Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
(Santos - SP)
Maio/2019
UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ – PÓS-GRADUAÇÃO MBA
EM HISTÓRIA DA ARTE. TCC – TRABALHO DE CONCLUSÃO DE
CURSO.
(Santos –SP)
Maio/2019
UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ – PÓS-GRADUAÇÃO MBA
EM HISTÓRIA DA ARTE. TCC – TRABALHO DE CONCLUSÃO DE
CURSO.
Dedico este trabalho primeiramente a meus pais, Rosangela e Marcelo, que sempre
me apoiaram, me acolheram e me incentivaram a escolher o caminho que eu me
identificasse, assim como toda a minha família.
A Elizabete, minha parceira de vida, que sempre está ao meu lado e me inspira
diariamente a ser um ser humano melhor com seu amor e carinho.
A Karla Lacerda e Pedro Norato, que me guiaram, de uma maneira tão amorosa e
humana, pelos primeiros passos na carreira artística e me propiciaram
oportunidades que fizeram — e fazem — de mim o artista que sou hoje.
A todos os colegas professores da TESCOM Escola de Teatro, do Colégio Anglo
Santos e da Escola Waldorf Flauta Mágica, a quem eu devo grandes aprendizados
profissionais e pessoais no convívio diário.
A todos os meus alunos, que a cada aula me ensinam muito mais do que eles
imaginam.
Resumo
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8
1.1 Escolha do tema .................................................................................................. 8
1.2 Problematização .................................................................................................. 8
1.3 Justificativa.......................................................................................................... 9
1 INTRODUÇÃO
1.2 PROBLEMATIZAÇÃO
Qual(is) é(são) o(s) conceito(s) de polifonia? Como a polifonia pode ser
aplicada na arte atual? Qual o ponto de intersecção de uma obra para unir
linguagens diversas como a música, o teatro e as artes plásticas? Como ressignificar
essas artes ao ponto de, juntas, se tornarem uma única arte transdisciplinar?
9
1.3 JUSTIFICATIVA
A arte do século XXI procura se reinventar constantemente, assim como
também o tentaram os artistas dos séculos anteriores. Muitas das reinvenções
praticadas hoje são ressignificações de conceitos e práticas já experimentadas, mas
que sofrem modificações e, por isso, adquirem um novo significado. A polifonia
cênica representa uma reinvenção não-inédita, pois no Teatro Grego (apesar de
aparentemente a linguagem teatral predominar de certa forma) já havia um
hibridismo de artes muito grande, no qual a peça era uma mistura de poesia, ação
dramática, música, arquitetura, artes plásticas e tecnologia/maquinário.
Ao longo da história, esse hibridismo permaneceu latente até desembocar no
Romantismo Alemão, mais precisamente na obra de Richard Wagner. Wagner
defendia o conceito de ―Gesamtkunstwerk” (ou ―Obra de Arte Total‖), no qual ele
vislumbrava um espetáculo capaz de unir as diferentes linguagens artísticas. Sua
crítica era sobre a ópera do período, que, segundo o compositor, privilegiava a
música em detrimento das outras artes presentes. Desta forma, Wagner buscou
equiparar os níveis entre música, drama, arquitetura e artes plásticas, o que
resultaria em uma arte híbrida, uma obra de arte total.
Essa pluralidade é cada vez mais comum, unindo não apenas os diferentes
tipos de artes, mas também os diferentes discursos. Há que se lembrar que a ópera
era — e é, de certa forma, até hoje — uma arte voltada para uma elite aristocrática.
E atualmente, com a globalização, é possível a execução de obras de caráter
popular juntamente com práticas eruditas ou vice-versa.
A polifonia cênica é um caminho de investigação que busca quebrar as
divisões que existem entre músico, ator, diretor, o escritor, pintor ou quaisquer outras
funções que existam hoje em dia, e colocar todas essas profissões em uma
profissão mais ampla e mais complexa: o Artista.
Desta forma, qualquer que seja a linguagem da obra — música, teatro, artes
13
visuais, literatura, dança, etc. —, o produto artístico pode ser considerado polifônico
se houver uma pluralidade de vozes ou discursos, que se entrelacem e comuniquem
ao espectador suas mensagens tanto de forma individual quanto coletiva. Maletta
(2016, p. 48) apresenta de forma bem resumida e concisa seu conceito de polifonia:
O autor ainda frisa que para o fenômeno polifônico ocorrer de fato, não basta
apenas que haja uma simultaneidade de elementos, mas que estes elementos
também tenham suas vozes (no sentido literal ou metafórico) entrelaçadas,
produzindo discursos e sentidos de maneira interdisciplinar.
não interferem necessariamente entre si. Não há uma troca significativa entre as
disciplinas envolvidas. Já a interdisciplinaridade, para Japiassú (1976, p. 74),
pressupõe:
[...] a colaboração entre as diversas disciplinas ou entre os
setores heterogêneos de uma mesma ciência conduz a
interações propriamente ditas, isto é, existe certa reciprocidade
nos intercâmbios, de tal forma que, no final do processo
interativo, cada disciplina saia enriquecida.
iluminado e o público ficava no escuro para facilitar que este último fosse preso pelo
drama em cena. Além disso, Wagner também utiliza a iluminação como símbolo para
criar ambientes capazes de favorecer o clima da cena. (DUDEQUE, 2009, p. 4-5).
Bennett (1986) nos mostra a revolução que Wagner incorpora na música.
Primeiramente, a orquestra wagneriana é deslocada para baixo do palco, na região
conhecida como ―fosso da orquestra‖, que foi criada para manter o grupo de
instrumentistas fora da vista do público, contribuindo para criar a ilusão de que a
música emerge da cena de forma mais natural. Soma-se a isso a grande duração de
cada drama musical de Wagner — em alguns casos, quatro ou cinco horas — e
como o compositor, em vez de dividi-las em árias, recitativos ou coros, cria uma
―melodia ininterrupta‖ que dura do começo ao fim de cada ato. Neste tecido musical,
Wagner se utiliza do leitmotiv, palavra alemã que significa ―motivo condutor‖, e que é
constituído de temas melódicos utilizados para representar determinados
personagens, emoções ou signos importantes da cena e que sofrem variações ao
longo do espetáculo, assim como se transformam as personagens, emoções ou
signos que representam. O canto wagneriano busca reproduzir o ritmo da fala e por
este motivo, é repleto de cromatismos, dissonâncias, mudanças de tonalidade,
complexidades rítmicas e melódicas. Isso faz com que a música vire texto na boca
das personagens, que tenha verdade cênica e razão para aquele canto.
Por um lado, pode-se defender que o conceito teórico da Gesamtkunstwerk é,
em sua essência, polifônico. Por outro lado, há que se levantar algumas
controvérsias práticas que podem descaracterizar essa polifonia. Em primeiro lugar,
apesar de Wagner querer abarcar todas as linguagens artísticas dentro da sua obra,
determinadas linguagens acabam recebendo mais destaque que as outras. Nas
palavras de Castanheira (2013, p. 41-42)
Apesar desta democratização das modalidades artísticas,
identificamos no empreendimento wagneriano uma clara
preferência pelas ‗três irmãs‘, filhas originárias do drama — a
música, a dança e a poesia; sendo que a estas associamos um
conhecimento imediato determinado pela performatividade do
corpo humano. Por sua vez, as artes plásticas — ou
apolíneas— enquanto representação da natureza, apesar de
fundamentais para a configuração do espaço cénico, não
deixam de ser relegadas para um plano acessório, uma vez
que enquanto efeito da aparência apolínea, correspondem a
uma realidade ilusória e artificial.
Novamente há uma contradição com o parecer que Bakthin (1981) faz sobre a
polifonia no texto de Dostoiévski. Obviamente, as obras de Dostoiévski e Wagner
são completamente diferentes e, portanto, não se objetiva neste trabalho compará-
las de forma literal. Mas, a fim de discutir o uso da polifonia como proposta artística,
cabe aqui um paralelo no campo dos discursos. Para Bakthin, o que caracteriza o
romance do escritor russo como polifônico é a multiplicidade de vozes — no sentido
ideológico da palavra — contraditórias entre si e também em relação a voz do autor.
Desta forma, cada personagem tem o seu próprio discurso, sua própria ideologia
ativa, cada qual com a mesma importância e com a capacidade de ir pelo caminho
contrário à ideologia do autor. Como se pode observar, essa ideia da polifonia
20
Figura 2: "Tannhäuser"
Esta dualidade na qual o pintor trabalhava pode ser aplicada até mesmo na
intersecção pintura-música que ele fez. Se Wagner lamentava que cada linguagem
artística sozinha era incompleta, para Klee, a pintura e a música trabalharão
justamente nos limites de incompletude uma da outra. Neste caso, podemos citar o
tempo. DA VINCI (2004, p. 65, apud FREITAS, 2007, p. 33) em seu Tratado de
Pintura ressalta as diferenças temporais que existem entre as artes visuais e a
música. A pintura, Leonardo afirma, é capaz de preservar a imagem por mais tempo
do que a própria natureza, já a música é efêmera e só acontece no seu espaço de
tempo limitado, perecendo tão logo ele se acaba. Freitas (2007) ainda expõe que,
para Klee, uma das grandes diferenças entre as duas é o fato de que a música tem
um começo e um fim delimitados por este espaço cronológico, gerando assim uma
linearidade de compreensão. Já a pintura, é livre. Não tem início e nem desfecho,
deixando o público criar a sua própria linearidade, escolhendo em qual ordem
absorverá cada um dos elementos da obra, seja um por vez ou deixando-se atingir
por vários ao mesmo tempo. Neste aspecto, já há uma das características da
polifonia: a simultaneidade.
Outro aspecto que pode parecer a priori irreconciliável entre as duas artes é a
questão do movimento. Se a música é finita no tempo, essa sua própria
característica já lhe atribui movimento, ou seja, seu acontecimento é sempre através
do deslocamento, do passar do tempo. Por outro lado, a pintura é considerada
estática a princípio. Mas Castro (2010) ressalta que o movimento está sim impresso
na obra de Klee e que, para este, o próprio ato de pintar está sempre ligado a um
movimento do artista no espaço-tempo — e aqui, neste caso, pode-se lembrar do
Movimento como matéria-prima fundamental da Dança. E ainda mais: na própria
concepção de alinhar a música à pintura, há um movimento entre estas duas
linguagens, algo que se desloca entre elas e interfere mutualmente em ambas.
Vê-se então que, em determinados aspectos, essas duas linguagens
convergem para algumas similaridades. Tanto o som quanto a luz resultam de ondas
24
Figura 4 - Comparação entre a malha de quadrados constituídos por linhas e sua aplicação em
um compasso quaternário
Nestas imagens, fica claro que Klee se vale do seu conhecimento teórico-
musical adquirido durante os anos de estudo e utiliza a pauta de cinco linhas como
um ponto de partida para suas comparações pictórico-musicais. O pentagrama,
método para a escrita de partituras já é usado definitivamente desde o século XVII,
25
no mínimo. A genialidade de Klee consiste no fato dele usar o pentagrama, que por
si só já é formado por linhas, e subvertê-lo a ponto de criar uma pintura que é
também uma notação musical alternativa, baseada nos mesmos princípios
matemáticos e geométricos que a pauta de cinco linhas. É como se as figuras de
Klee pudessem ser tocadas por instrumentistas, tal qual qualquer outra notação
musical não tradicional, como as de Koellreutter ou de Schafer.
