Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
EZIO BITTENCOURT
Da Rua ao Teatro,
os prazeres de uma cidade
sociabilidades & cultura
no Brasil Meridional
1999
1
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Da Rua ao Teatro
CDU: 792(816.5)(091)
________________________________________________________________________
2
Da Rua ao Teatro
Da Rua ao Teatro,
os prazeres de uma cidade
sociabilidades & cultura
no Brasil Meridional
3
Da Rua ao Teatro
EZIO BITTENCOURT
Da Rua ao Teatro,
os prazeres de uma cidade
sociabilidades & cultura
no Brasil Meridional
(Panorama da história de Rio Grande)
Prefácio de
Ruth M. Chittó Gauer
4
Da Rua ao Teatro
Coriolano Benício,
Manoel Pinto Ferreira Júnior,
Antenor Monteiro,
Carlos Alberto Minuto,
Frederico Carlos de Andrade,
Inah Emil Martensen...
5
Da Rua ao Teatro
6
Da Rua ao Teatro
7
Da Rua ao Teatro
SUMÁRIO
LOCAIS DA PESQUISA.....................................................................................
ILUSTRAÇÕES................................................................................................
LISTAGENS E LEVANTAMENTOS...................................................................
TABELAS......................................................................................................
GRÁFICOS.....................................................................................................
PREFÁCIO...............................................................................................
8
Da Rua ao Teatro
Rádio-Teatro...........................................................................................
AS UTILIZAÇÕES DO ESPAÇO TEATRAL..................................................
Bailes.....................................................................................................
Reuniões Políticas.....................................................................................
Outros Registros................................................................................
ÚLTIMAS NOTAS....................................................................................
GLOSSÁRIO......................................................................................
FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................
9
Da Rua ao Teatro
LOCAIS DA PESQUISA
Biblioteca do Instituto de Artes. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre.
Biblioteca do Curso de Arquitetura. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre.
Biblioteca Central da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre.
Biblioteca de Música “Armando Albuquerque”. Casa de Cultura Mário Quintana. Porto Alegre.
Centro de Documentação Histórica “Prof. Hugo Neves”/ Universidade do Rio Grande. Rio
Grande.
Discoteca Pública “Natho Henn”. Casa de Cultura Mário Quintana. Porto Alegre.
10
Da Rua ao Teatro
ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
11
Da Rua ao Teatro
FOTOS
12
Da Rua ao Teatro
LISTAGENS E LEVANTAMENTOS
13
Da Rua ao Teatro
TABELAS
2 – Quadro comparativo das cidades de Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande apresentando o
número de habitantes e as respectivas porcentagens de matrículas de alunos no curso
primário, no ano de 1940........................................................................................................
14
Da Rua ao Teatro
GRÁFICOS
15
Da Rua ao Teatro
PREFÁCIO
Este livro aborda diversas questões sobre a vida social da cidade de Rio
Grande, localizada ao sul do Rio Grande do Sul. O olhar do autor voltou-se para a
história da cidade e, mais especificamente, para seus espaços teatrais: teatros, cine-
teatros e sociedades recreativas possuidoras de palcos. Os teatros, territórios de
sociabilidade característicos dos centros urbanos modernos, são descritos em suas
relações com a sociedade da época. Esses locais se constituíram em ambientes sociais
fundamentais à vida urbana do início do século XX. O retrato de Rio Grande construído,
passa pela compreensão da dinâmica dos espaços de representação teatral que, sem
dúvida, revelam a dinâmica da urbanização vinculada à industrialização crescente, a
qual, refletiu-se no mercado do lazer e da diversão.
O panorama histórico da cidade, descrito na obra, revela a vocação desse
centro urbano para as atividades comerciais ao lado da vocação burguesa para o lazer.
No modelo de cultura burguesa, o estilo de vida da cidade, ainda no início do século
XIX, foi marcado pela adoção de práticas européias. Os saraus lítero-musicais, os
clubes, as associações, os espetáculos itinerantes, os cafés, entre outros locais de lazer
se multiplicavam no Rio Grande da época configurando, dessa forma, a vida social da
cidade. Com a chegada das primeiras levas de imigrantes houve uma intensificação da
oferta do tipo de entretenimento que atendia ao desejo de um grupo social local que se
pretendia culto e elitizado. O desenvolvimento das artes plásticas, dos clubes, da
dramaturgia, assim como o aumento dos conjuntos musicais, ao lado do já tradicional
Entrudo e das festas religiosas, revelam, para o autor, algumas características da vida
social da cidade do início do século.
Podemos ler no desenvolvimento da análise que os espaços de lazer, desde
os remotos tempos coloniais, realizavam-se nas áreas públicas. As festas populares -
religiosas ou laicas - ocorriam nesses locais. Com a República, as ruas, praças e os
largos, adquiriram maior importância e foram redesenhados e higienizados segundo os
ditames do período, atendendo às vaidades dos estratos sociais economicamente em
ascensão. Os elementos trabalhados na obra permitem uma leitura alargada do meio
urbano e do lazer, nele desenvolvido. A cidade então descrita, revela uma polifonia
16
Da Rua ao Teatro
17
Da Rua ao Teatro
sobreposição de informações na medida em que tal estudo for cotejado por outros
pesquisadores que, abordando a mesma temática, poderão desenvolver análises
complementares, embasadas na sólida pesquisa efetuada pelo autor.
INTRODUÇÃO:
OS ITINERÁRIOS DA PESQUISA
18
Da Rua ao Teatro
~~~
História, vida social, arte e cultura são temas que sempre despertaram meu
interesse. Desde a infância “viajava” com as estórias de minha bisavó Dinorah ao contar-
me que seu pai fazia parte de uma “companhia de cavalinhos”; do avô Ivan e suas
peripécias nas agitadas matinées do Politeama; da avó Haydée e as aulas de piano e
audições no Conservatório de Música; do maestro Piragine e as vivências dos espaços
teatrais... Com grande prazer, perdia-me - ou encontrava-me ? – por horas, debruçado na
elaboração de desenhos, pinturas, ousando na literatura e na dramaturgia. Aulas de artes
plásticas e de canto lírico na Escola de Belas-Artes e até de ballet no Municipal, marcam
meus primeiros contatos com as artes. O interesse pela vida social e cultural da cidade
efetivaria-se em 1988, quando passei a assinar uma coluna no jornal A Opinião Pública,
de Pelotas, enfocando estes assuntos. As aulas de francês - ou seria melhor, as “lições de
vida” em francês – com a conhecida professora local Lyuba Duprat, intensificaram meu
gosto pelas manifestações do espírito e pela história da cidade. No alto de seus noventa e
tantos anos, mestre em língua e cultura francesas e em história da arte, a mente ainda
lúcida e brilhante recordava, entre uma lição e outra, de um mundo passado: o Rio Grande
do início do século XX, onde seus pais dirigiam-se elegantes em carro puxado a cavalo ao
Teatro Sete de Setembro para assistir a Companhia de Operetas do maestro Lahoz. Na
monografia de conclusão do Curso de História, da Universidade do Rio Grande, já
revelaria o gosto pelas pesquisas na área da cultura. O tema: o antigo Conservatório de
Música local.
Em 1995, atuando então como docente do Departamento de
Biblioteconomia e História, desta universidade, fui apresentado pela Prof.ª Dr.ª Maria
Luiza Queiroz ao Arquivo “Coriolano Benício”. Foi como se as portas do paraíso
tivessem se aberto: uma coleção com cerca de 3.000 prospectos publicitários de espaços
teatrais locais, para não comentar os recortes de jornais com assuntos culturais e demais
fontes. Mais tarde, perceberia que o paraíso idealizado no primeiro contato com aquele
material raro, devidamente catalogado e disposto em muitas pastas perfiladas na
prateleira, seria muitíssimo relativo.
Ante a este material, inquietei-me acerca das atividades sociais e culturais
desenvolvidas na sociedade rio-grandina e, mais especificamente, por àquelas
engendradas por seus espaços teatrais. Apreendendo-os como “espelhos de uma época”
suas análises implicariam na revelação de inúmeros elementos articulados à história
social.
Enfrentar o arquivo valorizando ao máximo suas preciosas informações, foi
minha constante preocupação. Compulsando esse material levantei os nomes e as origens
das companhias e dos artistas que se apresentaram na cidade, as datas dos espetáculos, os
espaços teatrais utilizados, os programas executados, a autoria dos programas, os preços
dos ingressos, a hora e a dinâmica do espetáculo, assim como informações sobre a
orquestra e sua regência, a direção das companhias e outros dados. Após a compilação das
múltiplas informações para fichas de transcrição individuais de cada espetáculo, foram
19
Da Rua ao Teatro
3
A transcrição corresponde as colunas editadas entre 2 de janeiro de 1941 a 27 de dezembro de 1950. A
interrupção da coleta de dados deveu-se à intensificação de repetidas informações observadas a partir desta
data. Fatos e Coisas de Antanho, todavia, continuou a ser escrita até 1992, por diferentes autores. O material
reproduzido não corresponde à totalidade dos registros apresentados na referida fonte, mas sim somente
àqueles relacionados ao cotidiano da cidade e às atividades sociais e culturais de sua população. Cf.
BITTENCOURT, Ezio. Elementos à História Cultural da Cidade de Rio Grande. In: _______. Sob Um Olhar
Urbano, Sociabilidade, Cultura & Teatro no Brasil Meridional. Porto Alegre: PUCRS, 1998. v. 3
(Dissertação de Mestrado). Este material encontra-se disponível nas seguintes bibliotecas: FURG, em Rio
Grande; PUCRS e Ciências Sociais e Humanidades/UFRGS, em Porto Alegre.
20
Da Rua ao Teatro
do Sul (com 3.793 registros) não esgotou-se nesta pesquisa, merecendo posteriores
abordagens.4
Somaram-se ao material utilizado na elaboração deste livro, vários
periódicos, documentos oficiais, manuscritos, artigos em jornais, revistas, mapas, plantas
urbanas, depoimentos, fotografias de época, gravuras, reproduções fonográficas, assim
como dissertações de mestrado, teses de doutorado e bibliografia disponível.
E aqui cabe a menção do nome de Leando Xavier Barbat, então acadêmico
do Curso de História, da FURG que sob minha orientação, atuou nesta pesquisa de
mestrado, durante os anos de 1995 a 1997. Sem dúvida, seu precioso auxílio na
transcrição de fontes, determinou a qualidade desse estudo.
Os processos de crescimento populacional, urbanização e industrialização
pelos quais passou Rio Grande, intensificaram e diversificaram as atividades de lazer e
cultura em seus vários segmentos sociais. A modernização da cidade e a adoção de novos
hábitos e costumes, gerou a ampliação dos espaços públicos de sociabilidade, de suas
vivências e a conseqüente dinamização das relações sociais de seus freqüentadores. Destas
transformações os espaços teatrais foram partícipes, desempenhando papel de relevância
nas novas formas de viver a cidade e seus espaços constitutivos. Abertos,
permanentemente, às trocas e manifestações da coletividade, ao lazer (e aqui incluo o
lazer instrutivo), à criação e difusão artístico-cultural, à representação social, à informação
e formação... eles adquiriram grande importância nas dimensões da vida social e cultural
da cidade, constituindo-se em sinônimos de urbanidade e modernidade. Ícones dos
prazeres de uma cidade.
Se os teatros do século XIX metamorfosearam-se em cine-teatros com o
advento do cinematógrafo, este estudo preocupa-se, quase que exclusivamente, com a
movimentação cênica e com as diferentes atividades desenvolvidas nos espaços físicos
dessas casas de espetáculos. Compõem também o que denominei de “espaços teatrais” as
sociedades recreativas possuidoras de palco. A programação cinematográfica registrada,
adquire aqui um papel irrelevante, na medida em que seria impossível dar conta das
ocorrências de palco e de tela, em função do exíguo tempo determinado à pesquisa.
No levantamento bibliográfico realizado, somente três obras, todas de
Lothar Hessel e Georges Raeders fazem referências às atividades teatrais na cidade de Rio
Grande, a saber: O Teatro no Brasil: da Colônia à Regência (1974) e O Teatro no Brasil:
sob Dom Pedro II (1ª Parte, 1979 – 2ª Parte, 1986). O estudo mais recente é o artigo
intitulado Apontamentos Sobre o Movimento Teatral em Rio Grande no Século XIX
(1996) que assino na revista Biblos v. 8 do Departamento de Biblioteconomia e História,
da Universidade do Rio Grande, então baseado em dados levantados na elaboração do
projeto de minha pesquisa desenvolvida no mestrado.
A modernização de Rio Grande, sua vida social e cultural, foram temas até
agora abordados nas franjas dos estudos historiográficos sobre a cidade. Contar sua
história alijando-os desse processo, é desconsiderar aspectos imprescindíveis à
compreensão da sociedade como um todo, em seus diferentes níveis estruturais. Portanto,
esta publicação propõe-se, primeiramente, a preencher esta lacuna, oferecendo subsídios
4
Cf. BITTENCOURT, Ezio. Subsídios Para o Estudo da Movimentação Teatral no Rio Grande do Sul. In:
_______. Sob Um Olhar Urbano, Sociabilidade, Cultura & Teatro no Brasil Meridional. Porto Alegre:
PUCRS, 1998. v. 2 (Dissertação de Mestrado). A obra pode ser, igualmente, consultada nas bibliotecas
supracitadas. Os dados apresentados nesta brochura constituem-se na principal fonte de pesquisa de meu
Doutoramento, em Literatura Comparada: Estudos Culturais desenvolvido junto a Université de Genève,
Suíça.
21
Da Rua ao Teatro
5
FEBVRE Apud. CARDOSO, Ciro e BRIGNOLI, Héctor. Os Métodos da História. Rio de Janeiro: Graal,
1983. p. 349.
22
Da Rua ao Teatro
∼ ∼∼
Qualquer evento, mais ou menos complexo, produz um número
incrivelmente grande de fontes. Não nos é possível, evidentemente, trabalhar com todos
estes documentos. Temos que selecioná-los, cruzando as informações neles contidas.
Neste processo entra a imaginação e a subjetividade. A imagem que fazemos não apenas
de um acontecimento histórico, mas de qualquer elemento da realidade, é sempre o
encontro das fontes e das experiências, com as projeções de expectativas, de conceitos
pré-fabricados, de preconceitos e de conceitos fornecidos por nossa língua e cultura.6
Por mais que nos esforcemos, nossas narrativas jamais retratarão
diretamente a realidade pois percebemos o mundo através de uma estrutura de
convenções, esquemas e esteriótipos próprios de nossa cultura7. Conforme Hayden White,
“as histórias nunca devem ser lidas como signos inequívocos dos acontecimentos que
relatam, mas antes como estruturas simbólicas, metáforas de longo alcance, que
‘comparam’ os acontecimentos nelas expostos a alguma forma com que já estamos
familiarizados em nossa cultura literária”8. O trabalho do historiador nada mais é que uma
“síntese hipotética” na medida em que pretende “reconstruir a totalidade da imagem a
partir do conhecimento dos fatos particulares”, levando em consideração que “estes fatos
não são nunca absolutamente evidentes nem verificáveis”. A influência do fator subjetivo
faz com que um mesmo acontecimento seja apreendido de forma distinta por diferentes
historiadores. Outra constatação é a de que o saber é constituído por um processo infinito
de “acúmulo de verdades parciais” e que o somatório delas contribui para o progresso do
conhecimento. O conhecimento individual é sempre limitado e agravado pela influência
do fator subjetivo; verdade parcial, só pode ser relativa. O processo do conhecimento deve
então ser socializado. Sua objetividade realiza-se na superação dos limites ligados a ação
do fator subjetivo. A auto-reflexão apresenta-se, aqui, como um dos meios que permite ao
historiador tomar consciência das formas subjetivas, auxiliando-o a vencer suas más
influências. O historiador, tem que perseguir incessantemente a objetividade, mas sabe-se
de antemão, que esta adquire um caráter “relativo” em nossa disciplina. O “relativismo
objetivo” da história, apontado por Adam Schaff, conduz o autor a afirmar que o processo
6
Cf. BITTENCOURT, Ezio. A Dimensão Literária da História e Seus Desdobramentos. Biblos. Rio Grande:
FURG, v.9, p.11-24, 1997.
7
BURKE, Peter. Abertura: A Nova História, Seu Passado e Seu Futuro. In: BURKE, Peter (Org.). A Escrita
da História: Novas Perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992. p.15.
8
WHITE, Hayden. Trópicos do Discurso: ensaios sobre a critica da cultura. São Paulo: EDUSP, 1994. p. 58,
108.
23
Da Rua ao Teatro
9
SCHAFF, Adam. História e Verdade. São Paulo: Martins Fontes, 1991. p. 285,286, 303.
10
BIERSACK, Aletta. Saber Local, História Local: Geertz a Além. In: HUNT, Lynn (Org.) A Nova História
Cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992,p.104. Cf. DAVIS, Natalie. The Return of Martin Guerre
(Cambridge, Mass.,1983), pp.viii,5.
11
WHITE. Meta-História: a imaginação histórica do século XIX. São Paulo: UNESP, 1992. p.21.
12
DURAND, Gilbert. Interdisciplinarité et Heuristique. UNESCO, Avril, 1991. p.4,2.
13
LE GOFF, Jacques. A História Nova .São Paulo: Martins Fontes, 1993. p.57.
24
Da Rua ao Teatro
14
VEYNE, Paul. Como Se Escreve a História. Lisboa: Edições 70, 1987. p. 108,110,113,114.
15
WHITE, Trópicos..., op. cit., p. 98.
16
BITTENCOURT, Ezio. A Escrita da História e a Sedução do Leitor. Biblos . Rio Grande: FURG, v.10, p.
45-51, 1998.
25
Da Rua ao Teatro
__________ 1 __________
O ESPETÁCULO DA CIDADE:
RIO GRANDE, DO BARROCO AO ECLETISMO
26
Da Rua ao Teatro
17
Construído na realidade na embocadura da Laguna dos Patos, a proximidade do porto de Rio Grande com
o Oceano Atlântico lhe confere, na prática, a qualidade de porto marítimo. Durante a primeira metade do
século XVIII Rio Grande, Viamão e Rio Pardo constituíam-se nos postos militares avançados da conquista
do território.
18
A imigração açoriana marcou fortemente o processo de formação de muitos núcleos urbanos sul-rio-
grandenses. Neste mesmo ano, os primeiros ilhéus se estabeleceram às margens do lago Guaíba, no porto do
Arraial de Viamão, que passou a ser conhecido como Porto de São Francisco dos Casais, núcleo inicial da
futura cidade de Porto Alegre.
Os primeiros povoadores brancos civis a chegarem a Rio Grande entre os anos de 1737-1738 são de
origem espanhola (provenientes de Santa Fé, Corrientes, Entre Rios e do Paraguai) ou luso-brasileiros
(provenientes de São Paulo, Sacramento, e do Rio de Janeiro). Também neste período índios tapes foram
incorporados à colônia. Mais tarde, por volta de 1749, os índios minuanos são igualmente assimilados. (Cf.
QUEIROZ, Maria Luiza. A Vila de Rio Grande de São Pedro 1737-1822. Rio Grande: FURG, 1987. p.53-
62, 81.)
19
QUEIROZ, A Vila...,op. cit., p. 91.
20
Encontrando-se atualmente restaurado, este templo personifica o passado colonial da cidade.
21
QUEIROZ, A Vila...,op. cit., p.128,116. Confira na obra supracitada mapa da cidade neste período p. 128.
Como conseqüência direta da presença espanhola na vila transferiu-se a sede administrativa da Capitania do
Rio Grande de São Pedro, de Rio Grande para Viamão. Em 1773 a capital da Província passou, de forma
definitiva, para a Freguesia de São Francisco dos Casais.
22
Estes novos ilhéus, provinham diretamente das ilhas, ou do Rio de Janeiro e não possuíam nenhuma
ligação com a “política de casais” do princípio da segunda metade do século XVIII. QUEIROZ, A Vila...,op.
cit., p.129-136.
27
Da Rua ao Teatro
23
QUEIROZ, A Vila...,op. cit.,p.142. Frente a pobreza do solo arenoso, a economia agropastoril rio-grandina
dos primeiros tempos logo cedeu lugar ao intercâmbio comercial.
24
SALVATORI, Elena et alii. Crescimento Horizontal da Cidade de Rio Grande. Revista Brasileira de
Geografia. Rio de Janeiro. V.51, n.1, jan/mai 1989, p. 47. Estudando a urbanização de Rio Grande as autoras
relacionam este processo diretamente com sete ciclos sócio-econômicos, a meu ver, muito bem percebidos:
Período da Conquista (1650-1750), Período da Posse Consolidada (1750-1822), Período do Comércio
Atacadista de Importação e de Exportação (1850-1870), Período de Industrialização (1870-1920), Período da
Modernização Industrial (1920-1950), Período de Estagnação (1950-1970) e Período do Superporto e Distrito
Industrial (a partir de 1970). Cf. Idid., p. 46-49.
25
O charque veio a constituir-se no produto mais importante das exportações do Rio Grande do Sul durante o
Período Imperial. Rio Grande e Pelotas, enquanto cidades catalizadoras da economia pecuário-charqueadora
da região da Campanha, gozavam de grande prosperidade. Durante a República Velha (1890-1930)
entretanto, deu-se uma progressiva redistribuição do peso econômico das diferentes regiões do Estado. A
tradicional economia da Campanha passou por uma estagnação, sendo substituída pela da Serra e do
Planalto, baseadas então na policultura. Sobre o assunto confira: FONSECA, Pedro Dutra. R.S: economia &
conflitos políticos na República Velha. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983.
26
QUEIROZ, A Vila..., op. cit., p. 156.
28
Da Rua ao Teatro
enfraquecendo-se nas casas de comércio, assim como no trajo, no interior das residências,
nas relações e práticas sociais.27
Nas primeiras décadas do Oitocentos Rio Grande havia se transformado no
“maior mercado do Brasil Meridional”, local onde os principais negociantes residiam ou
tinham seus agentes estabelecidos. Segundo o comerciante inglês John Luccock, em 1809
“a pequenina e linda cidadezinha branca de São Pedro do Sul, mais comumente chamada
de Rio Grande” possuía “cerca de 500 habitações, e o total de habitantes fixos talvez
ascendesse a 2.000”, população cujo aumento relacionava-se diretamente ao “decorrente
progresso no comércio”. Apresentava “uma fileira de casas, que era realmente bonita e
graciosa”; por traz desta “ficava uma rua de cabanas pequeninas e baixas, feitas de barro e
coberta de palha, habitações das classes mais baixas”.28
FIGURA 1 – Mapa da Capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul, em 1809 com seus quatro imensos
municípios: Rio Grande, Rio Pardo, Porto Alegre e Santo Antônio.
