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Poéticas da
intersecção
ensaios de literatura comparada
TUTÓIA-MA, 2021
EDITOR-CHEFE
Geison Araujo Silva
CONSELHO EDITORIAL
Ana Carla Barros Sobreira (Unicamp)
Bárbara Olímpia Ramos de Melo (UESPI)
Diógenes Cândido de Lima (UESB)
Jailson Almeida Conceição (UESPI)
José Roberto Alves Barbosa (UFERSA)
Joseane dos Santos do Espirito Santo (UFAL)
Julio Neves Pereira (UFBA)
Juscelino Nascimento (UFPI)
Lauro Gomes (UPF)
Letícia Carolina Pereira do Nascimento (UFPI)
Lucélia de Sousa Almeida (UFMA)
Maria Luisa Ortiz Alvarez (UnB)
Marcel Álvaro de Amorim (UFRJ)
Meire Oliveira Silva (UNIOESTE)
Rita de Cássia Souto Maior (UFAL)
Rosangela Nunes de Lima (IFAL)
Rosivaldo Gomes (UNIFAP/UFMS)
Silvio Nunes da Silva Júnior (UFAL)
Socorro Cláudia Tavares de Sousa (UFPB)
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P745
Poéticas da intersecção [livro eletrônico] : ensaios de literatura com-
parada / Organizadores Amanda Ramalho de Freitas Brito, Luiz Felipe
Verçosa da Silva, José Antonio Santos de Oliveira. – Tu-tóia, MA:
Diálogos, 2021.
Formato: PDF
Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
ISBN 978-65-89932-36-9
1. Literatura comparada. 2. Poesia. 3. Literatura – História e críti-ca. I.
Brito, Amanda Ramalho de Freitas. II. Silva, Luiz Felipe Verçosa da. III.
Oliveira, José Antonio Santos de.
CDD 809
https://doi.org/10.52788/9786589932369
Editora Diálogos
contato@editoradialogos.com
www.editoradialogos.com
Sumário
Índice remissivo..........................................................................................................445
Cocar de Maenduassaba1:
diálogos e sentidos na literatura
- Alejandra Pizarnik
1 Palavra do tupi usada para nomear a memória. In: BARBOSA, A. Lemos. Pequeno vocabulário tupi-
português. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1951, p. 82.
A erotização do feminino
nas relações interartes:
de O Amor Natural, de Carlos
Drummond de Andrade a Vênus e
Pássaro, de Milton Dacosta
Roney Jesus Ribeiro
DOI: 10.52788/9786589932369.1-1
Introdução
1 Termo que vem sendo usado com frequência no âmbito dos estudos que se dedicam a pesquisar
a relação de sentido, proximidade, complementaridade entre duas ou mais linguagens artísticas.
Comumente conhecido como estudos comparados, interssemiose, entre outros. Clüver (1997) define
que a relação interartes é “a investigação das inter-relações entre as “artes” e a abordagem de
assuntos em estudos culturais e outros discursos transdiciplinares envolvendo textos em vários
“artes””. Conforme reitera o autor, “focalizando a primeira orientação de cunho primariamente
semiótico, trata de questões de representação, intertextualidade, combinação e fusão de códigos,
ekphrasis, transposição intersemiótica, adaptação e o papel do leitor” (CLÜVER, 1997, p. 37).
[...] no símile Ut pictura poesis (HORÁCIO, 1984), nos três caracteres peculiares
da pintura, em primeiro lugar: a distância, a luz e o deleite. A pintura e a poesia
assemelham-se na criação de imagens que evocam o olhar, diferenciando-se
apenas no seu objeto. Enquanto a poesia se ocupa da imagem pela explora-
ção da palavra, a pintura utiliza-se de elementos: espaço, cor, linha, forma, nos
quais se instauram o visual (FRAGA, 2018, n.p.).
O nosso alimento interior não se resume mais nos textos. O momento histórico
atual é conduzido pelos choques sensoriais, em especial pelos olhos e ouvidos.
Ao simples toque de uma tecla, chegam-nos imagens e sons de qualquer parte
do mundo. Este processo é, sem dúvida, irreversível (CORTEZ, 2009, p. 360).
3 De acordo com Dalvi (2009), o poeta se encarregou de ordenar os textos e organizar a publicação,
mas por motivos particulares, preferiu adiar a publicação da obra que se concretizou em 1992,
aproximadamente cinco anos após sua morte. Em 1993, a obra foi reeditada duas vezes. No projeto
original da obra há 18 ilustrações de Milton Dacota, inspirados na série Vênus e Pássaro
Considerações finais
Referências
DOI: 10.52788/9786589932369.1-2
Introdução
Para Medeiros (2009, p. 20-21), a tragédia é como uma contradição que teria
expressão máxima na experiência do amor Eros, um fenômeno que reparte, di-
vide, e onde um destino fatídico acena como epílogo; a paixão é como situação
arrebatadora, uma espécie de estado de loucura na soleira da morte.
Numa dessas conversas, Rita descuidara-se, e levantou de modo a voz que foi
ouvida de uma irmã, que a foi logo acusar ao pai. O corregedor chamou Rita,
e forçou-a pelo terror a contar tudo que ouvira da vizinha. Tanta foi sua cólera,
[...] Na dramática (de pureza ideal) não há mais que apresente os aconteci-
mentos; estes se apresentam por si mesmos, como na realidade fato esse que
explica a objetividade e, ao mesmo tempo a extrema força e intensidade do
gênero. A ação se apresenta como tal, não sendo aparentemente filtrada por
nenhum mediador. Isso se manifesta no texto pelo fato de somente os próprios
personagens se apresentarem dialogando sem interferência do “autor’’. Este
se manifesta apenas nas rubricas que, no palco, são absorvidas pelos atores e
cenários. Os cenários, por sua vez, “desaparecem” no palco, tornando-se am-
A intertextualidade
Espada nua e falar de paz? Odeio essa palavra, como odeio o inferno, todos os
Montecchios e tu! Em guarda, covarde! (Lutam. Chegam partidários de ambas
as famílias que tomam parte na refrega; em seguida, entram cidadãos e agen-
tes da polícia com bastões.) (SHAKESPEARE, 2012, p. 31).
[...] Teresa não refletiu, respondendo a Simão, que naquela noite se festejavam
os seus anos, e se reuniam em casa os parentes (BRANCO, 1973, p. 62).
[...] Da janela do seu quarto é que ele a vira pela primeira vez, para amá-la
sempre (BRANCO, 1973, p. 45).
E por esta ofensa, imediatamente nós o exilamos daqui. [...] (SHAKESPEARE, 2012,
p. 92).
Considerações finais
Referências
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Em 2020, a linguagem poética Poetrix completou 21 anos de exis-
tência, atingindo sua “maioridade” literária. Neste período, arregimen-
tou um importante contingente de poetas do Brasil e de outros países.
Ao longo de duas décadas, derivações transformadoras foram sur-
gindo e fortalecendo, ainda mais, o Poetrix. A estas derivações foram
dadas o nome de FORMAS MÚLTIPLAS, por seus praticantes.
As FORMAS MÚLTIPLAS já haviam sido referenciadas na Bula Poe-
trix, texto orientativo elaborado pelo então MIP – Movimento Interna-
cional Poetrix, em 2009, da seguinte forma:
Intertextualidade
2 JENNY, Laurent. A estratégia da forma IN POÉTIQUE, Revue de Théorie ET Analyse littéraires n. 27.
3 ECO, Umberto. O signo. Lisboa: Editorial Presença, 1973.
[...] quanto maior o repertório de uma mensagem, menor será a sua audiência
e vice-versa, isto é, repertório e audiência estão numa proporção inversa um
4 MOLES, Abraham. Teoria da Informação e Percepção Estética. Brasília: Ed. Universidade de Brasília,
1978.
5 COELHO NETTO, J. TEIXEIRA. Semiótica, informação e comunicação. Perspectiva: São Paulo, 2001.
Dialogismo
Polissemia da linguagem
Intervalo
pausa
da
mente
Amistosidade
Não é possível criar uma forma múltipla sem uma relação de afe-
to poético. Como afirma o poeta Mário Chagas
9 CHAGAS, Mário. Imaginação museal e museologia social: frag-mentos IN Lugar Comum – No. 56/
Dezembro de 2019.
Ludicidade
Conciabilidade
Duplix (s.m.)
Poema composto pela junção de dois Poetrix (Poetrix fonte + Po-
etrix complementar) de autores diferentes, em que o título e os versos
se complementam, originando uma nova composição. O Duplix foi a
base para o surgimento do Triplix e Multiplix, como veremos a seguir.
