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Este é o r e l a t o de
u m a a n á l i s e q u e só foi
C(Ã)ES-TERAPEUTAS:
possível q u a n d o meus
cães p a s s a r a m a fazer O ENQUADRE A
parte do c a m p o trans-
f e r e n c i a i . T a l fato n o s
obriga a problematizar SERVIÇO DO
a transferência enquan-
to r e l a ç ã o i n t e r s u b j e t i ¬
va, b e m c o m o u m en-
MÉTODO NA
q u a d r e fixado a priori,
i n d e p e n d e n t e do diag-
nóstico transferenciai.
ANÁLISE DE UMA
Método psicanalítico;
d i a g n ó s t i c o transfe-
renciai; enquadre; ins-
ADOLESCENTE
tituição; campo trans-
ferenciai
esta garota.
Tenho, cá para m i m , que o trabalho a n a l í t i c o
com Tais só foi possível graças aos cães, eficientes
c(ã)es-terapeutas. Além de movida pelo desejo de par-
tilhar com
M e m bos colegas
r o efetivo d a uma experiência
Sociedade clínica
Brasileira de sui ge-
Psicanálise de
São Paulo, doutora
neris, a apresentação deste em psiquiatria
caso permitepela Universidade
esboçar algu-
Federal de São Paulo, sócia fundadora e atual presidente
mas considerações sobre como o trabalho em hospi-
do Instituto Therapon A d o l e scência.
tal-dia fertilizou meu trabalho em consultório, resul¬
tando no híbrido que o leitor tem em mãos. A flexibilidade no
enquadre externo depende de um rigor no enquadre interno - a
postura psicanalítica. Em outras palavras, m u d a o enquadre, mas
não o método.
A.C.
D.C.
MELANCOLIA
C A M P O TRANSFERENCIAL: H U M A N I D A D E
CANINA
EPÍLOGO
Ela n ã o r e t o r n o u . E n t r e t a n t o ,
seis meses após o término da análise,
ao voltar de u m a viagem, encontro
um presente que ela fizera especial-
mente para m i m : u m a pequena tela
pintada em vermelho com vários ros¬
tinhos sorridentes e u m a carta. Nes-
ta, ela dizia que recentemente tinha-
se dado conta de que me maltratara
durante nosso trabalho. Explica que
me via como inimiga, mas agora en-
tende que eu era sua amiga. Agrade-
cia por tê-la ajudado, acrescentando,
bem ao seu estilo, que não esperava
nem queria que eu respondesse à car¬
ta. Desejava apenas que eu soubesse to que ela t r o c a r i a seu futuro ca¬
t u d o isso. Fiquei satisfeita em ter chorrinho por um gato bonito, sua
notícias dela, mas também decepcio- resposta sugere que m i n h a fala teve
nada, pois não havia qualquer men- efeito interpretativo, em outras pala-
ção aos hamsters - que c o n t i n u a m vras, foi u m a interpretação transfe-
c o m i g o . Tive que aceitar o fato de renciai; em outro momento, percebo
que ela não pretendia reabrir a ques- que "algo transforma as palavras, mi-
tão da doação dos bichinhos que me nhas e de Tais, em plástico". Nestes
h a v i a feito. Para ela, era um fato dois casos, é evidente que a transfe-
consumado. r ê n c i a é a l g o d i f e r e n t e da r e l a ç ã o
concreta entre nós, até porque nos
ultrapassa. É mais apropriado dizer
que este a l g o - o campo transferenciai
PÓS-ESCRITO - organiza as relações entre analista e
paciente de modo a excluir a possibi-
V a m o s p a r t i r do p r e s s u p o s t o lidade de uma troca verbal "de ver-
de que o leitor reconhece aqui u m dade".
trabalho psicanalítico. Se assim for, O campo transferenciai é aqui-
ele problematiza a noção de transfe- lo q u e d e t e r m i n a a m a n e i r a p e l a
rência enquanto r e l a ç ã o i n t e r s u b j e t i ¬ qual a relação entre analista e paci-
va. Em minha instituição de forma- ente vai se estabelecer, durante cada
ção, a Sociedade Brasileira de Psica- p e r í o d o da a n á l i s e . D i t o de o u t r o
nálise de São Paulo, identifico pelo modo, é aquilo que faz com que as
menos duas maneiras de concebê-la. relações entre Tais, os cães e m i m ,
C o m o r e l a ç ã o e n t r e a p e s s o a do t e n h a m de ser de u m j e i t o , e n ã o
p a c i e n t e e a pessoa do a n a l i s t a , e possam ser de outro.
como relação entre os objetos inter- Assim, a transferência não é pro-
nos do paciente, projetados s o b r e / priamente a relação emocional (que
para dentro do analista. seria a l g o o b s e r v á v e l , e, p o r t a n t o ,
Vejamos, primeiramente, a trans- c o n s c i e n t e ) , m a s sua c o n d i ç ã o de
ferência como relação entre duas pes- possibilidade, sua ordem de determi-
soas. De cara, soa estranho afirmar nação. Esta "não é acessível à obser-
que a transferência possa ser a rela- vação (é inefável!) por ser inconscien-
ção entre Tais e o cão. Por o u t r o te", t a n t o p a r a o a n a l i s t a q u a n t o
lado, não é exato supor que a repe- para o paciente.
tição do passado no presente corres- Da mesma forma que transferên-
ponde, p o n t o por ponto, à relação cia não é s i n ô n i m o de relação emo-
entre paciente e analista, mesmo que cional, também não se reduz "àquilo
m e d i a d a p e l o c ã o . As c o i s a s que que Tais faz comigo", "como ela me
a c o n t e c e m n u m a a n á l i s e vão a l é m vê", "quem ela quer que eu seja". Em
disso, como se discutiu em reunião outras palavras, transferência não
científica. Dois exemplos desta ultra¬ pode ser s i n ô n i m o de identificação
passagem: em certo momento da aná- projetiva, exitosa ou não. Vimos que
lise, digo à paciente que não acredi- fui obrigada a desistir das palavras e
a conduzir esta análise na pele de um cão. Não penso que tenha
sido uma atuação, resultante de identificação projetiva com êxito.
Os resultados mostram que a análise progrediu, o que não acon-
teceria em caso de a t u a ç ã o . H a v e r i a a l g u m objeto i n t e r n o , em
m i m projetado, capaz de explicar as condições peculiares desta
análise? Dizer que precisei me identificar com um "objeto b o m "
é verdade, mas é pouco, porque não dá conta da especificidade
do que aconteceu a q u i . A f i r m a r que me i d e n t i f i q u e i com u m
"objeto c a n i n o " é óbvio, mas o que é um objeto canino? Enfim,
penso que esta análise problematiza a idéia de que transferência
seja sempre identificação projetiva.
Finalizando, o campo transferenciai leva em consideração as
concepções anteriores, porém situa-se n u m lugar um pouco dife-
rente em relação a ambas. Considera, certamente, a relação emo-
cional da dupla, mas transferência seria, antes, sua ordem de deter-
minação. Considera a identificação projetiva, porém como um me-
canismo de defesa entre outros, capaz de conferir certas caracterís-
ticas ao campo transferenciai. Enfim, se este é um trabalho psicana¬
lítico, ele nos encoraja a explorar outras técnicas para o manejo de
pacientes difíceis, adolescentes ou não. E claro que há o risco do
vale-tudo. Podemos optar: d o m i n a r o método e tentar chegar lá
onde está o paciente. Ou?... •
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS