeba, distrito periférico de Mogi das Cruzes, Valéria
nunca sonhou em ser cabeleireira, mas foi escolhida pela profissão. Se-
gundo ela, sempre que amigos queriam mudar o visual, pediam opiniões e
uma ajudinha. "Nossa! Nem sei quantos cabelos eu pintei e dei uma 'apa-
rada' mesmo antes de pensar em atuar profissionalmente", lembra.
O primeiro trabalho como profissional, após completar curso de um
ano, foi em um salão localizado no centro de Mogi das Cruzes. Lá, sem-
pre popular e simpática, Valéria conquistou muitos clientes e amizades,
e pegou mais gosto pelo trabalho.
Entre muitos cortes, colorações, hidratações e escovas, Valéria recebeu
uma cliente especial. Segundo ela, uma mulher "fina e elegante, uma verda-

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deira lady", entrou no salão e pediu para cortar e escovar o cabelo, porém
com uma condição: queria ser atendida exclusivamente por ela. De início
Valéria achou estranho, mas atendeu a cliente da melhor forma possível.
O que ela desconhecia era o real propósito da cliente. Na verdade,
ela era dona de um salão de beleza em São Paulo, na região da famosa
Avenida Paulista, e estava em busca de uma nova profissional. Como a
família morava em Mogi, e uma das irmãs freqüentava o salão de Valéria,
ela ficou sabendo do trabalho de qualidade realizado pela profissional.
"Assim que eu terminei de atender, ela me chamou de lado e me ofere-
ceu trabalho no salão dela, em São Paulo. Disse que precisava de alguém
como eu, e que eu não iria me arrepender em trabalhar com ela. Aí eu
me senti, né, meu bem!", diz Valéria com seu largo sorriso, fazendo pose
com as mãos nos cabelos coloridos.
Não deu outra. Conversou com a mãe e resolveu aceitar a proposta.
Começou no salão de beleza de São Paulo três semanas depois. "Eu nun-
ca pensei que iria trabalhar em São Paulo. Pegar trem e metrô todos os
dias. Nossa! É uma luta, mas vale a pena. Como eu sempre digo: ganho
pouco mas me divirto" ,diz ela, sem revelar o salário.
Dona de humor invejável, Valéria sempre chama atenção por onde
passa, inclusive nos vagões de trem. Os motivos são dois. Em especial, a
risada estridente. O outro, ela mesma explica: "Como eu sou gordinha...
Bem, na verdade, sou gorda mesmo, todo mundo fica me olhando e ima-
ginado quando eu vou fazer alguma 'cagada'. Por que sabe, né? Gordo
sempre se atrapalha em lugares muito cheios", revela entre gargalhadas.
Com 1,69 cm de altura e mais de 100 quilos (o peso correto ela não
revela), Valéria já protagonizou muitas atrapalhadas nos vagões de trem.
Fã dos vendedores ambulantes e de quitutes como salgadinhos, amen-
doins e chocolate, na volta do trabalho, ela sempre compra "alguma coi-
sinha para mastigar". Numa dessas mastigadas, algo deu errado. "Meni-
no, você não sabe! Acredita que uma vez, com o trem lotado e eu toda
chique e fina, com meu lindo uniforme de trabalho, me engasguei com
um amendoim?", conta. "Foi uma loucura! Comecei a ficar com falta
de ar, derrubei minha bolsa no chão, cai no colo de uma senhora. Meu
Deus! Foi um desastre!".
O resultado desse desastre foi uma comoção geral do trem. Todos

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ajudaram Valéria a levantar do chão e a desengasgá-la. "Um cara ficou
batendo nas minhas costas pensando que eu ia desfalecer sem ar! Só
pode!", completa.
Mas além das trapalhadas, Valéria já “salvou uma vida” nos vagões,
com as ferramentas de uma cabeleireira: tesoura e pente. Numa segun-
da-feira chuvosa, enquanto aguardava o trem na plataforma da estação
Jundiapeba, avistou do lado de fora da estação uma mulher muito bem
vestida correndo em direção à estação tentando se esquivar da chuva.
Assim que entrou no vagão do trem, a tal mulher bem vestida, sentou-
se ao lado dela reclamando que ia a uma entrevista de emprego e estava
com o cabelo destruído devido à chuva. Sem pensar muito, Valéria disse
que era cabeleireira e que poderia ajudar. "Eu vi aquela mulher...tadi-
nha! A chapinha dela toda molhada e armada! Imagina aquele cabelo pra
baixo da cintura e armado! Uma judiação! Fiquei com peninha e resolvi
ajudar!", diz ela.
Segundo Valéria, a melhor alternativa para dar um jeito naquele cabelo
foi molhar ainda mais, passar um creme (que ela tem sempre na bolsa),
modelar os cachos e prender com alguns grampos. "Porque você sabe,
né?! Cabelo ruim é igual ladrão. Se não está preso, está armado", ressalta
ela, que, além de ganhar uma amiga, ganhou mais uma cliente, já que a
mulher era praticamente sua vizinha.
"Eu amo as 'coisas' do trem! São tantas pessoas diferentes, estilos,
conversas...é muito variado. Acho que sou um pouco estranha, porque
adoro os horários de pico. Adoro ver tudo cheio", confessa ela, que gos-
ta de trabalhar longe de casa, e nem pensa em mudar de cidade.
Antes de utilizar todos os dias o meio de transporte, Valéria não pres-
tava atenção em fatos que ela hoje analisa sobre o cotidiano dos trens.
Segundo ela, quem adquire "experiência nos vagões", consegue ter um
olhar mais sensível para notar tudo que acontece. "É incrível como toda
segunda-feira tem alguém comentando de uma reportagem do Fantásti-
co do domingo anterior. Sexta, todos programando a baladinha da noite
ou fazendo planos pro fim de semana. E claro, segunda e sexta são os
dias que batem recordes de atrasos nos trens e também os dias em que
os trens estão mais cheios", diz. Mas o trem também reserva alguns
perigos. Valéria lembra bem do dia em que, por sorte, não foi atingida

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por uma pedra que invadiu o vagão pela janela. De acordo com ela,
numa das voltas para casa, já na estação Poá, dois homens entraram no
trem e sentaram um de cada lado dela. Os dois começaram a conversar,
e ela gentilmente pediu para trocar de lugar com um deles, para que
eles continuassem a conversa mais tranqüilos. E assim fez. Trocou de
lugar. A grande surpresa veio em menos de cinco minutos. Uma pedra
atingiu em cheio a cabeça de um dos homens. Exatamente na daquele
com quem havia trocado de lugar. "Você não tem noção! A pedra era
para acertar em mim! Mas como troquei de lugar, pegou o cara do meu
lado", lembra ela, que ajudou o homem atingido entregando para ele
uma toalha para estancar o sangue. Claro que, além de ajudar, também
ficou amiga, e mantém contato com seu "salvador", como ela diz, até
hoje. “Ah! Trocamos telefone e marcamos de tomar uma cerveja. Nada
mais, seu curioso!”.
As amizades que ela vai somando a cada viagem, mesmo em situações
complicadas, são para Valéria mais que bons motivos para continuar em
frente. "Já conheci desde bêbados chatos até um estudante de Jornalis-
mo que me entrevistou para fazer um livro-reportagem. Agora vou ficar
famosa. Já avisei todas minhas clientes do salão!", diz ela, sempre com
um largo sorriso.

