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JUSPODIVM
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PÚBLICO

GUSTAVO ADOLFO MENEZES VIEIRA

A ESCOLHA DE SOFIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS


O CUSTO TRÁGICO DAS PRESTAÇÕES SOCIAIS

Salvador
2012
1

GUSTAVO ADOLFO MENEZES VIEIRA

A ESCOLHA DE SOFIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS


O CUSTO TRÁGICO DAS PRESTAÇÕES SOCIAIS

Monografia apresentada ao JusPODIVM como requisito


parcial para a obtenção de grau de Especialista em Direito
Público.

Salvador
2012
2

TERMO DE APROVAÇÃO

GUSTAVO ADOLFO MENEZES VIEIRA

A ESCOLHA DE SOFIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS


O CUSTO TRÁGICO DAS PRESTAÇÕES SOCIAIS

Monografia aprovada como requisito para obtenção do grau Especialista em Direito Público,
pela seguinte banca examinadora:

Nome:______________________________________________________________________
Titulação e instituição:________ ___________________________________________________

Nome:______________________________________________________________________
Titulação e instituição: __________________________________________________________

Nome:______________________________________________________________________
Titulação e instituição:__________________________________________________________

Salvador, ____/_____/ 2012


3

A meus pais, pelo inestimável apoio.


4

AGRADECIMENTOS

A possibilidade de cursar Pós-Graduação em Direito Público pelo JusPODIVM deu-se em


virtude de láurea acadêmica no 6º Concurso de Artigos jurídicos da instituição, realizado
durante o Fórum Internacional de Direito Público & X Congresso Brasileiro de Direito
Aplicado, ao mês de maio de 2011 em Salvador, Bahia. A elaboração da presente monografia,
portanto, não seria possível sem a louvável iniciativa do JusPODIVM e da Múltipla – Difusão
do Conhecimento, na realização do certame. Na ocasião, tive a oportunidade única de
conhecer pessoalmente juristas de renome do Brasil e do exterior, além da honra de receber a
premiação das mãos do Professor Peter Häberle em pessoa. Por essa oportunidade e o
gratificante aprendizado diante da excelência de seu corpo docente, ao JusPODIVM serei
sempre grato.
5

Pode ficar com um.


O outro vai ter que ir.
Qual deles você escolhe?
William Styron,
A Escolha de Sofia
6

RESUMO

A presente monografia tem como objeto uma reflexão crítica acerca das escolhas trágicas que
envolvem a aplicação dos direitos prestacionais em um ambiente de escassez de recursos, de
modo a propor respostas dogmaticamente mais adequadas aos dilemas de decidibilidade
constitucional. Para isso, o texto analisa a estrutura dogmática dos direitos fundamentais
enfatizando os imprescindíveis custos de sua consecução. Nesse sentido, esta monografia
busca estabelecer um diálogo profícuo entre a análise econômica e a ponderação
principiológica, sob o leitmotiv da eficiência, da proporcionalidade e da isonomia. Ao avalizar
as relações entre Direito e Economia, este trabalho busca acentuar não apenas seus fatores em
comum, como também apontar as insuficiências teóricas de um monólogo autista (jurídico ou
econômico), em detrimento de um diálogo construtivo de ambas as áreas do conhecimento. A
partir desse diálogo, redimensionam-se as fronteiras dogmáticas dos direitos prestacionais em
torno de uma estrutura tripolar, refratária às lógicas de microjustiça. Criticam-se, nesse plano,
as inconsistências de um modelo voluntarista que descure das consequências das decisões
judiciais, assim como uma postura excessivamente ativista que se arvore a substituir a Agora
legislativa pelo Forum judicial. Essa monografia propugna, em seu lugar, um ativismo
judicial voltado ao redirecionamento das deliberações políticas a seu locus constitucional
parlamentar. Destarte, o Judiciário deve manejar mecanismos que garantam a máxima
transparência da res publica, especialmente trazendo à tona as inexoráveis escolhas trágicas
que envolvem a tutela dos direitos prestacionais.

Palavras-chave: direitos fundamentais; análise econômica do direito; ponderação de


princípios; conteúdo essencial; ativismo judicial.
7

RÉSUMÉ

Cette monographie a pour objet une réflexion critique sur les choix tragiques de l'application
des droits aux prestations dans un contexte de rareté des ressources, afin de proposer des
réponses dogmatiquement plus appropriées aux dilemmes de la décidabilité constitutionnel.
Pour ce faire, le texte analyse la structure dogmatique des droits fondamentaux, mettant
l'accent sur les indispensables coûts de son réalisation. Ainsi, cette monographie vise à établir
un dialogue fructueux entre l'analyse économique et la pondération des principes, sous le
leitmotiv de l’efficacité, de la proportionnalité et de l’égalité. Afin d'évaluer la relation entre le
droit et l'économie, ce travail vise souligner non seulement leurs facteurs communs, comme
indiquer les insuffisances théoriques d’un monologue autiste (juridique ou économique), au
détriment d'un dialogue constructif de ces deux domaines de connaissance. Dans ce dialogue,
les frontières dogmatiques des droits aux prestation sont redimensionnées autour d’une
structure tripolaire, réfractaire aux logiques de microjustice. Ce sont critiqués, dans ce plan,
les incohérences d'une modèle voluntariste qui négligent les conséquences des décisions
judiciaires, aussi bien que une attitude trop ativiste que prétende substituer l’Agora legislative
par le Forum judiciaire. Cette monographie déffend, dans ce lieu, un activisme judiciaire vers
le redirectionnement des delibérations politiques pour sson locus constitutionnel
parlementaire. Ainsi, le pouvoir Judiciaire doit gérer des mécanismes qui garantissent le
maximum transparence de la res publica, surtout mettant en evidence les inéxorables choix
tragiques qui impliquent la protection des droits aux prestations.

Mots-clés: droits fondamentaux; analyse economique du droit; pondération de principes;


contenu essentiel; activisme judiciaire.
8

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 10

2 OS DIREITOS PRESTACIONAIS E OS CUSTOS DO DIREITO 12


2.1 A ESTRUTURA DOGMÁTICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 12
2.1.1 A peculiaridade da interpretação constitucional 12
2.1.2 A classificação dos direitos fundamentais 12
2.1.3 A eficácia dos direitos prestacionais 14
2.2 OS INEXORÁVEIS CUSTOS DOS DIREITOS 16
2.2.1 Todos os direitos são positivos 16
2.2.2 Prodigalidade e pragmaticidade 17
2.2.3 Normativismo e consequencialismo 18

3 ANÁLISE ECONÔMICA E PONDERAÇÃO NORMATIVA 20


3.1 REGRAS E PRINCÍPIOS 20
3.1.1 A análise econômica como elemento intrassistêmico 20
3.1.2 A adoção de um modelo normativo-estrutural misto 21
3.2 TECNOLOGIA DA DECISÃO 23
3.2.1 Colisão e precedência 23
3.2.2 O escrutínio da proporcionalidade 24
3.3 ECONOMIA E DIREITO: ESSES (DES) CONHECIDOS 26
3.3.1 Common ground: em busca de um denominador comum 26
3.3.2 Side effects: os efeitos colaterais das decisões judiciais 31
3.4 HOMO JURIDICUS E ECONOMICUS: IN MEDIO STAT VIRTVS 32
3.4.1 Vexata quaestio: as desinteligências do campo epistêmico 32
3.4.2 Cum grano salis: a necessidade de transações recíprocas 36

4 DAS FRONTEIRAS DOGMÁTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 41


4.1 LIMITES E RESTRIÇÕES 41
4.1.1 Entre imanência e variação 41
4.1.2 Suporte fático em perspectiva 42
4.2 DO CONTEÚDO ESSENCIAL 44
4.2.1 O Mínimo Existencial 45
9

4.2.2 A Reserva do Possível 48


4.3 DO POSTULADO DA IGUALDADE 52
4.3.1 A lógica prestacional tripolar 52
4.3.2 A miopia da microjustiça 56
4.4 SOPESAMENTO REVISITADO 59

5 LABIRINTOS E (DES) CAMINHOS: O XADREZ CONSTITUCIONAL 62


5.1 DISCRICIONARIEDADE COGNITIVA E RELAÇÕES INTERPODERES 62
5.2 O ATIVISMO JUDICIAL E A TENTAÇÃO JUDICIOCRATA 66
5.2.1 Ascensão e queda do welfare state 66
5.2.2 O fórum e a Ágora 70
5.3 AUTOCONTENÇÃO E DEFERÊNCIA DEMOCRÁTICA 72
5.3.1 Os riscos da proatividade judicial em Terrae Brasiliea 72
5.3.2 O altar da judiciocracia 75
5.4 ESTRATÉGIA DA EFICIÊNCIA E TRANSPARÊNCIA ORÇAMENTÁRIA 78
5.4.1 Abrindo a caixa-preta dos arcana imperii 78
5.4.2 Os caminhos da floresta prestacional 82

6 CONCLUSÃO 86

REFERÊNCIAS 88
10

1 INTRODUÇÃO

O caráter disjuntivo da interpretação constitucional sobre direitos fundamentais prestacionais


a ser descortinado1 no presente trabalho imprescinde, dado às polêmicas que envolve, um
breve introito acerca das relações entre direito e moral.

A existência de uma voz interior remonta ao próprio daimon socrático. Ela deriva, decerto, da
própria estrutura reflexiva da subjetividade humana, objeto da filosofia moderna,
consubstanciada no cogito cartesiano. Esse juízo interior não é algo arbitrário, senão inerente
ao ser humano, que pode chegar a desconsiderá-lo, mas jamais deixar de dar-lhe ouvidos. A
questão que se põe à Ciência do Direito é como cotejar os ditames desta autonomia da
consciência, vis à vis às determinações da heteronomia do direito. Nesse prisma, os juízes,
como qualquer mortal, estão sujeitos a uma instância moral interior; mas, do ponto de vista
jurídico, encontram-se indissociavelmente ligados ao império da lei. Não obstante, se ao
magistrado não é facultado seguir os voluntarismos de sua consciência, tampouco lhe é dado
ser uma partícula ilativa destinada unicamente a conectar premissas de um silogismo judicial.
Deveras, não há como se descrever senão pela angústia 2, a situação pela qual o operador do
direito é premido pelo imperativo de decidibilidade concreta, entre o “tribunal da consciência”
e a “consciência do tribunal” (MUGUERZA, 1994).

Contudo, essa predisposição kantiana de escutar a própria consciência 3, perpétua fonte de


desassossego que nos faz humanos, não é o suficiente para garantirmos o acerto jurídico, que
depende de nossas ações. Decerto, decisões pautadas por uma ética pessoal sem preocupação
acerca de suas consequências ensejaria considerável mal-estar social. Entre um parâmetro e
outro, da pretensa autonomia de uma lei moral transcendental à heteronomia de máximas
baseadas em inclinações, resta imprescindível reconhecer que o Direito também consiste na
utilização de instrumentos burocráticos e coativos que podem ensejar elementos trágicos.
Nesse sentido, o provimento de uma tutela prestacional de emergência a qualquer custo pode
salvar uma vida, mas tira muitas outras.

1
Ou desvelado, nos termos heideggerianos.
2
No sentido que lhe dá Martin Heidegger (1969). A angústia permite a manifestação da aflitiva impossibilidade
de determinação. O ingresso na angústia leva o ser humano a projetar um modo prático na dimensão existencial
do cuidado. Isso significa integrar ao agir no mundo, a lucidez de novos horizontes, com a consciência de sua
temporalidade.
3
No sentido de “Gewissen” e não “Rewsstsei”.
11

Decisões dessa natureza, que fecham os olhos as consequências de suas decisões, espécie de
cegueira edipiana, aparentam mais refletir uma obediência ao “tribunal da consciência” que à
“consciência do tribunal”. Garantem a alguns poder dormir sem o peso da responsabilidade de
ter dado a palavra final sobre a vida de outro ser humano. Mas a que custo? Essa tentativa de
isentar-se das intrínsecas responsabilidades morais da decisão jurídica aproxima-se da má fé
sartriana4. O jurista não deve ceder a sentimentalismos de uma microjustiça sectária e
fragmentária. O plano decisório encontra-se indissociável de uma dinâmica de trade-off5. Não
se pode olvidar que todas as decisões sobre direitos, em especial direitos sociais prestacionais,
trazem em si um quê de “escolha de Sofia6”.

O reconhecimento dessa dimensão trágica torna visível a tensão entre o dever ser jurídico e o
dever ser moral diante do fato que, em vista da inexorável escassez de recursos, algum bem há
de ser sacrificado. Decisões jurídicas implicam (re) alocação de recursos, portanto, resultam
em custos. envolvem escolhas de “primeira ordem” (first order) sobre o que atender e de
“segunda ordem” (second order choices) a quem atender (CALABRESI, 1978). Supor que os
custos de realização de direitos não serão arcados por outras pessoas em situações concretas,
seus “financiadores ocultos”, resta uma “profissão de fé” (AMARAL, 2010). “Levar os
direitos a sério” implica em levar em consideração escolhas trágicas, afinal “direitos não
nascem em árvores”. (GALDINO, 2005).

Não obstante, se deve evitar-se um “otimismo positivista” tampouco se deve ceder a um


niilismo mecanicista. A proposta desse trabalho é justamente delinear os meios dogmáticos os
quais o operador do direito pode se fazer valer para resolver, de modo consistente e adequado,
o imperativo de decidibilidade jurídica em face dos direitos sociais prestacionais.

4
Mauvaise fois em Jean-Paul Sartre (1987) remete à obstinação daquele que mantém uma posição intransigente
a despeito de qualquer argumentação racional em sentido contrário, embora nem mesmo si mesmo esteja
convencido da adequação de seu ponto de vista à realidade.
5
O termo trade-off corresponde, no jargão econômico, à relação inversamente proporcional entre duas variáveis,
no sentido em que a opção por uma dada alternativa implica necessariamente que as demais serão preteridas.
6
A menção à “Escolha de Sofia” refere-se ao dilema protagonizado pela personagem Sophie Zawistowski em
obra homônima do romancista americano William Styron (1979), posteriormente adaptado às telas do cinema. A
expressão alude a uma necessidade imperiosa de tomada de decisão, a qual, independente da alternativa que se
opte, haverá custos trágicos para um dos envolvidos. Trata-se de um caso extremo de trade-off, no qual o
benefício de determinada escolha implica no fenecimento tout court da opção concorrente. A tensão inerente ao
impasse da escolha trágica entre dois bens de valor análogo refoge, aqui, à temática do estado de necessidade
interpartes, tendo em vista que cabe a um terceiro, Sofia, (ou o Estado, em cada um de seus poderes constituídos,
seja o Legislativo, a Administração ou o Judiciário) decidir qual dentre estes deve ser sacrificado.
12

2 OS DIREITOS PRESTACIONAIS E OS CUSTOS DOS DIREITOS

“Nada mais perigoso do que fazer-se Constituição


sem o propósito de cumpri-la”.

Pontes de Miranda

2.1 A ESTRUTURA DOGMÁTICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1.1 A peculiaridade da interpretação constitucional

A interpretação não surge ex nihilo, mas encontra-se inserida em um processo permanente de


(re) construção de conteúdos de sentido, em vista da estrutura espiral do processo
hermenêutico (GADAMER, 1997). Antes sequer de iniciado o processo interpretativo, o
operador do Direito já traz em si uma pré-compreensão normativa. À medida que avança na
interpretação, sucedem-se projeções de sentido ao todo textual, permanentemente revisitado
pelo sujeito cognoscente. Esse processo, entrementes, deve resistir à tentação de se limitar ao
plano normativo, dissociado da realidade. A norma jurídica, produzida pela intelecção do
intérprete acerca do texto normativo, deve ser bosquejada com o substrato fático que lhe
subjaz para se concretizada. Essa dinâmica ganha maior relevância em face da compleição
singular da norma constitucional, situada altiplano do ordenamento jurídico (SILVA NETO,
1999). Sua posição de supremacia a qualifica como parâmetro de validade e vetor
interpretativo do sistema jurídico; sua natureza aberta permite uma interpretação vivificadora
e evolutiva de seus enunciados por parte do intérprete; e seu conteúdo específico envolve
normas de organização, programáticas e definidoras de direitos fundamentais..

2.1.2 A classificação dos direitos fundamentais


13

O conteúdo e as potencialidades do direto constitucional perpassam pela análise dos direitos


fundamentais, especialmente em seu caráter de direito subjetivo 7. Em linhas gerais:

Direitos fundamentais são [...] todas aquelas posições jurídicos concernentes às


pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu
conteúdo e importância (fundamentalidade material), integrados ao texto da
Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes
constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, pelo seu objeto e
significado, possam lhes ser equiparados, tendo, ou não, assento na Constituição
formal8 (ALEXY, 2008, p. 446).
A Constituição Federal (CF) conferiu destaque à tutela desses direitos, seja em sua extensão
(como ilustram os setenta e sete incisos do art. 5º), seja em sua materialidade (integrantes do
núcleo identitário do art. 60 § 4º).

Na lição de Gilmar Mendes (2002), os direitos fundamentais consagram tanto direitos de


defesa (Abwehrrechte), como direitos a prestações de índole positiva (Leistungsrechte). Na
primeira vertente, os direitos de defesa, de matriz liberal-burguesa servem à limitação do
poder estatal e garantia de um espaço de liberdade do indivíduo (aproximam-se do status
negativus / libertatis de Jellinek). No plano objetivo, trata-se de competência negativa do
Poder Público (negative Kompetenzbestimmung), que deve abster-se de impedir, intervir ou
eliminar posições jurídicas dos cidadãos. No plano subjetivo, correspondem ao poder de
exigir do Estado comportamento omissivo.

A segunda vertente dos direitos fundamentais, os direitos à prestação, servem à


implementação de condições fáticas materialmente assecuratórias das liberdades
fundamentais (aproxima-se do status positivus de Jellinek). Sua estrutura dogmática, nos
termos de Gilmar Mendes (2002), contempla tanto direitos a prestações fáticas (faktische
positive Handlungen), quanto a prestações normativas (normative Handlungen). Em sentido
amplo, os direitos prestacionais incorporam direitos à proteção e à organização e
procedimento, revestindo-se de configuração defensiva, como o direito à greve e a liberdade
de associação sindical (espécie de status negativus socialis). Em sentido estrito, direitos
prestacionais referem-se à prestações sociais materiais, espécie de “fatores de implantação da
justiça social” (SARLET, 2001, p. 20), revestindo-se de caráter redistributivo, (espécie de
status posituvus socialis). São estes últimos o objeto de análise da presente monografia.

7
O conceito de direito subjetivo remete ao poder de ação juridicamente atribuído a dado indivíduo (assente em
um direito objetivo), destinado à satisfação de certo interesse tutelado pelo Direito.
8
Embora citada igualmente em Ingo Sarlet (2001, p.11) e reproduzida por diversos doutrinadores como se fosse
de autoria deste último, a conceituação é de Robert Alexy (2008). Embora Sarlet faça menção que se baseia na
definição de Alexy, em realidade trata-se, como se vê, de transcrição ipsis verbis.
14

Despiciendo dizer que tratam-se aqui todos de direitos necessariamente subjetivos de sede
constitucional. Enquanto subjetivos, os direitos a prestação envolvem relações triádicas que
podem ser descritas da seguinte forma: a tem em face do Estado (s) a obrigação que este
realize dada ação h; o que implica que o Estado (s) tem, em função de a, o dever de realizar h.
Essa exigibilidade “perfeita” marca seu caráter prima facie (ALEXY, 2008).

Os direitos a prestações stricto sensu (Leistungsrechten im engeren Sinn) “são direitos do


indivíduo, em face do Estado, a algo que o indivíduo, se dispusesse de meios financeiros
suficientes e se houvesse uma oferta suficiente no mercado, poderia também obter de
particulares” (ALEXY, 2008, p. 499). Como exemplo, temos os direitos à saúde, moradia,
trabalho, dentre outros. Pode-se utilizar a expressão direito fundamental social9 (Soziale
Grundrechte) como supraconceito, no qual, em seu interior, encontram-se os que são
expressamente e os implicitamente atribuídos pela Constituição.

A abstenção do Estado em torno dos direitos de defesa não é suficiente para a proteção dos
direitos fundamentais. Para Gilmar Mendes (2002), a liberdade “em relação ao” (Freheit vom)
Estado complementa-se pela liberdade “mediante atuação” do Estado (Freiheit durch).
“Podemos partir da premissa de que tanto os direitos de defesa quanto os direitos sociais
formam o sistema unitário e materialmente aberto dos direitos fundamentais na nossa
Constituição” (SARLET, 2001, p.21). A questão que se coloca é em que medida o Estado se
vê obrigado a realizar as prestações fáticas necessárias para consecução dos direitos positivos
constitucionalmente colimados.

2.1.3 A eficácia dos direitos prestacionais

A aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais contemplada pelo art. 5º, §1º
CF tem âmbito de abrangência amplo, à luz de uma interpretação teleológico-sistemática. A
forma de sua positivação, contudo, pode ensejar uma eficácia limitada, que imprescinde de
regulação, como a disciplina das relações de consumo (art. 5º, XXXII, CF) e participação na
gestão da empresa (art. 7º, XI CF).

9
A utilização do signo “social”, longe de configurar mera armadilha semântico-pleonástica, é instrumento de
ênfase normativa. A expressão consigna “certo grau de intervenção estatal na atividade econômica, tendo por
objetivo assegurar aos particulares um mínimo de igualdade material e liberdade real na vida em sociedade”
(SARLET, 2001, p.4).
15

Há ainda as normas programáticas definidoras de tarefas e fins do Estado


(Staatszielbestimmungen) que apresentam cunho programático, com baixa densidade
normativa e necessidade de concretização legislativa. Essa circunstância não deriva da
natureza aberta de seu enunciado (comum aos próprios direitos de defesa), mas devido à
necessidade de implementação paulatina de políticas públicas para sua consecução.

Todavia, esses direitos não devem ser entendidos enquanto normas meramente intencionais
vez que isso implicaria em deixá-los desprotegidas diante de omissões estatais, tornando
grande parte da Constituição um “nada jurídico” (FREIRE JÚNIOR, 2005). Tampouco devem
ser entendidas como direitos destituídos de qualquer dimensão subjetiva. Entrementes, devido
às dificuldades em sua realização, há de se reconhecer barreiras a uma eficácia tout court10.
Em síntese, a aplicabilidade imediata de normas constitucionais esculpida no art. 5º, § 1º CF
deve ser analisada com cautela.

Nesse prisma, contrapõem-se duas interpretações extremadas, que vão da inaplicabilidade


absoluta dos direitos fundamentais prestacionais, à corrente que alega que mesmo normas
programáticas ensejam direitos subjetivos tout court. Dogmaticamente, parece que a presença
de instrumentos processuais como o mandado de injunção e ação direta por
inconstitucionalidade por omissão consiste em forte indício que existem, efetivamente,
normas constitucionais dependentes de interposição do legislador. Porém, essa circunstância
não tem o condão esvaziar em absoluto seu sentido normativo, desdiferenciando das demais
normas fundamentais.

Pode-se dizer que, do ponto de vista dogmático-estrutural, independente de sua densidade


normativa e forma de positivação, todos os direitos fundamentais (incluídos os prestacionais)
revestem-se das seguintes cargas eficaciais (SARLET, 2011): (a) acarretam a revogação de
normas anteriores que lhes são contrárias; (b) contém imposições que vinculam o legislador;
(c) impõe a inconstitucionalidade dos atos normativos com elas incompatíveis; (d) impigem
parâmetros de interpretação/integração/aplicação normativa; (e) encerram uma posição
jurídico-subjetiva ainda que negativa.

10
Existem as mais variadas classificações sobre eficácia de normas constitucionais, cuja análise foge à proposta
da presente monografia. Apenas a título de exemplo temos: Classificação Clássica (Ruy Barbosa / Thomas
Cooley) que distingue Norma (não) autoexecutável /(not) self-executing; a Classificação de Meireles Teixeira
que distingue Norma de eficácia plena e Norma de eficácia limitada ou reduzida; Classificação de José Afonso
da Silva que distingue Norma de eficácia plena, Norma de eficácia contida e Norma de eficácia limitada
(declaratória de princípio programático e declaratória de princípio institutivo); Classificação de Maria Helena
Diniz que distingue Norma de eficácia absoluta, Norma de eficácia plena e Norma de eficácia relativa
(restringível e complementável). Para uma análise mais detida, vide Luís Roberto Barroso (2008).
16

2.2 OS INEXORÁVEIS CUSTOS DO DIREITO

2.2.1 Todos os direitos são positivos

O caráter prestacional de muitos dos direitos sociais11 encontra-se indissociavelmente


limitado às possibilidades fáticas de sua consecução em um ambiente de escassez de recursos.
Decerto, todos os direitos envolvem custos a sua realização; nesse sentido, todos os direitos
são positivos12.

Com argúcia, Stephen Holmes e Cass Sustein (1999) apontam que à construção kelseniana
que a dado direito do cidadão corresponde a uma obrigação do funcionário estatal, deveria ser
acrescentado que esse funcionário deve, necessariamente, ser pago13. O direito ao voto não
pode ser desempenhado sem verbas destinadas à realização dos procedimentos eleitorais.
Tampouco a liberdade pode ser exercida sem a garantia de um custoso aparato de segurança
pública. O próprio acesso à justiça imprescinde de recursos suficientes à criação e
manutenção dos tribunais. Referendar os direitos de defesa enquanto direitos absolutos em
detrimentos das prestações sociais por uma suposta ausência de custos em relação aos
primeiros, logo, não se sustenta. Em outras palavras, “a dificuldade de subjetivização de um
direito a um facere do Estado não é apenas um fenômeno do moderno ‘Estado Social’”
(CANOTILHO, 2008, p.50).

Contudo, apesar da tutela de todo e qualquer direito envolver custos, no caso dos direitos
sociais, este aspecto assume especial relevância. Esses direitos têm como objeto conferir, por
assim dizer, um “mínimo” de existência digna e oportunidades isonômicas de
desenvolvimento, reclamando uma maior intervenção do Estado nas esferas econômica e
social. Os direitos prestacionais “custam mais dinheiro”, diferenciando-se os “gastos
institucionais” (como o aparato judiciário), comuns aos direitos de defesa (SARLET, 2011);
são, logo, “posições jurídicas claudicantes” (CANOTILHO, 2008).

11
Conforme já antedito, há direitos sociais como o direito à greve que, pela sua estrutura dogmática, revestem-se
de verdadeiro direito de defesa, de caráter não prestacional em sentido estrito.
12
No sentido que envolve custos intrínsecos e, obviamente, não na acepção comum de direito vigente, posto.
13
Do mesmo modo, o clássico posicionamento de Norberto Bobbio (2004, p.23) de que “o problema
fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas de protegê-los”, poder-
se-ia acrescentar a necessidade de custeá-los. Além de político, sua tutela é, deveras, um problema econômico.
17

2.2.2 Prodigalidade e pragmaticidade

A aplicabilidade dos direitos sociais prestacionais encerra problemas distributivos de caráter


polêmico. Em termos absolutos, sua aplicação resultaria em uma situação na qual o Estado
seria responsável integral por toda e qualquer necessidade humana. Isso implica tratar com
ressalvas a “prodigalidade textual da Constituição” que, “dentre suas muitas formulações
líricas, só faltou prometer as estrelas” (GALDINO, 2005, p. 338). Insta, portanto, ser
pragmático (não no sentido semiótico ou pejorativo), mas em seu aspecto cotidiano. Desse
modo, antes de afirmar que uma pessoa tem o direito (definitivo) a uma prestação, deve-se
analisar antes os custos desses direitos, de modo a evitar que a faticidade sucumba a uma
validade descolada da realidade. Esse caráter pragmático e concreto deve, nas lições de
Stephen Holmes e Cass Sustein (1999) levar em consideração uma análise não
individualizada, uma verificação prospectiva (forward looking), e não apenas em
conformidade com parâmetros pré-estabelecidos (backward looking).

