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Livro digital de
circulação gratuita
Autora/Pesquisadora:
Bruna Boita Meoti
Revisão: Mutinno Content
Capa, ilustrações e diagramação:
Aurieli Alves Adam
Edição: 1ª | Ano: 2023
Tenha cuidado: não é todo mundo que sabe o que está sendo contado neste e-book.
Embarque nessa viagem pela história da dança do século 18 e 19, e conheça quatro
mulheres incríveis: Françoise Prévost, Marie Sallé, Thérèse Elssler e Maria Baderna.
Essas mulheres fizeram e pensaram o balé, contribuindo para essa forma de arte se
tornar o que conhecemos hoje. Prepara uma roupa confortável e um lanchinho, vai ser um
pouco longo o caminho, mas eu acredito que valerá a pena o esforço.
E depois da viagem, compartilhe nas redes sociais qual foi a parte mais emocionante
ou que mais te marcou. Pode ser um print do e-book, um vídeo dançando, uma foto, as
ilustrações coloridas por você. Ah, não esquece de marcar e seguir a gente no Instagram:
@projetooriri e conferir nosso site: www.projetooriri.com.br
Foi um prazer te conhecer
sumario
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
sumario
O Ballet Francês no Século 19 (1801 - 1900) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
A Técnica Clássica Francesa no Século 19 (1801 - 1900). . . . . . . . . . . . 37
Curiosidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Uma Aula de Ballet na França do Século 19 (1801 - 1900) . . . . . . . . . 39
A Sapatilha e a Técnica de Pontas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
A Consagração da Mulher em Palco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
O Ballet na França no Fim do Século 19 (1801 - 1900) . . . . . . . . . . . . . 47
Thérèse Elssler (1808 - 1878) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
Encerramento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
Glossário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
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Um dia descobri que a atriz Hedy Lamarr, uma das mais importantes
artistas de Hollywood em 1940, era a inventora da tecnologia que
possibilitou o surgimento do wi-fi. Isso me fez parar pra pensar: por
que eu nunca tinha ouvido falar disso? Por que eu tinha aprendido
que ela era uma atriz importante, e não uma inventora importante?
E foi então que entendi que história é um ponto de vista.
Como não adianta de nada manter as coisas consigo, surgiu este projeto: “Oriri” (“origem”
em latim), onde compartilho o que encontrei. O objetivo é te levar em uma viagem pela
origem/história de pessoas que normalmente não estão na narrativa oficial, mas que
foram importantes, deixando marcas que reverberam na atualidade.
Nesta primeira viagem, decidi focar na dança, pois foi onde achei o maior buraco. Foi difícil
encontrar informações, ainda mais em português. Em outras áreas até existe um
movimento de relembrar essas pessoas, mas não na dança. Por isso tenha cuidado: não
é todo mundo que sabe o que irei contar neste livro. E sei que você me ajudará a espalhar
essas histórias.
Achei que seria legal apresentar: Françoise Prévost, Marie Sallé, Thérèse Elssler
e Maria Baderna. Elas estão ansiosas para te conhecer.
01
Algumas Pequenas Notas
1. Esta é uma viagem no tempo, para a França do século 18 e 19, onde Françoise
Prévost, Marie Sallé e Thérèse Elssler deixaram suas marcas. Também teremos uma
parada no Brasil do século 19 para conhecermos a incrível Maria Baderna. Não vamos
nos prender em muitos detalhes, pois seria preciso um livro muito maior para isso!
3. Sabia que a “Academia Real de Dança”, criada em 1661, foi anexada à “Académie
d’Opéra” em 1669? E hoje em dia essa instituição se chama “Ópera Nacional de Paris” e
nela está o “Ballet da Ópera de Paris”. Então, quando eu mencionar essa instituição, vou
chamá-la de “Ópera de Paris”, independente de estar falando do ballet ou da
organização.
4. Ah, antes que eu esqueça, “ballet”, “dança clássica”, “técnica clássica”, “balé” são
sinônimos para o mesmo estilo de dança. E a dança feita no século 17 e 18 conhecemos,
hoje, como “dança barroca”, que contém a base da técnica clássica.
5. E por último, mas não menos importante, este material é para mentes curiosas e
insaciáveis, ou seja, para qualquer um ler e entender! Como é um resumo, não será
possível entrar em maiores detalhes. Mas não se preocupe, se quiser saber mais é só dar
uma olhadinha na bibliografia que está listada no final.
02
Linha do Tempo
da Dança Clássica (fim do século 17 ao 19)
Nossa primeira parada é uma linha do tempo sobre a dança clássica na França e no Brasil.
Assim, é mais fácil visualizar a ordem de eventos. Aqui temos eventos importantes para as nossas
coreógrafas maravilhosas, iniciando no finalzinho do século 17 (1660) até o final do século 19 (1899).
1707 1727
Nasce Marie Sallé Sallé estreia nos
Figura 1 - Luís XIV 1
palcos da Ópera de Paris.
1661
Criação, por Luís XIV, da
Academia Real de Dança. 1711
Prévost assume o cargo
de Prémier Sujet na
1661 Ópera de Paris. Nasce Jean-Georges
Noverre.
Ballet das Estações. Primeiro
ballet apresentado pela
Academia Real de Dança.
Coreografia de Jean-Baptiste Lully. 1712 1734
Prévost cria sua primeira Sallé dança “Pigmalião”
obra coreográfica: “Dança na Inglaterra, obra que
do Capricho”. possui características
do balé de ação.
1681 de ação.
1743
Estreia de “Triunfo de Amor”. Sallé e Noverre
Primeira vez na França em
que é feita uma apresentação
1715 se tornam amigos.
1756
apenas mulheres profissionais “Personagens da Dança”.
dançando. Morre Luís XIV, o Rei Francês
que foi patrono da Dança. Sallé morre.
Nasce Françoise Prévost.
1
The Miriam and Ira D. Wallach Division of Art, Prints and Photographs: Print Collection, The New York Public Library. Louis XIV, King of France. New York
Public Library Digital Collections. Disponível em: <https://digitalcollections.nypl.org/items/511f8ef0-7fbd-062f-e040-e00a180614c1>. Acesso em: 30 jun. 2023.
2
George Arents Collection, The New York Public Library. Grand Opera House, Paris. New York Public Library Digital Collections.
Disponível em: <https://digitalcollections.nypl.org/items/5e66b3e8-bdb6-d471-e040-e00a180654d7>. Acesso em: 30 jun. 2023. 03
1799 1828
Fim da Revolução Francesa. Nasce Maria
Baderna, na Itália.
1808
1760 Nasce Thérèse Elssler
Família Real Portuguesa
Noverre publica “Cartas
Sobre a Dança”, base do se refugia no Brasil.
ballet de ação.
1810
1776
Figura 3 - La Sylphide 3
Nasce Fanny Elssler
Médée e Jason, de Noverre. 1832
Primeiro ballet-pantomima Estreia de “A Sílfide (La Sylphide)”,
(ballet de ação) encenado na com Marie Taglioni. Considerado
Ópera de Paris.
1811 o primeiro ballet pensado para ser
Luís Lacombe chega ao dançado com sapatilha de ponta,
Brasil e se torna pioneiro consagrando o romantismo no ballet.
1789 no ensino de balé.
1822 1838
Estreia "A Gaiola de
1789 É proclamada a
Independência do Brasil. Pássaros”, de Thérèse Elssler.
Estreia de “A Filha
Mal Guardada”.
1823 1841
1790 Marie Taglioni assiste Amalia
Maria Baderna faz sua
Estreia do ballet “Télémaque Brugnoli dançando sob
estreia em palcos italianos.
et Psyché”. Início da ascensão a ponta dos pés.
feminina na dança.
3
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Melle. Taglioni dans La sylphide. New York Public Library Digital Collections.
Disponível em: <https://digitalcollections.nypl.org/items/645a6ee0-e7ab-0132-57c8-58d385a7bbd0>. Acesso em: 30 jun. 2023.
04
1848 1878
Última apresentação de Morre Thérèse Elssler.
Maria Baderna na Itália.
1849 1888
Assinada a abolição
Maria Baderna da escravidão no Brasil.
chega ao Brasil.
1850 1892
Epidemia de Febre Morre Maria Baderna.
Amarela no Brasil.
1927
1851 É fundada a primeira escola de
dança oficial no Brasil: “Escola de
Baderna apresenta as peças
“Lundum d’Amarroá” e “Balli Negri” Danças Clássicas do Theatro Municipal
em Recife, escandalizando do Rio de Janeiro”, hoje, “Escola Estadual
a alta sociedade. de Dança Maria Olenewa".
Ocorre a “Febre Dançante”
no Rio de Janeiro, Brasil.
1870
Não se encontra mais homens
em cena (dançando) na Ópera
de Paris, França.
Estreia de Coppélia, na Ópera
de Paris, último grande ballet
francês, onde uma mulher
interpretava o papel masculino
principal.
05
O Ballet Francês no Século 18 (1701-1800)
clique aqui para saber mais
A verdade é que o ballet evoluiu muito, e o estilo no final do século, era muito diferente do início:
A Ópera de Paris, uma companhia de música e dança que existe até hoje na França,
foi criada no século 17. E é nela que irei focar, pois ela é a instituição de dança, oficial, mais
antiga do mundo, e ditou como o ballet se desenvolveu durante os séculos 17, 18 e 19. Ela
foi criada para transformar a dança em uma forma de arte.