Figura 5 - Rhythmisches
Figura 7 - Polyphonie
Sem dúvida, a obra de Klee pode ser considerada uma pintura polifônica pela
qualidade que ela exerce ao se apropriar de elementos e narrativas musicais, como
a notação, o ritmo, a melodia, o timbre, o tempo e o movimento. Segundo Karla
Lacerda (ANEXO I), Klee utilizava ―sobreposições singulares que se refletiam em
uma coletividade que nos dão diferentes possibilidades de acessar a obra‖. Cada
quadro permite uma grande polissemia de leituras e expõe o artista em sua
multifacetada tarefa, a qual exerce com atitude interdisciplinar. Obra e processo se
mesclam, assim como produto final e conceito. Klee talvez tenha sido o maior pintor
a expressar tão bem e com tanta propriedade a interligação música-pintura. Mas, se
pensarmos nas outras linguagens artísticas, vemos que as possibilidades de
intersecção ainda podem ser muito maiores. Se na Gesamtkunstwerk, Wagner
privilegiava a música em detrimento das artes visuais, na obra de Klee, o pintor
focará na pintura e no universo musical, relegando ao segundo plano uma
linguagem tão importante quanto as duas: as artes cênicas.
Ainda segundo Pereira, o diretor não utiliza croquis. Ele lança mão da
moulage, técnica na qual vai esculpindo o figurino no corpo do ator conforme o
processo de montagem avança e os conceitos se estabelecem gradativamente. E os
conceitos se entrelaçam: referências ao teatro elisabetano, o colorido clownesco-
31
―Maninha‖:
“Maninha”
“Flor, minha flor” Você gosta de mim, ô maninha?
Flor, minha flor, for vem cá Eu também de você, ô maninha
Flor, minha flor, laiá laiá laiá Vou pedir a seu pai, ô maninha
O anel que tu me destes (flor, vem cá) Para casar com você, ô maninha
Era vidro e se quebrou (flor, vem cá) Se ele disser que sim, ô maninha
O amor que tu me tinhas (flor vem cá) Tratarei dos papéis, ô maninha
Era pouco e se acabou (laiá laiá laiá) Se ele disser que não, ô maninha
Morrerei de paixão, rá rá rá
E, por fim, o ator que está imerso e dividido entre tantos estímulos pode ser
uma porta de entrada para a fusão cada vez maior entre as diferentes linguagens.
Talvez possa ser este ator o elo que permitirá uma arte verdadeiramente plural. Nas
palavras de Dort (1988, p. 187 apud MOSTAÇO, 2013, p. 203)
Definitivamente, o que nós assistimos hoje é a uma
emancipação de diferentes fatores da representação teatral.
Uma concepção unitária do teatro, seja ela baseada no texto
ou na cena, está em vias de apagar-se. Ela deixa
progressivamente espaço para a ideia de uma polifonia, e
mesmo para uma competição entre as artes irmãs que
contribuem para o fazer teatral. [...] É a representação teatral
como jogo entre as práticas irredutíveis de um ao outro e,
todavia, conjugadas como momento onde eles se confrontam e
questionam, como combate mútuo no qual o espectador é, no
final das contas, o juiz e o que está em jogo, que a partir de
agora deve-se tentar pensar.
O musical Sunday in the Park with George, que estreou em 1984 em Nova
York, foi escrito pelo compositor e letrista Stephen Sondheim e pelo libretista James
Lepine. Com uma linguagem característica do musical norte-americano, o
espetáculo reunia a interpretação e encenação teatral às músicas compostas
especificamente para a peça e interpretada pelos atores junto a uma orquestra. Até
este momento, se levarmos apenas estes dados em consideração, parece apenas
mais um dentre tantos musicais que estreiam todo ano na Broadway. Mas esse
espetáculo tem muitos diferenciais, escolhas que permitem uma ampliação artística
no campo da polifonia. No cerne desse espetáculo, há uma referência primordial da
qual originará todo o conceito da peça: a pintura Un dimanche après-midi à l’Île de la
Grande Jatte (A Sunday Afternoon on the Island of La Grande Jatte em inglês ou
Uma Tarde de Domingo na Ilha de La Grande Jatte, em português) de autoria do
pintor francês neoimpressionista Georges Seurat. Mais adiante, abordar-se-á por
que essa pintura é mais do que o simples tema do espetáculo, é o verdadeiro
37
conceito por trás dele. Mas antes de destacar a relação da obra com o espetáculo, é
necessário analisar a pintura per se.
Seurat levou dois anos para criar essa obra e é nela que está o resumo
maduro da sua técnica e filosofia artística. Seu processo começou com uma série de
estudos sobre os temas escolhidos, realizando vários esboços especialmente
voltados para a composição do parque. Ele se debruça primeiro sobre a paisagem
que será o cenário da pintura e somente depois volta suas atenções às figuras
humanas. Na paisagem escolhida pelo pintor, destaca-se a verticalidade das árvores
e as sombras produzidas por elas. O espaço que ele deixa entre as árvores é o
responsável pela sensação de movimento na obra, assim como a profundidade se
dá pela oposição entre sombra dianteira e a margem da praia. Antes de acrescentar
definitivamente as figuras humanas, o artista experimentou cada personagem em
diferentes localizações na tentativa de que eles completassem um ao outro e
harmonizassem com estrutura pré-estabelecida do parque. Neste diálogo
personagem-parque e personagem-personagem, é interessante notar que as figuras
tem certa ausência de vitalidade. Elas estão justapostas, mas sem interação entre si
ou com o parque. As ações que elas fazem parecem isoladas umas das outras. A
escolha por retratar muitas personagens de perfil, agrega inclusive um ar de
indiferença para com o pintor, que passa despercebido sem atrair os olhares dos
frequentadores daquele parque. Na tarde ensolarada de domingo, as personagens
se perdem nos próprios pensamentos e se fecham nos próprios mundos, criando
38
Assim, tema é aquilo sobre o qual o espetáculo fala, conceito é aquilo que o
próprio espetáculo é. O conceito, a princípio abstrato, se concretiza na estrutura e
nos elementos do espetáculo (texto, música, encenação, figurinos, cenários,
atuação, etc.) que dialogam entre si como várias vozes conversando pela polifonia.
Sondheim sem dúvida faz um musical conceitual, pois tudo o que está no espetáculo
se integra para desaguar como vários afluentes desaguam em um mesmo rio. Nas
palavras de Folegatti (2011, p. 74)
É possível ainda notar que essa ideia do musical conceitual tem uma boa
40
Pode-se dizer, inclusive, que esta tela é a primeira personagem que aparece no
espetáculo, antes mesmo da entrada de qualquer ator, por causa da importância que
tem o seu significado.
Fonte: OperaNews.com
Como compositor, Sondheim pensa na música como texto que sai da boca
das personagens por determinados motivos e, por isso, as canções são estruturadas
de forma que façam movimentem a cena sempre para frente. Para Folegatti (2011,
p. 73)
Após passar por uma grande crise de criatividade, com seu trabalho criticado
negativamente, George não sabe mais qual caminho seguir na arte e, ao buscar
inspiração no parque de La Grande Jatte, ele encontra com Dot. Seria raso dizer que
ela aparece como um espírito ou ―fantasma‖. Como a narrativa realista já foi
quebrada com a correspondência entre atores e personagens do segundo ato, pode-
se dizer que Dot surge como um símbolo sem muita necessidade de contextualizar
de forma racional seu aparecimento. Poder-se-ia dizer que ela surge dentro da
imaginação de George, que ele está dentro do quadro e por isso ela aparece ou
tantas outras possibilidades, mas que não convém conjeturar agora, pois seu
significado é maior que isso. No encontro entre George e Dot, a redenção acontece.
Se olharmos George como o bisavô, simboliza finalmente o reencontro do casal e do
amor pela pessoa; se olharmos George como o bisneto, temos alguém que se
conecta e aceita a herança familiar, o retorno às origens pelo amor à arte.
7 CONCLUSÃO
sido totalmente explorada pelos artistas no último século. Cada uma dessas
linguagens sofreu — e ainda sofre! — grandes transformações com relação à forma
e conteúdo. E se as artes mudam, as ligações entre elas também mudam por
consequência.
A mentalidade seccionadora, que divide os processos artísticos em partes
isoladas, começa a ser revertida. Ela pode funcionar como forma de estudo
acadêmico, que precisa dividir para entender, mas na prática, o público sempre
capta a obra como uma só, um só caldeirão cheio de referências e que, por isso,
traz consigo uma multiplicidade de leituras, dependendo de quem faz e de quem
olha. O espectador também tem seu papel na construção de significado da obra. E
uma obra só estará completa com os múltiplos estímulos de quem faz e as múltiplas
reações de quem absorve. Trata-se de uma arte polifônica referente ao artista e ao
público. Nas palavras de Karla Lacerda (ANEXO I):
Quanto mais polifônica for a minha referência, maior será a
possibilidade de uma escrita artística polifônica que abrirá
diferentes formas para o acesso ao apreciador da minha obra.
Vivemos em um momento de comunicações híbridas e a
escrita de um artista precisa atingir essa condição de diálogo
com o apreciador da obra. O apreciador é resultado de uma
construção de leitura de mundo oriunda da imagem e do som,
o artista precisa considerar a singularidade de cada apreciador
e colocar em sua obra essas portas de leituras.
pontuais, a balança penda para alguma linguagem específica nestes dois trabalhos,
o equilíbrio logo se recupera e a harmonia calculada volta a se estabelecer. É uma
mistura precisa, arquitetada, que dá ao público quantas camadas de significado ele
pode querer. Artes que englobam outras artes, temas que englobam outros temas,
trabalhos que englobam outros trabalhos.
Assim, tomando o exemplo de Romeu e Julieta e Sunday in the Park, talvez o
Teatro seja o melhor espaço para a polifonia. A linguagem que permite o encontro
das outras, mas sem se deixar encobrir. Talvez esteja no teatro a porta que vai
possibilitar uma reinvenção na forma de ver e de se fazer arte. Mas também não se
deve imaginar que o Teatro esteja em um nível superior às demais. A polifônica
cênica não acontece desta forma. O Teatro é a arte do encontro. Do encontro cara a
cara entre artista e público e, por isso, do encontro entre as linguagens. Esse
encontro é a característica que o Teatro pode agregar à polifonia, mas sem
hierarquia, pois a arte não funciona de cima para baixo e sim de forma horizontal. A
polifonia cênica não é uma imposição teatral, pois isso implicaria em um
autoritarismo nas relações. Ela é um convite. Um convite ao encontro das diversas
linguagens artísticas. Teatro, Dança, Música, Artes Plásticas, Literatura, tudo junto
de maneira transdisciplinar. A intersecção artística que ganha vida na pluralidade de
discursos, de ideias, de intenções e de vozes. Uma ode ao teatro; uma pintura
performática; um romance musical; uma dança imagética. Polifonia cênica é o que
de cada arte tem nas outras e o que das outras tem em cada arte.
50
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMPOS, Naiara Dias da Silva. Romeu e Julieta pelo prisma da crítica. 2014.
Disponível em:
<https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/abrace/article/view/1921>. Acesso
em: 03 abr. 2019.
CASTRO, Rosana Costa Ramalho de. O pensamento criativo de Paul Klee: arte e
música na constituição da Teoria da Forma. Per musi, Belo Horizonte , n. 21, p.
