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Qualquer pessoa que tenha um pouco de leitura e bom senso deve no mínimo
estar suspeitando que o triângulo aritmético não seja uma descoberta ou
invenção de Pascal. Por exemplo: a denominação desse triângulo varia muito ao
longo do mundo. Com efeito, se bem que os franceses o chamem de triângulo de
Pascal, os chineses o chamam de triângulo de Yang Hui, os italianos o chamam
de triângulo de Tartaglia e encontramos outras denominações como triângulo
de Tartaglia-Pascal ou simplesmente triângulo aritmético ou triângulo
combinatório.
Pelo que temos defendido neste site, essa diversidade de denominaçes não deve
ser surpreendente. Com efeito, temos mostrado que para idéias muito simples ou
muito úteis - como é o caso da do triângulo aritmético - simplesmente não tem
nenhum sentido perguntar "quem foi o primeiro?". Elas foram redescobertas e
introduzidas várias vezes e em todos os locais onde se estudou ou estuda
matemática.
Vejamos a comprovação desta tése no caso do triângulo aritmético.
(a+b)0
(a+b)1
http://www.mat.ufrgs.br/~portosil/histo2b.html
(a+b)
2
(a+b)3
(a+b)4
etc, etc
lados formados só de 1
os elementos interiores do quadro são obtidos somando os dois elementos
imediatamente acima deles
( por exemplo, na quinta linha: 4 = 1+3, 6 = 3+3, 4 = 3+1 )
Embora não seja este o objetivo desta matéria, observemos que são várias as UTILIDADES
do triângulo aritmético:
( a + b ) 2 = a2 + 2 a b + b2 = a2 + b ( 2 a + b)
( a + b )3 = a3 + 3 a2 b + 3 a b2 + b3 = a3 + b ( 3 a2 + 3 a b + b2 )
N = ( a + b )2 = a2 + b ( 2a + b )
http://www.mat.ufrgs.br/~portosil/histo2b.html
De modo que a raiz quadrada de 51 vale 7.141 428 429 ..., com erro na
nona casa decimal.
No caso de cálculo manual ou ajudado por ábaco, podemos abreviar
consideravelmente o trabalho se formos aumentando gradativamente a
quantidade de casas com que vamos obtendo as aproximações b n. Por
exemplo, quem não dispõe de calculadora eletrônica, acharia mais rápido
refazer o cálculo da maneira mostrada abaixo, que acaba produzindo a
mesma resposta:
n bn
0 0
1 0.1
2 0.14
3 0.141
4 0.141 4
5 0.141 42
6 0.141 428
7 0.141 428 4
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8 0.141 428 42
9 0.141 428 429
Muitas outras identidades, bem menos óbvias, podem ser retiradas do triângulo
aritmético e muitas delas tem grande aplicabilidade na Matemática.
Por exemplo:
- ao jogarmos um par de moedas - temos uma chance em quatro de
obtermos duas caras, duas chances em quatro de obtermos uma cara e
uma corôa, e uma chance em quatro de obtermos duas corôas; esses
valores são os que aparecem na terceira linha do triângulo aritmético. A
correspondência se mantém para outras quantidades de moedas, bem
como outros problemas de probabilidades discretas que nada tem a ver
com moedas ou jogos.
Cerca de 600 AC, com o esgotamente do vedismo na India, difundiram-se duas outras
concepçôes religiosas, o budismo e o jainismo, ambas protestantes dos sacrificíos cruentos
dos rituais védicos.
A palavra jaina vem de jin, vitorioso em sânscrito, e indica aqueles que obtiveram vitória
sobre os desejos mundanos e que tem os sentidos totalmente sob o controle da vontade. Para
atingir essa perfeição, os jainas passavam por um longo treinamento, sendo que o estudo da
Ganitanuyoga, ou Matemática, era considerado como um dos exercícios mais nobres e
eficazes do mesmo.
quantos são os perfumes de três fragrâncias que podemos fazer se tivermos cinco
fragrâncias disponíveis?
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quantas são as combinações que podem ser feitas com os seis rasas ( gostos, quais
seja: doce, salgado, amargo, adstringente, ácido e azedo ) ?
quantas são as combinações das três sílabas: ba, be, bi ?
quantos são os possíveis arranjos de objetos que o deus Sambhu pode segurar em suas
dez mãos?
etc,etc
Os livros indianos eram escritos em folhas de palmeira o que fêz com que poucos deles
chegassem aos nossos dias. Para a maioria dos mais antigos livros jainas, temos apenas o
nome do livro, raramente o do autor, e poucas informações matemáticas. Ademais, muitos
deles não foram escritos em sânscrito. Tudo isso fêz com que ainda sejam muito poucos os
estudos sobre a história da matemática jaina.
A tabela abaixo, dá um resumo bem rudimentar, mas significativo, da literatura jaina
associada à Combinatória e ao triângulo aritmético:
Embora os dois primeiros livros acima já tragam regras ( sutras ) para o cálculo de
combinações e arranjos, é só com Pingala 200 AC - quase 2 000 anos antes de Pascal - que
encontramos o triângulo aritmético.
O envolvimento de Pingala com o triângulo resultou de seu estudo de métricas musicais na
versificação. Com efeito, ele observou que a expansão de, sucessivamente, métricas de uma,
duas, três, etc sílabas podia ser disposta sob a forma de uma padrão numérico triangular que
corresponde ao triângulo aritmético e que ele denominou meruprastara, em homenagem ao
sagrado Monte Meru.
Num dos livros chineses mais antigos, o Jiuzhang Suanshu ( Nove capítulos da
Arte Matemática ), escrito cerca de 100 AC, tem seu quarto capítulo dedicado
ao ensino de procedimentos de extração de raízes quadradas e cúbicas. Esses
procedimentos são baseados nas identidades, que já apontamos antes:
( a + b ) 2 = a2 + 2 a b + b2 = a2 + b ( 2 a + b)
( a + b )3 = a3 + 3 a2 b + 3 a b2 + b3 = a3 + b ( 3 a2 + 3 a b + b2 )
dC.
CUIDADO :
NOTA :
Como se já não fosse bastante difícil para um ocidental ler e guardar os nomes
chineses, temos mais um outro problema dificultando o estudo da matemática
chinêsa: como transliterar os ideogramas dos nomes chineses?
Os nomes chineses que aparecem acima, bem como em qualquer outra matéria
deste site, foram transliterados pelo sistema Pinyin, o mesmo sistema que hoje
V. encontra em publicações chinesas oficiais, bem como no cinema, jornais,
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grafia grafia
pinyin Wade-Giles época livros associados ao triângulo
( preferida ) ( obsoleta )
Jiuzhang suanshu zhu
Liu Hui mesma 250 dC ( Comentários sobre os "Nove Capítulos da
Arte Matemática" )
1 050 Jia Xian suanjing
Jia Xian Chia Hsien
dC ( Manual de Matemática de Jia Xian )
Xiangjie jiuzhang suan fa
( Uma análise detalhada dos métodos do livro
1 250 "Nove Capítulos" )
Yang Hui mesma
dC Fasuan qu yong ben mo
( Alfa e ômega de uma seleção de aplicações
de métodos aritméticos )
1 300 Siyuan yujian
Zhu Shijie Chu Shih-Chieh
dC ( Precioso espelho dos quatro elementos )
Por outro lado, segundo os grandes especialistas em história da matemática islâmita, Roshdi
Rashed e Adel Anbouba, o triângulo teria sido redescoberto em 1 007 pelo matemático al
Karaji. Esse matemático teria utilizado o triângulo para obter o desenvolvimento de
potências quadrática, cúbica e quártica de binómios em seus tratados de álgebra: o al Fakhri
e o al Badi.
Cerca de 1 975, os historiadores russos M. A. Abarova e B. A. Rosenfeld estudaram
cuidadosamente essas referências e, parece-nos, concluiram que al-Karaji ensinava a calcular
( a + b ) n mas não fazia nenhuma menção do triângulo aritmético: sua técnica seria uma
mera elaboração dos métodos de álgebra-geométrica que remontam a Euclides e outros
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gregos clássicos.
O próximo matemático islamita que envolveu-se com o triângulo aritmético foi o muito
famoso poeta e matemático persa Umar al-Khayyami c. 1 150 dC. Em seu Tratado de
demonstrações de problemas de Álgebra e Almuqabala, ele diz que escrevera um livro -
hoje, totalmente perdido - sobre o triângulo aritmético e sua aplicação na extração
aproximada de raízes quadradas, cúbicas, etc, seguindo a tradição indiana. É de se insistir
que a extração aproximada de raízes continuou a ser por vários séculos, entre os islamitas, o
grande uso do triângulo aritmético. Mas deixemos que o grande al-Khayyami nos diga o que
fêz:
Na época de al Khayyami, viveu em Baghdad um outro matemático islamita que teve grande
envlvimento com o triângulo aritmético, trata-se de al Samaw'al. Aos 19 anos de idade esse
talentoso matemático escreveu um tratado de álgebra, o al Bahir fi'l jabr ( A deslumbrante
Álgebra ) , onde corrigiu e expandiu o trabalho de al Karaji sobre o triângulo e o binômio de
Newton; seu livro traz uma ricamente decorada figura de um triângulo aritmético de 12
linhas. Entre os notáveis resultados de al Samaw'al, neste livro, está uma demonstração por
indução matemática da validade do binômio de Newton.
No século que antecedeu Pascal, mais de uma dezena de matemáticos europeus trabalharam
com o triângulo aritmético.
O mais antigo deles parece ter sido o matemático alemão Apianus. Esse, em 1 527, publicou
um livro - de título: Rechnung, ou seja: Cálculo - cuja capa trazia um desenho do triângulo
aritmético.
Mas o alemão que mais divulgou o triângulo foi Stifel, principalmente através da sua muito
importante e influente Arithmetica Integra, 1 544. Segundo o historiador Kurt Vogel, Stifel
declarou que havia " descoberto os coeficientes com grande dificuldade, nisso nao tendo sido
ensinado por ninguém e não tendo podido ter a ajuda de nenhum livro ".
Entre os franceses que antecederam Pascal, podemos encontrar vários que conheciam o
triângulo aritmético. Deles, o que mais divulgou o triângulo foi Peletier, através de sua
Arithmétique, livro de enorme sucesso na época e que teve várias edições, a primeira em 1
549. Também devemos mencionar: Girard (1629), Mersenne (1636), etc.
Jogando com um par de dados honestos, quantos lances são necessários para
que tenhamos uma chance favorável ( ou seja, de mais de 50% ) de obtermos
um duplo-seis, ao menos uma vez?
O interesse de de Méré no problema residia no fato de que sua "solução" para o mesmo não
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" Quando jogamos apenas um dado, temos chance 1/6 de obter um seis, e como
3 x 1/6 = 50% e 4 x 1/6 = 67%, vemos que precisamos jogá-lo 4 vezes para ter
chance maior do que 50% de obtermos, ao menos uma vez, um seis. Ora,
quando jogamos um par de dados temos 36 possibilidades, ou seja 6 vezes mais
possibilidades de quando jogamos um único dado, consequentemente,
precisaremos jogar o par de dados 6 x 4 = 24 vezes para ter chance maior do
que 50% de obtermos, ao menos uma vez, um duplo seis".
Pascal percebeu o erro de de Méré e se dispôs a achar a solução correta. Trocando idéias
com o grande matemático Fermat, logo se convenceu que a resolução teria de passar pela
enumeração combinatorial das possibilidades de ocorrência do duplo-seis. Procurando uma
maneira inteligente de fazer essa trabalhosa enumeração, Pascal redescobriu e aperfeiçou
uma interpretação combinatória e probabilística do triângulo aritmético, a mesma que
Tartaglia já havia descoberto e estudado.
Pascal não ficou sómente na resolução desse e outros problemas de de Méré. Com efeito,
gastou um ano escrevendo uma monografia de cerca de sessenta páginas sobre o triângulo
aritmético: Traité du triangle arithmétique, a qual foi publicada só postumamente, em 1 665.
Nessa monografia, Pascal introduziu o triângulo de um modo bem complicado e usando uma
notação estritamente geométrica - bem ao estilo clássico, anterior a Viète e Descartes -
provou algumas identidades envolvendo os coeficientes binomiais e aplicou o triângulo na
resolução de pequenos problemas de probabilidades e de combinatória.
Quase cem anos depois, em 1 739, o matemático inglês de Moivre publicou trabalho em que
usou a denominação TRIANGULUM ARITHMETICUM PASCALIANUM para o triângulo
aritmético. Dada a repercussão que esse trabalho teve na época, isso acabou tornando
consagrada a denominação "triângulo de Pascal" na Inglaterra, França e mais alguns países
europeus.