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Vox Scripturae - Revista Teológica Brasileira

ISSN 0104-0073
eISSN 2447-7443
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
Atribuição – Não Comercial – Sem Derivações 4.0 internacional

Resenhas

WELKER. Michael. O Espírito de Deus. Teologia do Espírito Santo. São


Leopoldo: Ed. Sinodal/Faculdades EST, 2010, 299 p.

Claus Schwambach1

A obra de Michael Welker contém uma abordagem profunda, cativante


e inovadora de todos os principais temas da eclesiologia, com o objetivo de
proporcionar uma nova experiência e uma nova sensibilidade para com o
poder e a presença de Deus no mundo e na igreja. Em meio a inseguranças e
dúvidas em torno de um tema que se tornou “fantasmagórico” (p. 13), o autor
tenta resgatar o frescor das tradições bíblicas para o contexto dos desafios da
atualidade, partindo da realidade do Espírito Santo ou do que chama de “teologia
realista” do Espírito Santo (cf. p. 47ss). O capítulo introdutório (p. 13-50) situa
o discurso teológico sobre o Espírito Santo no contexto global atual, marcado, de
um lado, pelo espírito da Modernidade, em sua consciência da distância de Deus
e, de outro lado, pelas ênfases e contribuições do movimento carismático mundial
e das teologias de libertação. O autor é sensível à necessidade de articular o que
denomina de “teologia realista” do Espírito Santo no horizonte do pluralismo e do
individualismo modernos, bem como dos desafios advindos da pós-modernidade.
Segue uma breve visão panorâmica da obra:
A Parte 1 (Experiências anteriores e difusas do poder do Espírito, p.
51ss) contém uma abordagem dos testemunhos mais antigos da irrupção do agir do
Espírito de Deus no AT. O autor apresenta uma abordagem contagiante da atuação

1 Claus Schwambach (Dr.) é professor de teologia sistemática na Faculdade Luterana de


Teologia – FLT, São Bento do Sul/SC. (e-mail: diretoria@flt.edu.br).

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do Espírito de Deus no período dos juízes, em prol da salvação de necessidades


coletivas e pecado, visando à restauração da solidariedade e da capacidade de
ação comunitária (p. 52ss). Welker mescla observações de cunho exegético com
reflexões sistemático-teologicas contextuais. Ao contrário da tese de que o Espírito
Santo é, no AT, um mero poder numinoso, completamente intangível, sobre o qual
nada se pode afirmar, pouco palpável, Welker constata que, embora tenhamos que
falar de “experiências anteriores e vagas do poder do Espírito”, que “não permitem
se chegar a um conhecimento abrangente, claro e insofismável sobre o Espírito”, é
impossível ignorar “as pegadas que o Espírito deixou para trás” nos testemunhos
e tradições bíblicas do AT (p. 51s). Conclui que, pelo agir do Espírito, “o povo
de Israel sai da situação de incerteza, do medo, do estado de paralisia e da mera
lamentação” (p. 56). Comprova como, nesses testemunhos, o Espírito atua para
o “restabelecimento de uma ordem interna, pelo menos de uma nova unidade,
solidariedade e lealdade”. O Espírito serve-se, segundo Welker, dos serviços de
pessoas imperfeitas, mortais, e essas pessoas permanecem criaturas reais (p. 55). O
Espírito de Deus não “produz super-homens, pessoas superiores, heróis religiosos
ou morais”, pois as “pessoas tomadas pelo Espírito são e permanecem indivíduos
imperfeitos, finitos e mortais”. Os textos contrariam uma “heroicização moral
ou religiosa dos ‘carismáticos antigos’” (cf. Jz 6.13ss;36ss; 6.27; 8.27; 11.1ss;
11.9.30) (p. 58). A “ação do Espírito encontra-se envolta em coisas assustadoras,
ambíguas, estranhas, com dúvidas e desamparo”. Inclusive as narrativas “não
omitem consequências catastróficas e opressivas da ação do Espírito sobre os
portadores do Espírito e seus semelhantes mais próximos” (exemplo é Jefté, Jz
11.30-37) (p. 59). Welker conclui que todas essas experiências do “Espírito de Deus
são experiências de como se dá um novo começo para a restauração da comunhão
do povo de Deus, são experiências do perdão dos pecados, da reabilitação do
‘esmagado e oprimido’ e da renovação das forças da vida” (p. 63).
Conforme Welker, na profecia extática da história mais antiga de Israel,
encontramos o fato de que o Espírito cai tanto sobre indivíduos em experiências
extáticas, como em grupos inteiros (1Sm 10; 19.18-24; Nm 11.25-29). Segundo o
autor, a pessoa acometida pelo Espírito cresce para além de si mesma, recebendo
forças e capacitações especiais, despertando atenção pública, ganhando poder
sobre outros e, por outro lado, ela vivencia insegurança e desamparo pessoais.
“Transformação real e concreta de certas pessoas e reação pública a isso ocorrem
conjuntamente”, como é o caso de 1 Samuel 10, que trata de Saul (cf. 1Sm 10.10-
13, cf. p. 70). Também ao descer sobre os 70 anciãos e até sobre os que ficaram
no acampamento, fica evidente que a “participação que Deus concede no Espírito
não se orienta [...] pelo comportamento dos atingidos, mas segundo as ordenanças