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Estação
Suzano

“O bom passageiro ao
trem retorna”

P ara muitas pessoas, a vida agitada das cidades metropolitanas


é sinônimo de má qualidade de vida. Trânsito, poluição e fal-
ta de tempo são fatores que contribuem para que cidades como São Pau-
lo, e outras ao redor, sejam campeãs nas reclamações dos moradores.
Matheus Barreto, jovem de 24 anos, morador de Suzano, fazia parte
da população que reclamava diariamente do caos das metrópoles. Pois
bem, fazia parte. Hoje, nem pensa em reclamar, pois sentiu na pele o
que é morar num ambiente no mínimo bucólico. Matheus viveu a ex-
periência de morar quatro meses fora de São Paulo, em Ourilândia do
Norte, município do estado do Pará, na região norte do Brasil. O rapaz
acostumado em viajar diariamente nos abarrotados trens de alumínio da
CPTM, em direção ao centro da capital paulista, aceitou, no início de
2008, uma proposta de trabalho no pequeno município, que, segundo
ele, tem como meio de transporte coletivo poucos ônibus, alguns moto-
táxi, e muitos caminhões pau de arara.
“Eu sou formando em Técnico de Segurança do Trabalho, e atuava

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numa consultoria na região da Avenida Paulista. Local super agitado. Não
aguentava mais pegar trem lotado todos os dias, para sair de Suzano e ir
pro trabalho. Sem contar a volta, que também é um sacrifício”, diz ele.
As diferenças entre Suzano e Ourilândia do Norte são evidentes. O pe-
queno município do Pará tem apenas 20 anos de emancipação e aproxima-
damente 20 mil habitantes. Suzano, com quase de 280 mil habitantes, foi
emancipada no final de década de 40, e destaca-se na grande São Paulo por
se um pólo industrial. Contrastando com Suzano, Ourilândia do Norte co-
meçou o desenvolvimento econômico com a chegada de uma das maiores
empresas nacionais do setor de mineração há 1 ano e meio. Segundo Ma-
theus, a empresa foi responsável por mudanças no cotidiano das pessoas e
da infra-estrutura. Mudanças que ele aponta com positivas.
“Quando recebi a proposta para trabalhar na empresa de mineração, fui
avisado sobre as condições da cidade. Lá realmente não tem nada. Se exis-
te o fim do mundo, deve ser parecido. Mesmo assim aceitei. Por dois mo-
tivos. Pelo salário ser quatro vezes maior que o meu em São Paulo e pela
minha necessidade na época, de paz, sossego e tranquilidade”, explica.
Nos trens da Linha 11 Coral, Matheus estava acostumado a encontrar
sempre pessoas diferentes, ouvir conversas variadas e acompanhar a tecno-
logia nas maõs dos passageiros, como modernos telefones celulares e poten-
tes aparelhos mp3. Já no Pará, tudo parecia igual e parado no tempo
Shoppings, lojas de conveniência, livrarias, pizzarias e restaurantes, es-
tabelecimentos mais que comuns em São Paulo, em Ourilândia do Norte
são uma espécie de lenda urbana. “É muito louco isso. Não tem nada,
nem coisas simples e de primeira necessidade. Acho que na cidade toda
tem apenas sete orelhões. É muito precário”, conta Matheus, que morou
em uma casa cedida pela empresa com outros três funcionários, que ele
se refere como “fugitivos da cidade grande”, já que eles são do Rio de
Janeiro, Belo Horizonte e Salvador, locais bem agitados.
De acordo com Matheus, o início não foi “tão ruim”. Já que para ele,
não precisar pegar trânsito e nem andar de trem lotado já era um prêmio.
Mas com o passar dos dias, tudo foi ficando monótono e entediante. O
local trabalho dele, uma mina de extração de níquel, ficava aproxima-
damente 30 minutos da casa, trajeto que ele fazia no carro da empresa,
pelas estradas de chão batido. Ele era responsável, juntamente com ou-

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tros nove técnicos, por orientar os trabalhadores sobre a importância do
uso dos equipamentos de segurança e proteção. Além de orientar, ele
também fiscalizava e punia os trabalhadores que desreipeitavam a regra.
Ficava por dia mais de 12 horas trabalhando, não por exigência da em-
presa, mais sim porque ele queria. Já que saindo do trabalho não haveria
nada para fazer. Para muitos, ficar em casa assistindo TV já seria uma
opção. Mas lá, TV só por sinal via satélite. Que só foi fazer parte da vida
de Matheus um mês após a chegada na cidade.
“Todos os dias eu ficava lembrado dos momentos agitados de São Paulo.
Dos empurroões no trem para chegar ao trabalho, dos atrasos constantes
e até dos amendoins e das balas de goma que eu comprava nos vagões.
Porque comer lá em Ourilândia também é um desafio”, recorda ele.
Além de Técnico de Segurança do Trabalho, Matheus também é músi-
co, e toca diversos instrumentos. Entre eles, o que mais gosta é a guitarra
e violão. Mas lá, nem desse gosto pode desfrutar. Segundo ele, o barulho
da guitarra não iria agradar muito os nativos da região, então resolveu to-
car apenas o violão. E para sua supresa, no momento em que ele pegou
o violão para tocar, percebeu que faltava um das cordas. E procurar uma
loja de instrumentos musicais lá, seria até uma piada de mal gosto.
Não foi apenas esse “sofrimento” de origem musical que ele passou.
Foi apresentado também ao que ele chama de “aborto musical”, o Tech-
nobrega. Segundo ele, o ritmo é uma espécie de mix do funk carioca, o
forró nordestino e a música eletrônica das pick-us dos Dj’s. “Imagine a
banda Calipso misturado com batidas eletrônicas do funk e letras total-
mente vulgares. Pronto, você já sabe o que é Technobrega”, diz ele, que
lembra também que o grupo mais “famoso” que realizou um show na
cidade foi um cover de Chiclete com Banana.
Os perigos também fizeram parte do cotidiano de Matheus durante
os quatro meses em que morou em Ourilândia do Norte. No próprio
trabalho, os superiores e os funcionários que estavam lá há mais tempo
já lhe repetiam uma dica essencial. “Nem pense em ficar doente ou se
acidentar. Aqui, um simples corte na mão, pode te levar à morte”, diziam
todos. Esse medo é resultado da precariedade do sistema de sáude do
município e dos perigos eminentes.
Ele conta que logo na chegada da mineradora na cidade, um funcio-

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nário foi atacado durante o trabalho. Não por um sequestrador ou um
assaltante, fato que seria até comum nas metrópoles. Mas por uma onça.
“Eu não estava trabalhando lá ainda. Mas fiquei sabendo assim que che-
guei. Um funcionário estava trabalhando e do nada, uma onça passou
pela mineradora e o atacou. Só sobraram as roupas do homem que fo-
ram encontradas um dia depois”, lembra ele.
Fatos como esse não são do conhecimento geral da pequena popu-
lação da cidade, pois veículos de comunicação, como jornais e rádios,
simplesmente não existem. O único meio para ficar atualizado é a notícia
boca-a-boca. Ele, que estava acostumado a ler todos os dias os principais
jornais de São Paulo, ficou alheio às notícias locais.
“Quando fui para Ourilândia do Norte pesquisei na internet informa-
ções sobre a cidade. Não encontrei nada, além de dados demográficos.
Não existe Blog, site, jornal, nada que fale da cidade. É realmente o fim
do mundo!”, diz.
A gota d’água para que Matheus resolvesse retornar para o caos e tam-
bém para os trens da cidade aconteceu num típico domingo, sem nada
para fazer.Ele estava sozinho, jogando videogame - um dos poucos pas-
satempos -, quando um índio apareceu no portão e ficou olhando para
bananeira no quintal. Segundo ele, o índio devia ser da tribo indígena
vizinha ao munícipio. “O índio me chamou e disse: ‘índio quer banana.
Pode subir e pegar?’”, imita ele. “Eu fiquei com medo dele subir lá e se
machucar. Pois eu poderia ser até acusado FUNAI. Então eu disse que
não, e expliquei o motivo. Mas o índio, não satisfeito disse: ‘homem
branco pensa que índio é burro? Índio sabe subir em árvore’. Mesmo
assim eu não autorizei”, completa ele.
Depois de não autorizar novamente a escalada na árvore, ele voltou
para o videogame e o índio foi embora. Minutos depois, pela janela da
casa, Matheus vê uma cena, que segundo ele, nunca irá esquecer. “O
índio voltou com mais quatro e com machadinhas na mão. Eu pensei:
‘pronto, vou morrer à machadadas’. Eu estava sozinho na casa, e não
tinha como chamar ajuda”, lembra ele. Matheus não deixou o desespero
tomar conta da situação. Fechou toda a casa e ficou espiando pela janela
a movimentação. Mais de 40 minutos depois, os índios foram embora da
frente da casa. Mas ele decidiu que não iria ficar para esperar o retorno

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dos nativos. No outro dia, segunda-feira, foi até o RH da empresa e pe-
diu transferência de posto, como não conseguiu, optou pela demissão.
Na sexta-feira já estava em Suzano, na casa dos pais.
Assim que chegou em São Paulo, foi até o antigo emprego, e voltou a
trabalhar. Desde a volta para São Paulo, Matheus enxerga de modo dife-
rente os trens lotados e todo caos da cidade. “Me enganei. Não consigo
viver fora da agitação de São Paulo”, diz ele, em pé, balançando junto
com os demais passageiros no vagão do trem em movimento.