Extraído de: QUEIROZ Maria Luiza. A Vila do Rio Grande de São Pedro: 1737-1822. Rio Grande: FURG,
1987. p. 155.
29
Da Rua ao Teatro
FIGURA 2 – Aquarela do pintor francês Jean-Baptiste Debret retratando Saint Pierre du Sud (Rio Grande),
por volta de 1824. Em destaque, observam-se muitos armazéns e sobrados recentemente construídos à Rua
Novas das Flores, e a Matriz de São Pedro .
Extraído de: BARRETO, Abeillard. Bibliografia Sul-Rio-Grandense. v.1. Rio de Janeiro: Conselho Federal
de Cultura, 1973. p. 400.
33
CHAVES, Antônio Gonçalves. Memórias econômico-políticas sobre a administração pública do Brasil...
Separata da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2, 3 trim. 1922.
p.325
34
QUEIROZ, A Vila..., op. cit., p. 157.
35
ISABELLE, Arsène. Viagem ao Rio Grande do Sul (1833-1834) .Porto Alegre: Martins Livreiro: 1983.
p.77.
36
QUEIROZ, A Vila..., op. cit., p.156.
37
DREYS, Nicolau. Notícia Descritiva da Província do Rio Grande de São Pedro do Sul. Porto Alegre:
INL,1961. p. 110-111.
30
Da Rua ao Teatro
pública, tentando atrair o comércio estrangeiro”.38 No ano seguinte, Rio Grande foi elevado
a categoria de cidade.
No mesmo 1835 eclodiria a Revolução Farroupilha que, estendendo por
quase dez anos a guerra civil, arrasou economicamente a Província. Mantendo-se fiel ao
Império, Rio Grande não chegou a ser ocupado pelos revoltosos, no entanto, sentiu
profundamente a crise da guerra refletida na queda da movimentação do porto. Encerrado o
embate os governos provincial e municipal empenharam-se na recuperação de suas finanças.
Neste sentido executaram-se ao final da década de 1840 algumas reformas urbanísticas e o
aperfeiçoamento dos serviços públicos que, objetivando a melhoria da infra-estrutura da
cidade, asseguraram a permanência de sua destacada posição econômica no cenário sul-rio-
grandense.
Em princípios de 1850 impô-se o comércio atacadista de exportação e de
importação. Definiu-se nesta atividade a vocação e pujança do Município.39
As relações do Brasil com nações européias intensificadas neste período,
foram fundamentais na sedimentação do modelo de civilização importado daquele
continente. A adoção de práticas culturais aristocráticas européias, notadamente franco-
inglesas, serviam para reforçar e legitimar a distinção e a superioridade das elites. Envolvida
no grande comércio marítimo, a burguesia citadina ascendeu socialmente e imprimiu seu
estilo de vida europeizado às relações sociais e à fisionomia urbana. Deste segmento social
saíam os representantes do povo na Câmara e na liderança do Executivo local. A dinâmica
social possibilitou o surgimento dos profissionais liberais compondo a classe média.
FIGURA 3 – Litografia do francês Francis Richard intitulada Le Quai de Belle-Vue à San Pedro de Rio-Grande
(Brésil) retratando o próspero Porto de Rio Grande e a arquitetura civil luso-brasileira predominante na cidade.
Embora não se possa datá-la precisamente, sabe-se que é anterior a 1865 quando, em decorrência da Guerra do
Paraguai, a rua Bela Vista passou a ser denominada de Riachuelo.
Extraído de: BARRETO, Abeillard. Bibliografia Sul-Rio-Grandense. v.2. Rio de Janeiro: Conselho Federal de
Cultura, 1976. p. 1132
38
ISABELLE, op. cit., p.77-78.
39
SALVATORI, op. cit., p.47. Já no início do século, Gonçalves Chaves prenunciava a possibilidade da
cidade vir a tornar-se “uma nova Amsterdã ” ao sul do país. (CHAVES, op. cit.. p. 177).
31
Da Rua ao Teatro
mor dos antigos senhores rurais. E todos esses novos valores foram
tornando-se as insígnias de mando de uma nova aristocracia: a dos
sobrados. De uma nova nobreza: a dos doutores e bacharéis talvez
mais que a dos negociantes ou industriais. De uma nova casta: a de
senhores de escravos e mesmo de terras, excessivamente sofisticados
para tolerarem a vida rural na sua pureza rude.40
40
FREYRE, Sobrados... , op. cit., p. 574.
41
Conforme as idéias de Regis de Morais desenvolvidas em sua tese de livre docência, o rigoroso isolamento
imposto à colônia brasileira advinha da própria segregação que Portugal determinava a si mesmo. Em suas
palavras, “sob uma religiosidade regressiva ou no mínimo estagnante, sob uma concepção político-econômica
igualmente paralisante, a nação portuguesa obstinava-se em não mudar e, conseqüentemente, em não
permitir que a modernização do mundo ocidental atingisse suas colônias”. Mesmo que este pensamento
largamente difundido reflita uma visão linear do processo histórico e já tenha sido contestado por alguns
autores, acho pertinente fazer o registro. O certo é que, com o término do Período Colonial e, principalmente,
a partir da segunda metade do século XIX, incrementou-se o processo de sintonização da sociedade brasileira
com a modernidade européia. Para Ruth Gauer, a modernidade portuguesa foi implantada pela Reforma de
1772 que teve como artífice o Marquês de Pombal, então ministro do monarca D. José I. Sobre o assunto
confira também o capítulo intitulado Fases do Europeísmo Brasileiro em: MORAIS, Regis de. Cultura
Brasileira e Educação. São Paulo: Papirus, 1989. p.69-89. MORAIS, Régis de. Europeização, Europeísmo e
Cultura Brasileira. Reflexão. Campinas. Ano II, n.7, set.1977. p. 399-417. NOGUEIRA, Emília. Alguns
Aspectos da Influência Francesa em São Paulo na Segunda Metade do Século XIX. Revista de História. São
Paulo. Ano IV. N. 16, out/dez. 1953. p. 317-342. LIMA, Alceu Amoroso. A Influência do Pensamento
Francês no Brasil. Reflexão. Campinas,. Ano X, n.31, jan/abr. 1985. p. 4-23. e GAUER, Ruth. A
Modernidade Portuguesa e a Reforma Pombalina de 1772. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.
42
NEEDELL, Jeffrey. Belle Époque Tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do
século. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 183-184.
32
Da Rua ao Teatro
FIGURA 4 - A presença da prestigiosa França pode ser identificada em vários aspectos da sociedade local,
manifestando-se também nos nomes de muitos estabelecimentos registrados ao longo de sua história: Paris
Hotel, Cinema Parisiense, Bazar Francês, Casa Tulherias, etc.
Extraído de: MARUI. Rio Grande, 12 dez.1881. n. 49. Biblioteca Rio-Grandense. Rio Grande.
43
HÖRMEYER, Joseph. O Rio Grande do Sul de 1850: descrição da Província do Rio Grande do Sul no
Brasil Meridional. Porto Alegre: EDUNI-SUL, 1986, p. 37.
44
COPSTEIN, Raphael. Evolução Urbana de Rio Grande. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre, n.122, p. 66, 1982.
45
Ibid., p. 67.
46
D’EU, Conde. Viagem Militar ao Rio Grande do Sul. São Paulo: EDUSP, 1981. p. 24.
33
Da Rua ao Teatro
47
SOARES, Paulo. Uma Abordagem Histórica do Espaço Urbano e Uma Abordagem Geográfica da Cidade
na História. Biblos. Rio Grande: FURG, v.8, p. 66, 1996.
48
Para Paul Singer “é com Rheingantz que a indústria se inicia realmente no Rio Grande do Sul”. Em 1910 a
União Fabril empregava mais de 1200 operários na produção de tecidos de lã e de algodão, meias, chapéus,
tapetes... SINGER, Paul. Desenvolvimento Econômico e Evolução Urbana. São Paulo: Cia. Editorial
Nacional, 1977. p.171.
49
SINGER, op. cit., p. 172. FREITAS, op. cit., p. 33-35.
50
SINGER, op. cit., p. 174,180.
34
Da Rua ao Teatro
FOTO 1 - Rua dos Príncipes (atual Rua Gal. Bacelar). Ao fundo observa-se a Matriz de São Pedro. À
esquerda, casario em partido luso-brasileiro com seus beirais-de-telha, janelas em guilhotina e caixilhos com
vidros coloridos. À direita, prédios ecléticos com elegantes platibandas e fachadas ricamente decoradas que,
doravante, dominariam o cenário urbano. Final do século XIX.
Extraído de: Arquivo Fotográfico da Biblioteca Rio-Grandense. Rio Grande.
51
COSTA, Emília V. Da Monarquia à República: Momentos Decisivos. São Paulo: Grijalbo, 1977. p. 198.
52
PIMENTEL, op. cit., p.56, 36
53
ALVES, Francisco das N. A Pequena Imprensa Rio-Grandina no Século XIX. Porto Alegre: PUCRS,
1996. p. 26. (Dissertação de Mestrado).
54
A civilidade é assinalada por códigos que apontam para caminhos e maneiras de ser e de viver a
coletividade, num processo que acompanha a história do homem desde o medievo, revelando o que o
sociólogo alemão Norbert Elias chamou de “educação dos sentimentos”. Neste mesmo movimento, a
suavização dos costumes originou a cortesia (sinônimo de polidez). O processo civilizacional - fundamentado
nestes elementos: cortesia e civilidade - espraiou-se pelo mundo realizando-se no Brasil sob a empresa
colonial portuguesa, aliado às influências indígenas, africanas e também no caso do sul do país às tradições
italiana e alemã, sobretudo. Todavia, entre nós, este processo adquiriu singulares conotações: “aqui, mais do
que em qualquer lugar, a paixão por juntar, misturar, amalgamar, não definir, abrir e unir, é uma
característica importante. Parecemos e somos maleáveis”. As relações estabelecidas na sociedade brasileira
misturam a cortesia ocidental com uma cultura tradicional milenar, formando um modo civilizacional
denominado por Jussara Pieruccini de “barroco-tropical”, fortemente marcado pelo sincretismo e hibridismo
de códigos. No entendimento de Roger Bastide “o sincretismo consiste em unir os pedaços das histórias
míticas de duas tradições diferentes em um todo que permanece ordenado por um mesmo sistema”. Assim
entendido o sincretismo pressupõe a existência uma tradição dominante que determina e ordena esses
“pedaços das histórias míticas” que deverão ser absorvidos, conforme com os interesses de um determinado
sistema significativo, de uma memória coletiva. (PIERUCCINI, Jussara Maria. Visões do Paraíso: uma
civilização barroco-tropical no sul do Brasil. Porto Alegre: PUCRS, 1997. p. 94. (Dissertação de Mestrado).
BASTIDE, Roger. Memoire Collective et Sociologie du Bricolage, L’Année Sociologique, v. 21, p. 101,
1970. ELIAS, Norbert. O Processo Civilizacional. Lisboa: Dom Quixote, 1989. v.I, p. 100.)
55
ELIAS, op. cit., p. 100.
35
Da Rua ao Teatro
56
BAUMER, Franklin L. O Pensamento Europeu Moderno: séculos XIX e XX. Lisboa: Edições 70. v. 2. p.
20-21. Conforme Mara do Nascimento, “conceitualmente, modernidade e civilização entram em comunhão
quando expressam, juntas, a idéia de que existem padrões técnicos, científicos e culturais que devem ser
disseminados, por serem tomados como verdade absoluta. Num processo de dentro para fora, iniciado na
Europa, o Ocidente, sente-se capaz e responsável de transmitir tais padrões aos outros povos”.
(NASCIMENTO, Mara R. do. Sobre os Trilhos do Bonde, os Caminhos de Uma Cidade Brasileira. Porto
Alegre: PUCRS, 1996. p. 20. Dissertação de Mestrado)
57
Segundo Baudrillard, o surgimento da palavra “modernidade” deu-se em torno de 1850, momento em que a
sociedade moderna se pensou enquanto tal, em termos de modernidade. Instalando a civilização do trabalho e
do progresso, a modernidade encontra-se, atualmente em profunda mudança decorrente da passagem desta
civilização para uma outra alicerçada no consumo e no lazer. (BAUDRILLARD, Jean. Modernité. In:
Biennale de Paris. La modernité ou L’esprit du temps. Paris: Editions L’Equerre, 1982. p. 29.).
36
Da Rua ao Teatro
58
Se a modernidade enquanto modo de civilização ocidental existe desde o século XVI, foi a partir do XIX
que se realizou plenamente, sob a crença na modernização do espaço urbano entendida como via para o pleno
desenvolvimento. O processo civilizacional irradiado pelo Ocidente, carregava também consigo ideais de
urbanidade e higienização.
59
PEREZ, Léa. Por Uma Poética do Sincretismo Tropical. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre:
PUCRS, v. 18, n.2, p. 43-44, 1992.
60
No último quartel do Dezenove a intelectualidade brasileira debruçou-se sob a natureza tropical do país e
as suas raças. O racismo científico tornou-se freqüente nos debates políticos e culturais, e quase, como que
incorporado a identidade das elites de uma sociedade hierarquizada e estamental. A mestiçagem, propagada
como mecanismo de assimilação racial dos “grupos inferiores”, era vista por muitos como a solução para o
Brasil escapar de um futuro alicerçado no atraso e na barbárie. Nas teorias racistas largamente propagadas
por Sílvio Romero, a mestiçagem enquanto “solução” para o dilema racial objetivava, na realidade, nada
mais que a extinção desses “grupos inferiores” através de sua integração à raça branca, superior e a uma
cultura brasileira de base européia. Desta feita, a mistura significava perda: a liquidação progressiva do negro
e do índio, étnica e culturalmente.60 (Cf. VENTURA, Roberto. Estilo Tropical: história cultural e polêmicas
literárias no brasil (1870-1914). São Paulo: Companhia das Letras, 1991. p. 61-68.)
37
Da Rua ao Teatro
latina ”degradada”: a dos portugueses. Com amigos germânicos Elza pronuncia-se: “Os
portugueses fazem parte de uma raça inferior. E então os brasileiros misturados?”61
Sob o signo da modernidade, ergueu-se Belo Horizonte (de 1894 a 1897), a
cidade planejada e construída para ser a capital de Estado de Minas Gerais, fortemente
influenciada pela arquitetura francesa.62 Entre 1902 e 1906 o modelo de cidade européia
perseguido pelo desenvolvimento do Rio de Janeiro ao longo do século XIX teve seu ápice
com as reformas do prefeito Pereira Passos que modificou, radicalmente, o centro da
cidade. Foi aberta a Avenida Central (atual Av. Rio Branco) inspirada nos boulevards
parisienses; construídas praças e jardins; modernizado o porto... Paulatinamente, o
Ecletismo e o modelo francês de modernização passaram a circular por todo o país
inspirando as reformas urbanísticas.63 Em pouco tempo, o espírito da obra haussmanniana
chegaria ao Rio Grande do Sul.64
Em princípios do século XX acelerou-se o processo de crescimento espacial
urbano rio-grandino. A Carta de 1904 faz registro do novo bairro Cidade Nova localizado a
noroeste do centro histórico.65 A cidade crescia, mas em péssimas condições. As denúncias
da falta de infra-estrutura e de asseio da cidade, do porto e dos aglomerados urbanos eram
uma constante na imprensa local. Da mesma forma os miasmas desprendidos dos lixos
orgânicos e os surtos de doenças infecto-contagiosas da época que ameaçavam,
constantemente, a população (varíola, gripe espanhola, peste bubônica, febre tifóide,
tuberculose, sífilis, etc.) revelavam a insalubridade do meio.
A industrialização propiciou um importante fluxo migratório, com operariado
industrial clássico, de baixa renda e pouca instrução, favorecendo, assim a marginalização
social. A intensa atividade fabril percebida em Rio Grande levou a criação de áreas
industriais afastadas do centro da cidade e à formação de zonas residenciais proletárias ao
seu redor. Assim, as indústrias tornaram-se agentes modeladores na produção de seu
próprio espaço urbano.66 Nas palavras de Soares, “essa segregação (e a conseqüente
aglomeração) permitiu ao operariado nascente um grande poder de organização e
mobilização, pois no cotidiano dos clubes, nas festas, nas ‘associações de ajuda mútua’,
localizadas nas vilas operárias, era realizada a conscientização de classe”.67
61
ANDRADE, Mário de. Amar, Verbo Intransitivo. São Paulo: Antônio Tusi, 1927. p. 33. (Primeira edição)
62
Sobre o assunto confira o laureado trabalho de SALGUEIRO, Heliana. La Casaque d’Arlequin: Belo
Horizonte, une capitale écletique au 19e siècle. Paris: EHESC, 1997.
63
Cf. DUBY, Georges. (dir.). Histoire de La France Urbaine. Paris: Seuil, 1983. v.4. CRUBELLIER,
Maurice. Histoire Culturelle de La France: XIXe –XXe siècle. Paris: Armand Colin, 1974.
64
Durante o Segundo Império francês (1852-1870), o prefeito de Paris, Georges-Eugène Haussmann
empreendeu na cidade inúmeras intervenções urbanas, visando sua modernização. Circulando por todo o
mundo, o haussmannismo influenciou a reforma de muitas cidades. Sobre a remodelação de Porto Alegre
ocorrida durante a intendência de Otávio Rocha (1924-1928) confira: MONTEIRO, Charles. Porto Alegre:
urbanização e modernidade: a construção social do espaço urbano. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995.
65
Embora constando somente em carta do século XX, a Cidade Nova remonta ao ano de 1878 quando
iniciaram-se a demarcação de suas ruas. (SALVATORI, op. cit., p 33. FREITAS, op. cit., p. 3)
66
O espaço de uma cidade é elaborado pela ação do homem e composto por diversas áreas definidas pelos
diferentes usos da terra: tem-se o centro da cidade (onde concentram-se as atividades comerciais, de serviços
e de gestão, as residências da elite), as áreas industriais, áreas de lazer, demais áreas residenciais
(diferenciadas quanto a forma e o conteúdo social), etc. Esse espaço é, simultaneamente fragmentado e
articulado, uma vez que cada uma dessas partes mantém relações espaciais manifestadas através do fluxo de
pessoas e de veículos, observado na ida às compras, ao trabalho, ao teatro, às diversões, à igreja, as visitas a
amigos e familiares, etc. (Cf. CORREA, Roberto Lobato. O Espaço Urbano. São Paulo: Ática, 1989.)
67
SOARES, Uma Abordagem..., op. cit., p. 68.
38
Da Rua ao Teatro
68
VIEIRA, Rio Grande..., op. cit., p. 133.
69
Esta linha férrea ligava o porto de Rio Grande a cidade de Bagé - centro comercial da região da
Campanha. As ferrovias tinham igualmente importante função no transporte de passageiros e, não devemos
nos esquecer que este setor demandava também grande contingente de trabalhadores. Em Rio Grande
existiam duas estações da Viação Férrea: a Marítima e a Central, esta última possuindo oficinas de
construção e de reparo de carris. Nas palavras de Joseph Love, “em 1889, ano derradeiro do Império, trens
diários comunicavam Rio Grande com Bagé e Barra do Quaraí com Itaqui. Dois trens por dia faziam a
ligação de Novo Hamburgo com a capital.” (LOVE, Joseph. O Regionalismo Gaúcho. São Paulo:
Perspectiva, 1975. p. 18. PIMENTEL, op. cit., p. 273-274.)
70
Sobre o assunto, confira os vários artigos do historiador Hugo Alberto Pereira Neves: NEVES, Hugo. O
Porto do Rio Grande no Período de 1890-1930 (1a Parte). Revista do Departamento de Biblioteconomia e
História. Rio Grande: FURG, v. 2, n.1, p. 67-110, 1980. ______. O Porto do Rio Grande no Período de
1890-1930 (2a Parte). Revista do Departamento de Biblioteconomia e História. Rio Grande: FURG, v.3, n.1,
p. 38-136, 1982. ______. Aspectos Gerais do Porto do Rio Grande, no Período de 1930-1945. Revista do
Departamento de Biblioteconomia e História. Rio Grande: FURG, v.3, n.2, p. 14-35, 1982. ______. Estudo
do Porto e da Barra do Rio Grande. In: ALVES, Francisco e TORRES, Luiz H. (Orgs.). A Cidade do Rio
Grande: estudos históricos. Rio Grande: URG/SMEC, 1995. p. 91-106.
71
VIEIRA, Rio Grande..., op. cit.., p. 128.
72
SALVATORI, op. cit., p.33. Nesse espaço ganho ao mar, pretendia-se construir um bairro planejado, cujo
traçado pode ser observado na Planta da Cidade de Rio Grande de 1926. Mapoteca da Biblioteca Rio-
Grandense, Rio Grande. Integrando-se à sociedade local e a colônia francesa domiciliada na cidade, os
membros da Compagnie, celebraram a “Queda da Bastilha” com baile no Politeama Rio-Grandense, em julho
de 1910. (O TEMPO. Rio Grande, 11 jul.1910).
39
Da Rua ao Teatro
73
MONTEIRO, Porto..., op. cit., p. 81.
74
RAGO, Margareth. Do Cabaré ao Lar: a utopia da cidade disciplinar: Brasil 1890-1930. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1985. p 12.
75
PESAVENTO, Sandra J. O Cotidiano da República: elite e povo na virada do século. Porto Alegre:
UFRGS, 1995. p. 60.
40
Da Rua ao Teatro
41
Da Rua ao Teatro
82
MAYER, Arno. A Força da Tradição: a persistência do Antigo Regime. (1848-1914). São Paulo:
Companhia das Letras, 1990. p. 188.
83
NEEDELL, op. cit., p. 177-178. Na realidade, segundo a tese de Mayer, esta “moderna” cultura européia
manifestava-se, singularmente, tradicional, incrustrada na sociedade aristocrática do Ancien Régime. (CF.
MAYER, op. cit.)
84
Conforme Pedro Fonseca, se durante o século XIX a economia do Rio Grande do Sul caracterizou-se pela
produção pecuário-charqueadora, “a produção agrícola diversificada é uma das principais características da
economia gaúcha do final do Império, prolongando-se tal diversificação por toda a República Velha. O Rio
Grande [do Sul] era auto-suficiente em arroz, feijão, lentilhas, milho, erva-mate, cebolas e alhos, alfafas,
batatas, uvas, mandioca, fumo, etc. O trigo, apesar de cultura irregular, às vezes chegava a abastecer o
mercado estadual e ser exportado para outros Estado”. Mais adiante, conclui o autor: “É significativa a
diferença de peso econômico entre o norte e o sul do Rio Grande [do Sul] ao considerarem-se as datas de
1890 e 1930. A imigração e o desenvolvimento da banha e da policultura emprestou à Serra e ao Planalto um
rápido crescimento, descaraterizando, de certo modo, ser o Rio Grande [do Sul] um Estado apenas pecuário –
como o fora no Império”. (FONSECA, op. cit., p. 63,67).
42
Da Rua ao Teatro
embelezamento da cidade e nas melhorias dos serviços urbanos. Todavia, esses benefícios
restringiam-se ao centro histórico e visavam atender aos interesses do comércio e da
indústria locais e ao desfrute, sobretudo, da burguesia.
O centro da cidade constituía-se no espaço público por excelência. As
multidões ganhavam as ruas, tanto nos momentos decisivos da luta de classes e da vida
política, como no lazer.85 Vivenciá-lo, “freqüentar seus cafés, [confeitarias, lojas
elegantes] salões, cabarés, casas de jogos, clubes, e teatros passou a ser um sinal de bom
gosto e de status social. O cinema, a moda, o footing, e o automóvel eram os novos
símbolos da vida moderna. A cidade começava a ser pensada como uma vitrine, em
tamanho ampliado, do luxo e do prestígio burguês, o lugar privilegiado para a
manifestação do fetichismo da mercadoria”.86
Entretanto, as grandes greves operárias registradas ao final da década de
1910, colocariam a descoberto a exploração e a triste condição de vida da massa operária
que “tentava sobreviver amontoada em cortiços, [porões e em casas de hospedagem] -
espaços de sociabilidade fora dos padrões de higiene, [habitadas, em sua maioria, por
operários e imigrantes] - e, constantemente, fiscalizados pelas autoridades.”87 Aos grupos
sociais de baixa renda restavam como possibilidades de moradia os velhos casarões
densamente ocupados, degradados e subdivididos que, outrora, foram habitados pela elite,
localizados no centro da cidade. Os cortiços apresentavam-se, então, como espaços de
resistência e sobrevivência proletária. Desde muito, médicos e engenheiros denunciavam,
através de seus opúsculos, a insalubridade desses “eleijões urbanos”.
Em fins de 1918 o espectro da Gripe Espanhola (ou Influenza) assolou a
terceira cidade do Estado em número de habitantes.88 A epidemia instalou-se, sobretudo,
junto às camadas mais pobres que, sem resistências, tornaram-se presas fáceis do vírus. O
óbito de um significativo contingente humano expôs a fragilidade do sistema revelando
uma realidade obnubilada pela fumaça das chaminés das grandes indústrias. No dizer de
Beatriz Olinto, “como uma torre de cristal construída sobre a lama, a modernidade erguia-
se na cidade de Rio Grande.”89
Encerrado o conflito mundial, deu-se o estabelecimento de indústrias
nacionais e multinacionais no Estado destinadas ao processamento dos produtos de
pecuária em grande escala.90 Em Rio Grande instalou-se a Companhia Swift do Brasil, em
85
SOARES, Uma Abordagem..., op. cit., p. 68.
86
MONTEIRO, Porto..., op. cit., p. 137-138. Sobre a emergência do fetichismo da mercadoria na Europa
burguesa e no Rio de Janeiro de meados do Dezenove até as primeiras décadas do século XX, confira
NEEDELL, op. cit., p. 185-208.
87
OLINTO, Beatriz. Fragmentos de Uma Cidade: a Cidade de Rio Grande frente a alguns aspectos da
Modernidade. Biblos.. Rio Grande: FURG, v. 8, p. 158, 1996. As autoridades locais buscavam vigiar,
normatizar e higienizar esses espaços promovendo inspeções sanitárias e demolições nos moldes das ações
da Diretoria de Higiene aplicadas na capital do Estado. Sobre o assunto confira o interessante estudo de
DELLA CRUZ, Gisele. As Misérias da Cidade: população, saúde e doença em Rio Grande, no final do
século XIX. Curitiba: UFPR, 1998. (Dissertação de Mestrado).
88
Nesta data, Rio Grande contava com 40.000 habitantes.
89
OLINTO, op. cit., p. 158. Desde o século XIX a ocorrência de epidemias colocava em xeque a salubridade
e a organização da cidade.
90
Em Pelotas foi instalada a Companhia Frigorífica Rio Grande e, em Sant’Ana do Livramento a Companhia
Armour do Brasil, cujas produções repercutiram no aumento das exportações e importações via porto de Rio
Grande. Se no Estado a introdução de frigoríficos deu-se somente após o término da Primeira Guerra
Mundial, na Argentina eles são percebidos desde fins do Dezenove, sendo responsáveis por grandes
transformações na pecuária daquele país. (Cf. LOVE, op. cit., p. 17.)
43
Da Rua ao Teatro
área arrendada ao Porto Novo, iniciando suas atividades em 1918, com operações de abate
e industrialização de carnes congeladas para a exportação.
À mão-de-obra acumulada no decorrer do processo de adequação portuária às
exigências de mercado, somaram-se novas migrações que viabilizaram a construção de
amplas instalações e a manutenção dessa importante indústria de capital norte-americano.
Conforme Eurípedes Falcão Vieira, “com capacidade para abater 1.000
reses/dia e empregando 1.500 operários, a Swift do Brasil S.A. teve importante papel na
vida econômica e social do Rio Grande, até fins dos anos 50. [...] Foi um centro gerador de
empregos, porém com uma larga base de operários de baixa renda, o que favoreceu o
processo de marginalização social ”.91
Urbanisticamente, neste período a cidade espraiou-se em direção sul
avançando sobre antigas dunas e a leste, em áreas reservadas à ampliação das atividades
portuárias. Onde havia sido planeado um bairro moderno, surgiu uma imensa favela - a
Vila dos Cedros (hoje, bairro Getúlio Vargas) - habitada por operários de baixa renda,
sobretudo, da Swift.
Em 1919 a Cidade de Rio Grande contava com 6.904 prédios92 e, em 1920 o
Município possuia 53.607 habitantes.93 Nesse ano, a indústria sul-rio-grandense
apresentava-se como a terceira maior do país, superada somente pela de São Paulo e da
Capital Federal.94 Respondendo por 59,9% da produção industrial nacional estavam as
indústria alimentícia (32,9%) e a têxtil (27,0%), justamente os principais ramos da
indústria rio-grandina.95
Nas palavras de Vieira:
91
VIEIRA, Rio Grande... op. cit., p.133-134.
92
PIMENTEL, op. cit., p. 56. Evidentemente que a Vila dos Cedros não entrou neste cômputo. A ocupação
desta área só foi reconhecida em 1948. (Cf. SALVATORI, op. cit., p.48.)
93
Informa o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
94
LOVE, op. cit., p.106-109.
95
Dados fornecidos por: SILVA, S. Economia Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil. São Paulo: Alfa-
Omega, 1976. p.113. Conforme Pedro Fonseca, a lã foi o único produto da Campanha que, durante a
República Velha, apresentou um significativo crescimento, estando vinculada aos progressos da indústria
têxtil. Entre 1907 e 1927 as quantidades destinadas ao mercado externo quadruplicaram e ao mercado interno
duplicaram. Todavia, a lã não foi solução no sentido de impulsionar com dinamismo a economia, então
estagnada, desta região. (FONSECA, op. cit., p. 61.)
96
VIEIRA, Rio Grande..., op. cit., p. 134-135.
44
Da Rua ao Teatro
97
PIMENTEL, op. cit., p. 258-259.
98
O maior empresário do setor de divertimentos da cidade durante o Entre-Guerras foi, sem dúvida, Ângelo
Gaudio. Em 1921 ele era co-proprietário do Teatro Sete de Setembro, co-arrendatário do Politeama Rio-
Grandense e proprietário dos cinemas Ideal Concerto, Victol, Parisiense e Recreio Popular. Em princípios
dos Anos Vinte, associou-se ao Cine-Teatro Guarani. Ao final do decênio sua empresa arrendou o Cine-
Teatro Carlos Gomes. Outros nomes de destaque eram Ferdinando Bianchini, Antônio Marques Figueiredo,
João Pereira de Andrade, João Mário de Carvalho Rios e Francisco Andreassi.
99
SALVATORI, op. cit., p. 50.
45
Da Rua ao Teatro
FIGURA 5 – Planta da região central da cidade de Rio Grande, em princípios do século XX.
Extraído de: Planta Geral da Cidade do Rio Grande do Sul. 1904. Mapoteca da Biblioteca Rio-Grandense.
Rio Grande.
FIGURA 6 – Planta do centro da cidade de Rio Grande, em 1926 assinalando as reformas urbanísticas
efetuadas. No final deste decênio deu-se também o alargamento da rua Benjamim Constant, na última quadra
antes da rua Marechal Floriano Peixoto (o denominado “Beco do Carmo”), que implicou na demolição da
antiga Igreja de Nossa Senhora do Carmo (1928).
Extraído de: Planta Geral da Cidade do Rio Grande. 1926. Mapoteca da Biblioteca Rio-Grandense. Rio
Grande.
100
VIEIRA, Eurípedes. Rio Grande do Sul: Geografia da População. Porto Alegre: Sagra, 1985. p.158-159.
101
Cf. plantas da cidade de Rio Grande de 1904, 1926 e 1937.
102
PIMENTEL, op. cit., p. 56, 535.
46
Da Rua ao Teatro
∼ ∼∼
Para a compreensão da dinâmica de uma cidade não pode-se deixar de
enfocar sua infra-estrutura e serviços urbanos.
Durante o século XIX principiou-se uma tímida expansão dos serviços
públicos rio-grandinos. Nos últimos anos da década de 1840 foi implantada a iluminação
nas ruas do centro histórico. Em 1874, substituindo os antigos candeeiros a querosene
(antes, a óleo de peixe), a cidade passou a gozar da iluminação a gás pela Companhia Rio-
Grandense de Iluminação e, a partir de 1908 pelo Gasômetro Municipal, perdurando em
algumas vias públicas até 20 de maio de 1917. A luz elétrica, fornecida por uma usina
local, foi inaugurada em 1908 sendo implantada nas ruas centrais em 1915.103 Os
benefícios da iluminação pública repercutiram em todos os setores da sociedade, tornando-
se um dos agentes de dinamização do setor dos divertimentos coletivos e da vida noturna.
Cada vez mais, a noite foi perdendo seu caráter privado.104
O deficitário abastecimento de água potável da cidade percebido durante boa
parte do século XIX era realizado através de poços artesianos. Em 1848 abriu-se um novo
poço próximo ao centro histórico, na Praça Geribanda (atual, Praça Tamandaré). No
decênio de 1870 a Companhia Hidráulica instalou-se nas cercanias da cidade em local
próximo ao Parque Rio-Grandense, possuindo um elegante reservatório metálico com
capacidade para 1.500 litros de água. Embora tivesse melhorado, significativamente, o
serviço de abastecimento local, esse já apresentava-se insuficiente na virada do século.105
A coleta do lixo e a limpeza de ruas e praças eram realizados por meio de
carroças. Quanto aos dejetos fecais esses eram despejados em cubos de madeira existentes
em fossas móveis construídas nos quintais das casas. Os “cubos” eram retirados de duas a
três vezes por semana em carroças fechadas (em cores verde ou vermelha, de acordo com a
empresa). As “águas servidas” – utilizadas na cozinha, banhos e limpezas - eram
depositadas em barris e transportadas em pipas. Ambos resíduos eram liberados em águas
correntes afastadas da cidade.106 Em fins do século XIX a Companhia de Asseio Rio-
Grandense responsabilizava-se por esses serviços.
A instalação de latrinas públicas data de 1854 construídas próximas ao
Mercado. Embora a Municipalidade tivesse se empenhado, repetidas vezes, no sentido de
dotar a cidade de esgotos, diversos fatores contrários impossibilitaram o empreendimento
que só foi efetivado em 1920 quando começou a funcionar a Usina Central de Esgotos em
parte da rede. Em 1922 foram concluídos os trabalhos de abastecimento de água e os
serviços de esgotos que transformaram a cidade em um verdadeiro canteiro de obras.
Melhorias complementares foram executadas em 1923.107
Embora a zona urbana gozasse de serviços de luz elétrica, água e esgotos
encanados, esses não alcançavam toda a população. Em 1943 a cidade contava com mais
103
MONTEIRO, Rebuscos..., op. cit., passim. PIMENTEL, op. cit., p. 75-76.
104
Cf. CONSTANTINO, Núncia. A Conquista do Tempo Noturno: Porto Alegre ”Moderna”. Estudos Ibero-
Americanos. Porto Alegre: PUCRS, v. XX, n.2, dezembro, 1994.
105
COPSTEIN, op. cit., p. 51. PIMENTEL, op. cit., p. 29, 65.
106
FREITAS, op. cit., p. 50-51.
107
Ibid. Sobre o saneamento da cidade confira OLINTO, op. cit., pp. 147-158. PIMENTEL, op. cit., p.70-71.
47
Da Rua ao Teatro
108
Cf. PIMENTEL, op. cit., p. 56-58.
109
FREITAS, op. cit., p. 52-53. PIMENTEL, op. cit., p. 85.
110
Dentre as principais companhias de navegação estavam a Mala Real Inglesa, Lloyd Brasileiro,
Navigazione Generale Italiana Transoceanica La Veloce, Compagnie Chargeur Réunis... As embarcações e
os trens constituíam-se nos mais importantes meios de transporte. Entretando, com o desenvolvimento da
indústria automobilística e a construção da Rodovia Rio Grande-Pelotas no decênio de 1940, este quadro foi ,
paulatinamente, revertido.
111
LOVE, op. cit., pp. 17-18.
112
Inventado em 1876 por Graham Bell, o telefone foi introduzido no Brasil em 1879. Em Porto Alegre, a
telefonia data de 1884. Em 1889 o Centro Telefônico Rio-Grandense publica na imprensa rio-grandina, uma
listagem geral de seus assinantes na cidade. (ECO DO SUL. Rio Grande, 9 jun.1889. FREITAS, op. cit., p.
29,33).
48
Da Rua ao Teatro
1884 foi fundada a Companhia Carris Urbanos do Rio Grande transportando passageiros
em vagões sob trilhos e puxados por cavalos ou a vapor. Os bondes à tração animal
desapareceram em 1922; todavia vagões puxados por pequenas locomotivas e bondes
movidos à eletricidade (muitos importados da Inglaterra) continuaram a existir.113 O
avanço da técnica nos meios de transporte coletivos urbanos, igualmente se insere num
signo de modernidade. Nas palavras de Mara do Nascimento:
FOTO 2 - Bonde elétrico trafegando na rua Mal. Floriano Peixoto. Ao fundo o antigo prédio do Clube do
Comércio. 1915.
Extraído de: Arquivo Fotográfico da Biblioteca Rio-Grandense. Rio Grande.
113
FREITAS, op. cit., p. 43-45.
114
NASCIMENTO, op. cit., p. 14.
115
PIMENTEL, op. cit., p.54-56, 78. FREITAS, op. cit., p. 43-45.
116
É interessante ressaltar que esta linha inaugurou a aviação comercial brasileira. (PIMENTEL, op. cit., p.
267).
49
Da Rua ao Teatro
Hotel Internacional (construído em 1826, atual Hotel Paris à rua Mal. Floriano Peixoto)117,
Hotel do Globo (1856, que oferecia “canja com galinha” nas noites de espetáculos do
Teatro Sete de Setembro)118, Hotel Rio-Grandense (1862)119, Hotel Novo Arnaldo (1872)
rebatizado de Grande Hotel (1887, Rua dos Príncipes - atual Gal. Bacelar - ao lado do
Teatro Sete), Hotel Itália (1888, rua D. Pedro II - atual Mal. Floriano Peixoto - n. 196)120,
Hotel Atlântico (construído na virada do século na Vila Sequeira), Avenida Hotel (1919,
rua Gal. Bacelar, n. 147), Bristol Hotel (1920, Gal. Bacelar, depois mudou-se para a rua
Mal. Floriano), Hotel Roma (1920), Hotel do Globo (com o mesmo nome do supracitado,
inaugurado em 1921 à rua Paissandú - atual República do Líbano - próximo a Praça Sete
de Setembro), Hotel Portugal (inaugurado em 1927 a rua Gen. Netto, no 8) e outros. Em
1943 a cidade contava com 27 alojamentos (hotéis, pensões e casas de cômodos).121
1.2 - POPULAÇÃO
117
Construído originalmente em estilo colonial seu prédio sofreu inúmeras reformas e ampliações. Elegante e
confortável foi decorado pelo artista Giovanni Falconi, sendo o mais requintado da cidade.
118
BITTENCOURT, Elementos... op. cit.,p. 17. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande. Rio
Grande, 3 jun. 1942.
119
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 27. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande.
Rio Grande, 1o ago.1941.
120
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 62. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande.
Rio Grande, 23 jul. 1942.
121
PIMENTEL, op. cit., p. 536.
122
Informa o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Municipal de 1940.
123
Sobre a imigração no Brasil consulte: DIÉGUES JR, Manuel. Imigração, Urbanização e
Industrialização: estudos sobre alguns aspectos da contribuição cultural do imigrante no Brasil. Rio de
Janeiro: MEC/INEP, 1964.
124
Sobre a atuação dos imigrantes na modernização de Pelotas confira: ANJOS, Marcos Hallal dos.
Estrangeiros e Modernização: a cidade de Pelotas no último quartel do século XIX. Porto Alegre: PUCRS,
1996. (Dissertação de Mestrado).
125
Segundo Love, em 1890 cerca de 30% da população do Estado era composta por negros e mulatos. Os
escravos eram utilizados como peões nas estâncias, trabalhadores nas charqueadas e, em Rio Grande,
sobretudo, nas atividades comerciais e domésticas. (LOVE, op. cit., p. 11. Sobre a escravidão em Rio Grande
50
Da Rua ao Teatro
foram inexpressivas e dispersas ao longo dos tempos. Para Copstein, “a todos o Rio
Grande de origem lusa conseguiu absorver e integrar em uma comunidade sem os
problemas que não raro ocorrem nas sociedades de variadas origens”.126 Todavia, apesar
da marcante presença portuguesa, a organização social rio-grandina, assim como a
brasileira, caracterizava-se pela heterogeneidade resultante de um rico processo que
combinou contrastes e antagonismos os mais variados.
Observados a partir da Independência, os anos de maior entrada de
imigrantes portugueses no Rio Grande do Sul foram 1887, 1891, 1896 e 1912. A cidade de
Rio Grande constituiu-se, por todo o século XIX e boa parte do XX, na maior Colônia
Portuguesa da Província/Estado. A forte presença lusitana nos diversos segmentos
produtivos da sociedade revelava-se principalmente no comércio de secos e molhados, na
pesca artesanal e na industrialização do pescado, na agricultura de hortifrutigranjeiros, e
nas várias casas de alimentação (restaurantes, fruteiras, etc.) que possuíam.
Atuando na sociedade local, os portugueses colaboraram, decisivamente, para
o desenvolvimento do lugar. Da presença ativa destes imigrantes decorreram ações
conjuntas que possibilitaram as fundações da Santa Casa de Misericórdia do Rio Grande
(1841); do Gabinete de Leitura (1846) origem da Biblioteca Rio-Grandense; da Câmara do
Comércio (1844); da Sociedade Portuguesa de Beneficência (1854); da Sociedade União
Comercial dos Varejistas de Secos e Molhados (1888) e de outras instituições.
Os imigrantes teutos também respondiam pelo progressismo da cidade.
Participando com destaque da indústria e do comércio locais, a influência dos germânicos
pode ser ainda claramente observada no estilo arquitetônico de muitos prédios instalados à
avenida Rheingantz.
Sendo a mais antiga cidade do Rio Grande do Sul lusitano, Rio Grande já foi
retratado por inúmeros artistas em suas telas: Jean-Baptiste Debret, Hermann Wendroth,
Francis Richard, Willian Lloyd, e outros.127 Através desses registros a cidade torna-se
história e, sobretudo, ganha imagem possibilitando aos historiadores a apreensão dos
cenário destruídos. Neste sentido, as fotografias de época e os relatos de viajantes
constituem-se igualmente em importantes ferramentas. O Rio Grande atual, não
proporciona uma visualização da cidade imperial e, muito menos, da vila colonial.
Tornam-se cada vez mais raras as construções desses períodos capazes de balizar a história
urbana local. Tem-se não mais que alguns poucos edifícios isolados sobreviventes ao
tempo, marcas do passado sedimentadas na memória urbana coletiva. Aos festins
demolitórios, sobreviveu somente a epiderme do antigo conjunto arquitetônico outrora
existente. A vila fortificada do século XVIII, de caráter militar alterou-se nas primeira
décadas do Dezenove dando origem a cidade burguesa, diretamente ligada ao comércio
confira GATTIBONI, Rita. A Escravidão Urbana na Cidade de Rio Grande. Porto Alegre: PUCRS, 1993.
Dissertação de Mestrado.)
126
VIEIRA, Rio Grande...,op. cit., p. 126. COPSTEIN, op. cit., p. 67.
127
Cf. BARRETO, Abeillard. Bibliografia Sul-Rio-Grandense: a contribuição portuguesa e estrangeira para
o conhecimento e a integração do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1976.
Vol. I e II. Para uma visão sintética consulte: ALVES, Francisco e TORRES, Luiz. Imagens do Rio Grande.
In: Visões do Rio Grande: a cidade sob o prisma europeu no século XIX. Rio Grande: URG, 1995. p.78-84.
51
Da Rua ao Teatro
128
IANNI, Octávio. A Idéia do Brasil Moderno. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 60-62.
129
PEREZ, Léa. Separatismo ou Tempo das Tribos? In: Colóquio Internacional Separatismo e Pós-
Modernidade. Porto Alegre: Instituto Cultural Brasileiro-Alemão, 1994. Alicerçada nas idéias de Michel
Mafessoli, a autora entende por socialidade os aspectos lúdicos do elo social, o prazer do contato, as relações
informais estabelecidas em sociedade.
130
Palestra intitulada História e Imaginário Urbano, proferida por Maria Stella Bresciane (UNICAMP), na
UFRGS em 18 de abril de 1997.
52
Da Rua ao Teatro
__________ 2 __________
ORGANIZAÇÃO & MOVIMENTO:
A SOCIEDADE RIO-GRANDINA
53
Da Rua ao Teatro
131
Documento 20.436. Inventário dos Documentos Relativos ao Brasil Existentes no Arquivo de Marinha e
Ultramar. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. V. 71.
132
CESAR, Guilhermino. Comédias Portuguesas no Rio Grande de São Pedro - 1750. Correio do Povo.
Porto Alegre, 11 mar. 1978, p. 3. Todavia sabe-se que, muito comumente, os banquetes eram aproveitados
somente pelos cidadãos de destaque; aos pobres eram distribuídos apenas pães. (Cf. WESTPHALEN, Cecília
et BALHANA, Altiva. Lazeres e Festas de Outrora. Curitiba: SBPH-Pr., 1983. p. 14.)
133
CESAR, Comédias..., op. cit.
134
Conforme Pimentel, na divisão eclesiástica católica, a cidade possuía em 1943 duas Paróquias com suas
respectivas matrizes e igrejas, 18 capelas e 2 conventos de carmelitas descalços; seis confissões protestantes,
cada uma com seu templo; 28 sociedades espíritas, 3 esotéricas e uma sinagoga judaica. (PIMENTEL, op.
cit., p. 151, 536.)
135
MAYER, op. cit., p. 239.
54
Da Rua ao Teatro
Santos, Corpus Christi, Espírito Santo, etc. Esses encontros misturavam a religiosidade a
um espírito alegre e lúdico desenvolvido na festa. O compromisso religioso constituía-se,
outrossim, num momento social. Para Roberto Da Matta, “os eventos sociais marcados
pela motivação do divino e realizados sob a égide da Igreja [...] assumem no Brasil um
caráter conciliador entre a extrema formalidade e a extrema informalidade, no ambiente
criado pelo próprio ritual” e que revela a dramatização dos valores da sociedade que o
engendrou.136
∼ ∼∼
As festas populares durante a Colônia e o Império tinham seu ápice no jogo
do Entrudo, folguedo carnavalesco popular de origem portuguesa que desenrolava-se pelas
ruas de todo o Brasil.138
Em sua estada na cidade em 1809, o viajante Luccock assim descreve o
festejo:
136
DA MATTA, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de
Janeiro: Zahar, 1980. p. 41.
137
Conforme Gilberto Freyre, a malhação do Judas de Pano era uma “evidente expressão popular de ódio
teológico do Católico ao Judeu e de ódio social do oprimido ao opressor: do moleque pobre de rua ao homem
apatacado e nem sempre de sangue israelita, embora quase sempre considerado ‘judeu’, [proprietário] de
sobrado comercial”. (FREYRE, Sobrados..., op. cit., p 462).
138
De origem um tanto obscura, o Carnaval localiza-se na Antigüidade associado às celebrações profanas de
caráter orgíaco. Incorporado às tradições cristãs, designa o período dos três dias precedentes a Quarta-feira
de cinzas, sendo marcado por uma série de folguedos populares de interesses lúdicos.
55
Da Rua ao Teatro
139
LUCCOCK, op. cit., p.129.
140
VON SIMSON, Olga R. de Moraes. A Burguesia se Diverte no Reinado de Momo: Sessenta Anos de
Evolução do Carnaval na Cidade de São Paulo - 1855-1915. São Paulo: FFLCH, USP, 1984.(Dissertação de
Mestrado). Apud. BARRETO, Álvaro. Carnaval Pelotense: Europeu ou Africano?. Revista do IHGPel.
Pelotas, n.2, p.28, jul. 1997.
141
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 61. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande,
Rio Grande, 15 jan. 1947. Sobre este clube, Antenor Monteiro, em seu Rebuscos: Coisas e Fatos da Cidade,
56
Da Rua ao Teatro
FIGURA 9 - Passeio burlesco do Clube Boêmio pelas ruas do centro da cidade. Carnaval de 1881.
Extraído de: MARUI. Rio Grande, 20 fev.1881. s/n. Biblioteca Rio-Grandense. Rio Grande.
fundamentado em jornais de época, revela alguns aspectos surpreendentes sobre a plasticidade da cultura
brasileira percebida na sociedade rio-grandina de finais do Oitocentos. Em suas palavras; “no dia 2 de março
de 1879, findava o carnaval com o Domingo da Pignatta. Saíra o Club Mina, formado de jovens de boa
sociedade que, previamente ensaiados, entoavam cantigas dos africanos, reproduzindo-lhes as danças
exóticas e, à noite no Politeama, banqueteavam-se com o vatapá, conduzido em grande panela de ferro”. Ao
lado da Pignatta de origem italiana, a valorização de elementos da cultura negra por parte da população
branca “de boa sociedade”, notadamente da música e a da dança (sem falar na comida que desde o período
colonial já se fazia notar nas mesas dos brancos) torna-se preciosa se inserida no contexto da época: um
Brasil escravocrata (mesmo que em decadência), dominado pelo racismo científico e sua premissa básica
calcada na superioridade da raça branca e onde o “branqueamento” da população encontrava respaldo,
efetivando-se no ideal europeizante do programa imigrantista, em decurso ao longo daquele século. Sobre o
Domingo da Pignatta confira no Capítulo VI deste estudo o sub-título Bailes. A respeito das questões do
“perigo negro” e do “branqueamento da Nação” consulte: CHIAVENATO, Júlio J. As Lutas do Povo
Brasileiro: do “Descobrimento” a Canudos. São Paulo: Moderna, 1988. FREYRE, Sobrados..., op. cit.
142
FREYRE, Sobrados..., op. cit., p. 111.
143
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 81. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande,
Rio Grande, 31 jan. 1941.
57
Da Rua ao Teatro
FOTO 3 - Desfile do Clube Carnavalesco Saca-Rolhas apresentando o carro alegórico intitulado “Jardim da
Rainha”, trazendo a soberana do clube e sua Corte. Carnaval de 1911.
Extraído de: Arquivo Fotográfico do Museu da Cidade do Rio Grande. Rio Grande.
Aos poucos o carnaval burguês decai por uma série de fatores entre
eles a industrialização, a urbanização, a chegada de novos atores
sociais à cena e a utilização da folia pelo Estado como estratégia
para incorporar as classes populares, ocorrendo, assim, a
popularização da folia, agudizada a partir dos anos 20, quando,
então, destacam-se costumes, danças e músicas africanas, antes
periféricas, desprestigiadas e/ou estranhas à elite. Esse outro estilo de
folia, que paulatinamente ganhava destaque, era o chamado Pequeno
Carnaval, tendo como elemento característico o cordão e depois os
ranchos.144
144
BARRETO, op. cit., p. 30.
145
Cf. QUEIROZ, Maria Isaura. Carnaval Brasileiro: o vivido e o mito. São Paulo: Brasiliense, 1992.
58
Da Rua ao Teatro
FOTO 4 - Carro alegórico do Clube Carnavalesco Arara em desfile pela rua Mal. Floriano Peixoto. Ao fundo
vê-se o edifício da Cinema Ideal Concerto (posteriormente, sede do Café Nacional). Carnaval de 1920.
Extraído de: Arquivo Fotográfico do Museu da Cidade do Rio Grande. Rio Grande.
146
DA MATTA, op. cit., p. 35-36.
147
Ibid., p. 38.
148
PEREZ, Léa. Por Uma Poética do Sincretismo Tropical. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre:
EDIPUCRS, v. 18, n.2, p. 49-50, 1992.
59
Da Rua ao Teatro
∼ ∼∼
A ordenação da natureza nos espaços da cidade moderna estava inclusa nos
projetos de embelezamento urbano e igualmente alicerçados em modelos parisienses.149
Sob a égide da modernização, praças, largos e jardins tornaram-se os locais favoritos da
elite rio-grandina para o lazer ao ar livre, oferecendo-se às novas relações de uma vida
pública.
Construída no centro histórico em zona comercial e residencial nobre a Praça
Xavier Ferreira (outrora Praça do Mercado, Praça Municipal, Praça Dona Isabel e Praça
General João Telles), com uma de suas faces à rua Marechal Floriano Peixoto, teve seu
delineamento em 1809 através da “Planta da Praça da Vila do Rio Grande de São Pedro”
apresentada por João Vieira à Câmara. Circundada por um gradil, iluminada, arborizada,
com belos jardins em estilo francês, lago em espelho, monumentos e chafariz em metal
importado da Inglaterra, esse tradicional espaço público de sociabilidade foi modernizado
(diz-se, retificado e limpo da presença popular), adquirindo um “tom aristocrático” e
constituindo-se no ponto de encontro das famílias elegantes aos domingos, no passeio
matinal das crianças e dos bebês, e no local predileto dos namorados que embalavam-se
com os sons das retretas ao entardecer. Passeio Público, onde os rio-grandinos viam e eram
vistos. À época do Carnaval a praça era tomada por vários quiosques que vendiam lança-
perfume, confetes, serpentinas e óculos (tipo de aviador) para a proteção dos olhos. Os
realejos povoavam, igualmente, este universo.
FOTO 5 – Vista da Praça Xavier Ferreira, na década de 1940. Destaque para sua concepção fortemente
influenciada pela estética urbana francesa.
Extraído de: PIMENTEL, Fortunato. Aspectos Gerais do Município do Rio Grande. Porto Alegre: Gráfica da
Imprensa Oficial, 1944. p. 218.
149
A partir da segunda metade do Dezenove intensificaram-se às influências européias no Brasil, opondo-se
então às influências orientais dos tempos da Colônia. Esta tendência não revelava-se somente no plano
cultural, mas também na natureza ordenada nos espaços públicos das cidades, onde passaram a imperar
concepções estéticas, árvores e plantas elegantes importadas daquele continente. Freyre registra também o
desprezo e a vergonha que se instalaram no país aos elementos oriundos da flora africana e asiática aqui já
aclimatados. Frente ao afrancesamento, quase que caricaturesco, da sociedade brasileira da Belle Époque,
Sevcenko se pronuncia: “Nada a estranhar, portanto, se para se harmonizar com os pardais – [aves] símbolos
de Paris – que o prefeito Passos importara para a cidade [do Rio de Janeiro], se enchessem as novas praças e
jardins com estátuas igualmente encomendadas na França ou eventualmente em outras capitais européias”.
(Cf. FREYRE, Sobrados..., op. cit., p.456-457. SEVCENKO, op. cit., p. 36-37).
150
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 75. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande,
Rio Grande, 28 nov. 1941.
60
Da Rua ao Teatro
catavento captava água para os lagos com pequenas ilhas e canais artificiais cortados por
várias pontes e percorridos por pequenos barquinhos. O esquadriamento do antigo local e a
construção de um parque organizado e limpo, seguia o exemplo da Europa e que deveria
ser seguido pela cidade em busca do progresso e, inserido no ideal modernizador-
higienizador-urbano pelo qual passavam os principais centros brasileiros. A cidade
“modernizada” estimulava a família a usufruir do espaço público, circulando em uma
atmosfera saudável e forjando assim, novas práticas urbanas adequadas aos “novos
tempos”.151
FOTO 6 – Vista da Praça Tamandaré, inspirada nos grandes parques europeus. Princípios do século XX.
Extraído de: FONTANA, Amílcar. Álbum Ilustrado da Cidade do Rio Grande (1850-1912). Rio Grande:
Atelier Fotográfico Fontana, s.d. s.p.
Deixando de ser o lugar onde se forjava a cultura popular, a rua passava a ser
vista como um espaço de circulação remetido às esferas de consumo e do trabalho. Nesse
universo os pobres eram estrangeiros; mas presentes, forçavam a interação das diferenças.
A rua era também um espaço para as brincadeiras infantis: pula-corda, cabra-
cega, esconde-esconde, amarelinha, bolinhas de gude, pandorgas, carrinho de rolimãs,
brincadeiras de roda, varinha tangendo rodas, pernas-de-pau, futebol, bola na mão,
matador, etc.
Os espaços públicos ofereciam-se igualmente à celebração festiva de grandes
acontecimentos nacionais, como o Dia da Pátria (ou da Independência)153 e o Dia da
151
Antes da transformação do Campo da Redenção no Parque Farroupilha em 1934 em Porto Alegre, a Praça
Tamandaré constituía-se no maior espaço de lazer do gênero localizada em zona urbana no Estado.
152
Primeiro verso do poema A Hora do Footing, transcrito em: RODRIGUES, Sued de O. (Org.). Rio
Grande Nos Versos dos Poetas. Rio Grande: Academia Rio-Grandina de Letras, 1989. p. 37.
61
Da Rua ao Teatro
FOTO 7 – “Batalha de Flores” realizada na rua Marechal Floriano Peixoto, na década de 1910. Em decurso, o
processo de substituição do tradicional estilo Luso-Brasileiro pelo Ecletismo.
Extraído de: FONTANA, Amílcar. Álbum Ilustrado da Cidade do Rio Grande (1850-1912). Rio Grande:
Atelier Fotográfico Fontana, s.d. s.p.
153
Ao lado do Carnaval e das festas religiosas, o Dia da Pátria com suas paradas militares e estudantis,
compõe o que Da Matta chamou de “triângulo ritual brasileiro” com grande significado, sobretudo em suas
implicações políticas, uma vez que “temos festas devotadas à vertente mais institucionalizada do Estado
Nacional (suas Forças Armadas), festas controladas pela Igreja (outra corporação crítica na formação da
sociedade brasileira) e, finalmente, as festas carnavalescas, consagradas à vertente mais desorganizada da
sociedade civil, ou melhor, da sociedade civil enquanto povo ou massa”. (DA MATTA, op. cit., p. 41.).
154
Estas festas públicas, devido a seu caráter aglutinador de pessoas, grupos e categorias sociais, foram
fundamentais à promoção e cristalização de sentimentos de apreço à Nação, ao Estado e a cidade.
155
Uma prática bem freqüente durante o século XIX era a de acompanhar em cortejo os artistas mais
estimados, pelas ruas da cidade, do teatro onde exibiam-se até o hotel ou residência que estivesse hospedado.
A coluna Fatos e Coisas de Antanho revela que “no fim do espetáculo grande número de espectadores
nacionais e estrangeiros e todos trajando rigorosa gala, acompanharam à sua residência o ator João Caetano,
precedendo-o com archotes [em 27 ago. 1854]”. O pianista Arthur Napoleão recebeu também “um grande
acompanhamento de tochas levadas por muitos cavalheiros desta cidade [...] conduzindo-o ao hotel [...] [em
5 nov. 1857]“. (BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 19. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal
Rio Grande, Rio Grande, 28 ago.1942 e 5 nov. 1943.)
156
Em 1845, por ocasião da visita de Suas Majestades Imperiais D. Pedro II e D. Teresa Cristina, multidões
encheram as ruas para assistir a passagem do cortejo real e, à noite, “entre alas com mais de 30.000 luzes
[velas e lampiões]”, o casal e sua comitiva foram conduzidos do Paço ao Teatro Sete de Setembro onde
realizou-se espetáculo. (RIO GRANDENSE. Rio Grande, 12 nov. 1845.)
157
Inaugurado em 1893 próximo ao Matadouro, aconteciam no local retretas por bandas musicais.
(MONTEIRO, Rebuscos..., op. cit., passim. BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 84. M.P.F.J. Fatos e
Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande, Rio Grande, 2 abr. 1941.)
62
Da Rua ao Teatro
∼ ∼∼
Em meados do Oitocentos, velhas famílias aristocráticas e novos-ricos
franceses começaram a se reunir em estações balneárias que se multiplicavam no litoral
daquele país. Arquitetonicamente, o modelo de chalé, saído dos cantões helvéticos seria
introduzido nestes ambientes da moda. A ele seguiriam o “chalé normando”, a “cabana” e
158
PIMENTEL, op. cit., p. 122.
159
O primeiro clube de iatismo da cidade foi fundado em 9 de junho de 1934 por um grupo de amigos
apreciadores das práticas náuticas. Sua instalação deu-se inicialmente na propriedade do Sr. Estevão Plana
Martins, junto ao mar e próximo ao estaleiro naval que possuía à rua General Osório (local da antiga Fábrica
de Pescado Abel Dourado).
160
Cf. ALMEIDA, Renato. A Recreação Popular, Suas Forma e Expressões. História da Cultura Brasileira.
Rio de Janeiro : CFC/FEAME, 1973, v.1, p. 201-213.
161
MEYER, Augusto. Guia do Folclore Gaúcho. Rio de Janeiro: Presença/INL/IEL, 1975. p. 66 e
CORREA, Romaguera. Vocabulário Sul-Rio-Grandense. Pelotas: Universal, 1898. p. 50. Gilberto Freyre
também registra as disputas entre “cristãos” e “mouros” no interior dos teatros, dramatizando os medievais
conflitos entre o Ocidente e o Oriente. (FREYRE, Sobrados..., op. cit., p. 438.).
162
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 51. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande.
Rio Grande, 1o out. 1945.
63
Da Rua ao Teatro
outras variações que influenciaram a estética dos balneários em todo o mundo.163 Sob a
influência da fama das estações européias - notadamente de Biarritz na costa francesa do
Atlântico - em fins do século XIX, foi oficialmente inaugurada a Vila Sequeira, a primeira
estação de banhos do Rio Grande do Sul construída as margens do oceano a 14 Km da
Cidade de Rio Grande164. As propagadas qualidades terapêuticas das águas da praia e do
clima ao seu redor conferiam ao local importantes atrativos. À época, e por muitos anos
mais, o banho de mar era receita médica indicada ao bem-estar físico “sendo nos meses de
abril e maio fortemente iodado”.165 Frente a insalubridade da cidade industrial dos finais
do Dezenove, os “novos ares” protegiam contra as doenças infecto-contagiosas que
pairavam sobre a urbe. É somente mais tarde que a praia e o banho de mar passaram a ser
também encarados como formas de lazer.
163
GUERRAND, Roger-Henri. Espaços Privados. In: PERROT, Michelle (Org.) História da Vida Privada.
São Paulo: Companhia das Letras, 1991. v. 4, p. 349. BURNET, Louis. Villégiature et Tourisme Sur Les
Côtes de France. Paris: Hachette, 1963. p. 484. DÉSERT, Gabriel. La Vie Quotidienne Sur Les Plages
Normande du Second Empire aux Années Folles. Paris: Hachette, 1983. p. 334.
164
Conforme Salvatori, Habiaga e Thormann, a Vila Sequeira foi inaugurada oficialmente em 1898, quando
o balneário já contava então com 20 residências particulares nele instaladas. (SALVATORI, op. cit., p. 44.).
165
PIMENTEL, op. cit., p. 37.
166
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 110. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande,
Rio Grande, 11 fev. 1944.
64
Da Rua ao Teatro
Um dos primeiros relatos sobre a vida orquestrada nos salões da Vila de Rio
Grande, foi fornecido por Saint-Hilaire ao descrever alguns bailes que freqüentou em
1820. Em sua visão, a elite local buscava imitar os modismos europeus. Embora, de uma
forma em geral, as brasileiras “ignorassem os encantos da sociedade e os prazeres da boa
conversação” as mulheres “nesta região [...] se ocultavam menos do que nas outras
Capitanias do interior”.167 Essa observação foi confirmada por Hörmeyer que, em 1851
comentou: “[se] nas cidades menores da Província, ainda vigorava o antigo costume do
país que proibia às mulheres brasileiras a se mostrar na rua sem acompanhante”, em Rio
Grande e Porto Alegre, “começa a vingar uma vida metropolitana, européia.”168 Desta
feita, conforme Saint-Hilaire, as sul-rio-grandenses possuíam “melhores noções de vida;
eram desembaraçadas, conversavam um pouco mais, porém ainda estavam a uma infinita
distância das mulheres européias”.169 Na visão não menos eurocêntrica do viajante suiço-
alemão Carl Seidler, os moradores de Rio Grande e de São Francisco de Paula (Pelotas)
apresentavam em 1827, “mais gosto pela vida social e mais trato amigável, do que os das
outras regiões” do país, pois nelas residiam muitos europeus que, “certamente pela
influência do seu dinheiro e de sua cultura contribuíram, consideravelmente, para que seus
habitantes tivessem mais civilização”.170 Desde sempre, porto é passagem de roteiros, de
corpos de línguas e de costumes diversos, é por excelência, expressão de diversidade.171
Rio Grande, enquanto cidade portuária, esteve continuamente aberto a intercâmbios com
outras regiões, tanto a nível nacional quanto internacional, sofrendo influência nos gostos
e nos costumes em função do contato e da troca de experiências com outros centros
urbanos.
Durante o Oitocentos propagou-se o gosto pelos saraus lítero-musicais que
ocorriam nos salões das residências das famílias mais abastadas e que, “invariavelmente,
terminavam com bailes movimentados e lautas mesas de doces”.172 Nesses encontros –
semelhantes aos concertos de palácio do Antigo Regime – encenavam-se pequenos
quadros dramáticos, a elite afeita ao beletrismo recitava suas poesias, os que estudavam
música demostravam suas habilidades no canto e em instrumentos executando um
repertório romântico, trechos de peças ligeiras e árias de óperas italianas. Discutia-se
política, teatro, literatura... ou, simplesmente, divertia-se com os jogos de cartas. Desde
muito, a consolidada sociedade francesa de salão, famosa pelo refinamento e arte da
conversação, inspirava os seletos freqüentadores desses ambientes.173 O salão de festas
passou a adquirir uma forte “importância simbólica, [tornando-se] uma marca de classe:
possuir um salão significava mundanidade e sociabilidade, duas características
167
SAINT-HILAIRE, op. cit., p. 66.
168
HÖRMEYER, op. cit., p. 66.
169
SAINT-HILAIRE, op. cit., p. 66.
170
SEIDLER, Carl. Dez Anos no Brasil. Brasília: INL/MEC, 1976. p. 94.
171
BRESCIANE, op. cit., p. 66-67.
172
DAMASCENO, Athos. Palco, Salão e Picadeiro em Porto Alegre no Século XIX. Porto Alegre: Globo,
1956. p. 24.
173
Embora sejam percebidos em vários países e com algumas variantes, os salões literários são típicos da
vida cultural francesa dos séculos XVII, XVIII e XIX, apresentando-se como centros de intercâmbio de
idéias onde a política, o amor e as artes forneciam os temas da consersação. Promovidos por damas da
sociedade, dominavam estes ambientes o linguajar amaneirado, a finura dos gestos, o culto de todas as
etiquetas, os rasgos competitivos de inteligência. Talento, cultura enciclopédica e paixão pelas letras e artes
triunfavam e caracterizavam a vida gerida pelos salões de França. (Cf. DUBY, op. cit.)
65
Da Rua ao Teatro
174
GUERRAND, op. cit., p.334.
175
HABERMAS, Jurgen. A Família Burguesa e a Institucionalização de Uma Esfera Privada Referida à
Esfera Pública. In: CAVENACCI, Massimo (Org.). Dialética da Família. São Paulo: Brasiliense, 1985. p.
228.
176
PINHO, Wanderley. Salões e Damas do Segundo Reinado. São Paulo: Livraria Martins, 1970. p. 7
66
Da Rua ao Teatro
FIGURA 10 - Fundada em 1854, a Imperial Sociedade Instrução e Recreio dominou a história da vida social
rio-grandina da segunda metade do século XIX.
Legenda: “O baile da Instrução e Recreio esteve animadíssimo. Desejamos outro dobrado tempo de
existência”.
Extraído de: MARUI. Rio Grande. 1880. N.31. Biblioteca Rio-Grandense. Rio Grande.
177
NEEDELL, op. cit., p. 141-142.
178
Sobre a persistências de valores aristocráticos na sociedade burguesa dos séculos XIX e XX confira
MAYER, op. cit., passim.
179
No século XVIII, antes do surgimento dos clubes e das sociedades de baile, eram os saraus residenciais e
os pequenos teatros denominados de Casas da Comédia ou Casas da Ópera que ofereciam espaço às reuniões
sociais e mesmo aos divertimentos da cidade. Sobre os clubes confira: AGULHON, Maurice. Le Cercle dans
la France Bourgeoise. Paris: Armand Colin, 1977.
67
Da Rua ao Teatro
180
SAINT-HILAIRE, op. cit., p. 64. Uma descrição pormenorizada das vestimentas das senhoras e dos civis
e militares pode ser apreciada nestas obra e página supracitadas.
181
O renascimento europeu das letras e das artes trouxe consigo o do baile, oferecendo-se no século XVI os
bailes de sociedade e os de teatro, ao lado dos populares, cujos elementos interviram, grandemente, nos
primeiros. Os bailes de sociedade de procedência italiana propagaram-se por todas as nações, sofrendo até
nossos dias, um processo de simplificação (diminuição da pompa e dos cuidados excessivos no vestir, etc.).
182
DORFLES, Gillo. O Devir das Artes. Lisboa: Arcádia, 1979. p. 207-208.
183
Ibid., p.208.
68
Da Rua ao Teatro
184
Em julho de 1850 a “primeira bailarina do São Pedro de Alcântara, Mlle. Alice [ou Aline] Moreau” que
alcançava sucesso no Teatro Sete de Setembro, anuncia pela imprensa que “tem a honra de participar [...]
demorar-se aqui algum tempo a dar lições de dança, tanto por teatro como por salões [...].”
(BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 10. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande, Rio
Grande, 25 jul. 1944.)
185
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 23. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande,
Rio Grande, 17 out. 1944.
186
Surgido na Argentina, o tango, espalhou-se primeiramente pela Europa (sobretudo, na França) e depois
ganhou o mundo. Por anos foi bastante criticado considerado uma dança de influência perniciosa e imoral. O
Papa Pio X recomendou sua substituição pela furlana - dança italiana que passou a ser conhecida como a
“dança do Papa”.
187
MARUI. Rio Grande. 1880. N. 40,41.
188
O prospecto publicitário do Teatro Sete de Setembro de 11 de setembro de 1926, anuncia a penúltima
apresentação dos artistas Tânia e Mexican que “executarão o charleston - a dança da moda em Norte-
America. Atenção: Esta dança foi censurada pela polícia de New York”. (COLEÇÃO de Prospectos. Op. cit.
Pasta 1, 11 set. 1926.)
69
Da Rua ao Teatro
∼ ∼∼
Inúmeras e distintas formas de associações marcam a história da sociedade
rio-grandina. Percebidas em diferentes períodos, registro:191
ASSOCIAÇÕES RECREATIVAS:
189
VERGARA, Telmo. Na Platéia. Porto Alegre: Globo, 1930. p. 117. (1a edição).
190
DORFLES, op. cit., p. 206.
191
Os dados apresentados nestas listagens foram levantados, quase que integralmente, em. M.P.F.J. Fatos e
Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande, Rio Grande, jan.1941- dez.1950, cuja transcrição e organização
corresponde ao estudo já anteriormente referido: BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., passim. As
informações que advém de outras fontes estão, devidamente, explicitadas.
192
Importante no remo, este clube foi também o responsável pela introdução do basquete no Estado.
70
Da Rua ao Teatro
Clube Comercial (instalado em 1867 à rua Riachuelo no sobrado anteriormente ocupado pela
Sociedade Euterpina);
Clube Recreio Operário (fundado em 1885 à rua 16 de Julho no 110 - atual Benjaminm Constant);
Clube Caixeiral (fundado em 1895, sua elegante sede localizada à rua Mal. Floriano Peixoto foi
inaugurada em 1912);
Sociedade União Operária (fundada em 1893, sua sede foi inaugurada em 1902)195;
Clube do Comércio (1900);
Associação dos Empregados do Comércio (fundada em 1901);
Sociedade União Comercial dos Varejistas (fundada em 1888) etc.;
As Dragas;
“O”;
Xícara;
Archote;
Silêncio;
Afiadores;
Amoladores da Paciência;
Os Homens Vermelhos;
Os Cavalheiros da Meia Noite;
Zé Pereira;
Princesas de Força;
Os Charlatas;
Os Meninos da Candinha (todos percebidos nos carnavais de 1872 e 1873)196;
Os Positivos,
Os Desabusados,
Vai ou Vem,
Os Tampicos,
Tampiquinhos,
Tampicadas;
Tampicões (todos no Carnaval de 1876);
Clube Carnavalesco Saca-Rolhas (fundado em 16 de março de 1876 à rua Andradas esquina Luiz
Loréa, mudou-se em 1912 para a Marechal Floriano Peixoto no 162)197;
193
Fundado por imigrantes ingleses e alemães, este clube foi o introdutor do futebol no Brasil. PIMENTEL,
op. cit., p. 120.
194
RIO GRANDE. Rio Grande, 1920.
195
Esta sociedade foi a mais importante instituição do gênero na cidade.
196
MONTEIRO, Rebuscos..., op. cit., passim.
197
Esse foi o primeiro clube carnavalesco a ser fundado na cidade, sendo um dos mais antigos do país.
71
Da Rua ao Teatro
ASSOCIAÇÕES POLÍTICAS:
ASSOCIAÇÕES MAÇÔNICAS:
198
RIO GRANDE, Rio Grande, 1920.
199
COLEÇÃO de Recortes de Jornais. CDH. FURG. Pasta 19.
200
PIMENTEL, op. cit., p. 120.
201
Ibid., p. 86.
202
Ibid.
203
Ibid.
72
Da Rua ao Teatro
Clube Germânia (1872 com sede à rua Francisco Marques, depois à rua Benjamim Constant
esquina Conde de Porto Alegre);
Sociedade Cultural Águia Branca (fundada em 1896 pela colônia Polonesa);
Centro Espanhol de Socorros Mútuos (fundado em 1894);
Mutua Cooperazione (1903);
Circulo Pietro Mascagni (1904);
Sociedade Italiana Patria e Lavoro (1907);
Comitato Italiano Pró Fiume (1919);
Sociedade Alemã de Tiro (1920, à rua Rheingantz)207; etc.
FOTO 10 – Aspecto atual do suntuoso edifício do Clube Caixeiral, construído em 1912. Um belo exemplo da
arquitetura eclética na cidade.
204
Ibid.
205
RIO GRANDE. Rio Grande, 1920.
206
LUCCOCK, op. cit., p. 125.
207
RIO GRANDE. Rio Grande, 1920.
73
Da Rua ao Teatro
208
RIO GRANDE. Rio Grande, 1920.
209
FREYRE, Gilberto. O Mundo Que o Português Criou: aspectos das relações sociais e de cultura do Brasil
com Portugal e as colônias portuguesas. Lisboa: Livros do Brasil, 1940. p. 34-35.
210
PIMENTEL, op. cit., p. 536.
211
LUCCOCK, op. cit., p.125. Sobre as salas de bilhar muito difundidas durante o século XIX, confira
GUERRAND, op. cit., p.343.
74
Da Rua ao Teatro
212
Maroneze define “espaço fechado de sociabilidade” como um “local geograficamente demarcado, onde
indivíduos relativamente identificados elegem seus pares para atualizar discursos e trocar idéias” ou
simplesmente comungar do divertimento. (MARONEZE, Luiz Antônio Glozer. Espaços de Sociabilidade e
Memória: fragmentos da “vida pública” porto-alegrense entre os anos de 1890 e 1930. Porto Alegre: PUCRS,
1994. p. 10. Dissertação de Mestrado).
213
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 80. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande.
Rio Grande, 24 nov.1941.
75
Da Rua ao Teatro
Outro espaço existente era o Café Polaco, reaberto em 1897 com o nome de
Gruta Recreativa215. Em 1920 o Bar e Café Central, localizado na esquina das ruas
Marechal Floriano e Andradas, com sua orquestra e concertos todas as noites, constituía-se
no “ponto de reunião da elite”.216 No decênio de 1930 o Café Dalila ao lado do Cine-
Teatro Carlos Gomes era um dos pontos de reunião do “mundo chique” da cidade. O Café
Nacional, instalado no elegante sobrado que anteriormente abrigou o Cinema Ideal
Concerto (rua Mal. Floriano Peixoto esquina Duque de Caxias) também era muito
concorrido. As confeitarias, enquanto “ambientes elegantes”, gozavam igualmente de
grande freqüência.
214
Apud. RODRIGUES, op. cit., p. 223-224.
215
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 70. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande.
Rio Grande, 17 jan.1941.
216
RIO GRANDE. Rio Grande, 1920.
217
QUEIROZ, A Vila..., op. cit., p.156.
76
Da Rua ao Teatro
218
Idid., p. 160. (aspas minhas)
219
O crescimento populacional de Rio Grande animou as atividades urbanas possibilitando, sobretudo a
partir da segunda metade do século, o aparecimento de artistas profissionais para espetáculos dos mais
variados gêneros.
220
Confira no Capítulo IV desse estudo maiores informações sobre os espaços teatrais.
221
HOBSBAWM, Eric. J. A Era das Revoluções: 1789-1848. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 298.
222
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 21,23. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande,
Rio Grande. 3 ago.1944.
223
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 31. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande.
Rio Grande, 6 dez. 1941. FREITAS, op. cit., p. 43.
224
O AMOLADOR. Rio Grande, 1875. N. 84,86.
225
PIMENTEL, op. cit., p. 37.
77
Da Rua ao Teatro
∼ ∼∼
As atrações itinerantes: os Espetáculos de Vistas, os Teatrinhos de Bonecos e
os Circos apresentavam-se como formas de entretenimento de grande popularidade.
Instalados em pavilhões armados em praças e largos, salões ou nos teatros, recebiam
grande afluência.228
Desde a década de 1840 o Rio Grande do Sul convivia com os cosmoramas:
aparelhos óticos de reprodução de imagens, populares durante todo o século XIX e
princípios do XX.229 Recordando suas funções, Frederico Carlos de Andrade comenta que,
“pela cidade [de Rio Grande], aqui e ali, em salões particulares, havia, de quando em
quando, e houve ainda por longo tempo, cosmoramas: um tabique com grandes óculos de
aumento, através dos quais viam-se, lá no fundo, umas apreciáveis paisagens, vultos
célebres, etc.”230
Os “Espetáculos de Vistas” exibiam várias imagens como “As Esquadras
Aliadas em Constantinopla, O Bombardeio de Riga, A Vitória de Sebastopol, O Palácio
de Madrid, Os Jardins de Versailles, A Ponte de Baiona, O Palácio dos Voges, O
Desarvoramento da Nau Capitânia de Vasco da Gama [...], A Basílica de São Pedro, A
Catedral de Milão, O Vesúvio, A Praça da Concórdia, A Exposição Internacional de
1867, A Procissâo da Semana Santa em Roma”. 231 E assim, antes de conhecermos a
capital do país ou a Floresta Amazônica, já estávamos familiarizados com os ambientes
europeus, sob os quais projetávamos nossas aspirações: visualizávamos o que queríamos
226
Amália Iracema já era um nome conhecido da cena lírica. Tendo iniciado carreira na capital do Estado
junto a Filarmônica Porto-Alegrense, aperfeiçoou-se no Conservatório de Música de Frankfurt, apresentando-
se após em várias cidades alemãs. BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 87,89. M.P.F.J. Fatos e Coisas
de Antanho. Jornal Rio Grande. Rio Grande, 14 fev.,15 mar.1944. CARO, Herbert. Concertos e Recitais:
1900-1973. In: DAMASCENO, Athos et alii. Op. cit., p.305.
227
ECO DO SUL. Rio Grande, 21,22 mar.1910.
228
Sobre estas formas de espetáculos no interior dos teatros confira o Capítulo VI deste estudo.
229
O primeiro cosmorama que tenho notícia na Província foi exibido, sem grandes êxitos ao público porto-
alegrense em 1841, instalado em pavilhão armado no Largo do Paraíso. Em 1847 o aparelho retornou ao
mesmo local, apresentando “as mais recentes vistas das cidades da Europa e de suas sangrentas guerras” ;
tendo sido, então, uma das principais diversões daquele ano na cidade. (DAMASCENO, Palco..., op. cit.,
p.23, 27, 110)
230
ANDRADE, Frederico C. de. O Teatro Sob Diversos Aspectos, na Nossa Cidade. Jornal Rio Grande, Rio
Grande, 27 jun. 1935.
231
DAMASCENO, Palco..., op. cit., p.23, 27.
78
Da Rua ao Teatro
ter e ser.232 O periódico ilustrado Marui, em seu número 14, comenta que o cosmorama
instalado na cidade possuía “uma coleção linda e variadíssima de vistas por meio das quais
pode o leitor transportar-se em um ápice do nosso Rio Grande à Velha Europa, tendo assim
ocasião de conhecer até Paris, e isto, por 500 réis”.233
As guerras igualmente serviam de motivo para muitos diapositivos. Com
entusiasmo, eram noticiadas as imagens de “todas as guerras do mundo, de Moisés a
Napoleão e deste até os dias presentes.”234 À época da Guerra do Paraguai (1865-1870), os
cosmoramas apresentavam “diversos episódios da sangrenta luta [...] através de nítidos e
perfeitos quadros da Passagem de Humaitá e Curupaiti, da Batalha do Riachuelo, da
Abordagem dos Encouraçados Brasileiros pelas Forças Guaranis, etc”.235 Retratando o
universo do conflito, a diversão fomentava na população o fortalecimento de sentimentos
pátrios desencadeados pelo embate. Nesse período intensificaram-se os festejos patrióticos,
sempre marcados com muita pompa.
A representação de bonecos era de grande agrado, junto ao público adulto e,
principalmente, ao infantil. Em 1857 instalou-se na Rua da Praia, nº 153 em frente a Praça
Municipal, um Teatro Mecânico de Marionetes.236 Em 1864 outro divertimento do gênero
foi aberto à rua Direita (atual Gal. Bacelar), próximo ao Beco do Carmo (atual rua
Benjamim Constant correspondente ao último quarteirão antes da rua Mal. Floriano
Peixoto).237
Outra concorrida atração popular eram os circos. Remontando à Antigüidade
Clássica, o circo moderno nasceu no século XVIII com a organização de espetáculos
eqüestres intercalados com exibições de saltimbancos, saltadores, funâmbulos e palhaços.
Durante o século XIX o Brasil foi visitado por diversas companhias estrangeiras que
influenciaram a organização de elencos nacionais.238 Nesses espaços atuavam companhias
de variedades, ginásticas, “zoológicas” e eqüestres - chamadas de “Companhias de
Cavalinhos” - com artistas acrobáticos, ginásticos, cômicos: clowns e tonys 239,
domadores/adestradores e seus animais... Os primeiros circos eram construídos de forma
arredondada em madeira com cobertura de folhas de zinco, telhas portuguesas ou
francesas; mais tarde passaram a construção metálica coberta por lona. Grandes pavilhões
contavam inclusive com salas de bebidas e cafés.240 Os alegres desfiles promocionais dos
espetáculos circenses, com seus palhaços, animais e demais atrações conferiam às ruas
imagens e sons singulares.
Entre os circos que se apresentaram na cidade estão: Circo Olímpico
(1858)241 e Circo New York (1861)242, ambos com pavilhões armados no Largo do Poço
232
O advento do cinema, inicialmente europeu e após a Primeira Guerra Mundial norte-americano, agudizou
este processo.
233
MARUI. Rio Grande, 23 abr.1882. n. 14.
234
DAMASCENO, Palco..., op. cit., p. 110.
235
Ibid.
236
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 17. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande.
Rio Grande, 18 jan. 1944.
237
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 31. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande.
Rio Grande, 22 jan. 1941.
238
Sobre o assunto confica: TORRES, Antônio. O Circo no Brasil. Rio de Janeiro: Funarte. 1998.
239
Clowns e Tonys era uma terminologia comum à época, utilizada para designar tradicionais duplas cômicas
caracterizadas por um componente ser mais esperto e inteligente e o outro mais ingênuo.
240
DAMASCENO, Palco..., op. cit., p. 161.
241
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 20. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande.
Rio Grande, 5 ago. 1943.
79
Da Rua ao Teatro
∼ ∼∼
O setor dos divertimentos incrementou-se ao final do século XIX com o
surgimento do cinematógrafo que, inicialmente, era exibido de forma ambulante, em salões
e teatros. Em 25 de setembro de 1908, Arthur Sampaio & Cia., inauguraram o Cinema
Palace, instalado à rua Ewbank n°11. Acredito ser este o primeiro cinema rio-grandino.250
O sucesso da nova arte levou à rápida ampliação das casas de espetáculo
dessa natureza pela cidade. O desenvolvimento da técnica moderna e da indústria do lazer
aumentou, significativamente, as oportunidades de entretenimento para o grande público e
colaborou, decisivamente, na propagação e na sedimentação de novos hábitos urbanos.
Outro legado da Belle Époque, foi o cartaz publicitário que , rapidamente, integrou-se ao
cotidiano das cidades como um eficiente meio de comunicação, importante na divulgação
da programação das casas de espetáculos.
FOTO 11 - Um dos principais cinemas da cidade era o Ideal Concerto, instalado à rua Mal. Floriano Peixoto,
esquina com a rua Duque de Caxias. Década de 1920.
Extraído de: Arquivo Fotográfico da Biblioteca Rio-Grandense. Rio Grande.
242
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 24. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande.
Rio Grande, 21 out. 1944.
243
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 38. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande.
Rio Grande, 12 out. 1942.
244
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 39. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande.
Rio Grande, 20 nov. 1942.
245
Preços: camarote: 15$000 (4 entradas), cadeira: 4$000, geral: 2$000. Para menores, cadeira: 2$000, geral:
1$200 réis.
246
Preços: camarote: 20$000 (4 entradas), cadeira numerada: 5$000, cadeira sem número: 4$000, geral:
2$000, meia entrada (até dez anos): 1$500 réis.
247
RIO GRANDE. Rio Grande, 1920-1940. COLEÇÃO de Prospectos. Op. cit. Pasta 13.
248
Neste circo foram encenadas as peças A Juriti; Alma de Gaúcho; Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor
Jesus Cristo. (COLEÇÃO de Prospectos. Op. cit. Pasta 13.)
249
Este imenso circo tinha a capacidade para 3.000 pessoas.
250
DIÁRIO DO RIO GRANDE. Rio Grande, 26 set. 1908. A primeira sala a exibir filmes no Rio de Janeiro
data de 1897 sendo que dez anos após, com a regularização da distribuição de energia elétrica, o cinema
invadiu todos os cantos da cidade. Em 20 de maio de 1908 inaugurou-se o primeiro cinema de Porto Alegre:
o Recreio Ideal. No ano seguinte, a cidade contava com três casas destinadas às exibições cinematográficas.
Treze cinemas foram inaugurados nos Anos Vinte e no decênio posterior, a capital do Estado já possuía 26
casas do gênero, número que a equiparava à média européia. (ARAÚJO, op. cit., p. 347. TODESCHINI, op.
cit., p. 12. MEYER, Cláudia. O Cinema em Porto Alegre Visto Pela Imprensa (1921-1930). Veritas, n. 146,
1992. p. 276.)
80
Da Rua ao Teatro
251
M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande, Rio Grande, 21 ago. 1946. RIO GRANDE. Rio
Grande, 5 jan.1916. RIO GRANDE. Rio Grande, 20 fev.1920.
252
RIO GRANDE. Rio Grande, 5 mai.1919. Luiz Antônio Maroneze registra também em Porto Alegre, um
Clube dos Caçadores que, fundado no decênio de 1910, apresentava-se como o mais famoso cabaret da
capital nos Anos Vinte e nos Trinta, contando inclusive com cassino.(MARONEZE, op. cit., p. 77.)
253
RIO GRANDE. Rio Grande, 17 set. 1921.
254
TORRES, João C. Lazer e Cultura. Petrópolis: Vozes, 1968. p. 46.
81
Da Rua ao Teatro
255
DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e Cultura Popular. São Paulo: Perspectiva, 1976. p.93.
256
O Imperial funcionava na rua Mal. Floriano Peixoto, no prédio anteriormente ocupado pelo Rádio-Teatro
e atualmente pela Rádio Minuano.
257
ARAÚJO, Rosa Maria. A Vocação do Prazer: a cidade e a família no Rio de Janeiro republicano. Rio de
Janeiro: Rocco, 1993. p. 341.
258
BAUDRILLARD, op. cit., p. 31.
259
Para uma análise comparativa com o Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Curitiba, confira,
respectivamente, ARAÚJO, op. cit. SILVA, Maria Alice S. et alii. Memória e Brincadeiras na Cidade de
São Paulo nas Primeiras Décadas do Século XX. São Paulo: Cortez, 1989. MONTEIRO, Porto..., op. cit. e
WESTPHALEN, op. cit.