Nesse quadro, alguns autores reconhecem indutivamente e apenas implicitamente a questão


dos custos. Outros, vão além da mera intuição, mas não se desdobram sobre as consequências
desse entendimento. Por fim há os que assumem os custos enquanto pressupostos para
realização dos direitos. Em maior detalhe, segundo célebre classificação de Flávio Galdino
(2005), são propostos cinco modelos teóricos: (1) Indiferença - no qual os custos de
determinado direito prestacional são completamente desconsiderados da análise jurídica. (2)
Reconhecimento – no qual os custos dos direitos são reconhecidos, afastando-se sua pronta
exigibilidade / efetividade. (3) Utopia - no qual a solução jurídico-normativa encontra-se
indiferente à realidade concreta, baseada em uma premissa de suposta inesgotabilidade dos
recursos públicos (não haveria aqui distinção alguma entre direitos individuais e sociais). (4)
Verificação da limitação dos recursos – no qual a efetividade dos direitos fundamentais
prestacionais passa a ser dependente da reserva do possível (a distinção entre direitos
individuais e sociais volta a ser pertinente). (5) Custos dos direitos – no qual o custo
intrínseco de todo o direito é alçado a seu fator constitutivo; esta última é a corrente de Flávio
Galdino (2005), a partir de posicionamento de Stephen Holmes e Cass Sustein (1999).

Entrementes, no que pese os inegáveis contributos teóricos dos autores americanos à Ciência
do Direito, não parece ser apropriado considerar a escassez, apesar de seu caráter inexorável,
pertencente ao próprio campo de delimitação de direitos in abstrato.
18

Este último parece ser igualmente o entendimento de Robert Alexy (2008), segundo o qual o
âmbito de proteção do direito é passível de restrições em vista das possibilidades fático e
jurídicas de sua realização14. Desse modo, o modelo (4) de verificação da limitação dos
recursos à luz da reserva do possível é o referencial adotado nesta monografia. Nesse mesmo
sentido seguem tanto Ingo Sarlet (2011) como Gustavo Amaral (2010)15 e Gomes Canotilho
(2008) que assenta: “o recorte jurídico-estrutural de um direito não pode nem deve confundir-
se com a questão de seu financiamento” (p.108). Diferencia-se, desse modo, o direito abstrato
(prima facie) “garantido constitucionalmente ao cidadão que preencha os pressupostos
subjetivos de admissão”, da “reserva do possível, aquilo que o indivíduo pode razoavelmente
exigir da sociedade” (ALEXY, 2008, p.439).

2.2.3 Normativismo e consequencialismo

Nesse cotejo, para além do plano estritamente normativo, uma interpretação constitucional
consequencialista, que leve em conta os custos do direito, figura instrumento imprescindível à
manutenção de integridade do sistema jurídico. Nesse prisma, mais que em qualquer outro
ramo da Jurisprudência, o Direito Constitucional, em especial no que tange à tutela de direitos
fundamentais prestacionais, validade e faticidade encontram-se em permanente tensão. Pode-
se dizer que o Direito é um “servo de dois senhores”, da lei e da realidade (AMARAL, 2010).
O nó górdio desse contexto é definir o conteúdo dessa relação bifronte no campo da Lex
Legum. Nesse aspecto, Stephen Holmes e Cass Sustein (1999) destacam a “futilidade” de
discussões interpretativas com alto teor de abstração.

Pode-se dizer que tergiversações teóricas perdem-se nas brumas do “mundo dos conceitos”
(GALDINO, 2005). Nos casos simples, há possibilidade de justificação interna mediante
lógica dedutiva e inferências; já os “casos difíceis” (hard cases), nos termos de Ronald
Dworkin (2002), especialmente os que encerram “escolhas trágicas” (tragical choices), na
expressão de Guido Calabresi (1978), demandam justificativa mais complexas. A
interpretação constitucional não deve ser pautada pelo culto inconsequente à norma, sob o
risco de sua reificação. Essa espécie de fetichismo jurídico, nos termos de Flávio Galdino
(2005), o cogito ergo sum torna-se um ilusório cogito ergo est: trata-se da nefasta

14
Os desdobramentos dessa posição serão avalizados com mais vagar no Capítulo 03.
15
Vale dizer que, originariamente filiado ao modelo (5), na última edição de sua obra, o autor reformou o
entendimento no sentido supradelineado.
19

“expropriação dos fatos pelo direito” (p.114) que pode ensejar uma “esquizofrenia jurídica”
(p.334). A Constituição não se duvida, há de ser cumprida. Porém, deveras, à mesma não cabe
normatizar o infactível.

O culto à norma, à fetichização do positivo, tem como objeto “afastar nossos olhares de horror
das trevas e poupar ao ‘sujeito’ pelo bálsamo salutar da aparência” (NIETZSCHE, 2004,
p.121). Acostumamo-nos, portanto, a uma genealogia positivista acrítica, rendemo-nos aos
monumentos legislativos de uma “cultura bacharelesca”, esse interesse quase que bizantino
pelos livros (HOLANDA, 1995). Ao renegar-se o aspecto consequencial do fenômeno
jurídico, opera-se uma “décalage regulativa [...] o modo normativo-intervencionista descura a
necessidade de informação, quer no momento do impulso regulativo, quer na fase de
controlo” (CANOTILHO, 2008, p. 258). Esse gap informativo “mutila o conflito social,
reduzindo-o ao caso legal e desse modo exclui a possibilidade de uma adequada pró-futuro
resolução socialmente compensadora16” (TEUBNER, 1987, p.8).

Logo, torna-se necessário uma virada hermenêutica na interpretação constitucional, com


vistas a tornar operacionais os direitos fundamentais. Deve-se afastar-se a ingenuidade/
ideologia de que os custos do direito não devem ser levados em consideração em sua
aplicação. Torna-se necessário superar a ilusão de que a resolução de problemas concretos
esteja adstrita meramente a penadas em uma folha de papel. Portanto, à visão em
retrospectiva, típica dos juristas, voltada ao aspecto normativo-procedimental, mister se faz
necessário analisar os problemas jurídicos sob um viés prospectivo, característico dos
economistas, voltado às consequências da aplicação do direito no caso concreto. Afinal,

ao abordarmos o ‘direito à universidade’, teremos nós, constitucionalistas, alguma


ideia sobre a estrutura de trabalho e da bolsa de emprego? Ao insistirmos nos novos
direitos sociais de minorias populacionais, como, por exemplo os indivíduos
soropositivos, saberemos que cada indivíduo gasta nos últimos dois anos terminais
da doença alguma coisa em torno de doe milhões de escudos por ano, o equivalente
a um apartamento de duas assoalhadas? Ao proclamarmos o indeclinável direito à
segurança social, teremos nós as noções mínimas sobre regimes pessimísticos e
sobre a distribuição do financiamento por várias gerações? (CANOTILHO, 2008,
p.99-100).
“[O jurista] ignora muitos dos problemas econômicos e cai na convicção legal de que todos os
problemas do mundo podem ser solucionados, desde que apenas de disponha de uma
legislação apropriada” (VELJANOWSKI, 1994, p.20). Nada mais equivocado, como se verá
com mais detalhe a seguir.

16
Tradução livre do original: “It mutilates the social conflict, reducing it to a legal case and thereby excludes the
possibility of an adequate future orientated, socially rewarding resolution”.
20

3 ANÁLISE ECONÔMICA E PONDERAÇÃO NORMATIVA

“Nowadays people know the price of everything


and the value of nothing17”.

Oscar Wilde

3.1 REGRAS E PRINCÍPIOS

3.1.1 Análise econômica enquanto elemento intrassistêmico

Sabe-se bem que Herbert Hart (2007), partindo de um modelo puro de regras, concebe que
nos casos de maior complexidade caberia ao intérprete decidir discricionariamente,
recorrendo a elementos externos ao ordenamento jurídico18. Para Richard Posner (2010), a
análise econômica do direito insere-se nessa corrente de pensamento, conquanto orientador de
critérios racionais de decisão. Esse construto, todavia, não parece ser estruturalmente
apropriado, por situar os contornos da decisão judicial fora do controle de racionalidade da
dogmática jurídica. Contraponde-se a esse espectro discricionário, Ronald Dworkin (2002)
propõe integrar ao sistema jurídico os padrões de decidibilidade de “casos difíceis” (hard
cases). Para esse fim, aduz que, para além de regras, regidas por uma lógica de “tudo ou
nada” (all or nothing), a Ciência do Direito é regida por princípios, preceitos normativos que,
para além da validade, incorporam a dimensão de sopesamento. Desse modo, a atribuição
argumentativa de maior peso a um dado princípio em detrimento de outro em dada caso
concreto não afeta sua dimensão de validade; o afastamento de dado princípio operacionaliza-
se de maneira ad hoc, não sendo excluído do ordenamento do qual decorre.

17
“Hoje em dia as pessoas sabem os preços de tudo e o valor de nada”.
18
A discussão acerca da discricionariedade do intérprete na aplicação do direito, decerto, não é nova e antecede
as considerações de Hart (FACCI, 2011). Hans Kelsen (1999) em sua Magnum opus, Teoria Pura do Direito
(Reine Rechtslehre), trata a norma jurídica como um antecedente lógico e inafastável de uma norma de decisão,
ponto culminante do processo de interpretação, carreado pelo “intérprete autêntico”, o órgão estatal aplicador do
direito. À interpretação do texto, sucede-se a concretização do direito, ao bosquejar-se a norma jurídica a caso
concreto. Nesse processo biface interligam-se um ato de conhecimento interpretativo a um ato de vontade
concretizador. Inserida dentro da moldura normativa, diversas interpretações são possíveis de serem
gnosiologicamente deduzidas, entre as quais uma há de ser volitivamente escolhida pelo intérprete (KELSEN,
1999). À luz do paradigma kelseniano, essa inarredável discricionariedade decisória refoge ao campo
epistemológico da Ciência do Direito, sendo juridicamente insindicável, logo, despida de cientificidade.
21

As decisões jurídicas, mesmo em hard cases operam-se, portanto, mediante critérios ex lege.
A polêmica Hart / Dworkin acerca da existência ou não de um espaço de discricionariedade
do intérprete tem como pano de fundo a tradição jurídica anglo-saxã. Como é cediço, no
Common Law há um espaço ampliado à atuação jurisdicional na criação do direito, devido à
ausência de uma regulação legislativa circunstanciada como ocorre nas codificações
continentais19. No Civil Law, a contrario sensu, devido ao vetusto processo de positivação, a
adoção de um parâmetro discricionário nos moldes hartianos parece não ter razão de ser.
Desse modo, a distinção dworkiana de princípios e regras, tal qual brilhantemente
desenvolvida do ponto de vista dogmático por Robert Alexy (2008), parece ser um
instrumental adequado para analisar a decidibilidade jurídica em torno dos direitos
prestacionais20. Sobre esse plexo teórico, a análise econômica do direito não se situa fora do
sistema jurídico, antes, integra sua dinâmica interna21.

3.1.2 A adoção de um modelo normativo-estrutural misto

As insuficiências supracitadas de um modelo puro de regras (abertura de um discricionário


interpretativo estranho ao Direito) denota-se ser mais adequada a adoção de um parâmetro
normativo misto; que integre além de regras, princípios. Isto posto, resta imprescindível
destacar que o quid diferencial entre ambas as espécies normativas é eminentemente lógico-
estrutural, nos termos da “Teoria dos Direitos Fundamentais” (Theorie der Grundrechte) de
Robert Alexy (2008), adotada como referencial nesta monografia22.

19
O Common Law passou de certo modo isento ao movimento de grandes codificações que grassou seu correlato
continental no século XIX, a despeito dos esforços depreendidos por Jeremy Bentham nesse sentido na Inglaterra
(POSNER, 2010).
20
Destaque-se que apesar da relevância da construção teórica de Dworkin (2002), o modelo proposto por Alexy
(2008) possui estrutura e configuração próprias como se verá a seguir.
21
A necessidade de ponderação de aspectos econômicos enquanto sucedâneo intrassistêmico (e não
extrajurídico) pode ser balizada pela própria dicção do art. 37 CF (com a redação dada pela EC 18/98) que
consagra expressamente a eficiência como princípio geral da Administração Pública no Brasil. Demais disso,
ainda antes de sua positivação expressa, em rigor poder-se-ia concluir qua tale a doutrina alemã, tratar a
eficiência (a dizer sua adequada gestão econômica de resultados), como “principio constitucional estrutural pré-
dado” (MODESTO, 2000).
22
Afastam-se, no presente trabalho, as conclusões esboçadas por Humberto Ávila (2004). Segundo este autor, a
diferença entre princípios e regras reside na intensidade da contribuição institucional do aplicador. Nessa linha,
é traçada uma série de critérios de dissociação, brevemente descritos a seguir. O primeiro deles refere-se à
natureza do comportamento prescrito. Nessa senda, os princípios, têm caráter finalístico, exigem a promoção de
um estado de coisas (state of affairs), revestindo-se de caráter déontico-teleológico (ought-to-be-norms); por seu
turno, regras têm caráter descritivo de ações (actions), apenas mediatamente finalísticas, ou seja, são normas
com caráter deôntico-deontológico; normas do que fazer (ought to do norms). O segundo critério, corresponde à
natureza da justificação aplicativa. Nesse quadro, os princípios exigem, em sua aplicação, uma correlação entre
22

De acordo com essa distinção, princípios são mandados de otimização dentro de


possibilidades fático-jurídicas existentes, ao passo que regras são determinações de âmbito
fático-jurídico possível. No plano das regras, a consolidação do processo interpretativo
possibilita uma aplicação subsuntiva (ex. imunidade tributária); no plano dos princípios, essa
consolidação possibilita a aplicação de sopesamento (ex. direitos de personalidade).

Um conflito entre regras, nesse diapasão, apenas pode ser resolvido mediante adoção de uma
cláusula de exceção ou se uma delas for considerada inválida (como através do critério de
especialidade e/ou temporalidade). Ou seja, a impossibilidade de aplicação normativa de
regras no caso concreto corresponde a sua própria invalidade sistêmica. O nível de princípios
reflete um dever ser ideal, cuja passagem ao dever ser real envolve necessariamente tensões,
conflitos e colisões entre valores23. A não aplicação de um princípio no caso concreto não
ilide sua validade. O que ocorre é seu afastamento sistêmico pontual, a partir de uma lógica de
precedência valorativa no caso concreto.

Por ser uma diferenciação lógico-estrutural e não axiológico-material, a distinção entre


princípios e regras, nada diz sobre a fundamentalidade de cada preceito normativo no interior
do sistema jurídico. Destarte, o brocardo latino nullum crimen nulla poena sine lege praevia,
mesmo sendo de extrema relevância sistêmica, encerra estruturalmente regras (tanto da
legalidade quanto da anterioridade) e não princípios (SILVA V, 2003).

No mesmo sentido, a concepção de princípio aqui trabalhada não se confunde com sua
acepção jusfilosófica de causa primeira, nos moldes do cogito cartesiano, ou com a concepção
oitocentista que atribui à sua função mero caráter integrativo-interpretativo24. Igualmente não
prospera, à luz do presente referencial, intelecções que distinguem ambas as espécies
normativas por mero grau de abstração, segundo propugnam Raul Machado Horta (1997) e
Humberto Ávila (2004).

os efeitos da conduta exigida à vista dos fins propostos, em uma perspectiva primariamente prospectiva (future-
regarding); as regras, por seu turno, exigem uma correlação conceitual entre construto fático e normativo,
assumindo um referencial retrospectivo (past-regarding), sempre centrado, porém, na carga axiológico-
finalística que lhe é subjacente. O terceiro e último critério refere-se à natureza de sua contribuição à
decidibilidade. Enquanto os princípios contribuem de maneira precipuamente parcial e complementar, as regras
colaboram ao processo de decisão jurídica de modo mais abrangente e decisivo. Em que pese o reconhecimento
a seu trabalho teórico, as reformulações sugeridas por Humberto Ávila (2004), no particular, não serão
utilizadas. Para uma crítica consistente a esse respeito, vide Virgílio Afonso da Silva (2003).
23
Apesar de semelhantes, princípio e valor não se identificam. De acordo com a divisão de conceitos práticos,
podemos identificar princípios enquanto preceitos que possuem caráter deontológico (que remetem à
modalidades deônticas básicas do dever ser). Princípios expressam juízos de valor; eles têm valor, mas não são,
em si, valor (ALEXY, 2008).
24
Como se depreende do art. 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.
23

3.2 TECNOLOGIA DA DECISÃO

3.1.1 Colisão e precedência

Como já anteriormente delineado, os casos difíceis, em especial os que envolvem escolhas


trágicas (características dos direitos prestacionais) remetem a colisões de princípios. Resta
portanto necessário, tecer uma análise pormenorizada acerca de como se dá, do ponto de vista
dogmático, seu processo de decidibilidade. Conforme já exposto, em eventual colisão
principiológica é a dimensão do peso que deve ser levada em consideração 25. Nos termos de
Robert Alexy (2008), essa relação pode ser ilustrada da seguinte maneira: no caso de colisão
entre dois princípios abstratamente no mesmo nível, (P1) e (P2), ambos devem ser sopesados,
de modo a estabelecer uma relação de precedência (P), de acordo com as circunstâncias de
dado caso concreto (C). Desse modo, podem-se aduzir as seguintes fórmulas: (P1 P P2)C ou
(P2 P P1)C. A questão decisiva é, portanto, estabelecer sob quais condições (C) dado
princípio deve ceder em face do outro. Nesses termos, pode-se deduzir a lei de colisão (k) nos
seguintes termos: se do princípio P1, sob as condições C, decorre a consequência jurídica R,
então, há uma regra que tem C como suporte fático e R como consequência jurídica: C→R.

Essa regra possui tantos atributos de suporte fático quanto o princípio prevalecente possui
condicionantes de precedência. Logo, o caminho que vai do princípio ao direito definitivo
passa por uma necessária relação de preferência que fundamenta um sistema diferenciado de
regras. A fundamentação racional dessa preferência é passível de todos os argumentos
disponíveis na argumentação constitucional como: vontade do constituinte, consensos
dogmáticos, precedentes jurisprudenciais, argumentos consequencialistas, dentre outros.
Desse modo, não se pode ilidir a racionalidade dessa operação sem acometer à pecha de
irracional grande parte do que se entende como Ciência do Direito. Tal procedimento (isso é
fundamental), não é diferente da fundamentação de regras semânticas criadas para tornar
conceitos vagos precisos. Seu resultado é um enunciado de preferências condicionadas, o
qual, de acordo com a lei de colisão já descrita, corresponde a uma regra de decisão
diferenciada. Associa-se, portanto, a lei de colisão à teoria da argumentação jurídica, o que
afasta a crítica a sua suposta irracionalidade.

25
Vale dizer que mesmo regras podem ser relativizadas a partir da adscrição ao princípio no qual subjaz sua
ratio essendi.
24

3.2.2 O escrutínio da proporcionalidade

A lei de colisão é permeada pela noção de proporcionalidade. De natureza polêmica, sua


natureza é divergente na doutrina. Robert Alexy (2008) a considera ora como regra, ora como
princípio. Já Humberto Ávila (2004) a reputa como postulado normativo específico. Há quem
defenda ainda sua identidade com o princípio da igualdade (AMARAL, 2010) e outros que a
assemelham à razoabilidade (BARROSO, 2009). Considera-se aqui mais pertinente reputar à
proporcionalidade a conceituação de postulado sistêmico, tendo em vista sua posição
privilegiada na construção do raciocínio jurídico26. A proporcionalidade não está sujeita à
ponderação, ela a envolve; não possui conteúdo material, antes o possibilita. Não há de se
falar em Direito desproporcional. Sua negação implica na própria negação da Ciência do
Direito.

Independente da corrente adotada (postulado, princípio ou regra), entrementes, todas fazem


uso da construção conceitual moderna do termo pela jurisprudência alemã que subdivide a
proporcionalidade em três elementos: (a) adequação - compatibilidade entre meios e fins
(idoneidade da medida); (b) necessidade - escolha do meio de realização mais suave (vedação
ao excesso); e (c) proporcionalidade em sentido estrito - sopesamento custo-benefício
(ponderação entre ônus e proveito). Pode-se dizer que a máxima da proporcionalidade decorre
da própria natureza da teoria dos princípios e sua conceituação enquanto mandatos de
otimização em face das possibilidades fáticas (de onde decorrem as máximas parciais de
necessidade e adequação) e jurídicas (de onde decorre a máxima da proporcionalidade stricto
sensu ou de sopesamento27).

26
Embora solução semelhante seja adotada por Humberto Ávila (2004), não se coaduna neste trabalho com a
divisão por ele proposta entre postulados específicos e inespecíficos. Considera-se aqui que tanto a
“concordância prática” quanto a “proibição de excesso” são elementos indissociáveis da própria dinâmica da
proporcionalidade.
27
A constatação feita por Ávila de que nem sempre os princípios devem ser realizados na máxima medida é
decorrente da própria estrutura de sopesamento principiológico e não circunstância que o descaracteriza.
Confunde-se causa como consequência. Dada situação jurídica prima facie tutelada torna-se definitiva,
conquanto resultado de uma ponderação concreta, em que se estabelecem suas condições de precedência
normativa. Nesse prisma, a indeterminação de efeitos não se restringe a princípios, mas consiste em
característica comum a toda norma que não encerre omissão, mas imponha comportamento omissivo. Nesse
prisma, a determinação “salvar alguém” pode se realizar de várias maneiras, em virtude da própria estrutura de
comando normativo (SILVA V, 2003).
25

Nesses termos, no plano fático, um princípio de proteção P1 pode ser satisfeito mediante
várias medidas de M1 a M5 (todas elas, portanto, adequadas à sua consecução). Dentre essas,
as mais efetivas são M1 e M2 (ou seja, são de fato, necessárias à sua realização). Nesse caso,
do ponto de vista estrito de P1, exige-se a adoção discricionária de M1 ou M2. Entretanto, a
análise não se limita a considerações fáticas, mas deve ser analisada sobre o ponto de vista de
possibilidades jurídicas. Logo, é possível haver um princípio colidente P2, sendo
imprescindível o sopesamento jurídico entre ambos (proporcionalidade em sentido estrito).

Esse exame pode levar à conclusão de que as medidas M1 e M2 afetam o campo de proteção
de P2 de forma mais intensa que tutelam o bem jurídico almejado por P1. Logo, o campo de
discricionariedade para realização de P1 desloca-se para a utilização justificada de M3 ou M4.
Porém, ainda aqui M4 pode afetar P2 de forma mais intensa que M3, de modo que deixe
apenas a adoção de M3 justificada. Desse modo, de um campo de cinco medidas a priori
efetivas, o campo de discricionariedade exaure-se em apenas uma alternativa viável.

Essa teoria, contudo, foi alvo de diversas críticas, entre as quais a que o caráter
principiológico derrubaria o muro de proteção em torno dos direitos fundamentais. Ou seja, a
ponderação de valores, mesmo que estribada sob da tecnologia decisória da
proporcionalidade, mascararia um decisionismo voluntarista, insuscetível de controle de
racionalidade. Robert Alexy (2008) refuta esse argumento ao aduzir ser possível auferir uma
escala racional de afetação dos direitos fundamentais em três níveis: leve (l), sério (s) e
moderado (m), o que levaria à possibilidade de sopesamentos não apenas aceitáveis, como
passíveis de controle.

Nesses termos, a intensidade concreta (I) da intervenção de direitos fundamentais, em face de


um dado principio Pi, sobre as condições fáticas C, pode ser descrito por: IPiC. De outro lado,
a intensidade de afetação abstrata (W) do princípio colidente Pj nas mesmas circunstâncias
fáticas C, pode ser descrito pela fórmula: WPjC. Embora os parâmetros de mensuração
valorativa não estejam em si na técnica de ponderação (vez que esta se reveste de teor
formal), o sopesamento entre valores não é arbitrário, posto que plausível. Ademais, a
ponderação não seria irrefletida, devido a sua necessidade de fundamentação pública inserida
em uma dinâmica argumentativa, suscetível de controle intersubjetivo.

Refinando a análise, com as os graus triádicos de intensidade já citados, podem-se auferir


nove combinações possíveis, como se pode visualizar no quadro sinótico a seguir:
26

Tabela 01: Quadro de sistemático de decisões principiológicas

Precedência Pi Impasse28 Precedência Pj


(Pi P Pj) C (Pj P Pi) C

IPiC: s / WPjC: l IPiC: l / WPjC: l IPiC: l / WPjC: s


IPiC: s / WPjC: m IPiC: m / WPjC: m IPiC: m / WPjC: s
IPiC: m / WPjC: l IPiC: s / WPjC: s IPiC: l / WPjC: m

Fonte: (ALEXY, 2008, p. 602).

A impossibilidade de uma ordenação rígida não ilide uma ordenação flexível que pode ser
dada pela precedência prima facie (ônus argumentativo não definitivo) aos standards
jurisprudenciais de um Tribunal Constitucional. Em busca de operacionalizar esses standards,
a questão fundamental é estabelecer quais elementos justificadores capazes de engendrar
possíveis “consensos29” dogmáticos. É isso que será analisado a seguir.

3.3 ECONOMIA E DIREITO: ESSES (DES) CONHECIDOS

3.3.1 Common ground: em busca de um denominador comum

Nesse contexto, apesar de ainda pouco trabalhado na doutrina brasileira, a análise


econômica30 do direito configura subsídio de extrema utilidade para mensuração da
intensidade de afetação de determinados princípios e, por conseguinte, identificar qual deles
deve prevalecer no caso concreto.

28
Percebe-se, portanto, a existência de um espaço de discricionariedade estrutural no âmbito da decidibilidade
jurídica, na qual a decisão favorável a um ou outro princípio será indiferente no plano normativo. Essa
discricionariedade, contudo, não se confunde com os moldes propostos por Hans Kelsen (1999) ou Herbert Hart
(2007). Embora as relações de pesos correspondentes (l/l, m/m, s/s) torne possível tanto a prevalência de Pi ou
Pj, ainda assim o processo de decisão interpretativa encontra-se dentro do sistema jurídico (faz parte da Ciência
do Direito) e não fora dele.
29
Seja em uma acepção “ideal” da Teoria do Discurso (HABERMAS, 2003), seja em uma acepção “suposta”
da Teoria dos Sistemas (LUHMANN, 2012), esse consenso reveste-se de teor procedimentalmente e não
material ou ontológico.
30
Como bem demonstra Richard Posner (2010), a análise econômica não deve ser confundida com o utilitarismo
clássico de Jeremy Bentham. Voltado à promoção da “felicidade”, o modelo ético-jurídico utilitarista padece de
um inafastável subjetivismo em sua mensuração, que pode gerar “monstruosidades morais”. Por uma perspectiva
estritamente utilitarista, na ponderação de valores, haveria de se levar em consideração a felicidade de quem quer
que seja, inclusive o prazer sádico de um assassino serial. Nos dizeres de Friedrich Hayek (1985a) o utilitarismo
se resume a uma “falácia construtivista”.
27

Se de um lado, no nível alto de generalidade, é relativamente mais fácil de ser identificado um


conjunto fechado de princípios, resta mais difícil sua hierarquização. No plano mais concreto
ocorre o inverso, torna-se mais fácil a hierarquização, porém mais difícil identificar o
repertório em sua totalidade (ALEXY, 2008). Nesse cotejo, ordenações cardinais ou ordinais
são inaceitáveis por implicar em uma precedência totalitária abstrata. Nas escalas cardinais,
esse resultado pode ser mitigado se, além da hierarquia de valor, haver uma escala de
intensidade na sua realização. Porém, ainda aqui, os parâmetros de metrificação seriam em
grande medida arbitrários. A análise econômica do direito dá subsídio à superação das
objeções que reputam ser a subjetividade de uma cognição moral estranha a percepções
empíricas ou ao pensamento analítico. Nesse quadro, além de ser possível sustentar uma
teoria dos valores não intuicionista, seria possível mensurá-los economicamente. Nesse orbe,
a análise econômica do direito não serve apenas para avalizar as possibilidades fáticas de
realização de dado direito fundamental. O próprio sopesamento entre princípios pode fazer
uso dessa ferramenta analítica31. Para desenvolver esse entendimento, resta fundamental
assentar duas premissas econômicas essenciais.

A primeira delas é reconhecer que tanto o direito como a economia trabalham sobre
pressupostos comuns: a distribuição de recursos finitos em meio a infinitas pretensões
humanas. Nesse prisma, uma decisão jurídica sobre determinado direito fundamental aloca
recursos escassos em benefício de alguma (s) pessoa (s), em detrimento a outra (s). Em suma,
sem recursos, o direito não se realiza. Não se pode tirar conclusões normativas
exclusivamente abstratas. Cada decisão judicial, em especial em face de direitos fundamentais
prestacionais, implica uma “escolha de Sofia”; gera inexoráveis trade-offs. Ou seja, há um
custo de oportunidade, no qual o benefício auferido por um enseja necessariamente o prejuízo
de outrem. O problema que se coloca é que, no mais das vezes, oblivia-se essas externalidades
quando da tutela de direitos fundamentais. Isso acarreta uma ponderação viciada e assimétrica
em prol de dado valor, sem sopesar seu devido contraponto principiológico. A crença na
ausência de custos de alguns direitos permite justificar sua tutela preferencial, mascarando-se
uma determinada lógica distributiva sob a falsa aparência de neutralidade; uma espécie de
status quo neutrality (GALDINO, 2005).

31
Embora insuficientes, os critérios de eficiência de Pareto ou de Kaldor-Hicks são instrumentos analíticos
passíveis de utilização na ponderação de valores. No método de mensuração de Pareto, pode-se considerar
determinada conduta lícita quando beneficia ao menos uma pessoa sem prejudicar ninguém. No método de
Kaldor-Hicks (‘superioridade potencial de Pareto’), em vista das dificuldades de não afetação de terceiros,
estabelece-se que o aumento de proveito de dado indivíduo seja suficiente para compensar eventuais prejuízos de
terceiros. Para além desses critérios, a análise econômica volta-se à análise da utilidade marginal, a partir de
transações voluntárias, em um ambiente de livre mercado (POSNER, 2010).
28

A segunda premissa refere-se à possibilidade da afetação de determinado princípio ter seu


“valor” mensurado economicamente (POSNER, 2010). Esse quantum, longe de ser algo
abstrato, pode, muitas vezes, ser encontrado no repertório de “preços” de um ambiente
mercadológico. “Valor”, em termos econômicos, equivale à medida de troca no âmbito de um
mercado; a quanto as pessoas estão dispostas a pagar por determinada mercadoria. “Preço”
corresponde ao valor de dada mercadoria para um consumidor marginal. Embora a atribuição
valorativa possa encerrar considerações não monetárias, em termos pragmáticos, sua
monetarização é uma práxis social, haja vista, vg a transação do risco de morte em atividades
perigosas por benefícios materiais maiores32. Desse modo, à luz da análise econômica, a
ponderação de princípios colidentes pode ser realizada à luz do critério de “maximização de
riqueza33” (increase of wealth): de acordo com esse critério, a decidibilidade jurídica deve ser
pautada por uma lógica de eficiência econômica34 que maximize os benefícios de dada
decisão em detrimento de seus custos sociais (POSNER, 2010). Alguns exemplos de análise
econômica do direito trazidos por Richard Posner (2010) podem ser dialogados com a
ponderação de princípios delineada por Robert Alexy (2008).

No caso da transação penal, podemos elencar como princípios princípio colidentes, de um


lado, a presunção de inocência e, de outro, a celeridade processual. Pela análise econômica,
pode-se constatar que a negociação prévia é menos custosa, por oferecer ganhos relativos
tanto ao promotor como ao acusado. Estimula-se admitir a culpabilidade, angariando uma
sanção mais suave, de modo a reduzir os riscos diante das incertezas de um julgamento. Evita-
se assim, os custos dos desgastantes trâmites processuais. Decerto, essa relação está sujeita a
variáveis diversas como a gravidade do crime; tendo o delito alto impacto social, seus custos
tornam-se por demasiado elevados para permitir uma dissociação transacional. Entrementes,
essa análise econômica permite fundamentar uma ponderação valorativa que enseja uma
concepção de devido processo legal mais flexível em crimes de menor potencial ofensivo.

Essa mesma lógica pode ser aplicada no caso de uma ação promovida por uma associação de
moradores contra a instalação de uma fábrica de insumos agrícola em dada localidade. Nessa
hipótese, a emissão de efluentes industriais levaria à depreciação imobiliária no entorno do
empreendimento.

32
Vide os adicionais contidos no art. 192 e seguintes da CLT.
33
“Riqueza” (wealth) corresponde ao valor de mercado (preço) de todas as mercadorias e serviços de uma dada
sociedade, além dos superávits de consumidores e produtores; ou seja, a satisfação de preferências total
financeiramente sustentado em um dado mercado. (POSNER, 2010)
34
A eficiência pode ser entendida como otimização da aplicação dos recursos em vista dos fins reputados
essenciais à ordem constitucional.
29

Nesse prisma, sopesam-se, de um lado, os custos de transferência da fábrica em face do custo


total de depreciação imobiliário decorrente de sua instalação na localidade promotora da ação
judicial.

Nessa situação poder-se-ia igualmente aplicar o célebre Teorema de Coase35 (COASE, 1960).
Esse teorema toma como base caso do Common Law (case Sturges v Bridgman) que se refere
ao conflito entre duas atividades econômicas exercidas contiguamente: a de um médico, que
precisa de silêncio para realizar seu mister e, do outro, um confeiteiro cuja atividade provoca
considerável ruído. Se, de um lado, o ruído impede o exercício profissional do médico,
impossibilitando-o de atender seus pacientes e auferir uma renda de $600,00 mensais, a
suspensão da atividade da confeitaria ocasionaria a falência do estabelecimento contíguo com
a perda da renda de $300,00 mensais a seu proprietário. Desde já se torna patente a dimensão
de trade-off na relação entre ambos os profissionais.

Nessa perspectiva, o valor agregado da renda do médico comporta um poder de compensação


da atividade do confeiteiro. Nesse plano, sendo o direito de propriedade do confeiteiro, a
solução adequada não seria o médico ser proibido de exercer seu métier (possível solução
aplicável por um tribunal sem levar em consideração a análise econômica do direito). A
alternativa ótima negociada seria a compensação pelo médico ao confeiteiro para que este não
faça barulho. Se com o silêncio necessário, o médico perfaz a renda de $600,00, é possível ao
mesmo destinar $350,00 à confeitaria e manter uma renda de $250, 00. Desse modo, tanto o
confeiteiro passaria a ganhar mais do que os $ 300,00 originários como o médico, com essa
“barganha” (bargain) evitaria de ficar sem renda alguma. Destarte, de acordo com a análise
econômica, a ponderação valorativa entre direitos de vizinhança, de um lado, e livre exercício
da atividade econômica, de outro, pode ser objetivamente mensurada36.

Outro campo de análise é a responsabilidade civil subjetiva por dano (tort Law). Longe de
avalizar a negligência a partir de puras abstrações conceituais, a análise econômica permite
oferecer certo grau de objetividade na decisão do julgado.

35
Em que pese levar seu nome, não fora Ronald Coase (1960) em seu célebre artigo “The Social Cost” que
cunhara a expressão, mas outro economista, George J. Stiglerm, a partir do citado artigo (COASE, 1997).
Situação por sinal análoga a experimentada pela metáfora arquitetônica “Pirâmide de Kelsen” que apesar de
levar o nome do fundador da Escola de Viena, fora concebida por um de seus discípulos, Adolf Merkl
(DOMINGO, 2009).
36
Os desdobramentos teóricos do Teorema de Coase no plano econômico e na Teoria dos Jogos valeram-lhe o
Nobel de Economia em 1991. O que o teorema enfatiza é que a negociação interpartes pode ensejar uma solução
ótima independente da atuação do Estado; a atuação estatal, poderia até mesmo prejudicar essa forma de
resolução do problema. Gunther Teubner (1987), porém, observa que o direito age como fundo sem o qual a
estrutura negocial, tão cara à análise econômica, não pode se destacar; a dinâmica transacional seria, em
realidade, uma “‘barganha’ à sombra do direito” (‘bargaining’ in the shadow of Law).
30

Nesse prisma, de acordo com a Fórmula de Hand 37 (VELJANOVSKI, 1994), a culpabilidade


pode ser medida através da possibilidade de ocorrência do sinistro (P) multiplicada pelo
prejuízo material efetivamente auferida pela vítima (L). O ônus das precauções (B) deve ser,
portanto, inferior à culpabilidade (P.L); ou seja: B < (P.L). Tome-se como exemplo o caso
hipotético de um sinistro marítimo na qual um navio a fundear no porto tenha a proa
danificada pela ausência de defensas no cais. Sendo a probabilidade de acontecimento desse
acidente 1/100 e o valor de reparação do casco do navio em R$100.000,00, tem-se o montante
de custo estimado do acidente em R$10.000,00. Ou seja, se os custos estimados para a
Companhia das Docas reparar as defensas do atracadouro for inferior ao montante do
acidente, resta patente seu comportamento negligente. Entretanto, se a prevenção do sinistro
demandar expensas superiores às suportadas pelo armador do navio, esse ônus de precauções
seria inexigível. O modelo econômico formal de negligência pode ser mais bem analisado a
partir de um continumm, com base em seu custo marginal e não nos custos totais.

É importante salientar que a análise econômica tem como variável a posição jurídica do
sujeito (consumidor ou proprietário). Nesse orbe, quando os custos são proibitivos, as
transações voluntárias não constituem meios idôneos à alocação de recursos (POSNER,
2010). Esse é o caso da aplicação do princípio da bagatela. Nessa hipótese, os valores
envolvidos não encontram correspondência no mercado real. É o que ocorre, por exemplo, no
furto famélico. A utilidade marginal desse bem para aquele que furta seria tão elevado que o
valor econômico para este seria muito superior ao do proprietário. Desse modo, essas
circunstâncias são, economicamente, excludentes de ilicitude.

Em suma, a análise econômica pode, portanto, ser considerada enquanto parâmetro jurídico-
normativo. É nessa ordem que devem ser avalizados os direitos prestacionais, vis à vis ao
princípio da eficiência, positivado no art. 37 CF e a e a sustentabilidade do sistema financeiro
nacional esculpida no art. 192 CF38. Posto esse denominador comum, em termos de direitos
sociais, ainda que brevemente, pode-se analisar à luz da análise econômica, dois casos
emblemáticos vistos a seguir.

37
Refere-se a raciocínio esposado pelo juiz americano Learned Hand no caso “Halley v London Eletrcity Board”
(1964). Nesse caso, um cego ao chocar-se com um obstáculo, perdeu igualmente a audição. Vale dizer que,
apesar do grande aporte teórico atual da Escola de Chicago sobre a matéria, Richard Posner (2010) atenta para o
fato de que a análise econômica do direito é derivada, ainda que intuitivamente, da própria práxis jurisprudencial
do Common Law. Esste, porém, não é um entendimento pacífico. Em sentido contrário: (DWORKIN, 1980) e
(CALABRESI, 1980).
38
Ao que Flávio Galdino (2005) acrescenta os arts. 70, 74, II e 144 § 7º CF além da Lei de Responsabilidade
Fiscal (LC nº 101/2000).
31

3.3.2 Side effects: os efeitos colaterais das decisões judiciais

O primeiro caso, partindo de exemplo retirado da obra de Cento Veljanovski (1994), refere-se
ao direito fundamental à moradia. Imagine-se, pois, um posicionamento jurisprudencial que,
com o intuito de sufragar o preceito instituído no art. 6º CF, interpretasse restritivamente o art.
9º, III da Lei 8245/91, limitando o escopo da ação de despejo. A análise econômica do direito
permite elucidar como esse tipo de posicionamento proativo, pretensamente provedor de
justiça social, tem como consequência resultado antagônico ao que se pretende. Ao
obstacularizar que o legítimo proprietário do imóvel possa exercer seu direto de reaver sua rés
a despeito da ausência de contraprestação sinalagmática de haveres de aluguel o Tribunal
(Estado) interfere no livre fluxo do mercado. Decerto, outros proprietários, cientes desse
posicionamento jurisprudencial (e ciosos da conservação de seu patrimônio) tomarão certas
medidas para resguardar seus bens. O aumento do risco do negócio é evidente e isso repercute
no incremento do custo da prestação. Em outras palavras, haverá um aumento generalizado
dos valores locatícios no mercado imobiliário, de modo a compensar o risco de ter de
sustentar eventual inquilino inadimplente.

Muitos investidores deixarão de reverter capital em bens imóveis em busca de outros tipos de
investimentos mais lucrativos ou seguros. A escassez de investimento constrange a oferta que,
mantida a demanda estável ou crescente, pressiona ainda mais valor dos aluguéis. Sucede que
essa pressão inflacionária não é acompanhada necessariamente de aumento de renda da
população em geral, que necessita de imóveis para alugar. Ao final e ao cabo, portanto, ao
adotar uma postura interventiva no mercado imobiliário, supostamente em prol do direito
fundamental à moradia, o tribunal aumenta seus custos gerais de transação. A Corte está, em
verdade, afastando uma quantidade indeterminável de pessoas do acesso a esse direito. Os
efeitos são justamente o inverso do que se pretende: o tiro sai pela culatra. Afinal, os direitos
têm custos; alguém há de pagar por eles. Não despejar alguns acaba por levar outros tantos a
ficarem sem teto. Escolhas trágicas são inevitáveis.

O segundo caso toma de empréstimo exemplo utilizado por Flávio Galdino (2005), sobe o
princípio da continuidade do serviço público a concessionária de água e energia (art. 241,
CF). Suponha-se então que um tribunal passe a restringir a possibilidade de suspensão de
serviços apesar do inadimplemento da respectiva contraprestação. Essa retórica da gratuidade
acaba por premiar maus usuários em detrimento coletivo, inclusive usuários hipossuficientes
32

que, com aqueles, não se confunde. A possibilidade de aporte de verbas públicas no sistema
tem o condão de assegurar a modicidade dos preços a todos e não a gratuidade a poucos. Tudo
tem um custo; a ausência de contraprestação adequada além de ser repassada para a sociedade
como um todo, o que, aliado a um ambiente de insinceridade normativa, leva à desvalorização
dos direitos, incita a irresponsabilidade dos indivíduos e ocasiona injustiça social. Indaga-se,
nos termos de Stephen Holmes e Cass Sustein (1999) se não “teriam os direitos ido longe
demais39” (p.135), afinal “levar os direitos a sério significa também levar a escassez [e seus
efeitos colaterais] a sério40” (p. 94).

Sob essa perspectiva, o critério de maximização de riqueza, ao levar em consideração as


externalidades econômicas da realização de diretos a outros titulares que não os
expressamente consignados em dada relação jurídico-processual, pode ser utilizado como
critério de decidibilidade jurídica, no sentido de promoção do bem-estar geral da sociedade.
Este critério tenta situar-se entre as tradições filosóficas kantianas e as utilitaristas. Ao mesmo
tempo em que não se petrifica um modelo normativo em torno de um imperativo categórico
estanque insuscetível de ponderação (Kant), tampouco se encontra submetido ao subjetivismo
de conceitos por demais fluídos como a felicidade utilitária (Bentham). A riqueza vincula-se à
utilidade, porém ao corresponder a transações voluntárias de mercado, respeita escolhas
individuais mensuráveis economicamente (POSNER, 2010).

3.4 HOMO JURIDICUS E ECONOMICUS: IN MEDIO STAT VIRTVS

3.4.1 Vexata quaestio: as desinteligências do campo epistêmico

Em que pese as inegáveis contribuições da análise econômica à Ciência do Direito, a primazia


de aspectos econômicos em detrimento de conteúdos éticos pode acabar por ensejar práticas
totalitárias, uma espécie de “fascismo societal” (SANTOS, 1998). Nesse plano, a ênfase no
ganho agregado pode ocasionar uma nefasta “ditadura econômica da maioria”; a tutela de
direitos em uma ordem democrática não pode se realizar sem levar em consideração a tutela
de interesses contramajoritários.

39
Tradução livre do original: “Have rights gone too far?”.
40
Tradução livre do original: “taking rights seriously means taking scarcity seriously”.
33

Deveras, a análise econômica, se levada às últimas consequências, pode ensejar situações


contrárias às concepções morais vigentes, como bem destaca o próprio Richard Posner
(2010). Como exemplo desse descompasso citado por este autor, os argumentos puramente
economicistas tendem a considerar que os deficientes, caso não sejam socialmente produtivos
(ou parte da utilidade de alguém), não teriam direito a benefícios sociais para seu sustento.
Em outra vereda, se o custo estimado de cem mil carneiros fosse superior ao que pudesse ser
atribuído a uma criança, a proteção do rebanho prevaleceria em detrimento da pessoa humana
(a “dificuldade” seria apenas como “mensurar” o valor desta). Da mesma forma, seria lícito
um branco negar negros como sócios ou clientes por considerar individualmente que os custos
excedem os benefícios, ou os judeus poderiam ser livremente expulsos da Alemanha nazista,
desde que devidamente compensados economicamente.

Guido Calabresi (1980) enfrenta a questão com parcimônia. Em sua célebre análise acerca da
responsabilidade civil por dano (Tort Law) este autor elenca que a finalidade do direito deve
possuir dois objetivos principais que não se confundem entre si: em primeiro lugar a justiça e,
em segundo, a redução dos custos transacionais. A justiça atua, nesse diapasão, como “veto
ou constrangimento sobre aquilo que pode ser feito para reduzir os custos41” (CALABRESI,
1980, p. 558). Ou seja, reconhece-se a eficiência econômica como parâmetro prático-jurídico,
mas seu conceito não é totalmente intercambiável à noção de justo. Nesse diapasão, a justiça
age antes como temperamento à análise econômica. No particular, para Guido Calabresi
(1980), o sentido último do que seja justo refoge à análise do jurista; sua atividade encontra-se
voltada mais aos “sinais indicativos” da direção a seguir em uma estrada (Road signs) do que
à determinação de seu destino final (end point).

Em última instância, esse fim de caminho queda inalcançável, pois depende permanentemente
de aspectos contextuais: aquilo que pode parece correto em dado momento, em outro pode ser
considerado uma injustiça histórica (CALABRESI, 1980). A função do direito, portanto,
passa pela capacidade de lidar com decisões alocativas em direção à consecução de dada
concepção de justiça. Esse entendimento pragmático, apesar de abrir mão de discussões
metafísicas, nem por isso torna menos árduo o labor dogmático, pois o manejo do
instrumental de maximização de riqueza imprescinde da assunção de suposições sobre a
“combinação” (blend) entre os imperativos de eficiência e redistribuição de recursos no seio
social.

41
Tradução livre do original: “veto or constraint on what can be done to achieve cost reduction”.
34

O que se põe à pauta é que a própria concepção de “maximização de riqueza”, enquanto


critério reitor da aplicação do direito, não é pacífica no campo da análise econômica.
Particularmente, Guido Calabresi (1980) aponta a dificuldade de delimitação semântica do
termo, sem um ponto de partida de configuração social. O professor de Yale considera que o
aumento da riqueza em si, não tem o condão de melhorar o proveito da sociedade em geral,
sem considerar como plano de fundo algum tipo de objetivo social, como utilidade ou
igualdade. A riqueza ou a própria eficiência, como aduz igualmente Ronald Dworkin (1980)
consiste, portanto, em valor instrumental.

Richard Posner (2010), responde às críticas salientando que a acepção de “riqueza” (wealth)
com que trabalha traz ínsito um conjunto de objetivos desejáveis socialmente, que a análise
econômica logra poder alcançar de maneira mais adequada que outros modelos normativos.
Na célebre polêmica que travou com Richard Posner na Cornell-Chicago Conference, Ronald
Dworkin às testilhas afirma que “uma teoria que faz o valor moral da escravidão depender de
custos transacionais é grotesca42” (DWORKIN, 1980, p. 211). Em que pese a virulência da
crítica, o asserto feito tangencia uma questão curial: a análise econômica deve levar em
consideração a advertência de Guido Calabresi (1980) sobre o papel de constrangimento
(constrain) de um ideário de justiça, de modo a evitar que princípio de maximização da
riqueza leve a resultados teratológicos.

Vexata quaestio; essa discussão põe a relevo as desinteligências do campo epistêmico. Não
pode se perder de vista que o próprio paradigma econômico encontra-se às voltas de disputas
teóricas. Ora, apenas de caráter ilustrativo sobre a complexidade da questão, podemos apontar
as disputas entre a teoria (neo) clássica43 e a escola keynesiana44. Ambas as concepções
econômicas repercutiram em outros sistemas sociais como o Direito. O paradigma keynesiano
contribuiu, no âmbito do New Deal americano, ao fomento do Critical Law Studies. O
paradigma (neo) clássico, por seu turno, tem inegável aporte na Análise Econômica do Direito
da Escola de Chicago. No primeiro, o papel redistributivo do estado favorece a eficiência, ao
passo que no outro esse mesmo papel a ela se contrapõe. A depender do paradigma adotado,

42
Tradução livre do original: “a theory that makes the moral value of slavery depend on transaction costs is
grotesque”.
43
A premissa basilar do pensamento (neo) clássico é que o mundo, em sua essência, é ordenado e racional. O
desequilíbrio econômico, portanto, resta apenas uma ilusão, ou, quando muito, de natureza espasmódica,
circunstancial. As forças do mercado tendem a um ponto ótimo de equilíbrio, logo, fatores externos, como a
intervenção estatal na alocação de recursos deve ser, ao máximo, evitada (PAIVA, 2008).
44
O keynesianismo parte de uma premissa diametralmente oposta à teoria (neo) clássica: o sistema de mercado
não tende ao equilíbrio; o desemprego estrutural é a regra, e não exceção passageira em uma perspectiva de
longo prazo. Logo, o paradigma keynesiano considera imprescindível a intervenção do Estado na Economia (via
políticas fiscais e monetárias), de modo a garantir o equilíbrio de mercado (PAIVA, 2008).
35

logo, decisões econômicas (e jurídicas) serão diametralmente opostas. Retrata bem essas
posições inconciliáveis a satírica citação atribuída a George Bernard Shaw que aduz: “Se
todos os economistas fossem postos lado a lado, eles nunca chegariam a uma conclusão 45”.

Parece correto assentar, portanto, o caráter descritivo-normativo da economia longe de trazer


verdades, desvela mais um campo de incertezas. Nesse prisma, há de ser vista com ressalvas
alusões a supostas “leis universais” (VELJANOVSKI, 1994), ou de que o princípio de
maximização de riquezas resolve “automaticamente” aspectos redistributivas 46, como
professam Richard Posner (2010) e Friedrich Hayek (1985). Para este último, a economia47
envolve alocações ótimas sem a necessidade de intervenção do Estado. A atuação estatal, para
o citado autor, apenas atrapalha a dinâmica do mercado, gerando reações adversas no corpo
social. Ao impedir o livre fluxo de recursos, o Estado afeta a própria dinâmica redistributiva
no interior do sistema. Cria-se então um círculo vicioso: diante do incremento das assimetrias
redistributivas, o Estado busca remediar a situação intervindo ainda mais, sem se dar conta
que as anomalias econômica são causadas por sua própria atuação e não pelo mercado. Nessa
senda, “a solução do governo para um problema é geralmente tão mal como o problema e
muito frequentemente torna o problema ainda pior48” (FRIEDMAN, 1975, p.6). As tentativas
de “corrigir o mercado” e implementar justiça social tornam-se uma “força destrutiva” para a
sociedade em geral (HAYEK, 1985b).

Entrementes, há de se considerar que se de fato o dito livre mercado trouxesse insitamente


efeitos sociais distributivos, o centro do mundo financeiro à época da Revolução Industrial
não passaria a regulá-lo. As discussões acerca da necessidade de intervenção estatal no
mercado remetem, originariamente, às condições desumanas e degradantes a que foram
submetidos os trabalhadores nas fábricas inglesas do século XIX e, posteriormente, à

45
Tradução livre do original: If all the economists were laid end to end, they would not reach a conclusion.
46
Fabio Conder Comparato (2011), aliás, reage com verve a essa perspectiva:“Constitui, aliás, uma aberrante
falácia do discurso neoliberal sustentar que o Estado fica dispensado, doravante, de cumprir seus deveres
próprios de prestar serviços de natureza social [...] porque tais serviços podem e devem ser prestados pelas
empresas privadas” (p.10).
47
Hayek, em verdade, utiliza o termo “catalaxia”. Em sua raiz grega, o vocábulo significa “intercâmbio”,
ingresso em uma comunidade (HAYEK, 1985b). O termo é empregado no sentido de ajuste reciprocamente
condicionado de diferentes interesses econômicos individuais em um mercado. O citado autor prefere usar esse
termo a “economia” por este último, em sua raiz etimológica depreender uma relação de fim comum, não
comportada em uma dinâmica mercadológica. Para se evitar maiores tergiversações e manter o fluxo do texto,
optou-se pela manutenção do uso da expressão “economia”, embora por questão de fidelidade ao pensamento do
autor, essa consideração se fizesse necessária.
48
Tradução livre do original: “I think the government solution to a problem is usually as bad as the problem and
very often makes the problem worse”. Nessa esteira, Milton Friedman (1975) recomenda que a organização da
atividade econômica seja subtraída do controle da autoridade política. Esse entendimento é, contudo contrariado
por Kenneth Arrow, economista igualmente laureado com o nobel (CAPPELLETTI, 1999).
36

tendência do capitalismo industrial-financeiro à formação de oligopólios e cartéis; dentre


outros fatores. Mais uma questão polêmica. Friedrich Hayek (1985a), por exemplo, considera
esses argumentos um grande “folclore”, uma “faible convenue” da cultura jurídico-econômica
ocidental49. Deveras, o desenvolvimento econômico e aumento da esperança de vida no
mundo nos últimos 200 anos resta bastante significativo e, em certo ponto, guarda notável
simetria com o desenvolvimento do capitalismo50. Apesar desses avanços, contudo, parece
assistir razão a Mario Cappelletti (1999, p.38) quando afirma que “os modernos sistemas de
governo não podem confiar exclusivamente na ‘invisible hand’ de Adam Smith, na livre lei do
mercado, ditada pela maximização do lucro”.

Contudo, a questão, como bem pontua Ronald Dworkin (1980) não é se a realização de
direitos prestacionais através da atuação estatal ilide a eficiência econômica (assim afetando
negativamente no todo social), mas em que media a justiça, fim último do direito, é servida
por elementos redistributivos, ainda que ao custo da eficiência.

3.4.2 Cum grano salis: necessidade de transações recíprocas

Resta importante assentar que a crítica à análise econômica aqui esgrimida não incide sobre
um modelo macroeconômico específico em si considerado, mas à forma de (não) aplicação
desse instrumento analítico no plano da decidibilidade jurídica. Mais precisamente, a crítica
ora realizada incide sobre duas formas de monólogo. O primeiro envolve uma concepção de
Direito voltada ao normativismo extremo, que despreza os aspectos consequenciais, das
decisões jurídicas: os custos por vezes trágicos de realização de direitos. O segundo envolve
uma práxis economicista que reduz a complexidade do fenômeno jurídico a cálculos e
transações de mercado; que intercambia economia e justiça.

