Você está na página 1de 57

UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ – PÓS-GRADUAÇÃO MBA

EM HISTÓRIA DA ARTE. TCC – TRABALHO DE CONCLUSÃO DE


CURSO.

Marcelo J. Marinho de Melo Filho

―Polifonia cênica: um estudo interdisciplinar entre teatro, música e


artes plásticas‖

(Santos - SP)
Maio/2019
UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ – PÓS-GRADUAÇÃO MBA
EM HISTÓRIA DA ARTE. TCC – TRABALHO DE CONCLUSÃO DE
CURSO.

Nome do aluno: Marcelo J. Marinho de Melo Filho

―Polifonia cênica: um estudo interdisciplinar entre teatro, música e


artes plásticas‖

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Estácio


de Sá como requisito parcial para conclusão do Curso de Pós-
Graduação MBA em História da Arte

Professor Orientador: Dra. Cristina Fonseca Silva Rennó

(Santos –SP)
Maio/2019
UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ – PÓS-GRADUAÇÃO MBA
EM HISTÓRIA DA ARTE. TCC – TRABALHO DE CONCLUSÃO DE
CURSO.

Nome do aluno: Marcelo J. Marinho de Melo Filho

Título do Trabalho: ―Polifonia cênica: um estudo interdisciplinar


entre teatro, música e artes plásticas‖

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Estácio


de Sá como requisito parcial para conclusão do Curso de Pós-
Graduação MBA em História da Arte

Professor Orientador: Dra. Cristina Fonseca Silva Rennó

Aprovada em: ........... / ...................... / .............. Nota: ........ ( ...............)


Dedicatória

Dedico este trabalho primeiramente a meus pais, Rosangela e Marcelo, que sempre
me apoiaram, me acolheram e me incentivaram a escolher o caminho que eu me
identificasse, assim como toda a minha família.
A Elizabete, minha parceira de vida, que sempre está ao meu lado e me inspira
diariamente a ser um ser humano melhor com seu amor e carinho.
A Karla Lacerda e Pedro Norato, que me guiaram, de uma maneira tão amorosa e
humana, pelos primeiros passos na carreira artística e me propiciaram
oportunidades que fizeram — e fazem — de mim o artista que sou hoje.
A todos os colegas professores da TESCOM Escola de Teatro, do Colégio Anglo
Santos e da Escola Waldorf Flauta Mágica, a quem eu devo grandes aprendizados
profissionais e pessoais no convívio diário.
A todos os meus alunos, que a cada aula me ensinam muito mais do que eles
imaginam.
Resumo

O presente trabalho, apresentado como conclusão do Curso de MBA em


História da Arte, tem como objetivo discutir e analisar o conceito de
polifonia cênica, que engloba diversas linguagens artísticas. Neste caso
específico, será enfatizada a intersecção de artes visuais, teatro e
música. Este hibridismo será estudado por meio de estudos de casos —
como quadros, peças e espetáculos musicais — nos quais determinadas
obras artísticas serão analisadas sob essa perspectiva.

O objetivo é mostrar a pluralidade de linguagens que um artista ou grupo


contemporâneo é capaz de trabalhar na sua arte e quais significados
essas escolhas agregam ao trabalho. Para tanto foi realizado um estudo
teórico bibliográfico acerca das características polifônicas na arte,
fruição de obras artísticas e entrevistas com profissionais que se utilizam
da polifonia em seus trabalhos. O resultado da polifonia cênica é a
conclusão de uma arte plural, interdisciplinar, com signos conectados e
singularidades entrelaçadas, tal como a vida contemporânea.

Palavras-chave: Polifonia, Teatro, Música, Artes Visuais.


Abstract

The present work, presented as a conclusion of the MBA in Art History,


aims to discuss and analyze the concept of scenic polyphony, which
includes several artistic languages. In this specific case, the intersection
of visual arts, theater and music will be emphasized. This hybridism will
be studied through case studies — such as paintings, plays and musical
performances —, in which certain artistic works will be analyzed from this
perspective.

The purpose is to show the plurality of languages that a contemporary


artist or group is capable of working on their art and which meanings
these choices add to the work. Therefore, theoretical bibliographic
studies about the polyphonic characteristics in art, the fruition of artistic
works and interviews with professionals who use polyphony in their
works were carried out. The result of scenic polyphony is the completion
of a plural, interdisciplinary art with connected signs and intertwined
singularities, just like contemporary life.

Keywords: Polyphony, Theater, Music, Visual Arts.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8
1.1 Escolha do tema .................................................................................................. 8
1.2 Problematização .................................................................................................. 8

1.3 Justificativa.......................................................................................................... 9

1.4 Objetivo geral ..................................................................................................... 9

1.5 Objetivos específicos......................................................................................... 9

1.6 Fundamentação Teórica ................................................................................... 10

1.7 Metodologia de Pesquisa ................................................................................. 10

2 POLIFONIA: UMA PLURALIDADE DE CONCEITOS ........................................... 11


2.1 A Interdisciplinaridade na Arte ........................................................................ 13

2.2 A natureza polifônica do Teatro ....................................................................... 15

3 GESAMTKUNSTWERK, A OBRA DE ARTE TOTAL ............................................ 16


4 O TRAÇO: A POLIFONIA NA OBRA DE PAUL KLEE ......................................... 20
5 O DRAMA: A POLIFONIA EM ―ROMEU DE JULIETA‖,
DO GRUPO GALPÃO .............................................................................................. 28
6 O MUSICAL: A POLIFONIA EM ―SUNDAY IN THE PARK
WITH GEORGE‖, DE STEPHEN SONDHEIM.......................................................... 36
7 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 47
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 50
ANEXO I.................................................................................................................... 54
8

1 INTRODUÇÃO

A Arte em toda a sua História sempre foi influenciada pelos contextos


sociais, revoluções tecnológicas, panoramas econômicos e paradigmas culturais,
que variam de acordo com o tempo e o local analisado. Mas como, na Idade
Contemporânea, os acontecimentos vem se dando de forma cada vez mais frenética
e imprevisível, a Arte também vem se transformando, rompendo limites, se movendo
em várias direções e unindo diferentes elementos estéticos, por vezes,
contraditórios.
Ao invés de linguagens divididas e catalogadas, o hibridismo entre as artes
tem originado trabalhos muito interessantes, resultando em uma arte polifônica,
repleta de camadas e que propiciam ao espectador uma verdadeira explosão
sensorial. Música, Dança, Teatro, Artes Visuais, Literatura, Ópera, Circo, Vídeo-Arte,
Performances, Happenings, Cinema, Intervenções, Instalações, são inúmeras as
definições que se pode atribuir a um produto artístico, mas elas não
necessariamente englobam toda a sorte de significados e elementos que a arte
possa ter. Este trabalho tem por intenção o estudo da polifonia cênica, esta arte que
se comunica simultaneamente por meio de seus elementos individuais e também por
meio do todo.

1.1 ESCOLHA DO TEMA


A constituição de obras cênicas que se utilizem de diferentes linguagens
artísticas, como o teatro, a música e as artes visuais. Análise do conceito de
polifonia, seu uso na história da arte e sua importância para a arte do século XXI.

1.2 PROBLEMATIZAÇÃO
Qual(is) é(são) o(s) conceito(s) de polifonia? Como a polifonia pode ser
aplicada na arte atual? Qual o ponto de intersecção de uma obra para unir
linguagens diversas como a música, o teatro e as artes plásticas? Como ressignificar
essas artes ao ponto de, juntas, se tornarem uma única arte transdisciplinar?
9

1.3 JUSTIFICATIVA
A arte do século XXI procura se reinventar constantemente, assim como
também o tentaram os artistas dos séculos anteriores. Muitas das reinvenções
praticadas hoje são ressignificações de conceitos e práticas já experimentadas, mas
que sofrem modificações e, por isso, adquirem um novo significado. A polifonia
cênica representa uma reinvenção não-inédita, pois no Teatro Grego (apesar de
aparentemente a linguagem teatral predominar de certa forma) já havia um
hibridismo de artes muito grande, no qual a peça era uma mistura de poesia, ação
dramática, música, arquitetura, artes plásticas e tecnologia/maquinário.
Ao longo da história, esse hibridismo permaneceu latente até desembocar no
Romantismo Alemão, mais precisamente na obra de Richard Wagner. Wagner
defendia o conceito de ―Gesamtkunstwerk” (ou ―Obra de Arte Total‖), no qual ele
vislumbrava um espetáculo capaz de unir as diferentes linguagens artísticas. Sua
crítica era sobre a ópera do período, que, segundo o compositor, privilegiava a
música em detrimento das outras artes presentes. Desta forma, Wagner buscou
equiparar os níveis entre música, drama, arquitetura e artes plásticas, o que
resultaria em uma arte híbrida, uma obra de arte total.
Essa pluralidade é cada vez mais comum, unindo não apenas os diferentes
tipos de artes, mas também os diferentes discursos. Há que se lembrar que a ópera
era — e é, de certa forma, até hoje — uma arte voltada para uma elite aristocrática.
E atualmente, com a globalização, é possível a execução de obras de caráter
popular juntamente com práticas eruditas ou vice-versa.
A polifonia cênica é um caminho de investigação que busca quebrar as
divisões que existem entre músico, ator, diretor, o escritor, pintor ou quaisquer outras
funções que existam hoje em dia, e colocar todas essas profissões em uma
profissão mais ampla e mais complexa: o Artista.

1.4 Objetivo Geral:


 Estudar a crescente união entre as diferentes linguagens artísticas, suas
possibilidades e o futuro da arte.

1.5 Objetivos Específicos:


 Aplicar o conceito de polifonia na arte;
10

 Estudar a polifonia artística ao longo da história;


 Analisar os elementos comuns aos diferentes tipos de arte;
 Analisar os elementos particulares e complementares de diferentes tipos de
arte;
 As vantagens e as dificuldades de uma arte polifônica;
 Discutir o futuro desse processo polifônico no campo da arte.

1.6 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O estudo se baseia nas definições de polifonia levantadas pelo autor Ernani


Maletta, e pela importância da polifonia em diferentes obras artísticas (como teatro
musical, a ópera e as obras de Paul Klee)
Segundo esse autor, a polifonia surge como uma forma de aprofundar o
processo de criação através do mix de vozes, discursos, posicionamentos e
linguagens artísticas, ampliando as fronteiras da arte de maneira transdisciplinar e
compartilhada.

1.7 METODOLOGIA DE PESQUISA


Neste estudo, buscar-se-á referencial teórico que forneça subsídios para a
parte conceitual do trabalho. Serão consultados livros, artigos e vídeos que
trabalhem o conceito de polifonia dentro do campo artístico, trazendo-o para dentro
do espaço cênico. O referencial teórico deste trabalho, descrito na bibliografia
básica, servirá como ponto de partida e de discussão acerca dos temas trabalhados,
cruzando a teoria com as obras práticas e lendo seus significados sob determinadas
óticas.
Além da pesquisa teórica, será realizada a apreciação de obras de diferentes
linguagens artísticas (como peças de teatro, ópera e pinturas) a fim de permitir uma
análise acerca de seus processos de montagem e os significados que carregam
enquanto obra.
Será realizado um estudo por meio de entrevistas com profissionais de artes
cênicas, visuais e musicais, nas quais será abordada a ideia de polifonia e do ponto
11

de intersecção entre essas linguagens, suas influências recíprocas e seus processos


individuais e coletivos.

2 POLIFONIA: UMA PLURALIDADE DE CONCEITOS

A palavra ―polifonia‖, segundo Maletta (2016), advém de dois termos gregos:


poly, que significa vários, muitos, diversos, múltiplos; e phonía, que vem da raiz
phwné e significa voz, som. Desta forma, ―polifonia‖ pode significar ―muitos sons ou
muitas vozes‖. Por este motivo, a polifonia é muitas vezes relacionada ao universo
musical.
Bennett (1986) analisa a polifonia no contexto das texturas musicais. A própria
palavra textura, segundo o autor, nos remete ao entrelaçamento dos fios utilizados
para confeccionar um tecido. Assim como há diversas maneiras de tecer os fios, há
também diferentes combinações possíveis a fim de entrelaçar os sons de uma
composição musical. Bennett (1986, p. 12) define a textura polifônica como ―duas ou
mais linhas melódicas entretecidas ao mesmo tempo‖, ao contrário da monofônica,
que consiste em ―uma única linha melódica, destituída de qualquer harmonia‖ e da
homofônica, na qual ―uma única melodia é ouvida contra um acompanhamento de
acordes‖. Maletta (2016, p. 38) ressalta que a textura polifônica ainda pressupõe
[...]os conceitos de simultaneidade, independência e
equipolência das vozes: todas ocorrem ao mesmo tempo, cada
uma produz um determinado sentido independentemente das
outras (são autônomas) e tem valor igual ou importância para o
conjunto que compõem, não havendo uma frase musical (voz)
que se destaque mais que as outras.

Datam do século IX, portanto pertencentes ao período conhecido como Idade


Média, as primeiras composições que esboçavam uma polifonia. Bennett explica que
os compositores desse período adicionaram uma segunda voz, que dava mais
refinamento à composição, mas que se movia sempre de forma dependente da voz
principal. Pode-se então concluir que essa polifonia rudimentar não atendia os
princípios da independência e equipolência de vozes. Mas gradativamente os
compositores foram se libertando dessa rigidez e por volta do século XI, a segunda
voz já se movimentava de forma mais independente, sem necessariamente estar
atrelada ao movimento da voz principal. Neste momento, então, são cumpridos os
12

três conceitos principais da polifonia: simultaneidade, independência e equipolência.