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de Deus”. É relatado que os 70 anciãos entraram em arrebatamento ou de êxtase


profético, o que chamou atenção sobre eles e fez deles pessoas “identificáveis
exteriormente como pessoas a serviço de Deus”. Eles ficam fora de si, tornam-se
públicos. Essas pessoas “vão além de si mesmas; transformam sua identidade,
entram em êxtase profético e ficam praticamente irreconhecíveis. Elas ficam iradas;
tocam trombeta, dilaceram bois, transformam-se em líderes do povo, tornam-se
o centro de um movimento libertador; em todos os casos, elas claramente não
pertencem mais a si próprias” (p. 76s). Por fim, é imprescindível registrar uma
constatação central: os testemunhos mais antigos da ação do Espírito “limitam a
transformação a alguns líderes políticos ou proféticos” (p. 77). Já as tradições do
AT admitem que não há somente o Espírito de Deus, mas elas também registram
que Deus envia um espírito mau entre as pessoas, ou também um espírito da
ousadia e do erro, que desfaz a unanimidade, seduz para operações políticas de
risco, etc. (cf. Jz 9.23; Is 19.2s). Michael Welker observa, nesses textos, que “o
espírito bom” é um “espírito que conduz à coesão e comunhão de um povo, ou
à irradiação fortemente positiva de uma pessoa. O espírito mau, ao contrário,
configura um espírito que leva à desagregação e destruição de uma comunidade,
que atormenta o indivíduo isolado, levando-o a ações agressivas”. Registra, ainda,
que “o bom Espírito de Deus e o mau espírito não são grandezas que possam
ser logo e claramente diferenciadas. O espírito mau pode disfarçar seu poder
destrutivo. O espírito mau pode aparecer e atuar como um “espírito da mentira”,
que encobre seu poder destrutivo. Contra isso é necessário que seja empregada a
força profética da distinção dos espíritos (p. 79).
Outro contexto temático abordado por Welker é aquele que trata da ação
do Espírito de Deus em relação com construção, ou reconstrução, e organização
do templo. Um texto-chave aqui é o de Êxodo 31.1ss (cf. Êx 35.30ss). Ali, a
pessoa cheia do Espírito de Deus deve preparar o santuário e os principais objetos
de culto, como a tenda, a arca para a lei, o propiciatório, o altar de incenso, as
vestes sacerdotais, “todos os objetos fundamentais para a organização do contexto
visível da presença cultual de Deus, da aura manifestamente perceptível de Deus”
(p. 93).
Na parte 2, (O prometido Espírito da justiça e da paz) lança um olhar
para os textos messiânicos, principalmente na tradição de Isaías, que anunciam a
vinda do Messias, sobre o qual o Espírito de Deus descansa enquanto portador da
salvação e alguém permanentemente dotado com o Espírito de Deus (Is 11.1ss;
42.1-8 e 61.1ss). Para Welker, esses textos falam sobre o “descanso e a permanência
do Espírito de Deus e acentuam que é o próprio Deus que elege e autoriza aquele
sobre o qual descansa o seu Espírito”. Seu poder e autoridade “residem no fato de

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promover e difundir universalmente o direito, a misericórdia e o conhecimento de