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Estação
Calmon Viana

“Amo muito tudo isso”

R ealmente, gosto não se discute. Enquanto diariamente, milha-


res de pessoas viajam nos trens sempre reclamando, outras,
mesmo que poucas, gostam muito, desse meio de transporte, mesmo
com todos os problemas eminentes.
Simone de Oliveira, jovem de 23 anos, afirma que uma de suas metas
sempre foi trabalhar em São Paulo, para que pudesse utilizar os trens
todos os dias. “Sempre tive vontade de sentir na pele a experiência de
pegar trem diariamente. Nunca entendi porque a grande maioria das
pessoas reclama tanto”, explica ela.
Antes de utilizar os trens da Linha 11 Coral, Simone trabalhava em
Mogi das Cruzes, cidade em que nasceu e vive com a família. Em feve-
reiro de 2008, recebeu uma proposta de para trabalhar em Poá, no bairro
Calmon Viana. Além do salário mais atraente, segundo ela, duas vezes
maior, com o novo emprego ela poderia alcançar a meta de pegar trens
todos os dias. Evidente que Simone aceitou sem hesitar. Para aumentar
ainda mais o contato dela com os trens, uma das tarefas de Simone no
novo trabalho era visitar as outras empresas localizadas em bairros de
São Paulo, como Pinheiros, Santo Amaro e Granja Viana.
“Quando recebi a proposta para trabalhar como auxiliar de RH, fiquei
super feliz! Liguei e avisei todos meus amigos que finalmente eu iria pe-

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gar os trens todos os dias”, lembra ela empolgada.
Não acostumada a pegar trens, nem mesmo para passear, Simone diz
que amou as novas experiências. E logo despertou gosto por um dos
passatempos preferidos por ela, quando está sozinha nos trens: observar
as outras pessoas e identificar personalidades. “Meu, no trem, tudo é
muito diversificado. Muitos papos, estilos diferentes. Adoro ver o jeito
das pessoas, as posturas, as atitudes. Acredita que eu também fico pro-
curando pessoas comparecidas com famosos?”, diz ela rindo da atitude.
“Já vi um cara que parecia o tal Moisés da Bíblia, aquele que andava no
deserto! Só faltava o cajado, porque a barba, o cabelo e até o chinelo de
couro, o cara tinha!”.
Mesmo “amando” utilizar todos os dias os trens, Simone diz que todos
os dias é um desafio entrar nos vagões lotados de pessoas. Principalmen-
te nas estações Guaianazes e Luz. “Sabe, eu amo andar de trem. Mas a
forma com que as pessoas entram nos vagões, isso me irrita muito. É
muita violência”, aponta. Mas, segundo ela, com uma boa pitada de hu-
mor e jogo de cintura, tudo fica melhor. “No horário de pico, quando
todos tentam entrar empurrando dentro do trem, quando eu vejo um
gatinho, em vez de empurrar, eu apalpo. Não gosto de violência”.
Para ela, o grande problema dos trens não é exatamente a parte ope-
racional, mas os usuários, que em muitas vezes, não têm o mínimo de
educação. Ela mesma já foi vítima dos empurrões no momento de entrar
no vagão. Como ela diz, “baixinho sofre antes, durante e depois das via-
gens”. Simone, tem apenas 1,52 cm, e diz que devido a altura, é muito
complicado conseguir se apoiar com o trem em movimento. “Nossa!
É uma luta! Nunca consigo segurar nas barras de apoio. Uma vez até
cai em cima de um senhor, que estava dormindo no banco! Mas o fato
que não posso perder a piada. Sempre dou risadas das situações, e assim
nunca me envolvi em brigas. Já fiz cara feia para alguns engraçadinhos,
mas nunca briguei”.
Mesmo sofrendo devido à estatura, Simone diz que não são os baixi-
nhos que as grandes vítimas. Para ela, os passageiros inexperientes so-
frem muito mais. “Os passageiros que pegam trem sempre, aprendem
alguns macetes para facilitar a viagem. Já, quem é novato, e não tem
noção de como é pegar trem cheio, sempre se estressa”, ressalta.

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Além de sofrerem mais, para Simone, os novatos também protagoni-
zam a maioria das confusões nos trens. Segundo ela, eles não “levam na
esportiva” as dificuldades da viagem. “Gente, quem reclama dos trens
deve pegar outro meio de transporte. Ninguém é obrigado a nada! Ou
então, mude o jeito de encarar a realidade! Bom humor não faz mal pra
ninguém!”, explica.
Além de utilizar a Linha 11 Coral, ela viaja também nas outras linhas
da CPTM e também de Metrô. Com o tempo de experiência nesses
transportes, Simone conseguiu traçar o perfil dos distintos usuários. Para
ela, os usuários do Metrô, mesmo em meio ao tumulto, não utilizam
de força para entrar nos vagões. Ela atribui parte dessa educação ao
trabalho efetivo do Metrô, que mesmo com as superlotações, consegue
atender de forma digna os passageiros, sem muitos atrasos ou problemas
sem explicação.
Uma das maiores críticas de Simone ao sistema operacional da CPTM
é a obrigatoriedade da troca de trem na estação Guaianazes, a famosa
baldeação. Para ela, é uma falta de respeito da companhia com os passa-
geiros que moram depois de Guaianazes. Pois, a precariedade dos trens
que realizam o trajeto de Guaianazes à Estudantes é visível em todos os
aspectos. “Porque o Expresso Leste não vai até Estudantes? Até hoje
me pergunto isso. Com certeza a CPTM deve ter uma resposta para
minha pergunta. Mas, só quem pega todos os dias aquele trem velho
de alumínio, sabe como seria melhor fazer essa viagem em trens mais
modernos”, questiona. “O pior de tudo é saber que o Expresso Leste
vai diariamente até Jundiapeba, mas só pra ‘tomar banho’. É lá que eles
limpam o trem. Já que ele pode continuar viagem até lá, por que não
levam os passageiros também?”, conclui.
Outra questão que Simone aponta com negativa é a ilegalidade do co-
mércio ambulante. Não por causa dos trabalhadores, mas sim pela falta
de atitude da CPTM em tentar resolver essa situação de uma maneira
boa para todos: passageiros, vendedores e a companhia.
“Tentar esconder os trabalhadores ambulantes e simplesmente fingir
que eles não existem, não é a maneira correta de resolver as coisas. De-
veria ser proposta alguma forma de legalização dos ambulantes. Quem
pega trem sabe que eles têm muito potencial em vendas, sabem trabalhar

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e precisam disso”, diz ela.
Mesmo com essas e outras situações apontadas por Simone como ne-
gativas, a passageira continua adorando as viagens de trem. “Foi simples-
mente uma conquista para mim! Para muitas pessoas pode até parecer
bobagem, mas para mim, é muito bom. Adoro pegar trem, e continuará
sempre assim”.