07-18, 2010 .
DORT, Bernard. A representação emancipada. Sala preta. São Paulo. vol. 13, n. 1,
p. 47-55, jun. 2013.
LIMA, Evelyn Furquim Werneck. Novas perspectivas para uma antiga arquitetura:
um Romeu e Julieta brasileiro no Shakespeare’s Globe. Disponível em:
<http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1371329957_ARQUIVO_revisto
_EvelynLima-ANPUH.pdf> Acesso em: 04 abr. 2019.
52
PINTO, Paulo. Teoria estética da pintura de Paul Klee. Disponível em: <
http://paulo-pinto.com/downloads/Estetica_Paul_Klee.pdf> Acesso em 04 abr. 2019
SCHLESINGER, Sarah. The MTI Study Guide for Sunday in the Park with
George. Disponível em:
<https://www.musikundbuehne.de/fileadmin/media/Downloads/Education_Packs/Sun
day_Park_Study_Guide.pdf> Acesso em 04 abr. 2019.
SILVA, Eliana Rodrigues. Encenação e cenografia para dança. Disponível em: <
https://www.iar.unicamp.br/lab/luz/ld/C%EAnica/dan%E7a/Pesquisa/iluminacao_e_c
enografia_para_danca.pdf> Acesso em 04 abr. 2019.
SONDHEIM, S.; LEPINE, J. Sunday in the Park with George. 1986. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=fUdfHcfjsPM&t=3694s> Acesso em 04 abr.
2019.
ANEXO I
PERGUNTA: Você tem uma formação que vai tanto para o lado das Artes
Visuais quanto das Artes Cênicas. E tem experiência em misturar essas duas
linguagens dentro de um mesmo espetáculo. Como se dá o processo de
escolha e de criação nesses casos? O que vem primeiro? Como você opta
pelas referências que escolhe?
RESPOTA: Descrevendo parte da minha trajetória acadêmica e artística tenho como
primeira área de formação o desenho industrial, depois as artes visuais e por fim as
artes cênicas; linguagem já escolhida como opção de expressão artística de vida,
desde os meus 13 anos de idade. Por essa formação alguns elementos que
compuseram, ao longo do tempo, a minha criação artística foram: imagens (obras de
arte), poesias e dramaturgias, principalmente na possibilidade de relação entre as
artes visuais e o teatro. Toda a materialização da criação artística inicia no
pensamento, nas referências já sistematizadas. Quanto maior for o meu repertório,
principalmente das diferentes linguagens da arte, maior será o meu poder
comunicação artística, pois acredito que com esse hibridismo consigo abrir
diferentes caminhos de acesso a minha arte. No meu processo criativo as diferentes
linguagens caminham juntas; partindo apenas do assunto que será o objeto de
pesquisa. Todos os estímulos das obras de arte se acomodam livremente no
55
P.: Por que é importante que o ator também esteja familiarizado com o
universo das artes visuais? O que de conhecimento agrega a seus possíveis
trabalhos?
R.: A História Social da arte, nos possibilita a reflexão sobre a escrita da homem
através da arte, ali vemos a forma que o homem estava no mundo e nas artes
visuais essa escrita se efetiva desde a arte rupestre. Quando usamos a linguagem
do teatro para nos comunicar, carregamos com ela a nossa leitura de mundo e da
mesma maneira ocorrerá com o apreciador. Quanto mais polifônica for a minha
referência, maior será a possibilidade de uma escrita artística polifônica que abrira
diferentes formas para o acesso ao apreciador da minha obra. Vivemos em um
momento de comunicações híbridas e a escrita de um artista precisa atingir essa
condição de diálogo com o apreciador da obra. O apreciador é resultado de uma
construção de leitura de mundo oriunda da imagem e do som, o artista precisa
considerar a singularidade de cada apreciador e colocar em sua obra essas portas
de leituras.