Deus, que, a rigor, são os três elementos funcionais da lei de Deus. O portador do
Espírito será, assim, por excelência, alguém que cumprirá o cumprimento da lei”
(p. 99ss). Segundo Welker, o Messias cumprirá a lei, e o estabelecimento do direito,
da misericórdia e do conhecimento de Deus não ficará limitado a Israel, de modo
que Israel tornar-se-á notoriamente atrativo para os demais povos. Isaías 42.1ss
mostra que o portador do Espírito, também denominado de servo de Deus, “foi
criado e destinado para a edificação e o cumprimento universais e eficazes da lei
de Deus”. Tal “estabelecimento do direito e da misericórdia não serve unicamente
à edificação dos miseráveis e fracos, mas, da mesma forma, ... à revelação e ao
conhecimento, à honra e reverência de Deus”. Isaías 61.1ss mostra como a atuação
do Messias, enquanto portador do Espírito, terá abrangência universal, entre os
povos. Os estrangeiros e estranhos identificarão o Deus de Israel como seu próprio
Deus. Os “povos ganham participação direta no estabelecimento messiânico do
direito, da misericórdia e do conhecimento de Deus em Israel. Os gentios são
diretamente integrados no evento salvífico desencadeado pelo portador do
Espírito” (p. 104-106). Isaías 42 apresenta “o servo eleito não só diante dos povos
ou de Israel, mas diante de um público escatológico, oniabrangente e definitivo
da corte celestial” (p. 119). Especialmente os hinos do servo de Jahwe (Is 49.1ss;
50.4,ss; 52.13ss) mostram para Welker, por outro lado, o quanto o Messias agirá na
forma da impotência pública. O “servo impotente de Deus ... reúne, liga, solidariza
concretamente os povos na relação negativa, agressiva, depreciativa para com
o sofredor, que eles têm em comum. À medida que os povos reconhecem isso,
tornam-se capacitados para uma repulsa à sua velha identidade, para mudança,
renovação e correspondente desenvolvimento em direção conjunta” (p. 117).
Welker aponta para diversos textos do AT que falam de um derramamento
do Espírito do céu ou das alturas. Diferente do que na visão moderna, céu aponta,
conforme Welker, nas tradições bíblicas, de forma complexa, para “diferentes
áreas concepcionais e diferentes sistemas referenciais, distinguindo-os ao mesmo
tempo”, pensando-se no céu visível e no céu da religiosidade. “O céu é o âmbito a
partir do qual vêm o vento e chuva e no qual voam os pássaros. Em outros textos,
porém, a concepção da terra inclui esse âmbito, e o céu é só a área das constelações
estelares. Em ainda outros textos, todo o cosmo observável é designado ‘o visível’,
sendo distinguido do céu invisível. ... O céu também é compreendido como um
complexo de forças atuantes e poderes incontroláveis sobre a terra, como uma área
que não é acessível a medições, avaliações ou manipulações humanas” (p. 121s).
E é esse céu, que “é o âmbito da criação mais indeterminado e menos acessível
para nós”, que é “visto pelas tradições bíblicas como local da presença primária de

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Deus”. Céu está para a universalidade, intangibilidade e concreticidade poderosa da