Por outro lado, se o conceito de polifonia está intimamente ligado à música,
não quer dizer que ele esteja restrito única e exclusivamente ao universo musical.
Bakthin (1981), ao analisar a obra do escritor russo Fiódor Dostoiévski, identifica
nela uma grande polifonia. Se retomarmos a etimologia da palavra polifonia — que
significa ―várias vozes‖ — e compreendermos o significado da palavra voz não
apenas como som produzido pelo ser humano, mas também como direito de fala, de
expressão, de emitir opiniões e ideologias, então agregamos outro significado à
polifonia, que agora pode ser a multiplicidade de discursos, de ideologias e opiniões.
É para esse detalhe que Bakthin nos chama a atenção. Segundo ele, o romance de
Dostoiévski é polifônico porque apresenta personagens cujas ideologias e
pensamentos são múltiplos e inteiramente diferentes entre si e, muitas vezes, até
mesmo avessos à voz do autor. Os discursos das personagens não convergem para
um mesmo ponto; são polêmicos e desafiadores. Dostoiévski não cria personagens
subjugados ao discurso do autor. A impressão que fica é a de que cada personagem
está em pé de igualdade com o próprio escritor, capaz de contradizê-lo e se rebelar
contra ele.
Roman (1992-93, p. 208-209) em seu artigo “O Conceito de Polifonia em
Bakthin – O trajeto polifônico de uma metáfora” analisa essa multiplicidade de
discursos no próprio universo da música medieval, mais precisamente nos motetos,
tipo de composição em que a palavra determinava a linha melódica:

Pelos meados do século XIII, as vozes dos motetos passam a


se diferenciar, tanto rítmica como melodicamente. Essa
independência das vozes vai permitir que não só uma melodia
trovadoresca e um canto gregoriano apareçam
simultaneamente numa mesma peça, mas também que uma
das vozes cante um hino em latim, enquanto outra canta uma
canção em francês. Essa ausência de identidade entre as
linhas melódicas, que se cruzam constantemente, permite
formar um verdadeiro trançado de linhas independentes, num
claro contraste com a uniformidade e a planura do cantochão, o
canto gregoriano. A individualização das partes, no que se
refere ao texto, também vai se tomando mais acentuada. Há
motetos em que uma voz canta um louvor a Virgem Maria,
enquanto outra propaga as belezas de uma prostituta. Nessa
politextualidade, linguagens diferentes se interpenetram,
confrontando-se o erudito e o popular, o sacro e o profano.

Desta forma, qualquer que seja a linguagem da obra — música, teatro, artes
13

visuais, literatura, dança, etc. —, o produto artístico pode ser considerado polifônico
se houver uma pluralidade de vozes ou discursos, que se entrelacem e comuniquem
ao espectador suas mensagens tanto de forma individual quanto coletiva. Maletta
(2016, p. 48) apresenta de forma bem resumida e concisa seu conceito de polifonia:

[...] polifonia é o entrelaçamento de múltiplos pontos de vista


discursivos, identificados como vozes intrinsecamente
dialógicas, que se apresentam simultaneamente, expressas por
qualquer sistema de signos, podendo interferir umas nas outras
sem prejuízo de sua autonomia, e que têm igual importância
para o estabelecimento do sentido que assim se produz.

O autor ainda frisa que para o fenômeno polifônico ocorrer de fato, não basta
apenas que haja uma simultaneidade de elementos, mas que estes elementos
também tenham suas vozes (no sentido literal ou metafórico) entrelaçadas,
produzindo discursos e sentidos de maneira interdisciplinar.

2.1 A INTERDISCIPLINARIDADE NA ARTE

A palavra interdisciplinaridade é cada vez mais utilizada no campo


progressista da arte e também da educação, mas seu conceito, por vezes, ainda
permanece relativamente obscuro para determinados artistas e educadores.
Japiassú foi um dos primeiros a introduzir o conceito de interdisciplinaridade no
Brasil a partir de 1976. A interdisciplinaridade nasce como uma reposta ao problema
da disciplinaridade, ou seja, o problema do estudo compartimentalizado, dividido por
categorias isoladas, sem relação entre si, que dividem o objeto de estudo em partes
cada vez menores e mais desligadas do todo. Desta forma, o autor propõe o
seguinte conceito: ―A interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade das trocas
entre os especialistas e pelo grau de interação real das disciplinas no interior de um
mesmo projeto de pesquisa‖ (JAPIASSÚ, 1976, p. 74).
É interessante notar nesta definição que a interdisciplinaridade é mais
complexa que a pluridisciplinaridade. Segundo Nicolescu (2000, p. 14) ―a
pluridisciplinaridade diz respeito ao estudo de um objeto de uma mesma e única
disciplina por várias disciplinas ao mesmo tempo‖. Em outras palavras, o objeto é
enriquecido pelo olhar das diferentes disciplinas que o estudam, mas as disciplinas
14

não interferem necessariamente entre si. Não há uma troca significativa entre as
disciplinas envolvidas. Já a interdisciplinaridade, para Japiassú (1976, p. 74),
pressupõe:
[...] a colaboração entre as diversas disciplinas ou entre os
setores heterogêneos de uma mesma ciência conduz a
interações propriamente ditas, isto é, existe certa reciprocidade
nos intercâmbios, de tal forma que, no final do processo
interativo, cada disciplina saia enriquecida.

Então se conclui que a interdisciplinaridade é um modo de estudo ou criação


no qual diferentes setores ou disciplinas se influenciam diretamente enquanto se
debruçam sobre um objetivo em comum. Tanto o objeto quanto as disciplinas saem
enriquecidas do processo. Mas então como se pode relacionar o conceito de
interdisciplinaridade com o fazer artístico? Rizolli (2016) reconhece a
interdisciplinaridade ao analisar o processo criativo que resulta na arte. Para o autor,
o fazer artístico é permanentemente multitarefa, pois o artista se envolve com
diversos conhecimentos de forma contínua no seu processo criativo. E, dentro deste
processo, o artista lida com diferentes fatores racionais, como a articulação da
linguagem para gerar significação, a escolha do material com suas particularidades
técnicas e os modos poéticos que se relacionam com as referências internas e
externas do artista. Rizolli (2016, p. 14) exemplifica:

Vejamos, senão: a química das cores, quando age o pintor; a


física da resistência dos materiais, diante da engenharia
escultórica; a psicologia do universo perceptivo, quando nos
expomos a toda e qualquer forma; a conceituação filosofante
do objeto artístico; a economia do sistema da arte; o juízo de
valor, na esfera crítica.

O autor ainda se utiliza do estudo de casos para expor a interdisciplinaridade


em três artistas ao longo da história: Leonardo Da Vinci (pintor, cientista,
matemático, engenheiro, poeta, músico, inventor, cuja obra reflete de modo
exemplar a união entre arte, lógica, estudo e observação da natureza); Marcel
Duchamp (artista plástico, que uniu liberdade expressiva, intelectualidade, sociedade
de consumo e materialidade da arte) e Joseph Beuys (que buscava a multiplicidade
de linguagens artísticas, a performance, o improviso, o evento contínuo). E, se ao
analisar estes três artistas em ordem cronológica, percebe-se uma variação gradual
em matéria de arte, que vai do estático ao movimento, dos quadros de Leonardo
15

pendurados nas paredes dos museus até chegar às experimentações cênicas de


Beuys, que só podem ser compreendidas no presente em que ocorrem, efêmeras
que são, buscando a intersecção entre música, dança, artes plásticas e o teatro. O
que seria isso senão uma grande polifonia?

2.2 A NATUREZA POLIFÔNICA DO TEATRO

Ao buscar essa intersecção entre diferentes linguagens artísticas, é inevitável


pensar em qual lugar — físico e metafórico — essa intersecção pode se dar. A
espacialidade do acontecimento artístico, ou seja, o espaço físico no qual ele
acontece, influencia diretamente na sua produção por parte do artista e na fruição
por parte do espectador. O espaço metafórico também: como nos acostumamos a
linguagens divididas e categorizadas de acordo com suas naturezas (música, artes
plásticas, dança, literatura), como nomear o campo na qual todas elas se
encontram? É importante, neste caso, utilizarmos a divisão das artes que leva em
conta o que Maletta (2016, p. 57) chama de ―matéria-prima protagonista‖.
Segundo o referido autor, muitas linguagens artísticas podem ser reduzidas a
um único elemento que primordialmente as caracterize. Esse elemento é a matéria-
prima que cada linguagem utiliza primordialmente para seu desenvolvimento, a
origem daquela arte específica. No caso da Música, o elemento que se pode eleger
como matéria-prima protagonista é o Som, com todas as variedades timbríticas, de
duração, de intensidade e de altura que ele pode sofrer, incluindo sua ausência, na
qual se dá o silêncio — ou pausa. Nas Artes Visuais, a Imagem é o sumo desta
linguagem. É através da Imagem com suas cores, tamanhos, texturas, formas que
esta linguagem acontece. Na Literatura, o elemento formador é a Palavra, cujas
combinações formam os gêneros e estabelecem relações entre si, capazes de
agregar sentido à obra. E, por fim, na Dança, a matéria-prima seria o Movimento do
corpo pelo espaço, com todos os parâmetros físicos e poéticos que o corpo humano,
ao se movimentar, é capaz de suscitar. Mas e o Teatro?
Se tentarmos descobrir a natureza do Teatro, podemos identificar que é
impossível eleger somente uma matéria-prima protagonista, na qual poderíamos
reduzir esta linguagem a sua essência. O Teatro bebe das matérias-primas das
outras linguagens. As palavras do texto dramatúrgico carregam os sons e uma
16

musicalidade própria, assim como as referidas pausas; cenografia, figurino,


iluminação e encenação incorporam vários elementos das artes visuais; as
marcações e coreografias partilham o movimento com a linguagem da dança.
Mesmo se reduzirmos o teatro a apenas um ator, um espaço vazio, uma roupa
neutra e o espectador — como está presente nas acepções de Grotowski e seu
―teatro pobre‖ (GROTOWSKI, 1987) —, na figura deste intérprete ainda poderá
haver a imagem, o som, o movimento e a palavra. Não se trata de afirmar que em
todas as cenas de todas as peças teatrais deverão apresentar de forma explícita
esses elementos, mas a simples possibilidade deles serem usados de forma
simultânea já é o suficiente para entendermos que o jogo teatral — ou ―jogo cênico‖,
que talvez seja uma expressão mais abrangente — possa ser um caminho
polifônico, um espaço metafórico capaz de abarcar a intersecção das outras artes. A
artista Karla Lacerda, formada em Artes Visuais e Artes Cênicas, em entrevista
exclusiva para este trabalho (ANEXO I), fala sobre essa sobreposição de linguagens
no seu processo de montagem de espetáculos cênicos:
Toda a materialização da criação artística inicia no
pensamento, nas referências já sistematizadas. Quanto maior
for o meu repertório, principalmente das diferentes linguagens
da arte, maior será o meu poder comunicação artística, pois
acredito que com esse hibridismo consigo abrir diferentes
caminhos de acesso a minha arte. (...) A opção sobre as
referências se dão na sobreposição das linguagens para que o
espetáculo apresente diferentes possibilidades de interação
com a obra. Cada linguagem deve ocupar o seu lugar de fala,
independente das demais linguagens. A sobreposição delas se
dá de maneira natural, buscando a harmonia polifônica, com
todas as suas dicotomias.

Muitos outros artistas ao longo da história, por mais que chegassem a


resultados diferentes, partiram deste princípio do hibridismo entre as linguagens
artísticas. Dentre eles, vale a pena ressaltar o compositor alemão Richard Wagner e
sua Gesamtkunstwerk ou Obra de Arte Total.

