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O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser

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Resumo

Junto aos diferentes suportes de leitura, os livros digitais (e-books) se apresentam


como uma promessa de inovação no mercado editorial. No entanto, as interações
inseridas em alguns livros digitais denunciam o uso de um código que vai além do
alfanumérico, mostrando uma quebra na forma linear da escrita e do pensamento.
Portanto, o presente artigo busca refletir sobre a figura do escritor e do leitor na
era digital, tendo como base as ideias de Vilém Flusser. Procura-se compreender
para quem se escreve quando pensamos em hipertexto, visto que há uma forma de
escrita (feita para o aparelho) que está em formação.

Palavras-chave:

Escritor, leitor, livros digitais.

Design, Arte, Moda e Tecnologia. 330


São Paulo: Rosari, Universidade Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012
O escritor e o leitor na era digital à luz de Flusser

Introdução

O tempo se esvai e o presente se desfaz. No entanto, sem a intenção de apontar as novas tec-
nologias como a única responsável para esse fenômeno, mostra-se importante pensar nos efei-
tos que essas mesmas tecnologias ocasionam. Encontramo-nos “[...] instalados no movediço, no
cambiante, no renovável, no efêmero, numa época em que paradoxalmente [...] vivemos mais
tempo” (CARRIÈRE, 2010, p.57). Andamos inseguros quanto às nossas ações e entramos em con-
flito com nossas emoções devido, muitas vezes, pela intranquilidade e pela incerteza do porvir.
Ao invés de vivermos o presente tomando o passado como orientação, permitimos que a mente se
torne inquieta pelo amanhã. Então, “[...] não vivemos mais um presente plácido, estamos sempre
buscando nos preparar para o futuro” (ECO, 2010, p.57) como se esse pudesse de modo volátil,
passar ao nosso lado despercebido, sem ser sentido, sem ser aproveitado, sem nos permitir fazer
parte dele. Esse comportamento social é apontado pelo filósofo Vilém Flusser (1983) como período
pós-industrial, onde “[...] o tempo é abismo [...] O tempo não mais flui do passado rumo ao fu-
turo, mas flui do futuro rumo ao presente. E o futuro não está mais na ponta de uma reta: é ele o
horizonte do presente, e o cerca de todos os lados.” (FLUSSER, 1983, p.125). O tempo, portanto,
deixa de ser linear onde se percebia de forma nítida o passado e o futuro, ambos interligados,
apresentando uma lei de causa e efeito. O período pós-industrial, ao contrário, tem uma dinâmica
do tempo que segue o modelo cibernético (FLUSSER, 1983).

Dessa forma, a capacidade da tecnologia de gerar entusiasmo pelo novo pode vir a ser pertur-
bador, como se fosse possível perder o significado da existência ao não se desfrutar desse novo,
ou seja, ao não se ter certa tecnologia e ao não se conhecer o funcionamento da mesma, que,
geralmente, apresenta-se como evento imperdível. Mas é possível não fazer parte desse processo
estando o indivíduo envolvido pela técnica e pelos programas? Por isso a necessidade de reflexão
sobre os aparatos tecnológicos a partir da transformação do nosso olhar em relação ao mundo.
Com o aperfeiçoamento das máquinas e com as mudanças que nossa compreensão sofreu quanto
ao significado de tempo e de espaço, cada aparelho passou a exigir uma determinada prescrição.
Para Flusser (1983), o termo prescrição acompanha o homem há muito tempo, antes da própria
máquina, estando relacionado a um modo ou padrão de comportamento estabelecido. O próp-
rio homem recebeu por escrito determinadas diretrizes como se fosse um mero aparelho, como
aconteceu com os mandamentos registrados em placas. A Revolução Industrial também merece
destaque pela forma como ditou normas ao homem em relação ao uso das máquinas, contudo,
é com a revolução da informática que essa prescrição em relação aos programas se completou.
Nesse contexto, Flusser (2010, p.70) compreende o programa como “[...] uma obra escrita que
não se dirige a seres humanos, mas a aparelhos [...]”, portanto, a escrita que marca a sociedade
pós-industrial escapa do alfabeto a que estamos acostumados e vai ao encontro do chamado códi-

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go binário cuja combinação e sequência lógica de dados permite a criação de programas (soft-
wares) que prescrevem aos aparelhos como deve ser o seu funcionamento.