presença de Deus, e isso tudo como resultado da ação do Espírito de Deus. Quando
a Bíblia fala de derramamento do Espírito do céu, ela afirma que há uma “ação
conjunta surpreendente e indisponível, que não pode ser colocada unilateralmente
em atividade, nem ser controlada a partir de aspectos e regiões isoladas” (cf. p.
ex. Is 32.15ss; 44.1-5). Natureza e cultura tornam-se permeáveis para o agir do
Espírito, e entre o povo de Deus, surge um autocomprometimento das pessoas
perante Deus (p. 126). Com o derramamento do Espírito, Deus volta sua face aos
seres humanos (Ez 39.27ss), sendo que o Espírito provoca “nova comunhão em
âmbitos de vida diferentes, aparentemente estranhos entre si: natureza e cultura
tornam-se abertas uma à outra, começando relações de troca novas, que fomentam
vida” (p. 127). Welker interpreta de forma inovadora o texto clássico do AT para o
derramamento do Espírito Santo, Joel 3.1-5 (Almeida: 2.28-32). Conforme Welker,
o derramamento do Espírito ocorre sobre toda a carne, homens e mulheres, idosos e
jovens, servos e servas. Há um igualamento destacado de homens e mulheres, bem
como dos fracos, sem-força e sem-esperança. A restrição a sacerdotes, profetas,
reis ou personagens carismáticos será superada. Os mais fracos economicamente e
os socialmente desfavorecidos não ficarão fora da dádiva do Espírito. As diferenças
de gerações são superadas. Surge uma forte igualdade na comunidade dos que
recebem o Espírito, pois todos são abrangidos, o que é um passo grande além de
todas as formas humanas de comunhão. A dádiva do Espírito supera diferenças,
mas não as anula, antes as perpassa e transcende. Essas pessoas, ao receberem
o Espírito, recebem conforme Welker “conhecimento profético por intermédio
do Espírito, [i. é], são capacitados para desvendar, juntos e reciprocamente, a
realidade pretendida por Deus e o futuro por ele almejado” (p. 131ss). Todos “são
capacitados para predizer salvação e desgraça, mas também os caminhos de Deus
que livram do perigo, o livramento de Deus. [...] Eles vão revelar para outros e uns
aos outros a realidade pretendida por Deus. Por intermédio do seu conhecimento
profético diferenciado, eles irão se fortalecer e enriquecer mutuamente. [...] Nessa
comunhão de testemunho diferenciada e múltipla, Deus tornar-se-á presente de
forma concentrada” (p. 132). E todo esse evento em que pessoas contemplarão a
face de Deus ao receberem o derramamento do Espírito significa “constituição da
comunidade, na qual a presença viva da face é percebida”. Tal ação do Espírito
não está mais atrelada à local de culto e reunião cultual, mas “quer atuar em
esferas da vida diária, inclusive repletas de necessidades, com suas trevas, ruínas e
cisões, [...] [de modo que] justamente na vida diária e conflituosa das pessoas [...]
a presença terapêutica de Deus quer se tornar atuante, pois visa unir as pessoas e
criar relações harmoniosas entre elas” (p. 134s). “À presença de Deus pelo Espírito

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e ao derramamento do Espírito corresponde um evento complexo de iluminação,


fortalecimento, edificação, libertação e vivificação recíprocos de pessoas” (p.
136). “A pessoa vivificada de maneira nova, ... está também apta a reconhecer a
própria injustiça e a libertação de sua decadência mortal. Essa pessoa consegue
se distanciar de si própria, de sua vida antiga, passada, sua falta de misericórdia,
seu distanciamento de Deus ... [Ela] está capacitada para a confissão própria de
pecados e para a glorificação de Deus” (cf. aqui Jó 33.25-27) (p. 136).
No período tardio da história de Israel, o termo espírito é usado de forma
bem generalizante nos textos bíblicos. Deus, Espírito ou Espírito Santo são coisas
praticamente idênticas (cf. Ne 9.30; Is 63.10s; Sl 51.13; 139.7). Essa tendência é
perpetuada no Judaísmo rabínico, no qual o termo “Espírito Santo” designava, em
geral, a transcendência de Deus e de seu agir. Para Welker, foi nesse período tardio
que também surgiram diversos textos que tratavam da conexão que se enxergava
entre o Espírito de Deus e a criação. À luz da mensagem profética, Israel passou a
ver que Deus não agia apenas na história com poder, mas também nos fenômenos
da natureza e no princípio da criação (Êx 14.21; 15.8,10; Is 27.8; Sl 147.18; Gn
8.1). Compreende-se que o Espírito ou vento de Deus está por detrás de todo o
devir da criação, colocando limites entre luz e trevas, dia e noite, terra e mar (Gn
1.2; Sl 33.6). Conforme o Salmo 104.29s, a vida terrena perde nexo e vira pó se
Deus retira seu espírito. “O Espírito de Deus vivifica, atua de forma criativa e
vivificante à medida que estabelece essa relação íntima, complexa e indissolúvel
entre vida individual e coletiva” (p. 139). Conforme o Salmo 139.1-7, Deus não
se interessa “de forma indefinida ‘por tudo’, mas de forma bem definida por todas
– exitosas e ameaçadas – relações vivenciais das criaturas. [...] Ele [...] atua [...]
em seres vivos. A ação do Espírito e a carnalidade não podem ser dissociadas” (p.
140). Para Welker, a renovação da criação pelo Espírito “não anula a carnalidade,
[mas] ocorre [...] paralela a uma renovação e transformação da carnalidade”.
Conforme Ezequiel 11.17.19s e Ezequiel 36.26ss, Deus dará aos seres humanos
um coração e um espírito novo, que será um coração de carne em lugar de um
de pedra. O que muda na vida daquele que recebe o Espírito é justamente a troca
do coração. Como a carnalidade é expressão da vida criatural dada por Deus, a
dádiva escatológica de um coração de carne significa que haverá uma “renovação
do criatural”, ou seja, que acontecerá que “a carne é de tal forma renovada, que
pode corresponder e dar espaço à ação do Espírito”. A “vida carnal, fraca e finita
é inserida na comunhão da criaturalidade. Ela é colocada a serviço da ação do
Espírito. [...] São desconstruídos os endurecimentos que conduzem à destruição
para fora e, retroativamente, à própria morte [...] (coração de pedra)” (p. 145).
Na Parte 3 (Jesus Cristo e a presença concreta do Espírito, p. 157-190),