No século 17, para algo ser considerado “arte”, precisava ter regras e métodos bem
definidos. No caso da dança, isso queria dizer que seriam criadas as normas para como
mover os pés, braços, andar, agradecer, colocar e tirar o chapéu, enfim, como realizar
qualquer gesto. E essa codificação era utilizada para diferenciar um nobre do restante do
povo. A dança era uma forma de mostrar a qual classe social você pertence. Um nobre, se
moveria de acordo com as regras da dança. O povo, não.
Essas regras foram registradas no início do século 18, a partir de ideias que existiam
em séculos passados. Elas deram origem à belle danse, que hoje chamamos de dança
06
barroca, tendo vários estilos, como a Gavota, Minueto, Sarabande, Contradança, entre outras
(mais informações nos próximos capítulos). A forma teatral desta dança, apresentações
onde se conta uma história, deu origem ao ballet clássico.
Nas bases da dança barroca conseguimos perceber os elementos da dança clássica: as
cinco posições dos pés, o en dehors (pés virados para fora), o plié (dobrar os joelhos,
afundando) e o élevé (elevar).
Os braços não eram bem definidos, como hoje. Eles
possuíam regras de como movimentar, mas posições definidas,
como os pés, foram codificadas apenas no século 20. É por isso
que o nome das posições de braços (e as próprias posições) muda
de metodologia para metodologia de ballet. Afinal, se você for
um aluno do Bolshoi (método Vaganova) vai aprender 4 posições
básicas, e na Ópera de Paris (método francês) 6 posições.
Enquanto os pés são as cinco posições criadas ainda no século 17,
com os mesmos nomes.
Ao codificar essas regras, a França se torna o centro do
desenvolvimento da dança clássica, profissionalizando professores,
formando bailarinos profissionais e não profissionais. Até o século 19,
a Ópera de Paris, e a França, era símbolo do melhor da dança.
Figura 4 - Posições dos pés na Dança Barroca e Dança Clássica.
Na posição 2 e 4 os dois pés ficam posicionados encostando a
sola completa no chão.
3. Pernas e Pés: As 5 posições dos pés já existiam. Mas nada de esticar os joelhos e
os pés, muito menos girar as pernas em um ângulo maior de 45.º para fora (en
dehors). A estética ideal era arredondada, com joelhos e pés flexionados de forma
suave, sem ângulos. Isso não queria dizer que podia relaxar o corpo, ele devia estar
sempre em prontidão;
Figura 9 - Primeira Posição
dos Pés 8
4
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Passacille [i.e. Passacaille] or Chaconne. New York Public Library Digital Collections.
Disponível em: <https://digitalcollections.nypl.org/items/89b93c5d-a432-99bb-e040-e00a18066f5f>. Acesso em: 30 jun. 2023.
5
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Balletto per S.A.R. Il Sig. Principe di Galles. New York Public Library Digital Collections.
Disponível em: <https://digitalcollections.nypl.org/items/a0ab2e9f-4b2f-bd1c-e040-e00a18066c5e>. Acesso em: 30 jun. 2023.
6
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. "Le dieu marin." New York Public Library Digital Collections.
Disponível em: https://digitalcollections.nypl.org/items/ee17c200-9a44-0130-e51c-58d385a7b928. Acesso em: 20 jul. 2023.
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. "Habits des nymphes de la suitte d'Orithie du balet du Triomphe de l'amour." New York Public Library Digital Collections.
08
7
Curiosidade
9
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Anne (or possibly Janneton) Auretti. New York Public Library Digital Collections.
Disponível em: <https://digitalcollections.nypl.org/items/510d47e2-7124-a3d9-e040-e00a18064a99>. Acesso em: 30 jun. 2023.
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Selected plates from The art of dancing explained by reading and figures. New York Public Library Digital Collections.
10
A arte da atuação era bem diferente do que conhecemos hoje. Tão diferente
quanto quando comparamos o ballet da época com o atual: nos é irreconhecível.
Naquele período se acreditava que para se transformar em outra pessoa, você tinha
que ser aquela outra pessoa. Uma pergunta difícil e filosófica: como se faz isso? Dica:
não é a partir da movimentação ou expressão corporal. É a partir da roupa, do figurino.
E do estilo de dança e movimentos que o personagem realiza.
Ao vestir o figurino de um determinado papel, o indivíduo se tornava aquele
personagem. Se a roupa fosse a de um nobre, enquanto durasse a apresentação em
cima do palco, o intérprete seria parte da nobreza. E se o personagem morresse em cena,
quem estava interpretando morria de fato (pelo menos por aquele instante). Tudo o que
acontecia no palco era real. O conceito de ilusão ainda não era bem compreendido,
e se algo acontecia, era verdadeiro/realidade.
Quanto aos movimentos, se devia escolher entre os estilos existentes (Minuetos,
Sarabande, Gigue, etc) aquele que melhor se encaixava com a natureza do personagem.
Um trabalhador se moveria de forma diferente da de um nobre. Como gestos, dança e
música eram entrelaçados, o estilo também ditava o personagem, e os movimentos que
este fazia. Um exemplo é que um nobre dançaria uma Gigue e um não nobre uma
Forlane.
Os movimentos que a personagem realizava para expressar “amor”, "tristeza" ou
"comicidade" eram coreografados, pré-determinados. Ainda não precisava sentir a
emoção para interpretar, algo que começou a ser teorizado em 1728 por Luigi Riccoboni,
e é assimilado na dança no século 19.
Os figurinos não eram simplesmente uma roupa para cobrir os bailarinos e bailarinas.
Eles eram obras de arte por si só, contando a história, mostrando para o público a
temática e quem eram os personagens. Eram emblemas vivos que evidenciavam
elementos importantes sobre os personagens, construindo significados.
Eles seguiam a moda da elite da época: as mulheres usavam vestidos longos e
pesados, que iam até os pés, com várias camadas de tecido, corpete e mangas. Tudo isso
delimitava e dificultava a movimentação. Os homens utilizavam roupas mais leves, que
mostravam as pernas, tendo maior liberdade de movimento que uma mulher.
11
Figura 12 - Le Dieu Marin 11 Figura 13 - Habit de Baccantes 12 Figura 14 - Habit d'indien 13
Figura 15 - Sapato 14
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Le dieu marin. New York Public Library Digital Collections.
11
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Les heures de la nuit. New York Public Library Digital Collections.
13
15
New York Public Library Digital Collections. Disponível em: <https://digitalcollections.nypl.org/items/510d47e1-3c99-a3d9-e040-e00a18064a99>. Acesso em: 30 jun 2023.
O Espetáculo de Dança do Início do Século 18 (1701 - a.1750)
clique aqui para saber mais
Nesse período os espetáculos já não aconteciam mais nos salões dos palácios reais,
e sim em espaços especializados: os teatros, construídos especialmente para
apresentações artísticas.
Billy Rose Theatre Division, The New York Public Library. Theatres -- France -- Paris -- Theatre National de Lopera. New York Public Library Digital Collections.
17
18
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library.
Balletto per S.A.R. Il Sig. Principe di Galles. New York Public
Library Digital Collections. Disponível em:
<https://digitalcollections.nypl.org/items/a0ab2e9f-4b2f-
bd1c-e040-e00a18066c5e>. Acesso em: 30 jun. 2023.
Figura 20 - Coreografia anotada em notação Feuillet - Beauchamps 18 Figura 21 - Coreografia anotada em notação Feuillet - Beauchamps 18
15
Importante: os homens, por possuírem um figurino mais leve, mostrando as pernas,
conseguiam se mover de forma mais livre, executando movimentos mais complexos e
ousados, como saltos.
Estes eram os temas dos ballets:
Figura 23 - Estrangeiro 20
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Ulysse et Penelope. New York Public Library Digital Collections.
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Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Monsieur Balon. New York Public Library Digital Collections.
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Françoise
Prévost
(1681 - 1741)
clique aqui para ver
uma animação sobre ela
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Françoise Prévost (1681 - 1741)
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Le sieur Ballon et la delle.
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Prévost dans le ballet d'action des Scythes. New York Public Library Digital Collections.
Disponível em: <https://digitalcollections.nypl.org/items/1033cda0-d7d4-0132-041e-58d385a7bbd0>. Acesso em: 30 jun 2023.
Figura 29 - Françoise Prévost
19
era vivo. Mas conforme ele chegava perto de seu suspiro final (que ocorreu em 1715), o
incentivo à dança diminuía, e a nobreza passou a não querer mais aparecer nos palcos.
Resultado: houve espaço para as pessoas que dançavam serem profissionais, e não
apenas pessoas que queriam se divertir. E esses novos profissionais normalmente eram de
classes sociais pouco valorizadas — como Prévost.
Graças a seu pai, que trabalhava dentro da Ópera de Paris, Françoise iniciou seus
estudos em dança, e estreou nos palcos com o Ballet das Estações (Ballet des Saisons),
em 1695 (aos 14 anos). Após, sua carreira só decolou! Não, isso é uma mentira… Desculpa.
Infelizmente ainda demoraria mais de 10 anos para isso acontecer. A vida não é um conto
de fadas e nesse período Prévost continua na pobreza, vivendo com seus pais.
Ela alcança sua independência, e o maior posto para uma bailarina na Ópera de Paris
(premier sujet), apenas em 1711, com 30 anos. Com esse cargo ela recebe um aumento de
salário, e o privilégio de coreografar suas entrées. Como uma mulher esperta e criativa, ela
coreografa. E isso rende um duo para uma obra chamada Os Horácios (Les Horaces) e
uma parceria com o compositor francês Jean-Féry Rebel, rendendo 3 diferentes obras:
Dança do Capricho (Danse du Caprice), Os Personagens da Dança (Les Caractéres de la
Danse) e Terpsícore (Terpsichore).