Assentadas essas considerações, pode-se salientar que este trabalho afasta-se, portanto, das
críticas desferidas por parte da doutrina ao pensamento (neo) liberal, como se este fosse o
responsável per se pelo enfraquecimento da capacidade do poder público em efetivar os
direitos fundamentais (SARLET, 2001).

49
Na mesma linha contrária a leitura histórica hegemônica dos acontecimentos econômicos nos últimos séculos
Milton Friedman (1962) considera ter sido a interferência do Estado por meio do Federal Reserve no mercado
financeiro estadunidense (e não sua suposta omissão) o responsável pelos ocorrido na quinta-feira negra, o Wall
Street crash, e posterior Grande Depressão na década de 1930.
50
Para uma visão didático-ilustativa, vale consultar a excelente compilação de Hans Rosling (2010).
37

Concessa venia, esse entendimento parece inverter a lógica dos fatores. Não é o modelo (neo)
liberal que impede a realização do Estado de bem estar social, mas a falência do welfare state
que enseja a emergência do paradigma (neo) liberal. Não se pretende aqui realizar uma
apologia ao (neo) liberalismo, mas é preciso evitar maniqueísmos (in) voluntários. Durante os
trinta anos da era Ouro do capitalismo (HOBSBAWN, 2009), a redução do papel do Estado
no sentido de corte de direitos sociais não conseguira firmar-se como discurso hegemônico. A
própria hipertrofia desse ambicioso modelo prestacional que, contudo, contribuiu para sua
débâcle51. A espiral inflacionária da década de 1970, derivada, em grande medida, da falência
dessa pretensão, aliada ao refluxo conservador na política dos EUA e Inglaterra na década
seguinte, pavimentaram o caminho (neo) liberal, já em um ambiente de crise (PAIVA, 2008).

É justamente nesse momento de transição paradigmática do papel do Estado e crise crônica do


modelo prestacional que a Constituição brasileira de 1988 sufragara uma notável plêiade de
direitos sociais. Não é outra a razão pela qual muitos juristas à época reputaram que a Carta
levaria o país à “falência”, como bem relembra Bernardo Cabral (2008). Embora as previsões
apocalípticas não tenham sido realizadas e a Constituição Federal tenha servido de importante
mecanismo de transformação social no último quarto de século, Ingo Sarlet (2001) considera
que, a despeito das diretivas constitucionais, constata-se uma ampliação da opressão
socioeconômica em termos de exclusão social, supressão de direitos e precarização de
garantias jurídico-institucionais. Decerto, restam manifestas as graves deficiências estruturais
na realização de direitos sociais no Brasil, porém considerar que a opressão socioeconômica
atual é pior que no século passado parece ser uma afirmação mais de cunho retórico que
científico, haja vista, por exemplo, o aumento contínuo do índice de desenvolvimento humano
(IDH) do país nas últimas décadas52 (NAÇÕES UNIDAS, 2012).

Não se perde de vista, contudo que a falta de capacidade prestacional do Estado produz
espécie de efeito cascata no que tange à inefetividade dos demais direitos fundamentais em
especial o aumento do índice de criminalidade o que afeta bens jurídicos mais diversos.
Zygmunt Bauman (1998, p.254) capta muito bem essa sensação: “Se ‘o dinheiro de seu bolso’
cresce enquanto as redes protetoras se desintegram é uma questão discutível; o que é
indubitável é que a privação e falta de emprego voltam em grandes proporções, [...]
assombrando as casas dos afortunados”.
51
A ineficiência do modelo estatal em termos de regulação ampla e irrestrita do mercado resta patente à vista da
falência dos modelos de economia estatizada. Em geral à hipertrofia do Estado no plano econômico acompanha-
se de uma sufocante expansão de seu campo de atuação sobre a liberdade individual do cidadão.
52
Ilustrativamente, entre 1990 e 2011, a média de crescimento do IDH brasileiro foi de 0,86%, enquanto a da
América Latina foi de 0,76% e a dos países de alto desenvolvimento, de 0,64% (NAÇÔES UNIDAS, 2012)..
38

Deveras, “a democracia só é um processo ou procedimento justo de participação política se


existir uma justiça distributiva no plano dos bens sociais” (CANOTILHO, 2008, p. 252).
Afinal, “os direitos fundamentais consagrados como vitais, sejam os direitos de liberdade que
os direitos sociais, são, em suma, um fator e um motor do desenvolvimento, não apenas civil,
mas também econômico” (FERRAJIOLI, 2009, p.6).

Contudo, ao contrário do que comumente se imagina, a análise econômica não é indiferente a


essa dinâmica. Richard Posner (2010), no particular, recomenda esforços distributivos, ainda
que “modestos” (sic), vez que o fomento a uma renda equitativa pode reduzir a criminalidade
e seus consequentes impactos na própria circulação de bens. Dessa maneira, na perspectiva da
análise econômica, a efetivação de direitos prestacionais aumenta os custos de oportunidade
de atividades criminosas. Cometer crime torna-se mais desvantajoso em vistas às maiores
possibilidades de auferir o que se deseja sem o risco do delito e de sua correspondente sanção
penal. Logo, se reconhece (ainda que com gradações distintas) que o Estado deve atuar de
modo redistributivo (ainda que mínimo), não figurando como um Leviatã-ausente.

O nó górdio é o quantum de equilíbrio que harmonise eficiência econômica e prestações


redistributivas. Parece que a situação não se situa nem tanto ao mar (identificação tout court
entre livre-mercado e bem-estar social), nem tanto a terra (redução do conceito de justiça
social a um Leviatã-providente). Pode-se propugnar, nessa álea, que o modelo de Estado
Democrático de Direito dista na atualidade tanto do modelo de Estado mínimo de corte
liberal, quanto do modelo de Estado social de matiz interventivo, em direção à concepção de
um modelo de “Estado subsidiário” (TORRES R., 2012). O Estado subsidia a sociedade,
intervindo tão somente naquilo que for necessário para manter o equilíbrio social53.

O que importa destacar no presente trabalho é que, a despeito do modelo econômico que
impera hoje no establishment político e econômico, a solidariedade social, consubstanciada
juridicamente nos direitos prestacionais, implica necessariamente em custos a serem arcados
pela comunidade política como um todo. A análise econômica permite um vislumbre acerca
da mensuração desses custos, mas (e isso é fundamental) não esgota per se as discussões
alocativas, servindo precipuamente enquanto instrumento de uma lógica de ponderação
axiológica mais ampla.

53
“Habermas também chega a falar em uma nova dimensão estatal: a do Estado de Segurança (Sicherheitstaat),
ou de prevenção (Präventionstaat), fundado no princípio da solidariedade e na prevenção coletiva, e que,
sucedendo o Estado de Direito (Rechtstaat) e o Estado Social (Sozialstaat), tem ampliadas a base financeira
(Geldbasis) e a base do conhecimento (Wissensbasis)". (TORRES R, 2005, p. 13).
39

Com efeito, a análise econômica corre o risco de descurar do elemento gregário, reduzindo o
corpo social a mero repertório de transações de mercado (LUHMANN, 2012). Na leitura
crítica da Teoria dos Sistemas, a aplicabilidade da análise econômica à realidade de um país
periférico enseja considerações mais pormenorizadas, em virtude das deficiências de
autorreferência do sistema normativo54 (seja pela estruturação econômica deficitária, seja pela
assimetria na divisão internacional do trabalho). Por seu turno, nos termos da Teoria do
Discurso habermesiana, deve-se evitar a “colonização do mundo da vida” por uma
racionalidade estratégica eminentemente econômica, em detrimento da esfera comunicativa
(HABERMAS, 2003). As pretensões de mensuração economicista envolvem severos riscos,
entre os quais, a propensão à totalização da razão científica sobre o agir humano. Em suma, as
“escolhas de Sofia” inerentes aos direitos fundamentais prestacionais não podem se resumir
ao “caráter destruidor do cálculo” (HEIDEGGER, 1969).

A rigor, economia de mercado perfeita, alheia ao Estado de Direito não há. Ambos são
conceitos coconstitutivos e indissociáveis. A regulação é onerosa porque os resultados sempre
serão subótimos. O preço da democracia é a perda de rendimentos econômicos da
comunidade. É um preço que, a despeito dos custos, decerto, vale a pena ser pago. Caso
contrário, constituir-se-ia a tirania de um modelo decisório monolítico, na qual a Verdade,
muito citada, pouco encontrada, estaria em cálculos matemáticos e cédulas de papel. Seguir
esse reducionismo consiste exercício de autoilusão situacional. Uma miragem no “deserto do
real”, para fazer alusão a Zygmunt Bauman (2008). De tanto percorrer os caminhos
metodológicos da Jurisprudência, o operador do direito, esse eterno “arrivista”, quer acreditar
que a miragem que vê é a solução de seus problemas.

Nesse orbe, há de se dosar prudência ao afã de trazer a discussão sobre custos do direito à
práxis judicial, para não obscurecer as efetivas contribuições da análise econômica à
ponderação de valores normativos. “Análise de custo-benefício econômico deve ser tratado,
[portanto] com cautela e usado somente como um critério de decisão entre outros”
(TEUBNER, 1987, p. 30). O jurista, em busca de maior consistência e adequação à Ciência
do Direito, encontra na análise econômica um importante auxiliar, mas não a solução
definitiva para os problemas concretos de decidibilidade jurídica.

54
No sentido em que o código-diferença do direito lícito / ilícito reproduz-se autonomamente, a despeito da
interação de outros sistemas sociais. Na modernidade periférica, essa autorreferência encontra-se fragilizada em
vista à maior incidência de corrupção sistêmica do código econômico sobre o direito. Para maior análise, vide
Marcelo Neves (2008).
40

Ademais, a construção de um homo economicus, alheio a nuances políticas e morais consiste


em uma visão autista. Não parece adequado considerar a dinâmica competitiva do livre
mercado como melhor maneira de alcançar objetivos socialmente colimados, inclusive os
distributivos, como propugna a Escola de Chicago (POSNER, 2010) e a Escola Austríaca
(HAYEK, 1985). Como bem observa Gunther Teubner (1987) esse posicionamento trata-s de
uma “hipostatização normativa” (normative hipostatization). Um viés purista empobrece a
análise econômica, sendo necessário, portanto, uma leitura jurídica da eficiência. Ao
desprezar o referente da justiça, frustram-se os resultados práticos da análise econômica. Em
síntese, como toda perspectiva unilateralmente considerada, a economia é insuficiente para,
de per si, servir de critério singular a dada decisão jurídica, porém, resta, deveras, um
indicativo inescusável. Em outras palavras, a análise econômica do direito, no particular,
dever ser aplicada cum grano salis; deve ser integrada à análise ponderativa de valores, não
substituí-la. Antes do cálculo, Direito é, sobretudo, diálogo. Nesse âmbito, a Teoria dos
Direitos Fundamentais (ALEXY, 2008) enceta um procedimentalismo dialógico, atento aos
pressupostos pragmáticos de realização do direito, que possibilita uma posição de equilíbrio
entre direito e economia, como se verá a seguir.
41

4 DAS FRONTEIRAS DOGMÁTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

“L'expression a des frontières, la pensée n'en a


pas55” .

Victor Hugo

4.1 LIMITES E RESTRIÇÕES

4.1.1 Entre imanência e variação

Na lição de Robert Alexy (2008), os contornos dos direitos fundamentais podem ser
analisados primariamente à luz de duas perspectivas contrapostas.

Pela Teoria Interna há apenas e tão somente o direito com determinado conteúdo, ou seja,
definido pelos seus próprios limites imanentes; o âmbito de proteção coincide com o âmbito
de garantia efetivo (CANOTILHO, 2008). Segundo essa teoria, não ocorre senão
pseudocolisões de princípios, sendo desnecessário o recurso à ponderação. A tarefa do
intérprete se limita a identificar o âmbito de proteção próprio de dado direito. Pela Teoria
Externa, por seu turno, há de um lado o direito, do outro, a restrição; conteúdo de um direito
não se confunde com sugestão de conteúdo do mesmo (CANOTILHO, 2008). Segundo essa
teoria, há um âmbito de proteção suscetível de restrições em face de colisões de princípios
concorrentes; a tarefa do intérprete seria tentar harmonizá-los.

A definição de qual dessas perspectivas é a correta depende da concepção de normas de


direitos fundamentais adotada. O modelo de posições definitivas (regras) refuta a teoria
externa; o modelo de posições prima facie (princípios) refuta a teoria interna. Conforme já
observado em capítulo anterior, é adotado neste trabalho um modelo dogmático misto de
regras e princípios. Destarte, trabalha-se aqui com a existência de um excedente inerente ao
âmbito normativo dos direitos fundamentais, cujo campo protetivo é passível de restrição.
Não há de se falar, portanto, nesse prisma teórico, de limites (imanentes), senão de restrições
(variáveis).

55
“A Expressão tem fronteiras, o pensamento, não”.
42

Restrições a direitos fundamentais são normas (situadas na Constituição ou com ela


compatíveis) que restringem uma posição prima facie desses direitos. Essas restrições de
direitos fundamentais podem se dar de diferentes formas. Temos em primeiro lugar, restrições
diretamente constitucionais, mediante ressalva prevista no corpo da Constituição. Essa
ressalva pode ser tanto expressa, como derivar de cláusulas não escritas, direitos fundamentais
de terceiros e outros valores jurídicos de hierarquia constitucional. Em segundo lugar, as
restrições indiretamente constitucionais remetem às chamadas cláusulas de reserva (de lei).
Elas podem ser classificadas tanto como em explícitas ou implícitas; simples (na qual a
competência restritiva é garantida tout court), ou qualificadas (na qual o conteúdo da restrição
é limitado, como pela exigência de lei complementar). As restrições a direitos também podem
operar do ponto de vista fático, em vista da necessidade inexorável de recursos a sua
consecução. É nesse plano que se situa a análise econômica do direito.

4.1.2 Suporte fático em perspectiva

Em alguns casos, é possível questionar se eventuais restrições ao conteúdo de dado direito não
seriam apenas parte de seu próprio suporte fático. Esse suporte corresponde às condições
necessárias para produção das consequências jurídicas de uma norma. Em se tratando de
suporte fático de direitos fundamentais, a consequência jurídica ou eventual restrição deve,
obviamente, ter fundamento constitucional. Para que a consequência jurídica definitiva de um
direito ocorra, é necessário que o suporte fático seja preenchido e eventual cláusula de
restrição não. Esse suporte pode ser analisado, no plano dogmático, por uma teoria ampla ou
uma teoria restrita (ALEXY, 2008).

De acordo com a Teoria Restrita, todo direito fundamental é garantido de forma limitada,
sendo sujeito, portanto, a “restrições imanentes” (limites) derivados de sua própria natureza.
Essa imanência estaria relacionada ao caráter não escrito irrenunciável de pertencimento a
uma dada ordem jurídico-constitucional. Segundo essa teoria, a análise de restrições deve ser
substituída pela extensão do conteúdo de validade do próprio direito; ou seja, a análise do
âmbito da norma e de sua expressão pelo programa normativo do direito fundamental. Desse
modo, do âmbito normativo devem fazer parte apenas as modalidades materialmente
específicas de exercício de dado direito. Essas modalidades devem ser estruturalmente
conectadas com o âmbito normativo, não sendo específicas se forem intercambiáveis.
43

No conhecido exemplo de Friedrich Müller, no qual um pintor exerce seu ofício em um


cruzamento, a vedação a esta atividades estaria relacionada não a uma restrição externa (ao
princípio de liberdade artística,vg art. 5º, IX, CF), mas ao fato de que não configura uma
situação típica, verdadeiramente pertencente a seu âmbito normativo. Porém, tal entendimento
não se sustenta em face da subsunção do texto constitucional: pintar no cruzamento preenche
o suporte fático permissivo. A alusão a características não específicas para afastar a proteção
constitucional corresponde, em verdade, a uma “cláusula de exceção” (ALEXY, 2008).
Considerar que esta cláusula não configura uma restrição, mas faz parte do suporte fático é
algo temerário tanto por razões substanciais como formais. As delimitações não se sustentam
sem a avaliação de contrarrazões. A exclusão definitiva de suporte fático é defensável em
casos extremos (conquanto resultado de sopesamentos mais facilmente identificados), porém
nada contribui para solução de casos intermediários. A exclusão definitiva de uma dada
posição de direitos fundamentais é, portanto, fruto de um jogo argumentativo. Disso denota a
insuficiência das teorias restritas do suporte fático.

A análise de uma Teoria Ampla do suporte fático, por seu turno, leva a uma consideração
expandida sobre o âmbito de proteção de dado bem protegido.Uma teoria ampla implica
igualmente reconhecer amplitude às possibilidade de intervenção. Tal entendimento é,
contudo, bastante criticado. Uma dessas críticas assevera que sua adoção faz com que não
sejam levadas a sério as disposições constitucionais. Essa censura remete à sensação de
frustração e incerteza decorrente da circunstância de que um direito fundamental, a princípio
assegurado, possa ser logo em seguida ter restringida sua realizabilidade. Essa técnica dos
direitos fundamentais reveste-se, portanto, de uma “dubiedade inquietante” (ALEXY, 2008).
A insegurança gerada, porém, pode ser superada mediante uma jurisprudência constitucional
que se oriente de forma contínua e racional pela máxima da proporcionalidade e pela análise
econômica do direito. Outra crítica esgrimida contra essa teoria afirma que sua utilização leva
à constitucionalização excessiva. O que deve se destacar, contudo, é que uma teoria ampla do
suporte fático expande uma esfera protetiva prima facie, e não definitiva. Desse modo,
distinguem-se casos de direitos fundamentais potenciais e reais. A teoria ampla também é
criticada por conduzir a um aumento do número de colisões entre direitos fundamentais. Esse
aumento (importante, obviamente, aos casos reais e não meramente potenciais) é algo
necessário para consecução do postulado de se levar em consideração racionalidades
contrapostas.
44

Uma última objeção à teoria ampla diz respeito à ampliação da competência jurisdicional do
Tribunal Constitucional. Porém essa crítica é mitigada pelo fato de que essa competência é
exercida na definição de posições definitivas (e não abstratas) da relação entre conduta e
suporte fático.

4.2 DO CONTEÚDO ESSENCIAL

Analisadas as distinções dogmáticas entre limites e restrições dos direitos fundamentais, cabe
tratar sobre os contornos possíveis de seu “conteúdo essencial” (Wesensgehalt).

Certamente, ao legislador não é possível estabelecer uma restrição real de liberdade


extrapolando os liames de sopesamentos principiológicos. Isso se deve por que, ao lado da
competência formal de deliberação legislativa, devem ser considerados aspectos
constitucionais substanciais. Devido à lógica do sopesamento, direitos fundamentais atuam
como restrição a sua própria restringibilidade (ALEXY, 2008). Essa “restrição de segundo
grau56” tem como fulcro evitar a erosão do núcleo constitutivo desses direitos. Esse conteúdo
essencial pode ser sistematizado, nos termos de Robert Alexy (2008) enquanto garantia: (a)
subjetiva, identificada individualmente no caso concreto; ou (b) objetiva, relacionada
abstratamente a valores coletivos estanques.

Dogmaticamente, em decorrência da lógica do sopesamento, a dinâmica de restrição dos


direitos fundamentais aproxima-se da primeira opção (teoria subjetiva). Essa teoria pode ser
classificada ainda nos termos de Robert Alexy (2008) em:

(a) absoluta, segundo a qual cada direito fundamental in concreto teria um núcleo intangível,
impedindo a continuidade de sopesamentos; ou

(b) relativa, na qual a garantia conteúdo essencial é reduzida à máxima proporcionalidade,


identificando-se com o que resta após o sopesamento, se restar algo.

Pode-se dizer que a teoria subjetiva absoluta alicerça o conceito de mínimo existencial, ao
passo que a teoria subjetiva relativa, a reserva do possível, como será visto a seguir.

56
Como já destacado anteriormente, na terminologia adotada neste trabalho, limites referem-se a uma
delimitação imanente. Uma vez que uma concepção imamente de direitos fundamentais parece ser inapropriada
no campo de uma teoria mista (de regras e princípios) ora adotada, resta mais adequado falar aqui de restrições
de segundo grau, ou restrições de restrições.
45

4.2.1 O Mínimo Existencial

A defesa da teoria subjetiva em sua modalidade absoluta implica que há um ponto prévio, um
mínimo vital, diante do qual as restrições a direitos fundamentais não podem mais avançar.
Construção dogmática da jurisprudência alemã, originariamente o conceito de mínimo
existencial refere-se à responsabilidade do Estado em prover os recursos mínimos para
existência digna daquele indivíduo incapaz de prover o próprio sustento.

Nesse plano, o conteúdo essencial dos princípios constitucionais é entendido como um


entrincheiramento (entrechment) material, solidificando a legalidade democrática. Este
entrincheiramento, em última instância, implica em uma espécie de “vedação ao retrocesso 57”
na tutela dos direitos fundamentais, prestigiando “o único poder ilimitado que existe”, o Poder
constituinte originário (AGRA, 2008, p.509). Nessa linha, a esfera protetiva abarca medidas
retrocessivas, algo além da noção de retroatividade (ato jurídico perfeito, direito adquirido e
coisa julgada). Essa vedação tem caráter prospectivo, buscando assegurar que gerações
futuras possam usufruir de diretos atualmente colimados, abrangendo até mesmo a legislação
infraconstitucional. Desse modo, direitos sociais concretizados assumem a condição de
direitos fundamentais intergeracionais e insuprimíveis. O conteúdo essencial assume, nesse
sentir, o significado de uma cláusula aberta a novos conteúdos, porém fechada a ulteriores
restrições.

Para Ingo Sarlet (2011), o núcleo essencial refere-se a uma esfera de intangibilidade em face
do Estado, inclusive sobre a própria reforma constitucional. Nesse quadro, de especial
relevância configura a tutela especial do art. 60, §4º, CF que estabelece como limites
materiais ao poder constituinte derivado: o princípio federativo, a ordem democrática,
separação de poderes e direitos e garantias fundamentais. A supressão ou esvaziamento desses
preceitos encontram-se vedados, mas não seu ulterior desenvolvimento, desde que “garantida
a sua essência58”. No particular, a abrangência da cláusula pétrea dos diretos fundamentais
resulta problemática, alguns defendendo que nela se incluem apenas os direitos individuais.

57
Nesse quadro teórico, a vedação ao retrocesso decorre dos seguintes princípios e argumentos constitucionais:
Estado democrático e social; dignidade da pessoa humana; máxima eficácia das normas definidoras de direitos
fundamentais; proteção de cunho retroativo; confiança; autovinculação dos órgãos estatais; impossibilidade de
recriação de omissões legislativas; e obrigação internacional de implantação progressiva de proteção de direitos
(SARLET, 2011).
58
Como exemplo, tem-se julgado do Supremo Tribunal Federal (STF) de 1980 que considerou que a ampliação
de mandato de prefeito em mais dois anos não afeta o princípio republicano, pois seu núcleo essencial
(temporalidade) fora preservado. (SARLET, 2011).
46

Tal entendimento não parece ser o mais adequado, pois afasta desta tutela especial direitos
essenciais como os políticos, os de nacionalidade, além dos diretos sociais. Os próprios
direitos individuais não eram reconhecidos expressamente como inderrogáveis na constituição
anterior e nem por isso tinham sua fundamentalidade questionada. Logo, nada obsta o
reconhecimento de outros preceitos que correspondam ao telos constitucional nessa categoria
normativa.

A teoria subjetiva absoluta leva o imperativo de realizabilidade dos direitos fundamentais às


últimas consequências. De acordo com essa teoria, todos os direitos fundamentais, inclusive
os prestacionais, revestem-se, a qualquer custo, de um conteúdo existencial mínimo. Essa
discussão envolve, por exemplo, a proteção ao salário-mínimo, à assistência social, ao direito
à previdência social, ao direito à saúde e à moradia. Nesse diapasão, nem a liberdade de
conformação do legislador ou a reserva do possível tem o condão de prevalecer em face desse
núcleo prestacional. Nessa linha, segundo Andreas Krell (2002), os condicionantes
orçamentários não podem servir de baliza a tornar os direitos sociais de “segunda categoria”.
O mínimo existencial, considerado como a própria essência dos direitos fundamentais, deve
ser concretizado “independentemente de conjunturas fáticas” (AGRA, 2008, p. 503). Em
outras palavras, “nada [sic] justifica a não efetividade dos direitos fundamentais” (PELICOLI,
2007, p.35).

Em suma, nem a reserva do possível nem a reserva de competência orçamentária do


legislador podem ser invocados como óbices, no direito brasileiro, ao
reconhecimento e à efetivação de direitos sociais originários a prestações. [...] a
efetividade dos direitos sociais – notadamente daqueles mais diretamente ligados à
vida e à integridade física da pessoa – não pode depender da viabilidade
orçamentária. (CUNHA JÚNIOR, 2008, p.349).
Esse raciocínio proativo, supostamente emancipatório, resta, contudo problemático. Ao
estipular um parâmetro ex ante incontrastável, afastando-se a máxima da proporcionalidade, é
duvidoso que haja algum critério racional subjacente que justifique um mínimo existencial
que não um voluntarismo arbitrário ou uma construção conceitual deslocada da realidade. O
solipsismo do Juiz Hércules dworkiano é substituído por um análogo ainda mais
problemático, o Juiz Zeus, aquele que (supostamente) tudo pode. A análise econômica aqui
perde razão de ser, afinal o Direito parece regular até mesmo o impossível. A interpretação
dos direitos sociais ao desconsiderar as conjunturas fáticas e jurídicas a ele subjacentes leva
inderrogavelmente à “capitulação das normas constitucionais perante a faticidade econômico-
social” (CANOTILHO, 2008, p.104).

Data venia, tal entendimento não deve prosperar.


47

Parece haver um equívoco conceitual no manejo da Teoria dos Princípios quando, por
exemplo, alega-se que: “poder-se-á sustentar, na esteira de Alexy e de Gomes Canotilho, que,
na esfera de um padrão mínimo existencial, haverá como reconhecer um direito subjetivo
definitivo a prestações, admitindo-se, onde tal mínimo for ultrapassado, tão somente um
direito subjetivo ‘prima facie’” (SARLET, 2001, p.37). Colocado dessa forma, dá a entender
que o mínimo existencial condiciona o sopesamento, e não o contrário que é o que
efetivamente ocorre. Ao menos, há de se reconhecer que, ao contrário sobrescrito, é isto o que
Robert Alexy (2008) meridianamente propugna, como se vê, vg, in verbis: “a extensão da
proteção ‘absoluta’ depende de relação entre princípios. [...] a garantia do conteúdo essencial
[...] não cria, em relação à máxima da proporcionalidade, nenhum limite adicional à
restringibilidade dos direitos fundamentais” (ALEXY, 2008, p. 301). Em outras palavras: O
mínimo existencial não é parâmetro, mas parametrizado à luz de cada caso concreto. Assim,

direitos não têm um conteúdo essencial definido a priori e de caráter absoluto. Isso
porque tal concepção absoluta estaria presa aos mesmos pressupostos que se
pretende aqui rejeitar, ou seja, definição a priori de conteúdos, essenciais ou não,
que excluem, por consequência e também a priori, diversas condutas, atos, estados e
posições jurídicas da proteção dos direitos fundamentais, deixando-os ao capricho de
meros juízos de conveniência e oportunidade políticas, para os quais não se exige
nenhuma fundamentação constitucional (SILVA V., 2006, p.25-26).
“Ao invés de enxergar valores como determinados standards de mensuração, devemos
entendê-los como um tipo de insaciável e imperfeito impulso avaliador 59“ (BALKIN, 1994,
p.20). A definição de um mínimo existencial nesse ínterim, longe de figurar-se enquanto
“coisa em si”, derivaria de uma aspiração humana cujos contornos clamam permanentemente
por realização. Nessa senda, buscar deduzir de um suposto mínimo vital pré-dado a
substancialização do conteúdo essencial dos direitos fundamentais não encontra razão de ser,
senão em matizes teóricos artificiosos. Quando muito, seu revestimento confunde-se com a
máxima da proporcionalidade, em seu caráter formal-procedimental, ou à própria necessidade
de justificação dos atos estatais. Ao vedar-se o arbítrio em uma Ordem Constitucional, a todos
cabe o direito à fundamentação racional (e proporcional) de eventuais restrições a direitos;
ainda que, excepcionalmente, ex post facto. O mínimo aí remete à própria dinâmica
comunicativa60 de aferição de proporcionalidade das decisões judiciais, na qual se assenta o
Estado de democrático. Sem esta, não cabe se falar sequer de Direito, que dirás de mínimo.

59
Tradução livre do original: “Instead of viewing values as determinate standards of measurement, we should
understand them as a sort of insatiable and inchoate drive to evaluate”.
60
Uma razão comunicativa de teor procedimental voltada ao entendimento, no sentido habermesiano, parece ser
o único conceito racional compatível a um mínimo existencial democrático.
48

4.2.2 A Reserva do Possível

A aplicação da teoria subjetiva em sua modalidade relativa parece ser do ponto de vista
dogmático, mais adequada para descrever as fronteiras dos direitos fundamentais.

Uma perspectiva absoluta do conteúdo essencial é inadequada, máxime quando já assentado


entendimento que a consecução de dado direito depende, dentre outros fatores, da alocação de
recursos em cada caso concreto. O que ocorre é, pode-se dizer, uma ilusão situacional. Quanto
mais um princípio é restringido, mais difícil se torna a restrição, tendo em vista que as razões
contrapostas devem compensar o movimento de retração. A própria exauribilidade de
recursos perde sua força restritiva à medida que o direito correspondente diminui seu espectro
de ação. Essa dinâmica corresponde, na análise econômica, à lei de taxa marginal decrescente
de substituição, ilustrada por uma curva de indiferença ascendente. Pode-se chegar a um
ponto, portanto, que a resistência à restrição é tamanha que possa cunhá-la de absoluta.
Porém, ainda assim, seria derivada de uma dinâmica relativa. O conteúdo essencial, portanto,
não é intangível, mas dinâmico, fluído, variável no caso concreto; seu punctum saliens é o
teor residual decorrente de uma ponderação principiológica.

A posição esgrimida em sentido contrário, a defesa intransigente de um núcleo


jusfundamental, guarda um inefável componente retórico-voluntarista. Há o risco de se incidir
em uma jurisdictio, nos moldes pré-modernos, em torno de “um poder apoiado num direito
suprapositivo” (HABERMAS, 2003, p.309), espécie de novel direito natural. Exemplos dessa
espécie pululam na doutrina. Quadram aqui autores que sustentam haver “normas não
positivas e, contudo jurídicas, às quais o Poder Constituinte está sujeito: os grandes Princípios
do Direito Natural, da Justiça e da Democracia” (TEIXEIRA, 1991, p.222). Em outro plano,
aduz-se a necessidade de “intervenção imperativa de Direito Natural, de valores éticos
superiores” (MIRANDA, 1996, p.197). Salienta-se, como faz Ives Gandra em obra sobre a
máxima efetividade dos direitos fundamentais que a “admissão de um princípio jurídico
anterior e superior à norma constitucional posta, que é o direito natural” (SILVA NETO,
1999, p.10). Na mesma perspectiva jusnaturalista: “não se trata de constituir direitos, mas de
reconhecer que direitos há, suprapositivos, atemporais” (COELHO, 2006, p.313).
49

A récita discursiva jusnaturalista, como bem aponta Hans Kelsen (1999), aponta para
concepções ideológicas pouco propensas ao diálogo. Nas nuvens 61, o jurista desloca-se da
realidade, frustra expectativas normativas e enfraquece o direito que ilusoriamente buscava
fortalecer. O uso retórico da Constituição apenas leva ao esvaziamento semântico dos direitos
fundamentais. A menção excessiva ao princípio da dignidade da pessoa humana62, por
exemplo, envolve um problema tautológico de circularidade conceitual: o dito mínimo
existencial remete a um suposto conteúdo essencial que, por seu turno, desbanca no “princípio
panaceia” da dignidade da pessoa humana, apenas para retornar ao que seria o mínimo
existencial. Eis um digno exemplo de metodologia fuzzy (CANOTILHO, 2008): fala-se muito
e não se diz absolutamente nada. Ao perder de vista a estrutura relacional dos direitos
fundamentais, a dignidade da pessoa humana torna-se um simulacro de legitimidade a
qualquer decisão, sem peias ou arreios. Dignitas torna-se katchanga63, um curinga
hermenêutico. Esse mau uso da jurisprudência dos valores (Wertungsjurisprudenz), enseja
verdadeiro bullying interpretativo (STRECK, 2012).

O problema, contudo, não parece estar na Teoria dos Direitos Fundamentais (ALEXY, 2008),
como inquisitoriamente aponta Streck, mas em apropriações indevidas de seu instrumental
teórico. Ora, decerto que a Theorie der Grundrechte não é dada a pretensões jusnaturalistas,
mas elementos de direito natural lhe são equivocadamente imputados. Ela não define um
núcleo essencial condicionante, mas núcleos a priori são pretensamente agasalhados sob sua
égide. A teoria não propõe saídas voluntaristas ao labirinto da decidibilidade jurídica, mas
deciscionismos são arbitrariamente atribuídos a sua estrutura dogmática.

61
A alusão é clara à obra homônima de Aristófones que parodia Sócrates. Segue-se aqui a crítica de Friedrich
Nietzsche (2004) em relação à caricatura do pensamento socrático-alexandrino no qual perde-se a dimensão
trágica da vida (e do direito) às brumas de um Deus ex machina euripedeano (in casu, o voluntarismo judicial).
62
De fato, a dignidade pode ser considerada epicentro e valor supremo da ordem jurídica, mas sua alusão não
resolve o problema incontornável da decidibilidade jurídica. Deveras, a dignidade, se considerada como
princípio, se sujeita igualmente a colisões com outros valores a serem sopesadas no caso concreto. Por sua vez,
enquanto regra, no sentido de identificar-se com o conceito de justiça, a dignidade encontra-se destituída de
conteúdo material, sendo antes resultado de uma ponderação do que condicionante desta. A definição desta regra
(ou máxima) dá a impressão de existência de um núcleo absoluto, mas não há de se perder de vista seu
fundamento relativo em um jogo de razões e contrarrazões entre princípios (ALEXY, 2008).
63
Katchanga refere-se a anedota atribuída da Luis Alberto Warat (STRECK, 2012), forma de satirizar a prática
interpretativa voluntarista. A estória dá-se da seguinte forma: certa feita havia um Cassino em que se jogavam
todos os jogos (espécie de vedação ao non liquet). Eis que surge um forasteiro, decidido a jogar nenhum outro
senão seu jogo, suas regras. Os croupiers aceitam a proposta, impossibilitados que estavam de agir de outra
maneira. Imaginavam, pois, que cedo ou tarde, compreenderiam as regras estabelecidas e poderiam agir em
conformidade as mesmas. Perceberam logo que, a cada rodada, independente da configuração do carteado, o
forasteiro gritava “katchanga” e, desse modo, levava as apostas da mesa. Um dos croupiers deduzira que a regra
de ouro era que tão logo distribuídas as cartas, bastava dizer katchanga para ganhar a mão. Mas assim que o fez,
após uma derradeira distribuição do carteado, eis que o forasteiro suspira em um misto de fausto e desaprovação
e diz: “katchanga real”. Pela derradeira vez recolhe os haveres e se retira em silêncio.
50

Se juristas e magistrados sacam do coldre a dignidade da pessoa humana ou fazem menção à


ponderação de interesses para decidir toda sorte de disparates sem cuidar da técnica do
sopesamento, parece evidente que não se pode atribuir à teoria em si o mau uso que fazem
dela. A ponderação é apenas um subterfúgio, entre diversos outros, que podem ser
desvirtuadas por posicionamentos solipsistas para simular legitimidade decisória.

Álibi por álibi, mesmo a hermenêutica filosófica heideggeriana que tanto alude Lênio Streck
(2012) pode servir a qualquer fim. O voluntarismo não surge de dado método, ele antes o
instrumentaliza. Ou o que impede de um intérprete ocultar seu decisionismo por detrás, senão
do signo da ponderação (Abwägung) sob o signo do des-velamento (Unverborgenheit)? O que
impede a alatheia converter-se em nova pedra filosofal da interpretação, como soa parecer a
alguns a proporcionalidade? Seria a fiscalização de algum sacerdote ascético nietzschiano,
suposto descobridor da “Verdade” e detentor do “conhecimento último” acerca da “natureza
das coisas” (BAUMAN, 2008)? Este não é um caminho promissor. A questão primordial
parece residir não na metodologia empregada, mas em seu operador: o intérprete. Afinal

[...] muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de, através
deles, buscarem a justiça – ou o que entendem por justiça -, passaram a negligenciar
do seu dever de fundamentar racionalmente os seus julgamentos. Esta ‘euforia’ com
os princípios abriu um espaço muito maior para o decisionismo judicial. Um
decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso com os
seus jargões grandiloquentes e com a sua retórica inflamada, mas sempre um
decisionismo (SARMENTO, 2006, p.200).
O que está em jogo é a própria práxis jurisprudencial brasileira, na qual

não é feita nenhuma referência a algum processo racional e estruturado de controle


da proporcionalidade do ato questionado, nem mesmo um real cotejo entre os fins
almejados e os meios utilizados. O raciocínio aplicado costuma ser muito mais
simplista e mecânico. Resumidamente: a constituição consagra a regra da
proporcionalidade; o ato questionado não respeita essa exigência; o ato questionado
é inconstitucional. O silogismo, inatacável do ponto de vista interno, é composto de
premissas de fundamentação duvidosa e é, por isso, bastante frágil quando se
questiona sua admissibilidade do ponto de vista externo. (SILVA, V. 2002, p.33-34).
Nesse campo, nos termos de Gilmar Mendes (2002), a “reserva do financeiramente possível”
(Vorbehalt des finanziell Möglichen), ou simplesmente “reserva do possível” (Vorbehalt des
Möglichen), é um elemento curial que deve ser levado em consideração na concretização dos
direitos fundamentais prestacionais (MENDES, 2002). A construção dogmática desse
conceito tem como origem a famosa decisão sobre “numerus clausus” de vagas nas
Universidades alemãs64 (numerus-clausus Entscheidung).

64
Gomes Canotilho (2008) elenca origem diversa ao instituto, referenciando aos desenvolvimentos teóricos de P
Häberle e W Martens na década de 1970. A rigor, em sua essência, o condicionamento de possibilidades
51

No julgado BVerfGE 33, 303 de 1972 o Tribunal Constitucional alemão, em que pese
reconhecer o direito fundamental prestacional à admissão em cursos universitários (à luz do
princípio de livre escolha do local de ensino, da profissão, da igualdade e do Estado Social ),
restringiu-o à “reserva do possível, no sentido de estabelecer o que pode, o indivíduo,
racionalmente falando, exigir da coletividade” (ALEXY, 2008, p. 439). A necessidade de
“caixas financeiros” (CANOTILHO, 2008), não se confunde, em absoluto, com a depreciada
leitura dos fatores reais de poder a que faz referência Ferdinand Lassalle (2001) que
reduziriam a Essência da constituição (Über das Verfassungswesen) a uma mera folha de
papel65 (ein stück Papier). Muito pelo contrário, essas considerações são imprescindíveis à
própria concretização da força normativa da constituição (Die normative Kraft der
verfassung), nos termos assaz iluminadores de Konrad Hesse:

A interpretação constitucional está submetida ao princípio da ótima concretização da


norma (Gebot optlimaler Verwirklichung der Norm). Evidentemente, esse princípio
não pode ser aplicado com base nos meios fornecidos pela subsunção lógica e pela
construção conceitual. Se o direito e, sobretudo, a Constituição, têm a sua eficácia
condicionada pelos fatos concretos da vida, não se afigura possível que a
interpretação faça deles tábula rasa [...]. A interpretação adequada é aquela que
consegue concretizar, de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa
dentro das condições reais dominantes numa determinada, situação. [...] Constatam-
se os limites da força normativa da Constituição quando a ordenação constitucional
não mais se baseia na natureza singular do presente (individueille Beschaffenheit der
Gegenwart) [...] Nenhum poder do mundo, nem mesmo a Constituição, pode alterar
as condicionantes naturais. Tudo depende, portanto, de que se conforme a
Constituição a esses limites. (HESSE, p.24-25)
Isso significa que o Direito Constitucional deve preservar, modestamente, a consciência de
suas fronteiras. Até porque a força normativa da Constituição é apenas uma das forças de cuja
atuação resulta a realidade do Estado. Nesse quadro, pode-se reafirmar que a estrutura
dogmática dos direitos prestacionais envolve uma dimensão fática e outra jurídica. A primeira
corresponde à disponibilidade efetiva de recursos materiais necessários à consecução de dado
direito. A segunda corresponde à disponibilidade orçamentária autoritativa ao Estado alocar
esses recursos para implantação de dada pretensão prestacional. Para alguns autores, a
recepção dessa teoria no Brasil seria uma “importação indevida”. Nessa linha, Andreas Krell
(2002), adverte que as discussões acerca dos limites do Estado Social são inaplicáveis no
Brasil “onde o Estado-providência nunca foi implantado”. Entrementes a crítica confunde
forma com conteúdo.

normativas aos imperativos da realidade é inerente à existência humana, como ilustra o brocardo ad
impossibilita nem tenetur. Só do ponto de vista dogmático-conceitual que se pode falar ser sua origem tedesca.
65
Nessa linha, sustenta Ingo Sarlet (2001, p.39): “não devem - especialmente o Juiz e os demais operadores do
Direito - simplesmente capitular diante das ‘forças reais de poder’ (Lassale) ou em face da alegação de que
inviável o reconhecimento de um direito subjetivo a prestações, socorrendo-se [sic] dos limites fáticos da reserva
do possível e argumentando que inexiste dotação orçamentária.
52

Antes de reprovar a reserva do possível, as dificuldades econômicas apenas ressaltam a


importância de sua aplicabilidade. Nesse sentido, “o grau de desenvolvimento de cada país
impõe limites, que o mero voluntarismo de bacharéis não pode superar” (SARMENTO, 2010,
p.181). Direitos sociais prestacionais imprescindem de condições econômicas e “escolhas de
Sofia” de dada comunidade política. No plano material, o fato das condições econômicas do
Estado brasileiro não permitirem a garantia de certos direitos sociais, tidos como básicos (ou
essenciais) a outras comunidades políticas, não têm o condão de criar recursos necessários
para realização de direitos onde recursos não há. Há uma inversão lógica no raciocínio
adverso. Não é a necessidade que realiza o direito. É a escassez que impede sua consecução.
Isso é uma realidade inexorável, seja na Alemanha, no Brasil ou em qualquer lugar do mundo.
O mínimo existencial sempre dependerá das circunstâncias de tempo e lugar (BAHIA, 2009).
Entrementes, em qualquer desses loci o mínimo existencial a ser provido em termos de
direitos prestacionais é justamente o máximo possível de ser realizado por aquela comunidade
em cada caso concreto66. A cartografia de sua delimitação não pode descurar do azimute
dogmático do postulado da igualdade, como se verá a seguir.

4.3 DO POSTULADO DA IGUALDADE

4.3.1 A lógica prestacional tripolar

Em uma primeira aproximação:

O princípio da isonomia pode ser visto tanto como exigência de tratamento


igualitário (Gleichbehandlungsgebot), quanto como proibição de tratamento
discriminatório (Ungleichbehandlungsverbot). A lesão ao princípio da isonomia
oferece problemas, sobretudo quando se tem a chamada ‘exclusão de benefício
incompatível com o princípio da igualdade’ (willkürlicher
Begünstigungsausschluss). Tem-se uma ‘exclusão de benefício incompatível com o
princípio da igualdade’ se a norma afronta ao princípio da isonomia, concedendo
vantagens ou benefícios a determinados segmentos ou grupos sem contemplar outros
que se encontram em condições idênticas (MENDES, 2002, p.8).

66
O grau de desenvolvimento vivenciado pela Alemanha possibilita que o Estado integre ao mínimo existencial
daquele país prestações que na realidade brasileira seriam supérfluas, como dentaduras para fins puramente
estéticos. Na mesma medida, a discussão acerca da essencialidade de um acompanhamento neonatal no Brasil
não encontra razão de ser no Sahel, onde a pretensão a um sistema público de saúde é impensável à vista da
escassez mesma de água potável. A discussão acerca do mínimo existencial na África subsaariana, logo,
restringe-se as próprias condições de subsistência em um ambiente onde grassam graus extremos de pobreza. Em
cada local, Brasil, Alemanha, Sahel, haverá um mínimo existencial diferenciado de acordo com as respectivas
possibilidades alocativas de recursos. Economia e direito encontram-se indissociados.
53

À luz desse conceito, o que se pretende demonstrar é que a decidibilidade jurídica sobre
direitos fundamentais prestacionais, ao ocultar a natureza trágica de decisões alocativas
(descurando, por conseguinte, da análise econômica do direito), serve à reprodução de
assimetrias estruturais a preceitos isonômicos. Importa abalizar conforme Gilmar Mendes
(2002, p.9) que:

O postulado da igualdade pressupõe a existência de, pelo menos, duas situações que
se encontram numa relação de comparação. Essa relatividade do postulado da
isonomia leva, segundo Maurer, a uma inconstitucionalidade relativa (relative
Verfassungswidrigkeit) não no sentido de uma inconstitucionalidade menos grave. É
que inconstitucional não se afigura a norma “A” ou “B”, mas a disciplina
diferenciada das situações (die Unterschiedlichkeit der Regelung).
Nessa linha, cumpre assinalar que para se observar o postulado da igualdade 67 direitos
prestacionais não se tratam, pois apenas do direito de um indivíduo em face do Estado, mas
também em face dos direitos dos outros indivíduos e grupos. Direitos prestacionais além
serem relações triádicas68, são estruturalmente tripolares. Ou seja, a realização por parte do
Estado (S) de dada prestação social a um indivíduo a implica, devido à escassez de recursos, a
não (⌐) realização da mesma prestação a um outro sujeito b. Sinteticamente: Sah ↔ ⌐Sbh. A
impressão de seu caráter bilateral decorre única e exclusivamente de uma cultura jurídica
individualista e ultrapassada que não contempla o impacto da decisão judicial no todo social;
que fecha os olhos às escolhas trágicas do direito. Os tribunais não devem se limitar a,

a verificar a compatibilidade vertical, aparente, semântica, das normas


infraconstitucionais com dispositivos específicos da Constituição, mas, ao contrário,
escrutiniza[r] os seus ‘resultados’ à luz do objetivo constitucional que se quer
atingir, que é a igualdade efetiva. Assim, uma norma ou medida governamental que
tenha toda a aparência de ser plenamente compatível com a Constituição (facially
neutral provision), quando examinada sob a ótica dos resultados que ela produz ou
poderá vir a produzir, pode ser considerada inconstitucional em função do impacto
desproporcional (Disparate impact) que produzirá em certos segmentos vulneráveis
da sociedade. E isso será o bastante para a respectiva invalidação (GOMES, 1999,
p.321).
Contraditoriamente com a natureza dos direitos prestacionais, demandas coletivas tem
enfrentado forte resistência pelos tribunais pátrios69.

67
Tal qual a proporcionalidade, a isonomia ocupa uma posição jurídica privilegiada. Pode-se dizer que seu teor
perpassa estruturalmente todo o sistema jurídico, entrelaçando-se com a própria noção de direito. É digno de
nota que a representação mitológica da justiça (seja Diké, seja Têmis) acompanha sempre uma balança.
68
Como visto às fls.14, em que um indivíduo a tem em face do Estado (S) a obrigação que este realize dada ação
h; o que implica que o Estado (s) tem, em função de a, o dever de realizar h. Sinteticamente: Sah.
69
Embora rara, a coletivização das demandas em matéria de direitos prestacionais (no caso direito à saúde)
encontrou eco na Suspensão de Liminar nº 228-STF (RÉ, 2011). Nesse processo, a União interpões recurso
contra concessão de tutela antecipada da Justiça Federal para a transferência de todos os pacientes necessitados
de tratamento intensivo (UTI), localizados da região de Sobral-CE, para hospitais públicos ou particulares em
que houvesse vagas. O STF, in casu, manteve a decisão do TRF-5. Neste julgado o Supremo assentou a
necessidade de verificação de existência (ou não) de política estatal que tenha como objeto a prestação pleiteada,
bem como a averiguação se a falta da prestação de corre de verdadeira omissão ou efetiva decisão legislativa.
54

Favorece-se, outrossim, conjuntos de decisões pontuais, uma espécie de individualisme à


outrance, característico da práxis jurisprudencial brasileira (GOMES, 1999), descurando-se
das assimetrias daí resultantes em termos orçamentários e de políticas públicas. A reserva do
possível é, então, escamoteada. Essa postura acaba por ocasionar uma “avalanche de lides”
individuais (RÉ, 2011) afetas, por exemplo, ao direito à saúde 70. Uma análise bilateral desse
direito prestacional descuida do fato de que a alocação de recursos para realização de dado
direito afetará necessariamente outros tantos cidadãos que também necessitam dos préstimos
do serviço público de saúde. Não há de se perder de vista que privilegiar o atendimento a um
em detrimento dos demais corresponde a um tratamento discriminatório. Não se olvida que,
em si, discrímens não são incompatíveis com o princípio da isonomia; pelo contrário, o
princípio da isonomia os pressupõe. Deveras, a própria normatividade traz como traço
indelével elementos distintivos, sem os quais o Direito não poderia regular a vida social.

O que se encarece, nesse passo é analisar a “razão empecedora do discrímen excogitado”


(MELLO, 2001, p. 12), mais precisamente, sua pertinência lógica com a imputação jurídica
derivada, ao calço das balizas constitucionais. À primeira vista a razão justificadora à tutela
jurisdicional do direito à saúde é o grave risco ao bem-estar de dado cidadão. Essa ratio
decidendi parece ser suficiente a justificar o tratamento diferenciado. Ilusão. Essa inferência
não leva em consideração que dado provimento jurisdicional, em termos de direitos
prestacionais, têm como consectário lógico o remanejamento de recursos, pondo em risco
potencial a vida de outros cidadãos que, assim como o litigante, dependem do serviço público
de saúde para sobreviverem. Toda dramaticidade da questão é muito bem captada pelo
ministro Gilmar Mendes que aduz em audiência pública sobre o tema (BRASIL, 2012, p.6):

Em alguns casos, satisfazer as necessidades das pessoas que estão a sua frente, que
têm nome, que têm suas histórias, que têm uma doença grave, que necessitam de um
tratamento específico, pode, indiretamente, sacrificar o direito de muitos outros
cidadãos, anônimos, sem rosto, mas que dependem igualmente do sistema público
de saúde. Não raro escutamos de gestores do sistema a seguinte frase: ‘O juiz me
mandou internar um paciente, imediatamente, numa unidade de Tratamento
Intensivo, mas não me disse qual paciente retirar para dar lugar ao novo!’.
Uma “escolha de Sofia” há, portanto, de ser realizada. Pode-se dizer que o jurista,

chegado a este extremo limite, vê cheio de espanto, que a lógica também toma a
forma curvilínea desses limites e se enrola a si própria, como a serpente que morde a
própria cada – tem a visão de uma nova forma de conhecimento, o ‘conhecimento
trágico’, de que não pode suportar o aspecto” (NIETZSCHE, 2004, p.96).

70
No particular, de especial relevância reveste-se o RE 56647-1/RS a ser julgado pelo STF em sede de
repercussão geral, que tem como objeto a distribuição de medicamentos de alto custo não contemplado em lista
de distribuição do governo federal (RÉ, 2011).
55

Como se vê, o grave risco a saúde não justifica dogmático-estruturalmente o tratamento


diferenciado por tratar-se de característica compartilhada entre aquele que pleiteia a tutela
judicial de urgência e aquel’outros “anônimos sem rosto”. A distinção efetiva que resta é que
uns ingressaram no Judiciário; outros, não. Porém seria esse discrímen válido para vindicar a
saúde ou a vida de um em detrimento de outrem? Não parece ser adequada a ilação. Recorrer
ao velho adágio latino de que “o Direito não socorre aos que dormem” é um artifício
argumentativo falacioso. A Constituição da República não faz esse tipo de distinção material.
O direito à saúde é a todos os brasileiros e não apenas àqueles que ingressaram no Judiciário.
O ônus da inércia, tal como concebido na expressão Dormientibus non sucurrit jus, remete a
concepções jusprivatísticas, ligadas à contumácia processual de uma “lide entre duas partes”
(Zweiparteienprozess), e não ao aspecto prestacional publicista dos direitos fundamentais.
Aquela é a lógica de um modelo jurisdicional individualista, “de Tício e Mévio”, inaplicável a
uma sociedade de massas.

Esse esprit d’antan tem como protótipo, como já se teve oportunidade de comentar, uma
relação jurídica bilateral simples, de conteúdo puramente obrigacional. Nesse prisma, direito
subjetivo corresponde ao binômio direito-dever entre particulares. Na ordem pública,
entretanto, esse binômio encontra-se relacionado ao próprio corpo social. Logo, trata-se de
uma demanda a prestações limitada em face dos recursos escassos da sociedade. Ou seja, no
plano juspublicista, direitos subjetivos são relações, torna-se a dizer, além de triádicas,
tripolares, logo, recíprocas: devem levar em conta necessariamente o todo social. Nesse orbe,
em deferência ao postulado da isonomia, apenas quando universalizável, determinado direito
fundamental é passível de tutela, afinal,

O amor da democracia é o da igualdade. O amor da democracia é ainda também o


amor da frugalidade. Cada um deve desfrutar o mesmo bem-estar e as mesmas
vantagens, deve experimentar os mesmos prazeres e constituir as mesmas
esperanças; coisa que só se pode alcançar senão da frugalidade geral71
(MONTESQUIEU, 1748, p.64).
Destarte, a reserva do possível fática não deve ser desconsiderada a partir da premissa de
inexauribilidade dos recursos do Estado em face de dada pretensão individual, senão a partir
de pretensões sociais generalizadas. Nesses termos, o Estado não deve conceder dada
prestação insuscetível de ser disponibilizada igualmente a outros sujeitos na mesma condição.
Em outras palavras “a universalidade dos direitos torna imperativa sua limitação” [rectius:
restrição] (MOREIRA, 2011, p.70).
71
Tradução Livre de: “l'amour de la démocratie est celui de l'égalité. L'amour de la démocratie est encore
l'amour de la frugalité. Chacun devant y avoir le même bonheur et les mêmes avantages, y doit goûter les mêmes
plaisirs, et former les mêmes espérances; chose qu'on ne peut attendre que de la frugalité générale ”.
56

Pode-se utilizar aqui a mesma conclusão que chegou a Suprema Corte Americana no célebre
caso Brown v. Board of Education of Topeka em 1954: “esse tipo de oportunidade, na qual o
Estado tomou para si a responsabilidade de provê-lo é um direito o qual deve ser tornado
disponível a todos em termos isonômicos72” (GOMES, 1999, p.307). Caso contrário, estar-se-
ia criando um díscrimen desrazoável entre aqueles que podem e aqueles que não podem
ingressar no Judiciário73.

Tratar direitos fundamentais prestacionais sob um viés estritamente privatista engendra


distorções já notoriamente conhecidas, tal como a determinação de tratamentos médicos
experimentais milionários no exterior, àqueles poucos capazes de pagar bons advogados. Isso,
à custa do orçamento destinado aos cuidados básicos de saúde de milhares (quiçá milhões) de
pessoas. A insustentabilidade do raciocínio é patente ao levar-se sua lógica às últimas
consequências. Se todos os cidadãos buscassem a tutela judicial para satisfazerem seu direito
fundamental à saúde a despeito da reserva orçamentária (como comumente se vê) não apenas
o sistema de saúde entraria em colapso 74, como o próprio Judiciário não suportaria a
demanda. A tutela de direitos prestacionais nesses moldes, portanto, assemelha-se mais a uma
prática elitista75, voltada à tutela dos poucos privilegiados em condição de utilizar-se da
custosa máquina jurisdicional.

4.3.2 A miopia da microjustiça

Tendo em vista as considerações postremeiras, pode-se deduzir que direitos sociais


prestacionais, entre eles o direito à Saúde, devem ser compreendidos em sua dimensão
coletiva e global. Não obstante, sua tutela jurisprudencial vem privilegiando uma lógica de
microjustiça, com a concessão ampla à distribuição de medicamentos, favorecendo pessoas
isoladas muitas vezes de forma descriteriosa, em sede de tutela antecipada e em ausência de
dilação probatória (RÉ, 2011). Nessa esteira, Marta Torres (2012) aponta um aspecto
fundamental na matéria: a deturpação do instituto.

72
Tradução livre do original: “Such an opportunity, where the state has undertaken to provide it, is a right
which must be made available to all on equal terms”.
73
Restam notórias as dificuldades por que passa a Defensoria Pública, apesar da qualidade de seus quadros e
esforços de seus membros, para consecução de um ideário de acesso amplo à justiça.
74
De acordo com Professor Saulo Casali, estudo a esse respeito foi realizado na França, avaliando que, para
consecução de um modelo integral de proteção à saúde, seria necessária mais de uma dezena de PIBs franceses.
Anotações em sala de aula. Programa de Pós Graduação em Direito da UFBA.
75
Os Estados mais ricos da concentram 47% das ações contra o Ministério da Saúde (BAHIA, 2012).
57

Nesse orbe, a citada autora aponta fortes indícios de fraude em casos como o Mandado de
Segurança nº 0305453-68.2012.8.05/BA deferido judicialmente que trata do tratamento de
grave doença de pele em diversas crianças no Estado da Bahia. Sucede que, a suposta prova
de imprescindibilidade de dado medicamento é elaborado pelo próprio Laboratório que o
produz. No pleito, convenientemente omite-se a existência de terapias alternativas, menos
dispendiosas, inclusive com maiores taxas de sucesso, reconhecidas por associações médicas
internacionais. Ademais, algumas das procurações contidas nos autos antecedem
cronologicamente a emissão de atestados médicos solicitando o tratamento pleiteado, o que
deduz certo direcionamento terapêutico.

Outro exemplo eloquente das distorções engendradas por uma postura jurídica normativista
estrita, indiferente ao custo dos direitos, é o caso de Rafael Notarangeli Fávaro. Acometido de
uma forma raríssima de anemia, Rafael é amparado pelo SUS por força de decisão judicial,
fazendo jus ao “tratamento mais caro do planeta76” (SEGATTO, 2012); algo em torno de
$400.500,00 dólares/ano (em valores de 2010), ou seja, aproximadamente oitocentos mil reais
(HERPER, 2012). A patologia acometida por Rafael, pode ser curada por um transplante de
medula óssea, de valor médio de cinquenta mil reais. Em 30% dos casos há, porém
possibilidade de complicações e, como toda intervenção cirúrgica, risco de vida. A não
assunção desse risco garantiu, em um exercício extremo de ativismo judiciário cego, o custoso
tratamento vitalício, vez que, sem se submeter ao transplante, não há cura possível e a
medicação deverá ser ministrada indefinidamente.

A absurdidade do julgado salta aos olhos quando se confronta o total de repasse anual do
governo federal em matéria de saúde aos municípios brasileiros. O valor do tratamento a um
único cidadão em termos absolutos supera dezenas de municípios baianos (SENADO
FEDERAL, 2012). O orçamento destinado a toda sorte de tratamento médico de emergência,
intervenção cirúrgica, campanhas de vacinação, profilaxia de doenças, simplesmente é
tragado ao tratamento de um indivíduo singular. Quadra aqui a discrepância que aniquila o
postulado da isonomia. Centenas de milhares de pessoas terão restringidos seu direto
igualmente fundamental à saúde devido à ausência de recursos públicos defenestrados por
decisões judiciais dessa lavra.

Sob o pretexto de se fazer justiça social e pretensamente salvar uma vida, ceifa-se, em
verdade, muitas outras. A linha que separa a aspiração heroica da pecha de carrasco como se
vê, deveras, é demasiadamente tênue.
76
A medicação chama-se Soliris, produzida pelo Laboratório Farmacêutico Alexion.
58

A dimensão trágica dos direitos prestacionais deve ser trazida à tona na decidibilidade
jurídica. A questão colocada por Ingo Sarlet (2011, p.325) de que a denegação de serviços
essenciais de saúde equipara-se a uma “‘pena’ de morte para alguém cujo único crime foi de
não ter condições de obter com seus próprios recursos o atendimento necessário” resta
completamente inócua por se limitar a um prisma individualista. A metáfora da pena capital
não parece ser adequada por intuir ser possível evitar decisões trágicas, por uma postura
voluntarista do Estado (in casu, o magistrado). Aparenta que se pode evitar “escolhas de
Sofia” por uma espécie de “sursis” da “pena”. Mas a que custo? A “sursis prestacional”, ao
contrário de sua homóloga penal, ao salvar uma vida, põe em risco outras. Oblivia-se o
aspecto consequencial, a inexorável dimensão econômica dos direitos (enquanto posição
jurídica definitiva). É esse tipo de cegueira normativista e livresca, que grassa a cultura
jurídica brasileira, hipertrofiando um ativismo inconsequente.

Marta Torres (2012) elenca outro exemplo emblemático das consequências nefastas de uma
postura ativista inconsequente, sem o devido cuidado com o lastro probatório subjacente aos
autos. No particular, a autora traz a lume decisões judiciais determinando, tanto
provisoriamente como em decisão definitiva, o custeio pelo Sistema Único de Saúde de
tratamentos individuais de doença autoimune com dispendiosa medicação cujos efeitos são
atualmente reconhecidos pela comunidade científica como inócuos77. “Nem os custos, nem os
alertas da Anvisa, nem o fato de o medicamento ter saído do mercado internacional foram
ponderados [...]. E geralmente esses fatores não são analisados na maioria das decisões
judiciais que envolve o direito à saúde” (TORRES, 2012, p.24).

A ausência de discussões sobre os custos do direito corresponde ao “abrir a janela” à


prodigalidade e ao “fechar os olhos” a toda sorte de abusos. Deveras, sob supostas boas
intenções e pretextos dos mais nobres, o “generoso” (e inconsequente) automatismo do
Judiciário na concessão de direitos prestacionais possibilita a veiculação de preços de
medicamentos /tratamentos muito acima do mercado, a expensas do erário. O orçamento
torna-se a “cartola de um mágico” que tudo tira, em ter fim. “Os princípios constitucionais,
neste quadro, converteram-se em verdadeiras ‘varinhas de condão’: com eles, o julgador de
plantão consegue fazer quase tudo o que quiser” (SARMENTO, 2006, p. 200). O pretenso
“passe de mágica”, contudo, é realizado com o sacrifício do tratamento, de muitos outros
cidadãos obliviados pela desconsideração do establishment jurídico de aspectos basilares da
análise econômica do direito.

77
Trata-se da medicação Xigris, produzido pelo Laboratório Eli Lily.
59

Em torno de um ideário míope de microjustiça, o Judiciário brasileiro vem desenvolvendo


escolhas alocativas inconscientes, alicerçada em uma “ingenuidade positivista” (BAHIA,
2012); a despeito de suas possibilidades fáticas, ou dos impactos intrínsecos que são
acometidos to todo social. Essa espécie de “atomismo” ou “clientelismo institucional”
(GALDINO, 2005), leva a um nefasto paternalismo jurídico, em detrimento da assunção de
responsabilidades dos indivíduos enquanto membros de uma sociedade política de deliberação
democrática. Em síntese, os custos econômicos, as dotações orçamentárias, as “escolhas de
Sofia” da democracia devem ser levados em consideração para os direitos serem levados a
sério.

4.4 SOPESAMENTO REVISITADO

Após essas considerações, a tecnologia do sopesamento (ALEXY, 2008) pode ser aqui
refinada. Nesses termos, suponha-se que um objetivo Z, perseguido pelo princípio P1, pode
ser alcançado pelas medidas M1 e M2, sendo ambas, portanto, a ele adequadas. Para avaliar
se são necessárias, correspondentes à adoção do meio mais suave, deve-se necessariamente
levar em consideração os custos de sua realização. Desse modo, diga-se que, entre as opções
possíveis, M1 seja a medida factivelmente mais apropriada para consecução de P1. Ainda
aqui, não se trate de uma posição jurídica definitiva, posto que contemplada a possibilidade
(reserva do possível) fática, resta necessário ponderar as possibilidade (reserva do possível)
jurídica, para efetivação do objetivo Z.

A constatação de existência de recursos é apenas uma etapa da ponderação. Resta


imprescindível, pois, analisar ainda se esses recursos podem ser alocados para os fins os quais
se pleiteia. Esse é o aspecto central da discussão sobre direitos fundamentais. Uma análise
perfunctória pode levar a conclusões precipitadas. Vez que o Estado não pode existir sem
fluxo financeiro, verbas (em sentido lato) sempre haverá. Essa circunstância pode viciar o
raciocínio jurídico, inclinando-o a uma concessão indiscriminada de pleitos prestacionais.
Essa é a postura dominante hoje em dia tanto da doutrina como da jurisprudência em Terrae
Brasiliae. A questão, entretanto, é mais complexa.

O orçamento público não pode ser considerado um fim em si mesmo. O orçamento sempre é
um meio para realização de determinados valores “caros” à comunidade política, (em sua
acepção dúplice tanto de “queridos”, como “custosos”). O sopesamento entre P1 como acesso
60

à saúde (interesse “primário”) e P2 como dotação orçamentária (interesse “secundário” do


Estado) é uma falsa colisão. O que está em jogo vai além do princípio formal de deliberação
democrática; ou seja, vai além da precedência prima facie do Parlamento na alocação
distributiva de recursos. P2 consiste materialmente no conjunto (∑) de princípios de um
universo de cidadãos (Pn ...Pz), destinatários de dados recursos orçamentários.

Desse modo, pode-se superar o “curto-circuito” (tanto em sua acepção de “pouco extensão”
como no sentido “consequência imprevista”), realizado por grande parte dos juristas, que a
leva à desconsideração dos custos do direito e de seu impacto total na sociedade. Utilizando-
se da escala racional de afetação dos direitos fundamentais em três níveis 78: leve (l), sério (s) e
moderado (m), pode-se ilustrar melhor essa problemática. Tradicionalmente, avalia-se que, de
um lado, a não efetivação P1 sob as condições fáticas de escassez (C) levaria a uma
intensidade de afetação (I) extremamente elevada (s). Esse seria o caso do pedido de
tratamento médico experimental cujo não deferimento poderia ensejar a morte ou grave risco
à saúde do indivíduo. Essa estrutura pode ser descrita pela fórmula dogmática IP 1C: s.

Do outro lado, considerando P2 como o interesse público “secundário” do orçamento, tem-se


uma intensidade de afetação abstrata (W), com o deferimento da medida, ínfimo (l). Essa
impressão decorre do fato que, considerados isoladamente, os custos de realização do objetivo
Z, dissolvem-se, por exemplo, no total do orçamento da União79. Essa estrutura pode ser
descrita pela fórmula dogmática WP2C: l. Temos, portanto, uma colisão de princípios na
forma de IP1C: s / WP2C: l. Nessa ordem, aplicando-se a tecnologia da ponderação, chega-se
à conclusão (lógica!) de que o que deve prevalecer é a tutela de P1.

Todavia, como se disse, essa é uma relação aparente, ilusória. O equívoco não se encontra no
método, mas na apreciação das premissas. Como antedito, P2 consiste materialmente na soma
total (∑) de direitos dos cidadãos (Pn ...Pz) que podem ser afetados pela realização de P1.
Tratando-se de recursos da saúde, é razoável admitir que os recursos destinados ao tratamento
de diversas pessoas seriam comprometidos em benefício de um único indivíduo. Pode-se
considerar, logo, que a afetação da posição jurídica desse conjunto de pessoas é sério (s).
Destarte, a fórmula de colisão mais apropriada pode ser assim descrita: IP 1C: s / W ∑ (Pn
...Pz)C: s. Em vista que a intensidade de afetação, tanto concreta como abstrata,
correspondem-se, poder-se-ia alegar que se recai no espaço de discricionariedade estrutural do

78
Classificação às fl. 25-26, as quais remetemos o leitor.
79
A título de exemplo, o Ministério da Saúde assegurou orçamento de R$ 91,7 bilhões para 2012 (MINISTÉRIO
DA SAÚDE, 2012). Nesse plano, até mesmo o “tratamento mais caro do mundo”, como o de Rafael Favar torna-
se “ínfimo”. Ilusão.
61

intérprete. Esse raciocínio, contudo, não merece prosperar por duas razões. Primeiro, porque
em situações como essa de indefinição, deve prevalecer o princípio formal de deliberação
legislativa. Segundo, porque se trata de um impasse aparente. Sendo os graus de afetação
similares, ambos anulam-se reciprocamente: IP1C: s / W ∑ (Pn ...Pz)C: s. Desse modo, a
ponderação deve se inclinar à posição jurídica que se reveste proporcionalmente de maior
peso na colisão. Tendo em vista que P2 corresponde a um plexo de posições jurídicas ∑ (Pn
...Pz), necessariamente a solução dogmática in casu, deve ser em sua direção. Posição em
sentido contrário afrontaria a máxima da proporcionalidade e a isonomia.

Desse modo, resolve-se o problema do ponto de vista lógico-jurídico à luz da tecnologia do


sopesamento.
62

5. LABIRINTOS E (DES) CAMINHOS: O XADREZ CONSTITUCIONAL

“Zwei Seelen wohnen Ach! In meiner Brust, die


eine Will sich sich Von der anderen trennen80”.

Goethe

5.1 DISCRICIONARIEDADE COGNITIVA E RELAÇÕES INTERPODERES

A análise dos custos trágicos dos direitos prestacionais não pode descurar que a definição dos
direitos fundamentais envolve uma não desprezível parcela de incerteza conteudística. Há
certa zona de penumbra sobre o campo de incidência das modalidades deônticas de
permissão, vedação e obrigatoriedade. Nesse quadro gris, “os direitos sociais aparecem
envoltos em quadros pictóricos onde o recorte jurídico cede lugar a nebulosas normativas”
(CANOTILHO, 2008, p.100). Na lição de Robert Alexy (2010), essa incerteza pode ser de
natureza empírica ou normativa. No plano empírico, a incerteza refere-se aos prognósticos
sociais decorrentes do conteúdo de um dado direito, se positivos ou negativos. Esse é o caso,
por exemplo, da discussão sobre a (des) criminalização da cannabis sativa81. No plano
normativo, a incerteza refere-se à busca de um ponto de equilíbrio entre interesses
fundamentais contrapostos. Esse é o caso, por exemplo, da discussão acerca da flexibilização
da legislação trabalhista82. Nesse ambiente de incerteza cognitiva, há uma precedência
deliberativa ao Parlamento, enquanto representante do Povo, detentor da soberania no Estado
de Direito (art. 1º, §1º CF). Logo, pode-se falar que há, na democracia, um princípio formal
de discricionariedade sistêmica ao legislador na definição dos direitos fundamentais83.

80
“Duas almas, oh! Moram dentro do meu peito; e aí lutam por um indivisível reino”.
81
Não é certo se a legalização dos entorpecentes em geral ocasionaria uma redução dos índices de criminalidade
(e aumento do bem-estar social daí decorrente) ou o mero incremento de modalidades delitivas não associadas ao
tráfico. O potencial aumento do número de usuários e o consequente impacto no sistema público de saúde
também são apontados como efeitos colaterais possíveis e indesejáveis.
82
Não é claro se essa flexibilidade pode servir à dinamicidade da atividade economia (interesse da classe
patronal) que compense eventual degradação das condições de laborais (o que os trabalhadores têm interesse em
evitar).
83
O âmbito de discricionariedade cognitiva remete a uma dimensão pré-jurídica de tez eminentemente
legislativa. Corresponde a um campo de incerteza sobre o qual se perfilam decisões políticas nodulares que
expressam o entendimento histórico-singular de dada sociedade. Não se identifica com a discricionariedade
decisória kelseniana ou a discricionariedade estrutural decorrente da colisão de princípios. Vide,
respectivamente, notas de rodapé n. 18 e n.28, supra.
63

Essa discricionariedade não se confunde com arbítrio, “pois existem determinantes


constitucionais heterônomas” (CANOTILHO, 2008, p.58), mesmo em face do Poder
Constituinte originário. Este encontra restringido por uma espécie de
“supraconstitucionalidade autogenerativa”, certa “reserva de juridicidade e de justiça” que não
se confunde uma ordem natural metafísica, mas refere-se a elementos históricos e
contingentes que conformam certa comunidade política. (CANOTILHO, 1993, 117).

O campo de discricionariedade cognitiva, nos termos de Robert Alexy (2008), pode ser
matizado a partir de dois modelos teóricos. No primeiro, há uma precedência absoluta desse
princípio formal, sendo as deliberações parlamentares infensas ao controle jurisdicional. Esse
modelo, não parece ser o mais adequado a uma ordem constitucional que se queira vinculante.
Nessa linha, os direitos fundamentais poderiam fenecer diante de maiorias eventuais, o que é
insustentável; afinal, “são posições tão importantes que [...] não podem ser simplesmente
deixada para a maioria parlamentar simples” (ALEXY, 2008, p.446).

O poder judiciário deve exercer, portanto, um múnus contramajoritário; não se trata de uma
usurpação de competência legislativa, mas decorrência da própria ordem democrática. O
segundo modelo contempla essas considerações. Nesta perspectiva, a precedência legislativa é
mantida, porém, relativizada. Nesse quadro, quanto maior a afetação a dado direito
fundamental, maior deve ser a certeza das premissas que a sustenta; ou seja, maior o ônus
argumentativo a ser superado. Destaca-se que o principio formal não tem força para afastar
um princípio material de direitos fundamentais, salvo se em parceria com outros princípios
materiais, espécie de “lei de conexão” (ALEXY, 2008).

A realização desses direitos envolve um intrincado processo de equilíbrio entre o direito a


dada prestação, a reserva do possível a sua realização e o princípio democrático de
deliberação orçamentária parlamentar; todos eles culminando na própria lógica de tripartição
de Poderes84 que remonta a Montesquieu. Essa distinção, é bem verdade, fora já identificada
por Aristóteles, cabendo ao Barão assentar que “à divisão funcional deveria corresponder a
divisão orgânica, ou seja, órgãos distintos para o desenvolvimento de distintas funções”
(SILVA NETO, 2008, p.367). Como bem relembra Eros Grau (BRASIL, 2006) o cerne da
relação interpoderes descrito no “L’Esprit des lois” refere-se a “distinção” e não “separação”
entre poderes.

84
Decerto, o poder do Estado é uno e indivisível, exercido, porém, por órgãos distintos para o cumprimento de
funções específicas. Usa-se o termo no plural por consagrado ser seu uso na dogmática constitucional.
64

Essa distinção opera-se entre a “faculdade de estatuir” referente à capacidade de dispor da


ordem das coisas no Estado e “faculdade de impedir” referente à capacidade de contraposição
(veto) a dada ordenação (MONTESQUIEU, 2000). O que se põe em pauta é que no plano
distintivo entre os Poderes, cabe ao Legislativo, em regra, a faculdade de instituir e ao
Judiciário de impedir disposições contrárias à ordem constitucional.

No particular, Hans Kelsen (2002) leciona que “a revisão judicial de legislação é uma
transgressão evidente diante do princípio de separação de poderes” (p. 385). Não quer Kelsen,
com isso, negar o exercício da jurisdição constitucional, mas redimensionar o conceito de
separação de Poderes. O citado jusfilósofo aduz serem apenas duas as funções primordiais da
organização política do Estado: criação e aplicação do Direito; sendo impossível realizar
compartimentalização estanque entre ambas (KELSEN, 2002). Isso decorre da própria
concepção normativo-hierárquica do modelo kelseniano. Com efeito, a legislação em relação
à Constituição é aplicação do direito; em relação as espécies normativas a ela subordinadas é
criadora; bem como o decreto em relação à sentença e assim sucessivamente (KELSEN,
2007).

Interpretação e criação do direito são, por conseguinte, conceitos interconexos; o cerne da


questão é “o do grau de criatividade e dos modos, limites e aceitabilidade da criação do direito
por obra dos tribunais judiciários” (CAPPELLETTI, 1999, p.21). Desempenhando o
Parlamento papel originário na criação de preceitos normativos, Kelsen considera mais
adequado conferir a um órgão diferente deste a função de guarda da ordem constitucional.
Afinal, nada mais contraindicado do que “confiar a anulação de atos irregulares ao próprio
órgão que os produziu” (KELSEN, 2007 p. 151).

Ademais “uma Constituição em que falte a garantia de anulabilidade dos atos


inconstitucionais não é plenamente obrigatória” (KELSEN, 2007, p.179). Desse modo,
propugna-se a criação de um órgão especializado, o Tribunal Constitucional que exerça essa
função de guarda da Constituição contra incursões eventuais do próprio Parlamento85. “O
órgão legislativo se considera um livre criador do direito, isso (porque só está subordinado à
Constituição) e não um órgão de aplicação, vinculado à Constituição, quando na verdade ele o
é ainda que em menor escala” (KELSEN, 2007, p. 112).

85
Carl Schimdt, em célebre polêmica travada com Kelsen no início do século XX referendava que cabia ao
Executivo, por sua força representativa, ser o guardião da Constituição (KELSEN, 2007). Sabem-se bem as
consequências últimas do pensamento de Schmidt, com a consubstanciação do Führerprinzip nacional-socialista
e consequente ocaso da ordem de Weimar.
65

A possibilidade de restrição de direitos fundamentais por parte do legislador é, destarte,


temperada pela própria estrutura dogmática dos direitos fundamentais. Nesse orbe, o centro
do debate envolve o problema do equilíbrio entre as competências do Tribunal Constitucional
e o Congresso Nacional na determinação desse balanceamento; em suma, a extensão da
jurisdição constitucional. A possibilidade de divergência entre ação legislativa e controle
judicial é um tributo necessário da própria institucionalização dos direitos fundamentais. É no
campo de tensão entre processo político e judicial que se desenvolve necessariamente a
interpretação constitucional. O Estado de Direito (Rechtsstaat) envolve um feixe de
subprincípios que podem colidir entre si, no que é chamado “paradoxo democrático”
(ALEXY, 2008). Dessa circunstância decorre a dificuldade nas relações entre o Legislativo
(democrática e periodicamente eleito) e o Judiciário (apenas indiretamente legitimado
democraticamente e não destituível eleitoralmente).

A solução para esse problema é uma “tarefa traiçoeira” (ALEXY, 2008); de certo modo, a
interpretação dos direitos fundamentais prestacionais encontra-se às voltas de um labirinto.
Esse espaço de conformação entre Judiciário e Legislativo dá espaço a um verdadeiro “jogo
de xadrez86”, para aludir à metáfora de Klaus Lowenstein (1964). É necessário, portanto,
relativizar a precedência deliberativa formal do legislador e avançar para uma vinculação de
conteúdo substancial (ALEXY, 2008). Essa vinculação é interpretada aqui em sentido
valorativo restrito, o que garante discricionariedade legislativa, cabendo ao tribunal apenas
definir seus contornos. Nesse sentido, um tratamento arbitrário não deixa de ser arbitrário
apenas em virtude da melhor razão, mas de razões plausíveis. Existe, é claro, o risco de o
Tribunal restringir de maneira não fundamentada as competências do legislador (de onde
decorre uma necessidade de autocontenção -self restraint- do Judiciário). Mas esse é um risco
que vale a pena ser corrido em prol da tutela de direitos fundamentais.

86
A metáfora de jogo de xadrez é utilizada no sentido que lhe dá Klaus Lowenstein (1964) e não à concepção
utiliza por Alf Ross (2007), embora, no particular, pareça pertinente certa comunicabilidade entre ambos os
conceitos. Se o xadrez constitucional refere-se à disputa entre Poderes Legislativo e Judiciário sobre quem ser o
intérprete do Direito, parece que essa disputa (ou jogo) opera-se em um contexto de direito vigente, conquanto
“um conjunto abstrato de ideias normativas que serve como um esquema interpretativo para os fenômenos do
direito em ação” (ROSS, 2007, p.41). A peculiaridade da metáfora enxadrecista de Hart remete uma concepção
“deliberadamente direcionada no sentido de suscitar dúvidas no que tange à necessidade de explicações
metafísicas ao conceito de direito” (ROSS, 2007, p.42). Desse modo, pode-se situar a discussão acerca da
separação de poderes no plano de vista político-dogmático como parece ser a posição de Lowenstein (1964),
imunizando os impulsos jusnaturalistas de corifeus de um utopismo jurisdicional ativista pautado em ideários
transcendentais.
66

Vale dizer que esse controle de constitucionalidade vis à vis a relação interpoderes se
aproxima no Brasil mais ao modelo americano de checks and balances87 do que o modelo se
sepáration de pouvoirs88. No que se refere ao modo de sua operacionalização, a dogmática
constitucional brasileira adota um modelo híbrido, entre o modelo americano de controle
concreto-difuso89 e o padrão austríaco de controle abstrato-concentrado90. De qualquer sorte,
independente do modelo adotado, por sem dúvida a realizabilidade dos direitos fundamentais
exige a superação do “efeito paralisante” (KRELL, 2002) de um ideário de separação (estrita)
em prol de uma colaboração de poderes; máxime diante da tensão inerente da escassez de
recursos diante de uma “prodigalidade constitucional” (GALDINO, 2005). Aponta-se,
portanto, à necessidade de “diálogos institucionais” (SARMENTO, 2010) entre o Tribunal o
Parlamento. O que se propugna aqui é uma postura mais proativa do Judiciário, não no
sentido de intervencionismo arbitrário, mas sim o uso criativo de instrumentos dogmáticos em
direção ao princípio da máxima eficiência dos direitos prestacionais. Isto posto, o magistrado
deve exercer uma função “sócio-terapêutica” de viés prospectivo (MOREIRA, 2011).

5.2 O ATIVISMO JUDICIAL E A TENTAÇÃO JUDICIOCRATA

5.2.1 Ascenção e queda do welfare State

87
O modelo americano de “pesos e contrapesos” fora consagrado pela Suprema Corte americana no célebre caso
Marbury v Madison. A importância desse case está na imposição ao Poder Legislativo de um limite fundado na
superioridade dos preceitos constitucionais. Derrotado pelo Presidente Thomas Jefferson, o então presidente
John Adams nomeou diversos de seus correligionários como juízes federais, entre os quais se encontrava Willian
Marbury. Já com Jefferson presidente, seu novo secretário de justiça James Madison, se negou a intitular
Marbury. Em decorrência disso, Marbury apresentou um writ of mandamus perante a Suprema Corte Norte-
Americana exigindo a entrega do diploma. O processo foi relatado pelo Presidente da Suprema Corte, Juiz John
Marshall, em 1803, e concluiu que a lei federal que dava competência à Suprema Corte para emitir mandamus
contrariava a Constituição Federal de modo que não caberia a ela decidir o pedido. Não obstante a questão
flagrantemente prejudicial, Marshall invertera a ordem do julgamento, pronunciando-se anteriormente a favor à
do writ para apenas então declinar competência para o julgamento do mesmo. Destarte, firmara-se posição de
que à jurisdição constitucional exercida pela Corte cabia a função de refrear repressivamente atos dos demais
poderes que eventualmente contrariassem a Constituição.
88
O controle de constitucionalidade à francesa possui teor preventivo, sendo protagonizado pelo Conseil
Constitutionnel, órgão de tez eminentemente política. Tendo como membros de direito ex-presidentes o aludido
Conselho guarda forte deferência às decisões do Parlamento. Entre as causas desse fenômeno encontra-se a
receio da burguesia revolucionária diante dos quadros da magistratura proveniente, em sua maioria da nobreza.
O próprio Montesquieu exercera por título nobiliárquico a magistratura.
89
Forma de controle de constitucionalidade incidenter tantum com efeitos decisórios interpartes. Essa
modalidade de controle pode ser realizada indistintamente por qualquer juiz ou tribunal, sendo ampla a
legitimidade ativa para o reclame de inconstitucionalidade. (SILVA NETO, 2010).
90
Nesse caso, o controle de constitucionalidade não figura elemento incidental, mas objeto da demanda, tendo os
efeitos decisórios da decisão judicial na matéria efeitos erga omnes. Seu exercício é restrito ao STF (ou aos
Tribunais de Justiça no caso das Constituições Estaduais) possuindo um rol restrito de legitimados ativos
indicados no art. 103, I,/IX CF (SILVA NETO, 2010).
67

No quadro de tensão desse xadrez constitucional que se travam as discussões sobre ativismo
(judicial activism), referente a uma atuação mais proativa do Judiciário na concretização de
direitos fundamentais, em face (ou em detrimento) do Legislativo. A discussão acerca dos
limites ao ativismo judicial contrapõe teses procedimentalistas e substancialistas. As primeiras
buscam restringir o controlo judicial à análise de regularidade apenas do aspecto formal de
deliberação parlamentar. As segundas remetem à tutela judicial de um plexo axiológico, telos
material da Constituição. Antes de aprofundar o tema, mister se faz necessário situar, as
razões jurídico-estruturais dessa tendência jurisdicional proativa hodierna.

Seguindo preleção de Luís Roberto Barroso (2011), originariamente o ativismo surge na


jurisprudência da Suprema Corte americana, de matiz conservador, contrária à intervenção do
Estado no mercado pela adoção de leis sociais (Era Locher 1905-1937). O ativismo toma
outro cariz sob a presidência de Warren (1953-1969), momento decisivo na luta pelos direitos
civis nos Estados Unidos. É dessa época, por exemplo, o célebre caso Brown v. Board of
Education91 (1954) que, por assim dizer, encerra formalmente a segregação racial no país,
afastando precedentes lançados pelos casos Dred Scott v. Stanford92 (1857) e Rovert v. City
of Boston93 (1859). O ativismo judicial nos Estados Unidos assenta-se a partir da doutrina do
substantive due process, pelo qual o judicial review passa a encampar não apenas requisitos
formais, mas a própria razoabilidade de dado ato normativo dos demais poderes.

Para alguns estudiosos, a tendência contemporânea de fortalecimento da autoridade judicial


trata de efeito correlato aos imperativos de segurança jurídica (tão cara ao Direito), exigidos
pela expansão do sistema de mercado em face possíveis demandas legislativas populistas.
Essa leitura, contudo, não reflete a complexidade da questão, em especial no que tange à
dimensão prestacional do ativismo judicial. Parece mais adequado compreender o fenômeno a
partir do desenvolvimento de uma nova concepção de Estado, não mais limitada à função de
“gendarme”, mas investido de características promocionais (CAPPELLETTI, 1999).

91
Neste fulcral leading case reputou-se inconstitucional a segregação racial em estabelecimento escolar,
superando-se a concepção dogmática de isonomia pautada pelo ideário “separados, mas iguais” (separate but
equal), passando a Suprema Corte a sufragar o ideário de “tratamento como iguais” (treatment as an equal).
92
Nesse case, a Suprema Corte negou provimento a writ movido por Dred Scott, escravo sulista, no qual
reivindicava sua liberdade, por ter vivido em Estado do Norte abolicionista.
93
Nesse case, a Suprema Corte considerou que não socorria direito a criança negra matricular-se em escola só
para brancos (all white school) próxima de sua residência, sendo “válido exercício do poder legislativo”
(TAVARES, 2009) a discriminação escolar por idade, sexo e, in casu, raça.
68

Nos termos de Gunther Teubner (1987), esse novo ideário estatal direciona um processo de
“juridificação” (Verrechlichug) da esfera social, através de uma “poluição legal” (legal
pollution) no plano legislativo e uma “burocratização do mundo” (bureaucratization of the
world) no orbe executivo.

A situação figura-se ainda mais problemática diante da adoção de textos constitucionais


ambiciosos de natureza rígida, espécie de “hiperconstitucionalização” que acaba ensejando o
“amesquinhamento do sistema representativo” (VIEIRA, 2008, p. 443). A transição
democrática, após experiências totalitárias e de colonização tende à institucionalização de um
texto constitucional ambicioso, que contemple uma jurisdição fortalecida, de modo a
preservar o sistema em face de novas cofluências autoritárias94. Esse foi o caso não apenas
dos países do Eixo, como das Cartas portuguesa, sul-africana e indiana. Não fora exceção a
Carta brasileira. Essa configuração normativa, entrementes, altera o perfil funcional dos
tribunais enquanto mero legislador negativo 95, nos moldes kelseniano, atribuindo-lhe matiz
estrutural de garantidor das prestações estatais asseguradas nas Cartas Magnas. Há, por
exemplo, um “ethos ambicioso” da CF-88, um “compromisso maximizador” (VIEIRA, 2008),
uma pretensão à ubiquidade (SARMENTO, 2006).

Nesse quadro, o Judiciário torna-se então o “terceiro gigante”, voltado ao controle o


“legislador mastodonte” e o “administrador Leviatã”; “a expansão do papel do Judiciário
representa o necessário contrapeso, num sistema democrático de ‘checks and balances’ à
paralela expansão dos ‘ramos políticos’ do estado moderno” (CAPPELLETTI, 1999, p.19).
Em outras palavras, “tanto em face do Big Business quanto do Big Governement, apenas um
Big Judiciary pode se erigir como guardião adequado e contrapeso eficaz” (CAPPELLETTI,
1999, p.61). A mudança protagonizada pela ascensão do Estado social não deve ser entendida
em uma perspectiva meramente quantitativa, mas sob um prisma qualitativo, no sentido da
emergência de novas estruturas dogmáticas decisionais. O ativismo judicial, nesse diapasão,
decorre não de uma “torrente de normas” (flood of norms), mas da própria ascensão de um
modelo de “Estado intervencionista” (intervencionist state), para usar as expressões de
Gunther Teubner (1987).

94
Na Europa, o desenvolvimento desse modus de controle substancial tomou forma pós II Guerra, em especial
na Alemanha e Itália, refletindo uma “enorme desconfiança na democracia de massas” (VIEIRA, 2008, p.443),
decorrente do trauma nazifascista.
95
O Judiciário exerce atividade de Legislador (negativo) ao anular as leis inquinadas de inconstitucional; ou no
estabelecimento de precedentes que vinculam ulteriores julgados a partir de standards jurisprudenciais.
69

Nesse sentir, entre as causas remotas dessa expansão jurisdicional encontra-se uma reação dos
operadores do direito à lógica mecânica do formalismo jurídico catalisado por uma nova
concepção de Estado. A isso se acrescenta a incorporação de conteúdos normativo não mais
meramente condicionais, mas finalísticos. Trata-se de “pretensões a conformação do futuro”
(Zukunftgestaltung), espaço de deliberação tradicionalmente político (MENDES, 2002).

Essa juridicização opera uma transmutação que incorpora ao discurso jurídico-argumentativo


certo arcabouço político-moral que “afrouxa” a deferência do Judiciário para com o
Legislador e consequentemente dá margem a uma “ampliação do espaço de decisão judicial”
(HABERMAS, 2003, p. 306). Descortinam-se, então, novas áreas de atuação à atividade
judicante, dando mais espaço ao exercício de criatividade judicial na aplicação/criação do
direito. A juridificação da esfera social, essa “colonização” do mundo da vida pelo direito
(HABERMAS, 2003), queda um fenômeno sistêmico-estrutural que não pode ser
simplesmente negado pelos movimentos de “deslegalização” (delegalization); “a ‘torrente de
normas’ não pode ser contida por diques e barragens; no máximo ela pode se canalizada96”
(TEUBNER, 1987, p.12). Daí a preocupação dogmática em estabelecer os contornos dos
direitos fundamentais em um instrumentário dogmático “altamente sensível” em torno de
“conceitos-chave” como conteúdo essencial, proporcionalidade e reserva do possível
(HABERMAS, 2003).

Contudo, a “orgia legislativa” do welfare state, apesar de bem intencionada, terminou “por se
revelar causa de perversões econômicas com custos enormes e socialmente perniciosos”
(CAPPELLETTI, 1999, p.45). A crise fiscal do estado coloca “no banco dos réus está a
célebre política do déficit spending: endividamento do Estado, com a finalidade de financiar a
despesa pública, sobretudo a despesa social” (CANOTILHO, 2008, p. 253). A pretensa
autossuficiência do dirigismo constitucional fenece diante da complexidade da realidade
social. Vítima de seu próprio sucesso, o “flagelo do bem-estar” engendra a bancarrota do
Estado (CANOTILHO, 2008). A prodigalidade das promessas prestacionais paulatinamente
cede lugar a uma perversa sensação de frustração constitucional e desfuncionalidade
normativa. O estado social alicerçara expectativas que não possuía condições a adimplir.
Entrementes, as prestações sociais, contudo, ainda estão lá, positivadas em textos
constitucionais. Questio quid juris?

96
Tradução livre do original: “the ‘flood of laws’ cannot be stemmed by dykes and dams; at best it can be
channeled”.
70

Nesse plano, sob os escombros do welfare state, o Judiciário parece tentar desfraldar a
bandeira que fora rendida pelos demais poderes estatais. Se o Judiciário acompanhara por
último o desenvolvimento anterior dos demais Poderes em face do ímpeto interventivo
consubstanciado pelo Estado-Providência como alude Mario Cappelletti (1999), parece
compreensivo que seja igualmente o último a perceber as contingências da realidade e as
insuficiências manifestas do Estado provedor. O ativismo judicial realizado a despeito das
condições econômica do corpo social, ao fechar os olhos aos aspectos consequenciais por
vezes trágicos das decisões judiciais, se fiando em um “tudo é possível”, parece ser o legítimo
herdeiro de um ideário intervencionista já morto.

5.2.2 O Fórum e a Ágora

O afã regulador encerrara uma “obstrução” (overload) da própria atividade legislativa e suas
pretensões prestacionais cedem lugar a uma espécie de desencantamento do Parlamento.
Grassa, portanto, um sentimento mais acentuado de desconfiança 97 em relação ao Legislativo.
Como bem frisa Henri-Benjamin Constant (1985, p.6), “o perigo da liberdade moderna está
em que, absorvidos pelo gozo da independência privada e na busca de interesses particulares,
renunciemos demasiado facilmente a nosso direito de participar do poder político”. A
contemporaneidade é testemunha histórica das considerações percuciente do autor franco-
suíço. O ativismo judicial ganha então força diante da crise de representatividade
democrática; o Judiciário é tentado a “bypassar” as (em geral inertes) instâncias legislativas
(CANOTILHO, 2008).

A Ágora parlamentar encontra-se esvaziada em face do cidadão; o qual, em seu lugar, recorre
ao fórum. Entrementes, esse é uma arena inadequada para comportar todos os matizes do
espetáculo democrático. Por mais que se haja participação popular, com as possibilidades de
ações coletivas e amici curiae, o tribunal é um substituto “pobre” ao Parlamento. As
manifestações das partes, sempre limitadas aos pólos processuais são em regra intermediadas
por um corpo de especialistas: os juristas; a exercer um métier jurídico-dogmático e não
vocacionado às deliberações políticas. Uma democracia juridificada perde seu ethos; torna-se
um excerto de democracia, um simulacro.

97
Essa desconfiança, a rigor, não é nova. Hans Kelsen (2002) alude a ela, antes dos estertores do Estado social
derivando-a da “característica da monarquia constitucional, que surgiu da restrição do poder do monarca”
(KELSEN, 2002, p. 401).
71

O fortalecimento da jurisdição constitucional vivenciado no Brasil ao mesmo tempo em que


consolida o Estado de Direito, fragiliza as bases representativas. Deve-se, por conseguinte,
adotar mecanismos que racionalizem essa jurisdição e mitiguem este “mal estar
judiciocrático” (VIEIRA, 2008). Mario Cappelletti (1999), contudo, trás uma visão menos
problemática acerca do tema, reputando o Judiciário como o “menos perigoso” dos poderes.

Segundo preleção do citado autor, as “enfermidades” pelas quais padece a criação judiciária
do direito pode ser perlustrada (e superadas) pelos seguintes eixos críticos:

O primeiro deles (1) refere-se à dificuldade informacional do jurisdicionado em lidar com a


técnica jurídico-dogmática, as idiossincrasias do processo. Entretanto, o acesso à informação
do cidadão em face do Legislativo ou Executivo demonstra-se, por vezes, tão ou mais
dificultoso que em face dos tribunais Diante dos conchavos político-partidários, as decisões
judiciais acabam por alcançar mais publicidade do que as próprias deliberações legislativas,
reforçando a juridicização de demandas enquanto alternativa de exercício de cidadania.

O segundo eixo (2) refere-se às inseguranças regulatórias quanto às possibilidade de decisões


judiciais com efeitos ex tunc. Porém, esse óbice é comumente superado em termos de
modulação temporal, mitigando o impacto na segurança jurídica das decisões jurisdicionais.

O terceiro aspecto (3) alude à incapacidade técnica do Judiciário para auferir subsídios
decisórios no campo de discricionariedade cognitiva do direito. No particular, o Judiciário
padeceria de incompetência institucional, sendo uma espécie de “legislador aleijado” (LORD
DEVLIN, 1976), sujeito mais às argumentações dos advogados que ao desenvolvimento do
direito. Contudo, parece correto asseverar que essa dificuldade judicial (contornada em geral,
por exemplo, pelo recurso a perícias técnicas e amici curiae) não é privilégio do Judiciário.
Com efeito, interesses por vezes imediatistas e populistas dos poderes representativos acabam
por fazer naufragar as pretensões de cientificidade que embasam adoção de determinada
decisão administrativa ou política legislativa.

O quarto eixo (4), e mais decisivo, refere-se ao déficit democrático do Judiciário. De fato, “é
uma grande tentação alçar o Judiciário a uma elite que ultrapassará os caminhos
congestionados do processo democrático98” (LORD DEVLIN, 1976, p.16). Mario Cappelletti
(1999), contudo, observa que o próprio processo representativo democrático se sujeita a
lobbies, não podendo ser “mistificado”. Ademais, maiorias eventuais (democraticamente

98
Tradução livre do original: “It’s a great temptation to cast the judiciary as a elite which will bypass the traffic-
laden ways of the democratic process”.
72

legítimas) podem igualmente fazer naufragar a nau democrático (como sói a ocorrer em
Weimar), de onde denota a relevância de um poder o caráter contramajoritário. Outro aspecto
a ser levado em consideração é a nomeação dos magistrados das cortes superiores pelo chefe
do Executivo ad referendum do Parlamento, impingindo, de certo modo, uma forma de
controle democrático do Judiciário. Por derradeiro (e mais importante), a necessidade de
fundamentação pública e racional das decisões judiciais, possibilita um controle democrático
das decisões judiciais.

Em suma, para Maurio Cappelletti (1999), balanceando os caracteres da atividade judicial


com suas debilidades, existem mais prós que contras. Em que pese serem pertinentes as
observações do citado autor, parece que tais considerações não têm o condão de legitimar uma
postura ativista do Judiciário em termos de concessão indiscriminada de pretensões
prestacionais. Os custos trágicos do direito exigem maior parcimônia no manejo da tutela
jurisdicional como será analisado com mais vagar no tópico subsequente.

5.3 AUTOCONTENÇÃO E DEFERÊNCIA DEMOCRÁTICA

5.3.1 Os riscos da proatividade judicial em Terrae Brasiliae

A “tonificação do judiciário” (WENDPAP,2008) no Brasil caminha na mesma passada da


judicialização dos direitos prestacionais. A adoção desse modelo “juriscêntrico” decorre de
uma série de fatores, entre os quais dos auspiciosos ventos da redemocratização, a adoção de
um modelo constitucional analítico e o sistema brasileiro de controle híbrido de
constitucionalidade (BARROSO, 2011). O acidentado histórico de instabilidade política
brasileira ensejou uma patologia persistente de “insinceridade constitucional” (BARROSO,
2009). A Constituição tornara-se uma mistificação, mero instrumento de dominação
ideológica. Apenas através da juridicização das normas constitucionais, em especial após a
Carta de 1988, que a situação passou a mudar. Com a nova Constituição, buscava-se superar
um modelo constitucional meramente semântico-simbólico, em direção a um instrumento de
transformação social. Esse positivismo constitucional renovado, em busca de maior
efetividade, deriva, no plano jurídico, da atribuição de normatividade plena à constituição; no
plano científico, à atribuição de autonomia ao Direito Constitucional; e, no plano
institucional, de maior protagonismo do Poder Judiciário na tutela de direitos.
73

Disso resultou um constitucionalismo engajado, voltado ao resgate da imperatividade da


norma. A Constituição exsurge conquanto tarefa a ser realizada. O conteúdo de suas normas
tornou-se plenamente suscetível de controle judicial. Não obstante, essa nova configuração
sistêmica enseja tensões entre a normatividade do constituinte a o universo fático subjacente;
ou seja, uma tensão entre limites fáticos e possibilidades jurídicas.

Entrementes, mesmo após a redemocratização, os contínuos percalços institucionais do país


(crises econômicas, escândalos de corrupção) levaram à perda de credibilidade social dos
demais poderes constituídos (Executivo e Legislativo), ocasionando uma sobrevaloração dos
meios de controle judicial. Nesse quadro, as vantagens em termos da “imparcialidade”
decorrente da “despolitização” do Judiciário convivem em tensão com a possibilidade de
extrapolação permanente de sua competência jurisdicional (GUERZONI FILHO, 2004). A
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ilustra bem esse quadro tensionado. Luís Roberto
Barroso (2011) elenca três casos emblemáticos a esse respeito.

No primeiro deles, o julgamento da Lei de Biossegurança (ADI 3.510-0), sobre pesquisa em


embriões in vitro inviáveis ou congelados há mais de 3 anos, houve o afastamento tout court
do princípio de deferência do STF às deliberações do legislador democrático. Ou seja, a
observância pelo Parlamento de ritos formais, a ampla realização de consultas públicas e
aprovação por maioria absoluta do dispositivo legal, para a maioria dos ministros, não
deveriam ser levadas em consideração pelo Tribunal. Ou seja, a Corte arrogou-se a
prerrogativa de atuar dentro dos limites de discricionariedade cognitiva do direito, a despeito
do Legislativo.

No segundo, atinente à fidelidade partidária (MS 26.603/DF), houve determinação do STF


para que o presidente da Câmara dos Deputados cumprisse entendimento esposado pelo TSE
que, em resposta a consulta, reconheceu o direito do partido político a titularidade de cadeiras
parlamentares que fez jus por coeficiente eleitoral. Em consequência, estipulou o tribunal a
perda de mandato de parlamentares que, injustificadamente, mudassem de partido pós o
pleito. Esse entendimento acabou por incluir nova hipótese ao rol do art. 55 CF, até então
considerado numerus clausus. De especial relevância, o voto do ministro Celso de Mello, ao
citar Francisco Campos fez referência ao exercício de “poder constituinte” pelos Tribunais
Constitucionais (BARRROSO, 2011).
74

O terceiro exemplo retrata entendimento do Supremo Tribunal em face da Lei de Crimes


Hediondos (Rcl. 4.335-5/AC). O ministro Gilmar Mendes considerou que os efeitos de
decisão que, em sede de controle difuso, considerou inconstitucional artigo do citado
dispositivo legal que vedava progressão de regimes, têm efeitos erga omnes, a despeito de
ausência de manifestação do Senado Federal. No particular, haveria, para o ministro, reforma
constitucional sem mudança de texto, capaz de suprimir competência privativa da Câmara
Alta contida em dispositivo expresso da CF.

Ou seja, a proatividade jurisdicional investe contra teor literal de norma constitucional


originária, cláusula que cosagra a separação de Poderes. Dada máxima vênia, contudo, este
não parece ser um exercício hermenêutico adequado, máxime diante da célebre lição de
Konrad Hesse (1985) de que o percurso do iter interpretativo constitucional não pode
perlustrar-se sem arrimo à seu limite ineliminável: a constituio scripta. Resta considerar, não
manifestando o Senado seu desapreço por essa invasão de competência, a hipótese de
convalidação tácita dessa transmutação de sentido para se evitar insegurança jurídica.

Não obstante esses excessos, a jurisdição constitucional contemporânea conquistou inegáveis


avanços, como a superação do ortodoxo entendimento de que o plexo deontológico
prestacional não passava de normas programáticas. Contudo, é preciso ter parcimônia. Parte
da doutrina como da jurisprudência vem aduzindo uma superioridade jurídico-ontológica a
esses direitos, em detrimento de questões ditas “menores”, como o orçamento. Ângela
Pelicioli (2007), a título de ilustração, advoga a prolação de sentenças normativas como um
instrumento necessário de garantia de efetividade desses direitos. Nesse plano, ocupando
locus privilegiado, o Pretório Excelso exerceria não apenas função jurisdicional comum, mas
função normativa como de “legislador positivo” (sic) fosse (PELICIOLI, 2007, p.35).

Nesse quadro, não haveria restrições ao revestimento de matiz aditivo 99 às decisões judiciais,
possibilitando a majoração do orçamento público via Jurisdictionis, sem necessidade de
deliberação parlamentar democrática. Em outras palavras, “a reserva do possível não pode ser
uma objeção ao Supremo Tribunal Federal para proferir sentenças normativas que possam
gerar despesas públicas” (PELICOLI, 2007, p.44). A principiologia da Carta seria: “‘tratar a
todos! E se os recursos não são suficientes, deve-se retirá-los de outras áreas’” (KRELL,
2002, p. 52).

99
As decisões aditivas implicam a possibilidade de o tribunal adicionar elementos, originariamente não
explícitos na norma, com o fim de alcançar situações não previstas, ou permitir a constitucionalidade de uma
norma (FREIRE JÚNIOR, 2005).
75

Como se vê, busca-se uma saída voluntarista do labiríntico jogo de xadrez constitucional,
através de uma espécie de Fiat justitia, pereat mundus. Nessa linha, há quem defenda que, na
hipótese da Administração decidir em construir um campo de futebol no lugar de um
estabelecimento de ensino, “ao atendimento do art. 208, I da CF, não se pode vislumbrar outra
solução constitucional que não seja permitir o juiz possa impedir a construção do estádio e
determine [...] construir a escola” (FREIRE JÚNIOR, 2005, p. 68). Tendo em vista os grandes
investimentos destinados à infraestrutura esportiva para Copa do Mundo é surpreendente que
não tenha havia (ainda) decisões nesse sentido. Em última instância seria possível “sustentar
que os gastos com publicidade governamental não poderão ser superiores aos investimentos
em saúde ou educação” (MOREIRA, 2011, p.208). Este último posicionamento dogmático
tem a inegável vantagem de mitigar a imprevisibilidade de uma microjustiça casuística,
reconduzindo a discussão ao todo orçamentário, mas deve ser manejada com cautela.

5.3.2 O altar da judiciocracia

O contraponto ativista é a autocontenção judicial. Se o primeiro explora ao máximo as


potencialidades do texto constitucional, o segundo opta pela deferência decisório-
constitucional às instâncias representativas. A dogmática constitucional deve, decerto,
esquivar-se da inanição, mas tampouco, deve ceder à tentação do messianismo jurídico. Não
se deve olvidar que:

O fato de o tribunal constitucional e o legislador político ligaram-se a normas


processuais não significa uma equiparação concorrente da justiça com o legislador.
Os argumentos legitimadores a serem extraídos da Constituição, são dados
preliminarmente ao tribunal constitucional, na perspectiva de aplicação do direito –
não na perspectiva do legislador, que interpreta e configura o sistema dos direitos, à
medida que persegue suas políticas (HABERMAS, 2003, p. 324).
A rigor, a distinção precípua entre Legislativo e Judiciário não é no plano de criação do
direito, mas no modus operandi do processo decisório jurisdicional (CAPPELLETTI, 1999).
Nessa linha, o citado autor italiano elenca dois caracteres indissociáveis da atividade
jurisdicional100. O primeiro deles refere-se à imparcialidade, à defesa a influências externas e
assegurando o contraditório, tal qual o conteúdo dos aforismos latinos nemo judex in causa
própria (não há juiz em causa própria) e audiatur altera pars (deve-se ouvir a outra parte).

100
Cappelletti (1999) vai além de aduz estas regras reitoras da atuação jurisdicional serem “de antiga sapiência”,
espécie de “justiça natural” (sic).
76

O segundo corresponde ao princípio dispositivo, à necessidade de conexão da atividade


decisória a determinados controvérsias, circunscritas a dada relação processual, nos moldes do
brocardo romano nemo judex sine actore (não há juízo sem autor). Fora desses condicionantes
estruturais não cabe ao Judiciário arrogar-se as atribuições dos demais poderes republicanos,
sob pena de instauração de uma, poder-se-ia mesmo dizer, república aristocrática da
magistratura, em detrimento do Estado democrático parlamentar. Em outras palavras, ao
ultrapassar suas funções institucionais corre-se o risco da instalação, pelos tribunais, de uma
judiciocracia (FREIRE JÚNIOR, 2005), esvaziando-se ainda mais a esfera pública
representativa. Como bem adverte Eros Grau (BRASIL, 2006, p.54), “coartar a faculdade do
Poder Legislativo, de atuar como intérprete da Constituição, isso nos levaria a supor que
nossos braços, como as árvores --- na metáfora de LOWENSTEIN --- alcançam o céu”. Nada
mais inadequado como bem assevera o ministro. O judiciário deve autoconter-se.

Deve-se, portanto, evitar uma compreensão paternalista da hermenêutica constitucional que se


alimenta da desconfiança do jurista em face da irracionalidade do processo legislativo. Como
bem observa Mario Cappelletti (1999), o reconhecimento das dificuldades representativas não
justifica abandonar os esforços com vistas a salvaguardar a legitimação democrática. “Se já se
tem dificuldade de aceitar uma decisão tipicamente voluntarista ou intuitiva do órgão de
representação popular, certamente não se pode sequer cogitar de uma eventual substituição de
um voluntarismo do legislador pelo voluntarismo do juiz” (MENDES, 2004, p. 482).

Decerto, não há que se considerar supremacia do Parlamento ou do Judiciário, mas da


Constituição. E constitucionalmente falando, a função democrático-representativa de
deliberação política é atribuição inata do Poder Legislativo, quer se goste ou não. Não é
despiciendo relembrar expressa dicção da Constituição Federal que em seu art. 1º § único
estabelece que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos
ou diretamente, nos termos dessa Constituição”. A Carta Magna sufraga explicitamente,
portanto, o imperativo democrático eletivo. Essa é a insindicável vontade do Constituinte
originário, salvo processo revolucionário. A função judiciária, decerto tão sobranceira quanto
a Legislativa, contudo, possui atribuição diversa.

Caminhar na direção contrária, no sentido da concentração da função jurisdicional com a


função de Legislador positivo (com a prolação de sentenças normativas e aditivas), parece
contrariar flagrantemente a própria dinâmica republicana de equilíbrio interpoderes. É de bom
alvitre referendar a admoestação de Montesquieu (2000, p. 168) que leciona:
77

“tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado dos Poderes Legislativo e
Executivo. Se estivesse unido ao Poder Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos
cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador”. Eis o nó górdio da tripartição funcional
de competências. “Apenas um sistema equilibrado de controles recíprocos pode, sem perigo
para a liberdade, fazer coexistir um legislativo forte, com um executivo forte e um judiciário
forte” (CAPPELLETTI, 1999, p.54). “Nesse sentido, o jogo de xadrez há de ser jogado”.
(BRASIL, 2006, p.54).

Nesse plano, duas opções descortinam-se. Ou se respeitam as regras do jogo e a deferência


democrática ao Parlamento no âmbito de discricionariedade cognitiva em que se encerram as
decisões nodulares da comunidade política; ou refunda-se a república a partir de uma nova
concepção de Estado, na qual a legitimidade democrático-legislativa resida no Judiciário.
Tertium non datur. Não está aqui se advogando a “capitulação-resignação do regime
garantístico e protetivo a nível jurídico-constitucional” (CANOTILHO, 2008, p.98),
tampouco negando o “inexaurível papel de Law-making do intérprete” (CAPPELLETTI,
1999, p.75). O que se pretende é apontar são as consequências nefastas de um voluntarismo
jurisdicional exarcebado, em especial diante dos custos trágicos das prestações sociais. A
eficácia tout court em face do infactível deve ser evitada na interpretação constitucional dos
direitos fundamentais. É empírica e logicamente impossível satisfazer todas as necessidades
humanas e/ou pretensões jurídicas. O Direito, tal qual a Economia, lida com a intrínseca
escassez de recursos. A ampla variedade de critérios de alocação desses recursos em prol de
certos direitos enceta um necessário espaço de atuação política, sindicável em um regime
democrático mediante voto popular e atuação da sociedade civil. Caso contrário, sob o
pretexto de salvarem-se os valores sociais, estar-se-ia sacrificando a democracia no altar da
judiciocracia.

“O ativismo judicial, até aqui, tem sido parte da solução, e não do problema. Mas ele é um
antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado. Em dose excessiva, há risco de
se morrer da cura. [...] Precisamos de reforma política. E essa não pode ser feita por juízes”.
(BARROSO, 2011, p.19). “Em suma, o Judiciário quase sempre pode, mas nem sempre deve
interferir”. (BARROSO, 2011, p.17). Logo, é de se asseverar a necessidade de independência
e harmonia entre os Poderes, de modo a “impedir a desadministração pública” (BRITTO,
2001). Não se pode olvidar que, em concreto, “se o Direito é a ciência do dever ser, parece
intuitivo que o domínio de suas regras seja o poder-ser [afinal] o Direito não deve normatizar
o ‘inalcançável’” (AMARAL, 2010, p.5).
78

Esse “poder-ser”, logo, não remete a uma pretensa onipotência que a norma tudo pode, mas
sim ao que efetivamente pode ser feito no campo do real. Há restrições à “interpretação
engajada”; (AMARAL, 2010). Deve-se, portanto, evitar-se um fervor messiânico pautado em
justificações artificiosas como as que asseveram que “nunca [sic] os interesses do Estado
foram encontrados (forjados) para beneficiar tão poucos quanto em nossa época [...] o ato de
votar transformou-se em um ritual simbólico de legitimação formal”. (FREIRE JÚNIOR,
2005, p. 31). Não se questionam, deveras, as notórias insuficiências do modelo democrático-
representativo tal qual adotado no país hoje. Não obstante, daí a considerar que em épocas
anteriores de nossa conturbada história política essas insuficiências foram menos graves ex vi
o “cabresto” da República Velha ou o bipartidarismo ditatorial-militar, queda enorme
distância. Inferências com essa refletem um padrão de valor muito ativista que gera certo
desconforto em face do gap necessário entre expectativas subjetivas e mundo objetivo
(PARSONS, 1974). Em ultima instancia, atribui-se a culpa desse descompasso à geração
atual, como se houvesse uma fase anterior no passado em que tais valores supostamente foram
realizados. Um idílio, quando não uma falácia utilizada para afastar a legitimidade do
Parlamento e justificar um decisionismo judicial. Ao Judiciário não cabe a dimensão
funcional de “válvula de escape” (RÉ, 2012), de realização a qualquer custo dos direitos
fundamentais, mas sim (se a metáfora permite) de mecanismo de redirecionamento
hidrostático dos vasos comunicantes de um democracia representativa

5.4 ESTRATÉGIA DA EFICIÊNCIA E TRANSPARÊNCIA ORÇAMENTÁRIA

5.4.1 Abrindo a Caixa preta dos arcana imperii

Uma estratégia adequada ao xadrez constitucional de efetividade dos direitos prestacionais


seria uma integração sistêmica de três níveis argumentativos, nos termos de Robert Alexy
(2008): (1) Material - referente à importância dos direitos em jogo; (2) Funcional – relativo à
competência decisória; e (3) Epistemológico – relativo à possibilidade de fundamentação
jurídico-metodológica racional. Essa é tarefa da dogmática específica de cada direito
fundamental, na qual devem ser sopesados o princípio formal de competência do legislador e
o princípio da liberdade fática (garantida por prestações sociais).
79

A precedência discricionária formal do legislador é, como já visto, relativa. Seu critério de


auferibilidade é a eficiência; o modo de sua análise, a proporcionalidade 101. O que encarece,
nesse passo, é a relevância do princípio da transparência, seja na integração desses três níveis
argumentativos como enquanto veículo de consecução de um padrão adequado de gestão
pública e decisões que respeite a tripartição funcional de poderes da Constituição.

Nesse prisma, “melhor que negar o aspecto político da jurisdição constitucional é explicitá-lo,
para dar-lhe transparência e controlabilidade” (BARROSO, 2009, p.286). O assunto gira em
torno de dois princípios constitucionais: o direito fundamental à informação pública e o
princípio da publicidade102 da administração, que propiciam o controle da atividade estatal
pelos cidadãos. Nos termos do STF, “a prevalência do princípio da publicidade administrativa
outra coisa não é senão um dos mais altaneiros modos de concretizar a República enquanto
forma de governo103” (BRASIL, 2012, p. 4). Não é outro o espírito da recente Lei de Acesso à
Informações (LO nº 12.527/2011) que regula o art. 5º, XXXIII, art. 37, § 3º, II e art. 216, § 2º,
todos da Constituição Federal. Deveras, a transparência é um postulado inderrogável da
ordem republicana; reveste-se de teor formal, permeando o plexo deontológico da
Constituição, exercendo, sobre este, papel legitimador (TORRES R., 2012).

Desse modo, faz-se necessária “uma virada institucionalista [...] requer o que poderíamos
ousar chamar de publicização de escolhas [...] não apenas divulgar, mas tornar público o
processo de escolha”. (AMARAL, 2010, p.180). Destarte, ainda que negada certa tutela
prestacional pleiteada in concreto, resta imprescindível a máxima transparência acerca de
como se dão os gastos públicos.

A exigência de publicidade dos atos de governo é importante não apenas, como se


costuma dizer, para permitir ao cidadão conhecer os atos de quem detém o poder e
assim controlá-los, mas também porque a publicidade é por si mesma uma forma de
controle, um expediente que permite distinguir o que é lícito do que não é.
(BOBBIO, 1986 p.30)
Nesse sentido, um controle da eficiência transparente em níveis múltiplos parece ser a melhor
opção. “É preciso que as instituições terminem a educação moral dos cidadãos [...] consagrar
a influência deles sobre a coisa pública, [...] garantir-lhes o direito de controle e de vigilância

101
Não se pode perder de vista que certo grau de desperdício é realidade inexorável de qualquer Administração
Pública.
102
Ainda que tangencialmente, essa temática encontra-se no precedente mais antigo que se tem notícia do STF: o
HC 3536 (1893), no qual figurava como impetrante (e paciente) o então Senador Ruy Barbosa. Na ocasião, o
Pretório Excelso garantiu a veiculação de discurso de protesto realizado no Senado Federal proferido por Ruy
Barbosa, proibido pelo governo, à luz não apenas das prerrogativas funcionais do parlamentar, mas também pela
publicidade da administração (BRITO, 2007).
103
Locução contida na Suspensão de Liminar nº 323 – DF, exarada em 11 Jul. 2012 sobre a divulgação ampla e
irrestrita da remuneração de servidores públicos federais.
80

pela manifestação de suas opiniões” (CONSTANT, 1985, p.7). A cidadania “conquista-se não
através da estalização da sociedade [ou judicialização das deliberações políticas], mas sim
através da civilização da política” (CANOTILHO, 2008, p.122). Afinal, a democracia não se
desenvolve em um modus operandi de delegação de responsabilidades, mas “por meio de
formas refinadas de mediação do processo público e pluralista da política e da práxis
cotidiana” (HÄBERLE, 2002, p.36).

Um ótimo desenvolvimento da força normativa da Constituição depende não apenas


do seu conteúdo, mas também de sua práxis. De todos os partícipes da vida
constitucional, exige-se partilhar aquela concepção anteriormente por mim
denominada vontade de Constituição (Wille zur Verfassung). Ela é fundamental,
considerada global ou singularmente. (HESSE, 1985, p.21)
Ao perquirir acerca da regularidade da gestão administrativa / legislativa, não está o Judiciário
indo de encontro ao princípio da confiança que deve reger a cooperação ente Poderes. O
princípio da confiança circunscreve-se no espaço de discricionariedade cognitiva dos direitos
fundamentais. Nesse espaço, cabe ao Judiciário guardar deferências às escolhas alocativas e
às decisões trágicas do Legislador; ao trazer à tona essas decisões não se está incorrendo em
conflito interpoderes, mas possibilitando ao cidadão conhecer e acompanhar o processo
decisório democrático. Postula-se aqui abrir a caixa-preta dos arcana imperii (BOBBIO,
1986), retirar-lhe o “manto de invisibilidade” (CANOTILHO, 2008). A potestas deve dar
lugar à civitas; o súdito ao cidadão. Coloca-se assim

à prova a capacidade do poder visível de debelar o poder invisível, [através] da


publicidade dos atos do poder, que, como vimos, representa o verdadeiro momento
de reviravolta na transformação do estado moderno que passa de estado absoluto a
estado de direito (BOBBIO, 1986, p.103).
O jurista é parte da engrenagem social e, mais que isso, dotado de responsabilidade pelo locus
privilegiado de poder público que ocupa. Isso não deve, torna-se a dizer, servir a um
posicionamento judiciocrata, mas à reorientação das deliberações democráticas a sua legítima
Ágora, e, mais importante, descortinar “o que lá realmente acontece” (Id quod plerunque
accidit). A coisa pública deve ser publicizada, ambas as expressões oriundas da mesma raiz
latina publicum, forma reduzida de populus, “povo”. Em suma, a res publica é de todos e a
todos interessa. “A democracia nasce e vive na possibilidade de informar-se” (SILVA B,
2009, p.46). Sua definição imprescinde dos conotativos de visibilidade ou transparência do
poder (BOBBIO, 1986). O desenvolvimento do Estado de Direito impinge, portanto, uma
necessária democratização e controle judicial das escolhas operadas diuturnamente pela
comunidade política que não devem ser tomadas à revelia da esfera pública.
81

Resta necessária uma “‘des-introversão’ do esquema jurídico da relação prestacional”


(CANOTILHO, 2008, p.102), de modo de modo a descortinar que por detrás do dever de
socialidade do Estado, há cidadãos “pagadores” e “tomadores” das prestações sociais. O que
se busca aqui é reforçar a necessidade de participação coordenada dos três poderes na
realização do Estado de Direito, naquilo que tem de mais elementar: as “escolhas se Sofia”
dos direitos prestacionais. Para consecução desse mise au point dogmático, entrementes, é
preciso superar a cultura do sigilo que grassa a res publica em Terrae Brasiliae.

Um mero transitar como advogado no Fórum Ruy Barbosa em Salvador – BA é permite


constatar esse execrável comportamento. O acesso a autos processuais são negados ao alvitre
de servidores, furta-se o acesso a documentos públicos sem nenhuma base legal e ainda são
negadas certidões que atestem o não acesso às informações perquiridas, de modo a
obstacularizar a propositura de habeas data, dentre muitos outros abusos104. Nesse diapasão,
igualmente significativo é a não disponibilização pelas assembleias legislativas estaduais da
regência de seu fluxo orçamentário apesar da entrada em vigor da Lei de Acesso à
Informação. Igualmente sintomático é a explosão de liminares judiciais de modo a suspender
a divulgação do contracheque dos servidores públicos, a despeito de manifestação expressa do
Supremo Tribunal Federal aduzindo ser constitucional a matéria. Essa cultura de “boudoir”,
de “alcova”, da falta de transparência decorre de uma herança cultural patrimonialista que
confunde o público com o privado.

A comunidade política conduz, comanda, supervisiona os negócios, como negócios


privados seus, na origem, como negócios públicos depois, em linhas que se
demarcam gradualmente. O súdito, a sociedade, se compreendem no âmbito de um
aparelhamento a explorar, a manipular, a tosquiar nos casos extremos. Dessa
realidade se projeta, em florescimento natural, a forma de poder, institucionalizada
num tipo de domínio: o patrimonialismo, cuja legitimidade assenta no
tradicionalismo — assim é porque sempre foi. (FAORO, 2008, p. 866).
Nesse contexto, “para o funcionário ‘patrimonial’, a própria gestão política apresenta-se como
assunto de seu interesse particular; [...] é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o
predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em
círculos fechados” (HOLANDA, 1995, p.73). Soma-se ao patrimonialismo, a herança
dogmática de uma concepção administrativista centrada na ideia de soberania, de onde
decorreriam os privilégios da Administração.

104
O seguinte fato noticiado pela imprensa baiana, caracteriza muito bem a praxe administrativa brasileira: o
advogado Oliveira Chagas durante a greve de professores, “ao tentar buscar informações sobre o número de
REDAs (regime especial de contratação) e terceirizados na Secretaria da Educação do Estado [...] logo depois de
uma assessora do secretário da administração Manoel Vitório ter se recusado a dar acesso ao processo
0200120087044-0, e ter negado a emissão de uma declaração ou certidão a respeito da recusa, o Corregedor
[Geral do Estado da Bahia] o chamou e reiterou a negativa” (GALDEA, 2012).
82

Essa relação é bem ilustrada pelo uso da clássica locução “poderes administrativo”
(DALLARI, 1999). A soberania sabe-se bem, configura a possibilidade de definir exceção;
soberania subordina, não se encontra subordinada. Essa noção, como pode se intuir, não se
adéqua bem ao ideário de prestação de contas em uma sociedade democrática. Por isso, não
raras vezes, a autoridade administrativa daí derivada incide em autoritarismo. Nessa
perspectiva, “subsiste a dominância da razão hierárquica, com completa indiferença, e até
ignorância, relativamente aos destinatários” (CANOTILHO, 2008, p. 258). Contra essa
cultura da ineficiência que deve se dirigir a proatividade do Judiciário. Cabe à magistratura
não substituir o administrador ou o legislador, mas romper esse círculo vicioso, trazendo ao
espaço público as “escolhas de Sofia” da comunidade política em prol da máxima eficiência
na alocação de recursos escassos para realização de direitos prestacionais. Afinal, “a lógica da
divisão de poderes só faz sentido se a separação funcional garantir ao mesmo tempo a
primazia da legislação democrática e a retroligação do poder administrativo ao comunicativo”
(HABERMAS, 2003, p. 233).

5.4.2 Os caminhos da floresta prestacional

É nessa seara que desponta com singular relevo a importância de redimensionar-se a a


proêmia onus probandi actor incumbit (o ônus da prova é de quem alega) nos processos que
versam sobre direitos prestacionais. Não se devem olvidar as públicas e notórias dificuldades
opostas pela Administração citadas anteriormente na concessão de informações que devem ser
públicas. Sujeitar o cidadão a provar que o Estado não geriu corretamente seus recursos
consiste em um pedido de prova praticamente impossível em Terrae Brasiliea. Não se olvide
que a distribuição escorreita do ônus probatório é fundamental para a garantia de um direito,
de modo que se impõe “soluções probatórias não aniquiladoras de própria concretização de
direitos, liberdades e garantias” (CANOTILHO, 2008, p. 175). Porém, mais do que as
inúmeras dificuldades burocráticas, aliada à hipossuficiência do administrado, a inversão do
ônus tem uma razão de ser econômica: permite ao magistrado avalizar, em um segundo nível,
se houve uma alocação eficiente de recursos pelos demais Poderes. Com base na análise
econômica, o próprio conceito de direito deve ir além das ordens coercitivas derivadas do
poder soberano do estado para incorporar a (máxima) publicidade como um de seus requisitos
inalienáveis (POSNER, 2010).
83

Essa é a razão precípua da necessidade de inversão do onus probandi sobre a alocação de


recursos. No particular, concorda-se com Ingo Sarlet (2011, p.356) ao aduzir que “cabe ao
poder público o ônus da comprovação efetiva da indisponibilidade total ou parcial de recursos
[...] assim como da aplicação eficiente dos mesmos”. Nesse sentir, “quanto mais
indispensável se afigurar uma determinada prestação estatal para a garantia da vida digna do
jurisdicionado, maior deve ser o ônus argumentativo do Estado para superar o direito prima
facie garantido” (SARMENTO, 2010, p. 207).

A justificativa do governo para sequer efetuar a destinação mínima de recursos à área de


saúde, impinge um ônus argumentativo tremendo, a ser sindicalizado em cada caso concreto.
Não realizar essa alocação percentual mínima em benefício de vg despesas supérfluas ou
voluptuárias resta praticamente insustentável. Não se trata de garantir um núcleo essencial
intangível, mas assegurar que o trato da coisa pública seja exercido sem arbítrio, em
homenagem à razoabilidade. Esta inversão não consiste em apanágio processual para
condenação do Estado, mas em instrumento que permite uma maior transparência e controle
das “escolhas de Sofia” da comunidade política.

Induções acerca de eventuais desvios de recursos públicos tem força argumentativa


meramente dissociativa. Em havendo indícios consistentes de corrupção, essa circunstância
não é fato gerador idôneo para engendrar a consequência normativa de uma tutela protetiva a
qualquer custo. Cabe sim ao magistrado instruir o processo no sentido de apuração ex officio
de eventual improbidade do gestor administrativo, por ser questão de ordem pública, com
remessa dos autos ao Parquet. Apenas instando o Estado a provar a eficiência na aplicação de
seus recursos que se pode proceder com essa análise.

Queda aqui salientar que a inversão probatória restringe-se tão somente à gestão orçamentária
por parte do Estado e não à demonstração de imprescindibilidade da tutela pleiteada. Cabe,
portanto, à parte demandante atestar devidamente nos casos vg de direito à saúde, a
imprescindibilidade do tratamento que solicita pelo Estado, bem como a ausência de
alternativas terapêuticas menos dispendiosas ao erário. A veracidade dessas informações deve
perpassar por escrutínio pormenorizado pelo magistrado que, caso constate fraude de
profissional médico subscritor de atestados referendando a imprescindibilidade de dado
tratamento, encaminhe os autos ao parquet para que seja iniciada perquirição criminal. Busca-
se, desse modo, evitar as nefastas consequências da “indústria de juridificação da saúde”
denunciada por Marta Torres (2012).
84

O que se busca são “guideliness de boas práticas”, espécie de “clinical governance” pelo
Estado (CANOTILHO, 2008). Em suma, trata-se de incorporar mecanismos de accountability
já reconhecidos internacionalmente (PIOVESAN, 2008) na tutela de direitos que pode
fomentar a eficiência da gestão da coisa pública:

a) Power of embarras – “Poder de embaraço”; capacidade de constranger o Estado


publicizando, à opinião pública, a contradição vexatória entre o discurso político e sua práxis.
b) Shaming – “envergonhamento”, espécie de mobilização pela vergonha; possui, em linhas
gerais, a mesma conotação do conceito anterior. c) Naming – “Nomeação”; apontar os
responsáveis por determinados atos de modo a direcionar a reprobabilidade pública. d) Fact
finding – “Descoberta de fatos”; consiste em trazer a público, violações de direitos
fundamentais que, de outro modo, continuariam dissimuladas. e) Monitoring-
“Monitoramento”; fiscalização de atos públicos e políticas de governo pelos movimentos
sociais. f) Rating- “Ranqueamento”; estipulação de categorias avaliatórias e críticas aos
órgãos públicos.

O bosquejo de um modelo de governança pública pautada pela transparência das trágicas


escolhas públicas e custos dos diretos parece ser o caminho mais adequado para a tutela
dogmática dos direitos prestacionais, A atuação jurisdicional ao invés de sobrepor-se ao
Legislativo, deve antes dar-lhe a mão, contribuindo com uma prática institucionalista,
coconstruindo standards de gerência da coisa pública, densificando desse modo os direitos
fundamentais. As prestações sociais podem auferir sua máxima efetividade mais mediante
uma gestão pública adequada de recursos escassos que por um imperativismo verborrágico,
inócuo do ponto de vista jurídico, dogmático e social.

A ‘floresta tem caminhos’. É necessário descobrir os caminhos da floresta. [...] Se a


‘lógica dirigente’ está, hoje, posta em causa, isso não significa que o direito tenha
deixado de se assumir como instrumento de direção [...] a uma ‘nova estatalidade’,
uma ‘nova arquitetura do Estado’, onde se recortem novas formas institucionalizadas
de cooperação e de comunicação (CANOTILHO, 2008, p.257-258).
Essa proposta institucionalista não se identifica com o modelo criticado por Gunther Teubner
(1987) de “direito comunitário” (communal Law) “fora das cortes” (out-of-court), mas um
modelo de gestão integrada inserido (with within) na dinâmica relação interpoderes. A
formação de standards institucionais de trato da coisa pública em direção (towards) a
eficiência alocativa perpassa (não antagoniza) pela generalização de congruência de
expectativas, o que atende às exigências sistêmicas de regulação do direito e afastando-se,
outrossim, a objeção do citado autor.
85

É necessária uma translação (shift) da tarefa clássica da Jurisprudência de regulação de


conflitos (conflict regulation) para a regulação social (social regulation), aspecto central da
juridificação moderna; “‘a justiça legalista-liberal’ é substituída pela ‘justiça normativa-
tecnocrática’” (TEUBNER, 1987, p. 15).

Essa transição enseja vistosas modificações na estrutura dogmática da decidibilidade jurídica,


na qual o “propósito da norma” (purpose in Law) torna-se diretriz hermenêutica hegemônica
no quadro de um “direito responsivo” (responsive Law) voltado à orientação de resultados
(TEUBNER, 1987). É nesse quadro que o movimento interpretativo passa a incorporar com
mais vigor a análise econômica do direito e os custos trágicos dos direitos, tão descurados
pela cultura jurídica tradicional.
86

6 CONCLUSÃO

Os Direitos Fundamentais podem, decerto, ser enxergados em sua “irrenunciável dimensão


utópica” (PEREZ LUÑO, 2006, p. XX), afinal, nos dizeres de José Saramago (2001, p.113)
“são os sonhos que seguram o mundo da sua órbita”. Contudo, não se pode perder de vista
que ideias-guias, utopias, são em si inalcançáveis. A denegação in concreto de um direito
prima facie não afasta esse matiz libertário, mas estabelece contornos em face da realidade.
Pode-se aspirar às estrelas, mas caminha-se com os pés no chão. Os direitos não nascem em
árvores (GALDINO, 2005) e tampouco alcançam o céu (LOWENSTEIN, 1964). Toda
decisão tem custos, e é mais adequado reconhecer essa circunstância que (in) conscientemente
negá-la. A problemática de definição de critérios que permitam no campo da Ciência do
Direito diferenciar fundamentações adequadas ou inadequadas é tarefa da teoria da
argumentação jurídica. Sua aplicação, contudo, não conduz a um único resultado em cada
caso concreto, sendo sujeita a valorações não dedutíveis do material normativo preexistente.

O nó górdio é justamente saber em que medida é possível controlar racionalmente essas


valorações. Entre o discursivamente impossível e o discursivamente necessário, há espaço
para o discursivamente crível (ALEXY, 2008). Essa abertura, característica da Teoria dos
Princípios, não enseja uma espécie de “genoma jurídico”, do qual qualquer decisão pode ser
derivada e o legislador constitucional perderia sua autonomia. O que se propugna é uma
intensificação do controle recíproco das escolhas alocativas da comunidade política em um
modelo de coordenação entre poderes.

Para realizar esse mister, cabe ao Judiciário trazer à tona toda tragidicidade do direito,
fazendo emergir das catacumbas obscuras das “razões de Estado”, quais escolhas foram feitas
pelos representantes do povo; avalizar se estas foram eficientes e proporcionais. A atribuição
(e o peso) da escolha não cabe apenas a uma espécie de demiurgo Legislativo, embora sua
precedência deliberativa formal seja inegável. A pedra de toque da ordem democrática não
consiste na delegação em branco de poderes ao Parlamento supostamente onisciente e
infalível. Nesse orbe, o “Juiz Pilatos” (FREIRE JÚNIOR, 2005) não pode dar lugar ao “Juiz
Messias”, para ficar na alusão bíblica. O magistrado deve ser arauto da eficiência da alocação
de recursos em um ambiente de escassez. Para tanto, não deve ater-se a uma indiferença
solipsista, consubstanciada no ato de “lavar as mãos” diante de uma pretensa irreversibilidade
das decisões alocativas do legislador.
87

Contudo, tampouco cabe iludir-se diante de uma prodigalidade utópica, alicerçada na ilusão
de poder “multiplicar os peixes” de modo a subtrair-se da angústia de que a decisão
juridicamente mais adequada pode ocasionar, em seu extremo, a morte de um indivíduo.
Decisões como esta são inexoráveis. O magistrado terá de carregar esse peso para o resto de
sua existência. Esse é o fardo dos que julgam, os quais não podem eximir-se de sua
responsabilidade.

A justiça envolve escolhas trágicas, sendo seu traço indelével a insatisfação consigo mesma,
uma perpétua condição aporética “pelo que ainda não existe” (noch nicht geworden), nos
dizeres de Zygmunt Bauman (1998). Destarte, a publicização das escolhas e alocações
orçamentárias através do processo judicial permitem uma maior difusão das opções políticas
do corpo social, fomentando a participação em foros democráticos. O poder há de ser
exercido “sem máscara” (BOBBIO, 1986).

Perceba-se, mais do que o Judiciário negar provimento a demandas inconcebíveis diante da


reserva do possível, é de importância fundamental fazer emergir a discussão sobre as
“escolhas de Sofia” a que se volta o Estado de Direito. Negar pedidos sem abrir essa “caixa de
Pandora” em nada contribui para fomentar a eficiência dos direitos fundamentais, a
maximização da riqueza social, ou realizar o fim último do direito: a justiça. Não cabe ao
Judiciário apenas fechar portas, mas apontar caminhos.
88

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