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Welker aborda os principais textos dos evangelhos. Ele aborda primeiramente a


investidura pública de Jesus Cristo (p. 157ss). Em seguida, dá destaque à ajuda
que Cristo presta nos casos de impotência individual, mais especificamente
nos casos de expulsões de demônios. Nessa parte, encontra-se uma abordagem
muito sóbria do tema “exorcismo”. Welker não reduz a realidade de possessão a
doenças psíquicas e mentais, mas procura fazer jus à profundidade metafísica e
à abrangência cósmica das histórias do NT (p. 167ss). Possessão sempre exclui
o “livre-arbítrio da pessoa possessa” (p. 168), de maneira que essa pessoa se
prejudica a si mesma. “Enquanto o Espírito Santo provoca reunião, edificação e
fortalecimento do indivíduo e da comunidade por meio da integração dos fracos
e marginalizados, os demônios constituem-se em poderes que isolam, separam,
destroem e tornam comunidades solitárias” (p. 171). Welker atualiza: “Vício e
dependência de drogas, cobiça epidêmica, repressão do sofrimento e autoanestesia
de sociedades consumistas [...] bem como política excessiva de endividamento, por
exemplo, apontam para tais condutas autolesivas e autodestruições ‘demoníacas’”
hoje (p. 171). No tópico “Reunião do povo de Deus sem instrumentos de poder
públicos: o mandamento do silêncio e a ‘coalescente’ esfera pública do Reino
de Deus” (p. 172ss) Welker desenvolve as conexões entre o tema Espírito Santo
e Reino de Deus. A pergunta “Por que a blasfêmia contra o Espírito Santo é
imperdoável?” também mereceu um tópico especial em sua abordagem (p. 178ss).
E no tópico “Testemunha e consolador: O Espírito da verdade e do amor” (p.
185ss), Welker aborda a rica tradição joanina em torno do Parácletos.
A Parte 4 (O derramamento do Espírito: sua ação libertadora e
vitoriosa sobre o mundo, p. 192ss), trata das ênfases pneumatológicas em torno
do tema Pentecostes. Já no primeiro tópico, Welker apresenta sua interpretação do
evento de Pentecostes (Milagre de Pentecostes e batismo no Espírito: um mundo
dilacerado começa a coalescer, p. 193ss), que ele entende tanto como um milagre
da audição como um milagre das línguas, com abrangência universal: “O que
caracteriza o milagre do evento de Pentecostes é, antes, a inesperada, mas não
homogênea, clareza universal” (p. 196). No tópico Fé e esperança como campos de
força públicos: Deus e a vida na presença de Deus tornam-se conhecidos, Welker
apresenta suas contribuições – riquíssimas – sobre o tema dos carismas no NT.
Esses dons não foram dados para “consumo privativo”, mas como “participação
no conhecimento de Deus”, com finalidade de edificação (p. 202). Chama atenção
a forte ênfase que Welker dá ao agir do “Espírito Santo como campo de força
que constitui campos de força públicos, campos em que pessoas, por sua vez,
podem entrar ou ser inseridas” (p. 203), de maneira que os “crentes podem sentir-
se como integrantes de uma esfera de ressonância que trespassa tempos e culturas”

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(p. 203). No tópico Amor e paz: a vontade justa e misericordiosa de Deus pode
ser cumprida (p. 208ss), Welker aborda o tema do amor, entendido como o “fruto
do Espírito” e como cumprimento da lei. Os frutos do Espírito são, para Welker,
“determinados por livre autorretraimento e doação em prol de outras criaturas”
(p. 208). Welker interpreta com mais detalhes alguns frutos do Espírito. No tópico
Chamado à liberdade: Espírito e mundo não necessitam mais ser diferenciados
como arredios ao mundo, nem Espírito e carne como neuróticos, (p. 216ss), Welker
tenta mostrar de forma bastante inovadora como o agir do Espírito não significa
apenas inimizade com a carne, mas também transformação da carne. Sua tese
central é que “o Espírito não é uma força que corrói, faz cessar, impede e deforma
a vida na carne. Ele é, ao contrário, um poder que liberta a vida na carne do poder
do pecado, de estar entregue à – inútil – tentativa de impor-se e manter-se por
meio de ‘autopotencialização’ orientada em si mesma” (p. 218). No último tópico
dessa parte (Falar em línguas e interpretação da Escritura, p. 220ss), Welker dá
sua visão sobre esses dois temas. Ele critica a centralização da glossolalia em
algumas tradições. Ao final, desenvolve os aspectos centrais de um conceito de
inspiração das Escrituras: “O discurso sobre a inspiração da Escritura refere-se,
[...] à atividade de Deus na qual e pela qual os diversos testemunhos das tradições
bíblicas, individualmente ou em contextos mais ou menos complexos, apontam
em conjunto para a presença e a glória de Deus” (p. 230s).
A Parte 5 (A pessoa pública do Espírito: Deus em meio à sua criação),
está voltado para a ação escatológica de restauração do Espírito em direção à nova
criação. Os detalhes não serão abordados aqui.
Já os tópicos aqui abordados atestam, enquanto “provas de amostragem”, o
rico potencial dessa obra, que é, em nossa opinião, digna de ser abordada e estudada
por pastores, teólogos, líderes de comunidades – embora a linguagem possa ser,
cá e lá, de acesso mais difícil para o leigo – e, principalmente, por estudantes de
teologia. A leitura desse livro, devido ao seu caráter inovador e profundo, além
de muito atual, é imprescindível para o estudo da Pneumatologia nas faculdades
teológicas hoje. Por essas razões, é um livro altamente recomendável ao público
brasileiro e latino-americano.

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MURAD, Afonso; GOMES, Paulo Roberto; RIBEIRO, Súsie. A casa da


teologia. Introdução ecumênica à ciência da fé. São Leopoldo: Ed. Sinodal;
São Paulo: Paulinas, 2010, 246 p.

Claus Schwambach2

Assim como uma casa possui diversos recintos, nos quais o morador se
sente em casa, os autores dessa espécie de “introdução à teologia”, enquanto área
do saber científico em nível superior, tentam introduzir o estudioso da teologia na
“casa da teologia”, valendo-se da metáfora da casa. A abordagem é marcada pelo
empenho didático e o desejo de tornar questões complexas acessíveis àquele/a que
está adentrando essa “casa”. “Destina-se a pessoas que frequentam os cursos de
iniciação teológica, às que estão começando o percurso acadêmico e necessitam
de um roteiro didático para se situarem, bem como às que querem atualizar seus
conhecimentos” (capa do livro, parte de trás). Além de ser construído de modo
didático, cada capítulo lança perguntas para a discussão, oferece alguns textos
complementares (breves e bem pontuados!), além de apontar para um blog em que
se encontram outros materiais (http://www.casadateologia.blogspot.com/), o que
enriquece em muito o conteúdo da obra.
O capítulo 1 (Na varanda, p. 9ss), elaborado por Afonso Murad, apresenta,
em primeiro lugar, “quem vem estudar teologia”, a saber, quem se prepara para uma
função ministerial, lideranças e pessoas com demandas pessoais. Para Murad, os
primeiros desafios de quem inicia o estudo da teologia consistem em se familiarizar
com o novo saber, deixar-se purificar pelo pensamento crítico e praticar a leitura
e manter o encantamento. Para ele, o grande desafio consiste em acompanhar o
processo de caminhar “da fé para a teologia” (p. 16ss). “A teologia cristã só pode
ser compreendida a partir da fé de que Deus mostrou quem ele é, manifestando o

2 Claus Schwambach (Dr.) é professor de teologia sistemática na Faculdade Luterana de


Teologia – FLT, São Bento do Sul/SC. (e-mail: diretoria@flt.edu.br).

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seu projeto de salvação para a humanidade ... o que nós, cristãos, chamamos de
revelação” (p. 16). Murad entende que se faz necessário entregar-se ao assunto e
buscar com avidez o conhecimento, atento aos riscos do fundamentalismo e do
racionalismo. Ele tenta mostrar como fé, esperança e amor podem e devem pautar
a atitude de quem estuda teologia.
O capítulo 2 (Os alicerces, p. 27ss), igualmente elaborado por Murad, tem
como tema central a “matéria-prima” da teologia, que precisa ser transformada em
“produto teológico”. Deus, a doutrina, a vida na igreja, as religiões e a religiosidade,
bem como temas humanos significativos são vistos como tal matéria-prima. O
desafio reside em transformar essa matéria-prima em reflexão teológica atual e
contextual. Nesse capítulo, Murad oferece uma relação entre a teologia e outros
saberes (com ênfase em conceitos como transsignificação, multidisciplinaridade,
interdisciplinaridade e transdisciplinaridade) e a ciência da religião. Murad
destaca como momentos internos da teologia o que se denomina tradicionalmente
de auditus fidei e intellectus fidei. Conclui, apontando para o avanço que ocorre na
reflexão teológica. Seguem textos complementares e perguntas para conversa em
grupo.
O capítulo 3 (A sala de visitas, p. 43ss), escrito por Murad, aborda
primeiramente os significados do conceito “teologia” como reflexão, mais
especificamente como reflexão sistemática, reflexão crítica, reflexão esperançada e
sábia, reflexão sobre a fé cristã e sobre a fé vivida e transmitida pelas comunidades
eclesiais e, por fim, como reflexão a serviço da evangelização do mundo. Em
seguida, desenvolve a temática da teologia enquanto atividade de “interpretação da
fé”. E, ao final, desenvolve reflexões sobre Bíblia, tradição e vida na comunidade,
procurando resgatar o significado da relação entre Escrituras e tradição, sem deixar
de considerar o papel do agir do Espírito Santo na interpretação. Sua visão é de
que a teologia é “companheira e peregrina”, está a caminho, não ainda pronta e
nem ainda no alvo.
O capítulo 4 (Os corredores da teologia católica), elaborado por Paulo
Roberto Gomes, apresenta um corte longitudinal da história da teologia católica
romana desde as Escrituras até a atualidade. O autor apresenta, em breves traços,
os principais estágios ou etapas da história da teologia católica: teologia patrística
(com destaque para os símbolos ecumênicos), teologia medieval (com destaque
para as escolas teológicas), teologia neoescolástica, teologia em mudança (cf.
modernismo da primeira metade do séc. 20), teologia dos períodos entre guerras
(1918-1939) e teologia do Vaticano II, visto como “primavera” da teologia
católica. O autor vai apontando simplesmente para os principais eventos e nomes,
ilustrando os dados com alguns textos. Ele inclui na abordagem católica um tópico