Se você procurar por esses nomes e o do compositor (Rebel), você vai encontrar as
músicas. Quanto às coreografias? Bem, é triste falar isso, mas todas elas se perderam.
Existem poucas informações sobre elas, e pode haver outras coreografias que não
encontrei registros. Mas, eu fiz o melhor que pude e juntei algumas peças desse
quebra-cabeça:
Dança do Capricho (Danse du Caprice) estreou em 1712. Comentários em jornais da
época dizem que a peça foi muito bem recebida pelo público. Além disso, a obra pode ser
considerada um marco para a expressividade na dança, pois nela, Prévost adicionou sua
maior característica enquanto bailarina e coreógrafa: movimentos com significado. Ela
não executava os gestos por executar, mas buscava um motivo para esses gestos, um
sentimento que os causasse. Isso ia contra como o ballet era desenvolvido, onde o gesto
era mais importante que a emoção, e a emoção se expressava pela poesia musicada (que
narrava os acontecimentos). Para o período, isso era algo revolucionário.
Essa característica é muito bem demonstrada em seu próximo trabalho, um duo em
uma peça intitulada “Os Horácios”. Pensada em parceria com um dos maiores bailarinos
da época, Claude Balon (também chamado, incorretamente, de Jean Balon). Era parte de
uma obra que narra a trágica história de Horace e Camille, em uma cena onde um dos
personagens morre. Para expressar a dor, eles usaram a pantomima, sem dança, com
ambos de rosto descoberto, sem utilizar máscara ou maquiagem, expondo suas
20
expressões faciais. O público pode ver ambos chorando em cena. E essas lágrimas foram
acompanhadas por quem assistia, fazendo tanto sucesso, que nas próximas décadas
reorientou como a dança construía sua narrativa e expressava seus sentimentos. Também
tornou essa característica de passos com significado uma referência para futuras bailarinas,
possibilitando que a mulher dançando, profissionalmente, tivesse maior prestígio e
importância nos palcos.
Após esse trabalho, veio Os Personagens da Dança (Les Caractéres De La Danse). Este é o
trabalho que mais consegui informações, sendo considerado o mais famoso de Prévost.
Fruto de sua parceria com Rebel, não há certeza sobre o ano de estreia, podendo ter ocorrido
entre 1714 e 1715. A peça contava com 12 músicas, uma coreografia por música (tudo junto
formava um grande solo), de diferentes estilos e ritmos (Courante, Minueto, Bourrée, entre
outras), abrindo as portas para Prévost explorar suas habilidades enquanto bailarina e
intérprete, pois ela conseguia passar de forma natural e hábil de um estilo de dança para o
outro, sem pausas ou trocas. Ela escolheu um tema que conhecia muito bem: o amor, em
todos os seus disfarces e nuances. Foi a primeira vez que se apresentava uma sequência de
danças associadas a um tema, e mostrando diferentes maneiras de se representar a “paixão”.
Em seus solos, ela interpretava diferentes personagens, desde uma jovem moça
apaixonada, até um velho perdido em suas ilusões amorosas. Como era comum nos
espetáculos da época, buscava o contraste entre as coreografias, e assim, passava de feminino
para masculino, jovem para velha, melancólica para eufórica. Ela desafiava sua capacidade de
interpretação. A peça fez tanto sucesso, que bailarinas passaram a estrear nos palcos com ela.
A última peça de Prévost, Terpsícore (Terpsichore), de 1720, é um mar de incertezas. Não
encontrei muitas informações sobre ela. Quer dizer, as informações que encontrei falavam
que não existem comentários nem nos jornais, nem de pessoas, em diários ou similares. O
que posso dizer é que: a música foi uma encomenda da Sra. Law, em homenagem à
Françoise; O título da obra é uma homenagem à bailarina, pois, Terpsícore, na mitologia
grega, é a musa da dança; e Prévost coreografou a música. Ponto. Isso é tudo.
Não sei dizer, com certeza, quando Françoise começou a dar aulas. Mas sei que foi antes
de sua aposentadoria em 1730, aos 50 anos. Ela foi professora das duas maiores bailarinas
da geração seguinte, Marie Sallé e Marie-Anne Cupis de Camargo. Elas dançaram Os
Personagens da Dança. Inclusive, esse é o solo dançado por Marie Camargo em sua estreia
nos palcos da Ópera de Paris.
No espetáculo em comemoração a sua aposentadoria, Françoise dança um duo com
Marie Sallé e a nomeia sua sucessora. De fato, Marie continua o trabalho da professora e
ajuda a desenvolver um ballet independente da poesia musicada. Mas teremos um capítulo
específico para ela daqui a algumas páginas.
21
A graça de Prévost deixou o mundo em 30 de setembro de 1741, quando ela tinha 60
anos. Sua memória e contribuições foram guardadas com muito carinho em seu período.
Mas se perderam após isso, ao ponto de não nos lembrarmos dela quando falamos sobre a
história da dança na atualidade, no século 21. Porém, não é apenas ela que esquecemos.
Marie-Catherine Guyot dividia o posto de melhor bailarina com Prévost. E antes delas vieram
bailarinas como La Fontaine, que foi pioneira como mulher adotando a dança como
profissão, estando no elenco de 1681 de Triunfo de Amor (primeiro ballet a ter no elenco
mulheres que dançavam profissionalmente).
Françoise Prévost tornou possível que as mulheres tivessem maior prestígio enquanto
bailarinas, tendo mais papéis nos espetáculos e podendo brilhar como os homens brilhavam.
Ela também abriu as portas para aquilo que o ballet se tornaria no fim do século 18 (e se
consagraria durante o século 19): uma arte independente, capaz de expressar emoções,
sentimentos e contar uma narrativa sem depender da poesia musicada falando para o
público o que acontecia e o que os bailarinos sentiam. Se você conhece um pouco de história
da dança sabe que muitos destes preceitos estão presentes no “ballet de ação” de
Jean-Georges Noverre. Nele, a dança devia expressar sentimentos e fazer o público se sentir
tocado, sendo uma forma de entretenimento independente de outras artes. Françoise
plantou a semente para isso, com suas obras, e sua pupila, Marie Sallé, deu continuidade.
Se você não é da dança, saiba que o conceito de ballet de ação é muito importante, e fez
essa arte se tornar mais parecida com o que é hoje. Mas, dizem por aí, que foi Noverre quem
inventou. É mentira. Vieram pessoas antes dele, com ideias parecidas. Prévost era uma dessas.
22
O Ballet Francês na Segunda Metade do Século 18 (d. 1750 - 1800)
É na segunda metade deste século que a França começa a ficar agitada. Nesse
período, um movimento cultural e intelectual chamado Iluminismo se espalhava. Esse
movimento defendia os ideais de liberdade de expressão, igualdade perante a lei, a
separação dos poderes políticos, entre outros. Influenciou a cultura, filosofia, ciências, além
de ser importante para o surgimento da Revolução Francesa e a formação das
democracias modernas.
Mas o que isso pode ter a ver com dança? Tudo! Se inspirando nesse movimento, o
pensador Jean-Georges Noverre publica suas “Cartas para a Dança” (mais pra frente tem
um capítulo sobre isso). Além disso, a Revolução Francesa também deixou sua marca. Ela
ocorreu entre 1789 e 1799, com o povo demonstrando grande descontentamento, e
pedindo o fim da monarquia. Esse evento, faz com que as monarquias de outros países da
Europa se fragilizem e tenham dificuldade em continuar seus governos. Também é
propagado um sentimento de individualismo e essas questões ajudam a moldar o ballet, e
sociedade, do século 19.
Neste capítulo, falarei sobre algumas mudanças que são essenciais para a
transformação no ballet no século 19. E essas mudanças vão culminar na elevação da
técnica clássica, tornando-a mais distante daquilo que apresentei no capítulo “A Técnica
Clássica Francesa do Início do Século 18 (1701 — a.1750)”, e na consolidação da bailarina em
cima dos palcos — e do homem nos bastidores.
Durante o século 18, os bailarinos e bailarinas eram definidos por 4 tipos de Caráteres na
dança teatral, cada um com um estilo de interpretação e tipo de características corporais:
The Miriam and Ira D. Wallach Division of Art, Prints and Photographs: Picture Collection, The New York Public Library.
26
27
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Du Moulin en habit de Paysan Dansant a l'Opera. New York Public Library Digital Collections.
Disponível em: <https://digitalcollections.nypl.org/items/27bc3f60-8aac-0131-d120-58d385a7b928>. Acesso em: 30 jun 2023.
28
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Masque en habit de paysan. New York Public Library Digital Collections.
Disponível em: <https://digitalcollections.nypl.org/items/6e17ca70-9bd9-0130-9558-58d385a7bbd0>. Acesso em: 30 jun 2023.
24
4. Caráter Grotesco: As bases
são a técnica Italiana. Estes eram
os acrobatas e saltimbancos.
29
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. L'ours. New York Public Library Digital Collections.
Disponível em: <https://digitalcollections.nypl.org/items/9f02893b-1525-485f-e040-e00a18060811>. Acesso em: 30 jun 2023.
30
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Gran Alesandro. New York Public Library Digital Collections.
Disponível em: <https://digitalcollections.nypl.org/items/3d856a30-a9fa-0134-b96e-00505686a51c>. Acesso em: 30 jun 2023.
25
Caráter Semi-Sério
Caráter Cômico
Caráter Grotesco
26
No estilo Nobre os braços permanecem na lateral do corpo, enquanto no Semi-Sério
um deles fecha ao centro do corpo. No Cômico os braços ficam completamente abaixados
e no Grotesco a perna é elevada acima do quadril e o braço acima da cabeça.