Criadores: Pedro Cardoso e Tê Soares. São característica do Duplix:
a) os Poetrix que compõem um Duplix são separados pelos ca-
racteres // (duas barras);
b) o Duplix pode ser construído tanto do lado direito quanto do
esquerdo do Poetrix fonte, a critério do segundo autor;
c) é obrigatório que conste, no Duplix, o nome dos dois autores;
d) no Duplix, cada Poetrix é completo, mesmo quando apresen-
tado em separado, mas é também um texto aberto o suficiente
para aceitar a junção de outro Poetrix;
e) no caso de Duplix elaborados com Poetrix de idiomas diferen-
tes, não deve ser feita tradução do Poetrix fonte para o idioma do
autor do Poetrix complementar, o que, poderá descaracterizá-lo;
f) o poetrixta que cria o Poetrix complementar não pode alterar
Exemplo:
Duplix:
Eu (Poetrix-fonte)
menino carente
feito pinto no lixo
rega a vida, enganando a boca
(Pedro Cardoso)
Eu (Poetrix-complemento)
menina contente
feito quem brinca de cochicho
negando a dor, veemente e louca
(Tê Soares)
Eu e Eu (primeiro Duplix)
PESSOIX//PESSOIX
Mais um Duplix:
No cemitério//Não há mistério
fazem baladas//Compõem toadas
almas penadas.//Nas noites enluaradas.
(Walter Cabral de Moura//Haroldo P. Barboza)
Triplix (s.m.)
Poema composto pela junção de três Poetrix, de pelo menos dois
autores diferentes, em que o título e os versos se complementam, ori-
ginando uma nova composição. As características do Duplix são váli-
das para o Triplix. Criadores: Pedro Cardoso e Tê Soares.
FLAGRA//FLAGRA//FLAGRA
Outro Triplix:
Fim da paixão//Solidão//Acidente
Alguns dos títulos anteriores (e dos que virão a seguir) estão es-
critos com todas as letras maiúsculas, outros não. Foram respeitadas
as grafias originais. Isto fica a critério do(s) autor(es), por estilo, ou até
para reforçar algum aspecto do(s) poema(s).
Multiplix (s.m.)
Poema composto pela junção de quatro ou mais Poetrix, de pelo
menos dois autores diferentes, em que o título e os versos se com-
plementam, originando uma nova composição. As características do
Duplix são válidas para o Triplix. Criadores: Sávio Drummond, Sara Fa-
zib, Pedro Cardoso e Fausto Valle.
O primeiro Multiplix:
FEROHORMÔNIO MARINHEIRO
Grafitrix (s.m.)
Poetrix graficamente ilustrado, seja com a adição de uma foto-
grafia ou desenho que interaja com o Poetrix. Observamos que o autor
da fotografia ou desenho deve ser sempre citado. Na impossibilidade,
citar a fonte onde foi obtido. Criador: Murillo Falangola.
Videotrix (s.m.)
Poetrix apresentado com a utilização de recursos audiovisuais ou
de animação. Criador: Murillo Falangola.
Clonix (s.m.)
Poetrix criado a partir de um original, com a devida permissão do
seu autor, onde é substituída uma ou mais palavras ou pontuação,
proporcionando uma nova leitura. Criadores: Goulart Gomes e Nathan
de Castro.
Exemplo:
Consulesa
se és causa e efeito
não me importo
eu sou o meio
(Goulart Gomes)
se és causa e efeito
não me importo
eu sou o fim
(Pedro Cardoso)
Letrix (s.m.)
Poetrix em que o título - de até sete letras - é disposto no sentido
vertical e as estrofes horizontais - de no máximo dezessete sílabas
cada - contém em cada linha um terceto com os versos separados
por //. Criadores: Pedro Cardoso Machado, Patrícia Essinger, Rejane
(Mel) Britto, Marco Bastos e Sandra Mamede. Estruturação, sistemati-
zação e nome Letrix: Marco Bastos.
Exemplo:
L
u
a
na boca da noite sou a sua estrela
(Pedro Cardoso)
N
u
a
guia-me ao teu céu
(Paty Essinger)
M
I
C
I R
NOO
EFCÁ
S IOS
TNS I
R I M S céu aberto//no meio do deserto//descanso certo
A T O areia e estrelas//OÁSIS, quase a um grito// tão perto o infinito!
D O lar de entrada//segue o MICROCOSMO//mesmo sem saída...
A para quem já quer sair //OÁSIS – INFINITO//de quem não precisa ir!
Palavratrix (s.m.)
Poetrix constituído por uma única palavra, segmentada em três
versos, de forma a produzir uma nova interpretação da mesma, sen-
do complementada pelo título. Esta nova modalidade consiste em
encontrar palavras, do nosso idioma, que apresentem novo sentido,
quando fracionadas em três versos. É preciso que se dê um título ao
poema para que ele não perca uma das características fundamen-
tais do Poetrix. Criador: Pedro Cardoso.
Ser
tão
Zinho
(Pedro Cardoso)
Outro exemplo:
COVID 19
A
VASSALA
DOR
(Pedro Cardoso)
Acrostrix (s.m.)
Poetrix em que as primeiras letras das três estrofes formam uma
palavra. É um acróstico em Poetrix. Criador: Alberto Valença Lima
Exemplo:
Era
Estava louco
Raras vezes me vi assim
Amei como poucos
(Pedro Cardoso)
Rua
Rio de lama
Uma vergonha
A morte não tarda!
(Pedro Cardoso)
Tautotrix (s.m.)
Poetrix em que todas as palavras começam com uma mesma
letra. Tautograma em forma de Poetrix. Criador: Carlos Fiore.
Exemplos:
angústia
Amazônia agoniza
A água acabará?
Acordemos agora!
(Carlos Fiore)
Concretrix (s.m.)
Poetrix composto por caracteres ou disposições gráficas, à ex-
cessão do título. Criador: Pedro Cardoso.
Exemplos:
AS
AS
AS
Abrindo a roupa
Z RRR
I E
P
(Pedro Cardoso)
Cruzadatrix
É composto de três palavras, em que pelo menos uma delas seja
escrita na vertical, para que se tenha versos perpendiculares e se crie
uma figura que lembre uma Palavra Cruzada. Podem ser utilizadas
cores para definir a ordem de leitura dos versos. O título é fundamen-
tal para o entendimento da composição. Ele tem que deixar clara a
ideia que se quer passar, pois constitui o mote do poema. Criador:
Pedro Cardoso.
amo–te
s
d e s c o n h e c i d a
i
m
(Pedro Cardoso)
Grafotrix
O Grafotrix é uma variação do Concretrix, no qual as palavras
devem ser dispostas de forma a compor uma imagem que dialogue
com o texto. O texto e a figura se completam. É importante observar
que as imagens podem ser repetidas utilizadas por outros autores,
sem a preocupação de plágio. Criador: Pedro Cardoso.
Exemplos (autor: Pedro Cardoso):
Bala perdida
dor que ora me mata
tiro
tiro
no
pico do Everest
o céu de brigadeiro parece mais bonito
Crosstrix
O Crosstrix é caracterizado pela desconstrução da palavra. Dife-
rente do Palavratrix, que se baseia no fracionamento de um vocábu-
lo em três versos, distintos e prontos. Criador: Pedro Cardoso.
Exemplo:
Político
(Pedro Cardoso)
ele
eleitoralmente
mente
Cumulatrix
As palavras final e inicial de cada verso se repetem. A intenção é
de dar a ideia de um continuum. Criador: Pedro Cardoso.
Cores
(Pedro Cardoso)
vi um pavão
pavão cheio de olhos
olhos de solidão
Culturatrix
No Culturatrix, a estrofe é formada através da junção de expres-
sões ou títulos de obras célebres, sendo uma em cada verso, de forma
a identificar uma personalidade de destaque na cultura mundial, que
é homenageada. Evidente que para a correta interpretação deste tipo
de Poetrix é fundamental o repertório do leitor.
Exemplos:
Alegoria
O Beijo
na Porta do Inferno
assustou o Pensador
(Pedro Cardoso)
Referências
Diálogos e tradução:
Chaplin pelas luzes de Drummond
e Castro Pinto
Amanda Ramalho de Freitas Brito
DOI: 10.52788/9786589932369.1-4
Introdução1
1 Primeira versão publicada nos anais de Cultura & Tradução. João Pessoa, v.1, n.1, 2011.
2 “A linguagem verbal, por ser dotada de estrutura, é tomada como sistema modelizante primário.
Os outros sistemas da cultura, como é o caso da literatura, do mito, da religião e da arte, por serem
dotados, não de uma estrutura, mas por construírem uma estruturalidade, são denominados sistemas
modelizantes secundários. Modelizantes de segundo nível porque, construídos sobre o modelo da
língua verbal não remetem para ele em sua codificação e descodificação, uma vez que constroem o
seu próprio modelo” (MACHADO, 2007, p. 29).
3 Slapstick é um termo inglês utilizado para se referir à Comédia visual muda, da qual Chaplin foi
um esmero precursor. Tema discutido por Ronald Bergan. Ismos: para entender o cinema. São Paulo:
Globo, 2010.
I
Não é a saudação dos devotos nem dos partidários que te ofereço,
eles não existem, mas a de homens comuns,
numa cidade comum, nem faço muita questão da matéria de meu
canto ora em
I
Falam por mim os que estavam sujos de tristeza e feroz
desgosto de tudo,
que entraram no cinema com a aflição de ratos fugindo da vida,
I
era preciso que um antigo rapaz de vinte anos,
preso à tua pantomima por filamentos de ternura e riso
[dispersos no tempo,
viesse recompô-los e, homem maduro, te visitasse
para dizer-te algumas coisas, sobcolor de poema.