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Estação
Poá

“A maldição da Rua 25 de Março”

"D izem que quem trabalha na Rua 25 de Março em São Pau-


lo é vítima de uma maldição: uma vez que você começa
trabalhar lá, não sai nunca mais! Fica lá até o fim!", afirma Terezinha
Bezerra, que comprova a profecia, "Trabalho lá desde 2002, até já mudei
de trabalho, mas nunca sai da 25!".
Moradora da cidade de Poá, na grande São Paulo, Terezinha tem 39
anos e trabalha numa típica loja da Rua 25 de Março que comercializa
bijuterias no atacado. Todos os dias ela enfrenta aproximadamente três
horas de viagem nos trens da Linha 11 da CPTM, somando ida e volta.
Mas sua história não começou em Poá, nem tampouco na Rua 25 de
Março. Terezinha é cearense de Araripe, segundo seu RG, mas nasceu
em Potengi, e viveu em Santana do Cariri. Confuso? Então deixa que ela
explica. "Eu nasci na cidade de Potengi, no Ceará, mas na época lá não
existia cartório, então meu registro de nascimento foi feito na cidade
vizinha, que é Araripe. De verdade, eu morei mesmo em Santana do
Cariri, cidade que também é vizinha. Bem, você entendeu né?", diz ela,
com bom humor e jeito alegre.
Antes de chegar em São Paulo, Terezinha viveu os primeiros 25 anos

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de vida em Santana do Cariri. Lá, trabalhou como telefonista e também
como professora de escola pública e particular. Lecionava para crianças
de 1ª a 4ª séries, pois na época cursava Letras na URCA - Universidade
Regional do Cariri, curso que ela desistiu logo no primeiro ano, pois sua
vontade era outra. "Resolvi fazer o vestibular para Letras de tanto minha
mãe falar e também porque minhas amigas iriam entrar para faculdade.
Mas o que eu queria estudar mesmo era Jornalismo. Mas lá não tinha o
curso e muito menos campo para trabalho", lembra.
Ainda antes de pensar em ir para São Paulo, com apenas 21 anos,
Terezinha viu-se grávida de um namorado, do qual ela faz questão de
expor as "qualidades". "Era um safado, sem vergonha. Fiquei grávida e
ele disse que ia assumir meu filho. Chegou a conversar com meus pais e
tudo. Mas na hora h, em vez de assumir, ele sumiu mesmo!".
Em 1995, Terezinha recebeu convite para tentar morar em São Paulo,
pois alguns amigos estavam tentando a vida na capital paulista e mora-
vam juntos na zona leste da cidade, no bairro Vila Industrial. Desem-
pregada e sem novas perspectivas em Santana do Cariri, resolveu tentar
a sorte em São Paulo. Deixou, mesmo a contragosto, o filho de apenas
quatro anos com seus pais e rumou a São Paulo. "Cheguei a São Paulo
sem eira nem beira e fui morar com uns amigos. Aí, consegui trabalho
numa loja de roupas. Nessa época, chorava todos os dias de saudade do
meu filho, que tinha ficado no Ceará. Mas meus amigos diziam que a
experiência em São Paulo era de, no mínimo, um ano. Aí resisti e conti-
nuei", diz ela mexendo nos seus cabelos longos.
Se realmente a experiência em São Paulo era de apenas um ano, ela
passou faz tempo. Já são 13 anos que ela deixou o Ceará. Para sua felici-
dade, em 1998, quase três anos depois que estava em São Paulo, buscou
o filho para viver com ela. Nessa época, não morava mais com os ami-
gos. Pois cada um havia "tomado um rumo", e na casa da Vila Indus-
trial, que estava sempre cheia, restou apenas ela e o filho.
Sem mais vínculos com a casa da Vila Industrial, Terezinha resolveu ir
morar em Ferraz de Vasconcelos, cidade da região metropolitana de São
Paulo, onde um dos irmãos estava morando há alguns anos.
Em 2002, decidiu morar em Poá, cidade vizinha a Ferraz, local onde
vive até hoje. Foi nessa época que sua história com os trens da Linha 11

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da CPTM teve início.
"No começo estranhei um pouco. Já que eu estava acostumada a pe-
gar ônibus todos os dias. Mas fui acostumando. Hoje acho normal. O
grande problema mesmo é a superlotação. Principalmente no horário de
pico, horário em que eu vou trabalhar e volto para casa", diz.
Assim que entra na estação de Poá, Terezinha tem vários desafios pela
frente. O principal deles: os outros passageiros. "Nossa, os trens sempre
estão lotados no horário em que eu pego. Eu vou em pé, volto em pé,
quase nunca consigo sentar no banco. Sem falar no empurra-empurra.
As pessoas entram empurrando, muita gente cai. É uma loucura!", recla-
ma ela, mas sempre com um largo sorriso no rosto.
Os anos de viagens também ensinaram-lhe uma técnica para que con-
siga realizar a viagem sentada. Nem sempre dá certo, pois, como ela,
muitas outras pessoas também já conhecem a velha técnica. "Como eu
tenho de fazer a baldeação na estação Guaianazes, para seguir para Luz,
muitas vezes, para ir sentada, eu vou até a próxima estação e volto senta-
da no trem que sai da Luz com destino Guaianazes. Assim, quando todo
aquele povo entra, eu já estou sentada", explica. Mas não é toda vez que
essa técnica pode ser aplicada. "Quando eu estou atrasada, tenho de ir
no lotado mesmo!”, completa Terezinha.
Quando ela está atrasada, aí que muitas histórias acontecem. Trem
cheio é sinal de história para contar. Num ambiente cheio de pessoas, em
que as mais diversas diferenças são evidentes, claro que as famosas bri-
gas, ou desentendimentos, acontecem com freqüência. Terezinha afirma
que já presenciou muitas brigas dentro dos vagões cheios de pessoas.
O principal motivo: a invasão do espaço do outro. Espaço esse quase
inexistente.
"O que mais tem são pessoas que, basta você encostar, já começam a
reclamar. Meu, o trem ta cheio, e a pessoa não quer que ninguém encoste
nela? Ah, tenha paciência", diz. Ela afirma não ser barraqueira, mas já
se envolver numa briga na estação Brás, pelo mesmo motivo: a falta de
espaço.
Já que Terezinha não é barraqueira, as amigas que trabalham com ela
e voltam no mesmo trem, suprem essa "falta". Segundo ela, a vencedora
do “Top Barraco nos Trens”, é a amiga Simone. Por que ela tem esse tí-

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tulo? Terezinha explica. "A Simone é demais! Ela empurra muito! O que
ela quer mesmo é sentar, e faz qualquer coisa para conseguir. Acredita
que até eu ela empurra? Por isso, eu nem fico na frente dela. Deixo ela
passar. Mas sabe de uma coisa? Ela sempre consegue!", diz Terezinha
entre gargalhadas.
Um dos motivos pelo qual Simone sempre consegue sentar é a forma
como ela entra no vagão: empurrando. O outro, não é politicamente cor-
reto, mas funciona. Segundo Terezinha, a amiga, por muitas vezes, senta
no banco destinado às pessoas com deficiências, com crianças de colo e
idosos. Já sentada, Simone estica a barriga e se faz de grávida. E, para dar
mais veracidade, à "gravidez", tem um texto na ponta da língua. "Ai meu
filhinho querido! Não vejo a hora de nascer!". É nesse momento que
Terezinha cai na risada com as outras amigas e cúmplices de Simone.
"Simone é muito divertida. Gosto muito de pegar o trem com ela. Ela
fala muita besteira, aí todos caem na risada. Algumas vezes pego o trem
sem ela, porque ela faltou no serviço ou está muito apressada. Nessas
vezes, venho lendo, pois eu adoro ler. Sempre tenho um livro ou uma
revista na bolsa. Assim a viagem fica mais rápida", diz Terezinha.
Essa paixão pela leitura já lhe rendeu uma situação no mínimo engra-
çada. Numa das viagens ao trabalho, lendo um livro do Stephen King,
sentou-se ao lado de um homem, que, segundo, ela "já somava muitas
primaveras". Enquanto ela lia atentamente o livro, o homem ao lado
começou a puxar papo. "Ele ficou me olhando e dizendo assim: 'Nossa!
Esse livro é muito bom, hein! Muito falado'. E eu querendo apenas ir
embora, lendo meu livro quieta", lembra ela. Enquanto a viagem seguia,
o tal homem continuava a elogiar o livro, tentando puxar um assunto.
Para surpresa dela, no momento em que foi descer na estação, ouve um
último e atrevido comentário. "Quando eu fui descer ele simplesmente
disse: 'seus peitinhos são uma delícia!'. Ai que velho atrevido! Ai que
ódio! Ele estava era olhando pros meus peitos, e não pro livro", comple-
ta ela, como sempre, entre gargalhadas, explicando que, no dia, ela usava
uma blusa mais decotada.
Mesmo com os empurrões diários, trens superlotados, "velhos atrevi-
dos" e os atrasos constantes, essa pernambucana, de excelente humor,
prefere ir para o trabalho de trem, já que detesta ônibus. Também nem

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pensa em sair de Poá para morar mais próxima do trabalho.
Hoje, ela mora apenas com o filho, de 18 anos, que recentemente con-
seguiu o primeiro emprego. Coisa do destino ou não, o filho também
utiliza os trens da CPTM para chegar ao trabalho. Mas existe uma gran-
de diferença nas viagens de ambos. "Meu filho conseguiu um trabalho
em Mogi das Cruzes, então ela pega o trem vazio. Porque o trem lotado
mesmo vai em direção à São Paulo. Acredita que ele fica fazendo inveja
pra mim? Sempre que chega em casa diz: 'Nossa, o trem estava tão vazio!
Tinha lugar até pra ir deitado'. Veja só eu posso com uma coisa dessa!".
Enquanto o filho vai sossegado para o trabalho, Terezinha continua
nos trens lotados, mas sem perder nunca o humor. "O trem, pra mim,
é para todas as horas. Pra trabalhar, passear. É meu companheirão, meu
jumentão!", conclui, quase sem conseguir falar por causa das risadas.