3 GESAMTKUNSTWERK, A OBRA DE ARTE TOTAL

Gesamtkunstwerk é uma palavra alemã que pode ser traduzida para o


português como “Obra de Arte Total”. O termo se popularizou após ser usado pelo
compositor romântico Richard Wagner em seus postulados sobre o papel da arte na
17

sociedade alemã no século XIX. Buscando fugir do utilitarismo e da predominância


do dinheiro sobre a apuração estética, Wagner propõe a Gesamtkunstwerk, uma
obra de arte na qual estariam inseridas todas as outras artes. Esta proposta vai ao
encontro da busca por uma construção unificada da cultura alemã enquanto povo e,
para isso, ele buscará na mitologia nórdica muitos dos seus temas. A caminho de
sua obra de arte total, Wagner modifica a ópera e cria o que ele chama de drama
musical.
Em vez do termo ―ópera‖, Wagner preferiu chamar suas obras
de dramas musicais. Seu objetivo, segundo ele próprio
explicou, era promover a perfeita fusão de todas as artes
cênicas — o canto, a representação, os costumes e o cenário,
a iluminação e os efeitos de cena. (BENNETT, 1986 p. 63)

Sua crítica era contra a estética de ópera em vigor na Europa desde os


séculos XVI e XVII, que privilegiava muito mais a parte musical que as outras
possibilidades cênicas. Para criar o seu drama musical, Wagner volta suas atenções
para a Grécia antiga, na qual texto dramatúrgico, música, encenação, interpretação,
coro, religião e mito convergiam para o mesmo ponto: o espetáculo. Segundo Silva
(2003), Wagner alega que depois da decadência da tragédia grega, especialmente
após a invasão por parte do Império Romano, começa o processo de divisão das
artes, através do qual cada linguagem seria cada vez mais separada das outras,
ficando imperfeitas, incompletas. O compositor alemão também destaca que a ópera
e o drama grego nasceram de formas completamente diferentes. A ópera não nasce
do povo, mas sim de intelectuais de buscavam ressuscitar a antiga tragédia grega.
Mas que, apesar dos esforços, era impossível descobrir como eram realmente
executadas as tragédias gregas nos seus mínimos detalhes. Por isso, o gênero
operístico foi fundado baseado em suposições e, por consequência, era também
imperfeito.
Em busca do seu ideal estético, Wagner então começa a fazer
transformações revolucionárias na ópera. Como Dudeque (2009, p. 2) bem pontua,
―Wagner foi o primeiro compositor a ser autor de seus próprios libretos e diretor da
cenografia da produção de suas obras, inaugurando a prática de ser o autor desde a
concepção da obra até sua realização‖. O compositor também revolucionou o
próprio edifício teatral através da construção do seu teatro em Bayreuth em 1876.
No referido teatro, Wagner abre mão do palco italiano — espaço puramente frontal
de representação — e constrói um grande anfiteatro, no qual apenas o palco era
18

iluminado e o público ficava no escuro para facilitar que este último fosse preso pelo
drama em cena. Além disso, Wagner também utiliza a iluminação como símbolo para
criar ambientes capazes de favorecer o clima da cena. (DUDEQUE, 2009, p. 4-5).
Bennett (1986) nos mostra a revolução que Wagner incorpora na música.
Primeiramente, a orquestra wagneriana é deslocada para baixo do palco, na região
conhecida como ―fosso da orquestra‖, que foi criada para manter o grupo de
instrumentistas fora da vista do público, contribuindo para criar a ilusão de que a
música emerge da cena de forma mais natural. Soma-se a isso a grande duração de
cada drama musical de Wagner — em alguns casos, quatro ou cinco horas — e
como o compositor, em vez de dividi-las em árias, recitativos ou coros, cria uma
―melodia ininterrupta‖ que dura do começo ao fim de cada ato. Neste tecido musical,
Wagner se utiliza do leitmotiv, palavra alemã que significa ―motivo condutor‖, e que é
constituído de temas melódicos utilizados para representar determinados
personagens, emoções ou signos importantes da cena e que sofrem variações ao
longo do espetáculo, assim como se transformam as personagens, emoções ou
signos que representam. O canto wagneriano busca reproduzir o ritmo da fala e por
este motivo, é repleto de cromatismos, dissonâncias, mudanças de tonalidade,
complexidades rítmicas e melódicas. Isso faz com que a música vire texto na boca
das personagens, que tenha verdade cênica e razão para aquele canto.
Por um lado, pode-se defender que o conceito teórico da Gesamtkunstwerk é,
em sua essência, polifônico. Por outro lado, há que se levantar algumas
controvérsias práticas que podem descaracterizar essa polifonia. Em primeiro lugar,
apesar de Wagner querer abarcar todas as linguagens artísticas dentro da sua obra,
determinadas linguagens acabam recebendo mais destaque que as outras. Nas
palavras de Castanheira (2013, p. 41-42)
Apesar desta democratização das modalidades artísticas,
identificamos no empreendimento wagneriano uma clara
preferência pelas ‗três irmãs‘, filhas originárias do drama — a
música, a dança e a poesia; sendo que a estas associamos um
conhecimento imediato determinado pela performatividade do
corpo humano. Por sua vez, as artes plásticas — ou
apolíneas— enquanto representação da natureza, apesar de
fundamentais para a configuração do espaço cénico, não
deixam de ser relegadas para um plano acessório, uma vez
que enquanto efeito da aparência apolínea, correspondem a
uma realidade ilusória e artificial.

Além disso, no que ainda diz respeito às artes visuais, ao produzir e


supervisionar suas obras pessoalmente, Wagner o fazia em ―um caráter estritamente
19

tradicional, não apresentando nenhuma inovação significativa‖ (DUDEQUE, 2009,


p.3). Apesar do desejo de incluir as artes plásticas como parte da sua ―obra de arte
total‖, o compositor alemão ainda cede a certas tradições teatrais da época, que hoje
consideramos ultrapassadas, como a utilização de um grande painel pintado e
ricamente adornado, deixado ao fundo do palco, como cenografia das suas
produções. Este tipo de arte decorativa não é apenas contraditório em relação ao
ideal místico wagneriano, mas também ao próprio conceito de polifonia. Afinal
Maletta (2016), como foi descrito no capítulo anterior, ensina que um dos itens sine
qua non da polifonia é a equipolência, ou seja, a igual importância que cada parte
tem em relação ao todo. Se há uma hierarquia de linguagens nas obras de Wagner,
promovendo algumas artes e renegando outras a segundo plano, esse conjunto
artístico não pode ser considerado completamente polifônico.
O segundo problema do drama musical romântico com relação à polifonia tem
a ver diretamente com o seu conceito filosófico entre arte e cultura. Como já foi
explicado, Wagner buscava unir todas as artes em uma só e, segundo Silveira
(2010, p. 24-25), este anseio
parte da ideia do estabelecimento de uma cultura unificada.
Quando busca na mitologia alemã o conteúdo para seus
dramas, ele almeja resgatar elementos da cultura alemã que
sejam capazes de definir o alemão como povo (Volk) [...] Para
que uma obra de arte total se estabeleça faz-se necessário o
estabelecimento de uma cultura total. O próprio projeto de obra
de arte total, que teria sua consolidação com a construção do
teatro de Bayreuth, seria o resultado da aparição de uma
cultura popular unificada. A arte Wagneriana seria a
exemplificação, a personificação do conceito de cultura de
Nietzsche. A celebração da obra de arte wagneriana seria a
verificação de que o projeto de integração dos alemães em um
único povo (Volk) independente e autônomo fora estabelecido.

Novamente há uma contradição com o parecer que Bakthin (1981) faz sobre a
polifonia no texto de Dostoiévski. Obviamente, as obras de Dostoiévski e Wagner
são completamente diferentes e, portanto, não se objetiva neste trabalho compará-
las de forma literal. Mas, a fim de discutir o uso da polifonia como proposta artística,
cabe aqui um paralelo no campo dos discursos. Para Bakthin, o que caracteriza o
romance do escritor russo como polifônico é a multiplicidade de vozes — no sentido
ideológico da palavra — contraditórias entre si e também em relação a voz do autor.
Desta forma, cada personagem tem o seu próprio discurso, sua própria ideologia
ativa, cada qual com a mesma importância e com a capacidade de ir pelo caminho
contrário à ideologia do autor. Como se pode observar, essa ideia da polifonia
20

discursiva não é incorporada à opera wagneriana. Wagner não busca a


multiplicidade de discursos na cultura alemã. O que ele almeja com sua arte é
justamente uma cultura unificada, que seja o reflexo de um povo unificado. Wagner
encara como ideal um povo que seja uno, indivisível, que fale o mesmo discurso,
consuma a mesma cultura, compartilhe a mesma história, beba dos mesmos mitos,
evolua na mesma medida, se comporte da mesma forma. E, como podemos
perceber, se Wagner busca unificar a cultura de um povo inteiro, isso acaba com as
singularidades, as idiossincrasias e a pluralidade de ideias. Acaba com o dialogismo
que é o responsável pela polifonia ideológica. No sentido cultural, a obra wagneriana
não é polifônica porque na polifonia, as ideologias mais diversas convivem ao
mesmo tempo, com independência e com igual importância.
Desta forma se pode concluir que a Gesamtkunstwerk enquanto evento
polifônico acontece mais na teoria do que na prática. É de certa forma, um ideal
ainda a ser alcançado, pois equacionar as múltiplas linguagens e discursos em um
único produto artístico ainda se mostra um problema muito complexo de ser
resolvido. Mas isso não invalida a empreitada de Wagner como uma das grandes
revoluções operísticas do período Romântico, que transformou a arte de compor
para um enredo dramático. Suas contribuições são estudadas até hoje e abriram
caminho para uma linguagem moderna, atonal e que reverbera muito tempo depois.
Muitos outros artistas depois de Wagner seguiram o mesmo caminho em direção a
cruzar as fronteiras das linguagens artísticas e buscar que tais linguagens se
influenciassem mutuamente. Um destes casos foi o pintor naturalizado alemão Paul
Klee.

4 O TRAÇO: A POLIFONIA NA OBRA DE PAUL KLEE

Paul Klee, nascido na Suíça em 1879 e posteriormente naturalizado alemão,


foi um dos pintores que mais dedicou tempo e esforço para unir as linguagens das
artes plásticas e da música nas suas obras. Filho de um professor de música e de
uma cantora lírica, Klee teve uma forte educação musical desde pequeno, chegando
a tocar violino consideravelmente bem, o que lhe permitiu fazer parte da Orquestra
Municipal de Berna e realizar concertos até mesmo como solista. Esse
21

conhecimento musical sempre o influenciou. A prova disso é que, mesmo depois de


optar por seguir o caminho de artista plástico, muitas vezes utilizou a música como
ponto de partida e balizadora dos seus quadros. Apesar de ser um pintor moderno,
que olhava sempre para o futuro de forma inovadora, sua predileção musical era
pelos compositores antigos, como Bach e Mozart, por exemplo (ZUBEN, 2009).
Muitas foram as vezes em que as óperas e peças musicais inspiraram seu trabalho
como artista plástico. Como exemplo, podemos citar a pintura “O Don Giovanni
bávaro”, de 1919 e o desenho “Tannhäuser”, de 1924.

Figura 1: "The Bavarian Don Giovanni"

Fonte: Artists Rights Society (ARS), New York (2018)

Nesta obra, Klee utiliza a figura central da personagem homônima da ópera


Don Giovanni, de Mozart, e a cerca com cinco nomes de mulheres, em alusão ao
perfil sedutor da personagem referida. Uma pintura que não só é carregada de
humor, mas que também demonstra interesse e admiração pela obra do compositor
vienense.
22

Figura 2: "Tannhäuser"

Fonte: The Louis E. Stern Collection (1963)

O desenho “Tannhäuser”, baseado na personagem principal da ópera do


compositor alemão Wagner, já mencionado no capítulo anterior deste trabalho, é de
interessante observação, pois para formar a figura da personagem são utilizados
traços que muito assemelham à clave de Sol — símbolo para a leitura de partituras
— e também as ―bocas‖ em forma de ―f”, presentes nos violinos. Acima da cabeça da
personagem há uma pequena lira que funciona como se fosse uma coroa por entre
os cabelos musicais da personagem. E, ao notar bem, repara-se que há pequenos
riscos por entre essas claves e bocas, que parecem espinhos à primeira vista. Como
já foi escrito anteriormente, Klee não admirava tanto os compositores
contemporâneos quanto os do passado. Isso talvez explique esses riscos como uma
interpretação da melodia ―espinhenta‖ de Wagner, repleta de cromatismos cortantes
que machucam e afugentam.

Klee não se propôs apenas a representar personagens tirados de enredos


operísticos. Ele pensava a pintura a partir do ponto de vista do músico. Seu objeto
não era apenas uma personagem criada por um compositor, era a própria Música
transformada em personagem. Nenhum outro artista

[...] dedicou tanto tempo e energia para elaborar uma teoria


extensa que justificasse as experiências visuais representando
23

os valores do compasso, dos tempos musicais, das divisões


dos tempos, das notas em sequências com diferentes valores
de tempo e, na essência disso tudo, revelando a manifestação
convicta de seu pensamento filosófico sobre a dualidade, do
caos ao cosmos, refletido sobre os opostos: o silêncio
necessário ao som; na forma inexistente sem seu complemento
que é o fundo; no claro contraposto ao escuro e no movimento
como modo de interação entre estes opostos. (CASTRO, 2010,
p. 8)

Esta dualidade na qual o pintor trabalhava pode ser aplicada até mesmo na
intersecção pintura-música que ele fez. Se Wagner lamentava que cada linguagem
artística sozinha era incompleta, para Klee, a pintura e a música trabalharão
justamente nos limites de incompletude uma da outra. Neste caso, podemos citar o
tempo. DA VINCI (2004, p. 65, apud FREITAS, 2007, p. 33) em seu Tratado de
Pintura ressalta as diferenças temporais que existem entre as artes visuais e a
música. A pintura, Leonardo afirma, é capaz de preservar a imagem por mais tempo
do que a própria natureza, já a música é efêmera e só acontece no seu espaço de
tempo limitado, perecendo tão logo ele se acaba. Freitas (2007) ainda expõe que,
para Klee, uma das grandes diferenças entre as duas é o fato de que a música tem
um começo e um fim delimitados por este espaço cronológico, gerando assim uma
linearidade de compreensão. Já a pintura, é livre. Não tem início e nem desfecho,
deixando o público criar a sua própria linearidade, escolhendo em qual ordem
absorverá cada um dos elementos da obra, seja um por vez ou deixando-se atingir
por vários ao mesmo tempo. Neste aspecto, já há uma das características da
polifonia: a simultaneidade.
Outro aspecto que pode parecer a priori irreconciliável entre as duas artes é a
questão do movimento. Se a música é finita no tempo, essa sua própria
característica já lhe atribui movimento, ou seja, seu acontecimento é sempre através
do deslocamento, do passar do tempo. Por outro lado, a pintura é considerada
estática a princípio. Mas Castro (2010) ressalta que o movimento está sim impresso
na obra de Klee e que, para este, o próprio ato de pintar está sempre ligado a um
movimento do artista no espaço-tempo — e aqui, neste caso, pode-se lembrar do
Movimento como matéria-prima fundamental da Dança. E ainda mais: na própria
concepção de alinhar a música à pintura, há um movimento entre estas duas
linguagens, algo que se desloca entre elas e interfere mutualmente em ambas.
Vê-se então que, em determinados aspectos, essas duas linguagens
convergem para algumas similaridades. Tanto o som quanto a luz resultam de ondas
24

vibratórias com frequências variáveis, sujeitas a ação de intensidades variadas e


caracterizadas por certa duração (MARIE, 1976, p.161 apud FREITAS, 2007, p. 29).
Na obra de Klee, música e pintura serão o duplo um do outro: o oposto que valida
seu antagonista, de forma que não conseguimos entender um sem a contraposição
do outro. O som que, para ser compreendido, necessita do silêncio. A imagem que,
para ser compreendida, precisa do invisível. Como observa Pinto (2009, p. 31), ―O
tratamento dado às linhas encontra correspondência nas diretrizes móveis dos sons.
As linhas são como o vibrar do arco do violino e o veículo de fuga de toda a
imobilidade‖. É por meio de um elemento tão básico quanto as linhas que Klee
traçará paralelos surpreendentes entre as duas linguagens, como nas figuras a
seguir.
Figura 3 - Desenhando a duas vozes

Fonte: Paul Klee Foundation, Kunstmuseum, Bern.