(DRUMMOND, 2003, p. 190).
II
És condenado ao negro. Tuas calças
confundem-se com a treva. Teus sapatos
inchados, no escuro do beco,
são cogumelos noturnos. A quase cartola,
sol negro, cobre tudo isto, sem raios.
Assim, noturno cidadão de uma república
enlutada, surges a nossos olhos
pessimistas, que te inspecionam e meditam:
E a lua pousa
em teu rosto. Branco, de morte caiado,
que sepulcros evoca mas que hastes
submarinas e álgidas e espelhos
V
Uma cega te ama. Os olhos abrem-se.
Não, não te ama. Um rico, em álcool,
é teu amigo e lúcido repele
tua riqueza. A confusão é nossa, que esquecemos
o que há de água, de sopro e de inocência
no fundo de cada um de nós, terrestres. Mas, ó mitos
que cultuamos, falsos: flores pardas,
anjos desleais, cofres redondos, arquejos
poéticos acadêmicos; convenções
do branco, azul e roxo; maquinismos,
telegramas em série, e fábricas e fábricas e fábricas
de lâmpadas, proibições, auroras.
Ficaste apenas um
operário comandado pela voz colérica do megafone.
És parafuso, gesto, esgar.
Recolho teus pedaços: ainda vibram,
lagarto mutilado.
Sentava os olhos
E logo os dividia:
Chorava com o direito
E com o esquerdo sorria.
Referências
4 Termo utilizado pelo crítico e cineasta Eisenstein para falar do cinema que aparece na literatura.
Ver o livro A forma do filme (2002).
Dicionário de Hieróglifos:
as cores representando a
memória da fronteira
Sirley da Silva Rojas Oliveira
DOI: 10.52788/9786589932369.1-5
Introdução
Fonte: MEDEIROS, Sérgio. N Descritos com rimas. Sergio Medeiros 1.ed. – São Paulo:
Iluminuras, 2020.
Figura 4 - Página
Fonte: MEDEIROS, Sérgio. N Descritos com rimas. Sergio Medeiros 1.ed. – São Paulo:
Iluminuras, 2020.
Fonte: MEDEIROS, Sérgio. N Descritos com rimas. Sergio Medeiros 1.ed. – São Paulo:
Iluminuras, 2020.
Considerações finais
Referências
DOI: 10.52788/9786589932369.1-6
Considerações Iniciais
Eu vou
Por que não? E por que não
A intertextualidade
À CIDADE DA BAHIA
Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vê a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
Triste Bahia
Triste Bahia, oh, quão dessemelhante…
Estás e estou do nosso antigo estado
Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado
Rico te vejo eu, já tu a mim abundante
Triste Bahia, oh, quão dessemelhante
A ti tocou-te a máquina mercante
Quem tua larga barra tem entrado
A mim vem me trocando e tem trocado
Tanto negócio e tanto negociante
Referências
DOI: 10.52788/9786589932369.1-7
Introdução
O século XX fez uma clara opção pelo homem medíocre, quem sabe dando
continuidade a um processo vicioso do caráter individual[...]dessa feita, o que
ele foi encontrando, em sua condição de infinda itinerância, seria o irremediá-
vel aprofundamento das próprias marcas do processo vivido no amesquinha-
mento dos seus propósitos originais. A mediocridade, no entanto, nos últimos
cem anos, parece ser o paliativo de uma sociedade esmagada entre sonhos e
competição[...]O indivíduo em formação ensaiava o seu drama na turbulência
de seu cada vez mais mal resolvido drama de humanidade (CARVALHO, 2017, p.
77-78)
- O sr. pensa que eu tenho alguma fábrica de dinheiro? (o diretor diz essas coi-
sas a ele, mas olha para todos, como que a dar uma explicação a todos. Todas
as caras sorriem.) Quando o seu filho esteve doente, eu o ajudei como pude.
Não me peça mais nada. Não me encarregue de pagar as suas contas: já tenho
as minhas, e é o que me basta...(risos)[...]tudo mais desapareceu da cabeça de
Naziazeno só ficou o diretor, com olhar aceso e a cara de pedra, dizendo-lhe
aquilo. Os risos do Dr. Rist e de outros, as fisionomias enrugadas de prazer, ha-
viam-lhe chegado ao olhar e à compreensão das coisas soltas no espaço, sem
fundo e sem meio ambiente: curvada sobre ele dura e estranha, a pessoa do
diretor enche-lhe toda a visão (MACHADO,2000, p. 38 e 39).
Sim, nunca me senti à vontade a não ser nas situações elevadas. Até nos por-
menores da vida eu tinha necessidade de estar por cima. Preferia o ônibus ao
metro, os tílburis aos taxis, os terraços as sobrelojas. Amador de aviões de es-
porte em que se anda com a cabeça em pleno céu, eu representava também,
nos navios, o eterno passageiro errante dos tombadilhos. Nas montanhas, evi-
tava os vales orlados dos dois lados pelas gargantas e planaltos; era o homem
das planícies, pelo menos. Se o destino me houvesse forçado a escolher um
trabalho manual, torneiro ou pedreiro -pode estar certo de que teria escolhido
os telhados feito amizade com as vertigens os paióis, os porões, os subterrâne-
os, as grutas, os abismos, causam-me horror (CAMUS,1956, p. 21).
Eu imperava livremente, numa luz edênica. Na realidade, não seria isso, o Éden,
meu caro senhor: a vida bem engrenada? Foi assim a minha. Nunca tive a ne-
cessidade de aprender a viver. A esse respeito, já sabia de tudo ao nascer. Há
pessoas cujo problema é resguardar-se dos homens ou pelo menos, acomo-
dar-se a eles. Quanto a mim, a acomodação estava feita. Familiar quando era
preciso, silencioso se necessário, capaz de tanta desenvoltura quanto de gra-
vidade, estava sempre à altura. Dessa forma, era grande a minha sorte, e os
meus êxitos no mundo eu nem contava mais. Fazia boa figura, revelava-me
simultaneamente incansável dançarino e erudito discreto, chegava a amar ao
mesmo tempo, o que não é nada fácil, as mulheres e a justiça, praticava espor-
tes e as belas artes; em resumo vou parar para que não me julgue condes-
cendente .Mas imagine, eu lhe peço um homem na força da idade, com saúde
perfeita, generosamente dotado, hábil tanto nos exercícios do corpo quanto da
inteligência, nem pobre nem rico de sono fácil e profundamente satisfeito con-
sigo mesmo, sem demonstra-lo a não ser por uma alegre sociabilidade. Admi-
tirá, então que eu possa falar com toda modéstia, de uma vida bem-sucedida.
Na verdade, à força de ser homem com tanta plenitude e simplicidade, acha-
va-me um pouco super-homem (CAMUS, 1956, p. 24-25).
Adorava por exemplo ajudar os cegos atravessar as ruas. Por mais longe que
estivesse, ao avistar uma bengala que hesitava na esquina de uma calçada,
eu me precipitava, adiantava-me um segundo, por vezes a mão caridosa que
já se estendia, arrancava o cego a qualquer outra solicitude que não a minha,
e conduzia-o, com mão bondosa e firme, pela faixa de pedestres entre obstá-
culos do trânsito, até o porto seguro da calçada, onde nos separávamos com
uma emoção mutua. Da mesma forma, sempre gostei de dar informações às
pessoas que passavam por mim na rua, dar-lhes fogo, prestar uma ajuda às
carretas pesadas demais, empurrar o automóvel enguiçado, comprar o jornal
à moça do Exército da salvação ou as flores na velha florista, mesmo sabendo
que ela roubava no cemitério de Montparnasse. Gostava também, ah! isso é
mais difícil de dizer, gostava de dar esmolas[...] (CAMUS,1956, p. 19).
Naquela noite, em novembro, dois ou três anos antes da noite em que julguei
ouvir rir às minhas costas, eu voltava para a margem esquerda, para casa, pela
Pont Royal. Passava uma hora da meia-noite, caía uma chuva miúda, mais uma
garoa, que dispersava os raros transeuntes. Na ponte, passei por detrás de uma
forma debruçada sobre o parapeito e que parecia olhar o rio. De mais perto,
distingui uma mulher nova e esguia, vestida de preto. Entre os cabelos escuros
e a gola do casaco, via-se apenas uma nuca, fresca e molhada, que me sensi-
bilizou, mas segui meu caminho depois de uma hesitação [...] Já havia percor-
Considerações finais
Referências
O Grande Mentecapto:
entre a peregrinação do pícaro e
a deambulação de Dom Quixote,
a crítica social de personagens
itinerantes
Valdirene Rosa da Silva Melo
DOI: 10.52788/9786589932369.1-8
Introdução
DEBAIXO do Viaduto, do lado que fica entre a Rua da Bahia e o Parque Municipal,
havia um valhacouto de indigentes: eram cegos, coxos, lázaros, bêbados, va-
gabundos e todos mais que costumam ser englobados na categoria de men-
digos (SABINO, 2002, p. 202).
[...]