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Estação
Ferraz de Vasconcelos

“Odeio muito tudo isso”

O telefone da base do Serviço de Atendimento Móvel de Ur-


gência (SAMU) toca. Já passam das três da manhã. O mo-
torista Wladimir Nogueira, de 31 anos, deixa o café que tomava e corre
para a ambulância, onde o enfermeiro já o aguarda. Liga a sirene e saí em
disparada. O destino é o local de um acidente entre três carros em uma
movimentada avenida de São Paulo.
Este é apenas um dos diversos fatos que acontecem todas as noites de
plantão de Wladimir, que trabalha como motorista do SAMU há dois
anos. Quando acaba o plantão, que é realizado das sete da noite às sete
da manhã, Wladimir precisa utilizar outro meio de transporte para vol-
tar para casa, em Ferraz de Vasconcelos. "Se eu pudesse colocaria uma
sirene em cada vagão e pisava fundo no acelerador do trem! Pra mim, os
momentos de voltar para casa e também de ir até o trabalho são proble-
mas dos grandes!", desabafa.
O grande problema de Wladimir não são exatamente os atrasos, os
vagões cheios, nem mesmo as condições precárias de alguns trens que
o levam para casa. O problema mesmo é a velocidade desse transporte.
"Sabe, eu não entendo uma coisa. Eu, na minha ambulância, dirijo a 100

47
km/h com trânsito e ruas fechadas. Por que o trem, que segue sobre os
trilhos, sem trânsito e nada que o atrapalhe, é tão lerdo?", questiona esse
motorista apaixonado por velocidade e carros.
Essa paixão por carros e aversão pelos trens já acompanham Wladimir
por muitos anos. Nascido em Ferraz de Vasconcelos, em uma família de
seis pessoas, - pai, mãe e quatro irmãos -, Wladimir desde criança era o
primeiro a correr e sentar no banco da frente do Fusca ano 69 do pai. Já
quando era necessário usar o trem, quase chorava para não ir. Diferente
dos irmãos, que sempre preferiram passear de trem, e, como ele lembra,
"com as cabeças para fora das janelas".
"Desde bem pequeno sou completamente louco por carros e veloci-
dade. Gosto realmente de dirigir. O trânsito nem me incomoda", diz ele,
que, antes de ser motorista de ambulância, atuava como motorista de
transporte escolar em Ferraz de Vasconcelos.
Em 2006, recebeu um convite para atuar no SAMU, e realizou cursos
necessários, como direção defensiva e primeiros socorros. "Nunca ima-
ginei que seria responsável por ajudar a salvar vidas. Além de unir minha
paixão por carro e velocidade e receber um salário melhor que o do
transporte escolar", conta.
Mas antes de aceitar a proposta, Wladimir não analisou um aspecto: a
distância do trabalho. Ele atua no SAMU em São Paulo, há mais de 50
km de casa. Para chegar ao trabalho, e sentar no banco do motorista,
tem que enfrentar mais de uma hora e meia dentro dos trens e do me-
trô. Nessa viagem, existe um momento em que ele alimenta ainda mais
a aversão pelos trens. "Guaianazes, onde é necessário fazer a baldeação
para seguir viagem, é a estação em que eu sinto mais ódio pelos trens.
Não existe cabimento ter que descer de um trem e esperar outro, se a
viagem continua em frente! Quando sou obrigado a trocar de trem, é
como trocar meu paciente de ambulância e ficar na quebrada esperando
o guincho", compara.
Desde que começou a pegar o trem para chegar ao trabalho, Wladi-
mir alimenta o desejo de mudar definitivamente para São Paulo. Mas a
mulher, com quem é casado há sete anos, nem pensa em realizar essa
mudança tão cedo. Ela alega que, como a família de ambos mora em
Ferraz, ela ficaria muito sozinha morando em São Paulo, já que os plan-

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tões do marido são sempre no período noturno e o casal não tem filhos.
"Minha mulher não quer sair de Ferraz, e eu estou louco para mudar
pra São Paulo. Só assim vou ter mais sossego! Aí vou poder ir de ônibus
pro trabalho. Porque, sinceramente, eu prefiro mil vezes o ônibus que o
trem, que é bem mais rápido", confessa.
Mas quando chega ao trabalho e começa mais uma noite entre as ruas
cheias de carros de São Paulo, Wladimir segue com um só objetivo. "Pre-
ciso ser sempre rápido. Pois uma vida depende de mim. E ser rápido
não significa ser irresponsável. Quando chego ao meu trabalho, esqueço
tudo: trem, atrasos, problemas. Aqui sou o Wladimir que salva vidas",
ressalta.
Mesmo dirigindo em alta velocidade, o motorista afirma nunca ter-se
envolvido em acidentes de trânsito, e se considera um "excelente mo-
torista de ambulância". Ele, que ama o trabalho, tem apenas uma recla-
mação. De acordo com Wladimir, o trabalho dele e dos diversos outros
motoristas que atuam com resgate de pessoas, por muitas vezes não
é reconhecido pela equipe médica e nem pelos familiares das vítimas.
"Analise comigo: nós, motoristas, temos grande importância no resgate
de um paciente. Num caso grave, se eu não dirigir rapidamente e com
responsabilidade, o médico ou o enfermeiro não vão sair correndo com
a vítima no colo até o hospital. No final de tudo, quem leva a fama sem-
pre são eles: o médico e o enfermeiro", diz cheio de ciúmes.
Mas essa falta de reconhecimento não é uma regra. Nesses anos de
trabalho salvando vidas, foram muitos os momentos em que ele foi co-
roado como rei. Segundo ele, logo no primeiro ano de trabalho, a base
recebeu um chamado para atender um acidente de carro com vítimas.
Chegando ao local, ele e o enfermeiro foram verificar quantas pessoas
estavam presas nas ferragens para iniciar os procedimentos. "Assim que
chegamos, fomos correndo em direção ao carro. Foi um acidente muito
complicado. O carro perdeu o controle na pista e capotou várias vezes.
Dentro, estavam o motorista e apenas um passageiro. As vítimas esta-
vam desacordadas e em estado grave. Assim que olhei para o interior do
carro, algo me chamou atenção", lembra ele. Foi um carrinho de bebê
que estava no automóvel, porém, vazio.
Enquanto o enfermeiro realiza os primeiros socorros e chamava refor-

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ço, Wladimir fazia uma busca pelo local com uma lanterna nas mãos. Ti-
nha em mente que existia uma terceira vítima. Seu instinto estava certo.
Em menos de dez minutos de busca encontrou uma criança de apenas
dois anos chorando no acostamento da via. "Por sorte, a criança estava
bem. Quando o carro capotou, ela foi arremessada pra longe. Graças a
Deus, eu fui atrás", lembra emocionado.
Felizmente, nesse caso, tanto a criança como os dois passageiros, que
eram os pais, sobreviveram. A recompensa e o agradecimento à Wladi-
mir chegaram dois meses após o ocorrido. Os pais, juntamente com o
filho resgatado graças ao motorista, foram até a base agradecer pessoal-
mente. "Foi um dos momentos mais importantes do meu trabalho. Não
pelo agradecimento deles, mais por pegar aquela criança no colo, com
vida, com saúde!", conta.
Momentos como este fazem com que Wladimir, mesmo detestando,
continue sua jornada pelos trens. "Sabe, eu reclamo muito dos trens,
mas fazer o quê? Não pense que eu sou um cara mal humorado e que só
reclama de tudo. Mesmo no trem, faço amizades, conheço pessoas. Sou
um cara da paz! Porque meu problema não é com os passageiros, e sim
o meio de transporte!".