Diante dessa conceituação, pode-se pensar que o alfabeto chega ao seu fim. Um sinal de que está
sendo ultrapassado para cair em um possível esquecimento. Todavia, ao invés de se pensar na
decadência desses símbolos gráficos, é necessário um olhar atento à evolução que ocorre, visto
que a “[...] relação entre os códigos digitais e alfabéticos não é uma contradição dialética en-
tre códigos que produzem e códigos que criticam imagens [...] trata-se muito mais, nesse caso,
da emergência de uma nova experiência espaço-temporal [...]” (FLUSSER, 2010, p.164). Porém,
quem se mostra responsável por essa escrita pós-industrial? Quem a decodifica? Devido a tais
motivos, este artigo se propõe a refletir sobre a figura do escritor e do leitor na era digital, visto
que são dois personagens envolvidos e relacionados tanto com a produção da escrita quanto com
a interpretação da mesma. Para isso, serão utilizados os livros digitais (documento digital) como
exemplo de prescrição, a fim de se discutir, à luz das ideias de Flusser, quem é o escritor e o leitor
da pós-escrita. Para completar a discussão, serão abordados outros autores como os estudiosos
Alberto Manguel e Roger Chartier.

O gesto de escrever

A escrita e a imagem possuem uma relação inseparável que não pode ser ignorada ao se falar
sobre o próprio ato de escrever. Flusser (1985, p.23) interliga ambos os códigos ao afirmar que
as imagens servem de intermediárias entre o mundo e o homem, “[...] isto é, o mundo não lhe
é acessível imediatamente”. Contudo, ao invés das imagens serem decifradas como mediações
desse universo, o homem se perde na idolatria vivenciando e tomando as imagens como sendo o
próprio mundo que o cerca, causando a “magicização da vida” (FLUSSER, 1985, p.23), cujo re-
sultado torna as imagens um reflexo da realidade. Ou seja, a magicização se dá quando o homem
passa a viver em função das imagens que ele mesmo cria. Porém, isso gera um conflito na contem-
plação e na leitura da imagem. O indivíduo passa a ser escravo da própria criação, prendendo-se
às imagens com adoração, não distinguindo com facilidade que elas não passam de “[...] códigos
que traduzem eventos em situações, processos em cenas” (FLUSSER, 1985, p.07). É em oposição
a isso que a escrita linear nasce, “[...] tratava-se de transcodificar o tempo circular em linear,
traduzir cenas em processos. Surgia, assim, a consciência histórica, consciência dirigida contra
as imagens” (FLUSSER, 1985, p.08). Essa consciência histórica surge com a organização das ideias
ao se escrever linearmente, possibilitando o indivíduo a pensar de forma crítica a partir de uma
determinada lógica.

O texto, portanto, ganha a responsabilidade de ser a ponte entre imagem e homem a fim de que

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esse, então, compreenda o mundo. Por isso dizer que textos explicam e decodificam imagens,
criando uma nova dialética em que texto e imagem se confundem. Em um determinado momento
a imagem se mostra conceitual, ao invés de mágica, deixando tal magia a cargo do texto, dese-
struturando a ordem dos dois, trocando o modo de leitura de ambos. Mas independente disso, o
texto em si também pode provocar e levar o homem novamente ao extremo, gerando a textola-
tria, ou seja, o indivíduo não consegue decifrar os textos, perdendo a habilidade de recompor a
imagem que é codificada pelo alfabeto. Diante desse quadro, Flusser (1985) alerta quanto à crise
dos textos, pois não ocorrendo a decodificação dos mesmos, não ocorre a reconstrução em forma
de imagens e o homem não consegue produzir sentindo. Com isso, a história perde seu dinamismo
e permanece estagnada. Consequentemente, cria-se uma fenda, uma lacuna que necessita ser re-
cuperada. O que possibilita o surgimento das imagens técnicas – “[...] produtos indiretos de textos
- o que lhe confere posição histórica e ontológica diferente das imagens tradicionais” (FLUSSER,
1985, p.10). Ou seja, são geradas imagens feitas por aparelhos, como a fotografia, com o intuito
de vencer a crise instaurada sobre os textos.

No entanto, é importante refletir sobre a força que a escrita possui e o seu potencial como me-
diadora, pois antes mesmo do manuscrito e do impresso, a escrita já era cercada por uma aura
de poder, até pelo fato de ser um código que somente poucos conseguiam decifrar. As imagens,
ao oferecerem de forma instantânea e rápida um número maior de informações, passaram a per-
mitir, no percorrer do olhar, uma noção do todo e uma interpretação autônoma e independente
mesmo quando veloz demais ou incompleta. Não há necessariamente uma ordem obrigatória para
os olhos seguirem a fim de se decifrar uma imagem. Fato que a escrita limita na sua linearidade,
porque não é possível contemplar o todo de uma única vez, dependendo da extensão do texto
– como nos livros impressos que são compostos por inúmeras páginas. A decodificação letra por
letra é mais vagarosa e exige paciência, pois no desenrolar do conteúdo as informações vão, ao
mesmo tempo, tornando-se imagens mentais que se ligam às experiências já vividas. Os níveis de
compreensão e interpretação de textos e imagens são, portanto, diferentes, sendo válido lembrar
que se a imagem requer maior cuidado para sua interpretação, a escrita pode também esconder
nas suas entrelinhas sentidos ambíguos, ideias paradoxais que somente um leitor mais atento con-
segue compreender. Diante disso, por que não pensar que a escrita é tão ou mais influente que a
imagem? A crise do texto pode existir devido à incompreensão do homem em relação às palavras,
mas isso significa que a escrita enfraqueceu diante da imagem? Se a escrita não representasse
instrumento de influência, os livros - que são uma compilação da escrita - não teriam sido limi-
tados a classe Eclesiástica na Idade Média e não teriam sido queimados na Antiguidade. A escrita
mostra a sua resistência por ter sobrevivido às censuras, servindo como mensageira de revolução
e de autoritarismo, fazendo parte de jogos políticos interessados na sua capacidade de influenciar
os leitores. Mesmo com a forte presença das imagens técnicas na pós-modernidade, as máquinas

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passaram por um processo de planejamento e de escrita. Em algum momento se escreveu o que


deveria ser organizado e se aproveitou as mudanças que a escrita sofreu ao longo do tempo para
criar os mesmos programas que geram as tais imagens técnicas. Isso mostra o quanto a escrita
ainda está presente. Sendo ela aperfeiçoada ou não pela tecnologia, foi a linearidade que con-
tribuiu para a evolução da própria técnica, revelando a força do alfabeto e, consequentemente,
do gesto de escrever. Quanto a isso, Flusser (2010) afirma que a escrita linear está envolvida com
a organização e com o alinhamento do pensamento. É a forma linear do ser humano que autoriza
a existência do pensar e do agir.

Todo escrever está “correto”: é um gesto que organiza os sinais gráficos


e os alinha. E os sinais gráficos são (direta ou indiretamente) sinais para
o pensamento. Portanto, escrever é um gesto que orienta e alinha o
pensamento. Quem escreve, teve de refletir antes. E os sinais gráficos
são aspas para o pensamento correto. Numa primeira aproximação com
a escrita, evidencia-se um motivo oculto por trás do escrever: escreve-
se para se colocar os pensamentos nos trilhos corretos (FLUSSER, 2010,
p.20).

Todavia, Flusser (2010) admite que as máquinas sejam mais rápidas quando se trata da escrita
e faz um alerta quanto à possibilidade da máquina construir de forma mais variada e veloz uma
consciência histórica que ultrapassará a que nós humanos construímos. Vale reforçar, então, que
a crise que ameaça o texto é anunciada por Flusser (1985) não apenas pela textolatria em que o
homem se deixou conduzir, mas principalmente porque a própria escrita tem sofrido modificações
na sua forma linear de apresentação, devido à lógica das máquinas cuja escrita é organizada por
elas próprias obedecendo ao código binário. A partir desse ponto, para maiores discussões, utilize-
mos o livro digital (e-book) como exemplo de documento que, em alguns casos, permite não ap-
enas o uso de uma escrita não linear no seu conteúdo, mas também uma leitura diferenciada por
meio de aparelhos como os computadores ou leitores específicos para livros digitais (e-readers).

Um conceito para livros digitais

As novas tecnologias, aliadas ao uso da internet, tem provocado desafios no próprio modo de se
ler, como também tem modificado o mercado editorial, transformando as formas de distribuir,
de acessar e de gerar conhecimento (FURTADO, 2006). As mensagens transformadas em conteúdo
digital apresentam maior interatividade e dinamismo, sendo possível submeter informações a
diferentes operações como anotar e corrigir; apagar e decompor; adicionar e reorganizar elemen-
tos. Há, portanto, uma mudança tanto na estrutura física em que se apresenta o texto quanto na

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forma de se ler. Tais características podem ser encontradas nos e-books e nos seus diferentes
suportes de leitura que permitem outra lógica de manuseio em comparação aos livros impressos:

[...] a apregoada extinção de um suporte material e a sua substituição


por um ‘não-suporte’ revelou-se, na realidade, a substituição por uma
variedade de suportes tecnológicos que promovem simultaneamente
abruptas distinções e homogeneizações nos textos e nos leitores. Os
novos suportes eletrônicos apresentam diversas formas e usos, haja
vista que os livros digitais podem ser acessados e lidos em praticamente
qualquer equipamento de informática, seja um computador pessoal de
mesa, um laptop, um notebook, um PDA ou um ebook. (FARBIARZ e
FARBIARZ, 2010, p.114)

O significado para “livro digital” suscita alguns debates sobre o tipo de conteúdo (se esse é criado,
desde o início, em forma digital ou se é digitalizado) e o tipo de meio (se a informação pode ser
acessada em computador ou em dispositivos de leituras, também chamados de e-book readers ou
apenas e-reader). Dessa forma, e-book abrange “[...] desde um simples arquivo digital do con-
teúdo de um livro até ao arquivo digital acompanhado pelo software que possibilita o acesso e
a navegação do conteúdo.” (FURTADO, 2006, p.44). Para melhor compreensão do significado de
e-book também é preciso destacar que o design do livro digital, assim como suas possibilidades
de interação, está aliado ao tipo de suporte utilizado para a leitura. O computador suporta certas
extensões de e-books como PDF (Portable Document Format), exigindo o programa Adobe Reader
instalado; e como Epub (Eletronic Publication) que pode ser acessado pelo programa Adobe Digital
Editions. Já os dispositivos de leitura mostram diferentes funções e aplicativos entre si, suportan-
do, geralmente, tanto a extensão Epub quanto PDF. Os principais suportes (e-readers) para os
e-books são: Kindle, Sony (Galaxy), Cool-er, Positivo Alfa, iPad – todos comercializados no Brasil.
Também é possível acessar livros digitais através de celulares, especialmente por meio do iPhone,
do Smartphone ou de aparelhos que aceitam aplicativos em Java[1].

Em razão dos diferentes dispositivos e formatos de arquivos, surge a necessidade de um maior


conhecimento técnico – tanto da área de webdesign quanto de design gráfico - por parte daque-
les que trabalham com a produção de livros a fim de atenderem as peculiaridades técnicas na
produção dos livros digitais. Tal fato se torna evidente quando determinados e-books possibilitam
acesso a imagens, vídeos, sons e hiperlinks, funcionando como janelas ao longo da história conta-
da. Nem todos os e-books oferecem efeitos de interação, assemelhando-se, ou sendo na prática,
uma cópia do conteúdo impresso já existente. Entretanto, novos livros lançados, antes mesmo de
serem elaborados, já passam pelo planejamento de serem pensados diretamente para aparelhos

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de leitura, preocupando-se com o tipo de suporte em que a história será narrada. Caso a extensão
do arquivo permita a combinação de hipertextos e de animações, é possível que alguns aparel-
hos e-readers sejam o ideal para o envolvimento do leitor junto ao conteúdo. Relacionado a esse
processo, Flusser (2010) observa

A revolução da informática, essa produção de sinais e sua inserção


em campos eletromagnéticos, quebrou de maneira evidente o modo
de pensar tipográfico. Os novos sinais, que aparecem em monitores
de computador e nas telas dos televisores, são mais vestígios que se
gravam em um objeto, eles não são mais “tipográficos”. E o modo de
pensar, que as novas informações produzem, não é mais um modo de
pensar, que as novas informações produzem, não é mais um modo de
pensar tipográfico, tipicante (FLUSSER, 2010, p.67).

A mudança na estrutura do texto e a fragmentação da leitura conduzem o pensamento a um


roteiro ainda não conhecido, uma nova ordem de pensar que segundo Flusser (2010, p.68) pode já
ser “pressentido”. Contando que o homem possui um apego ao livro como objeto, não será apenas
medo em excesso de nossa parte, considerar que essa mudança na escrita pode nos confundir
quanto à classificação do que consideramos como texto e imagem? Nosso pensamento pode tam-
bém se confundir com isso a tal ponto de ter dificuldades de pensar de modo organizado quando
necessário? Flusser (2010, p.21) contribui para que outros questionamentos sejam levantados ao
dizer que as linhas escritas “[...] não orientam os pensamentos apenas em sequências, elas ori-
entam esses pensamentos também em direção ao receptor. Elas ultrapassam seu ponto final ao
encontro do leitor”. Impossível, portanto, não indagar quem é o leitor e o escritor no contexto
digital.

O escritor e o leitor na era digital

Para se compreender a figura do escritor e do leitor na pós-modernidade, é necessário recuperar


o passado, recordando que as primeiras tabuletas de argilas escritas contribuíram para que se
superasse a limitada capacidade da memória humana de armazenar informações. A partir desses
registros primários, qualquer pessoa recuperava o passado sem necessitar do relato de quem vi-
venciou os acontecimentos gravados (MANGUEL, 1997). Desse modo, é fácil pensar que a figura
do escritor tenha nascido dessa superação do homem em vencer o tempo, deixando um código
repleto de significado que, ao ser interpretado, revelava uma parte da história. Manguel (1997)
reforça tal ideia do seguinte modo:

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Uma vez que o objetivo do ato de escrever era que o texto fosse resga-
tado – isto é, lido -, a incisão criou simultaneamente o leitor, um papel
que nasceu antes mesmo de o primeiro leitor adquirir presença física.
Ao mesmo tempo em que o primeiro escritor concebia uma nova arte
ao fazer marcas num pedaço de argila, aparecia tacitamente uma outra
arte sem a qual as marcas não teriam nenhum sentido. O escritor era
um fazedor de mensagens, criador de signos, mas esses signos e mensa-
gens precisavam de um mago que os decifrasse, que reconhecesse seu
significado, que lhes desse voz. Escrever exigia um leitor. (p.207)

A ligação entre escritor e leitor se dá justamente pelo fato de que o texto ganha sentido ao ser de-
codificado, sendo que o leitor pode fazer interpretações diferentes em relação ao que lê, mesmo
que o escritor tenha uma mensagem específica para transmitir. Foi com Gutemberg que o gesto
de escrever sofreu mudanças, pois a manipulação dos tipos gerou um pensamento tipificante, le-
vando aqueles que escreviam a perceber que controlavam tipos e não caracteres. O predomínio
das máquinas, no período moderno, mostra o auge desse pensamento tipificante, onde se relega
aos aparelhos a capacidade de certos trabalhos antes feitos manualmente, por isso “a tipografia
pode ser compreendida como o modelo e o embrião da revolução industrial; as informações não
devem ser impressas apenas em livros, mas também em têxteis, metais e plásticos” (FLUSSER,
2010, p.66). É por tal motivo que se torna pertinente pensar nessa sociedade pós-industrial, cuja
informação se mostra gravada em telas, onde textos e imagens aparecem em superfícies. Quem
são os escritores que fazem essa impressão? Quem são os leitores que decifram os códigos impres-
sos nessas telas?

Escritores em potencial para o livro digital

Para Flusser (2010), os textos se completam ao encontrarem um leitor porque cada linha escrita é
feita para ser concluída. Portanto, o gesto de escrever está fundando no fato de ser escrito para
alguém, que esteja disposto a abraçá-lo, a fim de dar-lhe sentido a partir de diferentes formas
de leitura. Contudo, conforme observa Flusser (2010, p.54), dirige-se o escritor para o receptor
que está ao seu alcance, ao contrário do que se pensa quando se imagina que o escritor escreve
para a multidão, afinal “ao alcance de quem escreve, estão apenas os receptores com quem ele
compartilha canais de transmissão por meio de seus textos. Por isso, ele não escreve diretamente
ao seu receptor, ele escreve muito mais ao seu mediador”.

Esse mediador a quem Flusser (2010) se refere está centrado na figura do editor que há muito
tempo ocupa a tarefa de ler os textos, fazer apontamentos e modificar o que, segundo sua per-

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cepção, pode não estar coerente. Portanto, é válido lembrar que, no século XVIII, é que se ap-
resenta a figura do editor como o profissional que busca de forma comercial a circulação dos
livros, controlando o processo de produção e distribuição (CHARTIER, 1998). Porém, o editor e o
autor passam a enfrentar momentos de tensão devido a essa relação próxima entre ambos, onde,
em alguns momentos, o processo de organização das ideias fica a cargo do editor. Esse conflito
justificava-se devido à existência de um público consumidor: o leitor.

Todavia, se o editor atua como um filtro em relação ao texto do autor, modificando, cortando,
alterando o que foi escrito, a fim de entregar um texto que impressione um determinado público,
por que não dizer que o editor passa, então, a também ser autor da obra escrita? O editor in-
tervém com sugestões, com restrições e com critérios do que pode tornar a obra mais atraente e
vendável. Flusser (2010, p.55), diz que “um texto impresso não é apenas aquele que transformou
(capturou, impressionou) o editor, ele é também um texto que foi modificado (que foi apreen-
dido e que causou impressão) pelo editor”. O autor pode encontrar no editor seu primeiro leitor,
porém, é por meio do diálogo entre ambos, na influência do que deve ser alterado na produção,
que o editor também se torna escritor. Ao estruturar uma ideia que pode vir a ganhar vida em
uma forma material (um livro), o escritor costuma se utilizar de uma linguagem própria, com
base em sua cultura e sua preferência literária para escrever e registrar suas inspirações. Ele é o
proprietário da ideia central, cujo desenvolvimento pode se tornar uma obra palpável e concreta.
Contudo, o editor, mesmo não sendo o dono da ideia, ele articula as melhores possibilidades de
venda e distribuição dessa ideia, ganhando autoridade para retirar, limitar certas partes do texto,
sugerindo mudanças a tal ponto de moldar o conteúdo quando necessário. A partir disso, é pos-
sível, então, dizer que o editor se apresenta como coautor, caminhando junto com aquele que
elabora a ideia e a desenvolve. O trabalho do editor em cortar e revisar os textos não deixa de
ser uma forma de modificar o que está escrito, mesmo quando o escritor concorda. Tal ação pode
criar uma aparência de censura, já tão conhecida na história do livro, visto que a escrita, em
diferentes momentos, foi revestida pelo próprio homem como um perigo a ser controlado. Con-
tudo, os editores seguem uma lógica de mercado onde o texto e o seu conteúdo são vistos como
o produto em si, necessitando de reparos e observações para uma boa colocação mercadológica.
Conforme Flusser (2010) afirma:

O texto impresso é consequência de um aperto de mãos entre aquele


que escreve e o editor, ele apresenta vestígios de ambas as mãos [...]
esse aperto de mãos é um dos gestos mais afáveis que existe, pois é,
simultaneamente, dos mais públicos e dos mais íntimos: o editor está
lá para quem escreve; aquele que escreve está para o editor; e ambos
para o leitor (FLUSSER, 2010, p.55).

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Entretanto, é necessário pensar nesses dois escritores (autor e editor) inseridos no atual contexto
digital, levando em consideração as mudanças que a escrita e os seus suportes estão enfrentando.
Os suportes passaram do papiro para o pergaminho e, atualmente, passam do papel para o digital.
Há nessa transição uma desestrutura que, talvez, possa ser comparada, somente, ao período em
que o rolo presenciou o surgimento do códice. Gutenberg causou uma revolução na cultura ao
transformar o modo de escrita (a partir de tipos). Porém, o formato do livro (códice) permaneceu
o mesmo.

Na sociedade pós-industrial, a presença dos livros digitais mostra a alteração no formato códice,
apresentando um formato digital. Portanto, modifica-se o modo de produção do livro, assim como
o seu próprio formato. Consequentemente, para que o formato digital seja gerado, possibilitando
a criação do e-book, é necessário o uso de outros códigos além do alfanumérico. Porém, cabe ao
escritor ou ao editor compreender tais códigos – padronizados para web e voltados para a área de
programação [2]?

Flusser (2010) alerta que na revolução da informação predomina aqueles que manipulam os
aparelhos, indagando para quem esses escrevem. Na concepção de Flusser (2010, p.67), “[...]
eles escrevem muito mais para os aparelhos [...] trata-se de um outro escrever e teria, por con-
seguinte, de receber uma nova denominação: ‘programar’”. Com os livros digitais a tendência
é aumentar o número de escritores, principalmente os independentes, que, anteriormente, não
conseguiam editores como parceiros para a revisão de suas ideias e para a colocação dessas no
mercado editorial. Contudo, com os e-books, o editor pode ser dispensado pelo autor para se real-
izar a produção do livro digital, necessitando apenas que alguém tenha conhecimento dos códigos
necessários para a criação do e-book. Isso não significa que a tarefa do editor se torne menor ou
desnecessária, pois seu trabalho envolve estratégias mercadológicas que podem criar espaços de
divulgação para livros impressos e para livros digitais, sendo sua atividade ainda relevante quando
se trata de publicidade e venda. O que se busca refletir é o fato de que a presença do editor como
coautor pode, nesse cenário, não estar presente para que as ideias ganhem um determinado for-
mato, apesar do livro digital também carecer de gerenciamento e de revisão.

Caso um escritor deseje contratar um programador para a realização do seu livro, não será papel
de quem programa revisar e cortar o texto, tal e qual um editor. Da mesma forma, autor e editor
podem até estudar os códigos indispensáveis para se gerar o e-book. No entanto, o programador,
por ter a capacidade de articular o código binário, assim como outros códigos presentes na web,
possui mais agilidade e competência para isso. Portanto, se o autor permanece trabalhando junto
ao editor, pode-se dizer que o programador seria uma terceira espécie de escritor? Mesmo que
sua escrita seja voltada para o aparelho, para uma superfície, não é ele que consegue dar uma

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nova forma ao conteúdo? Flusser (2010, p.72) crê que “[...] o ato de programar não pode ser, na
realidade, denominado escrever. É um gesto em que se manifesta um modo de pensar diferente
daquele por ocasião do escrever”. Em outras palavras, o raciocínio lógico não equivale ao da es-
crita alfanumérica porque se assemelha ao pensamento matemático. É, ao mesmo tempo, uma
decodificação do alfabeto para uma tradução do mesmo para outro código. O programador pre-
screve ao invés de escrever.

Os programadores são ‘homens novos’, um tipo de homem que não exis-


tia em sociedades precedentes. Assumem-se jogadores com programas,
para os quais o que conta não é a modificação do mundo, mas o jogo. A
realidade, para eles, é o jogo do funcionamento. Os símbolos que ma-
nipulam para projetarem programas significa funcionamento [...] para
eles o homem é funcionário a ser programado para viver em contexto
simbólico [...] se observarmos como programa verificaremos que não
se estão dando sempre conta que são eles próprios, programados para
programarem (FLUSSER, 1983, p.37-38).

Assim, o próprio programador acaba sendo funcionário, pois, ao compreender os programas e ao


programar para que os aparelhos dominem o comportamento dos indivíduos, tende ele próprio
a ser dominado, uma vez que o seu comportamento passa a ser automatizado pelas máquinas.
Portanto, se o programador não pode ser considerado um escritor; pode, ao menos, ser apontado
como o novo mediador entre escritor e leitor quando se trata de livros digitais. O escritor na era
digital não pode mais ser apontado como um único indivíduo, a não ser que, sozinho, consiga ma-
nipular diferentes técnicas para alcançar o resultado final de sua escrita: o e-book. Se tal habili-
dade não lhe for característica, a figura do escritor estará além de um único indivíduo, visto que
pode existir ainda a presença do editor e do programador. Três personagens que juntos realizam a
árdua tarefa de combinar diferentes códigos para obter um novo modo de aproximar-se do leitor.

O leitor da pós-escrita

Esse novo leitor, assim como o escritor, também apresenta reflexos da pós-escrita. O leitor
do futuro, não está mais encerrado nas bibliotecas e salas de aula, isolado em seu universo
particular, pois as mudanças no ato de ler variam, rompendo com antigos modos de se ver,
perceber e sentir o livro como objeto. Agora é possível compartilhar anotações feitas no mo-
mento da leitura, salvar trechos preferidos e conferir, dentro das redes sociais, aqueles que
também apreciam as mesmas também apreciam as mesmas passagens. Com os e-books, torna-se
alternativo não apenas o local físico onde se lê como também a ordem em que se realiza a leitura,

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o modo como o pensamento vai alinhar-se a escrita – se é preferível navegar por um link ou se é
mais confortável seguir um modo linear assistindo a possíveis animações presentes durante a nar-
rativa. Esse leitor, portanto, aprende a ter mais independência, assim como adquire sozinho ou
junto a um grupo, certos conhecimentos de informática que lhe autorizam compreender como os
programas funcionam e como os aparelhos podem ser utilizados para seu benefício. Nas previsões
de Flusser (2010):

O leitor do futuro senta-se diante da tela para acionar informações


armazenadas. Não se trata mais de uma leitura passiva (de uma es-
colha) de fragmentos de informação ao longo de uma linha pré-escrita.
Trata-se muito mais de uma associação ativa de transversais entre el-
ementos de informação disponíveis. É o próprio leitor que produz en-
tão a informação de acordo com seu objetivo, a partir dos elementos
de informação armazenados. Nessa produção de informação, o leitor
dispõem de diversos métodos de associação que lhe são sugeridas pela
inteligência artificial (atualmente, os métodos de acionar são conheci-
dos por menus), mas ele pode também utilizar seus próprios critérios
(FLUSSER, 2010, p.167).

O leitor da era digital, que também tende a ser um usuário da web, está além do aparelho, pois
ao entender a lógica de funcionamento da máquina, pode entrar em conflito com algumas regras
do jogo estipulada por programadores. Cabe aqui citar, como exemplo, o episódio do livro digital
Alice no País das Maravilhas lançado para versão iPad, cuja versão completa não apresenta tantas
animações como insinua a campanha publicitária. Quando o leitor percebe esse tipo de intenção
mercadológica, pode sentir-se lesado de algum modo. A partir dessa tensão, caso deseje, o lei-
tor consegue facilmente articular-se nas redes sociais, utilizando-as como instrumento para de-
nunciar sua insatisfação, compartilhando na rede um fato que pode não somente alertar outros
leitores, mas também pressionar os produtores do livro a deixarem as informações mais claras em
relação ao produto anunciado. O leitor se apresenta, então, ativo não apenas no seu modo de
leitura, mas no seu comportamento como leitor e usuário. São outras experiências de leitura e de
relação com o livro.

Também é válido lembrar que o leitor que se utiliza da tela (seja do computador ou do e-reader)
se assemelha ao leitor medieval e ao leitor moderno, pois o formato do livro permite acesso a
referências, paginação e notas, onde o virar de páginas aproxima o indivíduo da história narrada
(CHARTIER, 1998). Para a pesquisadora Lupton (2006) também afirma que o poder de intervenção
constante do usuário sobre o equipamento eletrônico é, atualmente, muito maior, possibilitando

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melhor controle e aproximação física por quem manipula o objeto. Ou seja, um leitor pode ser
atraído pela interação e pelas aplicações que os aparelhos apresentam, mesmo quando parece se
estabelecer uma relação fria e distante entre tecnologia e usuário.

O livre arbítrio de como manipular a tela diante de si faz do navegador um leitor com diferentes
desejos e expectativas. Já para a pesquisadora Santaella (2004, p.182), “não há mais tempo para
a contemplação. A rede não é um ambiente para imagens fixas, mas para animação. Não há mais
lapsos entre a observação e a movimentação”. Por isso, o leitor acostumado ao sistema de in-
teração que a internet possibilita, acaba demonstrando um perfil mais dinâmico em relação aos
livros digitais. Lupton (2006) explica ser desse poder de escolha a origem da impaciência do leitor
digital. É uma questão cultural o fato de não ser contemplativo, mas, sim, inquieto, distraído,
em busca de diferentes caminhos que podem lhe desviar de uma leitura linear. Portanto, o leitor
do futuro é livre devido as suas múltiplas possibilidades de fazer associações, interligando infor-
mações históricas, científicas, com base na literatura ou com base em outras áreas, por meio de
uma leitura tanto linear quanto uma leitura repleta de hipertextos (FLUSSER, 2010).