Pois foi também no Viaduto que, numa noite de chuva, Geraldo Viramundo
acabou buscando abrigo (SABINO 2002, p. 203).
E o fez de maneira tão quixotesca que, para fielmente descrever o que se pas-
sou, teria de fazê-lo em espanhol:
Las cabras huían sin rumbo, ganando el campo, a los berridos y enloqueci-
das, pues el gran mentecato repartía rebencazos a troche y monche como si
pretendiese aniquilar a todo un ejército. Entreverávanse entre las piernas de
los soldados, perturbando su embestida y echando a perder toda la estrate-
gia que el capitán Papitas había planeado en detalle. El mismo, desesperado,
erguíase en la cumbre de la cocina, equilibrando sus anteojos de larga vista.
Barajaba la hipótesis de que una bala imaginaria del enemigo pudiese cogerle
de sorpresa. Y sus gritos estridentes rebotavan en la llanura:
[...]
– E atirou uma certeira pedrada, que foi atingir em cheio a testa de Geraldo
Viramundo. Perdendo o equilíbrio, ele tombou ao chão, na rua, sem sentidos.
Ainda assim o moeram de pancadas e pisadelas. E teriam literalmente passado
por cima do seu cadáver, se naquele momento o destacamento policial que o
delegado acabara providenciando não tivesse chegado, botando a multidão
em debandada a golpes de sabre (SABINO, 2002, p. 49-50).
Tentou pensar em sua amada tão distante, a doce e terna Marília de seus olhos,
mas a revelação de que as cartas não eram dela se interpunha, dorida, em sua
mente - viu que ela também ia se esfumando em sua alma, deixando o cora-
ção vazio e se perdendo na lembrança. Não havia mais nada em que se agar-
rar para sobreviver. Fora reduzido à expressão mais simples, e noves fora, zero,
como dizia o Dr. Pantaleão. Se alguma coisa lhe restava no espírito, era apena a
consciência disso (SABINO, 2002, p. 149).
O termo intertextualidade surgiu e foi reutilizado por Julia Kristeva em 1969 para
explicar o que Mikhail Bakhtin, na década de 20, entendia por dialogismo. Ou
seja, são duas variações de termos para um mesmo significado. Para Bakhtin,
a noção de que um texto não subsiste sem o outro, quer como atração ou re-
jeição, permite que ocorra um diálogo entre duas ou mais vozes, entre dois ou
mais discursos (ZANI, 2003, p. 122).
Referências
DOI: 10.52788/9786589932369.1-9
Introdução
Fonte: https://tartarugascinefilas.wordpress.com/2019/12/22/bacurau-2019/.
Fonte: https://www.tor.com/2020/08/18/e-quem-nasce-em-bacurau-e-o-que-
-brazilian-resistance-and-identity-in-bacurau/
[e]m estados como o Ceará, a maioria dos rios são intermitentes, e até hoje a
seca representa um problema sério para a população e a atividade industrial.
A situação, porém, não é tão caricata, de seca interminável, quanto pensam as
pessoas de outros lugares do Brasil (DINIZ, 2019, p. 13).
Não somente isso, assim como nas narrativas de G.G. Diniz, os per-
sonagens não são definidos apenas por serem da comunidade LGB-
TQIA+. Todos os habitantes de Bacurau são tratados com igualdade e
são reconhecidos pelas funções que desempenham naquela socie-
dade, seja médica, curadora de museu, a guarita, cangaceire. Apesar
do filme trazer elementos da ficção distópica, as relações dos bacu-
renses com sua própria comunidade é mais próxima de uma utopia.
Nas do sertãopunk de Diniz, apesar de haver uma forte presença da
violência masculina, as relações sáficas são naturalizadas e respeita-
das pelas protagonistas e personagens secundários.
Referências
Sobre as cartas-ensaio de
José de Alencar: apontamentos
Patrícia Regina Cavaleiro Pereira
DOI: 10.52788/9786589932369.1-10
Missivas oitocentistas
1 Este artigo foi publicado, com alterações, nos anais do X Congresso da Associação dos Pesquisadores
em Crítica Genética, em 2012, e em PEREIRA, Patrícia Regina Cavaleiro. “Há muito tempo que não te
escrevo...”: reunião da correspondência alencariana (edição anotada), Dissertação de Mestrado em
Letras. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo – USP, São Paulo,
2012. Disponíveis, respectivamente, em https://editora.pucrs.br/anais/apcg/edicao10/Patricia.Regina.
pdf e http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8149/tde-31082012-095814/pt-br.php.
2 ROQUETTE, J. I. Código do bom-tom: ou regras da civilidade e de bem viver no século XIX. Org. de L.
M. Schwarcz. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 266.
3 VASCONCELLOS, E. Intimidade das confidências. In: TERESA revista de literatura brasileira/área de
Literatura Brasileira. Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas. Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas. Universidade de São Paulo − n.8/9. São Paulo: Ed. 34, 2008. p.381.
4 MODELOS de análise linguística. Org. de E. de A. Cardoso, V. G. Condé e B. Daruj. São Paulo: Contexto,
2009. p. 120.
5 Tradução nossa. No original: “émanent des personnes privées, connues ou non, des groupes plus ou
moins organisés [,] ou dissimulent leur auteur par l’utilisation de pseudonymes ou par l’anonymat”.
(LA CORRESPONDANCE: les usages de la lettre au XIXe siècle. Org. de R. Chartier. Paris: Fayard, 1991. p.
427).
6 BOUVET, N. E. La escritura epistolar. Buenos Aires: Eudeba, 2006. p.114-115.
7 MORAES, M. A. de. Sobrescrito. In: TERESA revista de literatura brasileira/área de Literatura Brasileira.
Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.
Universidade de São Paulo – n.8/9. São Paulo: Ed. 34, 2008. p. 9.
8 RODRIGUES, A. E. M. José de Alencar: o poeta armado do século XIX. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001.
p.131.
9 No Correio Mercantil, José de Alencar trabalhou de 1853 a 1855; no jornal Diário do Rio de Janeiro,
exerceu a função de redator-chefe de 1855 a 1858. Em ambos os periódicos, foi o responsável pela
elaboração das crônicas intituladas Ao Correr da Pena.
10 ALENCAR, J. de. Obra completa. v.4. Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1960. p.863-922.
11 Referindo-se a Gonçalves de Magalhães, Antonio Candido afirma que durante “pelo menos dez
anos ele foi a literatura brasileira; a impressão de quem lê artigos e prefácios daquele tempo é que
só se ingressava nela com o seu visto”. (CANDIDO, A. Formação da literatura brasileira (momentos
decisivos). 11.ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2007. p.375).
12 ELIAS, R. de C. E. O tísico José de Alencar e as porradas literárias. Revista Insight Inteligência, p. 152,
out.-dez. 2003.
13 CAMPATO JR., J. A. Retórica e literatura: o Alencar polemista nas cartas sobre a Confederação dos
Tamoios. São Paulo: Scortecci, 2003. p. 17.
14 Segundo o missivista, o pseudônimo “foi tirado das primeiras letras do nome Iguaçu, heroína do
poema”. (ALENCAR, J. de. Obra completa. v.4. Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1960. p.863).
15 Id., p. 867, p. 892 e p.896.
16 Id., p. 868.
17 CANDIDO, A. Formação da literatura brasileira (momentos decisivos). 11.ed. Rio de Janeiro: Ouro
sobre Azul, 2007. p. 546.
18 CAMPATO JR., J. A. Retórica e literatura: o Alencar polemista nas cartas sobre a Confederação dos
Tamoios. São Paulo: Scortecci, 2003. p. 35.
19 Francisco Otaviano de Almeida Rosa (1825-1889), jornalista, foi um dos grandes amigos de José de
Alencar.
20 A Marmota (1857-1861/64) tinha como editor Francisco de Paula Brito (1809-1861).
21 ALENCAR, J. de. Obra completa. v.4. Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1960. p.42-46.
22 ASSIS, M. de. Machado de Assis: do teatro: textos críticos e escritos diversos. Org., estabelecimento
de texto, introd. e notas de J. R. Faria. São Paulo: Perspectiva, 2008. p.45.
32 Segundo Gladstone Chaves de Melo, a Questões do Dia era “uma revista-panfleto que se
editou aqui no Brasil sob a orientação e coordenação de José Feliciano de Castilho [...]. Vários nela
colaboraram, escolhendo cada qual um falso-nome”. Ele acredita que só tenham sido publicados
quarenta números “enfeixados em dois volumes: Questões do Dia – Observações Políticas e Literárias,
escritas por vários e coordenadas por Lúcio Quintino Cincinato” (MELO, G. C. de. Alencar e a “língua
brasileira”. 3.ed. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1972. p. 15-16).
33 Trata-se de José Feliciano de Castilho Barreto e Noronha (1810-1879) – irmão do escritor António
Feliciano de Castilho (1800-1875) e amigo de D. Pedro II –, que estava no Brasil desde 1847.
34 ELIAS, R. de C. E. O tísico José de Alencar e as porradas literárias. Revista Insight Inteligência, p. 159,
out.-dez. 2003.