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sobre a teologia ortodoxa, enquanto “ícone esquecido” (p. 92ss). Também essa
tradição é apresentada em suas diversas e principais etapas, da patrística até a
atualidade, em poucas páginas (92-101).
O capítulo 6 (Corredores da Teologia Protestante, p. 103-138) foi
elaborado por Paulo Roberto Gomes, com colaboração de Geraldo Cruz da Silva.
Seguindo o mesmo “esquema” de apresentação das etapas da teologia católica, os
autores mencionam as seguintes etapas: a Reforma protestante em seu contexto e
sua teologia, Lutero e sua teologia, Ulrich Zwínglio, João Calvino, Menno Simons.
Apresentam os desdobramentos da reforma no Pietismo, no Puritanismo e no
Metodismo. Abordam a resposta evangélica à modernidade, os despertamentos,
o fundamentalismo e o movimento evangélico. Chamam à memória ícones da
teologia evangélica do séc. 20, como Karl Barth e a teologia dialética, Rudolf
Bultmann e a teologia existencial, Jürgen Moltmann e a teologia da esperança.
Concluem a abordagem apontando para a presença evangélica no Brasil atual,
para elementos da história da implantação de igrejas evangélicas no Brasil e
para o fenômeno do Pentecostalismo no Brasil, com um olhar para a doutrina
pentecostal.
O capítulo 6 (Na cozinha, p. 140ss), elaborado pelos três autores do livro
em conjunto, aponta em primeiro lugar para os diferentes níveis – metaforicamente
falando: “diferentes pratos” – da teologia: teologia popular ou “sopa”, teologia
pastoral ou “arroz com feijão”, teologia acadêmica ou “feijoada”, incluindo
uma abordagem sobre a articulação entre esses três níveis. Na parte que segue,
os autores oferecem um interessante olhar panorâmico sobre a situação atual da
teologia como curso superior no Brasil, em sua função educativa, social e eclesial.
Discorrem sobre os cursos livres de teologia e o reconhecimento civil, a formação
em teologia protestante e em teologia católica no Brasil, a reflexão a partir das
grades curriculares, os processos de validação dos cursos livres de teologia em
faculdades reconhecidas, a profissão do teólogo e o significado social do curso
de teologia. Trata-se de uma interessante abordagem, muito atual, não encontrada
dessa forma em obras mais antigas de introdução à teologia.
O capítulo 7 (Nos porões, p. 164ss), tem como tema central a TdL –
Teologia da Libertação. Afonso Murad apresenta primeiramente aspectos em torno
do “nascimento da TdL”, incluindo uma descrição do cenário pós-Vaticano II, um
olhar para o papel exercido pela pedagogia libertadora a partir da leitura da Bíblia
(ver, julgar, agir), bem como para a função exercida pelos agentes de pastoral e
teólogos. Em seguida, Murad apresenta a “consolidação da TdL”, apontando para
as suas bases bíblicas, sua relação com o meio protestante e para os limites da TdL.
Na sequência, ele trata da “crise da TdL” e os fatores que levaram a isso. Conclui

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Resenhas

esse capítulo discorrendo sobre os caminhos para o futuro, vislumbrando que


essa teologia será minoritária, pautada pela diversidade e pela postura de diálogo,
caracterizada por se constituir num saber de muitos lugares e por ser uma teologia
espiritual e profética.
No capítulo 7 (Da casa à praça, p. 193ss), Súsie Ribeiro trata das
assim chamadas teologias contextuais em seus anseios, enfoques, representantes
e variantes. A “teologia na praça” concebe-se como uma teologia que considera
existir na terra enquanto casa comum de todos os seres humanos, como uma
teologia sensível às questões da corporeidade e da alteridade, marcada por forte
postura crítica frente às ideologias. Como teologias da praça a autora menciona
as “teologias de gênero” (teologia feminista, mulherista, da masculinidade e de
gênero na América Latina). Menciona ainda as “teologias étnico-culturais”, tais
como a teologia ameríndia, a teologia negra, a teologia negra africana e a teologia
afro-americana. A autora destaca a importância do diálogo inter-religioso para a
teologia e aborda brevemente as teologias da sustentabilidade.
O capítulo 9, último (A casa e a cidade, p. 215ss), elaborado por
Paulo R. Gomes, está voltado à pergunta, como a teologia pode comunicar com
eficácia suas reflexões e convicções para um público maior (= cidade). O autor
destaca a importância que a teologia possui na formação de pastores e leigos, no
favorecimento da interação com a espiritualidade, no diálogo com outros saberes.
Enfatiza a suma importância de a teologia tornar-se “teologia pública” (p. 231).
Essa obra oferece uma visão panorâmica sobre alguns temas centrais de
assim chamadas “introduções à teologia”, sendo recomendada sua leitura pelos
que estudam essa disciplina, em especial. Os pontos fortes do livro são seu caráter
didático, sua linguagem simples sobre temas complexos, inclusão de pequenos
textos complementares e perguntas que podem nortear o diálogo de grupos. A
atualidade, ecumenicidade e a contextualidade também merecem destaque. Nesse
sentido, o livro não substitui obras mais antigas nessa área, mas é recomendável
como complemento à literatura que trata dos assuntos “clássicos” das introduções
à teologia.

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