Figura 4 - Comparação entre a malha de quadrados constituídos por linhas e sua aplicação em
um compasso quaternário

Fonte: Paul Klee Foundation, Kunstmuseum, Bern.

Nestas imagens, fica claro que Klee se vale do seu conhecimento teórico-
musical adquirido durante os anos de estudo e utiliza a pauta de cinco linhas como
um ponto de partida para suas comparações pictórico-musicais. O pentagrama,
método para a escrita de partituras já é usado definitivamente desde o século XVII,
25

no mínimo. A genialidade de Klee consiste no fato dele usar o pentagrama, que por
si só já é formado por linhas, e subvertê-lo a ponto de criar uma pintura que é
também uma notação musical alternativa, baseada nos mesmos princípios
matemáticos e geométricos que a pauta de cinco linhas. É como se as figuras de
Klee pudessem ser tocadas por instrumentistas, tal qual qualquer outra notação
musical não tradicional, como as de Koellreutter ou de Schafer.

Especificamente na Figura 4, fica evidente a técnica utilizada pelo pintor para


dividir os tempos musicais através da malha constituída de quadrados. Essa
composição visual será a matéria-prima de algumas de suas obras, como os
exemplos a seguir.

Figura 5 - Rhythmisches

Fonte: Paul Klee Foundation (1930)

Neste quadro, o pintor transpõe para a imagem o ritmo de um compasso


ternário, se utilizando da mesma série de três quadrados sequenciais repetidamente.
A gradação de cor também é utilizada para auxiliar a divisão de tempos e acentuar a
intensidade e a duração de cada tempo. O primeiro tempo do compasso, que é
considerado o mais forte, é representado pela cor preta; o segundo, mais fraco, pelo
cinza; e o terceiro, mais suave ainda, pelo branco. Como se pode observar, a
sequência de cores é sempre a mesma, mas o tamanho, o sentido e a diagramação
dos quadrados não. É essa falta de simetria que cria o movimento e a síncopa —
26

momento no qual uma nota forte é acrescentada em um tempo fraco do compasso,


deslocando a força para este tempo — no quadro.

Figura 6 - Rhythmisches, strenger und freier

Fonte: Paul Klee Foundation (1930)


Em “Rítmico, mais forte e mais livre”, Klee utiliza a malha de quadrados, mas
de forma ainda mais complexa, pois os quadrados são de cores mais variadas e
Klee os intercala de modo que não haja um padrão repetitivo e sucessivo claro. O
resultado é um ritmo alterado constantemente, quase como uma polirritmia africana
ou uma sessão de improviso de jazz. E tanto na Figura 5 quanto na Figura 6, vemos
que determinados quadrados estão pintados com uma mistura de pigmentos. Se
considerarmos que cada cor representa uma nota ou então um timbre, temos aí uma
combinação de diferentes melodias simultâneas. Klee levará isso ao extremo em
“Polifonias” (Figura 7) e “Branco em conjunto polifônico” (Figura 8).

Figura 7 - Polyphonie

Fonte: Emanuel Hoffmann Foundation (1932)


27

Figura 8 - Polyphon gefasstes Weiss

Fonte: Paul Klee Fundation (1930)

Em ambos os casos, Klee utiliza as superposições de cores para criar o


efeito da polifonia. Na Figura 7, há um estilo contrapontístico, quase como uma
música de Bach, na qual pontos e quadrados se alternam, soando e sendo vistos de
forma simultânea, invadindo os espaços alheios e compartilhando matizes e sons. É
uma pintura metódica, no sentido em que aparenta que tudo é calculado nos
mínimos detalhes, como uma obra bachiana. Na Figura 8, a transparência é a
grande responsável pelo efeito polifônico. Também de caráter bem geométrico e
matemático, as cores gradativamente migram em forma de quadrados e retângulos,
criando diferentes tonalidades através da transparência. Como na polifonia musical,
essa característica faz com que sejam compreendidas as partes isoladas e o todo da
obra ao mesmo tempo. Na mesma dualidade que Klee sempre buscou, entre figura
e fundo, detalhe e plano geral, som e silêncio, imagem e vazio, pintura e música.
Com a palavra, o próprio artista.

Existe realmente uma polifonia na música. A tentativa de


transposição dessa essência para o campo plástico não seria
em si nada demais. Mas, criar, na música, através do
reconhecimento da particularidade da obra de arte polifônica,
penetrando profundamente nesta esfera cósmica, a fim de
emergir dela como um observador de arte transformando e
então experimentar essas coisas na pintura, isso já é melhor.
Pois não apenas na música pode existir a simultaneidade de
vários temas independentes, assim como todas as coisas
típicas que não são válidas apenas em um lugar, mas estão
enraizadas, ancoradas organicamente em qualquer lugar e em
toda parte. (KLEE, 1987, p. 25 apud FREITAS, 2007, p. 35)
28

Sem dúvida, a obra de Klee pode ser considerada uma pintura polifônica pela
qualidade que ela exerce ao se apropriar de elementos e narrativas musicais, como
a notação, o ritmo, a melodia, o timbre, o tempo e o movimento. Segundo Karla
Lacerda (ANEXO I), Klee utilizava ―sobreposições singulares que se refletiam em
uma coletividade que nos dão diferentes possibilidades de acessar a obra‖. Cada
quadro permite uma grande polissemia de leituras e expõe o artista em sua
multifacetada tarefa, a qual exerce com atitude interdisciplinar. Obra e processo se
mesclam, assim como produto final e conceito. Klee talvez tenha sido o maior pintor
a expressar tão bem e com tanta propriedade a interligação música-pintura. Mas, se
pensarmos nas outras linguagens artísticas, vemos que as possibilidades de
intersecção ainda podem ser muito maiores. Se na Gesamtkunstwerk, Wagner
privilegiava a música em detrimento das artes visuais, na obra de Klee, o pintor
focará na pintura e no universo musical, relegando ao segundo plano uma
linguagem tão importante quanto as duas: as artes cênicas.

5 O DRAMA: A POLIFONIA EM ―ROMEU DE JULIETA‖, DO GRUPO GALPÃO

O Grupo Galpão é um coletivo de teatro oriundo de Minas Gerais, criado em


1982 por Antonio Edson, Eduardo Moreira, Fernando Linares, Teuda Bara e Wanda
Fernandes, com objetivo de popularizar o teatro, levando seus espetáculos para as
ruas. É marcado pela alta qualidade dos seus trabalhos e também pela variedade
musical, plástica e de interpretação que apresenta nas suas peças. (MALETTA,
2016) Em 1992, com a direção de Gabriel Villela, o Galpão monta o texto ―Romeu e
Julieta”, de Shakespeare — este espetáculo sofrerá uma reformulação em 1995. A
peça é considerada talvez o maior sucesso do grupo, tendo sido apresentada em
mais de 60 cidades brasileiras e 9 países do exterior, incluindo a Inglaterra, na qual
o espetáculo é convidado a apresentar no Globe Theatre, teatro fundado pelo
próprio dramaturgo William Shakespeare.
Analisando o espetáculo, é possível perceber que a polifonia já começa no
próprio conceito do trabalho: uma obra clássica do teatro elisabetano transportada
para a linguagem popular do interior mineiro. Se nos lembrarmos de Bakthin e sua
polifonia formada por diferentes discursos — já citado nos capítulos anteriores —,
29

podemos muito bem encaixar neste aspecto o primeiro ponto polifônico da


montagem, aglutinando a voz shakespeariana à voz popular brasileira. As
referências que Villela e o Galpão se apropriam são vastas: o circo, as trupes
mambembes, uma veraneio como carro di Tespi, serestas e modinhas, guarda-
chuvas coloridos, pernas de pau, bonecos, elementos barrocos, narizes de palhaço,
e tantos outros elementos que remetem ao interior de Minas. Segundo Campos,
Bakthin, já havia ressaltado essa pluralidade de vozes anteriormente — no caso, na
obra de Rabelais — e analisado os elementos de uma cultura cômica popular:
―Discutindo as obras cômicas representadas nas praças públicas, Bakhtin observou
a polissemia da linguagem carnavalesca para analisar os símbolos e as imagens‖ na
referida obra (CAMPOS, 2014, p. 2). Tal mistura entre a tragédia e a comédia, o
clássico e o popular, o texto dramático e as outras linguagens, não desvirtuou o teor
da obra, mas acrescentou sentidos e significações que a enriqueceram e permitiram
que o texto escrito saltasse das páginas e ganhasse vida na frente dos olhos do
espectador. A crítica Bárbara Heliodora, estudiosa de Shakespeare, qualifica a
montagem como uma ―perfeição da infidelidade‖, na qual ―mesmo ao adaptar a obra
às necessidades do grupo, o novo texto foi definitivamente fiel às intenções de
Shakespeare‖ (HELIODORA, 2014 apud CAMPOS, 2014, p. 3). Nas palavras de
Karla Lacerda (ANEXO I), a polifonia acontece no Grupo Galpão à medida que o
grupo

(...)busca em cada singularidade de seus integrantes uma


escrita coletiva. Sempre tive a condição de leitura do trabalho
do grupo, eles abrem o meu acesso a obra, por suas escritas
musicais, com diferentes instrumentos, por uma escrita das
artes barrocas totalmente vinculada à localização da sede do
grupo e principalmente pela atualização da escrita cênica que
une a dramaturgia textual, musical e visual. Ao ver um
espetáculo do Grupo, consigo ver a sobreposição de cada
elemento da escrita da dramaturgia cênica. Tudo está em cena,
com seus percursos individuais, que de diferentes maneiras
nos levam para a leitura global do espetáculo.

A polifonia, como destaca Lacerda, acontece quando todos os elementos de


uma mesma obra são executados de forma simultânea e se entrelaçam até virar
uma grande massa repleta de vozes individuais que formam um coro multicolorido.
Mas para propósitos acadêmicos e para facilitar a análise destes elementos, vamos
analisa-los de forma separada, a começar pelo visagismo do espetáculo.
30

Figura 9 - "Romeu e Julieta", espetáculo do Grupo Galpão

Fonte: Guto Muniz/Divulgação, 2012.

O diretor de “Romeu e Julieta”, Gabriel Villela, é também conhecido pelo


trabalho estético-visual no que diz respeito ao visagismo dos espetáculos que dirige.
Figurino, cenografia, maquiagem e adereços são frutos de uma pesquisa interligada,
voltada para o lado plástico da peça.

Villela afirmou em entrevista que seu processo de criação do


figurino está diretamente ligado a direção. Uma busca pelo
personagem a partir do estudo da pele, a criação da
personagem a partir do estudo da indumentária. Segundo
Villela, cada traje criado é único, pois está diretamente ligado a
temperatura do corpo do ator que sugere nuances de tônus, de
cor e variações do personagem que se traduzem nas fibras da
indumentária. Desta forma, para o diretor a instauração
atmosférica de criação se dá a partir da ambientalização do
espaço (ateliê), trazendo na medida do possível materiais de
maquiagem, tramas, texturas, formas e memórias que possam
contribuir para o processo. Assumindo então como diretor, ele
compõe de acordo com a necessidade do espetáculo [...]
(PEREIRA, 2010, p. 4)

Ainda segundo Pereira, o diretor não utiliza croquis. Ele lança mão da
moulage, técnica na qual vai esculpindo o figurino no corpo do ator conforme o
processo de montagem avança e os conceitos se estabelecem gradativamente. E os
conceitos se entrelaçam: referências ao teatro elisabetano, o colorido clownesco-
31

circense, sapatilhas de ballet para Julieta — já sugerindo ainda outra linguagem no


meio desta, a da Dança —, a pigmentação poeirenta que remete à itinerância da
Commedia dell’arte e o barroco, gênero que está tão enraizado na história da cultura
mineira.
O barroco da obra de Aleijadinho, dos santos e anjos de roca
está presente no figurino de Romeu e Julieta traduzindo em
texturas e cores a ação do tempo na pigmentação das peças,
nas aplicações que remetem a ornamentações sacras. Como
nas esculturas sacras de Aleijadinho nas quais Segundo
Oliveira (apud Teixeira, 2007, p.16), o trágico próprio do
barroco cede lugar à esperança e ao otimismo. Estilo que se
afasta do rococó para retomar a tradição barroca ainda viva na
Península Ibérica no sec. XVIII. (PEREIRA, 2010 p. 9)

A cenografia — e dentro deste termo também incluiremos os adereços


cênicos — gira em torno de um elemento principal: ―uma veraneio (um carro antigo,
que ficou conhecida como ‗Esmeralda‘)‖ (PEREIRA, 2010, p. 5). A veraneio
imediatamente nos remete ao Carro di Tespi, tipo de palco montado em cima de uma
carroça pelas trupes teatrais itinerantes durante a Renascença Italiana. Tal qual nas
comédias renascentistas, a veraneio se transforma em palco, em salão de festas
dos Capuleto, no balcão da famosa cena entre os dois apaixonados, em praça de
duelo e em muitos outros lugares. Além da sua funcionalidade, o carro, juntamente
com as escadas e as pernas de pau, é um dos responsáveis pela pluralidade de
planos utilizados dentro da cena, dialogando inclusive com a arquitetura do espaço
das apresentações, que pode mudar a cada data, de acordo com a cidade que
recebe o espetáculo. A respeito da apresentação no Globe, Lima acentua que

A montagem de Villela explora estas questões espaciais por


meio da utilização das portas da camionete que implantou
sobre o palco ―avental‖ do atual Globe. Os espaços de
descoberta também são bem aproveitados, assim como o
alçapão e a galeria superior, que permitem que personagens
surjam do alto ou de baixo. Os malabarismos circenses são
possíveis graças à arquitetura do edifício, enfatizada pelo uso
do automóvel e de inúmeras escadas. [...] A transgressão na
cenografia ocorre por meio dos vários planos horizontais
explorados no veículo utilitário colocado no centro do palco
elisabetano. Na tradicional cena do balcão, Romeu escala a
verticalidade do espaço cênico para alcançar sua amada. Na
montagem do Galpão no Globe, Romeu chega pelo alto para
visitar Julieta que está em seu quarto, representado pelo
interior do carro, e, portanto, em nível inferior. (LIMA, 2013, p.
7-9)
32

A plástica bela e rica é composta, além do carro, por elementos como


bonecos, narizes de palhaço, maquiagem com fortes tons de vermelho e branco e as
pernas de pau para remeter ao circo, espadas de São Jorge e outras ervas, varas de
pesca, armas de madeira, figurinos coloridos e pedraria, tapeçaria, guarda-chuvas
multicores e tantos outros detalhes que atribuem à cultura visual popular um grande
requinte. De todos os outros elementos, um determinado grupo merece destaque
como objetos híbridos: os instrumentos musicais, que são tocados pelos atores em
cena. Os violões, acordeões, cavaquinho, flauta, saxofone e instrumentos de
percussão compõe uma estética visual que dialoga muito bem com a cultura popular
proposta na montagem, além de abrir caminho para outra linguagem muito presente
na encenação: a música.
O diretor Gabriel Villela dividiu a parte musical entre a cantora Babaya
(preparação vocal), Fernando Muzzi (arranjos e preparação instrumental) e Ernani
Maletta (arranjos vocais). A pesquisa musical, realizada em conjunto por Villela e o
restante do grupo, opta por captar elementos bem brejeiros da cultura brasileira.
Músicas folclóricas, serestas, choros, modinhas, capazes de situar o espectador
num universo interiorano carregado de pureza e lirismo.

A canção ―Flor, minha flor‖, pertencente ao cancioneiro popular


do norte mineiro, mais precisamente do Vale do Jequitinhonha,
é a primeira ação cênica do espetáculo, que já transporta o
espectador para um espaço cênico-dramático característico
das cidades do interior de Minas Gerais, ao associar a imagem
visível de uma banda musical — formada pelos atores, que
abrem o espetáculo em um cortejo que passa pelo público — a
um tipo de melodia que é facilmente reconhecida como parte
desse universo. (MALETTA, 2016, p 272)

A opção por deixarem os próprios atores executarem, instrumental e


vocalmente, todas as músicas do espetáculo, de forma ao vivo e dentro da cena,
acentua ainda mais a construção desta trupe popular em cena, agregando contornos
mambembes e com execuções de boa qualidade, ainda que não virtuosísticas.
Mesmo que o público não saiba que a música em questão é oriunda do Vale do
Jequitinhonha, a simples melodia já o transporta para o mundo brejeiro. É
impressionante ainda como determinadas canções folclóricas brasileiras conseguem
dialogar com o enredo proposto por Shakespeare, como podemos analisar nas
letras da referida canção ―Flor, minha flor‖ e da segunda cantiga do espetáculo,
33

―Maninha‖:

“Maninha”
“Flor, minha flor” Você gosta de mim, ô maninha?
Flor, minha flor, for vem cá Eu também de você, ô maninha
Flor, minha flor, laiá laiá laiá Vou pedir a seu pai, ô maninha
O anel que tu me destes (flor, vem cá) Para casar com você, ô maninha
Era vidro e se quebrou (flor, vem cá) Se ele disser que sim, ô maninha
O amor que tu me tinhas (flor vem cá) Tratarei dos papéis, ô maninha
Era pouco e se acabou (laiá laiá laiá) Se ele disser que não, ô maninha
Morrerei de paixão, rá rá rá

Em ambas as cantigas, é recorrente a ideia do amor que não dá certo e


acaba em tragédia. Funciona como um prenúncio do que está por vir na história da
peça. A melodia simples e o ritmo infantil agregam ludicidade e ingenuidade aos
atores-personagens que cantam, ainda mais se levarmos em conta que ―Maninha‖ é
cantada pelas personagens masculinas, que literalmente se movimentam em roda
enquanto entoam a cantiga. Também serve de lembrete que remete ao amor juvenil
— Romeu e Julieta eram adolescentes —, carregado de pureza, intensidade e,
neste caso, dor. Assim como estas duas, são escolhidas muitas outras músicas
capazes de fazer a ponte entre Verona e Minas Gerais.
As serestas são outra marca da cultura musical mineira. A
presença desse tipo de música no decorrer de todo o
espetáculo alimenta a imaginação do espectador, cabendo
destacar as canções ―Amo-te muito‖ e ―É a ti, flor do céu‖, por
serem emblemáticas no que diz respeito a Minas Gerais.
Contribui também para isso a presença em destaue do
acordeom — instrumento muito presente nas festas populares
—, que, em diversos momentos, compõe o corpo de Romeu, e
cuja sonoridade sugere imagens das festas populares que
caracterizam as cidades do interior. (MALETTA, 2016 p. 273)

A polifonia discursiva não está somente presente na escolha das músicas,


mas também na própria execução destas músicas. Como já foi dito anteriormente,
os próprios atores tocam e cantam as músicas em questão durante a peça, mas a
forma como isso se dá é muito interessante e merece destaque. Ainda segundo
Maletta (2016), o diretor Gabriel Villela costuma dividir os discursos da cena em três
vozes que fazem um contraponto e apresentam pontos de vistas diferentes de forma
34

simultânea dentro da cena: a voz desorganizada, que remete à cultura popular, na


qual cada um canta ou fala da forma que quiser, sem se preocupar com tom, timbre,
duração, intensidade ou pronúncia; a voz organizada, que representa a cultura
erudita, o saber técnico, o estudo que acompanha a prática; e a voz de trânsito, que
se conecta à técnica, mas também se pode mover em direção à desorganização,
sendo um meio-termo entre a voz desorganizada e a organizada. A possibilidade de
alternância entre estes tipos de vozes, tendo a voz de trânsito como ponte, é o que
atribui ao canto um certo ―borrão‖, capaz de humanizar a técnica. Desta forma, o
canto não fica virtuosístico, descolado da personagem e do teatro. É um canto
teatral, inserido na cena, muitas vezes representante do estado de espírito das
personagens que cantam. É um canto afinado que permite determinados deslizes
porque tais deslizes trazem verossimilhança à personagem e ao drama vivido na
cena. Os arranjos vocais são construídos para dialogar também com o discurso
verbal. E a polifonia coral é um meio que busca sair com naturalidade da boca do
ator e estimula-lo para a atuação polifônica. Assim, a música desagua na
interpretação, no drama propriamente dito.
No que diz respeito à interpretação, o trabalho do ator, é importante salientar
o exagero como característica popular agregada à encenação. Movimentos amplos,
tipos bem construídos, caricatura, a capacidade de alternar entre fala e canto,
movimentação e execução instrumental, são fortes marcas deste espetáculo. Gabriel
Villela, inspirado pelas ideias do teórico Peter Brook, utiliza muito o desequilíbrio
como provocador para a construção de personagem. A utilização de pernas de pau
pelo elenco é um signo do risco, da instabilidade que permeia a história de amor do
casal principal. O corpo do ator responde a todos os estímulos visuais, sonoros e
espaciais e então a criação da personagem se dá, sob o ritmo da incerteza, da
corda-bamba, das acrobacias e malabarismos, típico de quem está sempre no risco,
entre a comédia e a tragédia.

A virtuosidade exigida ao corpo dos atores equivale à


virtuosidade retórica e confere ao texto a pronúncia acrobática
e vibrante com que as palavras da clássica tradução de
Pennaforte se convertem em ação, para explodir junto à
plateia, acrescidas de um sentido não racional, vivo e
imprevisto (BRANDÃO, 2003, p. 96 apud GUERREIRO, 2016,
p. 4).
35

E, por fim, o ator que está imerso e dividido entre tantos estímulos pode ser
uma porta de entrada para a fusão cada vez maior entre as diferentes linguagens.
Talvez possa ser este ator o elo que permitirá uma arte verdadeiramente plural. Nas
palavras de Dort (1988, p. 187 apud MOSTAÇO, 2013, p. 203)
Definitivamente, o que nós assistimos hoje é a uma
emancipação de diferentes fatores da representação teatral.
Uma concepção unitária do teatro, seja ela baseada no texto
ou na cena, está em vias de apagar-se. Ela deixa
progressivamente espaço para a ideia de uma polifonia, e
mesmo para uma competição entre as artes irmãs que
contribuem para o fazer teatral. [...] É a representação teatral
como jogo entre as práticas irredutíveis de um ao outro e,
todavia, conjugadas como momento onde eles se confrontam e
questionam, como combate mútuo no qual o espectador é, no
final das contas, o juiz e o que está em jogo, que a partir de
agora deve-se tentar pensar.

Podemos então concluir que o espetáculo “Romeu e Julieta” é polifônico tanto


no tratamento das linguagens (artes visuais, música e teatro) quanto na
sobreposição dos discursos entre texto (Shakespeare) e encenação (teatro de rua).
Mas será possível ir mais longe ainda? Será possível haver um espetáculo polifônico
cuja própria temática seja a polifonia? Um espetáculo que se debruce sobre o papel
da própria arte e de suas possibilidades? Para discutir sobre isso, o último estudo de
caso se dará sobre o espetáculo “Sunday In The Park With George”, de Stephen
Sondheim.
36

6 O MUSICAL: A POLIFONIA EM ―SUNDAY IN THE PARK WITH GEORGE‖, DE


STEPHEN SONDHEIM

Figura 10 - Un dimanche après-midi à l’Île de la Grande Jatte (1884-86), de Georges Seurat

Fonte: The Art Institute of Chicago

O musical Sunday in the Park with George, que estreou em 1984 em Nova
York, foi escrito pelo compositor e letrista Stephen Sondheim e pelo libretista James
Lepine. Com uma linguagem característica do musical norte-americano, o
espetáculo reunia a interpretação e encenação teatral às músicas compostas
especificamente para a peça e interpretada pelos atores junto a uma orquestra. Até
este momento, se levarmos apenas estes dados em consideração, parece apenas
mais um dentre tantos musicais que estreiam todo ano na Broadway. Mas esse
espetáculo tem muitos diferenciais, escolhas que permitem uma ampliação artística
no campo da polifonia. No cerne desse espetáculo, há uma referência primordial da
qual originará todo o conceito da peça: a pintura Un dimanche après-midi à l’Île de la
Grande Jatte (A Sunday Afternoon on the Island of La Grande Jatte em inglês ou
Uma Tarde de Domingo na Ilha de La Grande Jatte, em português) de autoria do
pintor francês neoimpressionista Georges Seurat. Mais adiante, abordar-se-á por
que essa pintura é mais do que o simples tema do espetáculo, é o verdadeiro
37

conceito por trás dele. Mas antes de destacar a relação da obra com o espetáculo, é
necessário analisar a pintura per se.

Seurat foi um pintor francês neoimpressionista do século XIX que se


destacou na técnica do pontilhismo, que consiste em pintar utilizando pequenos
pontos coloridos posicionados muito próximos de modo que, a certa distância, o olho
humano automaticamente faça a fusão desses pontos e enxergue a cor que resulta
da somatória deles. Para ser mais exato, Seurat não utilizava apenas pontos, mas
também pequenas pancadas ou golpes com os pincéis, mas sempre seguindo o
mesmo princípio de que o olhar do público é capaz de fundir as cores na tela e não
na paleta. Inclusive, a paleta de cores que Seurat optava por utilizar era bem
limitada. Sua tentativa estava em aproximar muitos pontos de cores que se
complementassem ou contrastassem e, por meio destas experimentações, atingir os
efeitos de luz, sombra, distância e movimento (SWICKARD, 2007).