82
Da Rua ao Teatro
83
Da Rua ao Teatro
__________ 3 __________
EDUCAÇÃO, ARTE & CULTURA:
A MONTAGEM DO PATRIMÔNIO LOCAL
3.1 - EDUCAÇÃO
260
Sobre a educação no Brasil confira: AZEVEDO, Fernando de. A Cultura Brasileira. São Paulo:
Melhoramentos, 1944. p. 509-768. RIBEIRO, Maria S. História da Educação Brasileira: organização
escolar. São Paulo: Autores Associados, 1995. LOURO, Guacira L.. História, Educação e Sociedade no Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: Educação e Realidade, 1986. MORAIS, Cultura..., op. cit. SCHNEIDER,
Regina Portella. A Instrução Pública no Rio Grande do Sul (1770-1889). Porto Alegre: UFRGS/EST, 1993.
261
Deve-se ter presente que nesta época, o Povo Novo apresentava num significativo contingente
populacional. Durante o período do Domínio Espanhol (1763-1776) em Rio Grande, por questões de
84
Da Rua ao Teatro
e doutrina cristã, mediante uma pequena compensação mensal, sendo as aulas restritas ao
sexo masculino.262
A Resolução Régia de 14 de janeiro de 1820 determinava o estabelecimento
de oito aulas públicas de primeiras letras no Rio Grande do Sul, autorizadas a funcionar em
Porto Alegre, Rio Grande, Rio Pardo, Santo Antônio da Patrulha, São João da Cachoeira,
Pelotas, Triunfo e Piratini. 263 Neste mesmo ano, em Resolução de 17 de fevereiro, foi
criada uma aula de Filosofia, uma de Retórica e uma de Aritmética, Álgebra e
Trigonometria, em Porto Alegre e duas aulas de Latim, em Rio Grande e em Rio Pardo. As
primeira escolas para o sexo feminino na Província foram criadas pela Resolução de 25 de
outubro de 1831.264
Em 1846 o Rio Grande do Sul contava com 51 escolas de instrução primária,
sendo 36 para meninos e 15 para meninas. Existiam somente algumas poucas escolas de
ensino secundário: 4 em Porto Alegre, 2 em Rio Grande e 1 em Pelotas. Em Rio Grande, as
aulas correspondiam a Gramática Latina (com 5 alunos) e Francês, Geografia e Desenho
(com 26 alunos). Em 1847 foi criada a cadeira de Inglês. Conforme recomendações da
Presidência da Província, em 1848, as aulas de instrução secundária em Rio Grande
passaram a ser reunidas em um só prédio: o recém fundado Gabinete de Leitura cedeu duas
de suas salas para este propósito. O número de alunos no ensino secundário local perfazia
52 estudantes em 1849. 265
Professores europeus residentes na cidade ministravam as aulas de idiomas
estrangeiros, onde destacava-se claramente a preferência pelo francês. Seu domínio
apresentava-se como condição sine qua non ao ingresso no mundo “elegante e civilizado”,
conforme o imaginário da época. Em 1834 Arsène Isabelle comentava que em Rio Grande,
assim como em todo o país e na Região Platina, o ensino da língua francesa era bastante
difundido.266 Desta feita, entrava-se em contato com as publicações e, por sua vez, com o
universo político, artístico e cultural da prestigiosa França burguesa.
Da forte presença cultural francesa no Brasil, decorria o afrancesamento da
sociedade. Censurando este processo, um periódico em 1843 assim pronunciava-se:
segurança, não foi permitido a permanência dos luso-açorianos na Vila, que foram transferidos para seus
arredores. Criaram-se núcleos de colonos, cujo principal era o da Ilha da Torotama, que já existia
anteriormente. Em terras pertencentes a Manuel Fernandes Vieira, que se retirara com a invasão, foram
assentadas 112 famílias. Com a Reconquista da Vila pelos portugueses em 1777 Fernandes Vieira reclamou
sua propriedade. Os colonos foram transferidos então para o continente na localidade de Rincão d’el Rey,
mais tarde denominado de Distrito do Povo Novo. (Cf. QUEIROZ, A Vila..., op. cit., p. 117-118,137-140)
262
SCHNEIDER, op. cit., p. 14-15.
263
PIMENTEL, op. cit., p. 95. MAGALHÃES, op. cit., p. 225. SCHNEIDER, op. cit., p. 21.
264
SCHNEIDER, op. cit., p. 22, 29.
265
Ibid., p.75,76,91,92,93.
266
ISABELLE, op. cit., p. 80.
85
Da Rua ao Teatro
267
O CARAPUCEIRO. Recife, 1843. Apud. FREYRE, Sobrados..., op. cit., p. 102.
268
RELATÓRIO da Câmara Municipal da Cidade de Rio Grande, 1851. SCHNEIDER, op. cit., p. 201.
269
SCHNEIDER, op. cit., p.247,283.
270
SCHNEIDER, op. cit., p. 322,284. RELATÓRIO da Câmara Municipal da Cidade de Rio Grande, 1879.
271
RELATÓRIO do Intendente Municipal da Cidade de Rio Grande, 1906.
86
Da Rua ao Teatro
TABELA 1
TABELA 2
272
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 112. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande,
Rio Grande, 3 mar. e 15 out. 1941.
273
PIMENTEL, op. cit., p. 94.
274
Ibid., p. 95.
87
Da Rua ao Teatro
275
Fundado em 1936, proclamava-se o “Bandeirante da Alfabetização dos Brasileiros de Cor”.
(BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 115. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande, Rio
Grande, 6 mar. 1941.)
276
Esta sociedade possuía também uma escola primária.
277
PIMENTEL, op. cit., p. 91-92.
278
Universalmente, o Fin-de Siècle corresponde às últimas décadas do século XIX.
279
AZEVEDO, op. cit., p. 316-317.
280
SOARES, Macedo. Da Crítica Brasileira. Revista Popular. Rio de Janeiro,t.8, p.272-273, 1860.
281
ISABELLE, op. cit., p. 80.
282
Cf. SCHAPOCHNIK, Nelson. Contextos de Leitura no Rio de Janeiro do Século XIX: Salões, Gabinetes
Literários e Bibliotecas. In: BRESCIANI, Stella (org.) Imagens da Cidade - Séculos XIX e XX. São Paulo:
Marco Zero, 1994.p.147-162.
283
Um preciso panorama da vida literária brasileira pode ser obtido em: BOSI, Alfredo. História Concisa da
Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994.
284
AZEVEDO, op. cit., p. 344.
88
Da Rua ao Teatro
amplo sobrado à Rua da Praia n.o 146, 2o andar. 285 Frente ao alto preço dos livros que,
dificultava sua aquisição e a conseqüente formação de bibliotecas particulares, os
gabinetes de leitura, por meio do aluguel de livros, estimulavam a prática social da
leitura.286
Em 1866 o Gabinete de Leitura transferiu-se para a Rua dos Príncipes
esquina com a rua Andradas e, mais tarde, em 1878, mudou-se para a rua Riachuelo n.o 71.
Nesta nova sede, passou a denominar-se Biblioteca Rio-Grandense, adquirindo
personalidade jurídica. Já em 1879 a Biblioteca inaugurava uma série de conferências
literárias, ampliando sua ação educadora junto à coletividade. Desde 1900 passou a
funcionar à Rua dos Pescadores (depois rua Formosa e atual rua General Osório), no
antigo prédio da Casa da Câmara, adquirido pela instituição a Municipalidade. A partir de
1914 o antigo edifício luso-brasileiro sofreu amplas reformas internas e externas que
conferiram-lhe um frontispício eclético, ricamente ornamentado. Esta imagem
personificou a Biblioteca até 1937 quando, uma nova série de reformas findadas somente
nos anos de 1950, deram-lhe a atual configuração.287
FOTO 12 - Conseqüentes reformas realizadas a partir de 1914 deram ao edifício da Biblioteca Rio-Grandense
a rebuscada fachada que caracterizou sua imagem até 1937.
Extraído de: Arquivo Fotográfico da Biblioteca Rio-Grandense. Rio Grande.
285
Cf. FERREIRA, Athos D. Gabinetes de Leitura e Bibliotecas do Rio Grande do Sul no Século XIX. Porto
Alegre: MEC, 1973.
286
Cf. HALLOWELL, Lawrence. O Livro no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1982.
287
Uma precisa e suscinta história da Biblioteca Rio-Grandense pode ser obtida em: SOAMAR. Rio Grande,
jul/ago. 1996. Ano IV, n.o 19.
288
Apud. PIMENTEL, op. cit., p. 141.
89
Da Rua ao Teatro
289
PIMENTEL, op. cit., p. 140.
290
Em agosto de 1904 “a mesa de leitura [desta sociedade] foi freqüentada [...] por 335 sócios. Recebeu a
visita de 32 jornais e forneceu 68 volumes de várias obras para serem lidas pelos associados”.(
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 82. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande, Rio
Grande, 3 set. 1941.). Boa parte dos livros pertencentes à biblioteca da S.U.O. encontra-se preservada no
Centro de Documentação Histórica da Universidade de Rio Grande compondo seu acervo e possibilitando
estudos acerca das leituras do operariado local.
291
MAGALHÃES, op. cit., p. 255. Em 1857 a Livraria Pelotense anunciava através do jornal local Diário do
Rio Grande, “encarregar-se de mandar vir do Rio qualquer obra, que não se encontre no lugar, quando o
freguês a procure”. Embora atuasse na sociedade rio-grandina, não tenho certeza sobre sua instalação na
cidade. (DIÁRIO DO RIO GRANDE. Rio Grande, 28 jun.1857).
292
ALVES, A Pequena..., op. cit., p. 35.
90
Da Rua ao Teatro
293
TORRESINI, Elizabeth R. Porto Alegre: dos cinemas, cafés, jornais, livrarias e praças, a capital dos
livros (1929-1948). Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre: EDIPUCRS, v. 21, n.1, p. 12, 1995. Torna-se
relevante frisar que nos Anos Trinta, a Globo apresentava-se como a mais importante editora brasileira.
294
Cf. em PIMENTEL, op. cit., p. 137, listagem dos principais jornais locais durante o século XIX, e
ALVES, A Pequena..., op. cit.
295
ALVES, A Pequena..., op. cit., p. 42-43, 44.
296
Dentre as revistas literárias, merece destaque a Corimbo (1883-1943), fundada pelas irmãs Julieta e
Revocata Heloísa de Melo. (Cf. VIEIRA, Míriam Steffen. Atuação Literária de Escritoras no Rio Grande do
Sul: Um Estudo do Periódico Corimbo: 1885-1925. Porto Alegre: UFRGS, 1997. Dissertação de Mestrado).
297
CÉSAR, Guilhermino. História da Literatura no Rio Grande do Sul: 1737-1902. Porto Alegre: Globo,
1956, p.181.
91
Da Rua ao Teatro
3.4 - BELAS-ARTES
298
(BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 41,45-46,49. O AMOLADOR. Rio Grande, 1875. n° 82, 86).
Segundo Ari Martins, Rio Grande, constituindo-se no “berço de tantos vultos de projeção na cultura gaúcha”,
desempenhou relevante papel na evolução das belas-letras no Estado. Em 1943 existiam na cidade 4
agremiações literárias. (PIMENTEL, op. cit., p. 536.). Sobre os literatos (e também os jornalistas) locais
confira: NEVES, Décio Vignolli. Vultos do Rio Grande. 2O Tomo. Rio Grande, 1987 e MARTINS, Ari.
Poetas do Rio Grande do Sul: Subsídios para a história da literatura gaúcha. In: CONGRESSO SUL-RIO-
GRANDENSE DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA, 3, Porto Alegre, 1940. Anais... Porto Alegre, Prefeitura
Municipal, 1940, v.3, p. 1389-1418.
299
Em 1889, a média de alfabetismo no país era de 28%. Conforme Love “em 1872 o Rio Grande do Sul era
a terceira Província entre as demais, na taxa de alfabetizados (21,9% em todas as idades) e, em 1891 tinha
galgado o primeiro lugar.” (LOVE, op. cit., p. 21.) Em 1920 o índice de alfabetização do Estado era o maior
do país, 38,8%, seguido por São Paulo com 29%.
92
Da Rua ao Teatro
promoção das artes e ciências no âmbito das instituições reais”.300 A Missão Francesa
introduziu o ensino artístico acadêmico, apregoando a substituição da pompa e dos
exageros ornamentais do barroco, pelo refinamento e disciplina do neoclassicismo e seus
ideais de beleza perfeita.301
À uma tradição francófila já percebida no período colonial somou-se às
preferências da novel Corte carioca de D. João, dando a base para a formação do
“esplêndido edifício da cultura material francesa no Brasil do século XIX, um edifício
constantemente renovado pelos comerciantes e artesãos franceses imigrados e pelas longas
férias parisienses da elite”. 302 Na segunda metade do Oitocentos, o esplendor da Corte de
Napoleão III serviu para reforçar a admiração pela França. Mais tarde, em nossa Primeira
República, “a chamada Belle Époque levaria o afrancesamento da cultura brasileira a seu
paroxismo, atingindo expressões quase caricaturescas”.303
Já nas primeiras décadas do século XIX, a pequena burguesia brasileira
tornou-se a responsável pela transplantação das ideologias e valores estéticos oriundos do
avanço burguês na Europa Ocidental. Nesse segmento social, a cultura encontrou clima e
se desenvolveu. Nele, recrutavam-se os letrados, os funcionários, os religiosos, todos
aqueles que necessitavam de conhecimentos – quase sempre em escala rudimentar – e que
tinham receptividade, em parte, para as manifestações artísticas, a que a vida urbana em
desenvolvimento proporcionava condições iniciais de existência. A vida artística e cultural
do país estimulava-se com os novos ares.304
Em 1826 instalou-se no Rio de Janeiro a Academia Imperial de Belas-Artes,
núcleo irradiador das tendências neoclássicas que estenderam-se pelo Brasil ao longo do
século.
Durante o Dezenove o aprendizado das belas-artes em Rio Grande
(destacando-se o do desenho e da pintura), realizava-se através de aulas particulares ou
oferecidas por sociedades, ministradas por mestres estrangeiros. Todavia, em 1846
instalou-se na cidade a primeira escola ou aula pública de Desenho da Província. Seu
instrutor era o artista francês Edouard Timoleon Zalony (nomeado também para o ensino
de Língua Francesa e Geografia) - afamado “retratista a esfuminho e pintor a óleo sobre
vidro” - que, anteriormente, lecionara na Corte.305 Em 1854 o referido artista ensinava,
gratuitamente, desenho aos sócios da Sociedade Instrução e Recreio, por ele idealizada.306
Mais tarde, o ensino das artes plásticas passaria a compor o currículo tanto dos colégios
particulares quanto dos públicos.
Sobretudo a partir da segunda metade do Oitocentos muitos foram os artistas
que se instalaram na cidade ou nela nasceram, exercendo várias atividades: professores de
desenho e pintura307; retratistas; fotógrafos; decoradores de interiores e exteriores de
300
NEEDELL, op. cit., p. 175-176.
301
LOPEZ, Luiz R. Cultura Brasileira: de 1808 ao pré-modernismo. Porto Alegre: UFRGS, 1988. p. 15-18.
302
NEEDELL, op. cit., p. 176.
303
NEEDELL, op. cit., p. 132. MORAIS, op. cit., p. 86.
304
SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese de História da Cultura Brasileira. São Paulo: DIFEL, 1983. p. 23-32.
305
SCHNEIDER, op. cit., p. 76. DAMASCENO, Athos. Artes Plásticas no Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
Globo, 1971. p. 83, 248. Damasceno revela também que, exceto em Rio Grande, não existirá na Província até
1859 nenhum curso oficial da matéria.
306
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 14. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande,
Rio Grande, 17 out. 1942.
307
Fortemente acadêmica pintava-se, sobretudo, paisagens e retratos mas também, cenas históricas e
bíblicas. As tendências vanguardistas de renovação da pintura observadas no país e no mundo, praticamente,
não fizeram eco em Rio Grande. O academicismo, a mimese, marcam todo o período estudado. Deve-se ter
93
Da Rua ao Teatro
em mente, todavia, que mesmo na Europa, até 1914 “a pintura e a escultura acadêmicas se mantinham
tranqüilamente estáveis [...] com ênfase sobre a repetição e imitação de formas, motivos e mestres artísticos
do passado”. (MAYER, op. cit., p. 217.)
308
Dentre os artistas de maior notoriedade estavam: o francês Edouard Timoleon Zalony; o espanhol
Guilherme Litran; Romualdo Gomes Magriço; Luiz Pereira da Cunha (todos em desenho e pintura);
Zequinha Koboldt e Isabel Hislop (amadores do desenho e da pintura); os Irmãos Ribeiro (escultura e
entalhe); o francês Bartholomeu Boyer (escultura em mármore); Efísio Anedda (desenho, pintura e
cenografia); os italianos Ricardo Giovannini (desenho, pintura, decoração e cenografia); Bernardo Grasseli
(pintura e cenografia) e Giovanni Falconi (decoração), Matteo Tonietti (pintura, cenografia, escultura); o
alemão Carl Emil (litografia e cenografia); o espanhol Henrique Gonzales; Thádeo de Amorim; Constantino
Alves de Amorim; Pedro Mozer (todos, em desenho e litografia). Nascidos em Rio Grande mas não residindo
nela estão Arthur Pinto da Rocha (amador do desenho e da pintura); Luiz Augusto Freitas (desenho e pintura)
e Carlos Torelly (pintura). Dentre os artistas rio-grandinos, torna-se justiça salientar o nome de Carlos
Torelly (1866-1936), cuja larga produção é de renomado valor artístico. (DAMASCENO, Artes..., op. cit.)
309
Executando os desenhos nas pedras destinados aos periódicos ilustrados - O Amolador, O Diabrete,
Maruí, Semana Ilustrada, O Bisturi ...- registrei a Litografia de Alberto Moutinho (1874) e a Litografia de
Henrique Gonzales (fins do XIX). (DAMASCENO, Artes...,op. cit., p. 558-559.)
310
AZEVEDO, op. cit., p. 470.
311
Outros artistas atuando na mesma área eram Domingos Borges, José de Oliveira Bastos e Franklin Bastos.
312
No carnaval de 1922 o préstito do Clube Arara compunha-se de sete carros alegóricos todos,
soberbamente, decorados.
94
Da Rua ao Teatro
3.5- DANÇA
313
Tardiamente, o Curso de Desenho e Pintura foi implantado em 1953 no então Conservatório de Música de
Rio Grande que, em 1954 elevado à categoria de Escola de Belas-Artes, não limitou-se mais à área musical.
Desde o primeiro ano de seu funcionamento o curso já obteve grande público registrando 30 alunos
matriculados, sendo , a partir de então oferecido de forma permanente até os dias atuais.(BITTENCOURT,
Ezio. O Conservatório de Música da Cidade de Rio Grande: 1922-1954. Rio Grande FURG, 1993.
Monografia de Graduação)
314
Várias são as esculturas espalhadas pela cidade destacado-se a produção dos artistas Teixeira Lopes
(Monumento a Bento Gonçalves); Humberto Campinelli (Monumento ao Brigadeiro José da Silva Paes e
Monumento ao Imperial Marinheiro Marcílio Dias) e Cardoso e De Angelis (Monumento ao Barão do Rio
Branco).
315
SAINT-HILAIRE, op. cit., p. 64.
95
Da Rua ao Teatro
316
ARAÚJO, op. cit., p. 313.
317
Cf. MENDES, Miriam. A Dança. São Paulo: Ática, 1985. SUCENA, Eduardo. A Dança Teatral no
Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Nacional de Artes Cênicas/Ministério da Cultura, 1988.
318
MORITZ, Paulo A. Dança. In: DAMASCENO, Athos et alii. O Teatro São na Vida Cultural do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: SEC, 1975. p.283. CORTE REAL, Antônio. Subsídios para a História da
Música no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Movimento, 1984. p. 184-192.
319
SUCENA, op. cit., p. 486,487.
320
RIO GRANDE. Rio Grande, 4 dez.1928.
321
ECHENIQUE, Guilherme. História do Teatro Sete de Abril, de Pelotas. Pelotas: Globo, 1934. p. 94.
96
Da Rua ao Teatro
3.6 - MÚSICA
Construída por D. João VI, a Capela Real, com sua orquestra, coro e cantores
italianos castrati,324 transformou-se em Capela Imperial após a Independência. O
desenvolvimento da vida urbana e o brilho dos saraus determinaram a “laicização” e o
crescimento da música no Brasil. Seguiram-se na capital do país a Sociedade Beneficente
Musical (1833), o Conservatório de Música (1847) transformado em Instituto Nacional de
Música (1890), a Filarmônica Brasileira (1841),a Academia Imperial de Música e Ópera
Nacional (1857) transformada em Ópera Lírica Nacional (1860) e outras instituições, com
destaque para o Clube Beethoven (1882).325 A Corte, enquanto sede da Monarquia,
instalada na cidade mais europeizada do país reproduzia em seus festivos salões o estilo de
vida da alta sociedade parisiense do Segundo Império francês, onde não faltava o gosto
pela música. Sob o mecenato do imperador a música profana atingiu no Brasil seu
esplendor.326 Servindo de exemplo à toda a nação, os ecos da Corte se propagavam pelos
domínios de Pedro II.
No Rio Grande do Sul, o desenvolvimento da arte musical relacionou-se,
grandemente, com a contribuição cultural dos imigrantes germânicos e italianos.
Uma das primeiras instituições musicais da Província parece ter sido a
Sociedade Musical Porto-Alegrense fundada em 1856.327 Seqüencialmente surgiram as
bandas musicais União Brasileira, Firmeza e Esperança (1866) e a Euterpe; a Sociedade
Musical Filarmônica Porto-Alegrense (1880); a Sociedade Musical Carlos Gomes (1882);
a Estudantina Porto-Alegrense (1888) e o Instituto Musical de Porto Alegre (1896)
322
DUARTE, Beatriz B. Dança, Poesia em Movimento – sua memória, através da análise histórico-fotográfica
(Rio Grande: 1940-1990). Pelotas: UFPel, 1997. p. 14. (Monografia de Especialização).
323
MORITZ, Dança, op. cit., p. 288.
324
A presença desses cantores na Corte Joanina, foi registrada com surpresa pelo francês J. Arago, em sua
obra intitulada Promenade Autour du Monde, Paris, s/d, I, p. 115. (Apud. FREYRE, Sobrados..., p. 459.)