Você se lembra de Marie Sallé e Marie Camargo? As duas alunas de Prévost. Elas
foram responsáveis por redefinir estes Caráteres para as mulheres. Sallé torna o Caráter
Nobre, reconhecidamente masculino, artificial e formal, em algo feminino, leve e natural.
Já Camargo encurta as saias dos figurinos, mostrando os tornozelos, e tira os saltos das
sapatilhas, possibilitando que as mulheres realizem saltos, piruetas e elevações de perna.
Com os movimentos de perna aparecendo, os passos masculinos podem ser executados
por mulheres.
Mas é no fim do século 18 que surge a figura que irá fundir esses Caráteres: Auguste
Vestris. Por sua estatura mediana, ele era considerado um bailarino Semi-Sério. Contudo,
ele conseguia executar movimentos difíceis e exagerados de forma nobre, respeitável e
elegante. Sua dança funde e homogeneiza a forma de dançar e interpretar, tornando a
dança Nobre e Semi-séria mais parecidas com o Grotesco e Cômico, buscando pernas
elevadas, giros, e outras dificuldades. Ele encaminha a dança clássica em direção ao
virtuosismo e a forma que conhecemos hoje.
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. A stranger
31
at Sparta standing long upon one leg. New York Public Library Digital Collections.
Disponível em: <https://digitalcollections.nypl.org/items/d903fc90-1e93-0133-7d58-58d385a7b928>.
Acesso em: 30 jun 2023.
27
As "Étoiles" da Ópera de Paris
Se eu te falar que, na Ópera de Paris, o cargo de “melhor bailarina” (Étoile) foi criado
para gerar rivalidade entre as bailarinas e lucro para a companhia, você acreditaria? Se
você disse que não, sinto lhe informar que o que falei é verdade.
Durante o século 18 começam a surgir as celebridades. Na dança, na Ópera de Paris,
um novo cargo é criado: Étoile. E ele está acima do anterior, premier sujet, ocupado por
Prévost.
Sabe para quem ele é criado? Marie Sallé e Marie Camargo.
32
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Marie Salle. New York Public Library Digital Collections.
Disponível em: <https://digitalcollections.nypl.org/items/33f00cc0-0bb0-0133-bdc7-58d385a7bbd0>. Acesso em: 30 jun 2023.
33
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Mlle. Camargo, règne de Louis XV, d'après Lancret 1730. New York Public Library Digital Collections.
Disponível em: <https://digitalcollections.nypl.org/items/510d47e2-7065-a3d9-e040-e00a18064a99>. Acesso em: 30 jun 2023.
28
rivalidade entre as bailarinas, criando intrigas que seriam divulgadas nos jornais — e
acabariam trazendo mais pessoas para assistir, gerando lucro.
Esse lucro era maior para a companhia, mas as bailarinas também conseguiam
sua parte. Nesse período, ser bailarina era uma das únicas maneiras de uma mulher se
autossustentar, e não depender do pai, marido ou outra figura masculina. Mas essa
independência tinha um lado sombrio: da mesma forma que era libertador, as tornava
mais suscetíveis a fofocas maldosas, ao abandono e à ruína financeira. De forma geral,
para mulheres e homens, o ballet era uma oportunidade de escalar socialmente, sair
da pobreza. Seja através do salário, de um casamento ou de trocas de favores com ricos.
29
Eu já falei que Prévost ajudou a abrir caminhos para uma dança expressiva e com
significado, realizando movimentos que tivessem as características de seu personagem e
expressassem sentimentos (ela chorou em cena). Mas ela não foi a única a ajudar no
desenvolvimento do Ballet de Ação. Sua aluna, Marie Sallé, possuía obras que não
continham texto narrando o que acontecia. E ela inovou no figurino, abandonando os
vestidos pesados, adereços e máscaras.
Além delas, existiam outros pesquisadores fora da França que desenvolviam formas
do ballet de ação: John Weaver, Gasparo Angiolini, Gregório Lambranzi, Gennaro Magri,
Christoph Gluck e Frank Hilverding. Assim como pensadores das artes da atuação,
expressividade e gesto, teorizando formas de atuação a partir dos sentimentos, e cujos
conceitos ajudaram a compor o pensamento de Noverre: Louis de Cahusac, Charles
Batteux, Luigi Riccoboni e Pierre Rémond de Sainte-Albine.
Noverre pode creditar a si a criação do ballet de ação, mas a verdade é que não foi
bem assim. Ele teve a sorte de nascer homem e francês. Muito do que existe nas cartas
são coisas que já rondavam o mundo da dança, música e atuação, desde o início do século
18. Noverre compila e dá um toque próprio.
30
Esse é um exemplo de algo que a Ópera de Paris fez para conseguir sobreviver à
Revolução: se adaptar aos gostos do povo e da burguesia, invés de continuar seguindo os
gostos da monarquia. Uma das preferências era os temas e assuntos relacionados à
Revolução. Outro era o ballet que era dançado nas ruas. Esse ballet utilizava a técnica
italiana, com seus saltos, piruetas e elevação das pernas. Os(as) bailarinos(as) da Ópera de
Paris começaram a se apresentar nos teatros de rua para complementar a renda,
acabando por levar a técnica italiana para dentro dos palcos da companhia. Até houve
uma tentativa de frear o avanço dessa técnica menos pura e nobre que a francesa, mas
não adiantava, não havia mais volta.
Quer saber algo interessante? Neste fim de século surge um ballet onde existem
mais papéis femininos do que masculinos, com 32 bailarinas e 2 bailarinos. O nome
desta obra é Télémaque et Psyché (1790) de Pierre Gardel, que prevê o que vai se
consolidar no século 19: a mulher em palco.
31
Marie
Sallé
(1704 - 1756)
clique aqui para ver
uma animação sobre ela
O R I R
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S
J
N D I D A
P R O
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Marie Sallé (1707 - 1756)
Em uma família de
artistas de rua, nasceu uma
menina que não tinha medo
de inovar: Marie Sallé. Ela
nasce na França e sua vida
é dividida entre seu país de
nascença e a Inglaterra.
E nessas idas e vindas, ajudou
a criar o ballet de ação e foi
responsável por várias
mudanças na dança.
Na França, ela recebe
treinamento na técnica
francesa (a dança séria/nobre).
Entre seus professores estão
Françoise Prévost e Claude
Balon. Não muito depois de Figura 37 - Marie Sallé 34
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Mlle. Sallé. New York Public Library Digital Collections.
34
33
Vou deixar um aviso aqui: da mesma forma que as obras de Prévost se perderam, as de
Sallé tiveram o mesmo destino. Na realidade, isto vale para todas as coreógrafas neste livro.
Infelizmente. Sabemos que as obras existiram e que contribuíram para a história da dança,
mas as coreografias se perderam.
Pigmalião estreou pouco tempo depois de Baco e Ariadne. Ambas as peças têm
características parecidas, contudo a que mais encontrei informações foi Pigmalião. Estas duas
obras, pelo o que dizem os registros de elenco, tinham apenas profissionais da dança em seu
elenco. Não havia cantores. O que isso quer dizer? Que não havia texto cantado, explicando
para o público o que acontecia. Também não existem registros de panfletos explicativos.
Então, aparentemente, Sallé precisou narrar suas histórias apenas com a dança (opa… ballet
de ação?). E como ela fez isso? Vou descrever as informações que encontrei sobre Pigmalião,
que é inspirado num mito grego:
Pigmalião é um escultor talentoso que se apaixona por uma de suas criações, Galatea.
Mas Galatea é de mármore, gelada e imóvel. O criador roga para os deuses que a estátua
ganhe vida. Afrodite, a deusa do amor, atende o pedido. Criador e criação se apaixonam.
Sallé interpreta a estátua, utilizando um figurino com uma túnica leve e rosto descoberto,
sem ornamentos em seu cabelo ou vestido. Uma revolução quando comparamos com os
vestidos pesados e diversos adereços e máscaras que eram utilizados. Mas essa não foi sua
única inovação.
Como precisava contar a história sem palavras, decidiu abandonar seu treinamento
formal, preferindo movimentos mais livres, pantomima e gestos. O público londrino adorou.
De volta à França, em 1735, Sallé continua inovando, mas um pouco menos que na
Inglaterra, devido aos diferentes gostos do público. Nesse ano ela contribui com o compositor
Jean-Philippe Rameau, criando o terceiro ato da obra As Índias Galantes (Les Indes Galantes).
Esse ato se chama Ato das Flores ou Ballet das Flores. A narrativa gira em torno de um
jardineiro que quer arrancar uma rosa de um jardim. Mas Sallé aprofunda a narrativa, criando
uma metáfora. E isso também não era comum. Na história, o Jardineiro representa a ambição
humana, a Rosa a beleza e o amor, os espinhos, e outros obstáculos, as dificuldades da vida,
para alcançar objetivos.
Nesta época era comum as obras virarem paródias, dançadas em teatros menores da
França, como o Ópera Italiana (Ópera-Comique). Isso ocorre com o Ballet das Flores, em A
Ambiguidade da Loucura (L’Ambigu De La Folie), de 1743. Há quem diga que Sallé ajudou a
dirigir esta peça. Mas o mais intrigante é que no Teatro Ópera Italiana (Ópera-Comique),
durante este período, dançava Jean-Georges Noverre, com 16 anos. Faltam 17 anos para ele
publicar as “Cartas para a Dança”. Marie Sallé, com 36 anos, também contribuia com o teatro.
E sim, eles se conhecem, são amigos e ele pode ter tido aulas e dançado em criações dela.
34
Ele admirava o trabalho de Sallé. Podemos considerar isso como a ponte para a influência
de Sallé no ballet de ação de Noverre.
Sallé tinha contato com vários pensadores do período, como Montesquieu e Voltaire,
filósofos do movimento iluminista. Ela era uma mulher inteligente, que soube cuidar da
própria carreira e contribuiu para o desenvolvimento da dança.
Eu já comentei sobre os 4 Caráteres da dança, e como Sallé foi importante para
transformar o Caráter Nobre, em feminino. O que eu não falei é que ao fazer isso, ela
consagra a leveza como parte da técnica feminina. Ela transforma uma maneira de dançar
que é artificial e metódica, em natural e leve. E essas características são levadas ao seu extremo
durante o século 19, com o Romantismo, a sapatilha de ponta e os seres etéreos, ajudando a
consolidar a mulher em cena.
A vida das bailarinas era constante assunto nos jornais e revistas. Sallé mantinha sua vida
privada longe dos holofotes. Mas isso não impedia que fofocas e boatos surgissem. Imagine
que Sallé era uma mulher que não dependia de homens e que conseguia deixar seus
relacionamentos escondidos. Ela entregava pouco assunto para as fofocas, então fofocas eram
criadas. E mulheres que tinham sua independência, não eram bem vistas perante a sociedade.
Por esse motivo, boatos falando mal dela eram comuns. E fofocas questionando seus
relacionamentos, também. Entretanto, ela conseguia contorná-los e manter sua privacidade.
Em 1740 ela se aposenta da Ópera de Paris, passando a atuar apenas como professora. Ela
morava com uma colega de quarto, Rebecca Wick, a quem deixou todos os seus pertences
ao morrer, em 1756, aos 49 anos.
Marie Sallé ainda é lembrada na história da dança. Mas dificilmente se fala sobre sua
contribuição para o ballet de ação, ou para a mudança dos figurinos e da técnica clássica.
Quando falamos sobre mudanças, citamos sua “rival”, Marie Camargo, que encurtou as saias e
realizou saltos. Ambas contribuíram para o desenvolvimento do ballet e ambas devem aparecer.
35
Obras de Marie Sallé
Título Personagem Ano Compositor
“Ato Turco”, Sallé é a
L’Europe Galante - “Ato Turco” primeira a acrescentar 1736 Jean-Philippe Rameau
pantomima nessa cena
Castor de Pollux Hébe 1737 Jean-Philippe Rameau
Les Talents Lyriques Eglé 1739 Jean-Philippe Rameau
Nota: Esses ballets eram construídos a partir de entrées, e muitos eram peças que já existiam,
onde Sallé apenas acrescentou algo próprio ou reinterpretou o papel. As obras originais dela
são Baco e Ariadne, Pigmalião, Terpsícore e o Ato das Flores, em As Índias Galantes
O fim do século 18 foi caótico, e previu o tom de todo o novo século. A Revolução Francesa
pedia um estado democrático, mas demoraria muitos anos para isso se consolidar. A França
do século 19 passa por diferentes modelos políticos, revezando entre governos ditatoriais e
tentativas de monarquias, sem chegar a consolidar o sonho democrático da Revolução. No
início do século 19, ocorre o governo de Napoleão Bonaparte.
As cidades cresciam em ritmo acelerado e não planejado. O resultado foi que a
população, em sua maioria, era pobre e vivia em condições precárias. Essas pessoas
buscavam oportunidades de emprego nas empresas que surgiram graças à Revolução
Industrial, um movimento tecnológico que iniciou na Inglaterra, em 1750, onde a produção
artesanal foi substituída pela produção em massa (resumo do resumo, ok?).
Nas artes, surge o Romantismo, movimento artístico que enfatiza o nacionalismo, a
individualidade, a emoção e a liberdade de expressão. Seus temas eram ligados ao amor,
natureza e solidão.
E como o ballet é influenciado pela sociedade e a política, todas essas mudanças vão
estar presentes na dança e encaminhá-la para a atualidade. No século 19, podemos esquecer
a estética do ballet do século 18 e os Caráteres da Dança.
36
A Técnica Clássica Francesa no Século 19 (1801 - 1900)
Rotação das Pernas: O en dehors (os pés/pernas virados para fora) passou de 45º para uma
linha de 180º;
Pernas Altas: Eram elevadas a 90.º (na altura do quadril). Mais para o fim do século a perna
acima do quadril passa a ser normalizada;
Altura da Meia Ponta: Alta com o calcanhar se elevando muito do chão. Surge o subir na
ponta dos dedos (feito por homens e mulheres);
35
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Carlotta Pochini [facsimile signature]. New York Public Library Digital Collections.
Disponível em: <https://digitalcollections.nypl.org/items/510d47e2-7127-a3d9-e040-e00a18064a99>. Acesso em: 30 jun 2023.
Figura 38 - Braços elevados 35
37
Saltos: Eram mais variados e mais difíceis, surgindo as múltiplas batidas e aumentando
a altura, surgindo os grandes saltos;
Piruetas: Giradas em sequência, não mais de forma simples, contando com as mais variadas
poses, estilos e finalizações.
36
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library.
Cachucha (Choreographic work: Elssler). New York Public
Library Digital Collections. Disponível em:
<https://digitalcollections.nypl.org/items/f0b194e0-7de3-
0130-8453-58d385a7b928>. Acesso em: 30 jun 2023.
38
Curiosidade
Quer saber como era fazer uma aula de ballet nesse período? Então, vamos lá. Em
primeiro lugar, acho importante você saber que com o governo de Napoleão o ballet
ganhou ares militares e regras rígidas de horário e vestimenta. Se não quiser sofrer
reprimendas (ou chegar a ser presa(o)), é melhor cumprir. Além disso, se decidiu que
para dançar, a pessoa deveria ser esforçada, ter boa conduta e moral. Lembra do
individualismo propagado pelo Romantismo? Ele influencia aqui: o esforço individual
passa a ser essencial para o sucesso.
Agora, pegue seu uniforme. Para as meninas, utilize uma meia-calça clara, uma
calçola, e por cima uma túnica clara, com comprimento até abaixo do joelho. Nos pés
uma sapatilha, e o cabelo preso em um coque. Se avançarmos mais para o fim deste
39
século alguns acessórios podem ser adicionados, como uma fitinha amarrada no pescoço e
na cintura. Os meninos, possuem menos coisas. Apenas uma calça mais apertada e uma
blusa mais soltinha, presa dentro da calça. Nos pés, uma sapatilha.
Figura 43 - Dancer | Edgar Degas | French. 1880 Figura 44 - Little Girl Practicing at the Bar | Edgar Degas | French. 1878–80 Figura 45 - Three Dancers Preparing for Class | Edgar Degas | French. after 1878
Como você vai para a aula? Bem, depende da sua classe social. A grande maioria de
quem estuda dança neste período é de classes pobres, então darei este exemplo: Está
amanhecendo e você acorda para a aula. Você mora longe da Ópera de Paris e precisa ir a pé.
Por sorte, não está chovendo nem nevando. Se estivermos antes de 1830 você faz isso apenas 3
vezes na semana. Após esse período, todos os dias. Acordou tarde? É melhor se apressar, pois
os horários precisam ser cumpridos.
Chegando na academia, as aulas de ballet ocorrem separadamente, então meninos para
um lado, meninas para o outro. Apenas se juntam para as aulas de pas de deux (dança a dois).
Aquecida(o) você já está (depois da longa caminhada) e agora vai ter uma aula com
duração entre 4h e 5h30. Nessa aula você faz exercícios na barra (uma novidade no
treinamento) e no centro. A estrutura é parecida com a que utilizamos até hoje. No total serão
648 movimentos na barra, divididos entre 6 exercícios (Plié, Grand Battement, Petit
Battement Glissé, Ronds De Jambe Sur Terre, Rond De Jambe En L’Air e Petit Battement Sur
Le Cou-De-Pied - sim, nesta exata ordem). Essas mesmas sequências são repetidas no centro
(talvez na meia-ponta), junto com outros exercícios para trabalhar equilíbrio e giros. Podia
chegar a ter 57 exercícios de pirueta. Acha que acabou? Não!
40
Para encerrar a aula, e trabalhar a expressividade, é realizado os chamados enchaiments,
sequências com dança e pantomima. O/A bailarino(a) deveria buscar aperfeiçoamento técnico
e interpretativo, além de acrescentar algo de sua autoria. Agora, sim, encerrou. Cansou? Não se
preocupe, ainda tem mais!
Como você dança para ajudar no sustento familiar, ops… havia esquecido de lhe informar
isso. Sim, as bailarinas e bailarinos da Ópera de Paris, independentemente da idade (a partir dos
7 anos), recebiam um salário para estarem ali. Ou seja: eles trabalhavam, complementando (ou
sendo a única) renda da família. A boa notícia é que esse salário pode melhorar se participar
dos espetáculos durante as noites. E você faz isso. Então, durante a tarde tem ensaios, e em
algumas noites, você apresenta. Depois de tudo, retorna a pé para sua casa, longe da Ópera
(mesmo se for criança). Se chegar meia-noite em casa, você pode ter que acordar cedo na
próxima manhã para a mesma rotina. E se atrasar para a aula, ensaio ou apresentação, pode ser
demitida(o).
Figura 46 - The Rehearsal of the Ballet Onstage | Edgar Degas | French. 1874 Figura 47 - Dancer in Green | Edgar Degas | French. 1883
41
Como o esforço individual é essencial para garantir o sucesso pessoal, bailarinos e
bailarinas passam a pagar aulas particulares. Mas para isso era necessário ter dinheiro,
então apenas aqueles que eram mais ricos conseguiam arcar com esse custo. Quem era
pobre, tinha poucas escolhas, com consequências diferentes. Decida seu caso:
Não fazer: É mais difícil atingir um cargo melhor, ou fama. Geralmente acaba
desistindo.