Seurat levou dois anos para criar essa obra e é nela que está o resumo
maduro da sua técnica e filosofia artística. Seu processo começou com uma série de
estudos sobre os temas escolhidos, realizando vários esboços especialmente
voltados para a composição do parque. Ele se debruça primeiro sobre a paisagem
que será o cenário da pintura e somente depois volta suas atenções às figuras
humanas. Na paisagem escolhida pelo pintor, destaca-se a verticalidade das árvores
e as sombras produzidas por elas. O espaço que ele deixa entre as árvores é o
responsável pela sensação de movimento na obra, assim como a profundidade se
dá pela oposição entre sombra dianteira e a margem da praia. Antes de acrescentar
definitivamente as figuras humanas, o artista experimentou cada personagem em
diferentes localizações na tentativa de que eles completassem um ao outro e
harmonizassem com estrutura pré-estabelecida do parque. Neste diálogo
personagem-parque e personagem-personagem, é interessante notar que as figuras
tem certa ausência de vitalidade. Elas estão justapostas, mas sem interação entre si
ou com o parque. As ações que elas fazem parecem isoladas umas das outras. A
escolha por retratar muitas personagens de perfil, agrega inclusive um ar de
indiferença para com o pintor, que passa despercebido sem atrair os olhares dos
frequentadores daquele parque. Na tarde ensolarada de domingo, as personagens
se perdem nos próprios pensamentos e se fecham nos próprios mundos, criando
38

uma separação entre o mundo de fora e o de dentro (RUBINO, 2012). É esta


inabilidade de se conectar com o outro, esta falha trágica, que Sondheim e Lepine
aproveitarão para construir o enredo da sua peça.

A peça começa com uma grande tela de pintura em branco ocupando o


palco inteiro. Pouco a pouco, as personagens presentes no quadro vão aparecendo
em cena, cada qual com suas próprias ações, conflitos e histórias pessoais. Mas a
personagem central do enredo não é nenhuma das que está retratada na pintura e
sim o próprio pintor: George. O artista é identificado logo no começo, assim como
seu caso amoroso com a personagem Dot (aqui há a referência ao pontilhismo, já
que dot significa ponto em inglês), que posa para ele no meio do referido parque.
Assim como seus personagens, George não consegue se conectar verdadeiramente
com Dot por causa da sua fixação pelo próprio trabalho. De um lado, temos George,
completamente absorvido pela tarefa de pintar seu quadro, chegando a ponto de
deixar Dot em segundo plano e do outro temos Dot, cujo amor e idolatria pela
genialidade de George começam a se transformar em ressentimento e mágoa.
Muitos outros personagens secundários aparecem na peça contribuindo para formar
uma teia de acontecimentos e discursos — ou a polifonia bakhtiniana —, servindo de
reflexo para o crescimento da tensão, na qual Dot, mesmo grávida de George, o
abandona e resolve se casar com o padeiro. Conforme a tensão vai chegando ao
seu clímax caótico, George ordena todas as personagens e as posiciona na
paisagem do parque, formando a composição do quadro original. Termina assim o
primeiro ator.

No segundo ato, há um salto temporal e geográfico, no qual está implícito


que após concluir o quadro, George falece, Dot migra para os Estados Unidos com o
padeiro, tem uma filha Marie — que, subentende-se, é filha do pintor francês — e dá
continuidade a linhagem, passando-se cem anos desde término do quadro, até
chegar ao protagonista do segundo ato, o artista George, que é neto de Marie e
recebe este nome em homenagem a seu bisavô Seurat. George muitas vezes refuta
as histórias que Marie conta sobre seu parentesco com Seurat, mas, assim como o
bisavô, George também mergulha no próprio trabalho — os Chromolumes,
esculturas tecnológicas combinadas com cores e luzes — para esquecer o mundo
ao redor. Após cair em uma crise pela falta de criatividade e pela mercantilidade da
39

arte, George decide buscar auxílio na fonte da inspiração da peça, o parque de La


Grande Jatte. Ao se deparar com o parque vazio, George pega o livro de anotações
que Marie deixou com ele antes de falecer (livro que pertencia a Dot) e então neste
momento Dot aparece para George, não apenas em espírito, mas como metáfora do
encontro entre os momentos. Esse encontro, significativo para ambas as
personagens, expõe o verdadeiro amor de Seurat por Dot e a relevância da
eternidade na arte para George, que vê, na frente de seus olhos, o quadro de Seurat
ser reconstruído com todas as personagens originais e, por fim, terminar com a tela
em branco. Então, o blackout final.

Como se pode notar, o quadro de Seurat permeia o espetáculo inteiro, não


apenas como tema, mas como o conceito geral que permeará toda a peça. Richard
Kislan (1995, p. 182 apud FOLEGATTI, 2011, p. 67) diferencia com propriedade
tema de conceito:

O tema de um espetáculo musical é a sua ideia principal; o


conceito de uma produção musical é como essa ideia é
incorporada ou interpretada (...). Conceito vai além do tema em
direção de alguma declaração ou imagem sobre o que show
significa, ou o que pretende, ou como irá tratar o tema.

Assim, tema é aquilo sobre o qual o espetáculo fala, conceito é aquilo que o
próprio espetáculo é. O conceito, a princípio abstrato, se concretiza na estrutura e
nos elementos do espetáculo (texto, música, encenação, figurinos, cenários,
atuação, etc.) que dialogam entre si como várias vozes conversando pela polifonia.
Sondheim sem dúvida faz um musical conceitual, pois tudo o que está no espetáculo
se integra para desaguar como vários afluentes desaguam em um mesmo rio. Nas
palavras de Folegatti (2011, p. 74)

Música, letra, dança, diálogo, concepção e direção fundidos


para apoiar um pensamento. Um conceito principal controla e
modela toda a produção, para que todos os aspectos da
produção sejam misturados e subordinados a uma única visão.
O impulso temático do trabalho é transmitido para o público
através de uma imagem ou metáfora primária que determina
não só o conteúdo da obra, mas também a sua forma de
apresentação. Forma e conteúdo não podem ser separados,
eles são interdependentes. É por esta razão que cada uma das
obras de Sondheim é única.

É possível ainda notar que essa ideia do musical conceitual tem uma boa
40

similaridade com a gesamtkunstwerk wagneriana, que defendia a união da música,


das artes visuais, poesia e da dança para a criação de uma obra de arte total.
Calderazzo (2005) ainda ressalta que ao falar em dança, Wagner engloba toda a
movimentação cênica das personagens, sejam elas ritmadas ou não; e ao citar a
poesia, pode-se incluir também toda forma de palavra vocalizada em cena, como
texto falado ou letras cantadas. Além do mais, o conceito pode ser comparado ao
tom que Wagner defende: ―Wagner escreve que tom forma o coração da obra de
arte, unindo os elementos da dança, música e poesia como o mar une os
continentes‖ (CALDERAZZO, 2005, p 23, tradução nossa). Em teoria, o musical
conceitual e a gesamtkunstwerk são crias do mesmo princípio, mas na prática, há
algumas diferenças — assim como algumas similaridades que serão pontuadas
mais adiante —, como a equidade das linguagens dentro da obra. Como já foi
descrito em capítulos anteriores, na obra de Wagner, as artes visuais (cenografia,
figurinos, adereços, etc) não tinham o mesmo peso das demais, além do que o
teatro aparecia como uma arte dependente que só nascia da confluência das outras
artes, ou seja, sem expressão autônoma. Em Sunday in the Park with George, tanto
as artes visuais quanto o teatro terão seus próprios princípios.

Como o espetáculo tem Seurat e seu quadro como ponto de partida, há


muitas referências explícitas às artes plásticas incorporadas pela arte teatral.
Tomemos como primeiro exemplo, a escolha da personagem protagonista. Em Un
dimanche après-midi à l’Île de la Grande Jatte, há uma série de personagens que se
apresentam, cada qual com muitos desdobramentos de histórias e igual
possibilidade de protagonismo. Mas, ao invés de optar por um deles, Sondheim e
Lepine decidem escolher um personagem que não está na pintura, ou melhor, está
por trás dela: o autor. E, partindo do ponto de vista do autor, o espetáculo fala não
somente do quadro ou de Seurat especificamente, mas fala também de toda e
qualquer produção artística, de como é difícil o papel daquele que busca fazer arte e
os conflitos e sacrifícios que tal profissão implica. É uma arte metalinguística, que
expõe o mundo da criação, começando o primeiro ato com uma grande tela em
branco, sobre a qual George diz: ―Branco, a página ou tela vazia. O desafio: trazer
ordem ao conjunto, através de design, composição, tensão, equilíbrio, luz e
harmonia‖ (tradução nossa). A tela em branco, além de ser plasticamente uma
imagem belíssima do espetáculo, é um grande signo desafio criar uma obra do zero.
41

Pode-se dizer, inclusive, que esta tela é a primeira personagem que aparece no
espetáculo, antes mesmo da entrada de qualquer ator, por causa da importância que
tem o seu significado.

Enquanto George diz a referida frase, o cenário que representa o parque —


pinturas bidimensionais de árvores, grama, água — vão entrando descendo do
urdimento ou deslizando lateralmente das coxias. É interessante o efeito de que
cada elemento do cenário é feito por pinturas bidimensionais, mas que são
colocadas em diferentes profundidades do palco, o que gera uma perspectiva e,
então, um efeito tridimensional, que dialoga ao mesmo tempo com a linguagem da
pintura e do teatro. E, conforme o primeiro ato se desenrola, outros elementos
cenográficos, também bidimensionais, vão entrando e saindo de cena conforme o
pintor os cria ou apaga. Outros quadros de Seurat também aparecem representados
em cena, como na personagem Dot, caso amoroso de George, inspirada pela
mulher com o guarda-chuva, que aparece em primeiro plano em Un dimanche
après-midi à l’Île de la Grande Jatte, mas também remete ao quadro Jeune femme
se poudrant (1889-90) na cena em que Dot está se maquiando e passando pó em si
mesma. Assim como Une Baignade, Asnières (1884), que aparece no momento em
que banhistas barulhentos interrompem a quietude do parque e são capturados pelo
olhar de George. E ainda vale destacar a escolha de dividir o palco em dois planos:
o maior e ligeiramente mais alto, ocupando o fundo inteiro até quase chegar ao
proscênio, caracterizado pelo assoalho verde que representa a grama do parque; e
outro mais estreito, mais baixo, próximo à boca de cena, onde se vê o assoalho de
madeira do palco. Essa divisão cria dois mundos separados, o da pintura, que se
localiza no interior do quadro, e o da realidade, próprio do pintor, que é a figura que
enxerga a obra de fora.
42

Figura 11 - Une Baignade, Asnières (1884)

Fonte: National Gallery, Londres.

Figura 12 - Jeune femme se poudrant (1889-90)

Fonte: Courtauld Institute Galleries, Londres.

Ao fim do primeiro ato, se dá um dos efeitos mais impactantes visualmente.


No meio do caos que se instaurou devido os conflitos internos da peça, as
personagens discutem dentro do plano do parque e George, do plano exterior, com o
poder de autoria que lhe cabe, congela todas as personagens e as reposiciona
dentro do quadro para reproduzir ipsis litteris a imagem da obra de Seurat. É o
momento em que o quadro de fato é finalizado, misturando atores a elementos
43

bidimensionais para concluir a obra. Então, quando todas as personagens já estão


nas marcações, um painel translúcido desce na frente das personagens e, com um
jogo de luzes, faz-se a transição da imagem dos atores para a própria pintura de
Seurat pintada no painel à frente. A cena acontece enquanto todo o elenco canta
junto, pela primeira vez, a canção Sunday, que esmiuçaremos mais a frente.
Podemos então falar desse elemento importantíssimo para a peça: a música.

Figura 13 - Finale do primeiro ato de Sunday in the Park with George

Fonte: OperaNews.com

Como compositor, Sondheim pensa na música como texto que sai da boca
das personagens por determinados motivos e, por isso, as canções são estruturadas
de forma que façam movimentem a cena sempre para frente. Para Folegatti (2011,
p. 73)

[a] linha melódica está intimamente ligada à letra; a letra, o


ritmo e o tom de cada canção pertence especificamente à
personagem que está cantando a música naquele momento
específico da ação. Além disso, a música de Sondheim é mais
sofisticada e complexa, mais avançada em harmonia, forma e
melodia do que as dos compositores paradigmáticos do teatro
musical integrado. Sondheim modifica e muitas vezes despreza
a estrutura convencional da música de teatro, com sua forma
AABA. Esta estrutura garantiu ao compositor tradicional que o
ouvinte fosse exposto ao tema pelo menos três vezes. E as
canções eram frequentemente reprisadas, várias vezes, como
cobertura para uma mudança de cena. Se o público não
cantarola após um musical de Sondheim, é devido à falta de
exposição às melodias tantas vezes e porque a música de
Sondheim não é simples. A textura é mais densa e os
conteúdos mais complexos. Por conseguinte, é mais difícil de
compreendê-la no imediatismo fugaz do momento teatral. Com
44

cada nuance musical e lírica perfeitamente adaptadas às


especificidades de uma determinada personagem, músicas,
letras, personagem e enredo se entrelaçam em um conjunto
harmonioso, mais perto de uma ópera wagneriana do que de
uma tradicional comédia musical.