35 Gladstone Chaves de Melo afirma que, para defender-se, além da elaboração das cartas de
O Nosso Cancioneiro, Alencar “expôs o seu ponto de vista com referência à língua e ao estilo no
Pós-Escrito de Diva, 2ª ed., no Prefácio de Sonhos d’Ouro, no Pós-escrito de Iracema, 2ª ed. [e] num
ensaio inacabado que ficou inédito até 1919, quando se publicou na revista América Latina: Questão
Filológica [...]” (MELO, G. C. de. Alencar e a “língua brasileira”. 3.ed. Rio de Janeiro: Conselho Federal
de Cultura, 1972. p.23). Visconde de Taunay relata, em seu livro de memórias, a desavença entre José
de Alencar e José Feliciano de Castilho, que, “levado pelas relações que tinha com membros do
ministério e governistas, espontaneamente encetara, desde os começos da campanha de 1871, uma
série de cartas assinadas Cincinato, em que buscara tomar a frente a José de Alencar. Não tardou
muito e fundou uma como que revista hebdomadária a que deu o nome de Questões do Dia, mas
que, exclusivamente, combatia aquele político, estudando-lhes todas as feições, sem insulto embora,
mas de modo hostil e agressivo, procurando feri-lo nas suas suscetibilidades mais melindrosas. O
que particularmente doeu a Alencar foi ver agremiar-se em torno d’aquele nome símbolo de guerra,
a mocidade brasileira, insurgida contra o mestre, – principiantes na carreira das letras metidos a
críticos desabusados e rancorosos da mais bela e mais bem preenchida vida literária, que tem tido
o país. Tomara então o pseudônimo de Senio e no frontispício do Gaúcho explicara essa assinatura
como representação fiel do seu novo estado d’alma – desânimo absoluto, esmagador. ‘Há duas
velhices, dizia ele; a do corpo, que trazem os anos, e a da alma, que deixam as desilusões.’” (TAUNAY,
A. d’E. Reminiscências. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1908. p.221).
36 Quanto às inovações de linguagem empregadas por Alencar em seus romances, Kátia
Garmes nos lembra que “Gilberto Freyre via no escritor um reformador da língua literária
do país, justamente [pelo seu] nacionalismo linguístico” (GARMES, K. M. O terrível amolador:
romantismo e política em José de Alencar. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira).
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo,
2004. p.190).
37 Joaquim Serra (1838-1888), cujo nome completo era Joaquim Maria Serra Sobrinho, foi jornalista,
político e literato brasileiro.
38 As quatro primeiras cartas – de 07, 09, 10 e 17 de dezembro de 1874 – podem ser encontradas
no quarto volume da Obra completa de José de Alencar (Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1960.
p.961-983). A publicação integral de O nosso cancioneiro, com a inclusão da quinta missiva – de 30
de dezembro de 1874 –, só foi realizada posteriormente, em 1962, por Manuel Esteves e M. Cavalcanti
Proença.
39 ALENCAR, J. de. O nosso cancioneiro: cartas ao Sr. Joaquim Serra. Org. e notas de Manuel Esteves e
M. Cavalcanti Proença. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1962. p.13.
40 ALENCAR, J. de. Obra completa. v.4. Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1960. p.961.
41 Alencar justifica o nome dado ao seu ensaio epistolar com as seguintes palavras: “Podemos nós
porém casar esses nomes cultos [xácara e romance], que respondem a trovas de outro gênero,
com as inspirações rústicas e aos improvisos incorretos de nossos sertanejos, entre os quais nunca
vogaram aquelas denominações? Entendo eu que não. Por isso adotei por título ou pretexto desta
palestra literária a palavra mais lata de cancioneiro que abrange tudo” (ALENCAR, J. de. Obra
completa. v.4. Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1960. p.970-971).
42 Id., p. 967.
43 Id., p. 962.
Não sou filólogo, nem pretendo para mim os foros de gramático, o que, entre-
tanto, se arroga tanta gente. E é a ponto que já se pode bem parodiar aquele
dito chistoso: que todo homem tem por força uma aduela de doudo e outra de
médico.45 [...] Eu desejava que os puristas, ou antes os carranças meditassem a
profunda sentença que a Academia Francesa escreveu em 1704: “Je n’ai pas la
folie de vouloir reglementer et fixer une langue vivante”.46
44 Id., p. 982.
45 Id., p. 967.
46 ALENCAR, J. de. O nosso cancioneiro: cartas ao Sr. Joaquim Serra. Org. e notas de M. E. e M. C.
Proença. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1962. p.70.
47 ALENCAR, J. de. Obra completa. v.4. Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1960. p.968.
48 Id., p. 969.
49 Id., p. 973.
50 Id., p. 977-978.
51 ROMERO, S. Estudos sobre a poesia popular do Brasil. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1977. p.104.
52 Ainda como última observação pertinente a este artigo, lembro que o prefácio e o posfácio de
Iracema também foram redigidos em formato epistolar: cartas dirigidas ao primo e amigo Domingos
José Nogueira Jaguaribe (1820-1890), nas quais o epistológrafo versava sobre a criação do romance
em questão e, assim como se deu com as cartas de O nosso cancioneiro, discorria acerca de
aspectos linguísticos.
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Considerações Iniciais
A Intertextualidade
“Sequência”
“A Menina De Lá”
“Fatalidade”
Considerações finais
A monumentalização da literatura:
a crônica e a memória como
ferramenta literária no debate
entre história e ficção
May Fran Selares Facundes
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Introdução
A apropriação, a nosso ver, visa uma história social dos usos e das interpre-
tações, referidas a suas determinações fundamentais e inscritas nas práticas
específicas que as produzem. Assim, voltar à atenção para as condições e os
processos que, muito concretamente, sustentam as operações de produção
do sentido (na relação de leitura, mas em tantos outros também) é reconhe-
cer, contra a antiga história intelectual, que nem as inteligências nem as ideias
são desencarnadas, e, contra os pensamentos do universal, que as categorias
dadas como invariantes, sejam elas filosóficas ou fenomenológicas, devem ser
construídas na descontinuidade das trajetórias históricas (CHARTIER 1991, p. 180).
- Um galho de amendoeira.
Toda a população de São Luís deverá estar presente a este acontecimento im-
portante do Governo Estadual, prevendo-se ainda, acontecer outra grande ba-
talha de confete, com a presença de todas as escolas samba, blocos, tribos e
maracatus. O Rei Momo e sua corte real bem como os cronistas carnavalescos
se farão presentes” (IMPARCIAL, 14 de fevereiro de 1970).
1 A palavra discurso nesse contexto está associada como ornamentos da retórica, tendo a
funcionalidade de captar a realidade, pois o historiador parte de várias perspectivas de analise, pois
para Cícero a retórica não possui autenticidade. (GINZBURG 2002,74-75,86-87).
2 Salienta que as representações que o imaginário social estrutura e organiza pode ser “distorcido
ou oculto ou até mesmo manipuladas”, sendo um grande desafio do historiador analisar de forma
crítica o que a memória dos sujeitos sociais resguarda. (CHARTIER, 2011, p. 15).
A memória em questão
São muitos os modos de pensar e de falar sobre memória.
Memória faculdade, função, atividade;
Memória local, arquivo;
Memória acúmulo, estocagem, armazenagem;
Memória ordem, organização,
Memória técnica, techné, arte;
Memória duração...
Memória ritmo, vestígio;
Memória marca registro;
Memória documento, história...
Memória como aprendizagem- processo, processamento;
Memória como narração-linguagem, texto.
Memória como instituição...
Invenção da memória...
(poesia de Homero apud SMOLKA, 2000, p. 168)
3 “Investigação, para que a memória dos acontecimentos não se apague entre os homens com
o passar o tempo, e para que os efeitos admiráveis dos helenos e dos bárbaros não caiam no
esquecimento...”.
Heródoto retoma e transforma a tarefa do poeta arcaico: contar os acontecimentos passados,
conservar a memória, como mecanismo do presente, para lutar contra o esquecimento (GAGNEBIN
1997, p. 17 apud SMOLKA, 2000, p. 178).
4 As testemunhas de cada fato apresentam versões que variam segundo sua simpatia com relação
a um ou outro lado e segundo sua memória (TUCÍDEDES, I, 22,3, apud DETIENNE 1998, p. 105, apud
SMOLKA, 2000, p. 179).
5O oficio do historiador, segundo Marc Bloch analisa o papel do historiador em relação a sua
prática historiográfica, buscando-se uma legitimidade para a História como ciência, que através de
mecanismos, e ações dos homens em relação ao tempo e o espaço, haja vista, que a história ao longo
do tempo, passou por períodos de mudanças e permanências possibilitando novas interpretações e
diversificando as técnicas de pesquisas do historiador (BLOCH, 2002).
[...] Uma ponte é assim lançada entre passado histórico e memória, pela nar-
rativa ancestral, que opera como um intermediário da memória em direção do
passado histórico, concebido como tempo dos mortos e tempo anterior a seu
nascimento (RICOEUR, 1985, p. 429, apud SILVA, 2002).
Considerações finais
Referência
6 Sucessão de acontecimentos que constituem a ação, em uma produção literária (história, novela,
conto etc.). (https://www.google.com/search?sxsrf=ALeKk02wDxtzeyRxKN1-).
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“Viesse
viesse um homem
viesse um homem ao mundo, hoje, com
a barba de luz dos
Patriarcas: ele poderia
se falasse ele poderia
apenas balbuciar e balbuciar
sempre –, sempre–,
continuamente.
(“Pallaksch, Pallaksch.”)”
1 O projeto “Diários públicos”, de Leila Danziger, foi constituído de peças elaboradas pela manipulação
de jornais nacionais e internacionais acumulados ao longo da carreira da artista. Esses trabalhos
plástico-discursivos foram reunidos numa série maior após o apoio financeiro concedido em 2001
pelo Programa de Bolsas RioArte, vinculado ao Instituto Municipal de Cultura do Rio de Janeiro.
Passei alguns anos perfurando papéis, verso e reverso. Queria penetrar em sua
substância opaca, ir além da pele, virá-la pelo avesso, buscar a área ínfima en-
tre as camadas da pele. Acho que buscava a interioridade da superfície. Perfu-
rar o papel era uma forma de escrita: constelações de signos construídos pelos
vazios que iam aparecendo no papel. A escrita era pensada não como depo-
sição de tinta sobre uma superfície, mas como falta, subtração de matéria, ou
como reação do tecido (lesão, cicatriz) (DANZIGER, op. cit., p. 26-27).
para essa representação corporal seja a gravura “Melancolia I”, feita por Albercth Dürer, em 1514.
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Introdução1
As vozes femininas, assim como as vozes das minorias étnicas e sexuais, esti-
veram por tanto tempo silenciados no âmbito social e, consequentemente, na
literatura, e o final do século XX assistiu a uma considerável reviravolta nesses
domínios: o conhecimento institucional da existência da literatura escrita por
mulheres como objeto legitimo de pesquisa (ZOLIN, 2009, p. 335).
(Jean Moréas)
INCONSTÂNCIA
Ambas sofreram não apenas por serem mulheres, mas, principalmente, por
serem mulheres diferenciadas, por sentirem mais profundamente aquilo que
todas sentem e não percebem ou não querem perceber. Mais: elas sentiram e
expressaram esse sentimento. Hoje, a cada novo estudo, a cada nova aborda-
gem, qualquer que seja o ângulo abordado, verifica-se que um novo brilho é
acrescentado a essas artistas que foram “poeta/mulher”, que souberam ultra-
passar as barreiras de sua condição feminina e transcendentalizaram sua arte.
GONÇALVES (2012, p. 07).
Florbela Espanca e Gilka Machado ousaram ser diferentes numa época em que
o Modernismo condenava toda e qualquer relação da literatura com aquela
praticada no século XIX, pois preferiram dar continuidade ao Simbolismo, numa
espécie de neossimbolismo, tanto que, nas raras vezes que são referenciadas
pela historiografia, figuram como anacrônicas, principalmente pelo tratamen-
to que dão aos temas, geralmente simbólicos e altamente metafóricos, e pela
forma expressional (GONÇALVES, 2012, p. 5).
(Simone Teodoro)
Através da criação poética, o poeta vai além do que seria uma simples respos-
ta às doutrinações estéticas e ideológicas de sua época. O que faz a verdadei-
ra poeticidade de um texto é que nunca ele obedece servilmente a quaisquer
diretrizes racionais e teóricas, mas estabelece uma constante tensão com as
mais amplas potencialidades da expressão, fazendo-as vir à tona no discurso.
(CARA, 1989, p. 26).
Desse modo, vê-se por meio das imbricações que a própria na-
tureza do discurso poético estabelece com outras linguagens, como
essas interferências moldam e estão manifestas no âmago de Sone-
to, que recebendo traços característicos da lira provençal torna-se
um texto polifônico, capaz de se enraizar no subconsciente coletivo e
ser atemporal dentro do espaço-tempo, pois seus versos falam da-
quilo que é inerente ao ser humano e próprio de sua natureza biológi-
ca. Sentimentos que perpassavam pelos reclames do amor e/ou ódio,
pela empolgação e/ou decepção e que de alguma forma, estão pre-
sentes dentro do processo de maturação de cada pessoa, indepen-
dente de sexos, raças, épocas, culturas e religiões. Segundo Barros:
Discurso poético, por sua vez, é aquele que instala internamente, graças a uma
série de mecanismos, o diálogo intertextual, a complexidade e as contradições
dos conflitos sociais. Observa-se que se considera poético qualquer discurso –
poesia, pintura, dança e outros – que apresente as características polifônicas
mencionadas. (BARROS, 1994, p. 06).
Os poetas medievais não podiam dar asas à paixão de tons arrebatados e eró-
ticos, pois, de modo geral, a moral cristã tratava de organizar as relações amo-
rosas. Essa, pelo menos, é a visão convencional que se tem da lírica provençal,
entendida como uma lírica de idealização amorosa. (CARA, 1989, p. 20).
Assim como foi com Florbela Espanca, que com a sua poética
obscuramente lânguida agitou a Literatura Portuguesa do início do
século XX e instaurou uma nova percepção a cerca da produção li-
terária feminina, já que os seus textos eram carregados de imagens
fortes que despersonalizavam a figura doce da mulher, revelando as
cicatrizes que a sociedade em toda a sua conjuntura histórica tinham
deixado no inconsciente de muitas mulheres, marcas de uma ilusão
criada por culturas que alimentavam e cultuavam o arquétipo de
uma vida perfeita, onde o afeto em todas as suas instâncias, era o ali-
cerce que sustentava as relações, como nos versos da última estrofe
do poema Eu, presente em o Livro de Mágoas (1919).
(Segunda estrofe)
(Última estrofe).
SER MULHER
Esse poema faz com que todos os tipos de leitores, tracem men-
talmente uma reflexão acerca da sua própria identidade, mesmo es-
ses leitores sendo homens e não tendo nenhuma relação com aquilo
que vive e passa uma mulher. Porém nesse momento, a poesia de
Gilka torna-se uníssona e dá a possibilidade do leitor de se colocar no
lugar da mulher, tomando para si os questionamentos e a sua condi-
ção humana, contrariando assim as premissas das Cantigas de Amor
e viabilizando um contato mais sublime com a realidade implícita no
texto, que para Silva (2017) vem da essência da poesia, pois ela é a
expressão mais singela e crua da alma humana e o poema é apenas
um mecanismo para que tal manifestação seja organizada, tendo em
vista o objetivo da comunicabilidade, já que ali se encontra um orga-
nismo vivo que reflete o seu interior mais puro, sendo nesse caso um
espelho do eu.
Percebe-se também essa vontade de expressar em totalidade
tudo que inflama a alma, nos versos de Amar, presente no livro Char-
neca em Flor (1930) que traz a voz lírica de uma Florbela Espanca livre,
dedicada a viver em sintonia com tudo aquilo que amor proporcionar,
sem distinção ou nada que o subjugue, deixando em evidência, pela
própria colocação sintática do verbo Amar, como título do poema, a
sua intenção de não se apegar a um objeto em especifico, e sim a
tudo e todos que despertarem o seu interesse.
Conclusão
Referências
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Introdução
A construção do maravilhoso
Uma fada má condenou-me a viver sob esta forma até que uma bela moça
consentisse em me desposar. Proibiu-me também de deixar minha inteligência
aparecer. Você foi a única pessoa no mundo boa o bastante para se deixar to-
car pela bondade do meu caráter. (BEAUMONT, 1757, p. 117).
'Bela', disse-lhe essa dama, que era uma fada, 'venha receber a recompensa
por sua boa escolha: você preferiu a virtude à beleza e à inteligência, portanto
merece encontrar todas essas qualidades reunidas numa mesma pessoa. Vai
se tornar uma grande rainha. Espero que o trono não destrua suas virtudes.
Quanto às senhoritas', disse a fada para as duas irmãs da Bela, “conheço seus
corações, e toda malícia que encerram. Vou transformá-las em duas estátuas.
Mas conservarão toda a sua razão sob a pedra que recobrirá. Permanecerão
na porta do palácio de sua irmã e não lhes imponho outro castigo a não ser
testemunhar a felicidade dela (BEAUMONT, 1757, p. 117-118).
Considerações finais
Referências
A BELA E A FERA. Direção: Bill Condon. EUA, 2017. DVD (2h 09min) Walt Disney
Pictures.
BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e estética – a teoria do romance.
São Paulo: UNESP, 1998.
BEAUMONT, Jeanne-Marie Leprince. A Bela e a Fera. In: Contos de Fadas. Rio
de Janeiro: Zahar, 2010.
LE GOFF, Jacques. O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval. Edi-
ções 70, 1983.
MARINHO, C. C. A. Contribuições para uma Poética do Maravilhoso: um es-
tudo comparativo sobre a narratividade literária e cinematográfica [Tese
DOI: 10.52788/9786589932369.1-16
Considerações iniciais
1 Lúcia é uma das três crianças que, supostamente, presenciaram as aparições de Nossa Senhora na
cidade de Fátima, em 1917.
