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Unidade III - O Processo da Criação Coreográfica – Parte 1 33

Aula 6
Elementos da Criação Coreográfica

A criação coreográfica é um processo que envolve inspiração e transpiração, razão


e emoção, sensibilidade e pragmatismo. Demanda pesquisa, estudo, experimentação e
muito trabalho. Cada coreógrafo estabelece uma metodologia própria para o
desenvolvimento das múltiplas atividades que envolvem a criação coreográfica. Não
pretendemos neste curso padronizar esse processo. Afinal, as etapas da criação
coreográfica se alternam, se complementam, se sobrepõem.

Os conteúdos deste curso referem-se aos fundamentos da composição


coreográfica e foram organizados em uma ordem que julgamos a mais didática. Isto não
significa necessariamente que todo processo de criação siga a mesma cronologia. Se em
alguma aula retomamos algum conteúdo já tratado em aula anterior é para destacar a sua
importância e reforçar também a interação dinâmica entre todas as fase da criação
coreográfica.

A criação coreográfica desenvolve-se graças à integração de diversos elementos


que classificamos em fundamentais, secundários e complementares. Estes serão os
conteúdos que estudaremos nas duas próximas Unidades. Vamos a eles.

1. Elementos Fundamentais da Criação Coreográfica:


O Conteúdo
• Idéia / inspiração
• Componentes estruturantes de uma coreografia

A Forma
• A construção da seqüência-básica.
- Concepção
- Manipulação
- Desenvolvimento = Espaço e Energia
• A Música = tempo, ritmo, melodia, harmonia, fraseado

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2. Elementos Secundários da Criação Coreográfica:


A Estilização
• Períodos Históricos e Estilos
• A Estilização: como proceder
- As formas pré-clássicas
- Usando formas antigas

3. Elementos Complementares da Criação Coreográfica:


Figurino
Cenário
Iluminação

Elementos Fundamentais da Criação Coreográfica


O Conteúdo

O conteúdo é a expressão daquilo que o coreógrafo quer “dizer”; está ligado


diretamente ao tema escolhido por ele, abstrato ou não, e às mudanças que irão delinear a
ação.

Como nasce uma peça coreográfica?

A idéia para um ballet pode surgir do nada: é o caso do lampejo de inspiração.


Apesar de ser o mais raro, é o mais feliz. Não há regras para a inspiração, mas, esse ponto
de partida para a criação, embora seja singular e muito pessoal, pode ser estimulado a
qualquer momento e por qualquer coisa.

A maioria dos coreógrafos, porém, diz que sua motivação parte da música. É muito
comum entre nós, profissionais de dança, estarmos ouvindo uma música e, de repente,
começarmos a visualizar uma dança, quando então diversas formas, cores, luzes, figurinos
invadem nossos pensamentos. Talvez já seja indício de que é possível criar!

COMPOSIÇÃO COREOGRÁFICA PARA BALLET


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Mas a idéia para uma composição coreográfica pode surgir também de um poema,
uma história, uma peça, um quadro, um acontecimento, ou até mesmo dos movimentos
feitos por um bailarino. Um bom exemplo é o do crítico e escritor francês Theóphile Gautier
que, sabe-se, tinha tanta admiração pela bailarina Carlota Grisi que sugeriu para ela dois
temas de ballet que originaram “Giselle”.

Inspiração e pesquisa

A inspiração é um brevíssimo lampejo que devemos colher rapidamente e tratar de


nutrir com experiência, conhecimento e sensibilidade artística. É importante, portanto, que
a inspiração seja complementada e nutrida com a pesquisa. Pesquisar consiste exatamente
em estudar todas as possibilidades de desenvolver aquela semente que está

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brotando dentro de nós, e partir para ação. A pesquisa é um meio de estimular a


inspiração, a curiosidade, as sensações, as emoções e a percepção do mundo exterior.

Temas que não podemos imaginar que serviriam como inspiração a uma dança –
principalmente ao ballet – foram base de belas criações. É isso que você está vendo ao
final de cada Unidade deste curso em Inspiração, curiosidades históricas sobre o impulso
criador de alguns clássicos.

Contar histórias sem palavras

Especialmente nos festivais de encerramento do ano letivo das escolas, é


recomendável elaborar uma coreografia a partir de uma história já conhecida. E, mesmo a
história sendo muito conhecida, é possível trabalhá-la com criatividade. Para tanto se deve
pensar em todas as possibilidades de contar essa história sem palavras, por meio de
movimentos.

Um exemplo: a história de João e Maria - fábula que todas as crianças conhecem.


Pode-se optar por uma apresentação linear, mostrando os meninos na floresta, perdidos,
vagando, até que começam a atirar pedacinhos de pão ao longo do caminho, na esperança
de serem encontrados e daí por diante. Ou pode-se começar pelo final da história, com os
meninos contando o que lhes aconteceu.

Nas histórias para crianças é muito comum apresentar-se o tema através de um


sonho, pois neles toda fantasia tem sua lógica e a criação pode, então, ser exercitada com
mais liberdade. Podemos comparar esse trabalho à tarefa de pintar um quadro. Quando o
pintor escolhe um estilo em que não precisa retratar a realidade como ela é, fica livre para
usar as cores como lhe aprouver. Uma maçã pode ser roxa, uma mulher pode ter três olhos
e assim por diante. É a liberdade artística de quem cria, assim como há a liberdade poética
para quem escreve. Portanto, “escorar-se” em um sonho pode ser um caminho inteligente
para difíceis soluções.

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“Ballets brancos”

A dança, porém, não precisa necessariamente se referir a algo concreto,


identificável: pode somente criar uma atmosfera particular, apresentar os movimentos em
si, ou seja, ser a dança pela dança como nos chamados “ballets brancos”, onde não há uma
história a contar. Temos como exemplos vários concertos e sinfonias: Sinfonia em C
(George Balanchine/ Bizet), Variações Sinfônicas (Frederick Ashton/ César Franck), O
Concerto (Jerome Robbins / Chopin), Concerto Barroco (George Balanchine / Bach) etc.

Se a inspiração para uma coreografia, como já dissemos anteriormente, vier da


observação dos movimentos de um bailarino, você deve deixar que a coreografia surja a
partir desses movimentos. O importante é que essa idéia, independentemente de qual

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tenha sido a fonte da inspiração, saia do plano subjetivo. É preciso que ela seja
exteriorizada, mostrada e se materialize em dança.

Alguns preferem coreografar a partir da música, combinando os passos antes de


trabalhar com os bailarinos; outros preferem experimentar movimentos diversos nos corpos
dos bailarinos, até encontrarem os melhores movimentos. É importante ter claro na mente
o que desejamos e quais as opções que temos para elaborar essa coreografia.

Contato com os bailarinos

Após a elaboração da idéia, é fundamental, o contato do coreógrafo com os


bailarinos com os quais irá trabalhar. É hora de explicar a eles exatamente o que pretende,
deixando claro para todos o objetivo da obra, seu estilo, intenção, ritmo, melodia, assim
como a escolha de cenários e figurinos – ou pelo menos o esboço do que foi pensado
quanto a isso. É necessário que o coreógrafo tenha um bom vocabulário de passos, gestos
e poses de dança a partir dos quais irá construir seu trabalho.

É aí então que o coreógrafo vai escolher os movimentos adequados à sua proposta


e elaborar as combinações possíveis desses movimentos. E, quando numa parte da
coreografia, surgir um bloqueio, é recomendado voltar ao início, tantas vezes seja
necessário até que a solução apareça - ou até que surja outra possibilidade e seja possível
continuar daquele ponto. Fique tranquilo, em algum momento, a "emenda" surgirá.

O importante são as soluções dadas às transições de movimentos e aí não estamos


mais falando de inspiração, mas de construção. A transição de uma situação para outra é
mais difícil do que a construção da forma, da estrutura básica. É o que veremos na
seqüência, quando estudarmos os componentes estruturantes de uma coreografia.

Elementos Fundamentais da Criação Coreográfica

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Componentes estruturantes de uma coreografia

Toda coreografia tem uma estrutura, constituída do que chamamos de


“componentes estruturantes”.

Existem regras de como esses componentes estruturantes devem se integrar na


composição coreográfica. O gráfico a seguir é apenas um resumo para facilitar a
visualização da integração do que consideramos vital à estrutura de uma obra coreográfica.
Em seguida, trataremos de cada um desses componentes.

Para que uma peça seja coerente e tenha sentido, devemos organizar os seus
componentes estruturantes da mesma maneira que concatenamos as palavras em frases
para expor nosso pensamento de modo lógico e funcional.

Este processo de estruturação conscientemente realizado tem como finalidade a


unidade.

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Unidade

A unidade, ou seja, a organização de várias partes será conseguida quando a


composição resultar num todo, onde nada possa ser retirado ou acrescentado sem
prejudicar o conjunto. Nesse ponto não estamos mais falando da unidade entre todos os
elementos cênicos como cenários, figurinos, iluminação, mas apenas de unidade em
relação à coreografia. Neste item trataremos apenas de movimento.

Variedade e Contraste
Conseguir esta unidade vai depender de várias forças operantes, como variedade
e contraste, necessários para provocar interesse e dar realce à coreografia. Sem eles a
composição poderá tornar-se enfadonha. E para trabalhar com variedade de movimentos é
preciso que o coreógrafo domine a técnica com que está trabalhando.

Equilíbrio
Porém, se a variedade for procurada por si só, haverá o risco de se introduzirem
detalhes banais que poderão sacrificar uma outra parte integrante deste quadro: o
equilíbrio – a necessidade de obter-se a exata proporção entre as partes.

Clímax
Trabalhar de modo a equilibrar, dosar as dinâmicas, a energia, a ocupação do
espaço etc, não significa seguir um processo totalmente linear: mesmo equilibrada a
combinação de movimentos deverá ser capaz de levar a um ponto máximo, ou seja, ao
clímax. Assim, o trabalho terá um começo, uma ascensão e uma conclusão.

Seqüência
Então, organização demanda sequência nos movimentos empregados, ou seja, a
ordem em que um movimento segue o outro. Isso deve ser mais do que um mero arranjo.
Um simples movimento é expressivo por si próprio, mas se não for colocado em justa
posição a outros movimentos, formando uma unidade ou uma frase, não terá nenhum
significado – da mesma maneira que uma nota musical isolada não constitui uma melodia.

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Transição
A maneira como um movimento nasce de outro ou continua o seu precedente e o
modo como as frases são concatenadas e relacionadas entre si, constituem o problema da
transição. E, apesar de transição também poder ser tratada como um assunto de execução
é necessário que seja também incluída na estrutura.

Repetição
Acima mencionamos a necessidade da proporção bem equilibrada entre as partes
do todo mas não podemos esquecer da repetição, necessária para focalizar partes
dominantes que devem ser priorizadas, destacadas, destinadas a dar significado especial
ao todo. É, possivelmente, o princípio básico de toda estrutura rítmica, encontrado na
periodicidade dos acentos, ou seja, de acordo com a música.

Em certos casos, se o coreógrafo desejar criar tensão, uma espécie de efeito


hipnótico ou uma considerável força emotiva, poderá fazer uso insistente da repetição –
que exigirá uma solução adequada, por vezes em forma de explosão. Ênfase do ritmo, força
na ação e variação nas nuances de interpretação são fatores que contribuem para o
enriquecimento e a estruturação de uma coreografia.

Harmonia
Finalizando este quadro, uma boa composição obriga a um trabalho de harmonia
entre as partes que a compõem. Nada deverá estar fora de sintonia ou não estar
relacionada com o todo. Isto significa que, qualidades e propósitos idênticos devem ser
personificados nos vários elementos.

Até então, falamos sobre a parte subjetiva da criação, digamos assim, e apenas
“demos um passeio” pela organização de uma coreografia. A partir de agora, falaremos da
“forma”, outro dos elementos fundamentais da criação coreográfica, e começaremos a
aprofundar cada questão.

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