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Estação
Antônio Gianetti Neto

“Filho de peixe”

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado em


1990, é bem claro no capítulo cinco, artigo 60. “É proibido
qualquer trabalho a menores de 14 anos de idade, salvo na condição de
aprendiz". No entanto, clara também é a situação de muitas famílias bra-
sileiras, que, sem o dinheiro vindo do suor dos pequenos trabalhadores,
não conseguiriam sobreviver com o mínimo de dignidade.
Diego Magno, que hoje tem 21 anos, começou a trabalhar com apenas
nove, pois só assim poderia ajudar a família e também ganhar o próprio
dinheiro. O lugar "escolhido" para iniciar a vida de trabalho foi o trem,
não por acaso, local onde o pai de Diego trabalha há 18 anos.
"Até meus seis anos, eu nem sabia o que era trem. Meu pai já traba-
lhava lá, mas eu não sabia o que era não", conta Diego, que nasceu em
São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo, e foi morar em Ferraz de
Vasconcelos, no bairro Gianetti, com seis anos.
Filho de pais separados e com quatro irmãos, Diego afirma que seus
pais não lhe forçaram ou pediram que ele começasse a trabalhar tão
cedo. A iniciativa partiu dele, pois também tinha curiosidade sobre o
trabalho que o pai realizava. "Comecei vendendo pipoca. E percebi que

51
vendia muito bem", diz com sorriso de orelha a orelha.
No início, Diego realizava as vendas acompanhado do pai, e somente
aos fins de semana, pois a escola era prioridade, para ele e para os pais.
Durante as primeiras vendas, o pequeno Diego, que percorria os corre-
dores do trem oferecendo os produtos, escondia-se quando encontrava
alguém que ele conhecia. Sentia vergonha por estar trabalhando. Mas
acostumou-se com a idéia, e deixou a vergonha para trás. Para um ven-
dedor que se preze, vergonha é algo inaceitável.
Depois da pipoca, passou a vender água, refrigerante, suco e chocola-
te, sempre impulsionado por um estimulo em especial. "Eu via os outros
garotos da minha idade com suas coisas e tal, e nem minha mãe e nem
pai tinham condições de me dar. Então, para conseguir, tinha de correr
atrás", diz.
Entre idas e vindas a casas dos pais - um tempo morava com mãe e
depois na casa do pai -, Diego começou a aplicar essa "regra" nômade
no trabalho. Com aproximadamente 13 anos, época em que morava com
a mãe, começou a "dar cano no trampo", como ele explica. "Eu dizia pra
minha mãe que ia trabalhar. Na verdade, ia jogar videogame com os mu-
leques. Aí minha mãe 'descolou' que eu estava fazendo isso e disse que
não era mais pra eu ir pro trem, porque eu estava indo era bagunçar!".
Diego seguiu a ordem da mãe, mas por apenas seis meses. Foi quando
realmente começou a "pegar no batente" direto e não parou até hoje.
São oito anos, diariamente, trabalhando como ambulante.
Com essa experiência em vendas, e também nos trens, Diego se orgu-
lha do trabalho que faz, e, sem falsa modéstia, julga-se bom vendedor.
"Sempre consigo alcançar minha meta do dia. É muito difícil voltar com
mercadoria para casa", diz.
O comércio ambulante nos trens tem ligação direta com a economia
do país. Como em outros setores, as vendas são reflexos da situação eco-
nômica. Segundo Diego, todo ano, no mês de janeiro, a crise econômica,
ou como ele diz, “a falta de grana”, toma conta dos vagões e dos bolsos
dos passageiros. Anualmente, ele se prepara e sabe que o primeiro mês
do calendário será de poucas vendas, e, claro, pouco dinheiro. "Janeiro é
bem fraco. Porque as pessoas já chegam cheias de dívidas. Assim, não dá
pra vender muito. Nem adianta fazer nada, é sempre assim. Mesmo as

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promoções, ninguém compra", analisa ele, que aponta também o fim de
mês como ruim para as vendas, já que, com o salário curto e ainda faltan-
do dias até o próximo pagamento, fica difícil alguém comprar algo.
Mesmo assim, Diego até hoje nunca trabalhou em outra função. Ele
até já procurou trabalho em supermercados e lojas, mas, segundo ele, o
salário é muito baixo e a jornada de trabalho extensa, diferente de como
ele trabalha hoje. “Como sou profissional liberal, faço meu horário. Isso
é bom porque posso conciliar meus estudos com o trabalho”, diz ele.
Atualmente, ele trabalha nos trens em dois períodos, das 06h30 até as
11h00, e depois das 19h00 até 22h30. Durante a tarde, das 13h até as
18h00, ocupa o tempo cursando Técnico em Segurança do Trabalho na
Escola Técnica Estadual (ETEC) de Ferraz de Vasconcelos. Diego lem-
bra o que pensou quando viu o início da construção do prédio da escola.
“Eu decidi, assim que vi a construção da escola, que iria estudar nela!”.
Idealizou e conseguiu. Assim que foram abertas as inscrições para o
vestibular da ETEC, Diego se inscreveu, passou e começou a estudar
no segundo semestre de 2007. Mesmo gostando do trabalho nos trens,
Diego pretende atuar em um trabalho legalizado.
“Os trabalho de ambulante no trem não é algo certo. Tudo pode mu-
dar de uma hora pra outra. Eu preciso ter uma profissão certa, porque
ficar pra sempre na clandestinidade não dá!”, ressalta ele.
Esse receio de um dia acabar o comércio nos trens, também é compar-
tilhado por outros vendedores. Segundo ele, muitos marreteiros, (nome
pelo qual são chamados os vendedores) saíram do trem em busca de
outras oportunidades quando aconteceram as primeiras mudanças nos
trens e nas estações da então Linha E, no início dos anos 2000. Alguns
foram comercializar os produtos na rua, outros partiram para o trabalho
formal. O fato é que esse medo assola e sempre está presente.
Mas nem esse medo impediu que Diego continuasse as vendas e con-
seguisse uma renda. De acordo com ele, em um mês considerado ex-
celente, é possível lucrar mais de R$1.200. “Tudo influencia na hora de
lucrar. Fatores como a qualidade do produto, o jeito de anunciar dentro
dos vagões, se o trem está muito cheio, se tem muitos atrasos. Tudo in-
fluencia”, explica ele.
Mesmo sendo um trabalho ilegal, muitos usuários apóiam o comér-

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cio nos trens. Para Diego, se fosse realizada uma pesquisa, o resultado
apontaria 80% dos passageiros a favor do comércio e também da lega-
lização.
No entanto, mesmo com o apoio vindo dos passageiros, Diego tem
muitas críticas sobre eles. “A sociedade tá muito embaçada! Tem gente
que briga por causa de lugar dentro do trem. Já vi muito absurdo nos
trens por causa de estresse”.
Para esse jovem, que começou cedo o trabalho, outras responsabilida-
des também chegaram rapidamente. Com apenas 21 anos, Diego é ca-
sado e pai de uma pequena garota de seis meses. O futuro ele já começa
a traçar. “Vou terminar meu curso em dezembro de 2008. Quero muito
trabalhar na área, pois aprendi a gostar do que estudei. Meu pai continua
nos trens, mas eu não quero ficar lá para sempre”.

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Estação
Guaianazes

“O libertino”

D efinido pela psicologia como Frotteurismo, e conhecido po-


pularmente como encoxar, esse ato caracteriza-se pela ex-
citação sexual resultante do atrito dos órgãos genitais no corpo de uma
pessoa completamente vestida e na presença de outras. Condenada pela
maioria das pessoas, acontece freqüentemente nos trens e demais trans-
portes coletivos. Mas quem imagina que somente as mulheres são as
supostas vítimas, Paulo Oliveira, usuário da Linha 11 Coral há sete anos,
explica que não é bem assim.
“Eu confesso que tenho certa obsessão em encoxar pessoas nos trens.
Mas sempre homens. Quando parece uma mulher, eu fujo”, confessa,
sem pudor ou arrependimento.
Paulo, que é homossexual, afirma que desde sempre teve atração por
homens. Já essa obsessão em encoxar pessoas nos trens, começou com
17 anos, momento em que o jovem começou a utilizar todos os dias os
trens e metrôs de São Paulo. O destino era a Avenida Paulista, local onde
começou a vida profissional como office-boy.
Dentro dos transportes coletivos, principalmente nos trens, Paulo, ne-
gro, magro e, como ele diz, “nenhum pouco afeminado”, despertou um

55
desejo que até então ele desconhecia. “Sempre fui um cara louco por
sexo. Mas nunca pensei em me esfregar nas pessoas dentro dos trens e
ônibus. Se bem, que eu não costumava pegar esses transportes todos os
dias. Mas, quando comecei, a coisa mudou de figura”, diz ele sorrindo.
Nascido em Itaquera, Paulo vive desde os três anos de idade em Guaia-
nazes com a família, que é composta pelos pais e um casal de irmãos
mais novos. Com 17 anos, conseguiu o primeiro emprego. Para trabalhar
como oficce-boy, o jovem precisou sair todos os dias do extremo leste
da capital em direção à Avenida Paulista. Como meio de transporte, op-
tou pelo trem, mesmo preferindo utilizar os ônibus.
Paulo lembra, que logo nos primeiros dias de trabalho e da nova rotina,
sentiu um pouco de receio das pessoas e de toda a movimentação nos
vagões dos trens. Mas logo esqueceu esse medo. “Eu não sou o único
que faz isso nos trens. Muitas pessoas aproveitam para fazer o trem de
motel. Seja hétero ou homossexual”, aponta. “Quem tiver dúvida pode
acessar sites como o You Tube. Muitos vídeos mostram perfeitamente
as encoxadas”, revela ele, que por um mês já foi assinante do site espe-
cializado no assunto: encoxadas.com.
A primeira vez que resolveu tomar esse tipo de liberdade com os ou-
tros rapazes do trem, não pensou muito e nem escolheu a pessoa. Alea-
toriamente, parou atrás de um passageiro e começou suas “insinuações
corporais”. Como ele diz, “por sorte”, a pessoa gostou da atitude, e até
facilitou o ato. Durante toda a viagem, de Guaianazes até a Luz, cerca de
40 minutos, os movimentos frenéticos de Paulo contra o tal rapaz con-
tinuaram sem parar. No momento do desembarque, segundo ele, não
houve nenhuma troca de olhares, muito menos de telefones. “O prazer
está presente apenas dentro do vagão”.
Hoje, já experiente na “arte de encoxar”, Paulo toma maiores precau-
ções. “Posso afirmar que hoje tenho um olhar cirúrgico. Quando eu vejo
alguém, já sinto se vai rolar ou não. De 100% das pessoas que eu abordo,
90% eu acerto em cheio”, diz, com olhar cheio de segundas intenções.
Como ele mesmo afirma, em 10% dos casos erra o alvo. Nessa ocasião
que tudo pode acontecer. Um dos erros já rendeu a ele uma boa briga e
o convite para se retirar da estação.
Durante uma das voltas para casa, Paulo embarcou na estação Luz,

56
que como sempre, estava cheia de passageiros devido ao horário de pico.
Uma estação após, no Brás, um rapaz de aproximadamente 25 anos en-
tra no vagão e fica ao lado de Paulo. Com toda a movimentação do trem,
em pouco tempo, Paulo já estava atrás do rapaz e fazendo o que mais
gosta nos trens. “Quando eu vi aquele cara, que ficou parado bem ao
meu lado, não aguentei. Logo dei um jeito de ficar mais próximo dele e
aproveitar a situação”, lembra.
Durante o trajeto até a casa, ele aproveitou para assediar o tal rapaz,
que não gostou nada da situação. Assim que Paulo desceu na estação
Guaianazes, para surpresa dele, o tal rapaz o seguiu. “Quando vi que ele
estava me seguindo, rapidamente fui em direção ao extremo da estação,
local onde nunca tem ninguém. Já imaginando o que e como faríamos!”,
diz ele rindo da situação. Mas, naquele momento, as imaginações de Pau-
lo e do rapaz não compartilhavam nenhuma idéia.
Assim que o tal rapaz chegou perto de Paulo, a primeira reação não foi
nada agradável. “O cara me deu um soco na cara sem mais nem menos.
Não disse nada. Só me bateu. Depois começou a me xingar de viado,
doente, tarado, e outras coisas mais”, diz.
Minutos depois, os seguranças da estação retiraram os dois do local.
Segundo Paulo, todos que estavam ali ficaram por dentro do ocorrido
e do motivo. Mesmo após esse episódio, ele não parou. “Gosto de en-
coxar pelo simples fato de encoxar. É sexo. Não importa se vou chegar
atrasado ao trabalho ou se estão percebendo. É meu vício. Todo mundo
tem um vício. Uns bebem, outros fumam. O meu, é sexo!”, confessa.
Nem só de erros a história de Paulo é feita. E os outros 90% de acerto?
Paulo lembra bem do grande acerto realizado em 2007. Como ele faz
questão de dizer, “das encoxadas já surgiu um namoro”.
Depois que mais um rapaz, na faixa de 20 anos, foi encoxado – ele só
gosta de rapazes nessa faixa etária -, para surpresa e felicidade de Paulo,
o rapaz desceu na mesma estação que ele e ficou esperando alguma atitu-
de, alguma aproximação. “Bem, quando a pessoa dá abertura, eu chego
junto e pergunto se gosto, puxo papo. Com ele, eu fiz isso”, conta.
A resposta foi a melhor possível. Os dois foram em direção ao metrô,
com destino à Avenida Paulista, aproveitando mais essa viagem para se
conhecerem melhor. “Saímos juntos pro Metrô, e eu continuei enco-

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xando ele até a estação Consolação”. Chegando lá, mesmo com muitas
pessoas ao redor, Paulo arrisca um beijo, e é retribuído.
Trocaram telefones e marcaram a volta para casa no mesmo horário.
O motivo, não é necessário explicar. Dias depois, estavam namorando.
Esse foi o primeiro namoro de ambos. “Foi muito bom namorar. Nunca
tinha ficado com alguém durante tanto tempo. E quem iria imaginar. En-
quanto eu estava namorando, não encoxava as pessoas no trem. Sempre
fui fiel”, diz ele. O namoro durou nove meses, tempo em que Paulo jura
não ter conhecido e nem assediado ninguém.
Atualmente, Paulo não está namorando e também não é mais office-
boy. Atua como assistente financeiro na mesma empresa em que come-
çou com 17 anos. O gosto ou “obsessão”, como ele diz, por encoxar
pessoas dentro dos trens ainda acompanha ele pelas viagens. Hoje, ele se
diz mais cauteloso, mas ainda aposta no olhar cirúrgico para encontrar
alguém que a vontade seja recíproca.

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Os trilhos do
livro-reportagem

E screver sobre vidas é um grande desafio. Para elaborar o


livro-reportagem "Vidas sobre os Trilhos – De Estudantes
à Guaianazes" foi necessário elaborar uma pesquisa qualitativa. Conhe-
cer realmente quem são as pessoas que utilizam o trem como meio
de transporte, saber quais são as maiores deficiências apontadas pelos
usuários do trem, formular questões pertinentes, levando em conside-
ração o perfil dos personagens, o foco do livro e também os preceitos
culturais de cada individuo.
A idéia central deste trabalho foi abordar os fatos que a mídia cotidiana
não divulga sobre a Linha 11 da CPTM, o cotidiano de cada usuário. O
foco vai ao encontro do que diz Edvaldo Lima no livro "Páginas Am-
pliadas". O autor ressalta que um dos principais objetivos do livro-re-
portagem é "prestar informação ampliada sobre fatos, situações e idéias
de relevância social". Seguindo esse preceito, este livro-reportagem une
dez histórias de pessoas comuns, com personalidades e profissões dis-
tintas, que diariamente utilizam os trens da Linha 11 – Coral da CPTM.
Para obter o resultado apresentado foi necessário dividir as etapas me-
todológicas inerentes a um trabalho desse tipo. A primeira foi definir
o tema. Decidi elaborar os perfis dos usuários da Linha 11 – Coral da
CPTM por alguns motivos em especial. Faço parte dos 387 mil usuários
que circulam diariamente na linha e conheço a maioria dos problemas
enfrentados no trajeto. Outro motivo que posso atribuir a escolha do

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tema, é riqueza de conteúdos e a diversidade dos personagens.
Definido o tema, escolhi como segmento do Projeto Vôo Solo o livro-
reportagem, porque analisando todo o trajeto percorrido por mim du-
rante o curso de Jornalismo, me identifiquei mais com a mídia impressa.
Isso não quer dizer que os outros tipos de mídia, como TV, rádio e web,
não são de meu interesse. Mas, no atual momento, até mesmo pela mi-
nha experiência vivenciada através de estágios, o livro-reportagem é o
segmento que mais se adequada ao meu estilo.
O passo seguinte foi escolher os personagens. Inicialmente, como
consta na Proposta do Projeto Vôo Solo, entregue ao professor res-
ponsável pelo projeto, Roberto Medeiros, em 5 de junho de 2008, o
tema central da reportagem era o cotidiano de 16 personagens, cada
um representando uma estação, de Estudantes à Luz. No entanto, após
constatação na prática, ficou evidente que nas estações após Guaianazes,
seis no total, a tarefa de escolha dos personagens se tornaria inviável. O
motivo foi a falta de pessoas que embarcassem nessas estações, pois na
região, a presença do transporte por meio de ônibus e do próprio Metrô,
são fortes. Assim, no livro-reportagem, fazem parte dez histórias, fato
que não influenciou em nada quanto à qualidade do produto final.
Antes da definição final dos personagens, foi necessário realizar uma
triagem. Durante minhas viagens diárias nos trens, conversei com diver-
sas pessoas, buscando encontrar os dez personagens. Usei como princi-
pal critério as experiências vivenciadas pelos usuários dentro dos trens e
outras mais particulares. Um exemplo é o personagem da estação Suza-
no, Matheus Barreto. No perfil, abordo as experiências vividas por dele
durante o tempo em que ficou longe dos trens, devido uma proposta
de trabalho no interior do estado do Pará. O ponto central do perfil é a
comparação das viagens diárias nos trens e do cotidiano vivenciado por
ele longe de São Paulo. Como fica evidente nesse trecho: “Nos trens da
Linha 11 Coral, Matheus estava acostumado a encontrar sempre pessoas
diferentes, ouvir conversas variadas e acompanhar a tecnologia nas maõs
dos passageiros, como modernos telefones celulares e potentes apare-
lhos mp3. Já no Pará, tudo parecia igual e parado no tempo”.
As entrevistas com os personagens foram realizadas inicialmente den-
tro dos vagões de trens. Após isso, para que a conversa seguisse sem

62
problemas e interrupções, as entrevistas foram executadas nas casas dos
personagens. Dessa forma foi possível conhecer um pouco mais sobre a
vida pessoal de cada indivíduo, fato essencial para produção dos textos.
Todas entrevistas eram pautadas previamente, no entanto, as principais
questões eram elaboradas na hora. Pois, somente durante a conversa, era
possível identificar o perfil do personagem e saber mais da sua história.
A produção dos textos foi realizada com base nas anotações, feitas
durante as entrevistas, e da decupagem das gravações. Em média, cada
entrevista teve uma hora de duração.
Na redação dos textos optei por utilizar linguagem informal. Já que
nos ambientes das estações e trens, é essa linguagem predominante.
Principalmente durante as falas dos personagens, como é possivel notar
neste trecho. “O trem, pra mim, é pra todas as horas. Pra trabalhar, pas-
sear. É meu companheirão, meu jumentão!”. Fica evidente neste trecho
que minha intenção foi expor ao leitor a verdadeira maneira em que o
personagem se expressa.
Quero deixar claro que para entrevistar os usuários dos trens da CPTM,
não foi necessário obter nenhum tipo de autorização da empresa. No
entanto, para a realização de fotos nas estações e no interior dos trens,
foi necessário contactar a Assessoria de Imprensa da companhia. Após
contatos por telefone, com intuito de conhecer o procedimento utiliza-
do pela assessoria, fui informado, via e-mail enviado em 23 de setembro
de 2008 por Luzia Zocchio, que a realização de fotos por estudantes só
poderia ser feita terças e quintas-feiras, das 14h até 16h30.
Essa limitação de horários, segundo Reginaldo Nogueira Seixas, asses-
sor de imprensa da CPTM, acontece pois a assessoria não conta com
funcionários para atender estudantes em outros horários. Pois, além de
atender a demanda de estudantes, a assessoria auxília os jornalistas pro-
fissionais. Portanto, os resultados dessa limitação foram imagens que não
mostram a realidade das superlotações nos horários de pico. Sendo que,
das 14h até 16h30, o movimento de passageiros é mínimo, comparado
ao início da manhã e ao começo da noite. Quero registrar minha insatis-
fação quanto ao procedimento da assessoria de imprensa utilizado com
estudantes. Pois, como fui informado por Solange Santos, funcionária
da assessoria, existe a prioridade de atender os jornalistas profissionais.

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Mesmo com todas as limitações, realizei, dentro do horário estipulado,
as fotos que constam nesse trabalho. Quero agradecer ao estagiário da
assessoria da CPTM, Márcio Costa, que me acompanhou durante sessão
de fotos realizada dia 7 de outubro, nas estações Luz e Brás.

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Bibliografia

LIVROS

CASTRO. Ruy. O Anjo Pornográfico: a Vida de Nelson Rodrigues. São Paulo:


Companhia das Letras, 1992

COIMBRA, Oswaldo. O texto da reportagem impressa – Um curso sobre sua


estrutura. São Paulo: Editora Ática, 1993.

FERRARI, Maria Helena; SODRÉ, Muniz. Técnica de Reportagem – No-


tas sobre a narrativa jornalística. São Pxaulo: Summus Editorial, 1986

LAJE, Nilson. A reportagem – teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalís-


tica. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001

LIMA PEREIRA, Edvaldo. Páginas Ampliadas – O livro-reportagem como


extensão do jornalismo e da literatura. Campinas-SP: Editora Unicamp,
1993

VARELLA, Drauzio. Estação Carandiru. São Paulo: Companhia das


Letras, 2001

VILAS BOAS, Sérgio. Perfis e como escrevê-los. São Paulo: Summus, 2003

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SITES

Blog Suburbano Convicto


http://www.suburbanoconvicto.blogger.com.br

CPTM - Companhia Paulista de Trens Metropolitanos


http://www.cptm.sp.gov.br

Encoxadas.com
www.encoxadas.com

Ferrovias & História


http://www.geocities.com/estrada_de_ferro

Folha de S. Paulo
http://www.folha.com.br

O Estado de S. Paulo
http://www.estadao.com.br

Revista Ferroviária
http://www.revistaferroviaria.com

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Sobre o Autor

R odrigo Cardoso Ferreira nasceu em 28 de


junho de 1987, em Mogi das Cruzes, São
Paulo. Em março de 2007, cursando o 6º semes-
tre de Jornalismo, iniciou a prática da profissão
na Rádio Metropolitana AM de Mogi das Cruzes,
na condição de estagiário. Adquiriu experiência
em reportagens, entrevistas, elaboração de pau-
tas e também em participações “ao vivo”. Logo
após a entrada na rádio, foi convidado para atuar
no Jornal Folha de Mogi, onde aprimorou os
conhecimentos adquiridos e desenvolveu novos,
como a prática de editoração.
Atuou também na TV Diário - Afiliada da Rede
Globo em Mogi das Cruzes, no auxílio de produção de pautas, apuração
de notícias e na redação de notas para o telejornal local.
Em setembro de 2007, foi selecionado para estagiar fora das redações.
Atuou na Assessoria de Comunicação da CEAGESP, órgão do Gov-
erno Federal, localizada na zona oeste de São Paulo. Entre os trabalhos
realizados, destaque para divulgação de eventos, elaboração dos jornais
dirigidos aos funcionários e comerciantes do Entreposto da Capital e o
atendimento aos veículos de comunicação.
Em fevereiro de 2008, foi contratado como repórter do Portal Gas-
tronomia & Negócios, site parceiro do UOL. Entre reportagens, ent-
revistas, realização de fotos, pode desenvolver e aprender a linguagem
jornalística utilizada na internet.
Atualmente, faz parte da equipe de redação da revista Minérios & Min-
erales, onde auxilia os jornalistas responsáveis na produção, revisão e
edição de textos.

Contato
rodrigoferreira.jornalismo@gmail.com

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