325
AZEVEDO, op. cit., p. 454-456.
326
Nas palavras de Fernando de Azevedo “era, de fato, grande, no Império, o número de jovens que vinham
para o Rio de Janeiro ou eram enviados à Europa para fazer estudos a expensas de D. Pedro II que ao sistema
de D. João VI, - o de contratar missões artísticas e culturais para o Brasil - , preferiu sempre o de mandar os
artistas aperfeiçoar estudos no estrangeiro”. Destes estudantes, o compositor Carlos Gomes (1836-1896), foi
o que obteve maior notoriedade. (AZEVEDO, op. cit., p. 475. Cf. ANDRADE, Mário de. Compêndio de
História da Música. São Paulo: L. G. Miranda, 1936.)
327
DAMASCENO, Palco..., op. cit., p.34.
97
Da Rua ao Teatro
rebatizado de Club Haydn (1897). Na virada do século surgiu a nova Sociedade Musical
Porto-Alegrense (1900). Em 1908 foi fundado o Conservatório de Música, integrante do
Instituto Livre de Belas-Artes do Rio Grande do Sul, oferecendo cursos de Teoria Musical,
Solfejo e Canto Coral, Canto ou Instrumentos Musicais, Harmonia e Composição Musical.
Nos Anos Dez foram criados o Instituto Musical de Porto Alegre (1913) e o Instituto
Brasileiro de Piano (1917) transformado em Conservatório Mozart (1933). O decênio de
1920 presenciou a fundação da Banda Municipal de Porto Alegre (1925) e da Sociedade de
Concertos Sinfônicos (1927). Objetivando o culto da música coral e operística, surgiu em
1930 o Orfeão Rio-Grandense.328 Na Pelotas do século XIX destacavam-se, entre outras,
as sociedades musicais Club Beethoven, Euterpe e Filarmônica Pelotense, a Orquestra de
Ocarinistas Pelotenses e as bandas Lira Pelotense, União, Santa Cecília, Carlos Gomes,
Satelina, Apolo. Por iniciativa privada, fundou-se em 1918 o Conservatório de Música
daquela cidade. Em 1921 Bagé ganhou seu Conservatório de Música estabelecido por
iniciativa do Centro de Cultura Artística do Rio Grande do Sul, tendo transformado-se em
Instituto Municipal de Belas-Artes em 1937.329
∼ ∼∼
Em Rio Grande as atividades musicais apresentavam-se mais cuidadas que
as belas-artes e a dança. Ao longo do Oitocentos muitas formações são registradas atuando
em variados ambientes sociais: Banda Musical Rio-Grandense (1865), Sociedade Musical
Lira Artística (1872), Sociedade Musical Floresta Rio-Grandense (1874), a Banda do
Clube Saca-Rolhas (1887), Sociedade Musical Duas Coroas (1888), Banda Gioachino
Rossini (1890), Club Musical Carlos Gomes (fundado em 1894), Grupo Musical
Mercadante (1895).330
A imprensa local informa que em janeiro de 1902 as sociedades pelotenses
Recreio Operário e União Democrata em visita a suas co-irmãs locais foram recebidas
pelas bandas musicais Floresta Rio-Grandense, Duas Coroas, Fanfarra Garibaldi, Lira
Artística, Santa Cecília e a da União Operária. O primeiro lustro do século XX também
registrou a Estudantina do Clube Caixeiral - conjunto orquestral composto,
principalmente, por instrumentos de cordas (violões e bandolins), a Sociedade Musical
Apolo (fundadas em 1903), a Banda Musical do Círculo Pietro Mascagni (fundada em
1904) e o Grupo das Safiras: fundado em 1905 era composto por moças e objetivada dar
concertos vocais e instrumentais em residências particulares.331
Em 1920 os músicos Guilherme Halfeld Fontaínha e José Corsi fundaram
em Porto Alegre o Centro de Cultura Artística do Rio Grande do Sul, destinado a
328
Um dos importantes espaços musicais de Porto Alegre era o Auditório Araújo Viana, construído na
década de 1920, onde realizavam-se freqüentemente retretas públicas.
329
Contexto histórico elaborado a partir de: DAMASCENO, Palco..., op. cit., passim. CORTE REAL, op.
cit., passim. CARO, Herbert. Concertos e Recitais: 1900-1973. In: DAMASCENO et alii.. O Teatro..., op.
cit., p. 299-400. CALDAS, Pedro H. História do Conservatório de Música de Pelotas. Pelotas: Semeador,
1992. p. 17-26. MAGALHÃES, Mário Osório. Opulência e Cultura na Província de São Pedro do Rio
Grande do Sul: um estudo sobre a história de Pelotas. Pelotas: UFPel/Livraria mundial, 1993. p. 155.
ROCHA, Cândida I. Madruga da. Um Século de Música Erudita em Pelotas: 1827-1927. Porto Alegre:
PUCRS, 1979. (Dissertação de Mestrado).
330
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., passim. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande,
Rio Grande, jan.1941–dez.1950.
331
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., passim. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande,
Rio Grande, jan.1941–dez.1950.
98
Da Rua ao Teatro
incrementar o interesse pela arte musical por meio da criação de conservatórios de música
no interior do Estado e a promoção de concertos e recitais realizados por artistas nacionais
e internacionais de renome. Já em 1921 a instituição tinha patrocinado a instalação de seis
escolas “guiadas com carinho, regidas pelos mais severos processos didáticos,
constituindo-se em cada localidade, em verdadeiros centros de cultura musical.”332
Desta iniciativa decorreu a fundação do Conservatório de Música de Rio
Grande, instalado no pavimento superior do amplo edifício que abrigava o Clube
Beneficente de Senhoras, situado à rua Carlos Gomes, n.o 585 que, arrendado à
Municipalidade, sofreu diversas adaptações às novas necessidades.333 Sua inauguração
deu-se em 1o de abril de 1922, com um concerto de apresentação dos professores da novel
instituição: o violinista Siemed Marra acompanhado ao piano por Alice Brito; o pianista
Tasso Corrêa e o cantor Andino Abreu, aos quais a “assistência aplaudiu, com vivo
entusiasmo.”334
Subvencionada pela Intendência Municipal a escola era “mantida e dirigida
pelo Centro de Cultura Artística, tendo por fim a difusão de uma verdadeira cultura
musical, acessível à mocidade e o preparo de candidatos a exames e ao professorado,
formando bons musicistas e elevando o diletantismo musical a um nível de perfeição tanto
quanto possível.”335 A direção do conservatório ficou sob a responsabilidade do professor
Tasso Bolívar Dias Corrêa até 1923 quando assumiu o cargo o professor Heitor Figueira
de Lemos (1924-1950).336
FOTO 13 – Cartão postal apresentando o edifício do Conservatório de Música de Rio Grande, na década de
1920. Editora Pitombo Lima. Atualmente, a pomposa parte superior deste frontispício eclético encontra-se
completamente descaracterizada, pouco dela restando.
Extraído de: BITTENCOURT, Ezio. O Conservatório de Música da Cidade de Rio Grande: 1922-1954. Rio
Grande: FURG, 1993. p. 8. (Monografia de Graduação)
332
Transcrição do jornal Correio do Povo, de Porto Alegre reproduzido no Jornal Rio Grande, de Rio
Grande em 25 de outubro de 1921. CORTE REAL, op. cit., p. 294.
333
RIO GRANDE, Rio Grande, 19 jan. 1922.
334
ATA da sessão solene de inauguração do Conservatório de Música de Rio Grande em 1o de abril de 1922.
335
RIO GRANDE. Rio Grande, 11 jan. 1922.
336
BITTENCOURT, O Conservatório..., op. cit.
99
Da Rua ao Teatro
TABELA 3
GRÁFICO 1 - Efetivo de matrículas de alunos do Conservatório de Música de Rio Grande. Por curso. Década
de 1920.
Extraído de: BITTENCOURT, O Conservatório..., op. cit., p. 15.
GRÁFICO 2 - Efetivo de matrículas de alunos do Conservatório de Música de Rio Grande. Por curso. Década
de 1930.
Extraído de: BITTENCOURT, O Conservatório..., op. cit., p. 15.
337
Ibid. Este levantamento foi realizado a partir de uma pesquisa direta nas atas de matrículas dos alunos da
escola, estendendo-se até o ano de 1954.
338
É interessante notar que o canto masculino só foi desenvolvido no Conservatório durante a década de
1940, entre os anos de 1944 e 1948 contando com 11 alunos, estando cerca de 70% destes entre os 15-19
anos, 20% entre os 10-14 anos e 10% entre os 25-29 anos de idade. (Cf. BITTENCOURT, O
Conservatório... , op. cit., p.12.)
100
Da Rua ao Teatro
339
O desenvolvimento da técnica e dos meios de comunicação de massa promoveu uma estandartização da
cultura, que intensificou-se após a Segunda Guerra Mundial, divulgando a chamada mass culture. (Cf.
SODRÉ, op. cit., p. 63,64,70,75).
340
O aprendizado do piano tornava-se um indicador de status. Visto como um dos símbolos materiais da
elevação cultural, a aquisição do instrumento e sua entronação na sala de visitas constituía-se numa prática
corrente entre os mais prósperos. Ao piano, as moças burguesas exibiam-se nos saraus executando melodias
românticas e “civilizadas” de Chopin, Schumann e outros compositores europeus.
341
DAMASCENO, Artes..., op. cit., p. 282-283.
101
Da Rua ao Teatro
~~~
342
A expressão “Entre-Guerras” é utilizada para nomear o período existente entre a Primeira e a Segunda
Guerra Mundial. Freqüentemente, referencia, também as décadas de 1920 e 1930.
343
É justamente a partir de 1932, quando o governo permite a veiculação de propagandas no rádio que este,
voltando-se para um público mais amplo, passou a dar especial atenção a música popular brasileira:
notadamente ao samba e a marcha. Nesse quadro ascendeu a Rádio Nacional que, em 1940 encampada pelo
Estado Novo, passou a servir-lhe de meio de publicidade. No mesmo ano foi criado o Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP) promovendo o governo e controlando, através de rígida censura, toda a
imprensa e os meios de comunicação em geral.
344
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., p. 113. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande,
Rio Grande, 3 dez. 1945.
345
Um dos mais antigos professores de música da cidade foi o espanhol Miguel Ravassa (1804-1874). O
século XIX também registrou os nomes do professor Bernardino de Barros (1833, na regência da orquestra
do Teatro Sete de Setembro); professor de flauta Acilles Malavassi (1855), dos maestros José Maria Gomes
(1856), Cardim (1862, na regência da orquestra do Sete de Setembro), Giuseppe Vignoli (radicado na cidade
em 1865, aqui faleceu em 1892), do professor de violino Eduardo Cavalcanti e de outros mais. (M.P.F.J.
Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande, Rio Grande, 21 abr. 1944; 29 jul. 1942; 2 mar. 1945; 20 nov.
e 30 ago. 1943.). Os prospectos informativos dos vários espaços teatrais existentes na cidade no período de
1920 a 1940 revelam muitos nomes observados na regência de orquestras e conjuntos musicais atuando
nestes ambientes: Mário Silva (1920); Eloy Celis (1920); Lili Schmidt Tavares (1922, na orquestra do Cine-
Teatro Guarani); Humberto Casella (1928, na regência da orquestra do Politeama Rio-Grandense); Adolfo
Corrêa (1930); Ângelo Tagnin (1930, na regência da orquestra do Teatro Sete de Setembro); Rafael Mugica
(1932); Manoel Mendes (1932); Maciel Gomes da Silva (1932, na orquestra Estrela do Sul); José Dias de
Souza (1932, na orquestra do Grêmio Lírico Dramático Guarani); Arlindo Ávila (1933, regendo o Choro
Liberal); Adélia Piragine (1935, na regência da orquestra da Troupe Beira-Mar) e seu filho Luiz Nélson, o
conhecido “Maestro Piragine” (1935, na regência do Jazz de Ouro); Andercídio Faria (1935, na regência do
Jazz Sem Rival); Henrique Pires (1939, na regência do Jazz Namorados da Lua); Eduardo Gordilho; Clarício
Silva; Antônio Gomes; etc. (COLEÇÃO de Prospectos de Espaços Teatrais. Arquivo Coriolano Benício.
Centro de Documentação Histórica Prof. Hugo Neves. Universidade do Rio Grande, Rio Grande.)
346
O maestro italiano José Faini dedicou-se ao ensino da música em aulas particulares e no Conservatório de
Música. Deixou-nos vasta obra musical em que se contam peças para canto, violino, piano, corais, música de
câmara (trios, quartetos, e quintetos) e quatro missas solenes para coro e orquestra. É autor da música do hino
da Cidade do Rio Grande.
347
Um dos maiores intelectuais rio-grandinos foi professor, historiador, conferencista, poeta, jornalista,
cronista, teatrólogo e musicólogo. Lecionou por anos violino, bandolim, teoria e solfejo, realizando com seus
102
Da Rua ao Teatro
professora Valeska Inah Emil Martensen349, por suas produções artísticas e, sobretudo,
pelos valiosos serviços prestados em prol do desenvolvimento cultural da cidade,
notadamente na organização de vários espetáculos públicos com os talentos locais.
FOTO 14 – Concerto local realizado em dezembro de 1927 no Cine-Teatro Carlos Gomes, em benefício da
Santa Casa de Rio Grande. Cenários de Bastos Guerra. No palco, o Coro das Fiandeiras, da ópera Navio
Fantasma, de Wagner. Da esquerda para a direita: Inah Emil Martensen, Merguerite Barcelane, Hortência
Llopart, Olga Levinsohn, Irene Kraft, Nair Nobre, Ercília Tavares, Suzana Klinger, Marina Ennes, Alice
Llopart e Stella Cramer.
Extraído de: Fototeca do Centro Municipal de Cultura “Inah Emil Martensen”. Rio Grande.
3.6 - DRAMATURGIA
alunos diversas audições públicas em teatros e clubes. Em seu legado musical destacam-se várias obras:
hinos; peças religiosas; composições para piano e violino; músicas para revistas teatrais, operetas (Eva, Amor
de Príncipe, Geise, I Gramatieri e Mimi, de Iráclito Dias e Pecado de Luizinha, de Frederico Carlos de
Andrade); canções sertanejas; polcas para bandas musicais; mazurcas para instrumentos de sopro e percusão,
etc. (NEVES, Vultos..., op. cti., p. 49-50.)
348
Maestro, compositor e músico da cidade foi autor da letra e música de várias operetas: Amor de Gaúcho,
A Cruz da Estrada, Mexicanos e Fuzileiros, No tempo da Flora, Visão de Glória.(MARTINS, Ari. Os
Nossos Autores Dramáticos. In: CONGRESSO SUL-RIO-GRANDENSE DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA,
3, Porto Alegre, 1940. Anais... Porto Alegre, Prefeitura Municipal, 1940, v.3, p. 1430.)
349
Professora de canto, foi grande incentivadora do teatro lírico local organizando a montagem de várias
óperas e operetas com suas alunas (O Navio Fantasma, Madame Butterfly, Aída, etc.), assim como concertos
e recitais com repertório clássico e popular.
350
Segundo Damasceno, embora existissem na capital da Província alguns conjuntos teatrais amadoristas
como o Grupo do Teatrinho Particular que atuava na Casa da Ópera (1794-1835) e os Ginásio Dramático e
Teatral Rio-Grandense representando no palco do Teatro D. Pedro II (1838-1857) foi somente com o
estímulo da inauguração do Teatro São Pedro (1858) que “sucessivas sociedades dramáticas particulares
começarão a organizar-se entre nós, dessa feita com todas as possibilidades de vingar, como de fato
vingariam. A primeira delas - a Sociedade Dramática Particular Ginásio do Comércio, data de meados de
1866 [...].” Entre as várias sociedades dramáticas particulares registradas pelo autor em Porto Alegre no
século XIX destacam-se por sua longa periodicidade: a S.D.P. Luso-Brasileira (fundada em 1874); S.D.P.
União Militar (fundada em 1876) e a S.D.P. Filhos de Talia (fundada em 1886). (DAMASCENO, Athos. O
Teatro São Pedro e as Sociedades Dramáticas Particulares da Cidade no Século XIX. In: _______. et alii.
Op. cit., p. 27-45.)
103
Da Rua ao Teatro
Em Pelotas salientavam-se “as rivais sociedades conterrâneas Discípulos de Melpômene e Filhos de Talia.”
(ECHENIQUE, op. cit., p. 70.).
351
SANMARTIN, Olyntho. O Teatro em Porto Alegre no Século XIX. In: Congresso Sul-Rio-Grandense de
História e Geografia, 3, Porto Alegre, 1940. Separata dos Anais... Porto Alegre. Prefeitura Municipal, 1940.
p. 55.
104
Da Rua ao Teatro
Nos Anos Vinte e nos Trinta além dos antigos grêmios, observo:
352
Informações obtidas em: MONTEIRO, Antenor. Coisas de Teatro - I, II e III. Jornal Rio Grande. Rio
Grande, 19, 21 e 24 ago.1946 e BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., passim. M.P.F.J. Fatos e Coisas de
Antanho. Jornal Rio Grande. Rio Grande, jan.1941-dez.1950.
353
BITTENCOURT, Elementos..., op. cit., passim. M.P.F.J. Fatos e Coisas de Antanho. Jornal Rio Grande.
Rio Grande, jan.1941-dez.1950.
105
Da Rua ao Teatro
354
Informações obtidas, sobretudo em COLEÇÃO de Prospectos, op. cit.
355
ECO DO SUL. Rio Grande, 14 abr. 1902.
356
Desse montante, somente 14 peças restam, preservadas no Centro de Documentação Histórica, da
Universidade de Rio Grande, e que possibilita análises sobre as temáticas e as abordagens de assuntos de
interesse do operariado rio-grandino. Todas são manuscritos sendo, transcrições de peças ou criações dos
próprios associados. Duas peças não possuem título, as outras denominam-se: Helena, Os Escravos, Morto
Vivo, Os Salteadores da Floresta Negra, Um Mistério de Família, O Poder do Ouro, Divino Perfume, O
José do Telhado, O Empedido do Coronel, Afonso o Operário, Os 20 Botões e Adélia Carré. (PEÇAS
teatrais. Arquivo da Sociedade União Operária. CDH -URG. Rio Grande.)
106
Da Rua ao Teatro
Operária com a peça intitulada Amor Louco e a revista de um ato, Você Vai..., de autoria
de Benício.
FOTO 15 – Integrantes da Companhia Lírico Dramática Guarani. Cenários Bastos Guerra. S.d.
Extraído de: Centro de Documentação Histórica “Prof. Hugo Neves”. Universidade do Rio Grande. Rio
Grande.
∼ ∼∼
Assim deve ser entendido o elevado número de dramaturgos nascidos em Rio
Grande ou que nela residiram, contribuindo para o desenvolvimento das letras cênicas no
Rio Grande do Sul. Compõem a importante lista os nomes de: Manoel José da Silva
Bastos (1825-1861)357, Bernardo Taveira Júnior (1836-1892)358, Apolinário Porto Alegre
(1844-1904)359, Luís Canarin Júnior (1847-1917)360, Artur Rodrigues da Rocha (1859-
1880)361, Revocata Heloísa de Melo (1860-1945)362, Artur Pinto da Rocha (1862-1930)363,
357
Obras: O Castelo de Openheim ou O Tribunal Secreto (1850, drama), A Veneziana em Paris
(1850,drama), A Madrasta (1852,drama), Procurador Zacarias (1852,comédia), Quem Pensa Não Casa
(1856, comédia musicada), Os Brilhantes de Minha Mulher (1857, drama), Um Testamento Falso (1857,
drama), O Primo do Diabo (1858, drama), A Filha do Pescador (1858, comédia), Recordações da Juventude
(1858,comédia), Exemplo de Honra (1858, drama), O Louco do Ceará (1859, drama), Os dois Gêmeos
(1859, comédia), Soldado Martins ou O Bravo de Caceres (1859, drama), Apuros de Uma Noiva (1859,
comédia), Quem Porfia Mata Caça (1860, comédia), Os Homens de Honra (1861, drama). (NEVES,
Vultos...,op. cit., p. 154. MONTEIRO, Antenor. Manoel José da Silva Bastos: Um Dramaturgo Rio-
Grandense. In: Anais..., op. cit., p. 1117-1126.)
358
Obras: Coração e Dever (1862, drama), O Guarda-Livros (1865, drama), A Atriz (1868, drama), Anjo da
Solidão (1869, drama), A Virtude (1869, drama), O Voluntário (1869, drama), Heroísmo Feminino ou Joana
D’Arc Brasileira (1870, drama), Anjo Caído , Celina, Luíza (1870, dramas), A Soberba, Um Usuário.
(NEVES, Vultos...,op. cit., p. 88. MARTINS, Ari. Os Nossos Autores Dramáticos. In: Anais... op. cit., p.
1421.)
359
Obras: Triunfo da Esquadra Brasileira (1865, drama), Caim e Jafet (1868, drama), Sensitiva (1873,
drama), Mulheres (1873, comédia), Os Filhos da Desgraça, Ladrões da Honra (dramas), Iriena, Tobis,
Epidemia Política, Benedito (comédias).(NEVES, Vultos...,op. cit., p. 68. MARTINS, Os Nossos..., op. cit.,
p. 1421.)
360
Obras: O Hóspede (1887, drama), Aspirações Galináceas (1892, fantasia musicada por Hermínio de
Moraes).(NEVES, Vultos...,op. cit., p. 148.)
361
Obras: O Filho Bastardo (1875, drama), Anjo do Sacrifício (1875,drama), Marido Por Meia Hora (1875,
comédia), Esquecido (1877, comédia), José o Distraído (1878, drama), A Procura de Musas (1880, comédia
em parceria com João Moreira), Os Filhos da Viúva (1882, drama), Deus e a Natureza (1882, drama), A
Filha da Escrava (1883, drama), Não Faças aos Outros... (1885, comédia), Não Peças aos Outros (1885,
comédia), Lutar e Vencer (1887, drama), Casamento em Concurso (1887, comédia). (NEVES, Vultos...,op.
cit., p. 85-86. MARTINS, Os Nossos..., op. cit., p. 1424-1425.)