Trabalhar mais: Consegue pagar as aulas, mas fica mais cansada(o) e propenso a
lesões, rendendo menos, por mais que se esforce. Em caso de lesão que impeça de dançar,
a companhia não paga o salário do período parado - e dependendo do tempo, você pode
ser demitida (o).
Troca de favores: Homens muito ricos circulam pela Ópera de Paris, acessando
bastidores das aulas, ensaios e espetáculos. Eles podem dar dinheiro em troca de "favores"
e "carícias". Reservado para as meninas.
38
New York Public Domain Archive, https://nypl.getarchive.net/media/foyer-de-la-danse-8e3230
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Foyer des acteurs à l'Opéra. New York Public Library Digital Collections.
39
Para nós é quase impossível pensar em uma bailarina e não imaginá-la dançando sob a
ponta dos pés. Mas, até 1830, essa imagem não existia. Nesse período, a técnica de pontas
ainda engatinhava e se transformaria completamente até o século 20.
Apesar de hoje ser bem delimitado que é a mulher que dança com uma sapatilha de
pontas, lá no início, os homens também faziam. Muitas ilustrações mostrando pessoas sob a
ponta dos pés, são masculinas. Mas o que acontece que acaba virando sinônimo de “bailarina”?
Figura 50 - Homem sob a ponta dos pés 40 Figura 51 - Homem sob a ponta dos pés 41
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Mr. Théleur dans son ballet de Figaro au village. New York Public Library Digital Collections.
40
43
41
Figura 53 - Melle. Taglioni dans La sylphide 43 Figura 54 - Melle. Taglioni dans La sylphide 44
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library.
42
Hr. Rozier und Dlle. Brugnoli im Ballete die Fee und der Ritter.
New York Public Library Digital Collections.
Disponível em: <https://digitalcollections.nypl.org/items/510d47e2-0d4b-a3d9-e040-e00a18064a99>.
Acesso em: 30 jun 2023.
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Melle. Taglioni dans La sylphide. New York Public Library Digital Collections.
43
44
Disponível em: New York Public Domain Archive, https://nypl.getarchive.net/media/marie-taglioni-als-sylphide-87b743
44
A Consagração da Mulher em Palco
Nós viemos através de praticamente 2 séculos (17 e 18) onde o homem era símbolo
do ballet. Eles que dominavam os palcos, que eram as estrelas. Mas, o que pode ter
acontecido que fez com que as mulheres tomassem o lugar deles? Já vou adiantando:
foi uma promoção por despromoção.
O primeiro “culpado” é Auguste Vestris. Ele colocou em curso duas mudanças que
foram fundamentais para o homem sair de cena: o virtuosismo da técnica masculina e a
extinção dos Caráteres da Dança.
O Caráter Nobre, aquele com poucos saltos, giros e elevações de pernas, foi o
responsável por manter o homem como principal durante séculos. E esse Caráter era a
representação daquilo que um bailarino deveria ser: metódico, limpo, técnico e sutil.
Quando os saltos e giros se tornam moda entre os jovens bailarinos, o ballet dá adeus à
essa imagem - e ao Caráter que consagrou o homem na dança. Alguns professores do
período foram contra a extinção dos Caráteres, justamente porque achavam que
poderia fazer com que o homem perdesse a importância cênica. Eles estavam certos.
Mas manter os Caráteres era algo que não poderia acontecer, a técnica clássica estava
muito mudada. E essa mudança acabou por tornar todos os Caráteres da Dança “iguais”,
não existia mais diferença entre interpretar um Caráter Nobre ou Grotesco, todos
tinham uma única forma de interpretar, se movendo de forma igual. Um nobre elevaria
as pernas e giraria como um personagem grotesco. Houve uma homogeneização, que
possibilitou mulheres e homens atingirem um desenvolvimento técnico parecido.
Mas a busca pelo impossível, sem a técnica correta, tornou os bailarinos sujos e
espalhafatosos. Eles realizavam saltos e passos que não agradavam aos olhos, perdendo
o equilíbrio nas piruetas ou caindo com peso depois dos saltos. O público e a crítica
começam a ficar cansados das tentativas dos bailarinos. Estes queriam assistir algo
que agradasse aos olhos, fosse lindo, técnico, limpo, como eram os bailarinos do estilo
Nobre. Apenas Vestris conseguia isso. A nova geração, não. E sabe quem era lindo,
técnico e limpo? Já, já dou a resposta. Antes temos mais dois “culpados” na lista.
O segundo “culpado” é a mudança do ideal de masculinidade. As revoluções que
aconteciam, como a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, fizeram com que o
conceito do que é ser “masculino” mudasse. Nesse momento, o conceito do homem
com trejeitos da corte, com movimentos sutis, delicados e cerimoniosos, passa a ser
considerado “afeminado”. E essa forma de se movimentar é a base do ballet. O que
isso quer dizer: a base do ballet que até então era considerada masculina, passa a ser
enxergada como feminina. E como algo feminino, era tido como frívolo, pífio e perverso,
não sendo digno de um homem.
45
O último “culpado” é o Romantismo. Este movimento queria leveza, graça e
fragilidade. Os homens com suas tentativas de virtuosismo não se encaixavam nestes
valores, pois não conseguiam executar esses passos de forma leve, que agradasse aos
olhos. Muito menos com graça e fragilidade. Além disso, este movimento artístico acabou
por consagrar o homem como criador e a mulher como musa inspiradora. Na dança,
acaba por incentivar a saída dos homens dos palcos, que passam a se consagrar como
professores e coreógrafos. Profissões dignas de um homem na sociedade.
Lembra da pergunta que fiz anteriormente, sobre quem conseguia ser lindo, técnico e
limpo? Aqui vai a resposta: as mulheres com suas sapatilhas de ponta. Elas encarnavam
os ideais românticos, de seres etéreos, leves e em busca de um amor impossível. A
bailarina passa a ser tudo aquilo que os poetas e escritores, homens, do movimento
romântico, imaginavam sobre a mulher perfeita. E isso as consagra como o novo símbolo
do ballet e do feminino.
Quando Coppélia, o último grande ballet francês, estreou em 1870 na Ópera de Paris,
o principal papel masculino foi interpretado por uma mulher vestida de homem. Isso
demonstra como eram poucos os bailarinos, sendo possível que nem houvesse mais
alunos pela Ópera. Você acha que os espectadores, homens, ficavam indignados com essa
ausência ao assistir os espetáculos? Sinto dizer que não. Na realidade eles se divertiam
imaginando as formas por baixo das roupas masculinas utilizadas pelas bailarinas. Essa
prática de mulheres dançando vestidas de homem se tornou comum no fim do século 19,
como um chamariz de público.
Figura 55 - Melle Marquet, rôle du marquis 45 Figura 56 - Melle Marquet, rôle du marquis 46 Figura 57 - Marie Taglioni als Satanella 47
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Melle Marquet, rôle du marquis, dans La veuve de quinze ans. New York Public Library Digital Collections.
45
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T
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S
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R I A S
Thérèse Elssler (1808 - 1878)
48
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Elssler, Fanny, Therese Elssler. New York Public Library Digital Collections.
Disponível em: <https://digitalcollections.nypl.org/items/c626c4a0-9cc1-0131-d26a-58d385a7bbd0>. Acesso em: 1 jul 2023.
49
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Costume de Melle Thérèse Essler [sic] dans
La chatte metamorphosée en femme. New York Public Library Digital Collections.
Disponível em: <https://digitalcollections.nypl.org/items/b1be9840-9da5-0131-918b-58d385a7b928>. Acesso em: 1 jul 2023. Figura 59 - Thérèse Elssler 49
49
isso que as Elssler faziam: Thérèse, sendo mais alta e grande, interpretava homens
e Fanny, pequena e mais delicada, os papéis femininos.
A irmã mais velha coreografava os duos que elas apresentavam. E isso foi
responsável por fazer Fanny se destacar e ser lembrada como uma das maiores
bailarinas da história. Como? Uma boa coreógrafa enaltece o melhor que sua bailarina
tem. E Thérèse fazia isso, mostrando o melhor de Fanny. O que lhes rendeu um contrato
com a maior companhia de dança da época, a Ópera de Paris, em 1834.
Em sua estreia na nova companhia, Thérèse coreografa um duo com a irmã. Esse
duo aparecia em uma obra intitulada “Gustave”, numa cena de baile de máscaras.
Depois disso, utiliza a influência de seu sobrenome para criar o primeiro ballet
completo feito por uma mulher, para a Ópera de Paris. Ou, o primeiro ballet onde foi
creditado o nome de uma mulher.
Ele estreou em 1838 e se chama “A Gaiola dos Pássaros” (La Voliére), inspirado no
conto intitulado “Les Oiseaux” de Boccace. Alguns pesquisadores indicam que a peça
serviu como um alerta à Fanny, para esta não se perder no mundo dos homens. Como
as obras de Thérèse geralmente eram para ela e a irmã, esta não foi diferente. O único
papel masculino da peça foi interpretado pela mais velha e o papel principal pela mais
nova. Com apenas um ato, a narrativa girava em torno de uma menina apaixonada por
pássaros. Criada em um lugar onde existiam apenas mulheres, nunca tinha visto um
homem na vida, e na primeira vez que conhece um, o trata como um pássaro, tentando
domesticá-lo — enquanto ele tenta seduzi-la.
Nesta peça é possível perceber a decadência da figura masculina na dança. Nas
críticas, é citado que uma das melhores coisas da obra é o personagem masculino não
dançar. Como assim? Ele utilizava a pantomima para imitar um pássaro. Acredite no
que falarei agora: essa escolha poupava o público do tédio de ver as tentativas de saltos
e giros complexos, comuns em outras obras. Sim, a palavra utilizada é “tédio”. Quem
escreveu foi o crítico Théophile Gautier, responsável pelo roteiro de um famoso ballet,
Giselle.
A Gaiola dos Pássaros durou apenas 4 apresentações, dividindo a opinião pública e
da imprensa. Num geral, a obra não foi muito bem recebida, com muitos não vendo
com bons olhos a autoria feminina. Ainda vai demorar muitos anos para que isso seja
normalizado. O comum, até o século 20, era o nome delas não aparecer nos créditos.
Isso só muda com a luta de mulheres que trabalhavam em teatros menores, como o
Ópera-Comique na França.
50
De qualquer forma, é muito possível que a obra de
Thérèse seja um dos primeiros ballets completos já
feitos por uma mulher, para uma grande companhia.
É ele que abre as portas para futuras coreógrafas,
como Fanny Cerrito (com Gemma) e Marie Taglioni
(com A Borboleta — Le Papillon). Apesar disso
acontecer apenas 20 anos depois.
Lembra que falei que o ballet era uma forma de
conseguir escalar socialmente? É isso que acontece
com Thérèse: ela se casa com um príncipe, em 1850.
Assim ela abandona as sapatilhas pela coroa, e ela é
feliz. Após sua morte em 1878, seus feitos e sua figura
são escondidos. Mas olhando nos lugares certos,
conseguimos achar.
50
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Fanny Cerrito. New York Public Library Digital Collections.
Disponível em: <https://digitalcollections.nypl.org/items/fcf8beb0-0e07-0133-6fc7-58d385a7b928>. Acesso em: 1 jul 2023.
51
O Ballet no Brasil do Século 19 (1801-1900)
52
Josephine Toussaint. Nesse meio tempo surgem as primeiras bailarinas
brasileiras, Estela Sezefreda e Clara Ricciolini. Mas o que acontece antes disso,
é a Independência do Brasil.
Em 1822 o Brasil não é mais colônia de Portugal. Mas o Imperador eleito era
integrante da monarquia portuguesa: Dom Pedro I. Ele passa a investir em tornar
o Rio de Janeiro uma capital de excelência. Para isso, a partir da década de 1830,
anuncia incentivos para a vinda de artistas estrangeiros. Muitos desses
buscavam refúgio de crises que assolavam a Europa, principalmente a Itália, onde
ocorria uma tentativa de unificação do território. Esses artistas chegavam com
ideias revolucionárias que inflamavam a opinião de escritores e pensadores
nacionais.
Dentre esses artistas vêm uma das maiores estrelas europeias. Em 1849,
Marietta Baderna, ou Maria Baderna, coloca seus pés em solo brasileiro.
Schomburg Center for Research in Black Culture, Photographs and Prints Division, The New York Public Library. "Venta a Reziffé."
51
New York Public Library Digital Collections. Disponível em: https://digitalcollections.nypl.org/items/510d47df-c9ce-a3d9-e040-e00a18064a99. Acesso em: 20 jul. 2023.
53
Maria
Baderna
(1828 - 1892)
clique aqui para ver
uma animação sobre ela
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Maria Baderna (1828 - 1892)
Revisado por Paula Giannini [Baderna]
Baderna [s.f.]
Situação em que reina a desordem; confusão,
bagunça.
Divertimento noturno; boêmia, noitada.
Conflito entre muitas pessoas; briga, rolo.
[fig.] Grupo de pessoas desprezíveis; corja, súcia.
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - 1848 a 1868. Disponível em:
52
público italiano e inglês, chegando a ser assistida pela Rainha Vitória do Reino Unido.
Baderna era acostumada a misturar a técnica clássica com danças tradicionais de
diferentes países. Isso era normal dentro do ballet romântico, como uma forma de
acrescentar na dança os ideais de nacionalismo pregados no Romantismo. Lembre
disso, irei retomar mais para frente.
A família de Maria era envolvida politicamente na região da Itália, fazendo parte da
Carbonária, uma sociedade secreta que participou de forma ativa do processo de
Unificação Italiano. Naquela época a Itália não era um país como conhecemos hoje, mas
sim vários reinos pequenos, muitos sob domínio da Áustria. A sociedade secreta da qual
Maria fazia parte, acreditava em um país unificado sob um governo Republicano. Nele, o
povo elegeria seus representantes no executivo, legislativo e judiciário, e eles iriam tomar
decisões em nome, e a favor, de seus eleitores (o povo). Os carbonários sofreram grande
perseguição pela oposição monarquista, piorando após a Invasão Austríaca.
Quando ocorreu a Invasão Austríaca, Maria tinha acabado de realizar uma turnê pela
Europa, fazendo sucesso. Mas ao retornar ao seu local de nascença precisou tomar uma
decisão difícil: para ela continuar dançando, e ficar segura, aceitou um convite para vir ao
Brasil. Aqui ela é glorificada como uma das maiores estrelas a já desembarcarem em
53
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Carlo Blasis. New York Public Library Digital Collections.
Disponível em: <https://digitalcollections.nypl.org/items/510d47e2-0d47-a3d9-e040-e00a18064a99>. Acesso em: 1 jul 2023.
54
Jerome Robbins Dance Division, The New York Public Library. Gli allievi dell'i. r. Accademia di Ballo e di Mimica in Milano l'anno 1838 consacravano
ad Annunziata Blasis. New York Public Library Digital Collections. Disponível em: <https://digitalcollections.nypl.org/items/510d47e2-0d43-a3d9-e040-e00a18064a99>. Acesso em: 1 jul 2023.
56
nossa costa, recebendo um dos maiores salários disponíveis para os artistas do Theatro
São Pedro de Alcântara (que a contratou).
Em 29 de setembro de 1849, aproximadamente dois meses após sua chegada,
Baderna estreia com um espetáculo que se consagra em seu repertório no Brasil: O
Lago das Fadas. Este balé, que surgiu na Europa em 1839, faz parte dos ballets românticos,
tendo como moldes outros ballets do período, como A Sílfide (La Sylphide) e Giselle. Um
balé romântico tem como características o uso da sapatilha de pontas, piruetas e o
aparentar sobrevoar, ser leve, um espírito que não é deste mundo. Música, história e
coreografia são inspirados em temas “históricos”, romances, lendas e melodramas.
Baderna representa para a sociedade brasileira uma imagem de pureza,
ingenuidade e fragilidade, próprias do Romantismo. Ela é símbolo da perfeição, e sua
dança expressa isso. Os jovens da alta sociedade, adeptos dos ideais românticos, se tornam
fãs dela e são os primeiros “baderneiros”.
Não demorou para que o investimento artístico promovido com afinco pelo governo
brasileiro não se cumprisse. Em 1850 (nem 1 ano depois da chegada de Maria e outros
artistas ao Brasil) os salários estão atrasados. Baderna entra em greve, e se recusa a se
apresentar no Theatro São Pedro de Alcântara até que essa situação se resolvesse. Deu
certo, e todo mundo recebeu o atrasado.
Na virada de 1849 para 1850 o Brasil lidou com um vírus que causou muita
devastação: a febre amarela. Neste ano, a doença vitimou aproximadamente 4 mil pessoas
no Rio de Janeiro (onde Baderna e a família moravam), sendo considerada a responsável
por 40% das mortes daquele ano. Uma dessas vítimas foi o pai de Maria, Antonio
Baderna, assim como 45 (dos 55) artistas do Theatro. Maria contrai o vírus e sobrevive,
saindo, em 1851, em turnê rumo a Recife. É lá que se concretiza a mudança de significado
de seu sobrenome. Mas antes dessa viagem, vamos falar sobre o início dessa troca
semântica de “admiradores de Baderna” para “bagunça”.
Baderna dançava de forma tão maravilhosa que aqueles que a assistiam
(especialmente seus fãs) não se contentavam em aplaudir apenas batendo as mãos. Ela
causava uma euforia tão grande que era preciso bater os pés. Suas apresentações geravam
barulho. E esses fãs eram jovens envolvidos com o movimento romântico, defensores da
cultura nacional, considerados rebeldes e contestadores do governo. Além disso, as
mulheres (esposas) tinham inveja de Baderna, pois os homens costumavam sair de casa,
sozinhos, para assistirem à bailarina. E assim começam a surgir fofocas maldosas e a se
adotar um discurso midiático sugerindo que Maria estaria depravando a nova geração e os
homens casados. Sua imagem passa a ser difamada.
57
Agora voltemos a Recife. Após uma viagem de barco de aproximadamente 10 dias, Maria
se apresenta no Theatro de Santa Isabel, onde dança duas obras que chocaram a elite da
época: Lundum D’Amarroá e Balli Negri.
Nessa época, o Brasil ainda era um país onde a escravidão era legalizada (a abolição
ocorreu apenas em 1888), e assim, uma grande parte da população era negra, escrava e vítima
do racismo. Essa população trouxe para este país a cultura que existe em suas terras natais na
África, ajudando a moldar a cultura, história e costumes brasileiros. Dentre as danças nacionais,
de origem africana, temos o lundu, a umbigada e o batuque. Maria Baderna tem contato com
essas danças, e decide misturá-las ao balé clássico. Lembra que falei que isso era normal?
Fanny Elssler, na França, misturou ballet e a Cachucha espanhola. Blasis, na Itália, fez a Nova
Cachucha que Baderna já havia dançado nos teatros brasileiros. Então qual era o problema?
A resposta é triste.
As danças que Baderna queria usar não eram europeias. Eram brasileiras. E acima de
tudo, tinham origem africana. As apresentações de Baderna não aconteciam nas ruas, e sim
nos espaços que a alta sociedade frequentava. Ao levar para os palcos da elite uma dança que
era das ruas, de pessoas negras e pessoas pobres, uma dança que é brasileira, Baderna
mancha a imagem de perfeição do balé europeu. Como ela se atrevia a misturar uma arte
europeia e chique, com danças tão selvagens? Um insulto.
O civilizado e bonito era a cultura europeia. As culturas brasileira e, especialmente, a
africana, eram selvagens, sensuais e indignas. Assim, a mesma alta sociedade que idolatra
Maria em sua chegada, passa a nutrir antipatia, enxergando a dança como uma arte
modernista e contra os “bons costumes e tradições”.
Calma que essa mistura também teve um lado bom: Baderna recebeu ainda mais
adoração dos jovens revolucionários que acreditavam em uma arte brasileira, com
características brasileiras, e não europeias; e das pessoas das ruas, do povo.
A apresentação de Lundum D’Amarroá e Balli Negri
causa tanto alvoroço que chega a ser notícia internacional.
Havia um alerta da crítica, sobre os aplausos serem por causa Grand Jeté
do requebro e sensualidade do lundu e do escancarar de
pernas como se fosse partir em duas — estaria este crítico se
referindo a um espacate, ou grand jeté? Não consegui
descobrir, mas de qualquer forma, este passo muito
provavelmente já teria sido executado por Baderna em outros
momentos e coreografias, e nesses casos não causou alarme.
58
Ele fica sensual após o Lundu. O mesmo aconteceu com a vestimenta da bailarina, que
tinha uma saia mais curta (logo abaixo do joelho), mostrando a pele das costas, ombros e
colo, muito diferente do que as mulheres usavam no dia a dia.
A figura de Maria começa a se desconectar da Sílfide etérea, frágil e perfeita do
Romantismo; da Fada que interpretou no seu balé de estreia no Brasil, e passa a ser
enxergada como rebelde, sensual e transgressora.
Ainda em 1851 surge no Rio de Janeiro a chamada “febre dançante”. Nada mais que
uma onda de bailes de máscaras, festas em clubes e salões, alimentada pela paixão em
massa pela dança. Esse evento atiça a parcela que acredita que a dança estava
corrompendo os jovens e acabando com os "bons costumes e tradições".
Isso ajuda a marginalizar a figura social do artista, movimento impulsionado pelo
incêndio do Theatro São Pedro de Alcântara. Esse evento foi interpretado como uma
maldição, resposta divina para a depravação causada pela classe artística. A consequência é
um retrocesso na vida de quem seguia essa carreira. Com o incêndio, muitos artistas ficam
sem sua principal renda e espaço digno para se apresentar, vendo sua profissão se
desvalorizar. Adivinha: as consequências foram muito piores para as mulheres.
Baderna era uma mulher que conseguia se autossustentar, indo contra o ideal
conservador que dizia que uma mulher de boa família não deveria trabalhar, mas sim cuidar
da casa, marido e filhos. Essa imagem de independência feminina era mal vista
socialmente, não apenas para Baderna, mas para qualquer outra mulher. E esse fator, torna
a desvalorização da mulher na arte, pior que para um homem.
Foram vários motivos que fizeram com que "baderna" se tornasse "bagunça". Aqui
está um resumo: a sensualização da pessoa de Maria depois da apresentação do Lundu, o
barulho que seus fãs faziam, as fofocas impulsionadas por inveja e por ela ser independente,
além da desvalorização do artista. A troca semântica é um processo lento, que se consagra
apenas no século 20, com o significado original sendo escondido.
Maria vive com o maestro Gioacchino Giannini, que foi o responsável por convidá-la
para vir ao Brasil. Não se sabe o ano que ocorreu o casamento, podendo ser uma união
estável (até o momento que escrevo, não foi encontrada a certidão de casamento), mas o
primeiro filho do casal nasceu em 1856. No total, foram 4 filhos.
Antes do nascimento do primogênito, entre 1853 e 1854, Baderna retorna em turnê
para Recife. Nessa segunda vez, a bibliografia que consultei não fala sobre ela ter dançado o
lundu ou Balli Negri. É possível que nunca mais tenha dançado. Depois disso, sua atuação
na dança (como bailarina) se torna menos frequente, possivelmente por passar a se dedicar,
59
também, aos filhos. Entre os anos de 1875 e 1884 se torna professora de dança, segundo
anúncios em jornais.
Marietta Baderna Giannini morreu aos 64 anos, em 1892, rodeada pela família. Vivia no
Rio de Janeiro, em Botafogo. A partir disso, virou uma figura escondida. Ela some, tanto
que até pouco tempo atrás a data e motivo de sua morte eram desconhecidos. E os dados
apontavam para um caminho errado - que ela teria morrido na Europa em 1870. Isso só
mudou graças ao trabalho e curiosidade de sua trineta, Marília, e quadrineta, Paula, que
decidiram revisitar a história de família e descobrir quem foi essa antepassada
desconhecida pela narrativa familiar (e popular). E eu agradeço imensamente pela ajuda
que disponibilizaram para escrever este material.
Esta foi Maria Baderna: uma bailarina revolucionária que ajudou a apontar um
caminho para uma dança verdadeiramente brasileira.
Nota: é possível que as obras de 1851 tenham sido coreografadas por José de Vecchy, colega
de Baderna que era bailarino e mímico. Contudo, há uma contribuição de Baderna para a criação
destas peças. O Lundum não foi dançado apenas por Baderna, mas também por outras colegas
dela durante as turnês. Aparentemente, a partir dos registros que vi em jornais, não era comum dedicar
de quem era a autoria das obras coreográficas. Existem diversas outras obras que Maria dançou como
O Lago das Fadas, La Styrienne e Nova Cachucha.
60
O Ballet No Brasil Do Fim Do Século 19 (1870 - 1900)
Ufa, é quase hora de voltarmos para casa, em nosso século. Mas antes disso, uma
parada para falarmos sobre a dança no Brasil no fim do século 19, a partir de 1870. Não é
um bom período para ser artista, muito menos bailarina, essa é a verdade.
Muitos dos europeus que vieram para cá, atraídos pelas promessas do governo, foram
embora assim que as coisas começaram a não ser cumpridas. Assim, a dança (e a arte)
passam a se desenvolver em outros países da América do Sul, como Argentina e Cuba. Em
1870, é rara uma apresentação de balé no Brasil, com os bailarinos se sustentando,
principalmente, através de aulas particulares para treinar jovens damas. Não havia incentivo
ao desenvolvimento da dança teatral.
Surgem novas modas e divertimentos: vaudevilles, operetas e chansonnettes.
Espetáculos ligeiros, em espaços aos moldes dos cabarés franceses. O Brasil continuava a
imitar e considerar superior o que era francês. E nessa imitação e novos espetáculos, a
desvalorização do artista se torna cada vez pior.
Na história de Maria Baderna falei que a imagem dela passou a ser sexualizada. Para
outras bailarinas isso piora no fim do século 19. A visão da bailarina passa a ser a mesma
que na Europa (principalmente na França), onde ser mulher, e dançar, era comparado à
prostituição.
A figura da bailarina é recuperada apenas no século 20. Nesse período, bailarinos e
bailarinas de grandes companhias, como a Les Ballets Russes, fazem turnês (e acabam se
instalando) por aqui. A partir de então, surgem as primeiras escolas oficiais de dança e as
escolinhas de arte, que incentivam o desenvolvimento da dança teatral e profissional. A
dança clássica começa a evoluir aos moldes do balé russo, ao contrário do que ocorreu no
século 19, onde os principais artistas e professores eram italianos ou franceses. Contudo, a
característica de ser uma arte ligada ao treinamento de boas maneiras, para jovens damas,
ainda é muito presente. E isso deixa reflexos na forma como a dança clássica se
desenvolve hoje em nosso país.
61
Encerramento
fim
62
Que tal compartilhar como foi a viagem?
www.projetooriri.com.br
63
i
glossario
Élevé: Na Dança Barroca é se elevar, seja esticando os joelhos depois de um plié ou
subir na meia-ponta. No balé moderno é subir na meia-ponta.
En Dehors: No balé, é o ato de virar os pés para fora, a partir do quadril.
Étoile: A partir da década de 1830/1840, é o cargo da(o) bailarina(o) principal dentro da
Ópera de Paris.
Fouetté: A bailarina gira com um pé na altura do joelho, essa perna estica a frente do
corpo e realiza um semicírculo no ar, indo para a lateral e voltando à pose inicial com o
pé no joelho, pegando impulso para girar mais uma vez.
Grand Jeté: No balé, é um salto, onde a bailarina faz um espacate no ar, com ambas as
pernas abertas, uma à frente e outra atrás.
Pas de Bourrée: No balé, é um passo, com diferentes formas de execução. Mas
consiste em um movimento de deslocamento em 4 etapas, sendo uma preparação,
2 passos deslocando no contratempo e finalização.
1 2 3 4
64
Bibliografia
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Ilustrações para Colorir
Françoise Prévost
71
Ilustrações para Colorir
Marie Sallé
72
Ilustrações para Colorir
Thérèse Elssler
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Ilustrações para Colorir
Maria Baderna
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Projeto Cultural selecionado pelo Prêmio Elisabete Anderle de Apoio à Cultura –
Edição 2022, executado com recursos do Governo do Estado de Santa Catarina,
por meio da Fundação Catarinense da Cultura. Processo FCC 2920 / 2022.