Mais uma vez, surge o paralelo entre a obra de Sondheim e a de Wagner. Um


dos aspectos que remete a essa característica wagneriana é o fato de Sondheim
também usar o motivos — ou leitmotiv, como chamava o compositor alemão. Através
destes motivos musicais, a plateia consegue relacionar determinadas mensagens a
personagens ou momentos. É através destes motivos que Sondheim consegue, de
forma quase subliminar, definir personagens, emoções, relações e subtextos,
abrindo muitas possibilidades para a execução de seus intérpretes (HOUEZ, 2013).
A música é um signo tão forte quanto às artes plásticas no espetáculo e, assim como
elas, também se torna uma personagem à parte digna de análise, mesmo que
rápida.

Ainda segundo Houez, no início do processo criativo, Sondheim se debruçou


sobre a limitada paleta de cores utilizada por Seurat, que consistia de onze cores
mais a cor branca, totalizando doze. Que, coincidentemente, é o mesmo número de
notas na escala cromática musical. Mas associar tão estritamente cada nota com
uma cor, reduziria muito as opções de melodia e orquestração, por isso Sondheim
utilizou a simbologia do número doze de outras formas, como por exemplo, a
quantidade de cenas do primeiro ato e a orquestração original que consistia de onze
instrumentos mais o regente. Outro aspecto que Sondheim utiliza são as palavras
monossilábicas nas letras e a repetição de certas palavras ou frases, buscando
emular através da música a técnica do pontilhismo de Seurat. Desta forma,
determinados elementos, sejam verbais ou instrumentais, são repetidos ao longo
dos dois atos, agregando um caráter minimalista às composições que talvez seja o
equivalente ao pontilhismo na pintura. Pode-se observar bem na letra de Color and
Light, cantada pelo personagem de George no primeiro ato:

Red red red red From the blue-green blue-green


Red red orange Blue-green circle
Red red orange On the violet diagonal
Orange pick up blue Dia-ag-ag-ag-ag-ag-o-nal-nal
Pick up red Yellow comma yellow comma
Pick up orange [...]
45

Blue blue blue blue Dot Dot waiting to go


Blue still sitting Out out out but
Red that perfume No no no George
Blue all night Finish the hat finish the hat
Blue-green the window shut Have to finish the hat first
Dut dut dut Hat hat hat hat
Dot Dot sitting Hot hot hot it’s hot in here…
Dot Dot waiting Sunday!
Dot Dot getting fat fat fat Color and light!
More yellow

A música de Sondheim tem o poder de abrir caminhos para que os atores,


enquanto intérpretes, possam explorar as possibilidades e agregar mais estofo a sua
construção de personagem através das músicas. Teatralmente, as músicas
funcionam como diálogos ou monólogos que, não apenas comentam alguma
situação ou servem de entretenimento barato, mas contribuem para explicar as
vontades internas de cada personagem e levam ao desenrolar das ações cênicas.

Na parte teatral, o espetáculo também se destaca, especialmente na relação


textual e interpretativa entre o primeiro e o segundo ato. Ao começar o Ato II,
percebe-se que o tempo muda, o espaço muda, os personagens mudam, mas os
atores permanecem os mesmos. Essa opção de manter os mesmos atores para
personagens diferentes quebra com qualquer caráter seriamente realista e então, o
público pode enxergar os personagens também como símbolos, como signos que
representam muito mais do que a si mesmos. O ator que interpreta Seurat, no
segundo ato vai interpretar o bisneto do pintor, chamado George também,
implicando numa ligação entre os dois. Dois personagens, separados no tempo e
espaço, mas que partilham do mesmo fazer artístico cada qual com a sua busca
individual. A atriz que interpreta Dot, vai interpretar Maurie, a filha de Dot, também
representando a continuidade familiar. A atriz que interpreta a mãe de George no
primeiro ato, interpretará a mordaz crítica de arte no segundo, trazendo elementos
como a exigência e a rigidez. O intérprete de Jules, pintor rival de George no
primeiro ato, será também o de Bob Greenberg, diretor do museu e represente do
establishment cultural (HOUEZ, 2013). Assim acontece com muitos outros
personagens. Essa estrutura traça um paralelo entre a história presente nos dois
atos, apresentando a continuidade de determinados elementos na produção artística
entre o século XIX e o século XX. E, ainda mais, como a personagem de Seurat não
46

teve um desfecho apropriado no primeiro ato — a peça dá a entender que ele


morreu sem reatar com Dot e também sem ser reconhecido como pintor, de forma
repentina —, é no segundo ato, por meio de seu bisneto George, que ele terá uma
resolução para esses conflitos.

Após passar por uma grande crise de criatividade, com seu trabalho criticado
negativamente, George não sabe mais qual caminho seguir na arte e, ao buscar
inspiração no parque de La Grande Jatte, ele encontra com Dot. Seria raso dizer que
ela aparece como um espírito ou ―fantasma‖. Como a narrativa realista já foi
quebrada com a correspondência entre atores e personagens do segundo ato, pode-
se dizer que Dot surge como um símbolo sem muita necessidade de contextualizar
de forma racional seu aparecimento. Poder-se-ia dizer que ela surge dentro da
imaginação de George, que ele está dentro do quadro e por isso ela aparece ou
tantas outras possibilidades, mas que não convém conjeturar agora, pois seu
significado é maior que isso. No encontro entre George e Dot, a redenção acontece.
Se olharmos George como o bisavô, simboliza finalmente o reencontro do casal e do
amor pela pessoa; se olharmos George como o bisneto, temos alguém que se
conecta e aceita a herança familiar, o retorno às origens pelo amor à arte.

Enquanto se constrói este momento catártico, Dot e todos os outros


personagens vão entrando e se distribuindo na formação original do quadro. George
lê o diário de Dot, no qual ela utiliza palavras simples para retratar o processo de
criação de Seurat: ordem, design, composição, tensão, equilíbrio, luz e harmonia. E,
ao falar a palavra ―harmonia‖, todo o elenco canta a reprise de Sunday, em uma
grande polifonia vocal, com uma das letras mais tocantes de Sondheim, na qual ele
descreve o quadro de Seurat e constrói todos os versos como se fosse uma grande
frase, que é retomada, como que para representar que a arte não tem começo ou
fim, mas é cíclica e capaz de eternizar as pessoas:

Sunday purple, yellow, red grass


by the blue, tet us pass
purple, yellow, red water through our perfect park
on the green, pausing on a Sunday
47

by the cool, on the green,


blue, triangular water orange, violet mass of the grass
on the soft, in our perfect park
green, elliptical grass made of flecks of light
as we pass and dark and parasols
through arrangements of people strolling through the
shadows trees
towards the verticals of trees, Of a small suburban park
forever On an island in the river
by the blue, On an ordinary Sunday
purple, yellow, red water Sunday, Sunday, Sunday

Ao terminar a música, George diz a última frase da peça: ―Branco, a página


ou tela vazia. Sua favorita. Tantas possibilidades...‖ (tradução nossa), retomando
mais uma vez a ideia de ciclo no processo artístico. Utilizando uma mistura de artes
cênicas, música e artes visuais, cada qual com fortes referências dentro do processo
e no produto final, pode-se definitivamente dizer que esta obra de Sondheim e
Lepine é esteticamente polifônica, tanto na sua forma, quanto no conteúdo. Sunday
in the Park with George é um espetáculo cuja mensagem transcende o próprio teatro
e dialoga com todas as artes possíveis, no sentido de criação, de reconhecimento,
de esforço e de legado. Uma arte feita por artistas, sobre artistas, para artistas ou
não-artistas.

7 CONCLUSÃO

Analisando os casos específicos destacados neste trabalho, é possível traçar


um comparativo, mesmo que preliminar, sobre o papel que a polifonia pode exercer
na atualidade e no futuro da arte. A sociedade é cada vez mais plural e a diversidade
de pensamento deve ser cada vez mais presente. A busca por uma integração de
linguagens artísticas não é inédita e nem recente, mas também está longe de ter
48

sido totalmente explorada pelos artistas no último século. Cada uma dessas
linguagens sofreu — e ainda sofre! — grandes transformações com relação à forma
e conteúdo. E se as artes mudam, as ligações entre elas também mudam por
consequência.
A mentalidade seccionadora, que divide os processos artísticos em partes
isoladas, começa a ser revertida. Ela pode funcionar como forma de estudo
acadêmico, que precisa dividir para entender, mas na prática, o público sempre
capta a obra como uma só, um só caldeirão cheio de referências e que, por isso,
traz consigo uma multiplicidade de leituras, dependendo de quem faz e de quem
olha. O espectador também tem seu papel na construção de significado da obra. E
uma obra só estará completa com os múltiplos estímulos de quem faz e as múltiplas
reações de quem absorve. Trata-se de uma arte polifônica referente ao artista e ao
público. Nas palavras de Karla Lacerda (ANEXO I):
Quanto mais polifônica for a minha referência, maior será a
possibilidade de uma escrita artística polifônica que abrirá
diferentes formas para o acesso ao apreciador da minha obra.
Vivemos em um momento de comunicações híbridas e a
escrita de um artista precisa atingir essa condição de diálogo
com o apreciador da obra. O apreciador é resultado de uma
construção de leitura de mundo oriunda da imagem e do som,
o artista precisa considerar a singularidade de cada apreciador
e colocar em sua obra essas portas de leituras.

Se se consegue dizer com certa segurança que a polifonia é uma tendência


atual, é mais difícil dizer como pode se dar essa polifonia, respeitando seus
princípios da simultaneidade, equipolência e independência de vozes. Em que
espaço e de que forma esse equilíbrio pode ser atingido? Observando e
comparando as obras de Wagner, Klee, Galpão e Sondheim, podemos destacar que:
na obra wagneriana, o conceito a polifonia é forte, mesmo que ele não utilize
explicitamente esse termo, mas o princípio da equipolência é falho, pois Wagner dá
muito mais importância à linguagem musical em detrimento das outras, mantendo o
visagismo em segundo plano e alegando que o Teatro não existe por si, mas apenas
da junção das outras artes; em Klee, Artes Visuais e Música dialogam de igual para
igual, na medida em que quase podemos chamar seus quadros de notações
musicais alternativas, mas o elemento do Teatro fica completamente ausente da sua
obra; já nas obras do Grupo Galpão e de Stephen Sondheim, a polifonia acontece
efetivamente, mesmo que de formas e estéticas diferentes, misturando a Música, o
Teatro e as Artes Visuais, ora no conteúdo, ora na forma. Mesmo que em momentos
49

pontuais, a balança penda para alguma linguagem específica nestes dois trabalhos,
o equilíbrio logo se recupera e a harmonia calculada volta a se estabelecer. É uma
mistura precisa, arquitetada, que dá ao público quantas camadas de significado ele
pode querer. Artes que englobam outras artes, temas que englobam outros temas,
trabalhos que englobam outros trabalhos.
Assim, tomando o exemplo de Romeu e Julieta e Sunday in the Park, talvez o
Teatro seja o melhor espaço para a polifonia. A linguagem que permite o encontro
das outras, mas sem se deixar encobrir. Talvez esteja no teatro a porta que vai
possibilitar uma reinvenção na forma de ver e de se fazer arte. Mas também não se
deve imaginar que o Teatro esteja em um nível superior às demais. A polifônica
cênica não acontece desta forma. O Teatro é a arte do encontro. Do encontro cara a
cara entre artista e público e, por isso, do encontro entre as linguagens. Esse
encontro é a característica que o Teatro pode agregar à polifonia, mas sem
hierarquia, pois a arte não funciona de cima para baixo e sim de forma horizontal. A
polifonia cênica não é uma imposição teatral, pois isso implicaria em um
autoritarismo nas relações. Ela é um convite. Um convite ao encontro das diversas
linguagens artísticas. Teatro, Dança, Música, Artes Plásticas, Literatura, tudo junto
de maneira transdisciplinar. A intersecção artística que ganha vida na pluralidade de
discursos, de ideias, de intenções e de vozes. Uma ode ao teatro; uma pintura
performática; um romance musical; uma dança imagética. Polifonia cênica é o que
de cada arte tem nas outras e o que das outras tem em cada arte.
50

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Railda F.; BRASILEIRO, Maria do Carmo E.; BRITO, Suerde M. de O.


Interdisciplinaridade: Um Conceito Em Construção. Episteme. Porto Alegre, n. 19, p.
139-148, jul./dez. 2004.

BAKHTIN, Mikhail M. Problemas da Poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro:


Forense Universitária, 1981.
BENNETT, Roy. Uma breve história da música. Tradução por Maria Teresa
Rezende Costa. 1ª edição. Rio de Janeiro: Zahar, 1986.

BRITTO, Fabiano de Lemos. Nietzsche E O Gesamtkunstwerk Wagneriano.


Analytica. Rio de Janeiro, vol 14 nº 1, p. 193-215, 2010.

CALDERAZZO, Diana. Stephen Sondheim’s Gesamtkunstwerk: The Concept


Musical As Wagnerian Total Theatre. 2005. 82f. Dissertação de Mestrado —
University of Central Florida, Orlando, 2005.

CAMPOS, Naiara Dias da Silva. Romeu e Julieta pelo prisma da crítica. 2014.
Disponível em:
<https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/abrace/article/view/1921>. Acesso
em: 03 abr. 2019.

CASTENHEIRA, R. M. R. Gesamtkunstwerk: a utopia de Wagner.1994.


2015f.Dissertação de Mestrado — Faculdade de Arquitetura da Universidade do
Porto, Porto, 2013.

CASTRO, Rosana Costa Ramalho de. O pensamento criativo de Paul Klee: arte e
música na constituição da Teoria da Forma. Per musi, Belo Horizonte , n. 21, p.
07-18, 2010 .