Conclusão

Para Chartier (1998) não importa onde ou como, a leitura passa pela produção de sentido do
homem, independente do formato utilizado e do tipo de arquivo dominado pelo leitor. Caso não
exista o interesse desse leitor em utilizar seus códigos culturais para aplicar naquilo que chega aos
seus sentidos, tanto um texto eletrônico quanto um livro impresso deixam de ter significado para
sua vida. Por isso, pode-se afirmar que a escrita, ao formar o texto, espera sempre pela bondade
de alguém que possa decifrá-lo para ser completo.

Mas Machado (1997), ao falar de livro do futuro, busca prever como pode ser o modo de leitura em
função do progresso tecnológico. Para o autor, não se deve pensar o e-book como sendo uma cópia
tal e qual de um livro impresso, porque senão temos como resultado somente uma transferência
de uma mídia para outra e não a criação de uma interface adequada aos novos suportes:

Acima de tudo, os novos livros deverão ser escritos em “camadas” ou


níveis diferenciados de aprofundamento, aproveitando a estrutura tri-
dimensional das escrituras hipertextuais, de modo que se possa fazer
uma leitura apenas informativa, quando se quiser somente saber do
que se trata, mas também se possa mergulhar fundo na argumentação,
se o interesse do leitor for mais longe (MACHADO, 1997, p.186).

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Nesse sentido, é possível afirmar que o e-book tem estrutura semelhante a um site devido a pos-
sibilidade de se criar hipertextos. A estratégia de organização e planejamento de um e-book deve
obedecer ora ao mundo da web e ora ao mundo gráfico, agregando os dois para a construção do
projeto que em seu modo de visualização pode gerar significados diferentes em função do tipo de
suporte. Por tal motivo, junto aos projetos gráficos, surge a necessidade de compreender novas
ferramentas de trabalho. É preciso aliar conhecimentos anteriores às novidades tecnológicas para
aproveitar os diferentes suportes de leitura que se destacam (Kindle, Cool-er, Positivo Alfa ou iPad
e Galaxy que se assemelham a minicomputadores, por exemplo).

Porém, o livro digital se apresenta como elemento visível da transformação que a cultura escrita
está sofrendo. Os escritores da era digital, dificilmente atuarão sozinhos, sendo necessário tanto
para esses autores como para os leitores a necessidade de aprender a reescrever para fazer parte
do mundo digital. Caso compreendamos os códigos digitais como uma continuação e um prolonga-
mento “[...] da produção de imagens pré-alfabética e da produção de texto alfabética, pode-se
dizer que temos de aprender a transcodificar tudo: não apenas tudo o que já foi escrito como tam-
bém o que ainda será escrito” (FLUSSER, 2010, p.166). Porém, esse reaprendizado é difícil, pois,
para Flusser (2010), a grande questão está em aprender a repensar a nossa história com diferentes
códigos. De fato, há uma nova linguagem dominada por programadores. Contudo, a alienação em
que o homem se encontra data muito antes da própria tecnologia, onde não se consegue perceber
o outro e o mundo sem se perder na própria loucura. Cria-se a escrita para explicar a imagem,
depois se retorna às imagens para se interpretar a escrita, para mais tarde se criar códigos além
dos que existem para que se consiga dar ordens às máquinas, deixando que essas influenciem o
comportamento humano, modificando o modo de ler, de escrever e de pensar. Em si as mudanças
são árduas, mas talvez um dos desafios esteja no modo como o autor, o leitor e o editor devem
explorar esse novo código a seu favor, a fim de não se perder por completo a razão crítica.

Notas
[1] Disponível em: <http://editoraplus.org/blog/qual-programa-usar-para-ler-livros-eletroni-
cos/>. Acesso em: 15 jul 2011.

[2] Padrões Web (ou Web Standards) tem por objetivo a criação de uma web universal. Web
Standards é um conjunto de normas, diretrizes, recomendações, notas, artigos, tutoriais e afins
de caráter técnico, produzidos pelo W3C e destinados a orientar fabricantes, desenvolvedores
e projetistas para o uso de práticas que possibilitem a criação de uma web acessível a todos,
independentemente dos dispositivos usados ou de suas necessidades especiais. Disponível em:
<http://www.maujor.com/index.php/>. Acesso em: 20 jul 2011.

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Referências

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COELHO, Luiz Antonio L.; FARBIARZ, Alexandre (Org). Design - Olhares Sobre O Livro. Teresópo-
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