2 Ressalta-se que o luto ou melancolia podem se originar também da perda de um ideal, sonho,
emprego e não exclusivamente da morte de uma pessoa amada.
Ainda que José Luís Peixoto faça algumas objeções sobre o termo
prosa poética, já que, para ele, há poesia também na prosa. É indubi-
tável a presença da sonoridade concatenada com as diversas ana-
logias, a partir das quais o autor recupera os sentimentos de tristeza,
oriundos da perda do pai. A preocupação com o ritmo e a construção
metafórica, comumente, encontram-se inclinadas à produção ima-
gética da poesia, mas, em Peixoto, funcionam como elementos pelos
quais o escritor português consegue expor os dissabores do luto.
O título Morreste-me, aparentemente incongruente no nível gra-
matical, mostra-se poético no sentido em que revela como a perda
do amado (pai) provoca a morte do amante (filho); o uso da primeira
e da segunda pessoa do singular na mesma forma verbal é nevrál-
Pai, ter a tua memória dentro da minha é como carregar uma vingança, é como
carregar uma saca às costas com uma vingança guardada para este mundo
que nos castiga, cruel, este mundo que pisa aquele outro que pudemos viver
juntos, de que sempre nos orgulharemos, que amamos para nunca esquecer.
(PEIXOTO, 2015, p. 60).
Olho fotos antigas, e de tempos em tempos meu corpo inteiro se infla num solu-
ço. Meu pai muitas vezes aparecia rígido nas fotos, pois cresceu considerando a
fotografia um acontecimento raro e formal, para o qual era preciso se arrumar
e ficar sentado numa posição desconfortável na frente de um homem com um
tripé. (ADICHIE, 2021, p. 49).
Minha mãe diz que algumas viúvas foram lhe dizer qual é o costume. Primeiro
a viúva deve ter a cabeça raspada — e antes de ela conseguir continuar, meus
irmãos vão logo dizendo que isso é ridículo e não vai acontecer. Eu digo que
ninguém raspa a cabeça dos homens quando suas esposas morrem; ninguém
nunca faz os homens passarem dias comendo comidas insossas; ninguém es-
pera que o corpo dos homens exiba a marca da sua perda. (ADICHIE, 2021, p.
84).
'Ele foi para um lugar melhor' é de uma presunção espantosa e tem um quê de
inepto. Como é que você poderia saber? E por acaso eu, que estou de luto por
ele, não deveria ter acesso primeiro a essa informação? Será que eu deveria
mesmo estar ouvindo isso de você? “Ele estava com oitenta e oito anos” causa
uma irritação profunda, porque a idade no luto é irrelevante: não importa quan-
tos anos ele tinha, mas o quanto ele era amado. Sim, ele tinha oitenta e oito
anos, mas um buraco de proporções cataclísmicas agora de repente se abriu
na sua vida, e uma parte de você foi levada embora para sempre (ADICHIE, 2021,
p. 37).
Referências
A poesia diaspórica de
Solano Trindade e Elisa Lucinda
Elaine Morais Lourenço
Amanda Ramalho de Freitas Brito
DOI: 10.52788/9786589932369.1-17
Introdução
Versos ao Vento
Tarde muito azul.
Repouso nua na horizontal paisagem.
Quem saberá, ao esta moça morena avistar,
onde andará seu pensamento?
O transparente macho visita com delicadeza a cena.
Mudo, me beija as costa, agrada meus sentidos,
percorre meus sentimentos.
Na varanda da memória estou deitada e posta
na lira do tempo
entre a janela aberta e a porta
na linha do vento.
(Vozes Guardadas, 1994, p. 352)
Provocação
Canto
Sou Negro
Sou Negro
meus avós foram queimados
pelo sol da África
minh`alma recebeu o batismo dos tambores
atabaques, gonguês e agogôs.
Contaram-me que meus avós
vieram de Loanda
como mercadoria de baixo preço
plantaram cana pro senhor do engenho novo
e fundaram o primeiro Maracatu. [...]
[...]
Depois meu avô brigou como um danado nas terras de Zumbi
Era valente como quê
Na capoeira ou na faca
escreveu não leu
o pau comeu
Não foi um pai João
humilde e manso.
Mesmo vovó não foi de brincadeira
Na guerra dos Malês
ela se destacou.
Na minh’alma ficou
o samba
o batuque
o bamboleio
e o desejo de libertação.
(O poeta do povo, 2008, p. 42)
Considerações finais
Referências
Permanências e continuidades da
estética hegeliana na crítica poética
de Octávio Paz [1914-1998]
Maycon da Silva Tannis
DOI: 10.52788/9786589932369.1-18
Introdução
Essa condição não muda, não se estabiliza. Dizer isso é mais uma
real condenação ao paradigma da imitação e seus correlatos. Qual-
quer traço de imitação do real, seja como Ideia (Platônica) ou mesmo
Representação, não se seguram diante da impossibilidade de ter no
11 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Prefácio à Ciência da Lógica (1812). In Ciência da lógica. Tomo I:
Doutrina do Ser. Editora Vozes: Petrópolis, 2016, p. 28.
A linguagem se inseriu em tudo aquilo que se torna para ele [o seu humano]
em geral um interior, uma representação, em tudo aquilo de que ele se apro-
pria, e o que ele torna linguagem e exprime nela contém de modo mais enco-
berto, mais misturado e mais elaborado uma categoria; tão natural que lhe é o
lógico, ou, precisamente: o mesmo é a sua natureza peculiar.13
Contudo, ele não conserva em nada deste resultado, mas é nisso igualmente
positivo e, com isso, é concreto em si; sob este universal não é subsumido um
particular dado, mas naquele determinar e na sua respectiva dissolução o par-
ticular já se co-determinou. Esse movimento espiritual que em sua simplicidade
fornece a si a sua determinidade e, nessa última, sua igualdade consigo mes-
mo, movimento este que, com isso, é o desenvolvimento imanente do conceito,
é o método absoluto do conhecer e, ao mesmo tempo a alma imanente do
próprio conteúdo.16
18 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Enciclopedia de las ciências filosóficas en compendio. Alianza
Editorial: Madrid,1997. §80 p. 184.
19 HEGEL, G. W. F., 1997. Op. Cit. §81 p. 84.
Este [resultado] racional, por consiguiente, aunque sea algo pensado e incluso
abstracto, es a la vez algo concreto porque no es una unidad simple, formal,
sino unidad de determinaciones distintas. Con meras abstracciones o pensa-
mientos formales la filosofía nada tiene que ver en absoluto, sino solamente con
pensamientos concretos.
Estos tres lados no constituyen tres partes de la lógica, sino que son tres mo-
mentos de todo lo lógico-real, es decir, de todo concepto o de todo lo verda-
dero en general. Pueden ponerse en conjunto bajo el primer momento, es decir,
bajo el entendimiento, y así mantenerlos separados, pero de este modo no son
tratados con [arreglo a] su verdad propia é.—La indicación que aquí se hace
sobre las determinaciones de lo lógico, como también sobre su división, debe
tomarse en cualquier caso como una indicación de carácter histórico y como
anticipo.25
E ainda:
a representação faz ver uma ausência, o que supõe uma distinção clara entre
o que representa e o que é representado; de outro, é a apresentação de uma
presença, a apresentação pública de uma coisa ou de uma pessoa. Na primei-
ra acepção, a representação é o instrumento de um conhecimento mediato
que faz ver um objeto ausente substituindo-lhe uma “imagem” capaz de repô-
-lo em memória e de “pintá-lo” tal como é.28
27 CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estud. av., São Paulo, v. 5, n. 11, p. 173-191, Abr. 1991.
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141991000100010&lng
=en&nrm=iso. Acesso em 04 out. 2020.
28 CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estud. av., São Paulo, v. 5, n. 11, p. 173-191, Abr. 1991.
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141991000100010&lng
=en&nrm=iso. Acesso em 04 out. 2020.
29 Aqui faço questão de manter o tom acusatório. Uma vez que em levantamento feito por mim no
ano de 2019 e em 2020, nas ementas das Universidades Públicas do Rio de Janeiro referentes aos
seus programas dos cursos de Teoria da História que em todos eles constavam discussões sobre
o problema da representação e seu devido tratamento dado por Roger Chartier. Curiosamente, A
História Cultural: entre práticas e representações (Trad. de Maria Manuela Galhardo. Lisboa: Difusão
Editora, 1988) permeia todas as ementas.
Seja qual for o desenlace da sua aventura, a verdade é que, desse ângulo, a his-
tória do Ocidente pode ser vista como a história de um engano, um extravio, no
duplo sentido da palavra: é que nos afastamos de nós mesmos ao perder-nos
no mundo. Precisamos começar de novo.33
Referências
Poetnografias do Gozo:
O Voyeurismo catártico na poética
decolonial de Elisa Lucinda
DOI: 10.52788/9786589932369.1-19
Introdução
O homem
o pau do homem
o pensamento dele.
Nada sai de minha cabeça. Minha paixão tão intensa.
É pelo corpo que a alma pensa. (1-6)
A finalidade ativa (olhar) é substituída pela finalidade passiva (ser olhado). […].
A essência do processo é, assim, a mudança do objeto, ao passo que a finali-
dade permanece inalterada[..] a transformação da atividade em passividade
convergemou coincidem. (FREUD, 1996, p. 132).
Considerações finais
Referências
DOI: 10.52788/9786589932369.1-20
Considerações iniciais
A miséria que alastra por este mundo, protesta demasiado alto contra a hi-
pótese de uma obra perfeita devida a um ser absolutamente sábio, absoluta-
mente bom, e também todo poderoso; [...] a miséria do mundo torna-se uma
acusação amarga contra o criador e dá margem aos sarcasmos [...] (SCHOPE-
NHAUER, 2014, p. 29).
Para que queres tu mais alguns instantes de vida? Para devorar e seres devo-
rado depois? Não estás farto do espetáculo e luta? Conheces de sobejo tudo o
que eu te deparei menos torpe ou menos aflitivo: o alvor do dia; a melancolia
da tarde, a quietação da noite, os aspectos da Terra, o sono, enfim, o maior be-
nefício das minhas mãos (ASSIS, 2017, p. 19).
Para todo ser vivo, o sofrimento e a morte são tão certos como existência. Po-
dem livrar-se, todavia, dos sofrimentos e da morte pela negação da vontade de
viver, que tem por efeito desligar a vontade do indivíduo do ramo da espécie, e
de suprimir a existência na espécie.
Em alucinatórias cavalgadas,
Eu sinto, então, sondando-me a consciência
A ultrainquisitorial clarividência
Des todas as neuronas acordadas!
Referências
ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. 1. ed. João Pessoa: MVC Editora,
2014.
ASSIS, Machado. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Ciranda Cultural: São
Paulo, 2017.
FREUD, Sigmund. (1917 [1915]). Luto e melancolia. In: FREUD, Sigmund. Obras
Completas. v. 14. Rio de Janeiro: imago Editora, 1969.
SCHOPENHAUER, Arthur. As dores do mundo: o amor - a morte - a arte - a
moral - a religião - a política - o homem e a sociedade. Tradução de José
Souza de Oliveira - São Paulo: Edipro, 2014.
Narrativas da diversidade:
identidade diaspórica nos contos
de Conceição Evaristo e Paulina
Chiziane
Ronaldo Gomes dos Santos
DOI: 10.52788/9786589932369.1-21
Considerações Iniciais
Desde o seu primeiro romance, Balada de amor ao vento, que a autora vem
desvelando a responsabilidade da mulher no estado de sua condição. Neste
contexto, a obra de Paulina Chiziane atualiza um discurso que inclui o questio-
namento e a denúncia, dando voz e criando espaço de reflexão ao sujeito que
é “silenciado”, tendo como intuito apelar à mulher moçambicana para uma
mudança consciencializada. Esta estratégia, que começa a ser formatada em
Ventos do Apocalipse, adquire dimensão actancial em O Sétimo juramento,
quando as mulheres (mulher, amante e mãe de David) se aliam para se sal-
varem e à família; ou pelas mulheres de Tony, em Niketche, que apanhadas na
voragem de uma relação poligâmica feita à medida do polígamo, o obrigam
a respeitar a instituição. Para tal, há recorrência à diversidade do legado cultu-
ral moçambicano, actualizado em fórmulas, rituais, hábitos, gestos, comporta-
mentos. Por este esquema se elabora um percurso pelas diferenças, semelhan-
ças, desejos, sentimentos e aspirações de diferentes mulheres moçambicanas,
nos diferentes âmbitos de intervenção quotidiana, como em Niketche, romance
feito de polarizações (MATA, 2006, p. 437-438, grifos da autora).
Olhei para mim e para outras mulheres. .Percorri a trajectória do nosso ser, pro-
curando o erro da nossa existência. Não encontrei nenhum. Reencontrei na es-
crita o preenchimento do vazio e incompreensão que se erguia à minha volta.
A condição social da mulher inspirou-me e tornou-se meu tema. Coloquei no
papel as aspirações da mulher no campo afectivo para que o mundo as veja,
as conheça e reflita sobre elas (MATA, 2006, p. 8, grifos da autora).
Considerações finais
Referências
Andreza da Silva
Graduada em Letras-Português pela Universidade Estadual de Ala-
goas, é natural de Campo Ale-gre- Alagoas. Apaixonada pela leitu-
ra desde criança, sempre almejou ser professora, atualmente leciona
Língua Portuguesa em turmas de EJA, em sua cidade natal, além de
atuar em turmas de ensino médio da rede privada com aula de Lín-
gua Portuguesa, redação e literatura. Andreza acredita que é Educa-
ção é o caminho para construir uma sociedade mais justa.
Pedro Cardoso
Tem graduação em Economia (UnB), graduação em Contabilidade
(UNICEUB) e pós-graduação em Análise Contábil (UNICEUB).
A
Afeto 10, 61, 192, 268, 292, 328, 400
C
Cultura 8, 28, 41, 57, 77, 80, 88, 91, 95, 96, 98, 99, 100, 112, 123, 124, 125, 127, 178,
179, 181, 188, 191, 195, 198, 207, 215, 237, 254, 266, 286, 293, 294, 341, 342, 343,
347, 348, 349, 350, 351, 359, 375
D
Dialogismo 8, 49, 55, 59, 78, 129, 159, 164, 172, 173, 176, 219, 286, 298
H
História 6, 8, 13, 19, 21, 40, 43, 45, 50, 61, 80, 81, 92, 99, 109, 110, 113, 138, 143, 147,
171, 181, 185, 190, 191, 222, 223, 227, 238, 239, 240, 242, 243, 244, 245, 248, 250,
252, 254, 255, 256, 265, 268, 272, 273, 275, 279, 301, 303, 304, 305, 308, 309, 311,
312, 313, 315, 332, 334, 343, 345, 346, 348, 350, 352, 374, 376, 397, 398, 400
I
Identidade 6, 12, 121, 125, 137, 172, 177, 180, 220, 253, 282, 296, 340, 343, 348,
349, 350, 351, 352, 353, 357, 371, 375
Intersecção 2, 4, 9, 159
Intersemiótica 10, 17, 37, 319
Intertextualidade 6, 8, 11, 12, 17, 24, 40, 45, 49, 50, 52, 55, 56, 57, 58, 59, 116, 129,
130, 131, 136, 138, 139, 168, 172, 173, 214, 215, 218, 219, 220, 221, 233, 234, 236, 237
L
Leitura 8, 9, 11, 12, 13, 14, 69, 74, 81, 100, 116, 133, 159, 164, 168, 175, 176, 203, 244,
256, 262, 263, 264, 267, 268, 269, 270, 271, 272, 273, 295, 300, 304, 325, 383,
439, 443
Literatura Comparada 8, 36, 41, 52, 284, 285, 287, 321, 438
Literaturas 9, 41, 285, 444
M
Memória 5, 6, 8, 9, 10, 13, 14, 31, 93, 95, 96, 97, 98, 102, 103, 238, 240, 249, 250,
251, 252, 253, 254, 255, 256, 257, 267, 269, 270, 271, 273, 274, 275, 319, 320, 322,
324, 325, 331, 332, 333, 337, 341, 343, 344, 348, 350, 352, 353, 373, 383, 392
Modernidade 10, 11, 12, 83, 142, 143, 144, 155, 156, 247, 375, 441
Monumento 13, 248, 255
O
Oralidade 10, 185, 347, 348, 352
P
Pertencimento 12, 159, 170, 353
Poema 5, 11, 13, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 55, 61, 67, 71, 74, 82, 83, 84, 85, 86, 87,
88, 89, 93, 94, 95, 103, 108, 115, 116, 119, 120, 121, 131, 132, 133, 134, 136, 137, 138, 203,
204, 207, 210, 211, 220, 259, 260, 262, 264, 265, 272, 279, 281, 283, 284, 287, 292,
294, 295, 296, 297, 300, 325, 330, 342, 343, 344, 345, 347, 348, 351, 360, 371, 372,
375, 377, 379, 380, 383, 385, 386, 387, 388, 389, 390, 391, 392, 393, 404, 405,
406, 407, 408, 409
Poetrix 5, 10, 54
R
Romance 11, 15, 42, 48, 51, 52, 146, 149, 150, 158, 159, 160, 161, 162, 164, 165, 168,
173, 174, 175, 176, 193, 209, 210, 211, 242, 315, 319, 383, 384, 397, 410
S
Significação 10, 25, 80, 83, 85, 88, 92, 93, 250, 295
Sociedade 9, 11, 23, 41, 49, 57, 80, 82, 88, 93, 133, 143, 144, 145, 147, 149, 153, 160,
162, 163, 167, 169, 170, 171, 172, 174, 175, 183, 190, 194, 206, 239, 240, 243, 248, 277,
278, 280, 282, 286, 291, 292, 293, 294, 295, 297, 298, 318, 335, 340, 341, 342, 347,
349, 380, 397, 410, 439
Subjetividade 13, 44, 118, 241, 242, 252, 271, 319, 342, 344, 360, 386, 398, 410
T
Texto literário 9, 13, 21, 41, 131
Tragédia 5, 10, 38, 39, 40, 42, 51, 52, 86