COSTA, Fernanda M. Alves. Grupo Galpão: A Mineiridade Na Cena


Contemporânea .
Facom-UFBa – Salvador-Brasil, 2010. Disponível em:
<http://www.cult.ufba.br/enecult2008/14402.pdf> Acesso em 04 abr. 2019.
51

DORT, Bernard. A representação emancipada. Sala preta. São Paulo. vol. 13, n. 1,
p. 47-55, jun. 2013.

DUDEQUE, N. O Drama Wagneriano E O Papel De Adolphe Appia Em Suas


Transformações Cênicas. R.cient./FAP. Curitiba, v.4, n.1 p.1-16, jan./jun. 2009.

FOLEGATTI, Myrtes Maria da Silva. O Musical Modelo Broadway nos Palcos


Brasileiros. 2011. 187f. Tese de Doutorado — Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.

FREITAS, A. S. Um Diálogo Entre Som E Imagem: Questões Históricas, Temporais


E De Interpretação Musical. Música Hodie. Goiânia, v. 7, n. 2, p. 29-41, 2007.

GROTOWSKI, J. Em busca de um Teatro Pobre. 3ª edição. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 1987.

GRUPO GALPÃO. Romeu e Julieta – Grupo Galpão no Globe Theatre – 2012.


2017. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=pNvTDEplX0o> Acesso
em: 04 abr. 2019.

GUERREIRO, Paula Mathenhauer. O ‗Romeu e Julieta‘ de Gabriel Villela: uma


experiência do novo lugar da dramaturgia clássica. Revista Gama Estudos
Artísticos. Lisboa, v. 4, n.7, p. 138-144.

HOUSEZ, Laura E. Becoming Stephen Sondheim: Anyone Can Whistle, A Pray


by Blecht, Company, and Sunday in the Park with George. 2013. 402f. Tese de
Doutorado — University of Rochester, Rochester, 2013.

JAPIASSU, H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago,


1976.

LIMA, Evelyn Furquim Werneck. Novas perspectivas para uma antiga arquitetura:
um Romeu e Julieta brasileiro no Shakespeare’s Globe. Disponível em:
<http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1371329957_ARQUIVO_revisto
_EvelynLima-ANPUH.pdf> Acesso em: 04 abr. 2019.
52

MALETTA, Ernani. Atuação Polifônica: princípios e práticas. 1ª edição. Belo


Horizonte: Editora UFMG, 2016.

MOSTAÇO, E. Emancipação, a cena e o espectador em jogo. Sala Preta, v. 13, n.


2, p. 200-215, dez. 2013.

NICOLESCU, B. Manifesto da transdisciplinaridade. Brasília: UNESCO, 2000.

OLIVEIRA, Elisandra Brizolla; SANTOS, Franklin Noel. 5 Pressupostos E Definições


Em Interdisciplinaridade. Interdisc., São Paulo, no. 11, p73-87, out. 2017.

PEREIRA, Dalmir Rogerio. A criação de figurino por Gabriel Villela – um estudo


de caso. 2010. Disponível em:
<http://www.coloquiomoda.com.br/anais/Coloquio%20de%20Moda%20-
%202010/71205_A_criacao_de_figurinos_por_Gabriel_Villela_-_um_estudo.pdf>
Acesso em: 03 abr. 2019.

PEREIRA, S. C.; NORONHA, M. P. Concepções De Arte Na Obra-Pensamento De


Richard Wagner. Disponível em:
<http://www.congressohistoriajatai.org/anais2008/doc%20(77).pdf> Acesso em 04
abr. 2019.

PINTO, Paulo. Teoria estética da pintura de Paul Klee. Disponível em: <
http://paulo-pinto.com/downloads/Estetica_Paul_Klee.pdf> Acesso em 04 abr. 2019

RIZOLLI, Marcos. Estudos sobre arte e interdisciplinaridade. Mouseion. Canoas, n.


25, p. 13-22, dez. 2016

ROMAN, Arturo Roberto. O Conceito De Polifonia Em Bakhtin - O Trajeto Polifónico


De Uma Metáfora. Letras, Curitiba, n.41-42, p. 195-205. 1992-93. Editora da UFPR.

RUBINO, Rebecca H. Connecting The Dots: A History Of Stephen Sondheim’s


Sunday In The Park With George. 2012. 138f. Dissertação de Mestrado —
University of Missouri-Kansas City, Kansas City, 2012.
53

SANTOS, Joelma Maria Ferreira dos. O Grupo Galpão e William Shakespeare:


Romeu e Julieta nas Gerais. 2014. 66f. Trabalho de Conclusão do Curso de
Graduação em História – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2014.

SCHLESINGER, Sarah. The MTI Study Guide for Sunday in the Park with
George. Disponível em:
<https://www.musikundbuehne.de/fileadmin/media/Downloads/Education_Packs/Sun
day_Park_Study_Guide.pdf> Acesso em 04 abr. 2019.
SILVA, Eliana Rodrigues. Encenação e cenografia para dança. Disponível em: <
https://www.iar.unicamp.br/lab/luz/ld/C%EAnica/dan%E7a/Pesquisa/iluminacao_e_c
enografia_para_danca.pdf> Acesso em 04 abr. 2019.

SILVA, Iracema Maria de Macedo Gonçalves da. Nietzsche, Wagner e a Época


Trágica dos Gregos. 2003. 211f. Tese de Doutorado — Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 2013.

SILVEIRA, João Eduardo Navachi da. Nietzsche e Wagner: o diário de


aproximação. 2010. 114f. Dissertação de Mestrado — Universidade Estadual
Paulista, São Paulo, 2010.

SONDHEIM, S.; LEPINE, J. Sunday in the Park with George. 1986. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=fUdfHcfjsPM&t=3694s> Acesso em 04 abr.
2019.

SWICKARD, Michael Denton. Defining A Character Through Voice Quality: An


Analysis Of The Character ―George‖ In Sondheim And Lapine’s Sunday In The
Park With George Using The Estill Voice Model. 2007. 315f. Dissertação de
Mestrado — University of Central Florida Orlando, 2007.

WERLANG, Cristiane. Atuação teatral, música e musicalidade: os casos Grupo


Galpão (BR) e Teatro O Bando (PT). 2014. Disponível em:
<https://www.unicv.edu.cv/images/ail/110Werlang.pdf> Acesso em: 03 abr. 2019.

ZUBEN, Paulo Roberto Ferraz Von. Planos sonoros: a experiência da


simultaneidade na música do século XX. 2009. Tese (Doutorado em Musicologia) -
Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.
54

ANEXO I

Entrevista com Karla Lacerda

Karla Lacerda é atriz, diretora, arte-educadora e artista visual nascida na cidade de


Santos/SP. Possui graduação em desenho industrial pela Universidade Santa
Cecilia (1993), graduação em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade
de Franca (1997) e graduação em Artes Cênicas pela Fundação Lusíada Celus
(1994). Pós-graduada em Metodologia e Didática do Ensino Superior na Faculdade
Don Domênico. Cofundadora da TESCOM Escola de Teatro, atualmente é
professora da Universidade São Judas Campus UNIMONTE, e diretora pedagógica
do Colégio Progresso (Atmo Educação). A entrevista a seguir foi realizada no mês
de março de 2019 com o objetivo exclusivo de ser referência para este Trabalho de
Conclusão de Curso. Meus agradecimentos a artista.

PERGUNTA: Você tem uma formação que vai tanto para o lado das Artes
Visuais quanto das Artes Cênicas. E tem experiência em misturar essas duas
linguagens dentro de um mesmo espetáculo. Como se dá o processo de
escolha e de criação nesses casos? O que vem primeiro? Como você opta
pelas referências que escolhe?
RESPOTA: Descrevendo parte da minha trajetória acadêmica e artística tenho como
primeira área de formação o desenho industrial, depois as artes visuais e por fim as
artes cênicas; linguagem já escolhida como opção de expressão artística de vida,
desde os meus 13 anos de idade. Por essa formação alguns elementos que
compuseram, ao longo do tempo, a minha criação artística foram: imagens (obras de
arte), poesias e dramaturgias, principalmente na possibilidade de relação entre as
artes visuais e o teatro. Toda a materialização da criação artística inicia no
pensamento, nas referências já sistematizadas. Quanto maior for o meu repertório,
principalmente das diferentes linguagens da arte, maior será o meu poder
comunicação artística, pois acredito que com esse hibridismo consigo abrir
diferentes caminhos de acesso a minha arte. No meu processo criativo as diferentes
linguagens caminham juntas; partindo apenas do assunto que será o objeto de
pesquisa. Todos os estímulos das obras de arte se acomodam livremente no
55

contexto inserido, assim a palavra vai ocupando o seu espaço, os diferentes


elementos da imagem vão compondo a dramaturgia geral do espetáculo. Não há
uma hierarquia de quem vem primeiro na composição da dramaturgia cênica, escrita
com a composição de todos os elementos do teatro. A opção sobre as referências
se dão na sobreposição das linguagens para que o espetáculo apresente diferentes
possibilidades de interação com a obra. Cada linguagem deve ocupar o seu lugar de
fala, independente das demais linguagens, a sobreposição delas se dá de maneira
natural, buscando a harmonia polifônica, com toas as suas dicotomias.
P.: Paul Klee foi um dos grandes pintores que mais incorporou a música nos
seus quadros. Eu gostaria que você discorresse um pouco sobre essa
polifonia de linguagens que ele utilizou.
R.: Todo o processo de criação perpassa pelas referências que o artista construiu
em sua trajetória acadêmica, cultural e artística. A chamada polifonia de Paul Klee
parte de sua formação inicial na música que posteriormente foi utilizada em seu
fazer artístico da linguagem visual. Na pintura, o artista Paul Klee se debruçou na
pesquisa sobre a profundidade, entendendo os elementos formais, as técnicas, os
materiais e os suportes como elementos correlatos de uma obra. As suas
referências da música levaram Paul Klee para uma leitura e uma escrita polifônica,
muito difundida na arte moderna. O artista lia e escrevia em sua pintura os valores
do compasso, dos tempos musicais e trabalhava a profundidade de sua obra criando
sobreposições singulares que se refletiam em uma coletividade que nos dão
diferentes possibilidades de acessar a obra. Acredito que Paul Klee pensava o seu
processo criativo a partir de suas referências musicais e aplicava em sue fazer
artístico da pintura.

P.: Quais trabalhos polifônicos — sejam da fusão Artes Cênicas/Artes Visuais


ou Artes Visuais/Música — você consideraria importantes e por quê?
R.: Acredito que todo o trabalho artístico polifônico atinge a premissa inicial da arte,
que é a leitura e a escrita com ampla condição de comunicação. Destaco no teatro o
Grupo Galpão, que ao longo de sua História busca em cada singularidade de seus
integrantes uma escrita coletiva. Sempre tive a condição de leitura do trabalho do
grupo, eles abrem o meu acesso a obra, por suas escritas musicais, com diferentes
instrumentos, por uma escrita das artes barrocas totalmente vinculada à localização
56

da sede do grupo e principalmente pela atualização da escrita cênica que une a


dramaturgia textual, musical e visual. Ao ver um espetáculo do Grupo, consigo ver a
sobreposição de cada elemento da escrita da dramaturgia cênica. Tudo está em
cena, com seus percursos individuais, que de diferentes maneiras nos levam para a
leitura global do espetáculo. Destaco também dois diretores de teatro que movem os
meus gostos artísticos no momento, justamente pelo potencial polifônico que
apresentam em seus trabalhos: Nelson Baskerville — ator, diretor, autor e artista
plástico brasileiro e Marcio Abreu que é ator, dramaturgo, diretor. Ambos levam para
cena o hibridismo das diferentes linguagens da arte e nessa polifonia ampliam a
capacidade de comunicação da arte.

P.: Por que é importante que o ator também esteja familiarizado com o
universo das artes visuais? O que de conhecimento agrega a seus possíveis
trabalhos?
R.: A História Social da arte, nos possibilita a reflexão sobre a escrita da homem
através da arte, ali vemos a forma que o homem estava no mundo e nas artes
visuais essa escrita se efetiva desde a arte rupestre. Quando usamos a linguagem
do teatro para nos comunicar, carregamos com ela a nossa leitura de mundo e da
mesma maneira ocorrerá com o apreciador. Quanto mais polifônica for a minha
referência, maior será a possibilidade de uma escrita artística polifônica que abrira
diferentes formas para o acesso ao apreciador da minha obra. Vivemos em um
momento de comunicações híbridas e a escrita de um artista precisa atingir essa
condição de diálogo com o apreciador da obra. O apreciador é resultado de uma
construção de leitura de mundo oriunda da imagem e do som, o artista precisa
considerar a singularidade de cada apreciador e colocar em sua obra essas portas
de leituras.

P.: E para o público? Segundo a sua visão, o que de enriquecedor para o


público agrega uma obra polifônica (desses que promovem um hibridismo
entre as linguagens), seja um quadro, uma instalação, um espetáculo, etc.?
R.: A possibilidade de ampliar a porta de acesso para a leitura da obra de arte é o
maior ganho de uma obra polifônica. Da mesma maneira que o artista abre
caminhos diferentes para a sua criação, devido as suas diversas referências, o
57

apreciador também fará a leitura da obra através de suas referências. No hibridismo


entre as linguagens amplia-se a possibilidade de acesso e de leitura. É a
possibilidade do diálogo entre as singularidades.

Você também pode gostar