107
Da Rua ao Teatro
∼ ∼∼
362
Obras: Grinalda de Noiva, Mário (1902) e Coração de Mãe (dramas em parceria com sua irmã Julieta de
Melo Monteiro) (NEVES, Vultos...,op. cit., p. 170. MARTINS, Os Nossos..., op. cit., p. 1426.)
363
Obras: O Dote da Enjeitada (1885, drama em parceria com Júlio Martins), A Farsa (1903, drama),
Serenata das Flores (1904, drama), Talita (1906, drama), Visões de Colombo (1908, poema dramático), Ave
Maria (1916, drama), A Estátua (1918, drama), O Dilema (1919, drama), Entre Dois Berços (1919, drama),
Sonho de Zagala (drama em versos), O Divórcio (drama), Copo (drama), Guiomar e Samaria (drama em
versos), Vanessa (drama em versos), Contrastes (drama em versos), Sorte Grande (comédia), O Vagabundo
(comédia),O Esqueleto (comédia), A Padeira de Aljubarrota. (NEVES, Vultos...,op. cit., p. 82. MARTINS,
Os Nossos..., op. cit., p. 1426.)
364
Obras: Além das supracitadas em parceria com sua irmã Revocata, compôs Noivado no Céu (1899,
drama), Segredo de Marcial (1900, drama). (NEVES, Vultos...,op. cit., p. 144. MARTINS, Os Nossos..., op.
cit., p. 1426.)
365
Obras: Grito de Consciência (1895, drama), O Diabo na Beócia (1896, revista em parceria com Sílio
Bocanera Júnior), A Fror da Arta Sociedade (1897, comédia de costumes), O Meio do Mundo (1898,
revista), O Reino do Bicho (1899, revista em parceria com Sílio Bocanera Júnior), Violão na Ponta (1900,
burleta regional), As Areias do Prado (1901, revista), A Batalha dos Pássaros (1902, revista em parceria
com Sílio Bocanera Júnior), Escritores em Pena (1902, burleta), Adélia Carré (1903, drama). (NEVES,
Vultos...,op. cit., p.39.)
366
Sob o pseudônimo de “Mário de Artagão”, escreveu: Janina, Feras à Solta, O Grande Exilado, A Taça.
(MARTINS, Os Nossos..., op. cit., p. 1426.)
367
Obras: O Preconceito (drama), Procurando Noiva (comédia), Aniversário de Lili (opereta), Maria Rosa
(drama), Me Avisa na Véspera (revista). (NEVES, Vultos...,op. cit., p.49.)
368
Obras: Clélia (1904, drama), Os Pombos (1906, drama), A Denúncia do Luar (1909, drama), Sangue
(1911, drama), Aguaceiro (1912, comédia), Tá na Hora (1914, comédia), Fim de Baile (1916, comédia),
Ânsias de Poeta (1917, comédia em versos), Pecado de Luizinha (1918, comédia em versos), Stá na Hora
(1916, burleta). (NEVES, Vultos...,op. cit., p.126. O TEMPO. Rio Grande, 16 abr.1940.)
369
Obras: Apostolado da Liberdade (1901, drama), Elenora (1903, drama), O Vigário de Monteli (1904,
drama), Jacques (1905, drama), Celibatários (1910, drama), O Diabo (1914, drama), Ódio Velho (1915,
drama). (NEVES, Vultos...,op. cit., p.133.)
370
Obras: Nada (1937, comédia), Iaiá Boneca (1938, comédia), Sinha Moça Chorou (1940, drama) e outras
obras no decênio de 1950. (NEVES, Vultos...,op. cit., p. 120. MARTINS, Os Nossos..., op. cit., p. 1429.)
371
Obras: A Cavalgada dos Farrapos, Boa Alma, Eterna Chama, O Sinhô, O Dragão, Estrada Sombria ,
Dor D’Alma , A Verdade, Nossa Senhora de Joelhos, Triaga, Amor de Apache (dramas), Trigre na Gaiola,
Amigo é Amigo, Uma Escola na Roça (comédias). (NEVES, Vultos...,op. cit., p. 55.)
372
Obras: Uma Viagem no Inferno (1940) e várias outras peças nos decênios de 1940 e 1950. (NEVES,
Vultos...,op. cit., p. 78.)
373
Obras: Solar dos Alvarengas (1937, novela radiofônica), Recordar é Viver (1939, comédia) e grande
produção teatral nas décadas posteriores. (NEVES, Vultos...,op. cit., p. 118.)
374
Obras: Ride Palhaço, Nós Somos da Pária Amada (comédias). (NEVES, Vultos...,op. cit., p. 200.)
375
Obras: A Greve, René, Mostrando o Caminho.
376
Obras: Almas Farroupilha, Mocidade. (MARTINS, Os Nossos..., op. cit., p. 1431.)
377
Obras: O Perdão da Órfã, Almas Opostas, Para Sua Felicidade. (MARTINS, Os Nossos..., op. cit., p.
1430.)
108
Da Rua ao Teatro
378
PIMENTEL, op. cit., p. 536.
109
Da Rua ao Teatro
__________ 4 __________
O ESPAÇO TEATRAL:
SEUS USOS, IMAGENS & SIGNIFICADOS
379
GASKELL, Ivan. História das Imagens. In: BURKE, Peter. (Org.). A Escrita da História. São Paulo:
UNESP, 1992. p.267.
380
CARDOSO, Ciro F.; MAUAD, Ana M. História e Imagem: Os Exemplos da Fotografia e do Cinema. In:
CARDOSO, Ciro F. & VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia.
Rio de Janeiro: Campus, 1997. p.406.
381
Ibid., p.406-407.
110
Da Rua ao Teatro
de criação de uma memória que deve promover tanto a legitimação de uma determinada
escolha quanto, por outro lado, o esquecimento de todas as outras”.382
As imagens visuais uma vez historicamente contextualizadas possibilitam a
obtenção das mais variadas informações sobre as antigas sociedades. Para tanto, a análise
deve ir além da pura visibilidade, buscando seu significado mais amplo.
As fotografias de época revelam o passado capturado através de imagens
instantâneas, variavelmente fortuitas, impregnadas do Esprit du Temps, plenas de
significações culturais. Ao trabalharmos com imagens fotográficas não podemos deixar de
ter sempre em mente que elas não são “transparências” do passado nem registros
imparciais da realidade. A idéia do “olho inocente” não é mais defensável. A câmera é
sempre uma presença intrusa e o fotógrafo um elemento participante. É importante termos
igualmente consciência de que as imagens revelam, mas também ocultam elementos, daí
sua ambigüidade, riqueza e fragilidade.383
Apresentando-se como importante fonte de pesquisa, a fotografia deve ser
entendida como imagem visual das coisas registradas, uma ilusão do real, não o real. Seu
poder de convencimento advém muito mais de sua forte eloqüência do que de sua
veracidade. A imagem visual vale-se de uma linguagem diferente das coisas e figuras que
evoca, pois ela não é a coisa representada, mas a utiliza para falar de outras coisas.
Os espaços teatrais focalizados através das visões dos fotógrafos apresentam
múltiplos ângulos e inúmeras leituras: podem ser analisados como espaços produtivos da
cidade, como espaços de sociabilidades, como espaços de civilidade, como espaços
artístico-culturais, como espaços em constantes transformações... Assim apreendida a
fotografia possibilita ver aquilo que não é apenas do domínio do olhar, mas de outros
domínios.
Consciente da importância e implicações da utilização das imagens visuais
no fazer historiográfico, este estudo pretende-se uma análise iconológica.384 Para tanto,
utilizei como fontes primárias, gravura, fotografias e textos literários de época e
depoimentos orais, somados a bibliografia especializada para reconstituir
arquitetonicamente os espaços teatrais existentes em Rio Grande (do final do século XVIII
até a década de 1930) percebendo os significados de suas concepções físicas e estéticas.
Foi somente através da utilização de imagens e relatos que viabilizou-se esse resgate quase
que arqueológico, uma vez que, assim como grande parte do passado arquitetônico da
cidade, os espaços teatrais aqui enfocados atualmente só existem na memória dos mais
antigos, em celulose ou em material fotográfico.385
382
Ibid., p.407.
383
KOSSOY, Boris. Fotografia e História. São Paulo: Ática, 1989. p. 27.
384
Cf. PANOFSKY, Erwin. Significados nas Artes Visuais. São Paulo: Perspectiva, 1977. p. 47-87. PANSO,
Évelyne. L’iconographie et L’iconologie. In: L’Art. Paris: Larousse, 1977.
385
A inexistência de plantas arquitetônicas dessas construções colabora também para a dificuldade da
pesquisa.
111
Da Rua ao Teatro
adquirindo vários significados. Dentre eles o que me interessa nesse momento é o sentido
de espaço arquitetônico destinado à teatralização.
Entendido como condição tipicamente urbana de civilização, um espaço
teatral é um local social onde se desenvolvem atividades cênicas, notadamente, artísticas
e/ou culturais, perante indivíduos voluntariamente reunidos.
Este espaço pode ser teatral desde sua origem, possuindo especificamente a
função de albergar apresentações cênicas (como por exemplo as Casas da Ópera do século
XVIII e os teatros oitocentistas); pode ter sido originalmente teatral, contudo, com o
advento do cinematógrafo adaptou-se à nova arte mas manteve suas atividades cênicas (um
exemplo são os teatros oitocentistas que transformaram-se na prática em Cine-Teatros);
pode ser concebido para espetáculos cênicos e também cinematográficos (exemplifico com
os Cine -Teatros que popularizaram-se nas primeiras décadas do século XX); pode possuir
múltiplas funções, dentre elas a cênica (cito as sociedades recreativas que, muito
comumente durante o século passado e até as primeiras décadas do XX, possuíam em seu
salão de festas um pequeno palco fixo) e pode, outrossim, ser improvisado, destinado em
princípio à outras funções mas, temporariamente, teatralizado por exigência de um
espetáculo (por exemplo tomo um átrio de uma igreja ou uma praça). Além desses, outras
tipificações de espaços teatrais, embora menos freqüentes, encontram registro.
Valendo-se de uma estrutura, antes de tudo, arquitetônica os espaços teatrais
estão intimamente relacionados com a arte de construir.
No dizer de Gillo Dorfles:
Dessa relação surge a gênese dos diferentes espaços teatrais com suas
infinitas e específicas exigências e atributos arquitetônicos.
Todo espaço destinado à teatralização resulta da concepção das relações que
serão estabelecidas entre os artistas que ocupam a área cênica e o público que preenche o
espaço destinado aos espectadores.
Analisando especificamente concepções arquitetônicas de teatros, Gilles
Girard, Réal Ouellet e Claude Rigault apoiando-se nas idéias de Etienne Souriau
distinguem, basicamente, dois “processos”, dois tipos de espaços: o cubo e a esfera.387
O cubo, corresponde aos teatros de influência italiana. Assenta-se no
princípio de uma nítida separação entre palco e sala; é o frente a frente de dois locais
386
DORFLES, op. cit., p.186-187.
387
Cf. SOURIAU, Etienne. Le Cube et la Sphère. In: Architecture et Dramaturgie. Paris: Flammarion, 1950.
p.63-83.
112
Da Rua ao Teatro
apartados pela ribalta. A Sala dos Espectadores nestas construções apresentam frisas,
camarotes, galerias, balcões, etc. que, segundo Gilles Girard:
388
GIRARD, Gilles et alii. O Universo do Teatro. Coimbra: Almedina, 1980. p.129-130.
389
Designação de teatro cujo palco ocupa uma posição central, quer ele seja na realidade circular ou não.
390
FRANCASTEL, Pierre. A Realidade Figurativa. São Paulo: Perspectiva, 1973. p.4.
391
ARGAN, Giulio C. História da Arte Como História da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p.37.
392
ARGAN, Giulio C. Arquitetura e Cultura. Arquitetura e Urbanismo. n.41, p.66, abr./maio 1992.
113
Da Rua ao Teatro
393
FERRARA, Lucrécia. Leitura Sem Palavras. São Paulo: Ática, 1986,.p.21.
394
BITTENCOURT, Ezio. Apontamentos Sobre o Movimento Teatral em Rio Grande no Século XIX.
Biblos. Rio Grande: FURG, v.8, p. 135, 1996.
*
O significado dos termos empregados na descrição arquitetônica dos edifícios aqui abordados podem ser
obtidos no glossário que compõe este estudo.
114
Da Rua ao Teatro
política, da moral, do amor, do zelo e da fidelidade, com que devem servir aos soberanos,
e por isso não só são permitidos como necessários.”395
Nos últimos anos do século XVIII, precisamente em 1794, Porto Alegre,
então já sede da Capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul, ganhou seu primeiro teatro
denominado de Casa da Comédia: “um prédio adaptado às necessidades de uma casa de tal
gênero” com lotação de 400 lugares.396
Athos Damasceno informa que:
395
OLIVEIRA, Waldemar de. O Teatro Brasileiro. Salvador: Universidade da Bahia, 1958. p.16.
396
SANMARTIN, op. cit., p. 41-42.
397
DAMASCENO, Palco...,.op. cit., p.3-4.
398
Ibid. Expressão do autor.
399
ALMEIDA, Manuel Lopes de. Notícia Histórica de Portugal e Brasil. Coimbra: Universidade de
Coimbra, 1964. v..2, p.278-280.
400
LUCCOCK, op. cit., p.22-23. Antenor Monteiro em seu artigo Coisas de Teatro (Jornal Rio Grande, 19
ago.1946) diz que Luccock teria encontrado “as ruínas de um teatro de madeira, o São Pedro”, entretanto, o
que o viajante inglês escreve é que observou “as ruínas de uma construção de madeira, outrora o Teatro de S.
Pedro”. O S. Pedro a que se refere Luccock é a Vila do Rio Grande de São Pedro e não o nome do teatro. Do
mesmo equívoco compartilha Maria Luiza Queiroz ao mencionar o “arruinado Teatro São Pedro”.
(QUEIROZ, A Vila..., op. cit., p.157.)
115
Da Rua ao Teatro
Casas da Ópera percebidas neste período em importantes cidades de várias regiões do país
e da Região Platina.401
Na ata da Câmara de 13 de de fevereiro de 1822, consta que “concedeu-se
licença a Luiz Ferran , mestre de música do Batalhão de Infantaria e Artilharia desta vila
para estabelecer um teatro para divertimento público [...]”.402 Nesse mesmo ano, no mês de
maio, o então príncipe-regente D. Pedro assinou um alvará no qual reconhecia que os
teatros “podiam concorrer, mui eficazmente, para reformar os costumes e aperfeiçoar a
civilização”.403
Em 1829, um ofício da Comandância Militar da Vila do Rio Grande relata
que “em teatro particular se pôs em cena, à noite, uma peça”404 em comemoração ao
aniversário do Imperador D. Pedro I; teria sido representada por oficiais do Batalhão 17 e
por algumas outras pessoas.
Em 17 de setembro de 1830, a Câmara recebeu um ofício do Presidente da
Província com uma Portaria de 21 de julho “sobre não consentir-se representação de peças
teatrais que ofendam as autoridades”.405
Durante a sessão da Câmara de 14 de outubro de 1830 o vereador suplente
José Antônio Gonçalves Cardoso requeriu que o também suplente Manoel Pereira Bastos
fosse multado “por não ser verdadeira a alegação de moléstia para não assistir às sessões,
pois foi visto no dia 12 na Casa da Ópera406, enquanto ela [a peça] durou ”.407
116
Da Rua ao Teatro
Nós não podemos deixar de manifestar o nosso prazer por ver nesta
vila um teatro ereto por uma sociedade composta de cidadãos que não
pouparam trabalho e despesas para sua conclusão; o qual servirá de
escola para se aprender os bons costumes, aumentar a civilização, e
para se festejar os Dias Nacionais e as nossas belas instituições.
408
MONTEIRO, Rebuscos... op. cit., passim.
409
Vigário da Matriz de São Pedro este religioso é citado nas anotações de viagem do naturalista francês
Auguste de Saint-Hilaire quando esteve na cidade em 1820. (SAINT-HILAIRE, op. cit., p. 62.)
410
Embora não se tenha efetivado à época a construção de um teatro na Capital da Província, a sociedade
porto-alegrense também preocupava-se com este benefício. Em 1833 um grupo de endinheirados cidadão
endereçou um pedido de doação de terreno ao governador, Sr. Manoel Antônio Galvão, objetivando nele
erguer uma casa de espetáculos. Nesta petição a imagem do teatro, visto como um instrumento de promoção
da civilização também se faz presente. Reproduzo aqui parte deste documento: “São os teatros daqueles
estabelecimentos dignos de atenção dos governos, porque servindo de recreio e de escola da moral pública,
cooperam para a civilização dos povos vindo por esta forma a lucrar o todo da sociedade e grande parte o
mesmo governo, pois que destraído, o povo se afasta de matérias perniciosas nas quais o precipita a
ociosidade: as nações civilizadas tem conhecido tanto esta verdade que, ainda em tempos convulsivos,
fizeram objeto de sua política os divertimentos públicos, levando-os ao maior auge de grandeza [...]”. (Apud.
DAMASCENO, Palco..., op. cit., p. 44)
411
O NOTICIADOR. Rio Grande, 7 dez. 1833.
117
Da Rua ao Teatro
janelas guarnecidas exteriormente com grades de ferro. A planta interior era elíptica,
continha três ordens de camarotes em número de sessenta, e trinta bancadas na platéia”.412
Em 1838, três anos após o encerramento das atividades da antiga Casa da
Ópera e em pleno decurso da Revolução Farroupilha, Porto Alegre, sedenta por uma casa de
espetáculos, ganhou o Teatro D. Pedro II. Todavia, segundo Damasceno, o novo teatro
constituía-se “num medíocre pavilhão de alvenaria, de fachada desenxabida e instalações
precárias, mau grado a espaçosa platéia de que dispunha e as duas ordens de camarotes
mobiliados com muito luxo, como teve o descoco [descaramento] de dizer certo noticiarista
de então”. 413
O já referido Ostensor Brasileiro, comentava que, em 1845-46, o edifício do
Sete de Setembro apresentava “boa arquitetura, com seu pórtico e frontão triangular,
anunciando que era esse o lugar das honestas recreações da noite” rio-grandina. 414
FIGURA 12 – Fachada provavelmente original do Teatro Sete de Setembro. Gravura de 1847 de autor
desconhecido.
Extraído de: ASPECTOS BRASILEIROS – Meados do Século XIX. Rio Grande: Biblioteca Rio-Grandense,
1937.
412
OSTENSOR BRASILEIRO. Rio de Janeiro, v. I, 1845-1846. Esta obra traz à página 66 a reprodução de
uma gravura do referido teatro. A atual fachada do Sete de Abril é oriunda da remodelação por que passou
em 1916, sendo de autoria do arquiteto José Tonieri. (Cf. ECHENIQUE, op. cit., p.36.)
413
DAMASCENO, Palco..., op. cit., p.20. Segundo Sanmartin o teatro possuía três ao invés de duas ordens
de camarotes. (SANMARTIN, op. cit., p. 44.)
414
OSTENSOR BRASILEIRO. Rio de Janeiro, vol. I, 1845-1846.
415
O recuo de edificações em relação ao alinhamento dos demais prédios junto à via pública só será de uso
mais corrente a partir do final do século XIX. Sua utilização “prematura” enfatiza o exposto no texto acima,
denotando a importância da construção para a sociedade local.
118
Da Rua ao Teatro
utilizado para depósito, terminava a construção. Aos lados, em toda a sua extensão
ficavam estreitos corredores para o arejamento da platéia por meio de janelas aos fundos
dos camarotes.416
Sobre seu interior, O Noticiador de l0 de setembro de 1832 registrava que “o
novo teatro formava uma perspectiva encantadora e elegante. Três ordens de camarotes
uniformemente ornados eram ocupados pelo amável e belo sexo [mulheres]; e platéia por
conspícuos e respeitáveis cidadãos”. O Correio Mercantil do Rio de Janeiro em 13 de
março de 1833 dizia que era um “teatro ricamente decorado e já em exercício”.
Sua Sala dos Espectadores assemelhava-se às das Casas da Ópera do século
XVIII, sendo característica dos teatros de partido luso-brasileiro, cuja disposição
remontava aos teatros barrocos italianos. Pequenas e com várias ordens de camarotes elas
refletiam o espírito de uma sociedade rigidamente hierarquizada que, até no teatro
impunha a separação de classes.
No teatro burguês do século XIX a função teatral ganhou um caráter
mundano. A Sala dos Espectadores, elemento chave da composição de todo edifício
destinado a espetáculos públicos, adquiriu uma faustuosidade (sempre proporcional à
riqueza econômica da região) e consagrou a divisão do público em diferentes categorias
sociais. As mulheres que, inicialmente, quase sempre estavam ausentes, confinavam-se
nos camarotes e, somente desceram à platéia nos últimos anos do Império. Em alguns
teatros mais antigos do Brasil, e em sociedades mais conservadoras, as mulheres eram
protegidas dos olhares masculinos da platéia através de finas cortinas rendadas, nos
camarotes.
A história do espetáculo é inseparável da da luz. No dizer de Paul Virílio, “a
iluminação é sinônimo de desocultamento de um ‘cenário’, de uma revelação da
transparência sem a qual as aparências nada seriam”.417
Sobre a iluminação do Teatro Sete de Setembro os periódicos revelam que
era feita por velas de espermacete. Acesas antes da entrada da assistência, as velas
mantinham-se por toda a função transformando a Sala dos Espectadores num
“prolongamento” da cena e o público num elemento vivo na unidade-espetáculo. Os
artistas obrigavam-se a atuar no proscênio para poderem ser vistos. Os cenários ao fundo
do palco não despertavam muito interesse. A atenção sobre a cena era, freqüentemente
roubada. Por vezes, o fazer social tornava-se mais importante que assistir a apresentação.
O péssimo estado das lanternas e lampiões do teatro foi motivo para críticas
publicadas no jornal O Rio-Grandense, de 26 de outubro de 1847. O colunista do Farol
Teatral, após utilizar adjetivos como “embaçados” e “porcos” para classificá-los, comenta
a ocorrência de pulgas na assistência: “e as pulgas? Oh! Malditas pulgas que tantas
mordidelas ferram no massado espectador”.
A precariedade da iluminação do teatro também foi assunto do mesmo
periódico em 18 de outubro de 1849:
416
MONTEIRO, Rebuscos..., op. cit., passim
417
VIRÍLIO, Paul. A Inércia Polar. Lisboa: Dom Quixote, 1993. p.25.
119
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )