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TEORIA CRÍTICA

DOS DIREITOS HUMANOS


NO SÉCULO XXI
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Chanceler:
Dom Dadeus Grings

Reitor:
Joaquim Clotet

Vice-reitor:
Evilázio Teixeira

Conselho Editorial:
Alice Therezinha Campos Moreira
Ana Maria Tramunt Ibaños
Antônio Carlos Hohlfeldt
Draiton Gonzaga de Souza
Francisco Ricardo Rüdiger
Gilberto Keller de Andrade
Jaderson Costa da Costa
Jerônimo Carlos Santos Braga
Jorge Campos da Costa
Jorge Luis Nicolas Audy (Presidente)
José Antônio Poli de Figueiredo
Lauro Kopper Filho
Maria Eunice Moreira
Maria Helena Menna Barreto Abrahão
Maria Waleska Cruz
Ney Laert Vilar Calazans
René Ernaini Gertz
Ricardo Timm de Souza
Ruth Maria Chittó Gauer

EDIPUCRS:
Jerônimo Carlos Santos Braga – Diretor
Jorge Campos da Costa – Editor-chefe
Alejandro Rosillo Martínez / Amilton Bueno de Carvalho
Antonio Carlos Wolkmer / Antonio Salamanca Serrano
Asier Martínez de Bringas / César Augusto Baldi
David Sánchez Rubio / Helio Gallardo
Henrique Marder da Rocha / Joaquín Herrera Flores
José Carlos Moreira da Silva Filho / Juan Antonio Senent de Frutos
Juan Carlos Suárez / Maria José González Ordovás
Maria Lúcia Karam / Nicolás Angulo Sánchez
Raúl Fornet-Betancourt / Ricardo Timm de Souza
Salo de Carvalho / Silvia Rivera Cusicanqui

TEORIA CRÍTICA
DOS DIREITOS HUMANOS
NO SÉCULO XXI

Porto Alegre, 2008


© EDIPUCRS, 2008

Capa: Vinícius Xavier

Preparação de originais:
Eurico Saldanha de Lemos

Revisão:
da organizadora

Editoração e composição:
Phenix Produções Gráficas

Impressão e acabamento:

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


T314 Teoria crítica dos direitos humanos no século XXI / Alejandro Rosillo
Martínez... [et al.]. – Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.
522 p.
Apresenta textos em português e espanhol.
ISBN 978-85-7430-776-3
1. Direitos Humanos. 2. Teoria Crítica. 3. Filosofia do Direito.
4. Pluralismo (Direito). 5. Multiculturalismo. I. Martínez, Alejan-
dro Rosillo.
CDD 341.27

Ficha Catalográfica elaborada pelo


Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS

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Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Editora
AUTORES

ALEJANDRO ROSILLO MARTÍNEZ – Professor de Filosofia do Di-


reito na Universidade Autónoma de San Luis Potosí, México.
AMILTON BUENO DE CARVALHO – Desembargador do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil.
ANTONIO CARLOS WOLKMER – Professor do Programa de Pós-
graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, Brasil.
ANTONIO SALAMANCA SERRANO – Professor Convidado da
Universidade Autônoma San Luis Potosí, México.
ASIER MARTÍNEZ DE BRINGAS – Investigador do Instituto de
Direitos Humanos da Universidade de Deusto e membro do IPES,
Pamplona, Espanha.
CÉSAR AUGUSTO BALDI – Mestre em Direito (ULBRA/RS), Espe-
cialista em Direito Político (UNISINOS), Assessor da Presidência
do TRF/4ª Região, Porto Alegre, Brasil.
DAVID SÁNCHEZ RUBIO – Professor Titular de Filosofia do Direi-
to da Universidade de Sevilha, Espanha.
HELIO GALLARDO – Professor de Filosofia da Universidade da
Costa Rica, San José, Costa Rica.
HENRIQUE MARDER DA ROCHA – Assessor de Desembargador
no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Brasil. Mestre em
Filosofia (PUCRS).
JOAQUÍN HERRERA FLORES – Diretor do Programa de Doutorado
em Derechos Humanos y Desarrollo, Universidade Pablo de Olavi-
de, Sevilha, Espanha.
JOSÉ CARLOS MOREIRA DA SILVA FILHO – Mestre (UFSC) e
Doutor em Direito (UFPR). Professor do Mestrado em Direito da
Unisinos, São Leopoldo, Brasil.
JUAN ANTONIO SENENT DE FRUTOS – Professor de Filosofia do
Direito, Universidade de Sevilha, Espanha.
JUAN CARLOS SUÁREZ – Professor Titular de Filosofia na Univer-
sidade de Sevilha, Espanha.
MARIA JOSÉ GONZÁLEZ ORDOVÁS – Professora da Universida-
de de Zaragoza, Espanha.
MARIA LÚCIA KARAM – Juíza de Direito aposentada, ex-Juíza
auditora da Justiça Militar Federal, coordenadora no Rio de Janeiro
do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Brasil.
NICOLÁS ANGULO SÁNCHEZ – Doutor em Direito, Espanha.
RAÚL FORNET-BETANCOURT – Catedrático de Filosofia na Uni-
versidade de Bremen e membro do Instituto Missio (Aachen), Ale-
manha.
RICARDO TIMM DE SOUZA – Professor dos Programas de Pós-
graduação em Filosofia e Ciências Criminais da PUCRS, Porto Ale-
gre, Brasil.
SALO DE CARVALHO – Mestre (UFSC) e Doutor em Direito (UFPR).
Professor Titular de Direito Penal e de Criminologia na PUCRS.
SILVIA RIVERA CUSICANQUI – Professora da Oficina de História
Oral Andina-UMSA, La Paz, Bolívia.
SUMÁRIO

Apresentação ..................................................................... 7
Presentación ...................................................................... 11
I. Teoria Crítica Dos Direitos Humanos .......................... 13
1. Derechos Humanos, Liberación y Filosofía de la
Realidad Histórica – Alejandro Rosillo Martínez ............. 15
2. Direitos Humanos no Século XXI: A Reconfiguração
Contemporânea da Questão desde a Crítica da
Idéia Moderna de Liberdade – Ricardo Timm de Souza . 46
3. Sujeto Libre Ante la Ley. Contexto Actual y Posibilidad
de Recuperación – Juan Antonio Senent de Frutos .......... 68
4. Paz, Seguridad, Desarme, Desarrollo y
Derechos Humanos – Nicolás Angulo Sánchez ................ 97
5. ¿Revolución de los Derechos Humanos
de los Pueblos o Carta Socialdemócrata a
Santa Claus? – Antonio Salamanca Serrano .................... 122
6. El Potencial Epistemológico y Teórico de la
Historia Oral: De la Lógica Instrumental a la
Descolonización de la Historia – Silvia Rivera Cusicanqui .. 154
II. Pluralismo Jurídico e Multiculturalismo .................... 177
7. Pluralismo Jurídico e Direitos Humanos: Dimensões
Emancipadoras – Antonio Carlos Wolkmer ...................... 179
8. Pluralismo Jurídico y Emancipación Social
(Aportes Desde la Obra de Antonio Carlos Wolkmer)
– David Sánchez Rubio ..................................................... 200
9. Cultura y Derechos Humanos: La Construcción
de los Espacios Culturales – Joaquín Herrera Flores ....... 223
10. Los Pueblos Indígenas Ante la Construcción de los
Procesos Multiculturales. Inserciones en los Bosques
de la Biodiversidad – Asier Martínez de Bringas ............. 265
11. Da Diversidade de Culturas à Cultura da
Diversidade: Desafios dos Direitos Humanos
– César Augusto Baldi ....................................................... 295
12. De la Importancia de la Filosofía Intercultural
para la Concepción y el Desarrollo de Nuevas
Políticas Educativas en América Latina
– Raúl Fornet-betancourt ................................................... 320
13. Direitos Indígenas e Direito à Diferença:
O Caso Do Morro Do Osso Em Porto Alegre
– José Carlos Moreira da Silva Filho ................................. 336
III. Gênero e Direitos Humanos ...................................... 361
14. Violencia Invisible, Derechos Humanos e
Igualdad de Género – Juan Carlos Suárez ....................... 363
15. Proibições, Crenças e Liberdade: O Debate
sobre o Aborto – Maria Lúcia Karam ............................... 391
IV. Direitos Humanos, Controle Social e
Crítica ao Sistema de Justiça Penal ................................ 413
16. Lucha Social, Pinochet y la Producción
de Justicia – Helio Gallardo .............................................. 415
17. La Ciudad en Clave de Riesgo: El Derecho
a la Seguridad o la Obsesión por Ella
– Maria José González Ordovás ........................................ 437
18. A Radicalização Garantista na Fundamentação das
Decisões – Uma Abordagem a partir do Tribunal
– Amilton Bueno de Carvalho e Henrique Marder da Rosa .. 461
19. Criminologia, Garantismo e Teoria Crítica dos
Direitos Humanos: Ensaio sobre o Exercício dos
Poderes Punitivos – Salo De Carvalho ............................. 476
APRESENTAÇÃO

A presente publicação é a consolidação do intercâmbio


realizado entre o Programa de Pós-graduação em Ciências
Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUCRS), Porto Alegre, e o Curso de Doutorado em
Derechos Humanos y Desarrollo da Universidad Pablo de Ola-
vide (UPO), Sevilha.
Trata-se da terceira edição do projeto Anuário Ibero-
Americano de Direitos Humanos, publicado inicialmente em
2001/2002. O segundo volume, intitulado Direitos Humanos
e Globalização: fundamentos e possibilidades desde a Teoria
Crítica, apresentou os trabalhos de investigação referente ao
biênio 2003/2004. Ambos foram editados pela Editora Lumen
Juris, Rio de Janeiro.
Após breve suspensão da periodicidade, e agora inte-
grado formalmente no projeto o Departamento de Filosofia do
Direito da Universidade de Sevilha, a terceira edição (2007/
2008) é intitulada Teoria Crítica dos Direitos Humanos no
Século XXI.
Fundamental lembrar que o projeto, ao longo deste pe-
ríodo, permitiu integrar inúmeros pesquisadores ibero-ame-
ricanos que têm desenvolvido, em suas instituições, impor-
tantes trabalhos teóricos com real incidência no cotidiano das
pessoas e dos coletivos que sentem a violência da lesão aos
seus direitos fundamentais.
Assim, faz-se necessário registrar a participação ativa
dos investigadores, além dos que estão na presente edição,
que ajudaram a construir esta rede de pesquisa em Direitos
Humanos: Agostinho Ramalho Marques Neto (Universidade
Federal do Maranhão/Brasil); Alejandro Medici (Universidad
Nacional de La Plata/Argentina); Alexandre Wunderlich (PU-
CRS/Brasil); Antonio Manuel Peña Freire (Universidad de
Granada/Espanha); Carlos María Cárcova (Universidad de
10 Apresentação

Buenos Aires/Argentina); Demián Zayat (INECIP/Argentina);


Diego J. Duquelsky Gómez (INECIP/Argentina); Eduardo Raí-
ces (INECIP/Argentina); Felipe Gómez Isa (Universidad de
Deusto/Espanha); Franz J. Hinkelammert (Departamiento Ecu-
ménico de Investigaciones/Costa Rica); Geraldo Prado (Uni-
versidade Estácio de Sá/Brasil; Gilberto Bercovici (Universi-
dade de São Paulo/Brasil); Ielbo Marcus Lobo de Souza (Uni-
sinos/Brasil); Jacinto Nélson de Miranda Coutinho (Universi-
dade Federal do Paraná/Brasil); Jesús Antonio de la Torre Ran-
gel (Universidad Autónoma de Aguascalientes/México); José
Luis Bolzan de Morais (Unisinos/Brasil); José María Seco
(UPO/Espanha); Lenio Luiz Streck (Unisinos/Brasil); Luciana
Sánchez (INECIP/Argentina); Luciano Oliveira (Universida-
de Federal de Pernambuco/Brasil); Luís Fernando Massonetto
(Universidade de São Paulo/Brasil); Luis Prieto Sanchís (Uni-
versidad Castilla La Mancha/Espanha); Luís Roberto Barroso
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Brasil); Luiz Ed-
son Fachin (Universidade Federal do Paraná/Brasil); María Ana
Martínez (INECIP/Argentina); Norman José Solórzano Alfaro
UPO/Espanha); Rafael Rodríguez Prieto (UPO/Espanha); Ro-
drigo Stumpf González (Unisinos/Brasil) e Vera Regina Pereira
de Andrade (Universidade Federal de Santa Catarina/Brasil).
A troca de experiências fornecida permite a todos per-
ceber, conforme lembrou David Sanchéz Rubio em sua “Pre-
sentación” ao livro, que “fenómeno jurídico no se conciba como
un ente, un sistema o una entidad autónoma e independiente
de contexto social, cultural e histórico en el que se desarrolla.”
Desde esta perspectiva entendemos a crítica que emba-
sa os artigos expostos na publicação.

Salo de Carvalho
PUCRS, Porto Alegre, agosto de 2007
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 11

PRESENTACIÓN

Este libro es la tercera entrega de un proyecto que vio la


luz gracias a la genial propuesta realizada por mi gran amigo
y reconocido criminólogo Salo de Carvalho. Junto con el Anu-
ário Ibero-Americano de Direitos Humanos (2001/2002) y Di-
reitos Humanos e Globalização: Fundamentos e possibilida-
des desde a Teoría Crítica, ambos editados por la Editorial
Lumen Juris, nos encontramos con un conjunto de autores y
de trabajos unidos por varios puntos en común.
– En primer lugar, pocas son las publicaciones bilin-
gües que en el mundo jurídico, editan escritos tanto en portu-
gués como en español o castellano de investigadores, acadé-
micos y operadores del Derecho que desarrollan su trabajo a
uno y otro lado del Atlántico. Teniendo a Brasil como el cen-
tro de impresión y de emisión principal, nos encontramos con
una serie de artículos realizados en uno de estos dos idiomas,
poniéndose su granito de arena en promocionar y fomentar el
diálogo, siempre necesario, entre aquellas culturas latinoa-
mericanas que los hablan.
– En segundo lugar, mucho menos son los libros o re-
vistas que, en el continente latinoamericano, presentan pers-
pectivas y teorías unidas por, al menos, dos afinidades: a) La
mirada interdisciplinar y pluridimensional de sus estudios; y
b) la dimensión crítica con la que se aborda el Derecho.
a) La interidisciplinariedad permite que el fenómeno
jurídico no se conciba como un ente, un sistema o una enti-
dad autónoma e independiente de contexto social, cultural e
histórico en el que se desarrolla. Además posibilita, no solo
ubicar el mundo jurídico en su contexto social, sino también
vislumbrar y analizar su propia estructura interna pluridimen-
sional: el Derecho no solo guarda relación con el mundo de lo
económico, lo político, lo social y lo cultural, sino que el De-
12 Presentación

recho está formado por elementos políticos, económicos, so-


ciales y culturales.
b) Asimismo, las teorías críticas se caracteriza por el
inconformismo ante lo empíricamente dado y previamente
establecido, adoptando un fuerte compromiso por aquellos
colectivos que, por diversas circunstancias, sufren diversos
procesos de discriminación, marginación o exclusión por ra-
zones de género, étnicas, socioeconómicas o culturales.
– En tercer lugar, mínimas son las probabilidades de
que aparezcan trabajos y resultados de investigaciones que,
de manera transversal y conjunta, tengan a los derechos hu-
manos como principal referente e instrumento central de aná-
lisis, pero, además, vistos estos desde ópticas distintas a la
concepción oficial y predominante establecida por una cul-
tura excesivamente formalista y descaradamente positivista.
Este tercer volumen que sale a la calle, reúne y profun-
diza en estas tres dimensiones que ya aparecían el los dos
libros anteriores, y desde mi punto de vista, lo hace con gran
solvencia y extremada seriedad. Tratándose temas en clave
de derechos humanos que van desde el pluralismo jurídico y
el multiculturalismo, pasando por los problemas de género,
hasta el conflicto del control social, la seguridad y los siste-
mas punitivos, nos encontramos con una obra comprometida
que llega como aire fresco en un mundo corroído por la desi-
gualdad, la corrupción, las guerras de alta y baja intensidad y
la ausencia de una cultura de derechos humanos.
Hay que agradecer a la editorial de la Pontifícia Univer-
sidade Católica do Rio Grande do Sul y al propio Salo de Car-
valho que se posibilite al mundo académico y al mundo me-
nos académico el poder acceder a libros como este, que nos
permiten repensar el mundo del Derecho y de los derechos
humanos sin perder en ningún momento a su principal pro-
tagonista tanto creador como destinatario de sus produccio-
nes: el ser humano concreto, diferenciado y plural.
David Sánchez Rubio
En Sevilla, julio de 2007.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 13

–I–
TEORIA CRÍTICA
DOS
DIREITOS HUMANOS
1 – DERECHOS HUMANOS, LIBERACIÓN Y
FILOSOFÍA DE LA REALIDAD HISTÓRICA
Alejandro Rosillo Martínez

INTRODUCCIÓN
Una parte sobresaliente de la filosofía de Ignacio Ella-
curía busca fundamentar la praxis por la liberación, consti-
tuyéndose en un camino hacia una filosofía de la liberación.
Sin embargo, su asesinato en 1989 impidió que llegara a pre-
sentar sistemáticamente su pensamiento filosófico.1 Entre las
aportaciones de esta tarea filosófica, el método de historiza-
ción de los conceptos contiene un gran potencial para la filo-
sofía de los derechos humanos. En especial si consideramos
la importancia que esta filosofía da a conceptos como el bien
común, la justicia y los derechos humanos; conceptos sobre
los cuales el propio Ellacuría reflexionó su historización. Di-
gamos, usando las palabras de Jesús Antonio de la Torre2, que
la filosofía ellacuriana es una herramienta para la historización
de lo jurídico. En este sencillo trabajo pretendo presentar di-
cha contribución al pensamiento jurídico.

1
Después de su muerte se ha publicado ELLACURÍA, Ignacio, Filosofía de la
realidad histórica, UCA Editores, 19992 (primera edición en 1990). También
ha sido publicada en España por la Editorial Trotta. Además, la editorial de la
Universidad Centroamericana “José Simeón Cañas” (UCA) ha publicado en
tres tomos sus escritos filosóficos, en cuatro tomos tanto sus escritos teológi-
cos como sus escritos políticos, algunos de los cuales tienen buena carga filo-
sófica.
2
Cfr. DE LA TORRE RANGEL, Jesús Antonio, Liberación y justicia: la historiza-
ción de lo jurídico en Ellacuría, en “Revista de Investigaciones Jurídicas” de la
Escuela Libre de Derecho, México, 2002.
16 MARTINEZ, Alejandro R. • Derechos Humanos, Liberación y Filosofia de la Realidad Histórica

1. La realidad histórica como objeto de la Filosofía


Ellacuría parte de la filosofía de la realidad de Xavier
Zubiri para realizar un pensamiento profundamente marcado
por la realidad latinoamericana. Aunque su filosofía se
encuentra ubicada en un contexto determinado – como lo
está cualquier otra –, esto no quiere decir que sea una filosofía
parcial. Ellacuría no compartía la opinión de reducir la
filosofía latinoamericana a regionalismos, sino que desde la
realidad de nuestro continente se contribuyera de manera
profunda y seria a la filosofía universal. En efecto, enuncia
que la filosofía pretende ocuparse de lo que es últimamente
la realidad, de lo que es la realidad en cuanto totalidad. Es
así como se inserta en la clásica pregunta de la filosofía por
su objeto. Siguiendo a Zubiri, sostiene que determinar el
objeto de la filosofía no es una ocurrencia, y posiblemente
tampoco un mero punto de partida, sino el punto de llegada
de una ardua reflexión; entendiendo por objeto “aquello que
constituye el tema central de una determinada filosofía o
metafísica”3.
La filosofía zubiriana se ubica en un horizonte distinto
al de la filosofía clásica y la medieval. Mientras que el
horizonte clásico es la movilidad, y el medieval es la nihilidad,
Zubiri se ubica en el horizonte de la factualidad intramundana
que es el único al que tiene acceso el hombre como aprehensor
de la realidad. Así es como Zubiri, según Ellacuría, ha logrado
establecer lo histórico en un concepto válido de realidad,
construido no sólo desde y para la naturaleza sino desde y
para la historia4. En el curso “Estructura dinámica de la
realidad” de 1968, Zubiri formula el carácter constitutivamente
histórico de la totalidad de la realidad. Realiza el análisis del

3
ELLACURÍA, Ignacio, El objeto de la filosofía en “Filosofar en situación de
indigencia” (J.C. Scannone y G. Remolina, eds.), Universidad de Comillas,
Madrid, s/a, p. 21.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 17
dinamismo histórico y de su especificidad respecto a los otros
dinamismos de la realidad. Es decir, la realidad como una
estructura dinámica.
“La realidad no es solamente lo que es actualmente; también
está, en una o en otra forma, inmersa en eso que de una manera
más o menos vaga podemos llamar el devenir. Las cosas
devienen, la realidad deviene”5.
“La realidad como esencia es una estructura. Una estructura
constitutiva, pero cuyos momentos y cuyos ingredientes de
constitución son activos y dinámicos por sí mismos” 6.
Pero ahí no queda la tesis zubiriana, pues la historia no
es un devenir sin más. Tampoco es el desarrollo de un germen
biológico, de la materia o de un principio o espíritu absolutos.
La historia es una realidad cualitativamente nueva que, aunque
surgida de la naturaleza y subtendida dinámicamente por ella,
es más que naturaleza debido a la apertura humana y a su
realización manifestada en un hacer opcional de carácter
cuasi-creador o de una libertad absolutamente relativa, en el
que se van actualizando las posibilidades dadas en las
estructuras sociales. El dinamismo histórico es un dinamismo
de actualización de posibilidades, lo que hace que la historia
sea una estructura abierta.7 Estas posibilidades se fundan en
última instancia en la realidad en cuanto realidad: “Lo cual
significa que el mundo, la realidad en tanto que mundo, es
constitutivamente histórica. El dinamismo histórico afecta la
realidad constituyéndola en tanto que realidad. La historia
no es simplemente un acontecimiento que le pasa a unas
pobres realidades, como les puede pasar la gravitación a las

4
Cfr. ELLACURÍA, Ignacio, Filosofía y política en “Veinte años de historia de El
Salvador”, Ob. Cit., p. 51.
5
ZUBIRI, Xavier, Estructura dinámica de la realidad, Alianza Editorial – Funda-
ción Xavier Zubiri, Madrid, 1995, p. 7.
6
Ídem., p. 327.
7
Cfr. Ídem., p. 270.
18 MARTINEZ, Alejandro R. • Derechos Humanos, Liberación y Filosofia de la Realidad Histórica

realidades materiales. No: es algo que afecta precisamente al


carácter de realidad en cuanto tal”8.
Por su parte, en un famoso artículo publicado en 1981
en la Revista de Estudios Centroamericanos titulado “El objeto
de la filosofía”9, Ellacuría analiza en un primer momento las
posturas de Hegel, Marx y Zubiri respecto a cómo han
entendido el objeto de la filosofía. Después plantea que se
considere a la “realidad histórica” – ya no a la historia – como
el objeto adecuado de la filosofía, y explica cinco tesis sobre
las que apoya su posición. En resumen son las siguientes10:
I. La Unidad de la realidad intramundana. Toda realidad
constituye una sola unidad física compleja y diferenciada, de
modo que ni la unidad anula las diferencias ni las diferencias
anulan la unidad. Para Ellacuría, “la totalidad no es una
totalidad abstracta sino una totalidad concreta, que no sólo
viene más de la realidad que de la razón sino que viene de los
elementos o momentos de esa realidad: es una totalidad
plenamente cualificada y, además, está en proceso”11.
II. El carácter dinámico de la realidad intramundana.
La realidad es intrínsecamente dinámica, de modo que la
pregunta por el origen del movimiento es o una falsa pregunta
o, al menos, una pregunta secundaria. “Cada cosa real es
intrínsecamente respectiva a todas las demás en su carácter
mismo de realidad, y esa respectividad intrínseca es
constitutivamente dinámica. Surge así la funcionalidad de lo
real en tanto que real, la funcionalidad de cada cosa respecto
de todas las demás. Esta funcionalidad puede ser de muchos
tipos y no se reduce a lo que pudiera denominarse una
causalidad mecánica eficiente. Ya la determinación o
codeterminación de unas cosas por otras es una forma de

8
Ídem., p. 272.
9
ELLACURÍA, Ignacio, El objeto de la filosofía, Ob. Cit.
10
Cfr. Ídem., pp. 30 – 45.
11
Ídem., p. 32.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 19
funcionalidad, quizá la más profunda, pues lleva a un mayor
carácter de unidad, donde por codeterminación se entiende
formalmente el ser nota-de y no meramente el determinar algo
en la otra cosa, se entiende el formar conjuntamente una
unidad superior”12.
III. El carácter no unívocamente dialéctico. La realidad
siendo en sí misma sistemática, estructural y unitaria, no es
necesariamente dialéctica, al menos no es unívocamente
dialéctica. “Esta tesis no quiere negar que de hecho todo
dinamismo intramundano sea dialéctico, sino tan sólo pone
en guardia contra la tesis que sostuviera que en principio y
de derecho todo dinamismo intramundano es dialéctico de la
misma forma. No es, pues, una tesis antihegeliana o
antimarxista, sino una tesis que va contra usos mecánicos y
formalistas de la dialéctica, cosa que horrorizaría a Hegel y
más aún a Marx. La dialéctica tiene sentidos muy varios y
hay que determinar en cada caso cómo se la entiende y si se
da de hecho esa dialéctica así entendida. Al menos puede
sostenerse que no son formalmente lo mismo dinamismo
estructural y dialéctica y que, por tanto, cabe en principio
que se dé el primero sin la segunda, aunque no la segunda sin
el primero”13.
IV. El carácter procesal y ascendente de la realidad. La
realidad no sólo forma una totalidad dinámica, estructural y,
en algún modo, dialéctica, sino que es un proceso de
realización, en el cual se van dando cada vez formas más altas
de realidad, que retienen las anteriores, elevándolas. Es decir,
la realidad superior no se da separada de todos los momentos
anteriores del proceso real; se da, entonces, un más dinámico
de la realidad, que parte en y por la realidad inferior; es así
como la realidad inferior se hace presente de modos diferentes
y siempre necesariamente en la realidad superior.

12
Ídem., p. 33.
13
Ídem., pp. 33-34.
20 MARTINEZ, Alejandro R. • Derechos Humanos, Liberación y Filosofia de la Realidad Histórica

Hablando respecto a la teoría de la evolución en relación


con esta tesis, Ellacuría afirma que no depende estrictamente
de la verdad y realidad de la teoría evolutiva, pero que en ella
encuentra una buena comprobación empírica. Además, “lo
que la teoría o el hecho de la evolución añade es la explicación
procesual de por qué lo inferior se hace presente en lo superior,
cómo lo superior viene de lo inferior, cómo mantiene lo inferior
y cómo realmente lo supera sin anularlo”14.
V. La realidad histórica como objeto de la filosofía. La
realidad histórica es el objeto último de la filosofía entendida
como metafísica intramundana, no sólo por su carácter
englobante y totalizador, sino en cuanto manifestación
suprema de la realidad.
Con base en las tesis previas, Ellacuría comprende por
“realidad histórica” el último estadio de la realidad (el más
superior), en el cual se hacen presentes todos los demás.15 Opta
en hablar de “realidad histórica” y no simplemente de “historia”
porque la realidad histórica abarca todas las demás formas de
realidad (realidad material y biológica, realidad personal y
social), sobre las que está subtendida dinámicamente, a la vez
que en la realidad histórica es donde los otros tipos de realidad
dan más de sí y donde alcanzan su mayor grado de apertura: en
la realidad histórica se nos da no sólo la forma más alta de
realidad sino también el campo abierto de las máximas
posibilidades de lo real. Es decir, la realidad histórica es la
realidad entera asumida en el reino social de la libertad.16 No
se habla, entonces, de historia simplemente sino de la realidad
histórica, es decir, se toma lo histórico como ámbito histórico
más que como contenidos históricos y en ese ámbito la pregunta
es por su realidad, por lo que la realidad da de sí y se muestra
en él.

14
Ídem., pp. 36.
15
Cfr. Ídem., p. 38.
16
Cfr. Ídem., p. 38.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 21
El conocimiento de la realidad histórica necesita de un
logos histórico, no de un logos predicativo. No de una
adecuación entre entendimiento y cosa, sino que la verdad
de la realidad se dimensiona de manera prioritaria desde la
propia praxis histórica del ser humano.17
En efecto, la filosofía de la realidad histórica no es un
historicismo que margine el quehacer personal, que
desconozca la existencia de la persona humana, su creatividad
y libertad relativa, estableciendo una clase de colectivismo,
tipo hegeliano. De ser así, se perdería de vista el objeto pleno
de la filosofía, porque entonces ese objeto quedaría
disminuido, simplemente porque no entraría en él formal y
específicamente una forma de realidad: “La historia tiende a
convertirse con facilidad en historia social, en historia
estructural, donde el quehacer originario de las personas puede
quedar desdibujado y disminuido. Pero no es un peligro en el
cual ha de caerse necesariamente. Y, por otra parte, la
consideración puramente personal, incluso interpersonal y
común no explica el poder creador de la historia, cuando es
en ese poder creador y renovador, en ese novum histórico
donde la realidad va dando efectivamente de sí. Por otro lado,
sólo de la totalidad histórica, que es el modo concreto en el
cual se realiza la persona humana, en el cual el ser humano
vive, se ven adecuadamente lo que son esa persona y esa vida.
Puestos en la realidad histórica ésta exige, para su explicación
última, el estudio de la persona, de la vida, de la materia,
etcétera, mientras que la recíproca no es cierta: un estudio de
la persona y de la persona humana, al margen de la historia,
es un estudio abstracto e irreal. Y lo mismo cabe decir de la
materia o de cualquier otra forma de realidad, aunque por
distintas razones”18.

17
Cfr. Ídem., p. 40.
18
Ídem., p. 39.
22 MARTINEZ, Alejandro R. • Derechos Humanos, Liberación y Filosofia de la Realidad Histórica

Siguiendo la misma argumentación, Ellacuría sostiene


que el objeto de la filosofía debe ser la realidad histórica pues
ésta incluye más fácilmente a la realidad personal: “Así tenemos
que personas egregias no han podido dar todo de sí por cuanto
han vivido en momentos históricos que no lo posibilitan. Por
otro lado, es distinta la apertura y la creatividad innovadora de
la persona que la apertura y la creatividad de la historia. En
definitiva, la realidad histórica incluye más fácilmente la
realidad personal que ésta a aquélla”19.
En resumen, en la clásica búsqueda filosófica de ese
algo que abarca y totaliza todas las cosas, Ellacuría propone
la “realidad histórica” como objeto de la filosofía porque es la
unidad más englobante y manifestativa de realidad.

2. La praxis histórica
En su ya mencionada obra “Filosofía de la realidad
histórica”, Ellacuría analiza la presencia en la historia de las
demás formas de realidad y sus dinamismos. Sostiene que la
filosofía debe ser una reflexión sobre la “praxis histórica”,
porque es justamente en la realidad histórica donde se
actualizan las máximas posibilidades de lo real, en especial
pero no exclusivamente la posibilidad de una progresiva
liberación integral de la humanidad. “Praxis” entendida no
como un tipo de actividad humana contrapuesta a otras, sino
como “la totalidad del proceso social en cuanto transformador
de la realidad tanto natural como histórica”20 o como “la unidad
de todo lo que el conjunto social hace en orden a su
transformación”21. Por su carácter transformador, la praxis es
el ámbito donde con mayor claridad se expresa la interacción
entre el ser humano y el mundo, pues en ella las relaciones

19
Ídem., p. 39.
20
ELLACURÍA, Ignacio, Función liberadora de la filosofía en ECA 435-436, 1985,
p. 57.
21
Ídem.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 23
no son siempre unidereccionales sino respectivamente
codeterminantes.22
Ellacuría reconoce la dimensión social y personal de la
praxis histórica, basándose en la filosofía de la “inteligencia
sentiente” de Zubiri23, pensando la historia desde el concepto
de posibilidad; es decir, que la historia no puede reducirse a
sujetos o instancias fuera de ella (un macro sujeto) como lo
sostienen, por ejemplo, Hegel (Espíritu Absoluto) o Engels
(Materia). En efecto, la historia no hay que entenderla como
un progreso cuya meta estuviera prefijada. La realidad
histórica no se predice, sino que se produce, se crea a partir
de la praxis humana sobre la base del sistema de posibilidades
determinado por cada situación y momento del proceso
histórico. 24 Es así como el proceso histórico no está
determinado ni orientado por algo, sólo por lo que pueda hacer
y crear la actividad humana a partir de la apropiación de
posibilidades y según determinadas capacidades.
Pero nada nos asegura que la apropiación de
posibilidades sea la más adecuada para la instauración de la
justicia. Por eso, para Ellacuría, la praxis no es liberadora en
sí misma. El ser humano se va configurando históricamente
en virtud de las posibilidades que en cada momento recibe y
se apropia. En este sentido, la realidad histórica puede ser
principio de libertad, humanización y liberación, pero también
de alineación, dominación y opresión. De esto se desprende
su interés por plantearse la necesidad del aporte de la filosofía
a las luchas por la liberación; es decir, que la praxis histórica
sea una praxis liberadora.

22
Cfr. ELLACURÍA, Ignacio, Filosofía de la realidad histórica, Ob. Cit., p. 594.
23
Cfr. ZUBIRI, Xavier, Inteligencia y Logos, Alianza Editorial, Madrid, 1982;
Inteligencia y Razón, Alianza Editorial, Madrid, 1983; Inteligencia y Realidad,
Alianza Editorial, Madrid, 1991
24
Cfr. ELLACURÍA, Ignacio, Filosofía de la realidad histórica, Ob. Cit., p. 596.
24 MARTINEZ, Alejandro R. • Derechos Humanos, Liberación y Filosofia de la Realidad Histórica

3. Liberación y Filosofía
A través de la praxis se muestra el poder creativo del
ser humano. Este poder “está en estrecha relación con el grado
de libertad que vaya alcanzado [el hombre] dentro del proceso
histórico”25. Es así como Ellacuría entiende la libertad:
“La opción por la cual la posibilidad se convierte en realidad
implica dar poder a una posibilidad entre otras. El hombre,
por tanto, no es una realidad meramente sub-stante, sino una
realidad supra-stante, en el doble sentido de poder estar sobre
sí y de ofrecerse a sí mismo posibilidades, que no emergen
naturalmente de él, sino que debe crearlas muchas veces y debe
apropiárselas siempre. Y se las apropia en función de lo que
quiere hacer “realmente de sí”, de la figura que ha ido eligiendo
como propia más allá de cada una de las opciones particulares.
Esta determinación de lo que quiere ser y de lo que quiere
hacer en razón de lo que quiere ser, cualesquiera sean los
estímulos que acompañen este querer, es la libertad. Libertad
que es, por tanto, libertad ‘de’ la naturaleza, pero ‘en’ y ‘desde’
la naturaleza como subtensión dinámica y, sobre todo, libertad
‘para’ ser lo que se quiere ser”26.
Como señalábamos, para Ellacuría la realidad histórica
es la total y última realización de lo real, el último estadio de
realidad. Así, la historia se nos presenta como un crecimiento
de la libertad que supone un proceso de liberación progresiva
de la humanidad; liberación de la naturaleza y de todo tipo
de condicionamientos materiales, políticos y sociales. En otras
palabras, la actualización de la libertad es resultado de un
proceso de liberación. De diversas maneras, sostiene Ellacuría,
“la filosofía ha estado íntimamente vinculada con la libertad.
Esta consideración implica que es obra de hombres libres, en
pueblos libres, libres al menos de aquellas necesidades básicas

25
SAMOUR, Héctor, Filosofía y libertad en “Ignacio Ellacuría. Aquella libertad
esclarecida” (Jon Sobrino y R. Alvarado), Sal Terrae, Santander, 1999, p. 110.
26
ELLACURÍA, Ignacio, Filosofía de la realidad histórica, Ob. Cit., p. 350.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 25
que impiden ese modo de pensar que es la filosofía; pero, por
otra parte, admitimos también con nuestro autor que la
filosofía ha ejercido una función liberadora para quien filosofa
y que, como ejercicio supremo de la razón, ha liberado del
oscurantismo, de la ignorancia y de la falsedad a los pueblos”27.
Sin embargo, también existen pseudo-filosofías (más bien
ideologías) que han colaborado para mantener órdenes
establecidos lejanos a la libertad y la justicia, jugando un papel
dogmático y anulando la libre determinación de personas y
comunidades.
De todo lo anterior se desprende la función liberadora
que Ellacuría le atribuye a la filosofía, expuesta principalmente
en un trabajo titulado “Función liberadora de la filosofía”. Esta
función o contribución a la liberación no es meramente
especulativa sino práctica, y parte de darse cuenta de dos
situaciones: (a) Las mayorías populares de Latinoamérica – y
la mayor parte de la humanidad – viven estructuralmente en
condiciones de opresión y aun de represión, en la cual han
contribuido presentaciones o manifestaciones ideológicas de
ciertas filosofías y aquellas realidades socioeconómicas y
políticas que nutren dichas ideologías. (b) La ausencia de una
filosofía latinoamericana que provenga de su propia realidad
histórica y que desempeñe una función liberada respecto a
ella. Por eso, la finalidad principal y el horizonte fundamental
filosófico estarían indudablemente en la liberación de esas
mayorías. La filosofía tiene una capacidad de crítica y una
capacidad de creación y, “evidentemente, éstos son dos
poderosos factores de liberación, y no sólo de liberación
interior o subjetiva, sino también, aunque en un grado
reducido y complementario de liberación objetiva y
estructural”28.
Por una parte, la función liberadora de la filosofía se

27
ELLACURÍA, Ignacio, Función liberadora de la filosofía, Ob. Cit., p. 62.
28
Ídem., p. 47.
26 MARTINEZ, Alejandro R. • Derechos Humanos, Liberación y Filosofia de la Realidad Histórica

expresa a través de la crítica que debe estar orientada, según


Ellacuría, a desenmascarar lo que de falso, injusto y
desajustado contiene la ideología dominante como momento
estructural de un sistema social. De la misma manera, esta
actitud crítica de la filosofía también debe estar enfilada a
otras notas de la estructura social, como lo económico, lo
político, lo cultural, etcétera. Sin embargo, la prioridad la
tendrá la crítica a la ideologización pues ésta puede ser
reproducida no sólo por los aparatos teóricos sino también
por estructuras, ordenamientos y relaciones sociales.29
La ideologización, según Ellacuría, contiene los siguientes
elementos30: (a) Una visión totalizadora, interpretativa y
justificativa de cierta realidad, tras la cual se esconden
elementos importantes de falsedad e injusticia. (b) Dicha
deformación de la realidad, tiene un cierto carácter colectivo y
social que opera pública e impersonalmente. Además, responde
inconscientemente a intereses colectivos, que son los
determinantes de la representación ideologizada en lo que dice,
en lo que calla, en lo que desvía y reforma. (c) Se presenta
como verdadera, tanto por quien la produce como por quien la
recibe. (d) Se presenta usualmente con caracteres de
universalidad y necesidad, usando abstracciones y principios,
aunque la referencia es siempre a realidades concretas que
quedan justificadas en las grandes formulaciones generalizadas
y ahistóricas.

29
Cfr. Ídem., p. 47. Cabe aclarar que Ellacuría comprende el término “ideología”
como ambiguo, pues tiene un sentido positivo y necesario, y otro peyorativo.
El primero consiste en entender la ideología como “una explicación coherente,
totalizadora y valorizadora, sea por medio de conceptos, de símbolos, de imáge-
nes, de referencias, etcétera, que va más allá de la pura constatación fragmenta-
da, tanto de campos limitados como, sobre todo, de campos más generales y
aun totales” (Ídem., p. 49.). Por su parte, el sentido peyorativo reside en el factor
de ideologización existente en toda ideología, que consiste en expresar visiones
de la realidad que lejos de manifestarla, la esconden y deforman, presentando
como verdadero y justo lo que es falso e injusto.
30
Cfr. Ídem., p. 49.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 27
El peligro de la ideologización consiste en la legitimación
que puede otorgarle a un sistema injusto, en búsqueda de
mantener el status quo, pues se realza lo bueno y se oculta lo
malo que tiene, utilizando expresiones ideales que son
contradichas por los hechos reales y por los medios empleados
para poner en práctica el contenido de dichos ideales. En este
sentido, Ellacuría escribe: “Estos se dan en el sistema social
como un todo, por ejemplo, en los marcos constitucionales
que para nada reflejan la realidad o en las instituciones sociales
más restringidas como el ejército o la Iglesia, para no hablar
de los partidos políticos, cuyo discurso conceptual en nada
se adecua con la práctica cotidiana, aunque se supone, cuando
no hay patente hipocresía, que aquel discurso se mantiene
honradamente”31.
La filosofía puede ser una herramienta importante, más
no la única ni suficiente, contra los aparatos ideológicos, “si
ella misma guarda sus cautelas y no se convierte en arma de
ideologización”32. Es decir, la filosofía no debe perder su
criticidad pues es algo que, además, la ha distinguido
históricamente.33 La criticidad de la filosofía se complementa
con su fundamentalidad, por la búsqueda de fundamentos.
Cuando se indagan los “fundamentos últimos totalizantes” se
puede descubrir la des-fundamentación de los aparatos
ideológicos. En otras palabras, la filosofía se encuentra en
posibilidades de identificar y combatir lo que quiere presentarse
como fundamento real algo que en realidad es un fundamento
imaginado o falso.
Pero la labor crítica de la filosofía no se limita a su faceta
negativa. La criticidad debe partir desde algo y para algo, y en
este criticar y negar deben aparecer formulaciones positivas
y aspectos inesperados de la realidad, ocultos muchas veces

31
Ídem., p. 50.
32
Ídem., pp. 49-50.
33
Cfr. Ídem., p. 50.
28 MARTINEZ, Alejandro R. • Derechos Humanos, Liberación y Filosofia de la Realidad Histórica

por la ideologización.34 Es cuando aparece la función creadora


de la filosofía, como parte del proceso de liberación del ser
humano35. Pero no basta una filosofía dedicada a la mera
especulación. Ellacuría no se suma a aquellos filósofos que al
tratar de interpretar el mundo creen que lo manejan y
transforman36. De ahí la necesaria conexión entre filosofía y
praxis, que tiene como presupuesto que los filósofos y teóricos
sociales, desde un aspecto epistemológico, se ubiquen en el
lugar adecuado para encontrar la verdad de la realidad
histórica. Para Ellacuría este lugar es, según la configuración
actual de la realidad, las grandes mayorías populares, porque
en ellas negativa y positivamente está la verdad de la
realidad. 37 Ellacuría habla del lugar-que-da-verdad para
referirse a esta cuestión epistemológica, a este locus adecuado
para una filosofía latinoamericana con validez universal.38
La efectividad liberadora de la filosofía latinoamericana
debe partir del compromiso con una praxis histórica de
liberación. No se concibe una filosofía acompañada de un
quietismo político. De ahí que, como habíamos comentado,
al ser la realidad histórica el objeto de la filosofía, el logos
filosófico debe ser un logos histórico, es decir un logos que
sintetice la necesidad de comprensión y transformación de
una realidad que es intrínsecamente histórica. Este logos
histórico debe ser una síntesis entre un logos exclusivamente
contemplativo y un logos meramente práxico: “Un logos
histórico que (...) busca la realidad y no sólo el funcionalismo
de la realidad, pero busca la realidad en su acción y concreción
histórica. (...) un logos que tiene que ver con la historia y su

34
Cfr. Ídem., p. 52.
35
Cfr. ELLACURÍA, Ignacio, El desafío de las mayorías pobres, ECA 493-494,
1989, p. 1079.
36
Cfr. ELLACURÍA, Ignacio, Función liberadora de la filosofía, Ob. Cit., p. 53.
37
Cfr. ELLACURÍA, Ignacio, El desafío de las mayorías pobres, Ob. Cit., p. 1078.
38
Cfr. ELLACURÍA, Ignacio, Función liberadora de la filosofía, Ob. Cit., p. 60.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 29
transformación, pero también con el entendimiento de esa
historia y con la iluminación de esa transformación”39. Para
Ellacuría, la reflexión filosófica, “ejercitada desde un logos
histórico, no intenta tan sólo determinar la realidad y el sentido
de lo ya hecho, sino que, desde esa determinación y en
dirección a lo por hacer, debe verificar, hacer verdadero y real
lo que ya en sí es principio de verdad”40. Si bien, todo tipo de
actividad humana está incluido en la reflexión filosófica de
la praxis humana, Ellacuría pone énfasis en las praxis
históricas de liberación, es decir, en aquellas que actúan como
productoras de estructuras nuevas más humanizantes.
Para Ellacuría, ya decíamos, la liberación es un proceso
a través del cual el hombre va ejerciendo su libertad, va
haciéndose cada vez más libre, gracias a su estructura de
esencia abierta. “La liberación es, por lo pronto, un proceso.
Un proceso que, en lo personal, es, fundamentalmente, un
proceso de conversión y que, en lo histórico, es un proceso de
transformación, cuando no de revolución” 41 . Bajo esta
perspectiva, la liberación consiste en: Liberación de las
necesidades básicas, cuya satisfacción es necesaria para una
vida humana.42 Es lo que se debe llamar, según Ellacuría,
“liberación de la opresión material”. Liberación de las
ideologías y de las instituciones jurídico-políticas
deshumanizante43. Es la “libertad de represión”. Liberación
personal y colectiva de todo tipo de dependencia que impiden
una autodeterminación plena44. Y la liberación de sí mismo,
“pero de sí mismo como realidad absolutamente absoluta, que

39
ELLACURÍA, Ignacio, Tesis sobre la posibilidad, necesidad y sentido de una
teología latinoamericana en “Escritos Teológicos”, Tomo I, UCA Editores, San
Salvador, 2000, p. 295.
40
Ídem., p. 297.
41
ELLACURÍA, Ignacio, En torno al concepto y a la idea de liberación, en “Escri-
tos Teológicos”, Tomo I, Ob. Cit., p. 640.
42
Cfr. Ídem., p. 645.
43
Cfr. Ídem., p. 645.
44
Cfr. Ídem., p. 646.
30 MARTINEZ, Alejandro R. • Derechos Humanos, Liberación y Filosofia de la Realidad Histórica

no lo es, pero no de sí mismo como realidad relativamente


absoluta, que sí lo es”45.
Ya señalábamos que la realidad histórica no es creación
de un macro sujeto, sino que es tarea de la humanidad misma.
Por eso, para Ellacuría, no existe un paradigma único de
liberación humana que sea válido en todo tiempo y lugar.
Siempre será necesario discernir las formas, objetivos y
contenidos de la posible praxis liberadora, pues la praxis se
identifica con el proceso histórico mismo, en cuanto este
proceso es productivo y transformativo.

4. El método de historización de los conceptos


Una aplicación de los aspectos que hemos expuesto de
la filosofía ellacuariana – realidad histórica, criticidad,
creatividad, desideologización, praxis y liberación – es el
“método de historización de los conceptos”. Analicemos sus
principales características.
Un concepto historizado se contrapone a un concepto
abstracto y universal, y busca situar el contenido del concepto
en relación con la praxis histórica y descubrir cómo opera en
el proceso social. Un concepto histórico es aquel que responde
en sus contenidos a la realidad histórica; esto es así porque se
entiende por concepto un momento ideológico de la praxis
humana. Para Ellacuría, el método de historización tiene en
cuenta lo que toda acción e interpretación se deben a las
condiciones reales de una sociedad y a los intereses sociales
que las sustentan, y tiene como propósito medir no “cuál es
un determinado sentido crítico, sino cómo ha podido surgir
realmente un determinado sentido a partir de un desde dónde
físico”46.

45
Ídem., p. 646.
46
ELLACURÍA, Ignacio, Hacia una fundamentación del método teológico latino-
americano, en “Escritos Filosóficos”, Tomo III, UCA Editores, San Salvador,
2001, p. 216.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 31
Al ser momentos ideológicos de la praxis humana, los
conceptos pueden convertirse en momentos ideologizados
cuando ocultan o protegen intereses y privilegios minoritarios.
Es así como la historización hace una función de
desideologización, pues cuestiona y desfundamenta aquellos
conceptos que, por ejemplo, presentados como inmutables e
invariables por una supuesta naturaleza humana son negación,
en la realidad, de lo que dicen ser. En efecto, este método
responde a la necesidad de hacer históricos unos conceptos
abstractos y universales que, probablemente, pueden estar
protegiendo los intereses de los sectores privilegiados de una
sociedad. Diría Ellacuría, “mostrar qué van dando de sí en
una determinada realidad ciertos conceptos, es lo que se
entiende por historización”47.
Dicho método fue aplicado de manera explícita por
Ellacuría al analizar tres conceptos: bien común, derechos
humanos y propiedad privada. En efecto, sobre la base de estos
tres artículos, podemos sostener que historizar un concepto
consiste en48: (a) Verificar si en una realidad determinada se
da lo que formalmente se presenta en el concepto. (b) Descubrir
si lo que hace el concepto en esa realidad determinada está al
servicio de los intereses de grupos privilegiados, que son
precisamente los que más reivindican dicho concepto. Para
Ellacuría, “las ideologías dominantes viven de una falacia
fundamental, la de dar como conceptos históricos, como
valores efectivos y operantes, como pautas de acción eficaces,
unos conceptos o representaciones, unos valores y unas pautas
de acción, que son abstractos y universales. Como abstractos
y universales son admitidos por todos; aprovechándose de
ello, se subsumen realidades, que en su efectividad histórica,

47
ELLACURÍA, Ignacio, La historización del concepto de propiedad como prin-
cipio de desideologización, en ECA 335-336, 1976, p. 428.
48
Cfr. SERRANO, Omar, Sobre el método de la historización de los conceptos de
Ignacio Ellacuría en “Para una Filosofía liberadora”, UCA Editores, San Salva-
dor, 1995, p. 44.
32 MARTINEZ, Alejandro R. • Derechos Humanos, Liberación y Filosofia de la Realidad Histórica

son la negación de lo que dicen ser”.49 (c) Identificar cuáles


son las condiciones que impiden la realización efectiva del
concepto y cuáles son las que pueden poner en marcha el
proceso de esa realización. Ellacuría, continuando su reflexión
del párrafo arriba trascrito, afirma: “Se habla, por ejemplo, de
libertad de prensa como derecho fundamental y como
condición indispensable de la democracia; pero si esa libertad
de prensa sólo la puede ejercitar quien posee medios de
producción no adquiribles por las mayorías dominadas, resulta
que la libertad de prensa es un pecado fundamental y una
condición artera que hace imposible la democracia”50. (d) Por
último, cuantificar el tiempo prudencial para constatar un
grado aceptable de cumplimiento de lo planteado en el
concepto como un “deber ser”.
El método de historización no se detiene en conocer cómo
se actualiza en la realidad histórica un concepto, en verificar
su contenido histórico, sino también busca colaborar en su
realización y a orientar su deber ser. Supone que los conceptos
tienen que ver con realidades y no con abstracciones. Esto está
estrechamente relacionado con el ya citado logos histórico – o
la historicidad de la inteligencia –, pues los conceptos deben
ser operativos, es decir, deben ser conceptos cuya verdad se
pueda medir en sus resultados y cuyo contenido debe ir
cambiando en función del momento procesual de la realidad
histórica y según el contexto histórico en que se dan. Ellacuría
nos propone una hermenéutica histórico-realista, en
contraposición a una idealista, que busca adecuarse a lo que
es la histórica como proceso real y englobante de toda la
realidad humana, personal y colectiva-estructural; esto
tomando en cuenta el carácter práxico de la historia: “Frente
al concepto de historia como relato histórico con su propia

49
ELLACURÍA, Ignacio, La historización del concepto de propiedad como prin-
cipio de desideologización, Ob. Cit., p. 428.
50
Ídem.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 33
hermenéutica está el concepto de historia como acción
histórica, como proceso real histórico, con la hermenéutica
social e histórica, que le corresponde”51.
En conclusión, frente a la abstracción que realiza la
ideologización, el método de la historización de los conceptos
busca la verificación histórica para mostrar si es verdad y en
qué sentido lo es cualquier principio, formulación o discurso
abstracto, pues la puesta en práctica de cualquiera de ellos
muestra lo que esconde o descubre, o las insuficiencias de los
métodos utilizados para lograr sus contenidos.

5. Historización de los Derechos Humanos


Ellacuría reconoce el valor del planteamiento formal
tanto de los derechos humanos como del bien común. Pero
sostiene la insuficiencia de estos enfoques formales, ya que
sus aspectos positivos tienen que ser reasumidos en el proceso
de historización, de lo contrario serán postulados abstractos
sin ninguna incidencia en al realidad.

5.1 El bien común


Para el filósofo salvadoreño, estos dos temas de amplia
tradición en el pensamiento jurídico guardan una estrecha
conexión, pues “los derechos humanos pueden considerarse
como el despliegue del bien común de la humanidad como
un todo”52. En uno de sus trabajos titulado “Historización del
bien común y de los derechos humanos en una sociedad

51
ELLACURÍA, Ignacio, Hacia una fundamentación del método teológico lati-
noamericano, Ob. Cit., p. 199.
52
ELLACURÍA, Ignacio, Historización del bien común y de los derechos huma-
nos en una sociedad dividida, en “Escritos Filosóficos”, Tomo III, UCA Edito-
res, San Salvador, 2001., pp. 211. Este artículo constituye una ponencia de
Ellacuría en un Encuentro Latinoamericano celebrado en febrero de 1978, en
San José. Fue publicado en la revista Christus, octubre de 1979, México, pp.
42 – 48, con el título “Derechos humanos en una sociedad dividida”.
34 MARTINEZ, Alejandro R. • Derechos Humanos, Liberación y Filosofia de la Realidad Histórica

dividida”, escrito en 1978, enumera los aspectos positivos del


análisis formal del bien común; estos son53: (a) No hay bien
particular sin referencia al bien común y sin la existencia real
del bien común no puede hablarse de un bien particular, sino
tan sólo de una ventaja interesada e injusta. No hay, por tanto,
posibilidad ética de apropiación privada del bien común con
menoscabo de la comunidad de ese bien. (b) No se consigue el
bien común por acumulación de bienes individuales, esto es,
persiguiendo el interés individual, sino por la búsqueda primaria
del bien común. (c) El bien común es fundamentalmente un
conjunto de condiciones estructurales y se expresa en la justicia
de la sociedad. La justicia, como puesta en marcha del bien
común, es la virtud fundamental de la ciudad y es el norte
orientador del ciudadano y del político.
Ellacuría cuestiona este enfoque de la siguiente manera:
“¿Qué falla, entonces, en todo este planteamiento formalmente
tan razonable y progresista para que no resulte realmente
satisfactorio incluso como planteamiento? ¿Qué hay de
mistificado en la idea de un bien común que se supone
superior al bien particular?”54. A lo cual él mismo responde
que es debido a “su mismo carácter formal y su interpretación
en la línea de la abstracción idealista. Dicho en otros términos,
no tiene en cuenta las condiciones reales, sin las cuales la
persecución del bien común es engañosa. De lo cual resulta
que ni se tiene claro cuál debe ser en cada situación histórica
el contenido del bien común, ni se tiene determinado cuál es
el camino para conseguirlo. Paralelamente, no se conoce cuál
es la escala jerárquica de los derechos humanos, ni cuál es la
causa verdadera de su permanente violación estructural,
muchas veces más allá de lo que pudieran considerarse
voluntades personales”55.

53
Cfr. ELLACURÍA, Ignacio, Historización del bien común y de los derechos
humanos en una sociedad dividida, Ob. Cit., pp. 212-214.
54
Ídem., pp. 214-215.
55
Ídem., p. 215.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 35
En la realidad vemos muchas acciones que, predicadas
como bien común, en los hechos dejan de ser una totalidad
para convertirse en una parcialidad, de la cual no sólo no
disfrutan todos sino que disfrutan unos pocos, porque otros se
ven privados de disfrutar lo que han producido. Detrás de estas
acciones existe un mecanismo ideológico que desfigura de esta
manera el bien común, pues se afirma idealmente la búsqueda
de éste y no se realiza ni se historiza esa afirmación ideal y
formal. Esto en virtud de dos modos: “ante todo, no se verifica
cuán común es el bien propuesto como bien común, esto es, a
cuántos y de qué modo alcanza la utilización de ese bien común;
después, se propugna abstractamente un bien común sin que
se pongan las condiciones materiales para su realización, más
aún, poniendo aquellas condiciones materiales que hacen
imposible la realización de un auténtico bien común”56. A lo
anterior hay que añadir otro factor que colabora con la
ideologización del bien común: aceptar que el orden establecido
es un orden fundamentalmente justo, y “no se quiere ver qué
situación real de injusticia puede darse tras la apariencia de
una falta de orden, de paz y de legalidad; no se acepta que el
orden y la paz no son tales si no responden a la existencia más
radical del bien común y sólo pueden ser valorados por su
relación con él”57. Y es que una teoría del bien común que no
se posibilite su puesta en práctica en una sociedad internamente
conflictiva, que no tenga en cuenta la existencia de intereses
contrario, no puede plantear ni resolver el problema de la
superación del mal común. Lo primero que debe percatarse es
que en la realidad hay un dominio del “mal común”,
entendiéndose esto como “aquel mal estructural y dinámico que,
por su propio dinamismo estructural, tiene la capacidad de hacer
malos a la mayor parte de los que constituye una unidad social”58.

56
Ídem., p. 216.
57
Ídem., p. 216.
58
ELLACURÍA, Ignacio, El mal común y los derechos humanos, en “Escritos
Filosóficos”, Tomo III, Ob. Cit., p. 448.
36 MARTINEZ, Alejandro R. • Derechos Humanos, Liberación y Filosofia de la Realidad Histórica

La historización, en este caso, busca comprobar si un


bien supuestamente general es común, si está siendo
comunicado a todos los miembros de la sociedad. Para esto es
importante caer en la cuenta de que “una sociedad en conflicto,
que es la realmente existente, obliga a plantear el problema
del bien común y, consecuentemente, de los derechos
humanos en términos muy precisos, que no pueden ser
borrados por una consideración ingenua y abstracta del bien
común”59. Pero no basta con percatarse de que da de sí un
bien supuestamente común en un momento determinado, sino
la orientación del proceso; pero no una orientación ideal, sino
su orientación real.
La actual configuración mundial está dominada por
estructuras de “mal común”, pero que mitifican el bien común.
Donde la defensa de los “derechos” de unos cuantos va en
detrimento de la vida digna de la mayoría; en este sentido es
claro que hay un predominio de la parte sobre el todo. Como
señala Ellacuría, “el presunto bien común es, en este contexto,
tan sólo un marco formal que permite legalmente la negación
del bien común real”. En este sentido, uno de los instrumentos
utilizados para mitificar, para darle un uso ideologizado al
bien común suele ser el Estado60.
Ellacuría busca determinar los pasos a seguir para
plantearse históricamente el problema del bien común y de
los derechos humanos. Para lo cual señala que se debe tener
en cuenta que la verdad real de un proceso histórico está en
los resultados objetivos de ese proceso; no bastan las buenas
intenciones. Además, la verdad real está en la participación
del bien común y en el estado real de la mayoría de los
hombres y los ciudadanos, pues no es suficiente con los
resultados obtenidos ni los bienes que obtienen unas minorías.

59
ELLACURÍA, Ignacio, Historización del bien común y de los derechos huma-
nos en una sociedad dividida, Ob. Cit., p. 219.
60
Cfr. Ídem., pp. 220-221.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 37
De lo cual se desprende que “el tercer mundo es la verdad del
primer mundo y las clases oprimidas son la verdad de las
clases opresoras”61. Con lo cual volvemos al ya mencionado
“lugar-que-da-verdad”; es decir, desde la realidad de las
mayorías oprimidas debe verse la verdad del bien común. En
este sentido, es necesario un proceso de liberación porque
sólo mediante este proceso podrá llegar a hablarse de un
verdadero bien común, que pueda ser participado de manera
equitativa por todos los integrantes de la humanidad.
Contra el “mal común” imperante, el proceso de
liberación deberá apuntar hacia el “bien común”. Éste será,
por tanto, un bien realmente común, “cuando tenga la
capacidad de afectar con su bondad a la mayor parte; segundo,
cuando tenga de por sí esa comunicabilidad bienhechora;
tercero, cuando tenga un cierto carácter estructural y
dinámico”62. En otras palabras, se trata de hacer justicia
estructural e institucional que posibilite eficazmente a que la
mayor parte de los individuos puedan satisfacer sus necesidades
básicas y puedan construir personalmente sus vidas. Lo cual
conlleva a evitar que unas minorías se aprovechen del bien
que a todos pertenece, pues “el bien común atiende al todo de
la sociedad, pero no puede atender de la misma forma a todos
los miembros de la sociedad, si es que en ella se dan sectores
que son negadores del bien común”63.
Por último, Ellacuría no acepta el colectivismo que deja
en manos exclusivas del Estado la realización del bien común,
ni tampoco admite, como hemos visto, que el bien común se
logre por la mera suma de la consecución del bien propio. Su
posición requiere de la participación de la sociedad: “La
discusión del bien común debe proponerse en términos

61
Ídem., p. 222.
62
ELLACURÍA, Ignacio, El mal común y los derechos humanos, Ob. Cit., p. 449.
63
ELLACURÍA, Ignacio, Historización del bien común y de los derechos huma-
nos en una sociedad dividida, Ob. Cit., p. 224.
38 MARTINEZ, Alejandro R. • Derechos Humanos, Liberación y Filosofia de la Realidad Histórica

predominantemente sociales y, por lo tanto, con la participación


inmediata del mayor número de integrantes de la sociedad.
Visto el bien común desde la sociedad, lo que se está
propugnando es la tarea utópica de la comunicación de bienes
y tras ella se esconde la persuasión de que negando el interés
privativo del egoísmo individual es como se realiza a una el
hombre y la sociedad comunitaria”64.

5.2 Los Derechos Humanos


Ellacuría entiende, en un primer momento, los derechos
humanos como algo debido cuya carencia o disfrute
condiciona seriamente el propio desarrollo humano; son la
concreción del bien común, o en sentido negativo, la
superación del mal común: “Una consideración de los
derechos humanos desde esta perspectiva del mal común
dominante los mostraría como el bien común concreto, que
debe ser buscado en la negación superadora del mal común,
que realmente se presenta como una situación en el que son
violados permanente y masivamente los derechos humanos”65.
No obstante, se debe ser consciente de que los derechos
humanos son momentos ideologizados de la praxis humana y
por eso necesitan de su historización. De lo contrario son sólo
una abstracción sobre la cual se predican principios que nada
tienen que ver con la realidad, y aunque esos principios sean
parte de su “deber ser”, el darlos por asentados sin realizar su
verificación histórica conlleva a un uso ideologizado. Tal es el
caso de la “universalidad” que se predica sobre estos derechos.
La necesidad de historizar los derechos humanos surge
de su complejidad, pues en ellos no sólo confluye la dimensión
universal del ser humano con la situación realmente distinta
en la que desarrollan su vida los hombres, sino que además

64
Ídem., p. 225.
65
ELLACURÍA, Ignacio, El mal común y los derechos humanos, Ob. Cit., p. 449.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 39
fácilmente son utilizados ideológicamente no al servicio del
hombre y su liberación, sino a los intereses de unos grupos
que oprimen a otros. La historización de los derechos
humanos, nos dice Ellacuría, no consiste formalmente en
contar la historia del concepto, ni tampoco relatar la historia
real connotada, sino que trata en 66 (a) la verificación práxica
de la verdad-falsedad, justicia-injusticia, ajuste-desajuste que
se da del derecho proclamado; (b) la constatación de si el
derecho proclamado sirve para la seguridad de unos pocos y
deja de ser efectivo para los más; (c) el examen de las
condiciones reales, sin las cuales no tienen posibilidad de
realidad los propósitos intencionales; (d) la desideologización
de los planteamientos idealistas, que en vez de animar a los
cambios sustanciales, exigibles para el cumplimiento efectivo
del derecho y no sólo para la afirmación de su posibilidad o
desiderabilidad, se conviertan en obstáculo de los mismos; y
(e) la introducción de la dimensión tiempo para poder
cuantificar y verificar cuándo las proclamaciones ideales
pueden convertirse en realidades o alcanzar, al menos, cierto
grado aceptable de realización.
La universalidad es una de las características de los
derechos humanos que con mayor facilidad puede caer en la
abstracción, en una mistificación semejante a lo que sucede
con el bien común y, por tanto, en la ya tan reiterada
ideologización. En efecto, Ellacuría nos da cuenta de que las
primeras declaraciones de derechos humanos, aún cuando se
proclamaron como “para todos los hombres” y se sostuvo su
“universalidad”, en la práctica son derechos limitados a una
forma determinada de ser hombres67. Esto debido, en parte, a
que en el proceso real de surgimiento de los derechos humanos

66
Cfr. ELLACURÍA, Ignacio, Historización de los derechos humanos desde los
pobres oprimidos y las mayorías populares, en “Escritos Filosóficos”, Tomo
III, Ob. Cit., p. 434.
67
Cfr. Ídem., p. 437.
40 MARTINEZ, Alejandro R. • Derechos Humanos, Liberación y Filosofia de la Realidad Histórica

se aprecia el siguiente esquema: situación de agravio


comparativo, conciencia de ese agravio comparativo
(desigualdad, hechos de opresión, formas de explotación, entre
otras), apropiación de esa conciencia por una clase social,
objetivización de esa protesta y, cuando tras una lucha se ha
logrado el triunfo, justificación con referencias ideales de todo
tipo. En este sentido, las ya referidas declaraciones como la
Carta Magna (1215), el Bill of Rights (1689), o la Declaración
de Virginia (1776) son producto de la lucha de determinados
grupo que, contando ya con la base material y la conciencia
suficiente, se consideraban privados de algo que les pertenecía,
pero que sus referencias ideales no concordaron con la realidad
y fueron usadas ideológicamente para la defensa ahora de sus
derechos. Por eso Ellacuría establece que este proceso es
positivo pero a la vez limitado y muestra claras referencias al
carácter ideologizado de esta concepción de los derechos
humanos, pues “aunque abren un ideal positivo y muestran
un método eficaz de lucha para hacer que el derecho sea real,
muestran al mismo tiempo su carácter inhumano y se vuelven
a convertir en la fuerza legitimadora de los poderosos”68. Y es
que la mera condición de ser humano parece no ser todavía
suficiente para poder exigir y disfrutar de los derechos
humanos. Se necesita ser miembro reconocido de una sociedad
o clase social que cuente con las condiciones materiales para
ejercerlos efectivamente; es decir, vale más la ciudadanía que
el hecho de ser persona.
Lo anterior muestra que para alcanzar una perspectiva
y validez universal de los derechos humanos es necesario tener
en cuenta el “para” quién y “para” qué se proclaman. Para
Ellacuría, consecuente con su filosofía y praxis, estos “para”
deben ser desde los pueblos oprimidos y desde las mayorías
para o en busca de su liberación. Esto en función de que son

68
Ídem., p. 437.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 41
la realidad más universal y donde los derechos humanos son
negados sistemáticamente. Además, a partir de este lugar
epistemológico se adquiere una posición crítica sobre la
doctrina de los derechos humanos; desde la cual, por ejemplo,
no se acepta ingenuamente una posición eurocéntrica que
identifique el proceso de los países primermundistas con la
dirección global del proceso histórico, y es capaz de denunciar
“la mentira de los países ricos y de las clases poderosas
dominantes, que tratan de aparentar el que en ellos se da el
pleno cumplimiento de los derechos humanos, cuando lo que
se da es el disfrute de derechos nacionalistas, mediante la
negación efectiva de los derechos que competen a la
humanidad en su conjunto”69.
Así, la historización exige buscar la raíz más profunda
de la negación de los derechos humanos, que debe verse desde
dos polos: desde la realidad negada, que no puede llegar a ser
aquello que podría y debería ser precisamente porque se lo
impiden, y desde la realidad negadora, sea ésta personal,
grupal, estructural, institucional, etcétera. Este es un proceso
dialéctico donde la teoría interviene para descubrir la
historicidad del derecho negado y deseable, y donde praxis
debe luchar por la realización de la justicia, y para lograr
superar la realidad negadora de dicho derecho. Es la lucha
por los derechos humanos como expresión más clara de una
conciencia madura al respecto: “(...) los derechos humanos
deben ser primariamente derechos de los oprimidos, pues los
opresores no pueden tener derecho alguno, en tanto que
opresores, y a los sumo tendrán el derecho a que se les saque
de su opresión. Sólo haciendo justicia a los pueblos y a las
clases oprimidas se propiciará su auténtico bien común y los
derechos humanos realmente universales”70.

69
Ídem., p. 443.
70
ELLACURÍA, Ignacio, Historización del bien común y de los derechos huma-
nos en una sociedad dividida, Ob. Cit., p. 223.
42 MARTINEZ, Alejandro R. • Derechos Humanos, Liberación y Filosofia de la Realidad Histórica

Con estas bases, la historización de los derechos


humanos desde los pueblos oprimidos muestra que el
problema radical es “el de la lucha de la vida en contra de la
muerte, es la busca de lo que da vida frente a lo que la quita o
da muerte”71. Una lucha contra la muerte en diversos grados –
social, personal, estructural –, no sólo restringiendo la vida a
la biológica sino a todo tipo de vida, y que se expande a
diversos planos: el de la libertad, el de la justicia, el de la
dignidad, el de la solidaridad, entre otros. Por otro lado, “la
lucha de la vida en contra de la muerte” constituye un
principio fundamental para plantearse el problema de los
distintos derechos humanos y su jerarquización. Ellacuría nos
percata de que en los hechos se da el disfrute de unos derechos
no fundamentales (y muchas veces superfluos) por unos pocos,
y estos se constituyen en una causa real para que la mayor
parte se vea privada o desprovista de sus derechos
fundamentales, de aquellos que aseguran la vida, por lo menos
biológica: “No podrían los pocos (grupos humanos o países)
disfrutar de lo que consideran sus derechos, si no fuera por la
violación o la omisión de esos mismos derechos en el resto de
la humanidad. Sólo cuando se acepte esto, se comprenderá la
obligación de los pocos a resarcir el mal hecho a los muchos y
la justicia fundamental al exigir lo que realmente les es debido.
No puede darse la muerte de muchos para que unos pocos
tengan más vida; no puede darse la opresión de la mayoría
para que una minoría goce de libertad”72.
En conclusión, no basta el discurso ni la implementación
de los derechos humanos en textos legales nacionales o
internacionales, pues se corre el peligro de que los derechos
humanos se reduzcan a una normatividad absoluta y abstracta,
independiente de toda circunstancia histórica, y que

71
ELLACURÍA, Ignacio, Historización de los derechos humanos desde los pobres
oprimidos y las mayorías populares, Ob. Cit., p. 439.
72
Ídem., p. 442.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 43
probablemente consista en una forma velada de defender lo
ya adquirido o adquirible en el futuro por los más fuertes. La
lucha por los derechos humanos debe consistir no sólo en un
triunfo de la razón sobre la fuerza, sino en hacerle justicia al
oprimido, al débil, contra el opresor, a través de una praxis
que supere las realidades negadoras de los derechos humanos.
En efecto, es necesario comprender la justicia – y los derechos
humanos como una de sus concreciones – como el objetivo
primario del proceso de liberación; pero una “justicia de todos
para todos, entendiendo por justicia que cada uno sea, tenga
y se le dé, no lo que se supone que ya es suyo, porque lo
posee, sino lo que le es debido por su condición de persona
humana y de socio de una determinada comunidad y, en
definitiva, miembro de la misma especie, a la que en su
totalidad psico-orgánica corresponde regir las relaciones
correctas dentro de ella misma y en relación con el mundo
natural circundante. Puede decirse que no hay justicia sin
libertad, pero la recíproca es más cierta aún: no hay libertad
para todos sin justicia para todos”73.

CONCLUSIÓN
El método de historización es una forma peculiar para
enfrentarse a la realidad. Se origina de una filosofía que se
comprende como saber historizador, que se piensa desde y
para una realidad concreta, y que es fruto de comprender la
historia como apropiación de posibilidades. La historización
de los derechos humanos desde la realidad negadora y desde
una perspectiva que descubra cuál es el rostro histórico del
derecho deseable y posible, constituye una dialéctica que le
otorga un gran valor a la utopía: “Se da aquí una relación entre
utopía y denuncia que mudamente se potencian. Sin una cierta

73
ELLACURÍA, Ignacio, En torno al concepto y a la idea de liberación en “Escri-
tos Teológicos”, Tomo I, Ob. Cit., p. 647.
44 MARTINEZ, Alejandro R. • Derechos Humanos, Liberación y Filosofia de la Realidad Histórica

apreciación, al menos atemática de un ideal utópico, que es


posible y es exigible, no puede darse la toma de conciencia
de que algo puede ser superado; pero sin la constatación
efectiva, cuyo origen puede ser múltiple y complejo en el orden
biológico, psicológico, ético, social, cultural, político, etc., de
que se da una negación, que es privación y violación, la toma
de conciencia no se convierte en exigencia real y en dinamismo
de la lucha”74.
La filosofía de la realidad histórica otorga al iusfilósofo
un marco conceptual para repensar críticamente los derechos
humanos, yendo más allá del método de historización que
aplicó el propio Ellacuría. Así, por ejemplo, otorga elementos
para realizar un iusnaturalismo de corte histórico, no sólo
respecto al bien común y a los derechos humanos, sino en
todo su planteamiento. Como señala Jesús Antonio de la Torre,
“es importante señalar que el gran peligro que afronta el
iusnaturalismo es el de su ahistorización, es decir, en reducirse
a conceptos bonitos pero vacío de contenidos reales. Para
aceptar la validez de los postulados iusnaturalistas, es
necesario historizar la justicia y el bien común. Pues si el
Derecho y el Estado se dan en la historia, son reales, la justicia
y el bien común deben ser también históricos, reales, si no,
me atrevería a decir que el iusnaturalismo es ineficaz, que no
tiene factibilidad humana, por su incapacidad de hacer
históricos sus postulados. Y una doctrina sin realidad, que no
es factible, es mera ideología, no incide mayormente en las
relaciones reales entre los hombres”75 .
Además, la filosofía de la realidad histórica permite
comprender que tanto el universalismo de los derechos
humanos como su contraparte, el relativismo, tienen

74
ELLACURÍA, Ignacio, Historización de los derechos humanos desde los po-
bres oprimidos y las mayorías populares, Ob. Cit., p. 438.
75
DE LA TORRE RANGEL, Jesús Antonio, Derechos humanos desde el iusnatu-
ralismo histórico analógico, Porrúa – UAA, México, 2001, p. 72.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 45
momentos ideológicos que desenmascarar. Ambas posturas
deben ser historizadas para, yendo más allá de sus discursos
abstractos, describir la función que realizan a favor o en contra
de los procesos de liberación. Aunado a lo anterior, se reafirma
que el proceso de los derechos humanos es algo inacabado,
en el cual pueden generarse nuevos derechos y darse nuevas
interpretaciones de los existentes. Así, los derechos humanos
no son un producto histórico que haga acto ciertas potencias
establecidas desde siempre en el ser humano, sino que es
producto de la praxis humana dentro de un momento de la
historia que otorga ciertas posibilidades, como parte de su
hacerse cargo de la realidad. Por eso, si la realidad actual es
drásticamente diferente a la realidad donde se generaron las
primeras declaraciones de derechos, la concepción, filosofía
y defensa de estos, si efectivamente quieren ser parte de las
luchas de liberación de los pueblos y grupos sociales, de sus
resistencias ante los excesos de todo tipo de poder, deben
repensarse y evitar caer, según palabras de David Sánchez
Rubio, en una cultura anestesiada de los derechos humanos.76

76
Cfr. SÁNCHEZ RUBIO, David, Contra una cultura anestesiada de los dere-
chos humanos, UASLP – CEDH, San Luis Potosí, 2007.
46

2 – DIREITOS HUMANOS NO
SÉCULO XXI: A RECONFIGURAÇÃO
CONTEMPORÂNEA DA QUESTÃO
DESDE A CRÍTICA DA IDÉIA
MODERNA DE LIBERDADE
Ricardo Timm de Souza

INTRODUÇÃO
O presente texto, cujas linhas principais de argumen-
tação remontam a uma série de trabalhos nossos, tanto re-
centes quanto antigos1, pretende se constituir em uma abor-

1
As bases filosóficas gerais próximas e distantes do presente texto, que não
serão aqui referidas em detalhe para evitar o excesso de citações, encontram-
se especialmente em nossos livros O tempo e a Máquina do Tempo – estudos
de filosofia e pós-modernidade; Totalidade & Desagregação. Sobre as frontei-
ras do pensamento e suas alternativas; Existência em Decisão – uma introdu-
ção ao pensamento de Franz Rosenzweig; Sujeito, Ética e História – Levinas, o
traumatismo infinito e a crítica da filosofia ocidental; Sentido e Alteridade –
Dez ensaios sobre o pensamento de Emmanuel Levinas; Metamorfose e extin-
ção – sobre Kafka e a patologia do tempo; Ainda além do medo – filosofia e
antropologia do preconceito; Sobre a construção do sentido – o pensar e o agir
entre a vida e a filosofia; Responsabilidade Social – uma introdução à Ética
Política para o Brasil do século XXI; Ética como fundamento – uma introdução
à ética contemporânea; As fontes do humanismo latino – A condição humana
no pensamento filosófico contemporâneo; Razões plurais – itinerários da raci-
onalidade ética no século XX; Sentidos do Infinito – A categoria de “Infinito”
nas origens da racionalidade ocidental, dos pré-socráticos a Hegel; Em torno
à Diferença – aventuras da alteridade na complexidade da cultura contempo-
rânea, bem como nos artigos e capítulos “Nós e os outros. Sobre a questão do
humanismo, hoje”; “Justiça, liberdade e alteridade ética. Sobre a questão da
radicalidade da justiça desde o pensamento de E. Levinas”; “Da lógica do
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 47
dagem inicial da reconsideração filosófica de um ponto es-
pecialmente sensível da questão dos direitos humanos: o
tema da liberdade. Promulgado desde os alvores da moder-
nidade como uma espécie de proto-direito, por todos os de-
mais pressuposto, o direito à liberdade individual se confi-
gura simultaneamente como uma das maiores conquistas da
modernidade e como um verdadeiro foco instável e sensí-
vel para efetivação mínima do que normalmente se entende
por direitos humanos, sejam os considerados fundamentais,
sejam os considerados derivados, que habitam o lugar-co-
mum mental quando tal temática é abordada – e isso tanto
entre especialistas como entre leigos no assunto. O fato é
que, em nome de uma idéia geral de liberdade, tanto se rea-
lizam aspectos do que se entende, desde variadas vertentes
filosóficas, como expressões legítimas de liberdade, como
também se obliteram amiúde dimensões de efetivação real
de liberdade, ou seja, daquilo que se entende de modo am-
plo por este termo para além de conveniências particulares
de indivíduos ou grupos restritos. Assim, de um modo mais
específico, nossa tarefa aqui consiste essencialmente em
problematizar criticamente este conceito, procurando mos-
trar a) a que ponto exatamente este “lugar-comum” atrás re-
ferido não apenas não mantém consistência teórica na con-
temporaneidade, como tem se constituído tanto em álibi para
o cometimento de violência – “em nome da liberdade”! –,
como também na razão de certas lógicas de violência, e b)
como o pensamento filosófico contemporâneo oferece alter-
nativas profícuas ao desgastado conceito de liberdade mo-
derna. Em suma, o que aqui pretendemos é propor de forma
incipiente as condições de uma crítica, mais implícita do

sentido ao sentido da lógica: Levinas encontra Platão”, além de vários artigos


e textos isolados inéditos. Para referências bibliográficas completas, cf. Refe-
rências Bibliográficas, ao fim do texto.
48 SOUZA, Ricardo Timm de • Direitos Humanos no Século XXI

que explícita, das idéias correntes de direitos humanos, a


partir de uma crítica radical da idéia “normal” de liberdade.

1. Liberdade e Direitos Humanos: a questão


A modernidade também pode ser classicamente des-
crita como a era da liberdade. Porém, filosoficamente, cum-
pre ser bem mais prudente: deve-se, pelo menos desde a der-
rocada dos grandes sonhos civilizatórios a partir de meados
do século XIX, tratar com extremo cuidado estes arroubos de
otimismo2. Deve-se considerar a modernidade, sob esta pers-
pectiva, antes como a era da vontade e da promulgação for-
mal da liberdade, figuras essas que passam, de algum modo,
a habitar tanto as dimensões particulares e privadas como as
públicas e institucionais – efetivando-se, por vezes, de forma
extrema segundo seus parâmetros de compreensão do indiví-
duo moderno em surgimento e ascensão e se reconfigurando
em ideários sociais – quando, por sociedade, entende-se um
agrupamento de indivíduos autônomos ou pretensamente
autônomos ligados por contratos sociais explícitos ou implí-
citos. Esta – afora as dimensões libertárias imponderáveis do
foro íntimo, que ninguém pode atestar existirem ou inexisti-
rem anteriormente à era moderna, de um ponto de vista “ci-
entificamente” descritivo – é a verdadeira conquista da idéia
moderna de liberdade em relação aos modelos antigos e me-
dievais. Desse modo, entende-se facilmente que a idéia de
liberdade moderna se articula estreitamente com a idéia de
indivíduo (moderno), sujeito de ação, do qual é, em última
análise, derivada e dependente. Sua exacerbação libertária
conduz ao que se poderia considerar como sendo o libertaris-
mo anarquista, extremamente perigoso para a idéia de insti-
tuição moderna, pretensamente baseada, exatamente, na li-

2
Cf. nosso Totalidade & Desagregação – sobre as fronteiras do pensamento e
suas alternativas, especialmente p. 15-29.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 49
berdade, porque expõe a não-liberdade real que habita o nú-
cleo de tal idéia de instituição3 – um tema, aliás, que é central
nas teorias da cultura pelo menos desde Foucault. Por outro
lado, seu processo de crescente aceitação social, no sentido
de fundar ideologicamente a sociedade moderna, que contou
desde a primeira hora com o aval e a legitimação argumenta-
tiva, para os padrões modernos, de filósofos eminentes – boa
parte da filosofia política moderna é, em suma, um vasto elo-
gio à liberdade: Rousseau, Kant, especialmente Hegel, e tan-
tos outros4 –, acaba, em seu processo osmótico com o capita-
lismo florescente, por se confundir exatamente com dimen-
sões essenciais deste (como bem o evidenciam as retóricas
correntes da globalização desenfreada), em um processo de
mútua pertença e teia de sentidos de elucidação extremamente
difícil teoricamente, embora constituidor do imaginário soci-
al contemporâneo das sociedades ditas democráticas5. Pois
temos hoje, na geopolítica global, precisamente os resultados
desta complexa articulação, com suas infinitas contradições,
avanços e apropriações discursivas e ideológicas6. E, não obs-
tante, é deste veio que se alimentam algumas das mais sofis-
ticadas teorias contemporâneas dos direitos humanos, mui-
tas vezes ignorando exatamente as condições desta comple-
xidade ambígua com todas as suas idiossincrasias violentas.
Como já dissemos, o que aqui se pretende é propor as
condições de uma crítica das idéias correntes de direitos hu-

3
Cf. nosso Ética como fundamento – uma introdução à ética contemporânea,
p. 30-34.
4
Cf. nossos Sentidos do Infinito – A categoria de “Infinito” nas origens da raci-
onalidade ocidental, dos pré-socráticos a Hegel, “Hegel e o infinito – alguns
aspectos da questão” e Responsabilidade Social – uma introdução à Ética
Política para o Brasil do século XXI, entre outros.
5
Cf. especialmente FLICKINGER, Hans-Georg. Em nome da liberdade – ele-
mentos da crítica ao liberalismo contemporâneo e Marx e Hegel – o porão de
uma filosofia social.
6
Cf., apenas a título de exemplo, AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer – o poder
soberano e a vida nua I e Estado de Exceção.
50 SOUZA, Ricardo Timm de • Direitos Humanos no Século XXI

manos a partir de uma crítica radical da idéia corrente de


liberdade, a partir das quais muitas das teorias insuficientes
de direitos humanos são credoras – insuficiência, esta, deri-
vada precisamente da insuficiência das idéias das quais se
alimentam, das quais a de liberdade é uma das mais ideologi-
camente carregadas.

Liberdade: termos contemporâneos de um tema ancestral


Revisemos alguns dos termos clássicos da temática.
Entre as questões que mereceram a maior atenção de pensa-
dores de todas as épocas e culturas está aquela da própria
existência da liberdade. Existe a liberdade? O que é liberda-
de? Como é possível pensá-la? Como é possível agirmos li-
vremente? Estes são alguns dos temas que perpassam a filo-
sofia de todos os tempos. E esta questão toma ainda maior
relevância na conturbação dos tempos contemporâneos, quan-
do a própria noção de “ser humano” tem de ser repensada a
fundo, em meio aos desafios ético-sociais e ecológicos deste
início de século7.
Com efeito, costuma-se, não sem razão, associar a ques-
tão da liberdade à própria questão do ser humano. É comum
ouvirmos definições que caracterizam o humano, exatamen-
te, através da liberdade que lhe é inerente ou de que faz uso –
diferentemente das máquinas, inteiramente programadas, ou
dos demais seres vivos, determinados por sua fisiologia e seus
instintos. Segundo esta definição, o ser humano é necessari-
amente livre, ou não será humano. Suas ações são, segundo
esta concepção, dirigidas por decisões livres frente ao mun-
do que o cerca. Esta definição parece-nos em sua pretensão

7
Cf. nossos Fontes do humanismo latino – A condição humana no pensamento
filosófico moderno e contemporâneo(Introdução); “Humanismo e alteridade.
A filosofia frente à radicalidade do desafio humano”; “A dignidade da pessoa
humana; uma visão contemporânea”; “Nós e os outros. Sobre a questão do
humanismo, hoje”.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 51
de abrangência muito adequada; temos, porém, que nos ver
com problemas graves que advêm, justamente, da articula-
ção íntima entre “ser humano” e “liberdade”. A questão é:
não serão, estas idéias de livre-arbítrio que derivam em ações
livres, em última análise, expressões camufladas de determi-
nismos genéticos, constitucionais, históricos? Não chegará a
ciência, eventualmente, a evidenciar esta causalidade neces-
sária e absoluta, esvaziando exatamente o que de mais caro
habita e tem habitado pelos séculos a idéia de liberdade, a
livre opção, o livre-arbítrio consubstanciado em ações huma-
nas adjetivadas “livres”? O que seria da própria idéia de li-
berdade, e de tudo o que dela deriva, se isso se configurasse
dessa forma? A falência do modelo tradicional de liberdade
não significaria, ipso facto, a falência da própria idéia de hu-
manidade que se foi constituindo ao longo dos séculos da
civilização ocidental e da qual somos, de uma ou de outra
forma, todos credores?
Estas questões precisam ser repensadas a fundo. Pare-
ce-nos que o que as pode resumir operacionalmente é o se-
guinte: não se tratará, a liberdade, de uma ilusão, ou seja, não
será o ser humano não apenas condicionado por circunstân-
cias históricas e sociais e instintos biológicos, mas predeter-
minado por instintos que, assumindo aspectos sociais e cul-
turais, tomam a aparência de decisões livres?
O tema é, sob qualquer ângulo de visão, extremadamente
complexo. A rigor, e com todas as ressalvas da fenomenolo-
gia8, é muito difícil, senão impossível, determinar com preci-
são até que ponto uma certa forma de agir não é determinada
por um conjunto de instintos biológicos e determinações so-
ciais e culturais que emprestam a esta forma de agir a aparên-
cia de ação livre quando, na verdade, trata-se de uma ação
predeterminada por estes instintos e determinações (muito

8
Cf. nosso Sobre a construção do sentido – o pensar e o agir entre a vida e a
filosofia.
52 SOUZA, Ricardo Timm de • Direitos Humanos no Século XXI

embora as formas de tais instintos e determinações não pos-


sam ser conhecidas, ou possam não ser ainda conhecidas) –
isto é o que chamamos de hipótese da determinação absolu-
ta. Os filósofos têm feito enormes esforços, ao longo dos sé-
culos, para solucionar a questão da liberdade humana; e,
embora tenham feito grandes progressos, a idéia de uma li-
berdade enquanto uma essência meramente “pensada” pare-
ce continuar sem poder responder à objeção acima, e isso
não apenas pelas invectivas constantes das ciências positi-
vas e do biologismo, mas pelas próprias insuficiências do
conceito filosófico de liberdade, tal como ele se constituiu e
se configurou na tradição intelectual hegemônica do ociden-
te especialmente na era moderna.
Todavia, se é verdade que a própria noção de “ser hu-
mano” depende de sua liberdade, ou seja, da possibilidade
de atos livres – como é nosso parecer, se não quisermos pen-
sar na idéia do ser humano como uma máquina pré-progra-
mada, o que significaria capitular irrecorrivelmente ao acima
exposto –, então é necessário que abordemos novamente este
tema da possível aparência de atos livres que seriam, na ver-
dade, atos instintivos ou socialmente determinados. Esta abor-
dagem, porém, será feita neste momento desde outra pers-
pectiva, para superar o obstáculo aparentemente instranspo-
nível que a objeção acima propõe.
Assim, temos de pensar a liberdade não apenas enquan-
to uma dimensão formal que caracterize certo ato, como na
expressão “este é um ato livre”. A liberdade não pode ser, em
nenhuma hipótese, meramente adjetiva; ela tem de ser subs-
tantiva. O problema, porém, é que em nome da liberdade já
se cometeram e se cometem os mais diversos crimes e violên-
cias. De forma nenhuma estamos, então, propondo a idéia de
uma liberdade “absoluta” (o que, de resto, é impossível, se
levamos em consideração todos os condicionamentos a que
estamos comprovadamente sujeitos, de ordem histórica, lin-
güística, ambiental e todas as outras possíveis, e cuja evidên-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 53
cia é inegável ainda aos mais fervorosos paladinos da liber-
dade em sua expressão tradicional).
O que estamos propondo, portanto, é que a liberdade
só se efetiva em atos cujo conteúdo mais próprio seria a razão
de ser da própria liberdade para além de seu mero conceito.
Em outros termos: a liberdade tem que ser concebida como
uma faculdade eminentemente humana de estabelecimento
de condições humanas de vida. De uma forma simples, esta
idéia se traduz assim:
I – Na hipótese da determinação absoluta: a ausência
total de liberdade, substituída por infinitas causalidades dis-
cerníveis e compreensíveis pela razão científica, levaria ao
caos moral absoluto. Em outros termos: se abandonarmos a
idéia de liberdade, teremos necessariamente de abandonar a
ética, a moral, o direito, a cultura e tudo o mais que deriva de
atitudes humanas propriamente ditas; a ética e o direito se-
riam imediatamente abolidos, e ninguém poderia ser culpa-
do por suas ações. O tema da justiça seria “superado”, e
teríamos um mundo onde o caos e a violência seriam absolu-
tos, pois qualquer um poderia alegar que os atos que come-
teu estariam previamente determinados em sua natureza, e
ele não teria podido agir senão como o fez.
II – Por outro lado, a idéia de liberdade não existe em si
mesma, mas apenas na sua concretização, nas suas obras; é
apenas quando se estabelecem condições propriamente hu-
manas de vida em uma sociedade – ou seja, eticamente e eco-
logicamente sustentáveis –, que se pode reivindicar, para os
atos realizados, a característica de “livres”.
III – Assim, os termos da questão são reordenados. Não
se trata de provar a liberdade por ações que podem ou não
ser livres, pela lógica acima apresentada, mas se trata de pro-
var a idéia de liberdade como conditio sine qua non da pró-
pria viabilidade da humanidade. Esta prova se dá por deriva-
ção de sua própria contraprova, numa inversão algo parado-
xal: a liberdade somente existe infensa a ataques cientificis-
54 SOUZA, Ricardo Timm de • Direitos Humanos no Século XXI

tas de quaisquer ordens, e indubitavelmente existe, quando a


percebemos como dimensão instituidora da ética – do agir
humano – independentemente de toda e qualquer prova ci-
entífica de causalidade, por exemplo, biológica; ou, se qui-
sermos, com todas as provas biológicas, possíveis e imaginá-
veis, da causa de uma determinada ação ética. A realidade
efetiva desta ação se constitui, por si mesma, em postulado
de existência ética da liberdade. A base da questão da liber-
dade não é, portanto, ontológica – o que é a liberdade? – mas
ética – o que foi feito, a ação, positivando ou negativizando a
autocompreensão da humanidade do humano, ou a vitalida-
de da vida? A ausência científica de plausibilidade de algo
como uma “essência livre” não invalidade a existência e per-
sistência da liberdade enquanto eticidade realizada – a pro-
va disso é, por exemplo, a ainda vigência de processos éticos
corretivos da iniqüidade ou, para falarmos com Derrida, uma
“loucura” pela justiça coetânea ao ser humano em todas as
eras9, ou ainda, de forma cabalmente simples, pela impossi-
bilidade de que, em nossa vida, alguém, por atos e não por
conceitos, tenha agido eticamente em relação a nós, ou não
estaríamos vivos (podemos negar a liberdade o quanto quei-
ramos, mas não podemos negar que, em nosso passado, nos-
sa vida foi promo-vida por atos que viabilizaram nossa exis-
tência até agora, e estes atos não são ocorrências ao acaso,
mas fruto da vontade de pessoas)10. A loucura pela justiça, ou
seja, o chamamento ético fundamental das ações que se tra-
duz em sua ocorrência inegável, reduz as aporias da liberda-
de abstrata promulgada a um status de quase-dispensabilida-
de cognitiva, na medida em que se constitui como elemento

9
Cf. DERRIDA, J. “Force de Loi: le ‘fondement mystique de l’autorit钔, bem
como nosso Razões plurais – itinerários da racionalidade ética no século XX:
Adorno, Bergson, Derrida, Levinas, Rosenzweig.
10
Cf. nosso Ética como fundamento – uma introdução à ética contemporânea,
p. 19-20.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 55
precípuo de sub-stância que, sub-jazendo às ações, dispensa
as adjetivações tradicionais nas quais a palavra “livre” é nor-
malmente compreendida. Em suma, um ato não é primaria-
mente livre, mas primariamente é ético ou não-ético (não-
neutro), e, se é ético ou não-ético, é livre no seu destino ético,
na realidade da obra em que culmina, independentemente
do que a ciência ou a filosofia possam dizer a respeito da
idéia de liberdade. Essa é uma solução da questão da liberda-
de que, sem tentar escapar às teias do cientificismo – como as
soluções filosóficas tradicionais – se estabelece em um outro
registro de realidade, onde a questão não é o problema teóri-
co da liberdade, mas o estatuto ético das ações – uma formu-
lação algo modificada da liberdade investida de que fala Le-
vinas11. A liberdade é, assim, essencialmente subalterna à
ética.

A essência do argumento – a alteridade reconstituindo a idéia


possível de liberdade
Temos desta forma a possibilidade de estabelecer algu-
mas conclusões importantes para nossa cadeia argumentati-
va, que simultaneamente a sintetizam:
a) “Humano” e “livre” estão intimamente ligados. Não é
possível pensarmos o humano a não ser na condição de livre.
b) Porém “liberdade” não pode ser um conceito mera-
mente formal. Se não for logicamente regulado – e ontologi-
camente constituído – por seus resultados, um ato “livre” pode
ser compreendido, ou como o resultado de uma predetermi-
nação instintiva ou social, ou como um fator predisponente à
violência contra o outro, como é comum nas retóricas globa-
lizadas da liberdade. Em ambos os casos o conceito de liber-
dade está esvaziado de humanidade, e se presta magnifica-
mente a manipulações ideológicas de todo teor.

11
Cf. nosso “Justiça, liberdade e alteridade ética. Sobre a questão da radicali-
dade da justiça desde o pensamento de E. Levinas”.
56 SOUZA, Ricardo Timm de • Direitos Humanos no Século XXI

c) A forma de concretização da liberdade humana é a


realização de atos que favoreçam a vida e a sustentabilidade
ecológica e social do planeta (caso contrário, a liberdade, en-
tendida como se queira, se auto-anularia no exercício de atos
que, ao aniquilarem a vida, igualmente a aniquilariam, numa
derivação de características kantianas evidentes do atrás ex-
posto).
d) A esta forma de concretização da liberdade em ter-
mos de sustentação da vida podemos dar o nome de “ética”;
“ética”, o agir propriamente humano, é a realização concreta
da liberdade humana, para além de sua mera idéia, em fun-
ção daquilo que não é ela nem sua idéia: a alteridade. E este
encaminhamento final é, também, o encaminhamento desta
que é uma das mais veneráveis e complexas questões filosó-
ficas: a da existência da liberdade. A liberdade não existe
porque se manifesta a partir de alguma essência própria de
seu conceito em atos que lhe são como que ontologicamente
posteriores, mas porque a história de cada ato ético – cada
ato que procura a justiça –, pode ser, exatamente, histórica e
temporalmente reconstruída, e é nesta reconstrução que se
(re)encontra precisamente a liberdade que permitiu que ele
acontecesse. Em suma, em um estranho paradoxo, de certo
modo é a liberdade que depende da ética para legitimar seu
estatuto de existência, e não, como estamos acostumados a
pensar, o contrário.
e) Ainda, esta reconsideração leva a uma renovada no-
ção de ser humano; podemos dizer, como P. Pivatto, que “ou
se é moral, ou não se é humano”. O ser humano é aquele que
é capaz de agir de tal forma que venha a favorecer a vida na
terra, realizando assim sua liberdade que não tem valor em
si, mas em relação ao que não é ela – a alteridade – uma liber-
dade ética. É neste ponto, e apenas aqui, que o paradoxo re-
ferido acima se desfaz: ou a liberdade é ética, ou é uma qui-
mera a ser paulatinamente desconstruída pela teia de causa-
lidades científicas ou filosóficas. Mas uma quimera perigosa.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 57
f) Por fim, é clara a inferência de que, modificando-se
substancialmente a noção de ser humano, modifica-se igual-
mente de forma substancial a noção de direitos humanos; es-
tes seriam doravante pensáveis a partir do que Levinas deno-
minou, no título de um seus livros menos conhecidos, “hu-
manismo do outro homem” 12. O direito humano fundamen-
tal é o direito de ser tratado eticamente como alteridade irre-
dutível a qualquer violência por parte de qualquer poder; o
abuso deste direito, ou seja, a transgressão desta máxima fun-
dante, conduz o indivíduo à posição de negador da alterida-
de e, portanto, sobre seus atos incidem a exigência atrás refe-
rida. Ou seja: não se trata de um direito incondicional, mas
de um direito condicionado e condicionante que apenas se
realiza e se justifica na constituição subjetiva do sujeito ético
propriamente dito13.

2. Como conclusão: Liberdade e Direitos Humanos


– a reconfiguração filosófica da idéia de Direitos
Humanos desde a crítica da idéia de liberdade
pelo imperativo da justiça
“A instrumentalização dos direitos humanos em favor da im-
plantação global do projeto (neo)liberal de sociedade perten-
ce ao conjunto de características da atual geopolítica do po-
der em âmbito internacional. Poder-se-ia referir a um ‘impe-
rialismo’ dos – mal compreendidos – direitos humanos, que
ameaça, pela ausência de reconhecimento do factum da li-
berdade humana que a eles subjaz, levá-los ao descrédito.
Caso não se deseje tripudiar sobre o seu papel central na con-

12
LEVINAS, E. Humanismo do outro homem.
13
Cf. SOUZA, Ricardo Timm de. “Fenomenologia e metafenomenologia: subs-
tituição e sentido – sobre o tema da ‘substituição’ no pensamento ético de
Levinas”. In: SOUZA, Ricardo, Timm de; OLIVEIRA, Nythamar Fernandes
de. (Orgs.) Fenomenologia hoje – existência, ser e sentido no alvorecer do
século XXI, p. 379-414.
58 SOUZA, Ricardo Timm de • Direitos Humanos no Século XXI

formação de uma ordem de liberdade também internacional,


então é pertinente a atenção aos ‘déficits’ de fundamentação
de sua compreensão liberal hegemônica. São estes que escla-
recem as dinâmicas de poder dos atuais discursos a respeito
dos direitos humanos”.
Hans-Georg FLICKINGER14

A instrumentalização dos direitos humanos em favor


de interesses que nada têm a ver com a manutenção da liber-
dade humana e da própria humanidade, a não ser para gru-
pos específicos detentores de poderes e privilégios e com fi-
nalidades muito claras, de que nos fala Flickinger no excerto
acima, deriva exatamente da confusão que se estabelece nos
termos do abuso do conceito de liberdade nos moldes da tra-
dição filosófica-conceitual de compreensão da mesma, abu-
so este oportunizado pela ausência de “atenção aos ‘déficits’
de fundamentação de sua (dos direitos humanos) compreen-
são liberal hegemônica”. Entender que a liberdade não pode
ter, por motivos tanto científicos como filosóficos, realidade
substancial em si, é entender que um outro telos se posta no
horizonte interpretativo, um telos – o ato ético – que a inves-
te de realidade para além de demiurgias discursivas desgas-
tadas pelo choque que a vivência de catástrofes e a falência

14
FLICKINGER, Hans-Georg. “Im Namen der Freiheit – Über die Instrumen-
talisierbarkeit der Menschenrechte”, in: Deutsche Zeitschrift für Philoso-
phie, Berlin 54 (2006) 6, p. 851: “Die Instrumentalisierung der Menschen-
rechte zu Gunsten der globalen Durchsetzung des (neo)liberalen Gesells-
chaftskonzepts gehört zu den charakteristischen Merkmalen gegenwärti-
ger Machtpolitik auf internationaler Ebene. Man könnte auch von einem
Imperialismus – falsch verstandener – Menschenrechte sprechen, der ohne
die Annerkennung des ihnen zu Grunde liegenden Faktums menschlicher
Freiheit die Menschenrechte in Misskredit zu bringen droht. Will man de-
ren zentrale Rolle in der Ausgestaltung einer auch internationalen Freiheit-
sordnung nicht verspielen, lohnt der Blick auf die Begründungsdefizite
ihres verherrschenden liberalen Verständnisses. Diese sind es, die über
die Machanfálligkeit des gegenwártigen Menschenrechsdiskurses au-
fklären” (tradução nossa).
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 59
das representações vividas no último século denunciaram
suficientemente15. A reordenação da questão dos direitos
humanos a partir de uma nova noção de humanidade na qual
a idéia de liberdade se insira nos moldes atrás descritos fa-
lhará, porém, se não tivermos, no conjunto das reflexões, algo
que já foi referido rapidamente na cadeia argumentativa: a
vontade de justiça. É a vontade de justiça, a “loucura pela
justiça”, no sentido de Derrida, que permite ao humano per-
manecer em si, em sua humanidade.
Como, agora, pensar a questão da justiça no presente
contexto, de modo aproximado, porém incisivo? Parece-nos
a solução traumática a mais adequada. É necessário conside-
rar, neste momento, o próprio fundamento do pensar desde
um ponto de vista que, geralmente, não é suficientemente
levado em conta, quando se pensa no conjunto da filosofia. É
necessário pensar o momento onde nossa respiração é sus-
pensa pela suspensão da própria vida que ocorre, por exem-
plo, na percepção de uma situação de injustiça cometida, algo
que nos traumatiza, algo que nos revolve internamente, algo
que desordena as nossas lógicas e faz com que a própria idéia
de justificar o acontecido apareça como indecente16. Talvez
seja este um dos inícios do pensamento, talvez seja isto que
tenha dado origem ao próprio pensamento: o insuportável
que, ao trazer à nossa consciência a consciência da precarie-
dade da existência, nos interdita a paz. Pois é possível pensar
também a filosofia como indignação; indignação frente ao fato
de que a realidade é tratada indignamente; indignação frente
à percepção do fato de que temos sido indignos das expecta-
tivas que, de alguma forma, se abrem a nós pela promessa de
futuro que a nossa vida propõe; indignação frente às habili-

15
Cf., entre outros, NESTROWSKY, Arthur; SELIGMANN-SILVA, Márcio
(Orgs.), Catástrofe e Representação.
16
Cf. nosso ensaio “O delírio da solidão: o assassinato e o fracasso original”.
In: SOUZA, R. T. Sentido e Alteridade – Dez ensaios sobre o pensamento de
E. Levinas, p. 23-43.
60 SOUZA, Ricardo Timm de • Direitos Humanos no Século XXI

dades do nosso intelecto em tecer teias justificativas para o


injustificável. Indignação, enfim, que se coloca como origem
da necessidade de superar, em todo o sentido possível, o ele-
mento de indignação, ou seja, de indignidade, que aqui é cor-
relato ao tema da não-vida, e, portanto, ao tema da não-ética.
Ora, um ponto de partida para pensar essa estrutura é, desde
o ponto de vista do trauma da injustiça cometida, a questão
da justiça como fundamento da estrutura das relações huma-
nas. Esta parece ser uma dimensão fundamental de análise
para a compreensão das reais “dinâmicas de poder dos atuais
discursos a respeito dos direitos humanos”.
O tema da justiça não é apenas um tema da filosofia
política. O tema da justiça é uma ansiedade literal de todo e
qualquer pensar. Apenas, e aí está a grande questão, é possí-
vel utilizar o próprio pensar para camuflar este tema em meio
a outros temas, levando, inclusive, a um possível “descrédi-
to” no sentido dos direitos humanos, pela sua “instrumenta-
lização”, como diz Flickinger, tornada possível pela retórica
esvaziada da liberdade burguesa-liberal. Queremos aqui, po-
rém, seguir na direção inversa; queremos ressaltar a que pon-
to este tema é central e, simultaneamente, culminante nas
reflexões filosóficas e científicas, que por decorrência, por
definição e por origem, não são senão éticas. A questão se
encaminha da seguinte forma: qual é, a rigor, o sentido do
mundo sem a nossa fidelidade na busca da justiça? Parece-
nos não haver na história do pensamento humano nenhuma
grande obra que tenha ignorado este fato, esteja ele presente
de forma explícita, ou esteja ele implicitamente presente nos
conteúdos que se desenvolvem. O ser humano, a condição
humana, é, antes de tudo, nesse sentido, ansiedade por justi-
ça. Ansiedade por ser justamente tratado. Ansiedade que, em
termos relacionais, significa ansiedade por tratar justamente
o que não é si mesmo, para que si mesmo tenha sentido. Justi-
ça, portanto, não é – repetimos e acentuamos – uma categoria
da filosofia, ou da ciência jurídica, ou das ciências sociais, como
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 61
qualquer outra categoria, mas é o essencial da própria pos-
sibilidade da filosofia, das ciências jurídicas, das ciências so-
ciais e humanas, e da Ciência em geral. Justiça significa as-
sim, aqui, a base possível do próprio pensamento e, simulta-
neamente, o seu telos, sua idéia reguladora máxima e defini-
tiva, a negação, em sentido adorniano, do status quo de in-
justiça globalizada-naturalizada. Justiça significa a exuberân-
cia da vida que se encontra consigo mesma. Porém, justiça
não pode ser, a rigor, afirmada como realização plena no pre-
sente do indicativo. Justiça é uma ansiedade, é uma dimen-
são de construção que se constrói com tijolos infinitamente
pequenos, porém infinitamente recorrentes, incansáveis, só-
lidos e delicados. Justiça é o objeto da ciência e da filosofia,
porque é o conteúdo da própria humanidade, sem o qual a
humanidade torna-se vazia. Como conceber a condição hu-
mana sem a ansiedade por justiça? Há quem consiga pensar
fora da ansiedade por justiça? Parece-nos que, levada a argu-
mentação neste sentido, não há pensamento e construção
humana que não seja expressão, mais ou menos bem-sucedi-
da, da reparação desta ansiedade por justiça – inclusive a rea-
lização possível da liberdade. E, neste sentido, justiça, ansie-
dade por justiça, é o coração da liberdade.
Mas, se assim é, como pode o tema da justiça muitas
vezes estar deslocado a esferas quase indivisíveis da própria
especulação filosófica e científica? Não temos tempo agora
para tratar da genealogia deste espantoso desvio17. Interessa-
nos antes ressaltar o fato de que a justiça pretende se consti-
tuir, enquanto negação explícita e inequívoca da injustiça,
em uma espécie de retórica ética máxima, uma eloqüência
da vida. A vida eloqüente é a vida que exige justiça. Neste

17
Tratamos deste tema em nosso ensaio “Da neutralização da diferença à dig-
nidade da Alteridade: estações de uma história multicentenária”. In: SOU-
ZA, R. T. Sentido e Alteridade – Dez ensaios sobre o pensamento de E. Levi-
nas, p. 189-208.
62 SOUZA, Ricardo Timm de • Direitos Humanos no Século XXI

sentido, temos aqui uma espécie de terminação provisória


das reflexões que até agora desenvolvemos. Partimos de uma
abstrata idéia de condição humana desde o ponto de vista de
um de seus constitutivos clássicos, a liberdade; procuramos
aprofundá-la em alguns de seus termos essenciais, e desem-
bocamos finalmente em algo originante, a ansiedade absolu-
ta pela justiça realizada, fundamento de toda ação humana e
única justificação da própria liberdade. E assim podemos, se
admitirmos tal lógica de desenvolvimento, supor que a ética
é exatamente, e nada mais nem menos, do que isso: vontade
de justiça em realização, justiça em todos os sentidos, justiça
para com o que não é nós, justiça para com o outro:
“Louca pretensão ao invisível, no momento em que uma ex-
periência pungente do humano ensina, no século XX, que os
pensamentos dos homens são conduzidos pelas necessidades,
as quais explicam sociedade e história; que a fome e o medo
podem ser os determinantes de toda resistência humana e de
toda liberdade... É este adiamento perpétuo da hora da trai-
ção – ínfima diferença entre o homem e o não-homem – que
supõe... o desejo do absolutamente outro ou a nobreza, a di-
mensão da metafísica.”
Emmanuel LEVINAS18.

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68

3 – SUJETO LIBRE ANTE LA LEY.


CONTEXTO ACTUAL Y POSIBILIDAD
DE RECUPERACIÓN
Juan Antonio Senent de Frutos

INTRODUCCIÓN
El presente trabajo tiene como trasfondo el problema
general de la relación entre las personas y los sistema legales.
Desde ese marco, se aborda la cuestión de la secularización
de la ley desde una perspectiva doble, histórica y actual. En
términos históricos, se buscan los elementos que en el
contexto cultural occidental dieron lugar a este proceso
complejo. Se parte de la perspectiva frente a la ley mostrada
por Jesús, como motor de la crítica secularizadora. En la historia
se ha sospechado más de las personas que de las buenas
instituciones legales o políticas. Frente a ello, irrumpe la
posición de Jesús, las instituciones son medios al servicio de
la vida de las personas, que son por tanto el fin al que deben
servir. Este es el punto de partida para una crítica secularizadora
y humanizadora de las instituciones. Cuando se entra en diálogo
con otras posiciones de nuestra Antigüedad, por ejemplo con
el mundo griego, esta posición mostrará algunos de los límites
que el funcionamiento de las instituciones legales tiene para
los seres humanos. En la modernidad, donde también se parte
de una secularización que busca la humanización de las
instituciones, se adopta una posición de defensa de la persona
frente al sistema legal y político fundamentalmente
proponiendo unos derechos del individuo previos a las leyes
y al Estado. Los sistemas legales se mejoran incorporando
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 69
derechos humanos, pero anteponiendo de nuevo, institución
a persona. En este contexto, y ante los límites que este proceso
de perfeccionamiento de las instituciones tiene, surge de nuevo
en la actualidad la necesidad de pensar un marco de relación
entre los sujetos y las instituciones que no sea de simple
subordinación. Ello lo que está planteando no es sólo la cuestión
del tipo de institución a implantar sino el tipo de sujeto y de
relación que se va mantener con las instituciones. Ahí se ubica
entonces la posibilidad del discernimiento de la ley. Ello exige,
a su vez, recuperar entonces el problema del sujeto en nuestro
contexto, la crítica de la idea de sujeto en la postmodernidad
actual y la reivindicación de otros caminos para la expresión
de lo humano a partir de algunas experiencias históricas y
actuales que posibiliten otro marco de relación con la ley.
En cuanto al modo de abordar estas cuestiones
señaladas, he tratado de desarrollar una reflexión libre a partir
de algunos temas abordados por Franz J. Hinkelammert en el
libro El grito del Sujeto. Del teatro mundo del evangelio de
Juan al perro mundo de la globalización (San José, 1999). Ahí
se plantea la posibilidad de elaborar una crítica de la ley y del
poder, inspirándose en los textos del evangelio de Juan. Desde
mi punto de vista, el evangelio de Juan es un libro que alumbra
historia, en el sentido de Zubiri, ya que permite reconocer
nuevas posibilidades de intelección para la acción humana. El
libro de Hinkelammert trata de apuntar esas posibilidades. Una
vez más, lo “nuevo” reside en la recuperación de la
“originalidad”. Esto es, en su capacidad para volver a leer en
los orígenes de la experiencia histórica del cristianismo. Ahí
se vislumbran posibilidades de acción y hábitos, de formas de
construir y de estar en la realidad desde donde relacionarse
con la ley y el poder que habían sido cerradas, aunque no
extinguidas, con la inculturación del cristianismo en la sociedad
del imperio romano. Desde este trasfondo, he tratado de lanzar
algunos problemas y de ensayar algunos caminos.
70 FRUTOS, Juan Antonio Senent de • Sujeto Libre Ante la Ley

1. Delimitación general de la cuestión sujeto libre y del


discernimiento de la ley

1.1. “Sujeto” y contexto de recuperación de la “perspectiva


del sujeto”:
Plantear hoy la cuestión de la relación de los sujetos
frente a las instituciones legales puede parecer una tarea
imposible en tiempos postmodernos y postmetafísicos. En el
terreno de las ideas, se nos dice que no hay certezas de ningún
tipo. En este contexto, si nos preguntamos por el sujeto, en
medios académicos nos dirán, parafraseando a Nietzsche, que
no hay “sujetos” sino “interpretaciones de sujetos”. Igual que
no habría hechos sino interpretaciones de hechos. Y una
interpretación no deja de ser un artificio entre otros posibles.
No hay una verdad del “sujeto” accesible. Este es el prejuicio
sobre el que gira la moderna teoría del conocimiento “crítica”.
No hay acceso a las cosas “en sí”. Nietzsche culminará esta
senda crítica de la modernidad introduciéndonos en la
postmodernidad. Como no hay acceso, el conocimiento está
desfundamentado, cualquier juicio vale porque ninguno vale
nada. El conocimiento entonces es una gran mentira, legitimado
por la apariencia de verdad que se pretende desde la historia,
la moral, la religión o el poder. La salida de Nietzsche a este
punto donde desemboca su radicalización del criticismo
moderno1, es postular una instancia radical de verdad, que nos
permite no ya conocer nuestro modo de conocimiento sino los
auténticos instintos que crean nuestra realidad humana. El
conocimiento “fisiológico”, es el único que puede pretender
ofrecer la verdad de ser humano, desde él se pretende discernir
entre los instintos fuertemente humanos y los débilmente
humanos. Ese conocimiento fisiológico es el que, más allá de
Nietzsche, orienta el realismo político hegemónico. El hombre
es lobo para el hombre, hacia la naturaleza, y hacia las otras

1
CONILL, J., El poder de la mentira, Madrid, 1997, pp. 22 y ss.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 71
culturas, religiones, y para Dios. O domina, o será dominado.
El gran deconstructor de los residuos metafísicos de occidente,
nos lanza a su vez, paradójicamente, a la misma inconmovible
seguridad sobre el destino de lo humano a la que nos proyecta
el realismo político. Paradójicamente, de “interpretaciones”
pasamos a evidencias.
Por ello, decía al principio, que proponer un marco
general de que pueda existir una relación entre los sujetos y
las leyes es una tarea sólo aparentemente imposible, pues el
discurso postmoderno tiene un carácter fuertemente ideológico.
Si existe algo así como una relación anterior o coetánea de los
sujetos frente a las instituciones legales éstas serían inviables.
O los sujetos están en el marco institucional subsumidos y
regulados, o la regulación sería un sinsentido. En ese discurso,
se agazapa un presupuesto o idea fuerte de ser humano de
carácter dogmático y que pretende cerrar cualquier otro camino
de expresión y construcción de lo humano. En este sentido,
vivimos tiempos doblemente nietzscheanos. (Sin que ello
suponga otorgarle ningún poder de causación del tiempo
presente). En el plano de las ideas, nos movemos en la
incertidumbre. En el plano de las realizaciones de la razón
práctica hegemónica, se actúa desde el postulado de que la
dominación, en última instancia la muerte del otro/lo otro, es
la garantía de la vida de uno. Esta es la mayor seguridad
metafísica de nuestro tiempo sociohistórico. Ya sabemos qué
ha dado de sí la historia. El gran profeta de nuestro tiempo nos
lo recuerda por si se nos había olvidado: “La historia entera no
es otra cosa que la refutación empírica del principio relativo al
llamado “orden moral del mundo”2. Por ello, “sabemos que el
mundo donde vivimos es inmoral, no-divino, inhumano” 3.
Desde las ideas dominantes de la cultura occidental,
suele presentarse al ser humano como enfrentado y opuesto

2
NIETZSCHE, F., Ecce homo. Como se llega a ser lo que es, Madrid, 1993, p. 163.
3
El nihilismo: Escritos póstumos, Península, Barcelona, 1998, p. 38.
72 FRUTOS, Juan Antonio Senent de • Sujeto Libre Ante la Ley

al mundo. Este sujeto, es un presupuesto metafísico que se


historiza. Si consigue permanecer en su ser es venciendo al
mundo (sujeto de la técnica moderna), y cuando se articula
social y jurídicamente con otros, o es negándose así mismo
(abandonando su ser-estado natural), para entrar domesticado
al circuito de la obediencia al poder, o negando a los demás
(individuo propietario). En realidad, una y otra posición
expresan el miedo a lo otro; tanto a la naturaleza como a los
otros sujetos. Socialmente domesticado para evitar el caos a
que conduciría la libre expresión de la subjetividad de cada
persona (declaración de guerra desde arriba, fuente de
diversos totalitarismos), o bien otro camino “dejarle” que haga
la guerra para que produzca orden entre los otros sometidos
(declaración de guerra entre los iguales para que produzcan
desigualdad, es decir, la generación de orden por medio del
mercado). Por diferentes caminos, el mismo punto de partida
conduce al mismo punto de llegada.
Apuntemos algunas sendas tomadas desde esos
presupuestos. Para Hobbes, la persona es un complejo material
movido por los instintos4, y se asegura dominando a los demás.
Para Locke el cuerpo está dirigido por la razón que le ordena
su autopreservación individual, no habiendo responsabilidad
por los otros5. Para Nietzsche la salud del ser humano está en
seguir los instintos más fuertes, más peligrosos, en la voluntad
de poder que es un trasunto de la voluntad de dominación6. El

4
Cf. Leviatán (1651) Parte I.
5
Cf. Segundo tratado del gobierno civil (1690), passim.
6
A partir de los instintos fuertes se libera el poder destructivo-creador. Siendo la
destrucción, la abolición de la solidaridad de los débiles, del amor al prójimo, de
la compasión, del deseo de vida larga; y estando el camino de lo humano, en la
lucha sin piedad, liberados de la compasión, para asegurar la asimetría de la
dominación que prescribe el espíritu aristocrático, rebelión contra el espíritu
democrático, tras el que se esconden los perdedores y los decadentes.
Sin embargo, los fuertes, no están seguros, tras la falsa humildad de los débiles
se agazapa su resentimiento, que vuelve tras el instinto de rebaño y su deseo de
igualdad para combatir a los mejores tipos. El imperativo es “nunca hacer igual
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 73
trasfondo del planteamiento weberiano del poder, se
fundamenta en la dominación de la fiera que es el ser humano.
Para Weber7 el “arte real de la política en el que no hay quiebras”,
es en última instancia la guerra8. El “Estado sólo es definible
sociológicamente por referencia a un medio específico que él
posee: la violencia física. Todo estado está fundado en la
violencia (...) La violencia no es naturalmente ni el medio
normal ni el único medio de que el Estado se vale, pero sí es su
medio específico”9. Ese medio distintivo, que es/debe ser
monopolizado por el poder público es la posibilidad radical
de ser tal poder. Lo que es primera ratio, desde un punto de
vista interno y circular también puede ser su última ratio.
¿No es la violencia última ratio del Estado, porque en última
instancia después de otras máscaras sociales, hay siempre
una fiera que someter? ¿Por otra parte, cuál es la fiera por
someter? ¿Es simplemente el sujeto peligroso de conductas
agresivas y antisociales, o es también la hybris de los débiles
que quieren orientar el funcionamiento de las leyes y del poder

lo desigual”, en ello consiste la rebelión de los mejores: “los más fuertes y afortu-
nados son débiles cuando tienen contra sí los organizados instintos del rebaño,
la cobardía de los débiles, de los superiores en número. (...) Aunque suene raro:
siempre hay que armar a los fuertes frente a los débiles, a los afortunados frente
a los desafortunados, a los sanos frente a los degradados y tarados genéticamen-
te” (El nihilismo: Escritos póstumos, Barcelona, 1998, p. 131-132). Por ello, “A los
iguales, igualdad; a los desiguales, desigualdad – así habla la justicia para noso-
tros. Y lo que se desprende de ello: nunca hacer igual lo desigual” (ib.), p. 163.
En estos tiempos neonietzscheanos, no debe sorprender que este autor (aunque
esto no se oiga demasiado), tenga el mismo ideal de justicia que el gran precep-
tor de Alejandro Magno: Aristóteles.
7
Max Weber, a pesar de las diferencias, se mueve en el mismo horizonte metodo-
lógico que Carl Schmitt. Para éste, el espacio de lo político está delimitado por la
distinción de amigo y enemigo. Enemigos son aquellos otros a quienes se puede
potencialmente hacer la guerra, y por tanto matar físicamente. Entre los “ami-
gos” (el espacio social propio que está construido políticamente por la delimita-
ción de lo interno y lo externo), sobre los que tiene autoridad un soberano,
puede darse el Derecho en estricto sentido.
8
La política como vocación, trad. F. Rubio Llorente, p. 170 (sub. mío).
9
Ib. p. 83.
74 FRUTOS, Juan Antonio Senent de • Sujeto Libre Ante la Ley

en su servicio, que pretenden que “otro mundo es posible”?


Los cantos de sirena de la posmodernidad quieren
despistarnos de que vivimos tiempos modernos, demasiado
modernos. Por eso, el problema de nuestra época no es la
afirmación de certezas perdidas sino de apertura de nuevos
sentidos de la historia y con ello la búsqueda de mejores
posibilidades de vida para todos. Un mundo, a pesar de
Nietzsche, más humano y por ello, más divino.
Señala John Holloway, que la lucha revolucionaria es hoy
“una lucha contra la reificación y la certeza”10. Si Nietzsche
tiene razón, entonces también la tiene Ellacuría: cansados ya
de la repetición de la historia de la dominación, hay que
“revertir la historia, subvertirla y lanzarla en otra dirección”.
En realidad no es nada nuevo. Es la lucha de siempre que cada
vez se ve más necesaria. El ser humano no termina por
conformarse con la habitualidad del miedo, del sufrimiento y
de la desesperanza. Una y otra vez llama a las puertas del cielo.
No sabe qué es el cielo, pero lo inventa, lo proyecta y lo
experimenta en sus relaciones reconstruidas como superación
del tiempo presente. El animal de realidades, como gustaba
decir a Zubiri, se revela como un ser rebelde: no se conforma
con el infierno en la tierra.
En este contexto, se da el “retorno del sujeto”, no es en
forma de idea sino desde las condiciones prácticas de nuestra
historia actual. Es teoría, en un momento segundo y derivado.
Hay una ubicuidad de experiencias límite (insoportabi-
lidad, inaceptabilidad, insostenibilidad de la vida/vidas en la
sociedad mundial globalizada), por ello son globales. A todos
nos afectan, aunque no a todos en las mismas condiciones.
Todos estamos concernidos, y esto cada vez es más visible. Ni
las islas de riqueza y de seguridad con el primer mundo se
creía a salvo, pueden garantizar aquello que pretenden.

10
Cambiar el mundo sin tomar el poder. El significado de la revolución hoy, 2002,
p. 192.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 75
El retorno del sujeto se da en forma de sujeto crítico-
práctico. Dice Holloway sobre el sujeto crítico: “somos
personas cuya subjetividad es parte del barro de la sociedad
en que vivimos, somos moscas atrapadas en una telaraña./
¿Quiénes somos pues y cómo podemos criticar? La respuesta
más obvia es que nuestra crítica y nuestro grito surgen de
nuestra experiencia negativa de la sociedad capitalista, del
hecho de que estamos oprimidos, de que somos explotados.
Nuestro grito proviene de la experiencia de la diariamente
repetida separación entre el hacer y lo hecho, una separación
experimentada más intensamente en el proceso de la
explotación pero que impregna cada aspecto de la vida”11.
Considero que esto es así, pero además hay que indicar, que
como antes señalamos todos están afectados 12 por las
dinámicas de explotación pluriformes, los críticos y los no-
críticos. El “antisujeto” pretende asegurarse continuando las
tendencias destructivas del sistema global. El sujeto se rebela
contra las mismas. Pero esta rebelión es ya potencialmente
ubicua. Puede darse en cualquier lugar, en cualquier momento
y por cualquiera. La tópica clásica de los sujetos
revolucionarios es hoy redimensionada.
Por ello, señala Hinkelammert, que “el ser humano no
es sujeto, sino hay un proceso en el cual se revela, que no
puede vivir sin hacerse sujeto. No hay sobrevivencia porque
el proceso, que se desarrolla en función de la inercia del
sistema, es autodestructor. Aplasta al sujeto, que cobra

11
Ib., p. 193.
12
Los fabricantes de las telas de araña también se ven envueltos en sus propias
trampas. De alguna manera, la insolidaridad ejercida contra otros y contra la
naturaleza vuelve a veces inesperadamente. Así, por ejemplo, como ya vamos
conociendo cada vez mayor con claridad y actualidad, hay una responsabilidad
social en la generación de desórdenes medioambientales que termina afectan-
do negativamente a las condiciones de sobrevivencia y de desarrollo de la vida
humana. Muchos de los llamados desastres naturales, están agravados y poten-
ciados por la actividad social. La negación de la propia responsabilidad puede
terminar siendo suicida.
76 FRUTOS, Juan Antonio Senent de • Sujeto Libre Ante la Ley

conciencia de ser llamado a ser sujeto en cuanto se resiste a


esta destructividad. Tiene que oponerse a la inercia del sistema
si quiere vivir, y al oponerse, se desarrolla como sujeto”13.
En este contexto, no es otro a priori construido lo que
se propone, sino contestar el a priori metafísico que orienta
el dinamismo de nuestra historia: “Por eso, el sujeto no es un
a priori del proceso, sino resulta como su a posteriori”14.
Aun suponiendo que la verdad trascendental del ser
humano consistiera en un afán predatorio autoreferencial
inscrito en sus dinamismos instintivos más recurrentes; surge
un grito, una necesidad, una exigencia, una petición, otra
proyección, una posición y una disposición diferente: otro
sujeto es posible. Surge de la experiencia vivida, de la
conciencia lúcida, iluminada y esperanzada; del cansancio
de la verdad construida y repetida, normalizada, proyectada
y realizada una y otra vez; de la voluntad rebelde que no se
entrega a la muerte rápida y que busca reproducir la vida; de
la cotidianidad de las vidas sencillas.
Ni la dominación ni la fiereza destructiva del ser
humano son la última palabra de la historia sobre el poder ni
sobre la expresión del ser humano. El sujeto se revuelve y se
rebela, cansado de la mecánica ciega retributiva que parece
triunfar en el orden empírico: el poder está para dominar; la
seguridad del derecho para la inseguridad de los débiles; la
economía al servicio de los fuertes. Desde ahí, interpela el
funcionamiento de las instituciones para subvertirlas con una
orientación incluyente.
Sin embargo, para interpelar la dinámica del orden his-
tórico, tiene que “reinventarse” como sujeto. Por ello, la teo-
ría refleja del sujeto a partir de las experiencias de oposición
a las tendencias destructivas, visualiza otra idea de sujeto,

13
HINKELAMMERT, F., “La vuelta del sujeto reprimido frente a la estrategia de la
globalización” en El vuelo de Anteo. Derechos humanos y crítica de la razón
liberal, Herrera, J. (ed.), Bilbao, 2000, p. 212.
14
Ib.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 77
que no se puede inscribir en otras conceptualizaciones de la
persona, como es la de “individuo” (presocial y desvincula-
do moral y materialmente, en la tradición liberal-burguesa);
o la de “sujeto del conocimiento” (en la perspectiva episte-
mológica y metafísica de la filosofía moderna) desvinculado
del mundo-objeto; pero tampoco es el mero “sujeto de dere-
cho” (que opera en el Derecho gracias al propio Derecho y al
reconocimiento del Estado).
El “sujeto” no es un ente metafísico transmundano ni
una mónada, sino un ser de este mundo, constituido en una
red social y natural, que es trascendente en el mundo. Esta
trascendencia intramundana es la que le permite reconocerse
vinculado, atravesado tanto por los otros humanos como por
la naturaleza. La idea “asesinato es suicidio”15, donde asesi-
nato es tanto del otro como la muerte de la naturaleza, da
cuenta de la seriedad con que el sujeto se reconoce siendo
también por el otro y por lo natural, y por tanto sabe radical-
mente de su interdependencia. Esta conceptualización de la
persona como “sujeto” expresa la necesidad de superar otras
visiones insuficientes e ineficaces de la realidad humana, pero
ella es fruto de una “perspectiva”, de una mirada sin cuya visi-
ón no es alcanzable la conceptualización de esta posición. La
perspectiva es mirada trascendente porque no se agota en el
límite de la piel, sino que busca allende su realidad inmediata
lo que también forma parte de su realidad y de su experiencia,
pero que si no es “descentrándose” no puede tomarlas en con-
sideración. Al trascender el límite de su cuerpo, y su interés y
realización autocentrada, puede reconocerse inscrito en un
“circuito social y natural”. La “salida” de sí, para responsabili-
zarse en la suerte de los otros y de la naturaleza, no es deca-
dencia ni enfermedad de la voluntad, no es “olvido o negación
de sí” y permite un reencuentro más pleno con su subjetividad
enriquecida por lo real. La afirmación de la vida como “centra-

15
HINKELAMMERT, F., Solidaridad o suicidio colectivo, Costa Rica, 2003, pp. 91 y ss.
78 FRUTOS, Juan Antonio Senent de • Sujeto Libre Ante la Ley

miento en sí” aparece entonces, desde esta perspectiva como


engaño, la mentira que le impide ver que los otros/lo otro son
condición de posibilidad de su vida.
El sujeto no es un punto de partida: es una reacción
que busca alterar la mecánica de reacciones previsibles del
sistema en cuanto excluyente. Reacción, que sigue a la acción;
pero que no se sigue de ella. El ser humano se hace sujeto en
tanto en cuanto trata de introducir una novedad en el orden
empírico subvirtiéndolo.

1.2. Contexto de recuperación de la perspectiva del sujeto


frente a la ley y las instituciones
En América Latina brota de nuevo la crítica de la ley,
propiciado por la experiencia cotidiana de que el funciona-
miento de la legalidad no sirve en muchos casos16 a las nece-
sidades de las mayorías populares, pero a mi juicio, intensifi-
cado por un caso extremo: El cumplimiento de la ley que
obliga al pago de la deuda externa como conjunción de la
legalidad del Estado de derecho y de las leyes del mercado y
que condena a las mayorías populares de tantos países lati-
noamericanos a situaciones de abandono social y les cierra
posibilidades de desarrollo humano. La ley se cumple desde
una doble necesidad, (1) cumplir con las obligaciones asu-
midas de los contratos (2) para que puedan seguir operando
las leyes del mercado. Sin cumplimiento de las obligaciones
asumidas, se rompe la confianza para seguir operando eco-
nómicamente. O pago o exclusión del mercado global. Y sin
embargo, pagando la deuda nunca se llega a cumplir plena-
mente con la obligación. Se profundizan entonces los efectos
de pauperización social que muestran la insoportabilidad y
la irracionalidad de la legalidad que condena al pago de la

16
Es algo que ha sido mostrado por Elsa Tamez en “Pablo y la ley en Romanos.
Una relectura desde América Latina”, 2004. (Texto documentación DEI).
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 79
deuda externa17. En este contexto emerge la necesidad de
pensar sobre el cumplimiento de las leyes, de las jurídicas y
de las económicas. La reflexión entonces cuestiona tanto el
Estado de derecho como el capitalismo, pensando también
sobre sus posibles alternativas.
Lo que se percibe no es meramente lo que tantas veces
se ha hablado a cerca de los países latinoamericanos, sobre la
corrupción de los administradores públicos y sobre el déficit
de institucionalización de los mecanismos del Estado de
derecho. Si en su origen los compromisos de financiamiento
surgen a veces de dinámicas de corrupción, el cumplimiento
fiel de las obligaciones asumidas es fruto de una “mejora” en
la dinámica de funcionamiento del Estado de derecho.
Mientras más se cumple, más “seguridad jurídica” existe de
que los acreedores tienen garantizados el cobro de los intereses
y del capital prestados. Si un país trata de pagar, entonces
podrá seguir recibiendo nuevos créditos, para poder pagar
los créditos anteriores. El caso de Argentina, en los últimos
años, muestra cómo mientras más seguridad jurídica
consiguen los acreedores internacionales más inseguridad
social se puede generar. Esta experiencia, como otras
semejantes, muestra una quiebra de la justificación universal
del pago de las deudas.
La ideología hegemónica había impuesto dos evidencias:
La primera, sin cumplimiento universal de la ley no es posible
la vida social, siendo el Estado la instancia para su efectividad:
el Estado de derecho sirviendo a la ley evita el caos. La
segunda, es que no hay alternativa al Capitalismo: o leyes del
mercado sin distorsiones o miseria y muerte. La subjetividad
estaba entonces ideológicamente subsumida y garantizada
tanto por el funcionamiento del Estado de derecho como por
la economía capitalista.

17
HINKELAMMERT, F., “¿Hay una salida al problema de la deuda externa?”, en
El huracán de la globalización, Hinkelammert, F. (compilador), San José, 1999.
80 FRUTOS, Juan Antonio Senent de • Sujeto Libre Ante la Ley

Cuando en las últimas décadas la realidad social


desmiente estas evidencias, aparece entonces la vida como
aplastada tanto por el Estado de derecho como por el sistema
económico. Lo que se postulaban como mediaciones
necesarias para posibilitar la vida humana en sociedad,
aparecen como instituciones que aprisionan y que llegan a
ejecutar vidas. Por ello, lo que se presentaba como esperanza
civilizatoria para enfrentar los males sociales, se presenta hoy
como problema.
Surgen entonces los dilemas cuyo planteamiento no
prejuzga ninguna solución de antemano. La vida o la ley, el
capitalismo o la vida. No hay soluciones unipolares, sólo hay
la emergencia del problema que antes no se podía reconocer
con la misma intensidad. El problematismo en sí mismo resi-
de en que se rompe la identidad entre protección de la vida y
funcionamiento de la institución. Al no estar asegurada, an-
tes bien, puesta en peligro por la propia dinámica institucio-
nal, surge entonces la reflexión por el tipo de instituciones
que implantar. Sin embargo, esta no es la reflexión mayor.
Los dilemas surgen porque se visualiza la tensión entre vida
de los sujetos e instituciones. La tensión existente (“alta”)
puede dar lugar a una “reforma” de las instituciones legales y
económicas. Pero no es este el hecho mayor, de donde la pre-
gunta que surge no es qué ley/institución establecer, sino qué
relación con la ley/institución mantener, incluso con las “bu-
enas” leyes y las “buenas” instituciones económicas y políti-
cas. Desde ahí se plantea la necesidad de realizar y de mante-
ner un “discernimiento de la ley y de las instituciones”, dis-
cernimiento que no es simple acto sino proceso que acom-
paña la vida de los sujetos del mismo modo que le acom-
pañan el funcionamiento de las instituciones. Dada la tensi-
ón, no puede haber una relación ingenua con las mismas. Es
un proceso vigilante y problematizador que no se cierra con
la institucionalización de luchas emancipadoras.
A la visualización del problematismo, se llega como
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 81
resultado de un análisis “coprolegal e institucional”. Son las
disfunciones que surgen en el cumplimiento de éstas lo que
pone bajo sospecha de que no realizan automáticamente aque-
llo que prometen. Surge de una perspectiva antropocéntrica y
secularizadora: centrada en los seres humanos y centrada en
el mundo de los seres humanos. Por tanto, desde la vida de los
seres humanos, se valora, se critica y se denuncia en su caso el
carácter superior, hipostasiado de lo que son vistas como me-
diaciones, que no pueden tomarse como fines en sí mismos.
Por ello desde la secularización crítica, la ley, el Estado o la
economía no son considerados como la manifestación de la
suprema bondad, perfección, conocimiento, ni como supremo
fundamento de la vida humana que únicamente operan la sa-
lud humana. Pero la secularización crítica, no es, ni mucho
menos demonización de las instituciones. Ni se las ve como
simples expresiones superiores o divinas ni como simples
mecanismos infernales. Reconoce la necesidad de institucio-
nes legales, políticas o económicas, pero siempre supeditadas
a un horizonte humano, con un carácter instrumental.
La denuncia surge, en este contexto, con el funciona-
miento automático de las instituciones. Aún cuando haya unas
instituciones pretendidamente “buenas”; como desde la mo-
dernidad hegemónica trató de construirse un sistema legal
que en su conjunto pueda considerarse racional, o un siste-
ma político legítimo, o un sistema económico eficiente; su
aplicación no debe ser mecánica o automática. La pretendida
racionalidad, legitimidad o eficiencia por sí mismas no ga-
rantizan en su desenvolvimiento aquello que prometen. No
es sólo cuestión de desviación de los tipos ideales, sino de la
confianza en que a partir de la orientación por ellos sólo ope-
ran resultados “ideales”. Desde esta confianza, surge el afán
de justificación subjetiva de aquellos que se creen justifica-
dos por la justificación objetiva de la institución. Los admi-
nistradores de las instituciones cumpliendo con sus exigen-
cias internas se consideran justificados más allá de los resul-
82 FRUTOS, Juan Antonio Senent de • Sujeto Libre Ante la Ley

tados. Si hay resultados adversos (para los seres humanos),


hay que asumirlos sin que ello cambie la pretensión de justi-
ficación de la institución ni de justificación subjetiva.
En este contexto, la “perspectiva del sujeto” y su crítica
de las instituciones y de la institucionalidad se ve potencia-
da por una tradición que provee herramientas para la misma.
Se trata del replanteamiento de la teología cristiana de la ley
y su crítica antiidolátrica, que arranca de la perspectiva de
Jesús como sujeto, siguiendo aquí el análisis de Franz Hinke-
lammert en su obra “El grito del sujeto”. El “discernimiento
de la ley” implica una disposición y una posición del “sujeto
rebelde” peculiar frente a la ley. Es lo que a continuación
consideraremos para avanzar la cuestión.

2. Jesús como sujeto

2.1. Disposiciones y actitudes del sujeto frente a la ley desde


la perspectiva de Jesús
Presentaremos aquí de forma sumaria algunas
caracterizaciones que expresan las disposiciones y actitudes
de Jesús frente a la ley. Ello permitirá avanzar una mayor
inteligibilidad de la posición de Jesús ante las instituciones:
1. La rebeldía: ¿Desde dónde se expresa el “sujeto”? El
sujeto se expresa como “rebelión”. Es la emergencia de la vida
sumergida por el peso de la ley. Jesús asume la perspectiva
del sujeto frente a ley como respuesta a la vida del pueblo
ahogada por la ley. Se rebela contra la práctica de la ley que
siguen sus administradores en su contexto, los “doctores de
la ley”: “!Ay de vosotros, los legistas, que imponéis a los hom-
bres cargas intolerables¡” (Lc, 11, 46a; Mt 23, 4a). El poder, es
también ocasión de dominio tiránico, pero se resiste a con-
formarse con esa lógica, y trata de introducir otra orientación
en las relaciones sociales (Mc 10, 42-45). Es la ruptura de la
complicidad y connivencia con la dominación en nombre de
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 83
las instituciones para abrir otras posibilidades de funciona-
miento institucional, no para anulación.
2. Rebeldía y libertad: Para hacerse libre frente a los
poderes sociales hay que rebelarse, pero para rebelarse hay
que ser de algún modo libre previamente. Sin embargo, no
tiene porqué considerarse como una disposición fundada en
una condición ontológica estática, sino más bien, consiste en
la disposición a hacerse libre en el proceso de la vida. La
disposición del “sujeto rebelde”, donde la libertad es anterior
estructuralmente a la ley, no es actitud circunstancial (puede
darse o no como oposición) sino como una disposición radical
que permite desacralizar y relacionarse con la ley de un modo
reflexivo. Por ello, el sujeto considera las normas y cualquier
institución en función de la vida de los sujetos afectados,
tomándolas “como instrumentos”, no como “fines en sí
mismos”.
3.Reflexividad y libertad: reacción ante la vida imposi-
bilitada: Por ello, en los casos donde la vida concreta por ac-
ción u omisión conforme a la ley se hace prácticamente invi-
able, es decir, cuando interfiere imposibilitando la vida de
los sujetos, ésta debe ser suspendida. Por ello, el excepciona-
miento de la ley no es banal, ni para situaciones irrelevantes.
No se plantea que dé igual atender a las exigencias legales,
sino que para cumplir con lo que se imputa como suprema
exigencia legal, que es el servicio a la vida, tiene que reorien-
tarse la interpretación de la ley (“no he venido para abolir”,
Mt 5, 17). Cuando la vida humana está comprometida como
consecuencia de ciertos actos que permite o impide la ley,
ésta debe ser antepuesta.
4.Reconocimiento relativo: La ley puede ser buena y
necesaria, y sin embargo, de su cumplimiento universal no
se tiene porqué seguir en todas las situaciones un bien para
los sujetos, por tanto su “bondad” es cuestionada. La “bondad
o maldad” de las leyes está en relación, en respectividad, con
84 FRUTOS, Juan Antonio Senent de • Sujeto Libre Ante la Ley

sus efectos sociales y personales. El pago de las deudas puede


ser obligación legal, y además hay buenas razones para
pagarlas. En este sentido, podría hablarse de una ley “buena”.
Sin embargo, ni la ley con mayor legitimidad que se pretenda
puede considerarse incondicionalmente buena, ni siquiera
aunque su origen la dotara de una virtud incontestable, como
entonces se atribuía a las leyes de origen divino, y hoy
podríamos hablar de leyes surgidas por medio de
procedimientos democráticos. Si la legalidad se considera de
forma absoluta, y por tanto “suelta” o separada del contexto
social en el que se inserta, entonces nos encontramos frente a
algo que escapa al horizonte de lo humano.
5. Razonabilidad dialógica: En el tratamiento de la ley,
exige “tomársela en serio”. Sólo desde esta actitud, se puede
emitir un juicio crítico responsable que no es sin más un
capricho fruto de una voluntad indolente ni despótica (no he
venido para derogar ni una coma, sino para dar
cumplimiento). Por ello, el sujeto puede dar razón de su
comportamiento (en el caso de Jesús, tiene razones para dar y
las da para explicar su posición ante la ley, sin embargo, no
siempre puede comunicarlas, como en el caso del Juicio
cuando permanece en silencio, dada imposibilidad de entablar
un diálogo real).
6. Descentramiento y universalidad: Se trata, por tanto,
de una consideración instrumental, “al servicio de” las
personas. Pero esta función de servicio debe ser “universal”.
Desde otras disposiciones, la ley puede estar al servicio de
uno; al servicio del poder económico, político o religioso; de
la sociedad en general pero de cada persona en particular
(“conviene que uno muera para que el pueblo viva” – Caifás -
). La experiencia histórica de la humanidad, ha estado marcada
por la conciencia de que la ley, suele estar al servicio de los
que tienen el poder, a cuyo lado se inclina y sirve. El código
de Hammurabi, pretende ya, desde los albores de la memoria
histórica, subvertir el signo usual de la función de la ley para
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 85
evitar que el poderoso oprima al débil18. La ley no sólo debe
amparar las situaciones de los que están arriba, también debe
proteger y servir a lo que están abajo. Sólo así, su función
instrumental puede pretender universalidad. Si la ley, “dada
para la vida”, produce o induce a la muerte de alguien, es la
derrota de una vida, pero también el “fracaso de la ley”. El
sujeto libre denuncia el cumplimiento torpe de la ley, pero
no sólo en lo que a su persona respecta, sino también, frente
a otros. No defiende sólo “su vida”, sino también la vida de
los otros. ¿Acaso podrá seguir viviendo tras el fracaso de los
otros?
7.Conocimiento de la ley: Se reclama la llave de la
ciencia, que ha sido arrebatado a los sojuzgados (cf. Lc 11,
52). El conocimiento no es competencia técnico jurídica:
puede haberla o no. En el caso de Jesús discute con autoridad
los entresijos de la ley, sin embargo, la denuncia de Jesús se
orienta a otro problema: se ha usurpado la posibilidad de
juzgar sobre la interpretación de la ley por parte de sus
administradores, sobre su sentido y sobre la obediencia/
excepcionamiento en caso de conflicto con la vida. (David
comió de los bienes consagrados en el templo porque tuvo
hambre). Conocimiento en un sentido fundamental es la
experiencia de estar bajo el yugo de la ley19 la cual es universal
y no separa “doctores de la ley”20 de no doctores. Desde esta

18
“(...) entonces Anum y Enlil me designaron a mí, Hammurabi, príncipe piado-
so, temeroso de mi dios, para que proclamase en el País el orden justo, para
destruir al malvado y al perverso, para evitar que el fuerte oprima al débil, para
que, como hace Shamash Señor del Sol, me alce sobre los hombres, ilumine el
País y asegure el bienestar de las gentes.” (Fragmento inicial de Código).
19
El cuerpo es así última instancia del conocimiento de la ley. Es algo que retoma
genialmente Kafka en su obra En la colonia penitenciaria, cuando al condenado
ni siquiera se le comunica la sentencia, si bien, el condenado, aun desconoci-
endo el idioma de la sentencia, llega a conocerla en su cuerpo. En otro contexto,
también puede verse ello en el Salmo 82.
20
Aún cuando los “doctores” sean quienes imponen el yugo al pueblo, ellos se
sitúan formalmente como esclavos de la ley, que igualmente tienen que hacer
esclavos al resto. Aunque traten de buscar subterfugios para escapar fraudulen-
86 FRUTOS, Juan Antonio Senent de • Sujeto Libre Ante la Ley

experiencia, cualquiera puede emitir un juicio sobre la ley o


ser simple pieza de su ejecución.
8. Oposición a los idólatras/idolatrías/sacralizaciones de
las instituciones: Los “idólatras” son los que asumen una
posición de descarga de la responsabilidad en las instituciones
y mandatos del poder. Se hacen sus siervos y funcionarios.
Pretenden que no les cabe ninguna responsabilidad porque
toda la han desplazado hacia arriba. Cumplen con su deber
desde la lógica de la formalidad del mandato dado o del tenor
literal de la ley. Pueden ser rigurosos, hasta llegar al rigor de
la muerte. La ley/instituciones y sus idólatras tienen poderosas
razones para señorear sobre la vida y la muerte de los
sometidos, sin que ni la vida ni la muerte le sean significativos
como límites insuperables porque en última instancia les
parecen circunstancias banales en comparación superioridad
del poder/deber al que están sujetos.
9. Crítica desveladora: En la crítica de la ley, Jesús asu-
me la posición del “mago sin magia”21. En un primer sentido
de “mago”, como alguien que se sitúa a misma la altura de los
administradores para conocer y desvelar las trampas con que
operan para hacer pasar como magia la relación con la ley, en
sus sentidos de producción de algo intocable, que genera una
relación de “encantamiento” por su condición de maravillo-
so/no natural-ordinario. En este sentido es un mago en nega-
tivo o el reverso del mago. Pero, también por ello, en un se-
gundo término, “sin magia”, la deconstrucción de los mitos
de la ley y del poder, situándolos en un horizonte de finitud
debido a la “infinitud” de los seres humanos (“sois dioses”,

tamente (juicio de Jesús, p. e., Mt, 1-14) al cumplimiento rigorista de la ley


aparentan no poder hacer otra cosa que servir a la ley/institución por encima de
ninguna otra causa.
21
Tomo la expresión del libro de Mara Selvini Palazoli El mago sin magia. Cómo
cambiar la situación paradójica del psicólogo en la escuela, Barcelona, 1996,
aun dándole a ello otros sentidos.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 87
Jn 10, 34®Sal 82, 6), se realiza “sin magia”. La relación con la
ley y con el poder no es siempre victoriosa, no hay una omni-
potencia del sujeto que se libra de los procesos de mala fini-
tud. Se intenta reorientar hacia otros dinamismos funcionales
a la vida de los sujetos, pero no siempre es posible porque no
en todos los casos es tolerado o se consigue (cf. Jn, 8, 1-12).

2.2. Posición de Jesús frente la ley:


el sujeto como señor de la ley
Comencemos por la conocida afirmación de Jesús: “El
Sábado es para el hombre y no el hombre para el Sábado”,
que puede tomarse como punto de partida para mostrar una
posición frente a cualquier ley o institución humana.
Desde esta posición, la libertad del sujeto frente a la ley
es anterior a la ley. No se puede fundar en ella, aunque se
pueda hacer valer también la libertad desde la ley. La ley no
le constituye como sujeto libre, sino que sólo puede reconocer
a quien es capaz de libertad. Porque no es una criatura de la
ley, puede trascender el punto de vista interno, aunque ésta
no se lo permita expresamente. La posición de Jesús no se
puede entender en primer término como la afirmación de unos
derechos anteriores al derecho de las sociedades (reconducible
al debate clásico iusnaturalismo/positivismo). Se trata de algo
más modesto pero más radical. La persona tiene libertad y
responsabilidad frente a la ley y su cumplimiento. Porque
tiene estas facultades, podrá en su caso, como hacen algunas
tradiciones de pensamiento, reivindicar el respeto a unos
derechos determinados que pueden ser desconocidos por el
poder. Pero esto no es lo primordial, ni tiene que darse en
esos términos. Para reivindicar en su caso “derechos”, tiene
que ser sujeto. Puede relacionarse con distancia crítica de los
sistemas vigentes y cuestionarlos o denunciar disfunciones
para las personas afectadas por esos sistemas. Puede incluso
distanciarse críticamente de presuntos “derechos naturales
anteriores a las leyes”, cuando le obligan a ejercer la violencia
88 FRUTOS, Juan Antonio Senent de • Sujeto Libre Ante la Ley

protectora de los mismos frente a las amenazas sociales y


políticas.
Busca afirmar su vida y la de todos. Su responsabilidad
no es sólo ante el funcionamiento de la ley (Sistemas norma-
tivos), sino también frente a sus propios derechos (sean lega-
les, morales, naturales...). Disponer de un status, o de buenas
razones para actuar no le justifica en último término frente a
todo, es decir, no le constituye como irresponsable una vez
que disponga de algún modo de justificación jurídica o mo-
ral. Dicho en lenguaje veterotestamentario, porque es respon-
sable, siempre le asaltaría una pregunta desestabilizadora:
“¿dónde está tu hermano?”, a lo que no puede simplemente
responder “¿soy yo acaso el guardián de mi hermano?”. Un
sistema (social, personal...) que funciona con víctimas está
siempre puesto cuestión y su justificación tiene los pies de
barro. Dado un sistema normativo, la justificación puede pre-
tenderse en función del mismo. Entonces, los ejecutores de
la ley, se declaran inocentes: “Yo sólo cumplía la ley”.
Aunque la cuestión de la subjetividad constituida por
la atribución y reconocimiento de la ley es un asunto típica-
mente tematizado en la teoría jurídica moderna, atraviesa tam-
bién la perspectiva de Jesús. Cuando en el pórtico de Salo-
món acude al Salmo 82 (“sois dioses”, y no debéis ser violen-
tados por la práctica de la ley y del poder 22), de algún modo
está presente la cuestión, para romper el poder de atribución/
no atribución de subjetividad jurídica23 en el reconocimiento
de las necesidades. La discusión del pórtico, tiene como tras-

22
“Dios se levanta en la asamblea divina,/ en medio de los dioses juzga:/ ¿Hasta
cuándo juzgaréis inicuamente,/ y haréis acepción de los impíos?/ juzgad a favor
del débil y del huérfano,/ al humilde, al indigente haced justicia;/ al pobre libe-
rad,/ de la mano de los impíos arrancadle!/ No saben ni comprenden; caminan
en tinieblas,/ todos los cimientos de la tierra vacilan./ Yo había dicho: “¡Voso-
tros, dioses sois,/ todos vosotros hijos del Altísimo!”.
23
En esta línea, el Salmo 112, nos dice: “Él levanta del polvo al desvalido,/ del
estiércol hace subir a pobre/ para sentarle con los príncipes,/ con los príncipes
de su pueblo”.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 89
fondo la cuestión de la blasfemia contra Dios que los fariseos
imputan a Jesús. Pero la blasfemia hay que entenderla en el
contexto de la discusión sobre la ley. Jesús se reclama de fili-
ación divina, pero con ello no reclama sino lo que es condici-
ón de todos (“¿No está escrito en vuestra Ley: Yo he dicho:
dioses sois?”, Jn 8, 34b). En la pretensión de Jesús, “uno de
tantos”, era de filiación divina. Frente a esto, para los fariseos
el Dios del cielo no se podía hacer terreno. Lo inasumible
para los administradores de la ley, era que Dios dejara su tro-
no (celestial), proyectándose en cada uno de lo seres huma-
nos, con ello, no se podía seguir sosteniendo el yugo de la
ley. Parecía que si Dios se hacía como uno cualquiera, la au-
toridad de los administradores de la ley dejaba de estar “por
encima”, pues el Dios que se abajó desmontó su apariencia
de superioridad, haciéndolos también “uno de tantos”. La
divinización de los seres humanos borra la supremacía de las
jerarquías mundanas, y pone en pie de igualdad a los seres
humanos con los príncipes, los jueces y las leyes, quienes
tratan de alzarse sobre el resto y ocupar la posición del Altí-
simo para someterlos gracias a su endiosamiento.
Sintetizando la posición de Jesús frente a la ley, diría-
mos que se trata de la afirmación del sujeto como señor de la
ley y de la institución. En términos joánicos, podríamos de-
cir que está en la ley sin ser de la ley: se trata de un señorío
no despótico sobre la ley que busca enfrentar los dinamis-
mos “mundanos”, es decir, destructivos de la vida de los se-
res humanos.

2.3. Sujeto y teoría jurídica: la cuestión del sábado y la


superación del universo de la ley
En la teoría jurídica contemporánea las discusiones
sobre la ley giran sobre todo a partir de las posibles relaciones,
conflictos, o en su caso de la posible identidad, entre dos
dimensiones fundamentales: de un lado, la validez de la ley;
y del otro, la legitimidad o justicia de la ley. Las discusiones
90 FRUTOS, Juan Antonio Senent de • Sujeto Libre Ante la Ley

entre las diversas posiciones del positivismo jurídico y las


diversas posiciones iusnaturalistas, recaen fundamentalmente
en torno al par validez/legitimidad de la ley. Las dimensiones
fundamentales de la ley son esas24, y sobre ellas debe girar el
universo de la ley. Este universo autocentrado en la
modernidad, en última instancia se pretende que reposa en sí
mismo. Los seres humanos y las sociedades son vistos como
piezas de ese mundo que los totaliza, al igual que la naturaleza
externa.
Sin embargo, hay otras discusiones sobre las dimensio-
nes de la ley que puede tener su proyección en la teoría jurí-
dica, por parte de algunos autores que tratan de pensar críti-
camente los fenómenos jurídicos desde el contexto latinoa-
mericano en las últimas décadas, y que introducen nuevos
elementos analíticos y conceptuales que permiten, a mi jui-
cio, ampliar la discusión sobre las dimensiones de la ley, y
con ello, dar paso a una reconceptualización crítica y políti-
ca de la ley. Es el caso, por ejemplo de Franz Hinkelammert,
Enrique Dussel o Ignacio Ellacuría. En este momento, sim-
plemente trataremos de plantear, a partir del primero de es-
tos autores, un problema bosquejado en su libro El grito del
sujeto.
Si tomamos en serio la afirmación de Jesús frente a los
fariseos en el contexto de su crítica a la ley, habría que
reformular la teoría jurídica común, porque desde ella no
puede ser inteligible: “¿No es Moisés el que os dio la Ley? Y
ninguno de vosotros cumple la Ley” (Jn, 7, 19).

24
Otros aspectos materiales de esas dos dimensiones pueden ser considerados
como manifestaciones empíricas de éstas, y en este sentido como algo derivado
de ellas, aunque no en un sentido causal sino como sus supuestos. Junto a la
legitimidad, estarían los procesos de legitimación del derecho, y junto a la vali-
dez, están los procesos de eficacia material de las normas, lo que en última
instancia dotaría de existencia a las normas (aunque esa existencia tuviera su
primera instancia en otro “lugar”).
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 91
Los fariseos se decían fieles servidores de la ley, por
tanto reconocían su “validez” y la acataban y cumplían.
También defendían la santidad y la justicia de la Ley de
Moisés, hoy diríamos que para ellos era una ley absolutamente
“legítima”. Éstos imputaban a Jesús, su violación, haber roto
la validez de la ley del Sábado por haber curado a un hombre
en Sábado. También el haber tratado de deslegitimarla.
Sin embargo, Jesús pretende a su vez ser auténtico
cumplidor de la ley de Moisés, la cual la consideraría, por
decirlo con nuestros términos, “válida” y “legítima”. Es más,
él se presenta no como quien pretende abolir la ley, sino como
su cumplidor y “perfeccionador”. Aquí no hay en primer
término un problema de reforma del Derecho, es decir, de la
diacronía de la ley, el de una ley mejor que sustituya a la
previa con contenidos más emancipadores; sino de sincronía
de la ley, no de cambios de leyes sino de habérselas con las
leyes en ese momento existentes que están operando ya y
sometiendo el mundo de las interacciones humanas. Ello
implica, que hay un conflicto de fondo entre dos visiones del
Derecho, entre dos “teorías”, no elaboradas, pero sí presentes
de alguna manera en sus juicios.
Jesús transgrede la ley de Sábado, y viola su tenor lite-
ral y la interpretación que de la misma hacen sus administra-
dores. Pero sin embargo, Jesús violando esta ley, no se reputa
a sí mismo ni como delincuente, ni como hoy podríamos pen-
sar “desobediente civil” (quien viola una ley injusta a sabien-
das y públicamente para que en el futuro esa ley sea derogada
y cambiada por otra que incorpore los aspectos reivindica-
dos). Sin embargo, los que guardan su validez y legitimidad
son sus incumplidores. Él se entiende a sí mismo como su
perfeccionador. Pero para ello, establece el juicio de reflexi-
vidad sobre la ley, que supone un discernimiento para otro
tipo de cumplimiento. Para ello, rompe el universo autopoié-
tico de la ley, descentrándolo a favor del universo de los se-
res humanos concretos y del pueblo. Para poder “cumplir”
92 FRUTOS, Juan Antonio Senent de • Sujeto Libre Ante la Ley

en un sentido nuevo, no en un cumplimiento literal, ritual y


mortal de la ley es necesaria otra relación con la ley, donde la
ley no sea un ídolo violento sino un instrumento al servicio
de aquellos.
Como señala Hinkelammert en este contexto, “la ley es
para la vida, en consecuencia hay que suspenderla para que
sirva la vida”25. Ahora bien, insistimos en que esta suspensión
no supone para Jesús una pretensión de anulación o de
derogación formal, en suma de cuestionamiento de su validez,
ni tampoco de su legitimidad. Ello implica, para no ser
autocontradictorio en su posición, otra idea de validez, y otra
idea de legitimidad.
Si teorizamos esta perspectiva, diríamos que hay dos
dimensiones de la ley no presentes en la teoría hegemónica,
que podríamos denominar, una primera de “factibilidad
social”, y una segunda de “factibilidad personal”.
Jesús interpela la aplicación de la ley que supone un
yugo insoportable para el pueblo. Para Jesús no puede haber
un cumplimiento de la ley que respete a los seres humanos,
si es a costa del malestar y de la vida del pueblo en el que
opera. Hoy podríamos ver ese juicio de factibilidad social26,
por ejemplo, con respecto al cumplimiento de las leyes que
obligan al pago de las deudas externas. Pero también, asume
el punto de vista de la “factibilidad personal”. Aunque sólo
sea un ser humano particular el sometido, y por tanto su vida
sea impedida con ocasión de la ley, esta debe ser suspendida.
Jesús cura a un enfermo en Sábado transgrediendo esa ley
pero pretendiendo que con ello le hace su auténtico recono-

25
Ib., p. 36.
26
La estabilidad y subsistencia, es decir, la factibilidad de un sistema político está
también tensionada, condicionada y posibilitada en su caso por la propia facti-
bilidad del conjunto social. La factibilidad social no se plantea con ello como a-
política. Pero dicho sea de paso, tampoco la factibilidad personal está ajena al
campo de la factibilidad política, pudiendo, en ocasiones cuestionar un sacrifi-
cio personal la aceptación de una instancia política.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 93
cimiento (a la ley) como posible instrumento de humanizaci-
ón. Ahora bien, para que la visión de Jesús sea consistente,
estos otros momentos o dimensiones de la ley que surgen a
partir del discernimiento y por tanto de la relación libre fren-
te a la ley, y partiendo de su propio juicio (y continuando esa
lógica implícita en la situación práctica descrita), tienen que
estar integrados sistemáticamente unos con otros. Podríamos
considerar desde esta perspectiva:
1Validez→ 2Legitimidad→ 3Factibilidad social→
4Factibilidad personal27
En este contexto, desde el juicio de reflexividad unos
niveles perfeccionan a los anteriores, sin derogarlos sino
integrándolos en una unidad más compleja, en un universo
plural anclado en un horizonte a servicio de los seres
humanos. No se trata por ello, meramente de una apelación
al sentido de la ley, aunque lo incluye (lo cual podría
entenderse como una interpretación teleológica), o del
reconocimiento de un principio jurídico que cambie el sentido
de la aplicación de una norma (principios jurídicos vs.
normas), ni de un juicio moral externo al derecho que lo
desacredita y propugna por su sustitución, sino en última
instancia de tomar las leyes como supeditadas al proceso de
reproducción de la sociedad y de sus integrantes; y por ello
que el juicio de validez y en su caso de legitimidad, integre
los otros momentos de factibilidad social y personal.
Si se toman como niveles integrables, entonces surge
otra idea de validez donde ésta se “perfecciona” desde el ni-
vel 2, 3 y 428. Si la ley se aplica sólo desde los niveles 1 y 2,

27
Podríamos hablar en este contexto de una quinta dimensión de “factibilidad
ecológica” resultante de un sistema jurídico y social, pero dejamos esto por
ahora a un lado en aras de la brevedad.
28
Desde la perspectiva contraria, pueden darse a su vez esquemas de la legalidad
que prescindan de una o varias dimensiones. Por ejemplo, desde el esquema de
legalidad que postula el realismo político (por ejemplo, en Caifás), se prescinde
del nivel de factibilidad personal para pretender asegurar la factibilidad social
y la continuidad de la ley y la institución (“Conviene que un hombre muera
94 FRUTOS, Juan Antonio Senent de • Sujeto Libre Ante la Ley

pueden ocasionar el fracaso de la vida colectiva y personal.


Dada una ley vigente y legítima, como las que obligan al pago
de las deudas, si no se toman en consideración los niveles 3 y
4, ésta deja de “servir”. El grado de bien común habría que
considerarlo en relación a la integración de los niveles 3 y 4
en el universo legal-institucional que pretende girar exclusi-
vamente alrededor de los niveles 1 y 2. O dicho de otra ma-
nera, el centro de gravedad de una sociedad en donde reinara
el bien común, como bien de todos y del todo, se asienta so-
bre la potenciación de la factibilidad social y personal que
aspira a la utopía de una sociedad en la que quepan todos, y
tengan vida en abundancia.
Si los niveles están desintegrados se da lugar a diversas
formas de despotismos y de totalitarismos. El desarrollo de
todo ello llevaría lejos, pues son muchos los planteamientos
habituales que se problematizan. El camino no ha hecho sino
comenzar. Por otra parte, es necesaria la delimitación del dis-
cernimiento de la ley que lleva a postular otras dimensiones
necesarias de los sistemas normativos vigentes, respecto de
categorías y cuestiones afines e interconectadas, aunque no
reconducibles a mi juicio al mismo, como son la objeción de
conciencia, la desobediencia civil/insumisión, la interpreta-
ción teleológica, la moralización del derecho, el estado de
necesidad, entre otras.
A continuación se proponen dos figuras. La primera
(figura 1) en lo que no sería el modelo desde la perspectiva
propuesta. La segunda (figura 2) sí trata de expresar gráfica-
mente la misma. Como metáforas visuales no pueden ser
sino instrumentos aproximativos y no representaciones aca-
badas.

para que el pueblo viva”). Un sistema de legalidad como el nazi, se desentiende


de la factibilidad personal, social y de la legitimidad (o la subsume en la vali-
dez).
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 95

N.4

Nivel 3

Nivel 2

Nivel 1

Figura 129: Representación de lo que no sería una concepción


compleja e integrada, sino como niveles superpuestos.

N.1
Nivel 2

Nivel 3

Nivel 4

Nivel 5
Figura 2: Nivel 1: Validez-existencia; Nivel 2: Legitimidad-
legitimación; nivel 3: Factibilidad social; nivel 4: Factibilidad
personal; nivel 5: Factibilidad ecológica.

29
Los diversos tipos de desintegración podrían representarse cada uno. La figura
1, p. ej. valdría para expresar no sólo la desintegración entre niveles sino por
ejemplo el despotismo individual que no busca un lugar para todos sino a costa
de todos.
96 FRUTOS, Juan Antonio Senent de • Sujeto Libre Ante la Ley

Los niveles 4 y 3 (y 2) participan todos del nivel 1, pero


este nivel de la validez, en parte, puede excluir los otros ni-
veles. Mientras mayor es la exclusión, mayores serían las di-
ficultades en orden a su subsistencia. El universo de la ley
hegemónico es descentrado a favor de los sujetos que se eri-
gen en centro de la estabilidad del sistema legal, integrados a
su vez, en un circuito natural, y por tanto dependientes a su
vez de la factibilidad ecológica del conjunto del sistema de
acciones y orientaciones normativas de la sociedad. Un siste-
ma legal puede funcionar produciendo casualties personales
(n.4), subsistiendo el sistema social donde se desarrolla el
sistema legal. En ese supuesto el sistema legal tiene elemen-
tos de irracionalidad (sin sentido) y de no factibilidad para
las víctimas del mismo y para quienes son capaces de verlas.
Si el desenvolvimiento y cumplimiento de un sistema legal
pone en crisis las estructuras de mantenimiento y reproduc-
ción del conjunto social, podemos decir que se trata de un
orden inestable, abocado a su propio fracaso (por ejemplo,
sistema nazi), incluyendo el propio sistema político. Si un
sistema legal no tiene en cuenta de modo suficiente la nece-
sidad de legitimación y de la legitimidad de un sistema legal
puede tener problemas eficacia.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 97

4 – PAZ, SEGURIDAD, DESARME,


DESARROLLO Y DERECHOS HUMANOS
Nicolás Angulo Sánchez

1. La “mundialización” o “globalización”
La paz, la seguridad, el desarme y el desarrollo huma-
no y sostenible (es decir, no cualquier tipo de desarrollo) bien
pueden considerarse como derechos humanos, pues no fal-
tan razones legitimadoras para ello. Ahora bien, deben con-
frontarse al contexto histórico actual que suele denominarse
como “mundialización” o “globalización”, predominantemen-
te comercial y financiera, y en el que se desbordan las fronte-
ras estatales. En realidad, esta globalización se limita en gran
medida a una mundialización de los valores e intereses de
los grandes grupos y fuerzas hegemónicos que dominan la
producción y el mercado capitalistas1, en su versión más ul-
traliberal (el denominado “neoliberalismo”), es decir, lejos
de llevar a cabo políticas redistributivas de la riqueza a esca-
la planetaria, tal y como se ha venido haciendo, con mayor o
menor efectividad, en los denominados Estados sociales o de
bienestar vigentes en los países capitalistas más industriali-
zados tras la II Guerra Mundial, con el propósito de evitar
conflictos o de resolverlos pacíficamente mediante la con-

1
A saber: los Estados más ricos e industrializados, encabezados por EE.UU. y
su poderoso aparato militar, las instituciones financieras y comerciales
internacionales (Fondo Monetario Internacional, Banco Mundial, y
Organización Mundial del Comercio, principalmente), todos ellos bajo la tutela
de hecho, por muy opaca que sea, de las grandes empresas y bancos
transnacionales.
98 SÁNCHEZ, Nicolás Angulo • Paz, Seguridad, Desarme, Desarrollo y Derechos Humanos

certación social (política interna) o la diplomacia y la poten-


ciación de organizaciones internacionales (política exterior),
es decir, medidas de carácter político no represivas ni de ca-
rácter bélico.
Sin embargo, multitud de frentes bélicos han venido
ocupando un lugar preponderante en el largo período deno-
minado como “guerra fría” entre las dos superpotencias mili-
tares (EE.UU. y URSS), que sucedió a la conflagración mun-
dial mencionada, y que tuvo como campos de batalla princi-
palmente los pueblos y territorios colonizados que luchaban
precisamente por su descolonización e independencia2. Este
belicismo se ha visto aún más agudizado e intensificado tras
el final de la susodicha guerra fría3, merced a la implosión de
la URSS, constituyendo dicho belicismo y la industria mili-
tar subyacente la punta de lanza de una gran ofensiva por
parte de la superpotencia militar restante (EE.UU.) y de su
“nueva” ideología “globalizadora”: el “neo”liberalismo. Lo
sucedido el 11 de septiembre de 2001 en EE.UU. y su hiper-
mediatización han constituido un pretexto idóneo para faci-
litar dicha ofensiva4. Las dificultades para incorporar a este

2
Corea, Vietnam, Argelia o Sudáfrica no fueron ni mucho menos lós únicos
casos, pero pueden servir de ejemplo de las guerras nada “frías” que se
entablaron frente a las potencias coloniales vencedoras en la II Guerra
Mundial.
3
Los conflictos y guerras del Oriente Medio (Israel Palestina, Irak, Aganistán,
…) no son más que los más “visibles”, pues hay otros muchos frentes abiertos,
aunque “olvidados” (sobre todo en África, pero también en América Latina:
Colombia) por parte de unos medios de comunicación asimismo dominados
y controlados por las fuerzas hegemónicas mencionadas (vèase: Guerra
global permanente. La nueva cultura de la inseguridad, José Angel Brandariz
y Jaime Pastor (ed.), editorial Catarata, Madrid 2005.
4
Dicha hipermediatización resulta evidente si se compara con la repercusión
que tuvieron eventos igualmente sangrientos, como fue, por ejemplo, el
golpe militar efectuado precisamente un 11 de septiembre, el de 1973, en
Chile contra un gobierno democrático, y que desencadenó una represión
cuyo número de víctimas fue aún muy superior. Fue uno más de los muchos
golpes y dictaduras militares subsiguientes de esas características apoyados
por EE.UU. y sus aliados. Asimismo, Adolfo Pérez Esquivel (Premio Nobel
de la paz en 1985), señala: “el día 11 de septiembre, cuando hubo ese ataque
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 99
tipo de mundialización-globalización una dimensión “soci-
al” o “humana” son cada vez más patentes5 y los más perjudi-
cados son, como de costumbre, los más vulnerables6.

2. Normas y declaraciones internacionales


En la constitución original de la Organización Interna-
cional del Trabajo (OIT), creada en 1919, ante la secuela de
desastres y calamidades causados por la recién terminada
I Guerra Mundial y como fruto de la preocupación de la co-
munidad internacional por crear condiciones para que la
humanidad pudiera vivir en paz y seguridad, se señala que
“una paz universal y permanente sólo puede basarse en la
justicia social”. Estas preocupaciones y observaciones se hi-
cieron de nuevo patentes cuando ya se anunciaba el fin de la
II Guerra Mundial y ante un panorama no menos catastrófi-
co, concretamente en la Conferencia de Filadelfia de 1944,
de donde emanó la Declaración de Filadelfia, y en la que se

terrorista en las Torres Gemelas en Nueva York, justamente en el mismo


momento, la FAO publica un informe que dice que ese día murieron más de
35.000 niños en el mundo de hambre, ningún diario habló de ello, Naciones
Unidas no se reunió, ni el Consejo de Seguridad, no habló el secretario
general y esto pasó desapercibido; pero todos los días mueren esa cantidad
de niños en el mundo. Pero se invierten miles de millones de dólares para
la destrucción y la muerte, en armamento, los traficantes de la muerte”
(véase de dicho autor: El derecho a la paz, en la revista electrónica
“Seguridad sostenible”, edición 10, 15 de febrero de 2003 (www.iigov.org).
También Las facetas del neoliberalismo terrorista, de François Houtart, en
“Alai-amlatina” (Agencia Latinoamericana de Información), 28 de enero de
2006 (http://alainet.org).
5
Véase La asociación global para el desarrollo y su relación con la Ronda de
Doha, de Juan Pablo Prado Lallande y María Cristina Rosas, en “Revista
española de desarrollo y cooperación”, num. 17, invierno 2005. Asimismo,
Ronda de Doha: expectativas y frustraciones de los países en desarrollo, de
Carlos M. Correa, en la revista “Gloobal”, 9 de noviembre de 2006
(www.gloobal.info/iepala). También “Revista del Sur” n.º 168, nov/dic 2006,
dedicado asimismo al estado actual de la Ronda de Doha de la OMC.
6
Véase Infancia y conflictos bélicos, de Carlos Taibo, en “LaRepública.es”,
4 de octubre de 2006 (www.larepublica.es).
100 SÁNCHEZ, Nicolás Angulo • Paz, Seguridad, Desarme, Desarrollo y Derechos Humanos

decidió revitalizar los principios de la OIT, considerando di-


cha paz y justicia social como objetivos primordiales, así como
las condiciones y medidas para lograrlas:
“el cumplimiento de los objetivos enunciados en esta Decla-
ración (paz universal y permanente basada sobre la justicia
social), puede obtenerse mediante una acción eficaz en el
ámbito internacional y nacional, que incluya medidas para
aumentar la producción y el consumo, evitar fluctuaciones
económicas graves, realizar el progreso económico y social
de las regiones menos desarrolladas, asegurar mayor estabi-
lidad de los precios mundiales de materias primas y produc-
tos alimenticios básicos y fomentar un comercio internacio-
nal de considerable y constante volumen”.7
Asimismo, en el Preámbulo de la Carta de las Naciones
Unidas, los pueblos de las Naciones Unidas manifestaron estar
resueltos:
“a unir nuestras fuerzas para el mantenimiento de la paz y
seguridad internacionales, a asegurar, mediante la aceptaci-
ón de principios y la adopción de métodos, que no se usará
la fuerza armada sino en servicio del interés común, y a em-
plear un mecanismo internacional para promover el progre-
so económico y social de todos los pueblos”.
Los propósitos de los pueblos que deciden formar parte
de las Naciones Unidas se exponen en el artículo 1 y en sín-
tesis son:
– mantener la paz y la seguridad internacionales;
– fomentar entre las naciones relaciones de amistad
basadas en el respeto de los principios de igualdad de dere-
chos y de libre determinación;
– cooperar en la solución de los problemas internacio-
nales de carácter económico, social, cultural y humanitario y
en el estímulo del respeto a los derechos humanos y las liber-
tades fundamentales.

7
Véase el párrafo IV de la Declaración de Filadelfia de 1944.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 101
– servir de centro que armonice los esfuerzos de las
naciones por alcanzar estos propósitos comunes;
De esto se deduce que, según dicha Carta, la paz y la
seguridad internacionales sólo serán posibles en un contexto
de estabilidad y bienestar generalizados. Poco despúes, con
el propósito de dar contenido a dicha estabilidad y bienestar,
se redactó la Declaración Universal de los Derechos Huma-
nos (DUDH), en la que se enumeran una serie de derechos
considerados de valor universal y que deben ser respetados
por todos. Dichos derechos constituyen la base de la liber-
tad, la justicia y la paz en el mundo. Es decir, la paz debe ser
una paz justa, en la que los conflictos y controversias se resu-
elvan mediante procedimientos pacíficos y equitativos, no
una paz impuesta basada en la represión y en la imposición
por la fuerza de determinados intereses y privilegios elitis-
tas, tanto a escala nacional como internacional, camuflados
bajo eufemismos del estilo de “la seguridad nacional e inter-
nacional”, “el orden público”, “la lucha contra la subversión
o el comunismo” y, más recientemente, “la lucha contra el
terrorismo”. Una paz sin respeto de los derechos humanos y
de las libertades fundamentales e impuesta mediante la agre-
sión militar no es paz, sino una muestra de la violencia ejer-
cida desde una situación de dominación para silenciar a los
opositores y disidentes, tanto a escala nacional como inter-
nacional.
La I Conferencia Internacional de los Derechos Huma-
nos se celebró en Teherán en 1968 y en ella se aprobó la “Pro-
clamación de Teherán”, donde se puso de relieve la estrecha
relación entre la paz y los derechos humanos. En su preám-
bulo se considera que la paz y la justicia resultan indispensa-
bles para lograr la efectividad de los derechos humanos y de
las libertades fundamentales8. La Declaración de la Asam-

8
Asimismo, en su apartado 11 se señala que la violación de los derechos
humanos pone en peligro los fundamentos de la libertad, de la justicia y de la
paz en el mundo.
102 SÁNCHEZ, Nicolás Angulo • Paz, Seguridad, Desarme, Desarrollo y Derechos Humanos

blea General de las Naciones Unidas relativa al Derecho de


los Pueblos a la Paz, adoptada mediante la Resolución 39/11,
de 12 de noviembre de 1984, resulta ser una de las declara-
ciones más breves de las Naciones Unidas y en ella se su-
braya el estrecho vínculo entre la paz y los derechos huma-
nos, constituyendo un precedente relevante de la posterior
Declaración sobre el Derecho al Desarrollo (DDD), adoptada
el 4 de diciembre de 1986, mediante la Resolución 41/128.
La DDD, por su parte, considera en su preámbulo que “la paz
y la seguridad internacionales son elementos esenciales para
la realización del derecho al desarrollo” y, por esta razón,
dispone en su artículo 7 que:
“Todos los Estados deben promover el establecimiento, man-
tenimiento y fortalecimiento de la paz y la seguridad inter-
nacionales y, con ese fin, deben hacer cuanto esté en su po-
der por lograr el desarme general y completo bajo un control
internacional eficaz, así como lograr que los recursos libera-
dos con medidas efectivas de desarme se utilicen para el de-
sarrollo global, en particular de los países en desarrollo”.
Posteriormente, en la Consulta Global sobre el Derecho
al Desarrollo, celebrada en Ginebra en 1989, se puso de ma-
nifiesto que fortalecer la cooperación multilateral y facilitar
el establecimiento de una sociedad internacional equitativa
y equilibrada es del interés de todas las naciones (párrafo 55),
dado que las desigualdades dentro y entre las naciones origi-
nan numerosos conflictos y tensiones (párrafo 52). A este
respecto, las Naciones Unidas tienen una especial responsa-
bilidad, pues su Carta fundacional establece claramente el
estrecho vínculo entre la paz y la seguridad, por un lado, y el
desarrollo económico y el progreso social, por otro. De ahí
que la seguridad en el mundo no puede garantizarse sin unas
relaciones económicas equilibradas, equitativas y justas en-
tre los Estados (párrafo 56). Por estas razones, la paz, la segu-
ridad, el desarrollo y los derechos humanos son interdepen-
dientes: la realización de los derechos humanos a través de
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 103
un proceso de desarrollo resulta crucial para la estabilidad
nacional y la promoción de la paz y seguridad internaciona-
les (párrafo 159).
De nuevo, el relevante papel que desempeña el sistema
de las Naciones Unidas se destaca en la Declaración y Pro-
grama de Acción de Viena de 1993, fruto de la II Conferencia
Internacional de los Derechos Humanos, celebrada en dicha
ciudad, al señalar que:
“los esfuerzos del sistema de las Naciones Unidas por lograr
el respeto universal y la observancia de los derechos huma-
nos y las libertades fundamentales de todos contribuyen a la
estabilidad y el bienestar necesarios para que haya relacio-
nes de paz y amistad entre las naciones y para que mejoren
las condiciones para la paz y la seguridad, así como para el
desarrollo económico y social, de conformidad con la Carta
de las Naciones Unidas” (párrafo I.6).
Por lo tanto, es necesario generar un clima de paz y
confianza entre las naciones del mundo, basado en un diálo-
go permanente, respetuoso y constructivo, tanto bilateral
como multilateral, mediante el cual dichas naciones puedan
resolver pacíficamente sus controversias. Este clima de paz
es de particular importancia ya que los conflictos armados
suelen ser causa, tanto directa como indirectamente, de vio-
laciones masivas de los derechos humanos9. Asimismo, los
Estados, y en especial los más industrializados y poderosos
militarmente, deben promover el establecimiento, manteni-
miento y fortalecimiento de la paz y la seguridad internacio-
nales, por lo que deben hacer todo lo posible por lograr el
progresivo desarme bajo control internacional, con objeto
de liberar recursos hacia la aplicación del derecho al desar-

9
Véase: Sobre la relación entre el desarrollo y el disfrute de todos los derechos
humanos, reconociendo la importancia de crear condiciones en que todos
puedan disfrutar de esos derechos, de Hubert W. Conroy, documento
preparatorio para la Conferencia Mundial de Derechos Humanos de Viena
de 1993, doc. A/CONF.157/PC/60/Add. 2, Nueva York 1993, párrafo 223.
104 SÁNCHEZ, Nicolás Angulo • Paz, Seguridad, Desarme, Desarrollo y Derechos Humanos

rollo10. Asimismo, las sucesivas conferencias mundiales so-


bre cuestiones relacionadas con los derechos humanos orga-
nizadas por las Naciones Unidas han recalcado los estrechos
lazos entre tres objetivos cruciales de la Carta de las Nacio-
nes Unidas, a saber, la paz, el desarrollo y los derechos hu-
manos. Así, por ejemplo, la Declaración sobre Desarrollo So-
cial de Copenhague, fruto de la Conferencia Mundial sobre
Desarrollo Social celebrada en dicha ciudad en 1995, por ejem-
plo, considera de vital importancia:
“apoyar el progreso y la seguridad de los seres humanos y de
las comunidades, de modo que cada miembro de la sociedad
pueda satisfacer sus necesidades humanas básicas y realizar
su dignidad personal, su seguridad y su creatividad”11.
El Programa de Desarrollo, adoptado por la Asamblea
General de las Naciones Unidas el 20 de junio de 1997,
mediante la Resolución 51/240, afirma claramente que la paz
y el desarrollo están estrechamente relacionados entre sí y se
apoyan mutuamente, y que sin desarrollo no puede haber
paz ni seguridad (párrafo 3), de ahí que el Programa de De-
sarrollo y el Programa de Paz resulten complementarios12. En
efecto, no se puede alcanzar el desarrollo si no hay paz y
seguridad y si no se respetan todos los derechos humanos y
libertades fundamentales (párrafo 4). Además, advierte di-
cho Programa que los gastos excesivos para fines militares, el
comercio de armas y las inversiones destinadas a la produc-
ción, adquisición y acumulación de armas van en detrimento
de las perspectivas de desarrollo (párrafo 4), por lo que con-
viene reducir estos gastos a fin de poder asignar más fondos
al desarrollo económico y social (párrafo 71).

10
Véase la Resolución 52/136 de la Asamblea General de las Naciones Unidas,
de 12 de diciembre de 1997 (A/RES/52/136, 3 de marzo de 1998).
11
Doc. A/CONF. 166/9, p. 12.
12
Ambos elaborados a iniciativa del ex-Secretario General de las Naciones
Unidas, Sr. Boutros Boutros-Gali, y publicados por el Departamento de
Información Pública, Naciones Unidas, Nueva York 1995.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 105
Estos principios y propuestas, y esta manera de conce-
bir e interpretar su estrecha conexión, se han seguido reite-
rando hasta textos más recientes, como el informe presenta-
do por el Secretario General de las Naciones Unidas, Sr. Kofi
Annan, de cara al V aniversario de la Cumbre del Milenio y
de la proclamación de los Objetivos de Desarrollo del Mile-
nio (ODM) allí establecidos13, y en el documento final de la
cumbre mundial celebrada en Nueva York del 14 al 16 de
setiembre de 2005 con motivo de dicho aniversario:
“Reconocemos que la paz y la seguridad, el desarrollo y los
derechos humanos son los pilares del sistema de las Nacio-
nes Unidas y los cimientos de la seguridad y el bienestar
colectivos. Reconocemos que el desarrollo, la paz y la segu-
ridad y los derechos humanos están vinculados entre sí y se
refuerzan unos a otros”.14

3. La pobreza supone la negación del derecho al desarrollo


Existe una estrecha y recíproca relación entre la reduc-
ción de la pobreza, el desarrollo y los derechos humanos,
pues el desarrollo consiste en la realización de los derechos
humanos y, por consiguiente, en la progresiva reducción de
la pobreza. El desarrollo humano debe estar centrado en los
pueblos y en los individuos que los conforman, y tiene como
objetivos la mejora de su bienestar y el respeto de su digni-
dad e identidad. Por esta razón, la pobreza constituye, en la
medida en que supone la antítesis del desarrollo social, una
brutal y violenta negación de todos los derechos humanos,
que limita sustancialmente el alcance de las libertades públi-

13
Véase el informe Un concepto más amplio de libertad: desarrollo, seguridad
y derechos humanos para todos, donde se afirma que “no tendremos
desarrollo sin seguridad, no tendremos seguridad sin desarrollo y no
tendremos ni seguridad ni desarrollo si no se respetan los derechos humanos”
(doc. A/59/2005, párrafo 17).
14
Véase doc. A/RES/60/1, párrafo 9.
106 SÁNCHEZ, Nicolás Angulo • Paz, Seguridad, Desarme, Desarrollo y Derechos Humanos

cas de los más pobres, privando a éstos y a las comunidades


a las que pertenecen de los bienes necesarios para vivir dig-
namente.
Al igual que el desarrollo humano y sostenible, la po-
breza posee un carácter multidimensional y complejo al im-
plicar elementos materiales, como el hambre, la malnutrici-
ón, la falta de seguridad alimentaria, la falta de agua potable
y para la higiene personal, los problemas de salud ligados a
enfermedades fácilmente curables con las medicinas y cono-
cimientos actuales, las viviendas precarias e insalubres, el
desempleo y el subempleo, y la escasez de ingresos económi-
cos, así como elementos inmateriales, como el analfabetis-
mo, el acceso restringido a centros de educación y a otros
servicios públicos, la exclusión y la marginación social, la
violencia y, en definitiva, la falta de perspectivas y de espe-
ranzas de que la situación mejore, que empuja a la desespe-
ración15. Asimismo, la pobreza implica una importante limi-
tación de los derechos de participación política al limitar la
capacidad de expresión de las necesidades e intereses en la
vida pública. Por este motivo, cabe cuestionarse qué signifi-
ca la libertad para quien no tiene suficiente para comer e in-
cluso se muere de hambre, pues los derechos humanos y del
ciudadano carecen de sentido para aquellos hombres que
vegetan en el hambre, la enfermedad y la ignorancia16.
La carencia de bienes esenciales para vivir dignamente
y la exclusión de la vida económica, política, social y cultu-
ral no son problemas exclusivos de los países más pobres,
pues también en los países más ricos e industrializados mu-
cha gente no puede satisfacer sus necesidades básicas, caso

15
La II Conferencia Mundial sobre Derechos Humanos, celebrada en Viena en
el año 1993, denunció que “la generalización de la pobreza extrema impide
el pleno y eficaz disfrute de los derechos humanos” (párrafo I.14).
16
Véase Kéba M’Baye: Le droit au développement comme un droit de
l’homme, en “Revue des droits de l’homme”, vol. V - 1, ed. Pédone, Paris,
1972, p. 524.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 107
por ejemplo de EE.UU., donde pasan hambre 30 millones de
personas, entre ellos 13 millones de niños menores de
12 años17. En este país se calcula en 38 millones el número
de personas que sobreviven por debajo del umbral de pobre-
za y en el conjunto de los países más industrializados se cal-
cula que más de cien millones de personas viven por debajo
de dicho umbral. Estas cifras no sólo no están disminuyen-
do, sino que su tendencia es al alza, al igual que la desigual-
dad económica y social en el resto del mundo18.
La catástrofe causada por el ciclón Katrina en el Sur de
EE.UU. puso al descubierto hasta qué punto este superestado
está afectado por la pobreza y la desigualdad, a pesar del
empeño de los grandes medios de comunicación en ocultar-
lo. Es también significativo que en este país, fuertemente
marcado por una violencia estructural en todos los ámbitos,
la población reclusa alcance la cifra de 715 presos por cada
100.000 habitantes (cifra casi cinco veces superior a la de
España, que es una de las más altas de la Unión Europea)19,
los cuales, al igual que gran parte de los condenados a muer-
te, son en su mayoría pobres con insuficientes recursos para
costear debidamente una asistencia jurídica adecuada que
haga frente a multitud de irregularidades procesales.
El Banco Mundial (BM) establece en un dólar diario el
umbral de la denominada “pobreza extrema”, lo cual no deja
de ser arbitrario, puesto que el dólar es una moneda de un
país industrializado y su valor monetario no sólo no equivale
a la misma cantidad de bienes en los diferentes lugares del
planeta, sino que la disparidad puede ser muy elevada. Así
pues, establecer en un dólar diario el umbral de la pobreza
extrema permite ocultar que también existe este tipo de po-

17
Véase informe sobre desarrollo humano del Programa de las Naciones Unidas
para el Desarrollo Humano (PNUD) correspondiente al año 1998.
18
Véase informe sobre desarrollo humano del PNUD correspondiente al
año 2006 (http://firgoa.usc.es/drupal/node/32602).
19
Véase el diario “El País”, de 24 de octubre de 2005, p. 25.
108 SÁNCHEZ, Nicolás Angulo • Paz, Seguridad, Desarme, Desarrollo y Derechos Humanos

breza en los países que se presumen más “desarrollados”. En


cualquier caso, si tomamos ese dólar como referencia a título
orientativo, aun con todas sus imprecisiones, se calcula actu-
almente entre 1.200 y 1.300 millones los seres humanos a lo
ancho del planeta que viven (malviven) con menos de dicho
dólar diario20. Esto supone que uno de cada cuatro o cinco
seres humanos vive en condiciones de “pobreza extrema” y
con escasas perspectivas de que su situación cambie a corto
plazo, dado que el número de personas que viven en tales
condiciones no está disminuyendo.
Una característica relevante de este fenómeno es su fe-
minización, es decir, la pobreza incide con más intensidad
en las mujeres, pues se estima que el 70% de personas que
viven en condiciones de pobreza extrema en todo el mundo
son mujeres. Es más, sólo perciben una décima parte de los
beneficios y poseen solamente una décima parte de los dere-
chos de propiedad21. Ello se debe, entre otras cosas, a los gran-
des obstáculos que encuentran las mujeres en su emancipa-
ción a causa de determinadas leyes locales profundamente
arraigadas en tradiciones culturales y costumbres sociales,
de las que los agentes de la economía de mercado capitalista,
principalmente las empresas transnacionales, no dudan en
aprovecharse para incrementar la sobreexplotación laboral y
así obtener mayores beneficios con menor coste22.

20
Véase el informe sobre desarrollo humano del PNUD del año 2000, p. 4.
Asimismo, Francine MESTRUM: Mondialisation et pauvreté,
ed. L’Harmattan, Paris 2002, p. 59. También El sentido de la “lucha contra
la pobreza” para el neoliberalismo, de François Houtart (http://firgoa.usc.es/
drupal/node/23910).
21
Véase Human Rights today. A United Nations priority, en “UN Briefing Papers”,
New York, octubre de 1998, p. 22.
22
Es el caso de las denominadas “maquilas” en América Latina, que también
existen en gran número en países del este asiático, es decir, los denominados
“tigres” y “dragones” asiáticos en los decenios ochenta y noventa del pasado
siglo hasta la crisis de 1997, la cual puso en evidencia la fragilidad de su
“modélico” modelo de producción, valga la redundancia, según las empresas
transnacionales y los Estados más industrializados, quienes tampoco paran
mientes en “detalles” como la explotación de mano de obra infantil.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 109
Algunas de las principales dificultades de los países
del tercer mundo se refieren a la enorme carga de la deuda
externa, el deterioro de la relación de intercambio comercial,
la disminución de la Ayuda Oficial al Desarrollo (AOD) y la
escasez de corrientes de capital privado y de recursos huma-
nos hacia dichos países. Asimismo, llama la atención sobre
la difícil situación del continente africano, donde la pobreza
alcanza niveles particularmente graves:
“Gran parte del continente se ve afectada, entre otras cosas,
por una infraestructura física e institucional deficiente, es-
caso desarrollo de los recursos humanos, falta de seguridad
alimentaria, malnutrición, hambruna, epidemias, enferme-
dades generalizadas, desempleo y subempleo. A todo ello se
suman diversos conflictos y desastres. Estas variadas limita-
ciones y restricciones hacen que sea difícil para África bene-
ficiarse plenamente de los procesos de mundialización y de
liberalización del comercio e integrarse plenamente en la
economía mundial” (párrafo 17)23. Por este motivo, “la críti-
ca situación de África y de los países menos avanzados exige
que se asigne prioridad a esos países en la cooperación inter-
nacional para el desarrollo y en la asignación de la Asisten-
cia Oficial para el Desarrollo” (párrafo 185).
Esta lamentable situación empuja a muchos jóvenes
africanos a intentar desesperadamente emigrar a Europa u
otros países industrializados, muriendo muchos de ellos en
el empeño, o siendo maltratados y malheridos, al intentar
atravesar unas fronteras cada vez más difíciles de franquear,
y que convierten a los Estados más ricos e industrializados
en una especie de fortalezas inaccesibles, contradiciendo
abiertamente su reiterada autoproclamación de “libres”.

23
Véase Programa de Desarrollo de 1997, adoptado por la Asamblea General
de las Naciones Unidas mediante la Resolución 51/240, de 20 de junio
de 1997.
110 SÁNCHEZ, Nicolás Angulo • Paz, Seguridad, Desarme, Desarrollo y Derechos Humanos

4. La pobreza no consiste solamente


en la escasez de ingresos
La pobreza es la negación de los derechos humanos y la
libertad, sin el respeto y cumplimiento de los derechos eco-
nómicos, sociales y culturales, es mera ilusión24. Una cum-
bre particularmente relevante fue la Conferencia Mundial
sobre Desarrollo Social, celebrada en Copenhague en 1995, a
cuyo término se aprobó la Declaración sobre Desarrollo Soci-
al, donde se plantea como objetivo primordial de la comuni-
dad internacional la erradicación de la pobreza, en tanto que
imperativo ético, social, político y económico de la humani-
dad25. La pobreza se caracteriza como un problema complejo
y multidimensional que requiere un enfoque intersectorial e
integrado, al igual que el desarrollo humano y sostenible. Al
fin y al cabo, la pobreza es consecuencia de la negación del
desarrollo y, por lo tanto, de los derechos humanos, inclui-
dos los derechos económicos, sociales y culturales.
Uno de los aspectos relevantes de la pobreza se manifi-
esta, según lo expresado en la citada Cumbre, a través de la
falta de participación de los grupos e individuos más vulnera-
bles en la adopción de decisiones en la vida civil, social y cul-
tural. Ello se debe a que la pobreza constituye un importante
hándicap para la comunicación y el acceso a las instituciones,
los mercados, el empleo y los servicios públicos, lo cual facili-
ta que estos sectores de población sean olvidados y margina-
dos por los encargados de elaborar y decidir políticas. Ade-
más, se considera que la satisfacción de las necesidades bási-
cas es esencial para reducir la pobreza, y para que esto sea
posible se insiste en la necesidad de crear empleo digno26.

24
Véase “The Realization on the Right to Development. Global Consultation on
the Right to Development as a Human Right”, celebrada en Ginebra en 1989,
párrafo 108.
25
Declaración sobre Desarrollo Social de Copenhague, 1995, Doc.A/CONF.166/
9, p. 48.
26
Ibíd. p. 66.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 111
Asimismo, desde hace tiempo, son muchos los autores
y expertos que denuncian que “el deterioro de las actuales
formas de intercambio prosigue su tarea de pauperización
internacional”27, y que por este motivo, es más realista hablar
de países subdesarrollados y no en vías de desarrollo, dado
que los hechos muestran que más bien se encuentran en vías
del subdesarrollo, y que más propiamente podríamos hablar
del “desarrollo del subdesarrollo”, o del “subdesarrollo del
desarrollo” en el denominado tercer mundo 28. La pobreza,
como carencia de medios para producir y reproducir la vida
con un mínimo de dignidad, tiene su origen en situaciones y
estructuras económicas sociales y políticas que hacen funci-
onar a nivel internacional mecanismos que generan ricos cada
vez más ricos y pobres cada vez más pobres29.
Otro aspecto fundamental para entender y definir la
pobreza consiste en lo que se denomina como componente
relacional, el cual es un factor que suele ser obviado por los
autores de ideología liberal. Dicho componente relacional está
estrechamente vinculado con el sentimiento de dignidad y
de autoestima respecto de sí mismo, el cual es un aspecto
que los propios pobres suelen recalcar con notoriedad a la
hora de definir y de describir por sí mismos en qué consiste
la pobreza y qué es lo que les hace sentirse pobres. En este
sentido, la pobreza posee no sólo una dimensión que se refi-
ere a los ingresos, en la que se define a los pobres como qui-
enes viven por debajo de un determinado nivel de ingresos o
de consumo, sino que también posee una dimensión que se
refiere a la dificultad de acceso a los recursos necesarios para
desarrollar plenamente sus capacidades. Es decir, la pobreza
no se reduce a una mera falta de ingresos económicos, sino

27
Véase K. M’Baye, op. cit., p. 533.
28
Véase André Gunder Frank: El subdesarrollo del desarrollo. Un ensayo
autobiográfico, ed. Iepala, Madrid 1992.
29
Véase Juan Álvarez Vita: Derecho al desarrollo, Instituto Interamericano de
Derechos Humanos, ed. Cuzco, Lima 1988, p. 37.
112 SÁNCHEZ, Nicolás Angulo • Paz, Seguridad, Desarme, Desarrollo y Derechos Humanos

también a una falta de desarrollo de las capacidades o facul-


tades personales, debido a la privación o escasez de los me-
dios y recursos necesarios para poder llevar a cabo dicho de-
sarrollo. De este modo, la pobreza se traduce en una deficien-
te calidad de vida, de seguridad y de autoestima personal.
Así pues, la pobreza se subdivide en dos dimensiones: la eco-
nómica, ligada a la escasez de ingresos para satisfacer sus
necesidades básicas, y la social, que se vincula con la margi-
nación y la exclusión social, y donde el aspecto relacional
mencionado adquiere mayor relieve, especialmente en los
países más ricos e industrializados30. Este último guarda, asi-
mismo, una estrecha relación con el grado de desigualdad
económica y social en el seno de una comunidad, y es lo que
hace que los habitantes de Harlem (distrito de Nueva York), o
de cualquier otro “ghetto” de pobres y marginados en las gran-
des metrópolis, se sientan más pobres, aunque su nivel de
ingresos y de consumo sea mucho mayor, que los habitantes
de países del tercer mundo.

5. Medidas que deberían aplicarse


Una de las medidas reseñables se refiere al respaldo de
la denominada “Iniciativa 20/20”, adoptada por varias agen-
cias y programas de las Naciones Unidas (PNUD, UNESCO,
FNUAP, UNICEF y OMS), que consiste en hacer un llamami-
ento a todos los Estados, ricos y pobres, para que asignen al
menos un 20% de la Ayuda Oficial al Desarrollo (AOD) y un
20% de los presupuestos estatales a programas sociales bási-
cos, es decir, a la provisión de servicios sociales básicos para
todos, especialmente para los más desprotegidos31. En efecto,

30
Véase A. Bhalla, y F. Lapeyre: Social exclusion: towards an analytical and
operational framework, en “Development and change”, Vol.28, World Bank
Report. Citados en Comment se construit la pauvreté ?, en “Alternatives
Sud”, Vol. VI (1999) 4, ed. CETRI L’Harmattan, Louvain la Neuve,
Belgique, p. 9.
31
Resolución 2626 (XXV), de 24 de octubre de 1970, de la Asamblea
General de las Naciones Unidas.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 113
hay que destacar la necesidad de disponer de servicios soci-
ales básicos para todos, principalmente para los más pobres,
lo cual constituye un elemento esencial en cualquier estrate-
gia de lucha contra la pobreza. Estos servicios sociales deben
comprender, por ejemplo, la alimentación suficiente, la aten-
ción primaria de la salud, la educación básica, la salud de la
reproducción y la planificación familiar, el abastecimiento
de agua potable y el saneamiento en viviendas adecuadas,
entre otros, por lo que toda estrategia de lucha contra la po-
breza requiere, además, la colaboración conjunta de organis-
mos como la Organización para la Agricultura y la Alimenta-
ción (FAO), la Organización Mundial de la Salud (OMS), la
Organización de las Naciones Unidas para la Educación y la
Cultura (UNESCO) o la Organización de las Naciones Unidas
para la Infancia (UNICEF), por ejemplo, los cuales se ocupan a
escala planetaria de las cuestiones de la alimentación, de la
salud, de la educación básica y de los niños, respectivamente.
Además, deben tomarse medidas no sólo para “aliviar”
sino incluso para anular enteramente la pesada carga de la
deuda externa, dado que en muchos casos se trata de deuda
ilegítima u odiosa, especialmente por parte de los acreedores
del Club de París y de las instituciones financieras internaci-
onales (Fondo Monetario Internacional y Banco Mundial) 32.
Estas medidas deberían ser acompañadas de la aplicación de
políticas económicas y sociales apropiadas y el fomento de la
capacidad técnica y de las infraestructuras física e institucio-
nal necesarias para llevar a cabo estas políticas, así como
dedicar al menos el 0,15% del PNB (20% del 0,7%) de los
países donantes de Ayuda al Desarrollo a los países menos

32
Véase ¡Investiguemos la deuda!. Manual para realizar auditorías de la deuda
del tercer mundo, de AAJ, ATTAC (Uruguay), CADTM, CETIM, COTMEC,
Auditoria Cidadã da Dívida (Brasil), Emaús Internacional, EURODAD,
Jubileo Sur, South Centre, ed. CETIM y CADTM, Ginebra 2006.; así como
el libro colectivo Le Droit international, instrument de lutte ?, ed. CADTM
(Bélgica) y Syllepse (Francia), 2005.
114 SÁNCHEZ, Nicolás Angulo • Paz, Seguridad, Desarme, Desarrollo y Derechos Humanos

avanzados. En particular, deberían emprenderse medidas es-


pecíficas para combatir las enfermedades que se cobran un
elevado número de vidas humanas (SIDA, malaria, por ejem-
plo) y para reducir los efectos desmesurados de los desastres
y catástrofes naturales en estos países.
También cabe mencionar los Objetivos de Desarrollo
del Milenio, acordados en la Cumbre del Milenio de las Na-
ciones Unidas, celebrada en Nueva York en septiembre del
año 2000. En dichos objetivos los líderes mundiales (parti-
ciparon en total 189 Estados) fijaron una serie de metas a
lograr en plazos definidos y cuyo progreso hacia su realizaci-
ón fuera mensurable. Dichas metas y objetivos consisten bá-
sicamente en la lucha contra la pobreza, el hambre, las enfer-
medades endémicas, el analfabetismo, el deterioro del medio
ambiente y la discriminación contra la mujer. Entre los obje-
tivos citados figura el reducir a la mitad el número de perso-
nas que subsisten con menos de un dólar diario para el
año 2015. En la Cumbre sobre el Desarrollo Sostenible, cele-
brada en Johannesburgo en el año 2002, se insistió particu-
larmente en las metas encaminadas a reducir el número de
personas que carecen de acceso a agua potable y de saneami-
ento e higiene básico, entre otros. Sin embargo, son múlti-
ples las voces que manifiestan abiertamente su pesimismo al
respecto, en la medida en que no se están llevando a cabo
profundas reformas en el proceso de globalización o mundi-
alización económica imperante, que no hace sino ahondar
más y más la desigualdad y la brecha entre ricos y pobres no
sólo a escala mundial, sino también en el interior de cada
país, incluidos los más ricos e industrializados33.

33
Véase el dossier Objetivos del milenio: misión imposible, en “Revista española
de desarrollo y cooperación”, núm. 17, invierno 2005.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 115
Las naciones unidas y su consejo de seguridad
Dada la relevancia de las actividades en pro de la paz y
la seguridad por parte del sistema de las Naciones Unidas,
conviene precisar que su Carta fundacional considera el ar-
reglo pacífico de controversias como una obligación de los
Estados (artículos 2.3 y 33) y como una función de la Orga-
nización de las Naciones Unidas (artículos 33 a 38), corres-
pondiendo esta labor principalmente al Consejo de Seguri-
dad. Son de destacar las operaciones de mantenimiento de la
paz y de la seguridad internacionales (Capítulos VI y VII de
la Carta) que consisten en el desplazamiento de contingentes
militares a zonas en conflicto. A este respecto, se observa re-
cientemente la tendencia a utilizar estas operaciones para
asegurar el suministro de asistencia humanitaria en casos de
catástrofes naturales o de conflictos bélicos. Respecto de es-
tos últimos, debe tenerse en cuenta que la acción de las Naci-
ones Unidas debe prolongarse durante la situación posterior
al conflicto, debido a que las tareas de consolidación de la
paz abarcan tanto medidas dirigidas a la prevención de con-
flictos como medidas cuya aplicación se prevé una vez fina-
lizado el conflicto. Estas tareas consisten, por ejemplo, en la
desmilitarización de la zona, el control del armamento, las
reformas institucionales y legislativas, la organización de un
poder judicial independiente y efectivo y la asistencia al de-
sarrollo, entre otras. La creciente demanda de este tipo de
intervenciones explica la propuesta lanzada por el Secretario
General de crear una Comisión de Consolidación de la Paz34 y
recogida en el documento final de la cumbre mundial de se-
tiembre de 200535. No obstante, la actuación de los contin-
gentes militares enviados y financiados por las Naciones
Unidas ha sido también objeto de frecuentes controversias,

34
Véase el informe Un concepto más amplio de libertad: desarrollo, seguridad y
derechos humanos para todos, op. cit. (doc. A/59/2005), párrafos 114 a 119.
35
Véase doc. A/RES/60/1, op. cit., párrafos 97 a 105.
116 SÁNCHEZ, Nicolás Angulo • Paz, Seguridad, Desarme, Desarrollo y Derechos Humanos

tanto por el modo en que se han utilizado dichas fuerzas como


por la manera en que éstas han actuado, abundando los casos
de corrupción, incluidos el tráfico ilegal de armas y de perso-
nas. De hecho, la preocupación por estos hechos se manifiesta
en este mismo documento (párrafo 96) y en el informe prepa-
ratorio del Secretario General mencionado (párrafo 113).
Por otro lado, dado el protagonismo del Consejo de Se-
guridad sería conveniente su profunda reforma con miras a
establecer mecanismos de control político y jurídico del po-
der discrecional de este órgano, a través de la Asamblea Ge-
neral y del Tribunal Internacional de Justicia, que garantiza-
ran la conformidad de las actuaciones del Consejo con la Carta
de las Naciones Unidas y con el derecho internacional. Asi-
mismo, procede exigir una mayor democratización de dicho
órgano para así reforzar su legitimidad. Esta democratización
debería consistir en primer lugar en eliminar el derecho de
veto a los cinco Estados que disponen de él y no a extender-
lo, como mal menor, a otros Estados más o menos representa-
tivos del tercer mundo. Sin embargo, los Estados con privile-
gio de veto no parecen estar dispuestos en absoluto a renun-
ciar a tal privilegio, lo cual constituye uno de los principales
factores de inestabilidad que contribuyen a la progresiva de-
gradación de las actuales relaciones internacionales, junto con
la voluntad deliberada de dichos Estados de ignorar este ór-
gano si no se aceptan sus puntos de vista.
La agresión y posterior ocupación militar de Iraq, co-
menzada en 2003, bajo el pretexto de “liberar” a los iraquíes
de la tiranía de Saddam Hussein o de su supuesta posesión
de armas de destrucción masiva constituye todo un ejemplo
de arbitrariedad por parte de algunos de los Estados miem-
bros con derecho de veto en el Consejo de Seguridad, puesto
que no solo no contó con la autorización formal de dicho
Consejo (la intervención de la OTAN en Yugoslavia, tampo-
co), único órgano legal y legítimo en condiciones de hacerlo,
sino que además EE.UU. tuvo la desfachatez de declarar for-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 117
malmente el fin de las hostilidades en mayo de 2003: ¿se
trata entonces de una guerra no declarada?, ¿esto es así para
no tener que reconocer a los prisioneros de guerra como tales
y tratar de eludir los convenios internacionales de derecho
humanitario al respecto, entre otros la prohibición de la tor-
tura y de las cárceles clandestinas?
No obstante, la Organización de las Naciones Unidas
(ONU) sigue siendo necesaria y el mejor instrumento de los
existentes para lograr la paz y la seguridad internacionales
en la actualidad, dado que continúa siendo la organización
más representantiva de la legalidad y de la comunidad inter-
nacionales, y sus principios son los del derecho internacio-
nal que regula las relaciones internacionales, conforme a su
Carta fundacional, aunque tenga serias dificultades en hacer
efectivo este conjunto de normas y principios, en particular
respecto de las grandes potencias militares. Pero la responsa-
bilidad por esta inefectividad no debe achacarse a la ONU
como tal, sino precisamente a dichas potencias militares no
sólo por no subordinar el uso de su fuerza a las normas y
principios mencionados, sino incluso por actuar deliberada-
mente en su contra36.

7. El desarme
Asimismo, respecto del desarme, son los Estados con
derecho de veto en el Consejo de Seguridad quienes consti-
tuyen los principales obstáculos para hacerlo efectivo. En
efecto, las fuerzas y armamentos militares se encuentran muy
desigualmente repartidos en el mundo actual y son las gran-
des potencias militares, lideradas por los cinco Estados con
derecho a veto en el Consejo de Seguridad de las Naciones
Unidas, las principalmente responsables del lamentable es-
tado de la situación, y quienes más deberían hacer en pro del

36
Véase: ONU. Droits pour tous ou loi du plus fort ?, ed. CETIM (Centre Europe
Tiers Monde), Ginebra 2005.
118 SÁNCHEZ, Nicolás Angulo • Paz, Seguridad, Desarme, Desarrollo y Derechos Humanos

desarme. Pero los estrechos vínculos entre los dirigentes gu-


bernamentales y militares de dichas potencias con la indus-
tria del armamento, dado que son los principales producto-
res y exportadores de armas, dificultan enormemente cual-
quier avance al respecto. Por ello, procede denunciar:
“el fácil acceso que tienen grupos armados y regímenes repre-
sivos a material militar, de seguridad y policial, debido a que
el comercio de armas sigue siendo descontrolado y está rode-
ado de secretismo. Los países exportadores de armas todavía
no aplican suficientes medidas de control a sus transferencias
de armas y siguen exportando armas a países en conflicto, con
situaciones graves de violación de derechos humanos”37.
En particular, resulta llamativo que cuatro de cada cin-
co víctimas de conflictos armados (30 millones desde el fi-
nal de la II Guerra Mundial) lo son a causa del uso de armas
ligeras. La gran mayoría de estas víctimas (90%) son civiles,
sobre todo mujeres y niños, por lo que se puede concluir que
las armas ligeras son las que más matan. En efecto, las armas
de pequeño calibre son las ‘armas de destrucción masiva’ de
los pobres. Causan más muertos y heridos, y más daños en
los ámbitos político y social, que cualquier otro tipo de arma-
mento38. A la principal potencia militar, EE.UU., hay que aña-
dir ahora los Estados miembros de la Unión Europea amplia-
da, cuya capacidad de producción y exportación de armas
acumulada se acerca a la de EE.UU., a quien parecen querer
imitar hasta en la escandalosa ineficacia de los controles en
la exportación de dichas armas39.

37
Véase El control del comercio de armas, en “Justicia global. Las alternativas
de los movimientos del Foro de Porto Alegre”, dir. Rafael Díaz Salazar,
ed. Icaria, Barcelona 2003, p. 291.
38
Véase Working for peace, security and stability, publicado por la Oficina de
Publicaciones de la Comisión Europea, Luxemburgo 2005, pág. 25.
39
Así, por ejemplo, el “Código de la UE para impedir la exportación
irresponsable de excedentes de armas”. A ello hay que añadir la paradoja de
que los Estados europeos fabricantes de armas ligeras suelen ser quienes,
por otro lado, conceden importantes ayudas para el desarrollo o para la
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 119
8. El derecho a la paz y a la seguridad
El derecho a la paz no debe reducirse únicamente a la
ausencia de guerra, sino que éste implica también el derecho
a la seguridad y a estar protegido contra todo acto de violen-
cia, así como a oponerse a las violaciones de los derechos
humanos. Este derecho a la paz y a la seguridad incluye el
derecho de exigir a los Estados, y en particular a los más po-
derosos militarmente, el establecimiento de un sistema in-
ternacional de seguridad colectiva conforme a los principios
de la Carta de las Naciones Unidas y la resolución por vías
pacíficas de las crisis y conflictos internacionales, lo que
implica que las operaciones de las Naciones Unidas y de otras
organizaciones internacionales, como la OTAN, debidamen-
te subordinadas y bajo la dirección de Naciones Unidas, es-
tén encaminadas al mantenimiento de la paz y a la asistencia
humanitaria40. Todo esto va mucho más allá de la mera lucha
contra el “terrorismo” a la que parece querer reducirse la ayuda
a los países del tercer mundo41. Además el término “terroris-
mo” 42 resulta difícilmente definible por un régimen o siste-
ma que no sólo no puede prescindir de la violencia y del

reconstrucción de las áreas devastadas por un conflicto armado, el cual no


hubiera sido tan destructivo, o incluso no se hubiera desencadenado, si tales
armas no hubieran sido exportadas con tal facilidad al lugar en conflicto
(Véase la revista Amnistía Internacional, núm. 68, agosto 2004, p. 35.
Asimismo, el núm. 78, abril 2006, y el núm. 80, agosto 2006).
40
Se trata del derecho a la asistencia humanitaria de todos los individuos y
pueblos del mundo que se corresponde con el deber de prestar dicha
asistencia por parte de todos los Estados y de la comunidad internacional,
paralelamente al deber de socorrer que obliga a todo ser humano, y no el
derecho de “ingerencia humanitaria” o por “razones humanitarias”, expresión
bajo cuyo pretexto pretenden camuflarse determinadas pretensiones
imperialistas o neocolonialistas de algunas de las actuales potencias militares,
no exentas de un trasnochado paternalismo.
41
Véase Ayuda al desarrollo y seguridad: ¿dos agendas incompatibles?, de Carlos
Illán Sailer, en “Revista española de desarrollo y cooperación”, num. 17,
invierno 2005.
42
Véase Les périlleuses tentatives pour définir le terrorisme, de John Brown, en
“Le Monde diplomatique”, febrero de 2002, pp. 4 5.
120 SÁNCHEZ, Nicolás Angulo • Paz, Seguridad, Desarme, Desarrollo y Derechos Humanos

“terror”, si es preciso, para su supervivencia, sino que ade-


más hace apología de ello43.
Otra vertiente de la seguridad consiste en lo que se de-
nomina “seguridad humana”, en el sentido de que los Esta-
dos y la comunidad internacional deben garantizar a todo ser
humano los medios y recursos necesarios para vivir digna-
mente y desarrollar plena y libremente su personalidad. Esta
noción de seguridad humana viene siendo promovida desde
los organismos en pro del desarrollo y los derechos humanos
del sistema de las Naciones Unidas, en particular el Progra-
ma de las Naciones Unidas para el Desarrollo (PNUD), y con-
cretamente desde sus informes anuales a partir de 1994.
Por otro lado, el derecho a la paz debe incluir, asimis-
mo, el derecho de los pueblos y de los individuos al desarme
y a que los cuantiosos recursos destinados al rearme se des-
víen hacia fines humanitarios y sociales, así como al control
de armamentos, incluida la prohibición de las armas de des-
trucción masiva, lo cual implica la adopción de medidas po-
líticas y económicas a nivel nacional e internacional para
controlar y reducir progresivamente la producción y el tráfi-
co de armas. Así pues, como se ha dicho, el derecho a la paz
no debe reducirse únicamente a la ausencia de guerra, sino
que incluye también el derecho a oponerse a la guerra como
método de resolución de conflictos y, por esta razón, a solici-
tar y obtener en todo momento el estatuto de objetor de con-
ciencia44, aunque conviene dejar claro que, hoy por hoy, for-
malmente se carece de una protección jurídica a escala inter-
nacional de tales derechos y no existe una perspectiva a cor-

43
Valga como ejemplo el uso y abuso de actos violentos de toda índole en los
contenidos de la prolífica producción de la poderosa industria
“hollywoodiana” y su hegemonía mundial en los mercados cinematográficos.
44
Véase: Revisiter la troisième génération des droits de l’Homme avant leur
codification, de Karel Vasak, en el libro “Héctor Gros Espiell Amicorum Liber”,
ed. Bruylant, Bruxelles 1997, p. 1661. Véase también el borrador de
Anteproyecto de Tercer Pacto Internacional Relativo a los Derechos de
Solidaridad que se formula como propuesta en dicho texto.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 121
to plazo en este sentido. El primer paso a dar debería consis-
tir en la codificación del derecho a la paz en el marco del
derecho internacional de los derechos humanos45.

CONCLUSIÓN
El derecho a la paz, contra la guerra y contra la violaci-
ón de los derechos humanos se ubica junto con otros dere-
chos humanos de reciente elaboración y que se les suele de-
nominar como derechos de “tercera generación”. Principal-
mente son: el derecho al desarrollo, contra la pobreza, a la
asistencia humanitaria en cualquier parte del mundo ante
situaciones de extrema gravedad (catástrofes, conflictos béli-
cos, etc.), a un medio ambiente sano y a preservarlo frente al
deterioro grave y progresivo del conjunto de los ecosistemas
planetarios, así como a la existencia de un patrimonio común
de la humanidad que, asimismo, debe preservarse. De este
modo, se pone de relieve la necesaria cooperación y solidari-
dad que debe existir entre todos los seres humanos, con el
propósito de respetar, proteger y promover aquellos valores y
aspiraciones que se consideran comunes a todos (universa-
les). Esto requiere la contribución por parte de todos los indi-
viduos y de todos los pueblos en un esfuerzo coordinado,
conscientes de la existencia de esa responsabilidad común y
solidaria y, por lo tanto, del espíritu de cooperación necesario
para hacer realidad estos derechos, aunque ello parezca cada
vez más difícil en el contexto de un modelo de mundializaci-
ón o globalización que, en general, prima y fomenta más bien
lo contrario, es decir, la competitividad, la confrontación, el
egoísmo, la unilateralidad y, en definitiva, la guerra de todos
contra todos en todos los ámbitos de la vida.

45
Véase: Las Naciones Unidas ante el nuevo escenario preventivo. El reto de
los derechos humanos, de Carlos Villán Durán, curso en San Sebastián los
días 12 y 13 de septiembre de 2005, capítulo V, titulado El derecho a la paz
como derecho humano. Asimismo, La Declaración de Luarca sobre el derecho
humano a la paz, de 30 de octubre de 2006.
122

5 – ¿REVOLUCIÓN DE LOS DERECHOS


HUMANOS DE LOS PUEBLOS O CARTA
SOCIALDEMÓCRATA A SANTA CLAUS?
Antonio Salamanca Serrano

1. El hecho ambivalente de la mundialización


En los comienzos del siglo XXI, para muchas personas
la ‘globalización’ es ya un hecho incontestable. En este traba-
jo, también así lo afirmamos respecto al contenido que se
quiere indicar con esa palabra. Sin embargo, utilizaremos el
término ‘mundialización’ en lugar de ‘globalización’, como
más ajustado a la realidad, por la referencia que tiene el mundo
a la materialidad del mismo. Pues bien, la mundialización es
el contenido de la interacción interdependiente (respectivi-
dad) material del mundo. Este hecho no es reciente, sino que
su longue durée se inicia en el mismo momento de la aparici-
ón de la especie humana sobre el planeta Tierra1. Ahora bien,
lo que está ocurriendo en los últimos siglos, y de modo parti-
cular en las últimas décadas, es: (i) la intensificación de la
interacción de los seres humanos no sólo entre sí, sino tam-
bién con el medio natural; (ii) la intensificación de los efec-
tos del crecimiento de esa relación; y (iii) la intensificación
de la ‘conciencia’ de dichas interacciones y efectos. En los
últimos años, gran parte de los pueblos están viviendo este

1
K. A. APPIAH, Ciudadanos del mundo: en M. J. GIBNEY, La globalización de los
derechos humanos (Barcelona: Crítica, 2004) 197-232; 200; 213.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 123
acontecimiento como un auténtico ‘huracán de mundializa-
ción’ (globalización)2.
La intensificación de esas relaciones, efectos y conci-
encia, está siendo binaria. Por un lado, se manifiesta como
una gran revolución de la vida humana en el saber, la partici-
pación geopolítica y el poder. Y, por otro, aparece como una
apocalíptica contrarrevolución de la muerte por el dogmatis-
mo fanático, la geopolítica capitalista y la tiranía genocida. A
comienzos del tercer milenio, por desgracia, lo hegemónico
es la mundialización de la insatisfacción persistente de las
necesidades de vida de todo el planeta3.
Ahora bien, como el sentido de la ‘mundialización’ es
ambivalente y aún no está definitivamente escrito, urge re-
vertirlo (revolucionarlo), antes de que sea demasiado tarde,
para hacer hegemónica la mundialización de la satisfacción
de las necesidades materiales de vida de todos los pueblos de
la Tierra4. En esa tarea, los Derechos Humanos5 son el conte-
nido, la legitimación y el camino de realización de todo

2
Cfr. F. J. HINKELAMMERT, El huracán de la globalización: la exclusión y la
destrucción del medio ambiente vistos desde la teoría de la dependencia: Pasos
69 (1997) 21-27; ID., (comp.), El Huracán de la Globalización (San José [Costa
Rica]: DEI, 1999); cf. R. FORNET-BETANCOURT, Transformación intercultural de
la filosofía (Bilbao: Desclée de Brouwer, 2001) 173-189.
3
M. J. GIBNEY, La globalización de los derechos humanos, o. c., 13-14; S. GEORGE,
¿Globalización de los derechos?: en M. J. GIBNEY, La globalización de los
derechos humanos, o. c., 25; 37-38.
4
R. FORNET-BETANCOURT, Transformación intercultural de la filosofía, o. c., 193-194.
5
Cfr. P. BARCELLONA, La globalización y los derechos humanos en la construcción
europea: Revista de la Facultad de Derecho de la Universidad de Granada, 7
(2004) 9-27; M. CASTELLS, Globalización, Estado y sociedad civil: el nuevo
contexto histórico de los derechos humanos: Isegoria: Revista de Filosofía Moral
y Política, 22 (2000) 5-17; L. T. DÍAZ MÜLLER (coord.), Globalización y derechos
humanos (México: Universidad Nacional Autónoma, 2003); A. HOOGVELT,
Globalisation and the Postcolonial World (London, 1997); A. JULIOS-CAMPUZANO,
La globalización y la crisis paradigmática de los derechos humanos: Revista
de Estudios Políticos, 116 (2002) 189-218; J. E. LANE, Globalization and
politics: promises and dangers (Burlington, VT: Ashgate Pub., 2006); J. LIMA
TORRADO, Globalización y derechos humanos: Anuario de filosofía del derecho,
17 (2000) 43-74.
124 SERRANO, Antonio Salamanca • ¿Revolución de los Derechos Humanos de los Pueblos...

proyecto político revolucionario (transformador) del orden


cainita vigente.

2. El Proyecto Político de la Revolución mundial


de los DH de los pueblos
Los Derechos Humanos los definimos como la positiva-
ción de las necesidades materiales de vida del pueblo, por el
pueblo y para producir y reproducir su vida, bajo la sanción
coactiva de la fuerza física de la comunidad. Son las necesi-
dades materiales6 para producir y reproducir la vida humana
sobre la Tierra las que fundamentan, legitiman y estructuran
los derechos humanos como contenido del proyecto político
revolucionario. Las necesidades materiales estructurales de
vida no deben confundirse con los modos (medios) históri-
cos de satisfacerlas (satisfactores). Como ilustra J. Boltvinik:
“Una cosa es decir que los medios de satisfacer necesidades
tienen un significado social y otra muy diferente es decir
que las necesidades y los satisfactores están completamente
embrollados y no pueden distinguirse del todo. Un Cadillac
es un satisfactor de la necesidad de transporte, pero “estar
privado de poseer un Cadillac” es una frase sin sentido, mi-
entras estar privado de transporte puede resultar mortal. Sa-
tisfactores de la misma necesidad son sustituibles entre sí (si
uno no tiene un Cadillac puede usar el transporte público),
pero las necesidades no son sustituibles unas por otras: uno
no puede trasladarse a la clínica ingiriendo más alimentos.
Si uno está enfermo y no puede llegar a la clínica puede re-
sultar seriamente dañado”7.
El carácter cultural e histórico del satisfactor es el modo
propio que tiene de aparecer en el mundo. Pero, en cuanto
mediación, los satisfactores son culturalmente intercambia-

6
Ver Apéndice.
7
J. BOLTVINIK, Economía Moral. 2006: fin de la ilusión democrática: La Jornada,
29 de diciembre de 2006.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 125
bles a la hora de satisfacer una misma necesidad material de
vida. A diferencia de los satisfactores, las necesidades mate-
riales de la praxis de realidad humana (de la vida) no son
intercambiables. Son constantes irreductibles en ellas mis-
mas. Sería un error caer en la doble reducción de identificar
necesidad material con las ‘apetencias’ (wants), reivindicaci-
ones (demands), o con los modos culturales de los satisfacto-
res8.
La historia de los derechos humanos9 se remonta mu-
cho más atrás del siglo XVIII. Podemos decir que, en su mate-
rialidad, aparecen con la especie humana, claro está, en su
germinal grado de complejidad. Conviene no olvidar que los
derechos humanos nacen de las necesidades materiales de
vida del pueblo10. Otra cosa es la conciencia de su personali-
zación (subjetivación), generalización, universalización, in-
divisibilidad e interdependencia, y concreción histórica (es-
pecificación). Si la conciencia de la personalización y gene-
ralización se acrecienta a partir de la Revolución americana
y francesa, la conciencia de su mundialización se intensifica
particularmente desde 1948. Hoy, muchos que plantean du-
das sobre el “carácter universal [e innato]”11 de los DH, más
bien lo que quieren reivindicar es una ‘universalidad’ no abs-

8
Cfr. J. BOLTVINIK, Ampliar la Mirada. Un nuevo enfoque de la pobreza y el
florecimiento humano: Desacatos. Revista de antropología social 23 (2005);
H. SHAH; N. MARKS, A Well-Being Manifesto for a Flourishing Society (London:
New Economics Foundation, 2004); A. HELLER, Una revisión de la teoría de
las necesidades (Barcelona: Paidós, 1996); ID., Teoría de las necesidades en
Marx (Barcelona: Editorial Península, 1972).
9
Cfr. K. A. APPIAH, Ciudadanos del mundo: en M. J. GIBNEY, La globalización
de los derechos humanos, o. c., 197-232. Cfr. M. ISHAY, The history of human
rights: from ancient times to the globalization era (Berkeley: University of
California Press, 2004).
10
Cfr. G. ANDREOPOULOS; Z. F. KABASAKAL ARAT; P. JUVILER, (Eds.), Non-state actors
in the human rights universe (Bloomfield, CT: Kumarian Press, Inc., 2006).
11
CONFERENCIA MUNDIAL DE DERECHOS HUMANOS, Declaración y programa de acción
de Viena, aprobada por la Conferencia Mundial de Derechos Humanos el 25
de junio de 1993, ONU Doc. A/CONF.157/23 (1993) nº 1.
126 SERRANO, Antonio Salamanca • ¿Revolución de los Derechos Humanos de los Pueblos...

tracta sino que sea a la vez concreta12, plural13 e histórica-


mente dinámica y abierta14.
La conciencia de la indivisibilidad e interdependencia
de los DH ha sido reforzada con la Declaración y Programa
de Acción de Viena (1993). Con ello no se hace sino afirmar
que la vida humana es indivisible, y que de ella emanan inte-
gradamente todas las necesidades humanas que legitiman la
positivación de los DH y los sistemas de Derecho de cada
comunidad nacional. En este sentido, afirma:
“Todos los derechos humanos son universales, indivisibles e
interdependientes y están relacionados entre sí. La comuni-
dad internacional debe tratar los derechos humanos en for-
ma global y de manera justa y equitativa, en pie de igualdad
y dándoles a todos el mismo peso. Debe tenerse en cuenta la
importancia de las particularidades nacionales y regionales,
así como de los diversos patrimonios históricos, culturales y
religiosos, pero los Estados tienen el deber, sean cuales fue-
ran sus sistemas políticos, económicos y culturales, de pro-
mover y proteger todos los derechos humanos y las liberta-
des fundamentales”15.
Como los Derechos Humanos se asientan en última ins-
tancia en la materialidad necesitante de la vida humana como
praxis material de realidad, la vida humana no puede inter-
pretarse de forma restringida como la mera subsistencia or-
gánica, sino que queda referida a todo el ámbito de la praxis

12
Cfr. J. HERRERA FLORES, Los derechos humanos como productos culturales:
crítica del humanismo abstracto (Madrid: Los Libros de la Catarata, 2005)
219-234.
13
La jurisprudencia internacional, en particular refiriéndose a los Derechos
económicos, sociales y culturales, afirma que “no existe una vía única para
su realización”, ONU: CONSEJO ECONÓMICO Y SOCIAL, Los principios de Limburgo
relativos a la aplicación del Pacto Internacional de Derechos económicos,
sociales y culturales (1986) nº 6.
14
Cfr. CONFERENCIA MUNDIAL DE DERECHOS HUMANOS, Declaración y programa de
acción de Viena, o.c.
15
Ibid., nº 5.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 127
de realidad humana16. Éste es el tenor de los criterios jurídi-
cos interpretativos acogidos por Naciones Unidas, en especi-
al, los Principios de Limburgo (1986), la Conferencia de Vie-
na sobre Derechos Humanos (1993) y las Directrices de Ma-
astricht (1997). En ellos, y en el conjunto de documentos so-
bre Derechos Humanos, queda afirmado que la producción y
reproducción de la vida humana es el contenido del progreso
y el desarrollo social al que Naciones Unidas vincula el Dere-
chos de los Pueblos. El derecho matriz a la vida (universal,
indivisible e interdependiente, e inalienable) exige a la co-
munidad internacional, entre otras cosas, la eliminación de
todo tipo de explotación y colonialismo; el comercio interna-
cional justo; la distribución equitativa de la renta; la modifi-
cación de las relaciones económicas internacionales; la par-
ticipación popular en la vida económica; la creación de uni-
dades productivas cooperativas; el control del capital; la jus-
ticia en la redistribución fiscal; el aumento del gasto social;
la reforma agraria; la coexistencia pacífica entre países, etc17.
La conciencia de la pluralidad en la concreción históri-
ca (especificación) de los DH se ha intensificado desde las
últimas décadas del siglo XX, reflejándose en las positivacio-
nes particulares de DH. Sin embargo, este proceso, que mere-
ce ser elogiado por reconocer la riqueza de la pluralidad de

16
Cfr. L. BOFF, Virtudes para otro mundo posible (Santander: Sal Terrae, 2006);
ID., Del iceberg al arca de Noé: el nacimiento de una ética planetaria
(Santander: Sal Terrae, 2004); P. C HEAH , Inhuman conditions: on
cosmopolitanism and human rights (Cambridge, Mass.: Harvard University
Press, 2006); A. HELLER , Una revisión de la teoría de las necesidades
(Barcelona: Paidós, 1996); ID., Para una filosofía radical (Barcelona: El Viejo
Topo, 1980); ID., Teoría de los sentimientos (Barcelona: Editorial Fontamara,
1980); ID., La revolución de la vida cotidiana (Barcelona: Editorial Materiales,
1979); ID., Teoría de las necesidades en Marx (Barcelona: Editorial Península,
1972); A. SALAMANCA, Fundamento de los derechos humanos (Madrid: Nueva
Utopía, 2003).
17
Cfr. Declaración sobre el Progreso y el Desarrollo en lo Social (1969);
Declaración sobre el derecho al desarrollo (1986).
128 SERRANO, Antonio Salamanca • ¿Revolución de los Derechos Humanos de los Pueblos...

las necesidades humanas, no ha sido muy exitoso hasta el


momento en la articulación de la interdependencia e indivi-
sibilidad de los DH. A nuestro juicio, es la unidad estructural
de la vida humana, la estructuración de sus necesidades ma-
teriales, la fuente integradora de todos los DH. A continuaci-
ón, proponemos la constante estructural de las necesidades
materiales de la vida humana, en su posible satisfacción e
insatisfacción18. Esta constante es el criterio articulador de
los DH. La potitivación internacional de los mismos debería
organizarse en función de ella19.

Estructura de las Necesidades Mundiales de la Vida Humana

Comunicación eco-estética Información Liberación

Comunicación ero-económica Opinión Autodeterminación

Comunicación Conocimiento Revolución


político-institucional

Estructura de la Insatisfacción de las


Necesidades Mundiales de la Vida Humana
Necesidades Necesidades Necesidades
de de de
Comunicación Material Verdad Material Libertad Material

Degradación eco-estética Desinformación Esclavitud

Empobrecimiento Manipulación Tiranía


ero-económico de la Opinión

Incomunicación Desconocimiento Contrarrevolución


político-institucional

18
Ver Apéndice I.
19
Cfr. A. SALAMANCA, Fundamento de los derechos humanos, o. c.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 129
Estructura de los Derechos Humanos
Derechos Humanos Derechos Humanos Derechos Humanos
de de de
Comunicación Material Verdad Material Libertad Material

Derechos eco-estéticos Derechos de Derechos de Liberación


Información

Derechos ero-económicos Derechos de Opinión Derechos de


Autodeterminación

Derechos Derechos de Derechos de


político-institucionales Conocimiento Revolución

La dificultad que tiene la comunidad internacional en


articular la indivisibilidad e interdependencia de los DH se
explica en parte por las dificultades filosóficas en definir lo
que sean los DH, así como por las dificultades en la delimita-
ción de su contenido. Pero también, por la presencia de ideo-
logías contrarias a los DH que obstaculizan el avance de los
mismos. Ideologías que se están apropiando el discurso de
los DH para legitimar un imperialismo militar, político/eco-
nómico e ideológico. Ideologías contra las que hay que reve-
larse declarándoles una batalla de ideas.

3. La revolución de los derechos humanos


Los DH son para el siglo que comienza una maravillosa
e imprescindible herencia de nuestros antepasados. Son, como
hemos indicado, el contenido jurídico de toda política crítica
que busque afirmar la vida humana sobre el planeta y rever-
tir la actual hegemonía mundial genocida20. Con todo, los DH

20
Cfr. G. J. BIDART CAMPOS; G. I. RISSO (coords.), Los derechos humanos del siglo
XXI : La revolución inconclusa (Buenos Aires: Ediar, 2005); B. DE SOUSA
SANTOS; C. A. RODRÍGUEZ-GARAVITO (Eds.) Law and globalization from below:
towards a cosmopolitan legality (Cambridge: Cambridge University Press,
2005); E. ECHART (et al.), Origen, protesta y propuestas del movimiento
130 SERRANO, Antonio Salamanca • ¿Revolución de los Derechos Humanos de los Pueblos...

son, sin embargo, un dinamismo histórico, inacabado y per-


fectible. Así, por ejemplo, las positivaciones internacionales
deben tomarse como algo ahistórico (inmutable), acabado y
perfecto. Por el contrario, los DH están sometidos a la concre-
ción histórica de los pueblos, en el pluralismo de sus expre-
siones culturales, económicas, políticas, etc. Están someti-
dos, además, a la ineludible pluralidad histórica de necesi-
dades que tendrán que ser positivadas. Y, también, los DH
son susceptibles de verificación histórica en sus formulacio-
nes, contenidos e implementación, con vistas a garantizar su
realización. El criterio para la verificación histórica de los
DH es la satisfacción de las necesidades estructurales de la
vida humana de los pueblos. Aplicando este criterio, algunas
formulaciones, contenidos e implementación de los DH, de-
ben reivindicarse, revisarse y revertirse. Nos limitamos en el
análisis a tres de ellos: (i) el derecho humano a la revolución;

antiglobalización (Madrid: Catarata; Instituto Universitario de Desarrollo y


Cooperación (UCM), 2005); R. F ORNET -B ETANCOURT , Transformación
intercultural de la filosofía, o. c.; S. GEORGE, ¿Globalización de los derechos?:
en J. M. GIBNEY, La globalización de los derechos humanos, o. c., 21-38; M. J.
GIBNEY, La globalización de los derechos humanos, o. c.; Mª. A. GIRALT,
Globalización y los Derechos Humanos: Revista de Filosofía de la Universidad
de Costa Rica, 88/89 (1998) 467-472; F. GÓMEZ ISA, Derechos humanos y
globalización: Tiempo de Paz, 60 (2001) 41-51; M. GOODHART, Democracy as
human rights: freedom and equality in the age of globalization (New York,
NY: Routledge, 2005); C. LÓPEZ GUTIÉRREZ; F. J. URIBE PATIÑO; J. J. VÁZQUEZ
ORTEGA (coords.), Globalización, violencia y derechos humanos: entre lo
manifiesto y lo oculto (México, D.F.: Universidad Autónoma Metropolitana,
2005); J. C. MONEDERO, Cansancio del Leviatán: problemas políticos en la
mundialización (Madrid: Trotta, 2003); B. OREND, Human Rights Education:
Form, Content and Controversy: Encounters on Education 5 (2004) 61-80; M.
ORTEGA CARCELÉN, Cosmocracia: política global para el siglo XXI (Madrid:
Síntesis, 2006); I. RAMONET (et al.), Los desafíos de la globalización (Madrid:
Hoac, 2004); J. P. ROBÉ, Multinational Enterprises: The Constitution of a
Pluralistic Legal Order: G. TEUBNER (Ed.), Global Law without a State
(Dermouth, 1997) 46-47; M. R OBINSON , A voice for human rights
(Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2006); J. D. RUIZ RESA, Usos
del discurso de los derechos humanos en la fase de la globalización: Anales
de la Cátedra Francisco Suárez 35 (2001) 99-128.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 131
(ii) el derecho humano a la apropiación cooperativa (social y
estatal) de los medios de producción; (iii) el derecho humano
a la apropiación cooperativa (social y estatal) de los medios
de información, opinión y conocimiento. La materialización
de estos tres derechos humanos, cuya positivación internaci-
onal reivindicamos, no es posible en el sistema económico
capitalista (en cualquiera de sus modalidades). Esta afirma-
ción seguramente será muy bien acogida por personas de iz-
quierdas. Sin embargo, a los socialdemócratas tal vez les cu-
este más digerir que la realización de esos derechos tampoco
es posible en la socialdemocracia como sistema socioeconó-
mico (v.gr. la España de J. L. R. Zapatero, el Chile de M. Ba-
chelet, el Reino Unido de T. Blair, el Perú de A. García, etc.).
La socialdemocracia capitalista impide la revolución de los
Derechos Humanos; esto es, la producción y reproducción
de la vida de los pueblos en la interdependencia indivisible
de sus necesidades.

3.1. El derecho humano concreto a la revolución


El derecho humano a la vida (producir y reproducir la
vida)21 es el derecho humano universal, madre de todos los
demás. En los comienzos del siglo XXI, este derecho se encu-
entra positivado en las Declaraciones Internacionales de De-
rechos Humanos, y en las Constituciones de todos los países.
Sin embargo, el contenido del derecho universal a la vida
está positivado de forma incompleta 22. Esto es, el derecho a
la afirmación ‘universal’ a la vida es al tiempo el derecho
humano ‘concreto’ que tienen los pueblos a rebelarse cuando

21
F. HINKELAMMERT, Crítica de la razón utópica (Bilbao: Desclée, 2002) 317-323;
Cfr. E. DUSSEL, Hacia una Filosofía Política Crítica (Bilbao: Desclée, 2001)
103-110; 103; 114-119.
22
Cfr. D. SÁNCHEZ RUBIO, Reversibilidad del derecho: los derechos humanos
tensionados entre el mercado, los seres humanos y la naturaleza: Pasos, nº.
116 (2004).
132 SERRANO, Antonio Salamanca • ¿Revolución de los Derechos Humanos de los Pueblos...

la satisfacción de sus necesidades de vida es impedida. Es de-


cir, afirmando la vida humana desde su concreción histórica,
el derecho humano universal a la vida es el derecho humano
concreto a la revolución23. Con ello, la Revolución se consti-
tuye en fuente de derechos ya que se asienta radicalmente en
la unidad de un derecho originario que tienen todos los pue-
blos: el derecho humano a la vida-revolucionaria24.
El derecho humano a la revolución lo definimos como
el derecho que tienen los pueblos a satisfacer sus necesidades
materiales de vida y a revertir las relaciones que producen y
reproducen la muerte por la insatisfacción de aquéllas. El
contenido material del derecho humano a la revolución es,
por tanto, mucho más que su momento de ‘rebelión’ como
cambio por la fuerza de las instituciones políticas, económi-
cas o sociales de una nación; más que la inquietud, alboroto,
sedición; más que un cambio rápido y profundo. El conteni-
do material del derecho humano a la revolución es sobre todo
‘afirmación’ histórica positiva de la satisfacción de las nece-
sidades de la vida humana de los pueblos del planeta; y es, al
tiempo, ‘reversión’ de aquellas relaciones que generan la in-

23
A. SALAMANCA, El Derecho a la Revolución (San Luis Potosí: UASLP, 2006) 8;
O. CORREAS, Acerca de los Derechos Humanos. Apuntes para un ensayo
(México: Ediciones Coyoacán, 2003) 9.
24
Negar el derecho a la revolución (resistencia a la opresión) “… sería negar
que en 1787 los Padres Fundadores de los Estados Unidos de América
aprobaron su Constitución Republicana y proclamaron presidente de esa
nación al general George Washington, quien los había conducido a la victoria
sobre el colonialismo inglés; o negar los principios de libertad, igualdad, y
fraternidad de la Revolución Francesa, que dio inicio a una nueva era de la
Humanidad”, O. MIRANDA BRAVO, Cuba/USA Nacionalizaciones y Bloqueo (La
Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 20032 ) 6; 4-6. Sería negar la ‘primera
emancipación’ de la Revolución Mexicana de 1810, hoy en vísperas de su
segundo centenario. Sería negarle al pueblo las realizaciones de la Revolución
Cubana. Sería negar las transformaciones de la Revolución Bolivariana,
silenciada en nuestra América, E. CARDENAL, Venezuela: La Revolución
silenciada: Pasos, v.124 (2006). Sería negar el derecho indígena al triunfo
electoral de la Revolución Boliviana, en 2006, A. SALAMANCA, El Derecho a la
Revolución, o. c., 8-9.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 133
satisfacción de dichas necesidades de vida, y que causan la
muerte de los pueblos.
Los señores del imperio han expropiado al pueblo de la
‘legalidad’ (y positivación) internacional y nacional del dere-
cho humano a la revolución. La expropiación no ha sido sólo
operativa y legal, sino también ‘espiritual’. El ‘derecho a la
revolución’ ha sido ‘expulsado’ del pensamiento y el lengua-
je ‘civilizado’. Hay miedo a ‘pensar’ y utilizar el término en la
población en general, y particularmente en el ámbito univer-
sitario. Están exorcizados con los ‘sagrados’ instrumentos de
la ‘democracia’, el ‘orden público’ y la ‘seguridad nacional’.
Pero, como diría J. Martí de la justicia, de la revolución no
tienen nada que temer los pueblos, sino los que se le resisten.
Los ‘cosmócratas piratas’ ni siquiera leen lo que invo-
can una y otra vez contra el ‘demonio revolucionario’:
Democracia: “Al no existir un modelo único de sociedad de-
mocrática, se considerará como tal a la sociedad que recono-
ce y respeta los derechos humanos establecidos en la Carta
de las Naciones Unidas y en la Declaración Universal de los
Derechos Humanos”25.
Orden público: Éste es “el conjunto de normas que aseguran
el funcionamiento de la sociedad, o como el conjunto de prin-
cipios fundamentales sobre los que se basa una sociedad. El
respeto de los derechos económicos, sociales y culturales for-
ma parte del orden público”26.
Seguridad Nacional: “La violación sistemática de los dere-
chos económicos, sociales y culturales socava la verdadera
seguridad nacional y puede poner en peligro la paz y la se-
guridad internacionales. El Estado responsable de una viola-
ción a estos derechos no deberá invocar la seguridad nacio-
nal como medio para justificar la adopción de medidas des-

25
ONU: CONSEJO ECONÓMICO Y SOCIAL, Los principios de Limburgo relativos a la
aplicación del Pacto Internacional de Derechos económicos, sociales y
culturales (1986) nº 55.
26
Ibid., nº 66.
134 SERRANO, Antonio Salamanca • ¿Revolución de los Derechos Humanos de los Pueblos...

tinadas a suprimir toda oposición a tal violación o para per-


pretar prácticas represivas contra la población”27.
Si tomamos el pulso vital a nuestro mundo no pode-
mos sino afirmar que casi la totalidad de los pueblos del pla-
neta necesitan apropiarse del derecho humano a la revoluci-
ón que les ha sido expropiado. Y necesitan hacerlo con ur-
gencia para revertir la muerte que se les impone. Los pueblos
de la Tierra, en los comienzos del siglo XXI, no se encuen-
tran bajo la hegemonía revolucionaria, ocupada en satisfacer
sus necesidades vitales, sino que, por el contrario, sufren el
yugo hegemónico de la tiranía sátrapa y genocida. Por ello, el
derecho humano a la revolución es hoy, en la mayoría de los
países, derecho a la reversión revolucionaria de un sistema
de relaciones mundiales que extermina la vida de los pue-
blos. La insatisfacción de las necesidades materiales de vida
de los pueblos es el criterio objetivo que evidencia esta afir-
mación.
A continuación mostramos las diferentes variables de
la constante material estructural – la insatisfacción persis-
tente de las necesidades de vida – que nos permiten llegar a
afirmar el estado, el contenido y la urgencia del derecho hu-
mano a la revolución. A la insatisfacción de las necesidades
económicas, informativas, de opinión y de conocimientos nos
referimos en los apartados siguientes por razones sistemáti-
cas. Pero a la hora de realizar el juicio crítico que justifique la
praxis revolucionaria, todas ellas deben articularse, desde la
pluralidad, en la unidad de la praxis humana.

A) Insatisfacción de las necesidades de comunicación mundial


Insatisfacción de la necesidad eco-estética. Nos referi-
mos a algunas de sus principales concreciones históricas: de-
gradación del suelo, chabolas, desnutrición y enfermedad.

27
Ibid., nº 65.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 135
La degradación del suelo es una manifestación incon-
testable de la destrucción del hábitat humano (v.gr. la conta-
minación radioactiva, el calentamiento del planeta, el deshi-
elo polar, etc.). El 2% de la superficie de la tierra son bosques
tropicales, los cuales mantienen vivos el 70% de las especies
vegetales y animales. Sin embargo, cada año se destruyen más
de 3 millones de hectáreas. En los últimos 50 años, la selva
africana se ha reducido en más del 18%, el 30% la asiática, y
el 18% la latino-americana y caribeña28. En África, el 70%
del suelo está seriamente degradado; el 71% en Asia; en la
zona sur mediterránea 2/3 del suelo padece la sequía recur-
rente. En África, pueblos como los Bambara, Bororo, Djerma,
Haussa, Mossi, Ogoni, Peuls, Sarokolés, Touaregs, Toucou-
leurs, Wolofs, comienzan a ser ‘refugiados ecológicos’ a cau-
sa de las inclemencias del medio, y de la actuación humana
sobre él29.
Las chabolas. El 40% de la población mundial vive en
chabolas (llamadas eufemísticamente ‘hábitats insalubres’) en
Asia, África y América Latina. En ellas se ‘disputan’ con las
ratas la poca comida familiar 30. En las chabolas de Chiapas,
Dacca, Fortaleza, Karachi, Tegucigalpa, etc., la vida humana
con dignidad parece un sueño irreal. En las chabolas se llora,
se sufre, y “el dolor del presente es un dolor para la eterni-
dad”31. En contrapartida, los ‘cosmócratas’, particularmente
la burguesía de los países saqueados, compran lujosas resi-
dencias en Cannes, Marbella, Miami, etc., donde se sienten
‘en casa’32.
La desnutrición. El ‘killerkapitalismus’ (capitalismo ase-
sino, genocida) mata cada año más personas que la guerra.

28
J. ZIEGLER, L’empire de la honte (Paris: Librairie Arthème Fayard, 2005) 220.
29
J. ZIEGLER, Les nouveaux maîtres du monde (Paris: Librairie Arthème Fayard,
2002) 145-149.
30
J. ZIEGLER, L’empire de la honte, o. c., 13.
31
Ibid., 48.
32
Ibid., 85.
136 SERRANO, Antonio Salamanca • ¿Revolución de los Derechos Humanos de los Pueblos...

En la década 1996/2006 han muerto de hambre más de 40


millones de personas. En nuestro mundo hay cerca de 900
millones de personas sub-alimentadas, que no disponen de
las 2.700 calorías diarias necesarias, cuando el planeta Tierra
tiene hoy recursos para alimentar a una población de 12.000
millones de seres humanos. Unos 10 millones de niños me-
nores de 5 años mueren cada año por problemas de subali-
mentación, contaminación de las aguas y epidemias relacio-
nadas. El 50% de las muertes ocurren en los seis países más
empobrecidos del planeta. El 90% de las víctimas pertene-
cen a los países del sur33. De los estados africanos, sólo 15 de
ellos tienen suficiencia alimentaria. Los restantes 37 estados
tienen que recurrir al mercado mundial para atender las ne-
cesidades nutritivas de su población34.
El ‘agua’ potable es un bien escaso en el planeta. El 33
% de la población mundial bebe agua contaminada. Por su
causa, cada día mueren 9.000 niños menores de 10 años. En
el África subsahariana, 285 millones de personas no tienen
acceso regular al agua potable. En la misma situación se en-
cuentran 248 millones de personas en el Sur de Asia; 398
millones en el Este de Asia; 180 millones en el Sureste asiáti-
co y el Pacífico; 92 millones en América Latina y el Caribe;
67 millones en los países Árabes35.
La enfermedad. En 122 países del Tercer Mundo, don-
de vive el 80% de la población del planeta, la carencia de
micronutrientes provoca tragedias irreparables que heredan
las generaciones futuras. Entre las enfermedades provocadas
por las carencias nutritivas se encuentran la anemia, beribe-
ri, ceguera, dengue, escorbuto, fiebre amarilla, kwashiorkor,
raquitismo, tifus, etc. Cada año nacen en el mundo más de
150 millones de niños con falta de peso. De ellos, la mitad

33
Ibid., 38.
34
Ibid., 245-246.
35
Ibid., 285.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 137
sufrirá insuficiencias en su desarrollo físico y psíquico 36. Más
de 10 millones de personas mueren cada año por enfermeda-
des curables, la mayoría en países del sur. En el mundo, hay
unos 40 millones de personas que sufren la enfermedad del
sida. De ellos, 24 millones viven en África. La mayor parte de
estos enfermos no tienen acceso a las terapias. En Etiopía, un
país con 71 millones de habitantes, el 82% de la población
vive en la extrema pobreza. La media de calorías por persona
adulta y día es de 1.750, la más baja de toda África, con défi-
cit grave en yodo, hierro, vitamina A. Unos 2 millones de
personas están infectadas con el virus del sida. La esperanza
de vida es de 45,5 años. Sólo el 2,9 % de la población llega a
los 65 años37. A los servicios de salud mínimos sólo tiene
acceso el 12% de la población. En Brasil, el 10,5 % de los
menores de 10 años tienen menos talla de lo normal por el
déficit alimentario. En los Estados más pobres de Maranhão
y Bahia, el 17,9 % de los incapacitados menores de 10 años
se debe a problemas de subalimentación crónica38. Mientras,
el mercado farmacéutico mundial ‘desastiende’ las enferme-
dades de los pobres. Según los datos de la última estadística
de la OMS, de los 1.393 nuevos medicamentos autorizados
por los gobiernos para su comercialización, sólo 16 estaban
destinados al tratamientos de las ‘enfermedades desatendi-
das’ de los pobres39. Las transcontinentales farmacéuticas, con
la privatización de las patentes médicas, practican la ‘farma-
copiratería’ que no es más que un genocidio farmacéutico.
Insatisfacción de las necesidades de reconocimiento afec-
tivo. Los ‘piratas del mundo’ se han instalado al margen de la
humanidad solidaria. Son seres perdidos, depredadores, que
“no tienen historia, no construyen nada y mueren sin jamás

36
Ibid., 39.
37
Ibid., 177-178.
38
Ibid., 213.
39
Ibid., 253.
138 SERRANO, Antonio Salamanca • ¿Revolución de los Derechos Humanos de los Pueblos...

haber abierto los ojos ante los hombres que les rodean”40. Es-
tos sociópatas disfrutan con el trato sádico que infligen a sus
esclavos. En Arabia, Qatar o Kuwait las jóvenes filipinas vi-
ven humilladas, explotadas, retenidas y tratadas como escla-
vas por los señores del petróleo41. En Etiopía, el matrimonio
es frecuente a partir de los 12 años, y de forma forzada. Las
mujeres a los 24 años tienen una media de 8 a 10 niños. La
mujer etíope es explotada en la casa, en el campo y en la
cama. La infibulación, la mutilación y la ablación afectan al
70 % de las niñas jóvenes. Más de 300.000 menores mendi-
gan por el país, expuestos al abuso, a las enfermedades y a la
muerte prematura42. En Brasil, el salario de las mujeres res-
pecto al de los hombres es un 37% menor, y si además la
mujer es negra, la diferencia salarial es del 60%43.
Insatisfacción de las necesidades político-instituciona-
les. El ‘Estado del pueblo, por el pueblo y para el pueblo’ está
siendo dinamitado por los ‘piratas imperialistas’. En su lugar
están afianzando el ‘estado colonial pirata’ 44. La mayor parte
de los Estados nacionales del planeta son hoy colonias, que
como siempre, envían a las metrópolis recursos naturales y
mano de obra esclava gratis, a pie, en patera o volando. Las
colonias están siendo además cárceles sin costo, campos de
concentración para los ‘flagelados’ que osen soñar con la emi-
gración. En el confinamiento de la miseria de sus países ha-
brán de cargar por generaciones con el peso de la deuda45.
Refiriéndonos a la institución de Naciones Unidas46, la
ONU está secuestrada ideológicamente, político-económica-

40
J. ZIEGLER, L’empire de la honte, o. c., 115-116.
41
J. ZIEGLER, Les nouveaux maîtres du monde, o. c., 159.
42
J. ZIEGLER, L’empire de la honte, o. c., 27-28.
43
Ibid., 214.
44
J. ZIEGLER, Les nouveaux maîtres du monde, o. c., 117.
45
Ibid., 80.
46
Cfr. P. M. KENNEDY, The parliament of man: the past, present, and future of
the United Nations (New York: Random House, 2006).
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 139
mente y militarmente, por EE. UU. El 26% del presupuesto
de funcionamiento de la ONU es pagado por EE. UU. Los
altos funcionarios de la ONU son espiados por los servicios
de espionaje de EE. UU. Prácticamente ningún funcionario
superior al grado P-5 puede ocupar su puesto sin la aprobaci-
ón de la Casa Blanca47. En el seno del Consejo de Derechos
Humanos, antes Comisión de Derechos Humanos, los Esta-
dos Unidos votan siempre contra la concreción de los dere-
chos económicos, sociales y culturales. Contra el derecho al
desarrollo en general, y en particular, contra el derecho a la
alimentación, vivienda, educación, salud, agua potable48.

B) Insatisfacción de las necesidades de revolución mundial:


esclavitud, terrorismo de Estado, Guerra
La esclavitud. Aparte de la esclavitud ideológica, eco-
nómica y de movimiento en que vive la mayoría de los seres
humanos del planeta, hay otras esclavitudes que los atormen-
tan. Enfermedades mentales, sectas destructivas, adicciones
(v.gr. alcohol, tabaco, drogas ilegales, ludopatía, sexo, juego,
consumismo, bulimia, etc.). Por ejemplo, en México hay más
de 15.000.000 de mexicanos con alguna enfermedad mental;
11.500.000 de obesos, y unos 17.000.000 de consumistas, de
los cuales unos 500.000 necesitan ayuda médica.
El Terrorismo de Estado. Aunque también es terrorismo
de Estado matar a los pueblos de hambre y enfermedad, el
terrorismo de Estado, en su modalidad represiva, busca im-
pedir, con el ejercicio de la violencia física, la autodetermi-
nación de los pueblos. Aún están abiertas las heridas del ter-
rorismo de Estado de las décadas de los 70 y 80 en América
Latina. La Guerra Fría llevó su campo de terror estatal a estas
tierras. En el Cono Sur se organizó la Operación Cóndor, en

47
J. ZIEGLER, L’empire de la honte, o. c., 129.
48
J. ZIEGLER, Les nouveaux maîtres du monde, o. c., 48.
140 SERRANO, Antonio Salamanca • ¿Revolución de los Derechos Humanos de los Pueblos...

1975. En el conjunto de Nuestra América, la Operación Cón-


dor dejó 4 millones de exiliados, 400 mil encarcelados; 50
mil asesinatos; 30 mil desaparecidos49. Como resultado, en
Argentina desaparecieron, a causa del terrorismo de Estado,
más de 30.000 personas; oficialmente se reconoció la desapa-
rición de sólo 9.000. Los vuelos del Cóndor eran Vuelos de la
Muerte50. Especialmente activa fue la Tripe A (Alianza Anti-
comunista Argentina), creada en 1973. En Chile, el terror del
Estado asesinó a unas 3.000 personas. En Brasil, se ha docu-
mentado más de 265 personas que fueron ‘desaparecidas’ por
el terror estatal. En Bolivia, los desaparecidos ascienden a
200. Centroamérica también fue flagelada por el terrorismo
de Estado, particularmente El Salvador, Nicaragua, Guatemala,
etc.51 Algunos de los responsables del terrorismo de Estado
aplicado en América Latina en estas décadas fueron ‘defor-
mados’ en la Escuela de las Américas, constituida en Panamá
en 1946. En ella se han adiestrado en el terrorismo más de
45.000 militares de toda América Latina. Macabramente des-
tacan: Roberto D’Abuisson, Hugo Bánzer Suárez, Leopoldo
Fortunato Galtieri, Augusto Pinochet, Efraín Ríos Mont, Anas-
tasio Somoza, Leonidas Trujillo, Jorge Rafael Videla, Roberto
Viola52.
El terrorismo de Estado estadounidense ha ‘legalizado’
la tortura ‘made Abu Ghraib’, y con ello la “degradación su-
prema de la dignidad humana”53. El terrorismo de Estado con-
tra los presos, muchos de ellos sin un juicio rápido ni justo,
clama al cielo. Recluidos en auténticos campos de concen-
tración, en ausencia de luz solar, sin espacio, sin higiene,

49
J. M. SOLÍS DELGADILLO, Nn. La operación Cóndor. Memoria y Derecho (México:
UASLP, 2006) 105.
50
Ibid., 145-151.
51
Ibid., 42.
52
Ibid., 78.
53
S. ZIZEK, Bienvenue dans le désert du réel [tr. F. Théron, Welcome to the desert
of the real (London: Flammarion, 2002] (Paris: Flammarion, 2005) 129.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 141
conviviendo con ratas, y otros insectos, son condenados a
miles de enfermedades y agresiones de internos y funciona-
rios54.
La Guerra. La agresión a los Estados es el estado ‘nor-
mal’ de la patología del imperio: el estado de guerra. La guer-
ra es agresión extrema contra los pueblos en su vida cultural,
económica, política, jurídica y militar55. El ‘estado de guerra’
bombardea, tortura y asesina genocidamente a los pueblos.
Las guerras preventivas del intervencionismo imperialista
militar humanitario no es otra cosa que la búsqueda de la
expropiación, el robo y el dominio de la vida de millones de
seres humanos56. Desde 1993, más de 10.000 guerras de baja
intensidad han recorrido el planeta. Se llaman así a aquellas
guerras que asesinan a menos de 10.000 personas por año.
Especialmente repugnante fue el ‘holocausto de Rwan-
da’, en 1994. En los tres meses de abril a junio de ese año,
aproximadamente 1.000.000 de rwandeses tutsis y hutus fue-
ron asesinados ante la impasibilidad de las Naciones Unidas,
y de los Cascos Azules. Los machetes vinieron en los cuatro
años anteriores de China, y las armas de fuego principalmen-
te de Francia, Egipto, África del Sur y Bélgica. La deuda del
‘holocausto rwandés’ asciende a más de 1.000 millones de
dólares. Lo más vomitivo después de la masacre es que el
FMI y el BM impongan a los supervivientes de esa carnice-
ría, muchos de ellos mutilados por la violencia, la devoluci-
ón mes tras mes de esa ‘deuda odiosa’57. A los ‘cosmócratas’
sólo les interesan los ‘derechos humanos’ que les permitan la
explotación de los pueblos. Ellos odian a muerte los ‘dere-
chos humanos revolucionarios’ que les enfrentan con la veri-
ficación de la realidad de sus mentiras, explotación y opresi-

54
J. ZIEGLER, Les nouveaux maîtres du monde, o. c., 233.
55
J. ZIEGLER, L’empire de la honte, o. c., 49.
56
Ibid., 55.
57
Ibid., 113-115.
142 SERRANO, Antonio Salamanca • ¿Revolución de los Derechos Humanos de los Pueblos...

ón; con la muerte como consecuencia de sus prácticas58. Los


‘señores de la guerra’ atacan a los Estados, a la soberanía po-
pular, a su poder normativo59; están creando nuevos campos
de concentración para el homo sacer60. A ellos llevan tambi-
én a aquellos militares (refuzniks61), que como en 2002 en
Israel, se opongan a “dominar, expulsar avergonzar y humi-
llar a todo un pueblo”, además ‘próximo’62.
A la fecha, la invasión y ocupación de Irak, principal-
mente estadounidense, ha matado a más de 650. 000 iraquíes,
el 2,5% de la población. Sólo entre marzo de 2003 y septiem-
bre de 2004, Estados Unidos asesinó a más de 100.000 ira-
quíes (entre ellos miles de mujeres y niños). Por su parte, el
régimen de Vladimir Putin, desde 1995, ha matado unos
180.000 civiles chechenos. Un genocidio de más del 17% de
la población63. En 2005, el gasto militar en armamento de to-
dos los Estados de la comunidad internacional sobrepasó el
1,12 billones de dólares. En la última década el gasto en ar-
mamento aumentó un 34%. Estados Unidos hace el 48% del
total.

3.2. El derecho humano a la apropiación cooperativa (social


y estatal) de los medios de producción, circulación y
distribución (economía para la vida)
La revolución de los DH, si no quiere ser una carta soci-
aldemócrata a Santa Claus, está urgida a positivar el derecho
humano que tienen los pueblos a apropiarse cooperativamente
de los medios de producción, la circulación y la distribución
del trabajo y la riqueza producida. Los pueblos tienen dere-
cho a apropiarse: de los medios de producción, de la unidad

58
Ibid., 311.
59
Ibid., 317-318.
60
S. ZIZEK, Bienvenue dans le désert du réel, o. c., 142-143.
61
Ibid.,168.
62
Ibid., 172.
63
J. ZIEGLER, L’empire de la honte, o. c., 68.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 143
productiva en forma cooperativa (social y estatal), del tiem-
po de su trabajo, del producto de su trabajo, del mercado
mundial, de la banca y del beneficio del comercio mundial.
La revolución de los DH está urgida, también, a prohibir y
negar como derecho humano la apropiación privada los me-
dios de producción, de la circulación y distribución del tra-
bajo y la riqueza producida. Este pseudoderecho, esencia del
sistema capitalista, es incompatible con la materialización
de los DH de los pueblos.
Veamos en qué grado de insatisfacción se encuentran
las necesidades de comunicación económica tras décadas y
décadas de ‘cartas socialdemócratas a Santa Claus’. La larga
experiencia histórica de insatisfacción de las necesidades eco-
nómicas de vida del pueblo no hace sino verificar práctica-
mente el carácter genocida del capitalismo imperialista (tam-
bién en su versión socialdemócrata), y legitimar la revoluci-
ón de una economía para la vida (comunista) 64.
Expropiación de los medios de producción del pueblo.
En el mundo hay unas 85.000 sociedades multinacionales
(son aquéllas que tienen actividad al menos en cinco países a
la vez). De ellas, hay 500 que son especialmente grandes. El
58% de las 500 corporaciones transcontinentales, que se es-

64
Cfr. J. DINE; A. FAGAN (Eds.), Human rights and capitalism: a multidisciplinary
perspective on globalisation (Northampton: Edward Elgar, 2006); U.
DUCHROW, F. J. HINKELAMMERT, Property for people, not for profit: alternatives
to the global tyranny of capital (New York: Palgrave Macmillan, 2004); ID.,
La vida o el Capital. Alternativas a la dictadura global de la propiedad (San
José [Costa Rica]: DEI, 2003); E. DUSSEL, 20 Tesis de Política (México D. F.:
Siglo XXI, 2006); ID., Hacia una Filosofía Política Crítica (Bilbao: Desclée,
2001); ID., La producción teórica de Marx. Un comentario a los Grundrisse
(México: Siglo XXI, 19912); ID., El último Marx (1963-1982) y la liberación
latinoamericana (México: Siglo Veintiuno Editores, 1990); ID., Hacia un Marx
Desconocido. Un comentario de los Manuscritos del 61-63 (México: Siglo
Veintiuno Editores, 1988); F. J. HINKELAMMERT; H. MORA, Hacia una Economía
de Para la Vida (San José de Costa Rica: DEI, 2005); J. J. MORA MOLINA,
Globalización económica y derechos humanos. ¿Derechos economizados?:
Sistema. Revista de Ciencias Sociales, 170 (2002) 69-87.
144 SERRANO, Antonio Salamanca • ¿Revolución de los Derechos Humanos de los Pueblos...

tán apropiando del mundo, son originarias de Estados Uni-


dos. Estos 500 ‘piratas corporativos’ emplean al 1,8% de la
mano de obra mundial. Se han ‘apropiado’ de tanta riqueza,
como la que pueden acumular los 133 países más pobres del
mundo65. En Brasil, por ejemplo, el 43% de la tierra producti-
va está en manos del 2% de propietarios66.
Expropiación del trabajo de los pueblos. El capitalista
está extendiendo mundialmente su ‘ideal’ del trabajo produc-
tivo: las fábricas del sudor y sangre (v. gr. las maquiladoras).
Zonas francas donde el empresario explota al trabajador sin
miramientos. Zonas que no pagan derechos de importación,
exportación, ni impuestos. En Brasil, por ejemplo, centena-
res de miles de trabajadores ‘sin tierra’, en régimen de escla-
vitud, son llevados de los Estados del Norte y del Nordeste al
‘dominio’ de la agroindustria en las zonas de la Amazonia,
del Para, del Acre y de Rondonia67.
Expropiación del producto del trabajo del pueblo. La
mundialización (globalización) de la expropiación del pro-
ducto del trabajo del pueblo es hoy un ‘dogma’ y un tabú en
el capitalismo imperial. A los expropiados del producto de
su trabajo sólo les queda ‘mendigar’ las migajas (efecto chor-
reo) que caen de la mesa de los ricos cuando sus necesidades
están satisfechas en un cierto punto68. Esta mundialización
está ocasionando que hoy en nuestro planeta más de 1.800
millones de personas ‘vegetan’ con menos de un dólar diario.
Mientras, el 1% de la población, ‘estructuralmente ladrona’,
dispone de tanto dinero como el 57% de las personas más
‘saqueadas’ del planeta.69 Frente al club de la países ricos (G-
8), hay otro club, al que eufemísticamente se le llama el gru-
po de los países menos adelantados (PMA). En la actualidad

65
J. ZIEGLER, L’empire de la honte, o. c., 241.
66
Ibid., 193.
67
Ibid., 220.
68
J. ZIEGLER, Les nouveaux maîtres du monde, o. c., 89.
69
J. ZIEGLER, L’empire de la honte, o. c., 39.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 145
lo forman 49 países, 34 de ellos africanos, con una población
de 650 millones de personas, que generan menos del 1% de
ingreso mundial70. En Estados Unidos, la fortuna de Bill Ga-
tes es igual a la suma de los recursos de los 106 millones de
estadounidenses más pobres. La fortuna del club de los 15
más ricos del mundo es superior al producto interior bruto
de toda el África subsahariana71.
Expropiación del comercio de los pueblos. “La Organiza-
ción Mundial del Comercio (OMC72) es ciertamente la máqui-
na de guerra más poderosa en las manos de los depredado-
res”73. Es el liberticidio de los depredadores en el comercio
mundial. Para ellos, la mundialización comercial consiste en
“... la libertad para mi grupo de invertir donde quiera, el tiem-
po que quiera, para producir lo que quiera, abastecerse y ven-
der donde quiera, teniendo que soportar las menos posibles
limitaciones en materia de derecho laboral y convenciones so-
ciales”74. El 80% del comercio mundial está controlado por los
Estados Unidos, Canadá, Japón y la Unión Europea (v. gr. el
comercio mundial de los cereales está dominado por 30 com-
pañías transcontinentales). En las negociaciones de la OMC
en Ginebra, los países pobres no tienen para pagarse el hospe-
daje, menos los astronómicos honorarios de los abogados. En
la práctica, muchas veces ni pueden asistir. Lo que realmente
ocurre es que ‘los países ricos deciden, y los pobres siguen’75.
Expropiación del dinero (de la Banca) de los pueblos.
La mundialización del capitalismo ha expropiado a los pue-
blos de su dinero y de sus bancos. La banca capitalista es la
‘talibanca’ dirigida por el ‘mollah dollar’ 76. El Fondo Moneta-

70
Ibid., 107.
71
J. ZIEGLER, Les nouveaux maîtres du monde, o. c., 35.
72
La OMC no forma parte de la ONU.
73
J. ZIEGLER, Les nouveaux maîtres du monde, o. c., 179.
74
Ibid., 180-181.
75
J. ZIEGLER, Les nouveaux maîtres du monde, o. c., 193.
76
Ibid., 252.
146 SERRANO, Antonio Salamanca • ¿Revolución de los Derechos Humanos de los Pueblos...

rio Internacional y la Banca Mundial son las principales ins-


tituciones financieras de Bretton-Woods. En el FMI, el crite-
rio de ‘legitimidad’ en la votación de los países es ‘un dólar
un voto’. Es decir, el poder de votación se mide en función
del poder financiero de cada país. Los EE.UU. tienen el 17%
de votos. El FMI, a través de las ‘cartas de intención’, hace
firmar a los países necesitados de recursos el Consenso de
Washington77.
Estos ‘piratas mundiales’ del BM y del FMI, por medio
de la violencia estructural económica de la deuda, ‘legalizan’
el flujo de capitales que los países saqueados (endeudados)
del Sur transfieren anualmente a los países usureros del Nor-
te. La transferencia anual es más de lo que aquéllos reciben
en concepto de inversión, crédito de cooperación, ayuda hu-
manitaria o ayuda al desarrollo (v. gr. en el 2003 los países
del Norte transfirieron a los del Sur 54.000 millones de dóla-
res. A cambio, los del Sur transfirieron a los del Norte 436.000
millones en concepto de pago de la deuda)78.

77
El ‘Consenso de Washington’ es un conjunto de acuerdos informales tomados
en los años 80s y 90s por las principales corporaciones transcontinentales,
los bancos de Wall Street, la Reserva Federal Americana, el Banco Mundial,
el FMI, y otros organismos financieros internacionales. Éste busca
apropiarse (privatizar) del Mundo, establecer un mercado mundial
unificado y autorregulado, y desintegrar la oposición del poder de los
Estados nacionales. Sus diez mandamientos ideológicos son: (i) reforma
fiscal. Exención y rebaja de impuestos a los ricos, para que inviertan.
Extensión de los contribuyentes, y supresión de las exenciones impositivas
a los pobres; (ii) liberalización de los mercados financieros; (iii) igualdad
de trato entre los inversores nacionales y los extranjeros; (iv)
desmantelamiento del sector público y privatización de las empresas
estatales; (v) desregulación de la economía para permitir la libre
competencia sin trabas legales; (vi) sobreprotección de la propiedad privada;
(vii) liberalización de los intercambios comerciales, eliminando las tasas
aduaneras; (viii) desarrollo prioritario de los sectores económicos orientados
a la exportación; (ix) limitación del déficit presupuestario; (x) eliminación
de subsidios estatales al sector privado nacional, J. ZIEGLER, Les nouveaux
maîtres du monde o. c., 268.
78
J. ZIEGLER, L’empire de la honte, o. c., 81.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 147
La Bolsa, el botín de los ‘cosmócratas’, está dirigida por
los especuladores del tiempo y el espacio del pueblo. Éstos
son la quintaesencia del capitalismo financiero. “… una pa-
sión demencial de poder y beneficio les anima, una voluntad
inagotable de machacar la concurrencia les devora”79 (el ca-
pital financiero en circulación es más de 18 veces el valor de
todos los bienes y servicios producidos y disponibles en un
año en el planeta).
Expropiación del capital. El botín de los ‘piratas cos-
mócratas’ elude todo tipo de fiscalidad emigrando a los para-
ísos fiscales: Aruba, Bahamas, Bermudas, Curaçao, Gibraltar,
Guernesey, Islas Vírgenes, Jersey, etc. En el caso del archipi-
élago de las Bahamas, con una población de 275.000 perso-
nas, el 80% negros, en Nassau, capital de la isla principal
‘Nueva Providencia’, hay establecidos más de 470 bancos. En
sus depósitos hay más de 1 billón de dólares, dinero proce-
dente la mayor parte de Europa. Mediante la creación de una
IBC (International Business Company; trust, en el ámbito
anglo-sajón), se obtiene el secreto bancario (mentira banca-
ria), la cínica neutralidad política (genocida) y ausencia im-
positiva, y la libre e impune convertibilidad de divisas. En
esto consiste la ‘felicidad paradisíaca’ del capital robado al
pueblo80.

3.3. El derecho humano a la apropiación cooperativa (social


y estatal) de los medios de información, opinión y
conocimiento
Si la revolución de los DH no quiere ser una ‘Carta so-
cialdemócrata a Santa Claus’ éstos tienen que positivar la ne-
cesidad de los pueblos de apropiarse en forma cooperativa
(social y estatal) de los medios de información, opinión y co-

79
J. ZIEGLER, Les nouveaux maîtres du monde, o. c., 138.
80
J. ZIEGLER, Les nouveaux maîtres du monde, o. c., 170-172.
148 SERRANO, Antonio Salamanca • ¿Revolución de los Derechos Humanos de los Pueblos...

nocimiento. Al tiempo, los DH tienen que prohibir y negar


todo falso derecho a la apropiación privada de los mismos.
Esto supone, entre otras cosas, ‘revolucionar’ el fetichizado
derecho a la ‘libertad de expresión’. Para comenzar, y a modo
de mero apunte indicativo, este derecho tiene que ser recon-
ceptualizado porque tiene un contenido sustantivo propio que
no es la libertad principalmente sino que está referido a la
‘verdad’. El llamado derecho a la ‘libertad de información,
opinión y conocimiento’ es un derecho a la verdad de la in-
formación, de la opinión y del conocimiento. Por supuesto
que el contenido de este derecho puede verse tanto desde la
libertad, como desde la comunicación material económica.
Hemos afirmado que todos los derechos humanos son res-
pectivos. Pero, a nuestro juicio, es una reducción analizar el
contenido de la verdad desde el prisma de la libertad. Cada
uno de ellos tiene su contenido propio. Con respecto a este
derecho humano concreto a satisfacer las necesidades de los
pueblos a la información, opinión y conocimiento, el grado de
insatisfacción es directamente proporcional al grado de in-
conciencia que de su violación tienen los pueblos.
Expropiación de los medios de información. En los co-
mienzos del tercer milenio, en la casi totalidad de los países,
el imperialismo mundial ha expropiado a los pueblos de los
medios de información (v. gr. radio, televisión, prensa)81. La
riqueza de la realidad es excluida progresivamente de la tele-
visión, radio y prensa82. Poseídos por los ‘piratas mundiales’,
estos medios, en lugar de ser instrumentos para la construc-

81
N. CHOMSKI, ‘Recuperación de los derechos’: Un camino sinuoso: en M. J.
GIBNEY, La globalización de los derechos humanos, o. c., 81-86; J. E. STIGLITZ,
Sobre la libertad, el derecho a estar enterado y el discurso público: el papel
de la transparencia en la vida pública: en GIBNEY, M. J., La globalización de
los derechos humanos, o c., 125-167; 125;144. Cfr. H. K. BHABHA, El derecho
a escribir: en M. J. GIBNEY, La globalización de los derechos humanos, o. c.,
171-190.
82
P. BOURDIEU, Sur la télévision (Paris: Raisons D’Agir Editions, 1996) 7.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 149
ción de la democracia directa, se convierten por el contrario
en ‘instrumentos de opresión simbólica’83. Son medios de vi-
olencia simbólica del imperialismo84. La pantalla de la tele-
visión, los receptores de radio y las páginas de los periódicos
se han convertido en una especie de ‘espejo de Narciso’ que
refleja el espacio y el tiempo del rostro del poder; y la ‘invisi-
bilidad’ del pueblo ausente85. La mayor censura en la televi-
sión, radio y prensa, es invisible (autocensura). Los ‘cosmó-
cratas piratas’ imponen el tema noticioso, el sujeto que pro-
duce la noticia y las condiciones de la ‘información rápida’
de la acción informativa86. El contenido de la información no
es la veracidad, imparcialidad y objetividad contrastada de
los hechos, sino la ‘fabricación’ de los hechos que se vendan
en el mercado como ‘noticias’. En este sentido, no deja de ser
ilustrador el pleito que los ‘cachorros mediáticos del impe-
rio’ tienen con la aplicación del ‘derecho a la libertad de ex-
presión’ por parte del gobierno venezolano. En el art. 58 de la
Constitución de la República Bolivariana de Venezuela que-
da positivada la obligación de ‘veracidad’ de la información:
[…] Toda persona tiene derecho a la información, oportuna,
veraz e imparcial, sin censura, de acuerdo con los principios
de esta Constitución, así como a la réplica y rectificación
cuando se vea afectada directamente por informaciones ine-
xactas o agraviantes. Los niños, niñas y adolescentes tienen
derecho a recibir información adecuada para su desarrollo”.
Pues bien, la Relatoría para la Libertad de Expresión de
la Organización de Estados Americanos, así como la Socie-
dad Interamericana de Prensa (SIP), acusan al gobierno de
Venezuela porque ha positivado constitucionalmente la obli-
gación de la ‘veracidad’ de la información. Según ellos, resul-

83
Ibid., 8.
84
Ibid., 16.
85
Ibid., 11.
86
Ibid., 13-14.
150 SERRANO, Antonio Salamanca • ¿Revolución de los Derechos Humanos de los Pueblos...

ta que la veracidad de la información es incompatible con la


libertad de expresión. Para garantizar ésta, se propone la des-
penalización de los delitos de injurias y calumnias. Éstos
deben ser sustituidos por sanciones civiles en los casos en
que, siempre a posteriori, se demuestre que la información
falsa fue producida con ‘real malicia’ 87 ¡Buen servicio de los
cachorros a sus amos!
Expropiación de los medios de opinión88. Además de los
medios de información, los ‘piratas cosmócratas imperiales’
expropian al pueblo de los medios de recepción, búsqueda, y
participación-difusión de opinión bien formada. El pueblo
no tiene acceso a recibir, buscar y participar, y difundir opi-
nión en los medios. Esto es coto cerrado para el ‘sacerdocio
periodístico’. Nuevos chamanes que crean lo ‘noticiable’ se-
gún el criterio del amo que les paga89. La televisión, la radio y
la prensa se convierten en prestidigitadores que manipulan y
deforman la realidad. Desde el engaño de los hechos mode-
lan la mente de millones de personas90. En el análisis de los
hechos, los debates son auténticos ‘juegos de charlatanes’.
Están preparados los aparentes oponentes y el moderador.
Todo es la ‘dramatización teatral’ de algo preparado91. A estos
expropiadores de la opinión del pueblo, algunos de ellos lati-
noamericanos, conviene recordarles las palabras de la Corte
Interamericana de Justicia:
“...la libertad de expresión se puede ver también afectada sin
la intervención directa de la acción estatal. Tal supuesto po-
dría llegar a configurarse, por ejemplo, cuando por efecto de
la existencia de monopolios u oligopolios en la propiedad de

87
OEA, Informe Anual del Relator para la Libertad de Expresión (1999) 17ss.
88
Cfr. UN: ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL, GENERAL COMMENTS (HRC) nº 10: Freedom
of opinion, o. c., 133; UN: ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL, GENERAL COMMENTS
(HRC) nº 22: Freedom of thought, conscience or religion, o. c., 155-158.
89
P. BOURDIEU, Sur la télévision, o. c., 18-19.
90
Ibid., 17-18.
91
Ibid., 37-42.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 151
los medios de comunicación, se establecen en la práctica “me-
dios encaminados a impedir la comunicación y la circulación
de ideas y opiniones” (OC-5/85 del 13 de noviembre de 1985).
Expropiación de los medios de conocimiento. La en-
señanza media y universitaria es todavía un privilegio en
muchos lugares del planeta. Un privilegio con el que los ‘pi-
ratas de la educación’ especulan sin cesar, entre otros medi-
os, ‘patentado’ el conocimiento. Mientras, en nuestro mundo
hay 850 millones de adultos analfabetos y 325 millones de
niños sin escolarizar. En Etiopía, por ejemplo, el 40,3% de la
población de más de 15 años es analfabeta.

CONCLUSIÓN

En definitiva, al comienzo del tercer milenio, afirma-


mos la urgencia que tienen los pueblos de la Tierra de rever-
tir la hegemonía de la mundialización genocida. En esa tarea
reivindicamos la indivisibilidad e interdependencia de los
DH como el contenido jurídico de toda política revoluciona-
ria. La legitimidad del proyecto político revolucionario de
los DH se asienta en la obligación de satisfacer las necesida-
des materiales, indivisibles e interdependiente que tienen los
pueblos de la Tierra para producir y reproducir sus vidas. Ahora
bien, la positivación vigente de los DH no es perfecta, neutral
e inmutable, sino que es perfectible, partisana e histórica. Para
que los DH puedan materializarse como contenido del proyec-
to político de vida del pueblo urge, entre otras cosas, positivar
y apoderar al pueblo con: (i) el derecho humano concreto a la
revolución; (ii) el derecho humano concreto a la apropiación
cooperativa (comunitaria y estatal) de los medios de producci-
ón, circulación, y distribución de la riqueza del pueblo; (iii) el
derecho humano concreto a la apropiación cooperativa (co-
munitaria y estatal) de los medios de información, opinión y
conocimiento del pueblo. De lo contrario, los DH no dejarán
de ser una carta socialdemócrata a Santa Claus.
152 SERRANO, Antonio Salamanca • ¿Revolución de los Derechos Humanos de los Pueblos...

APÉNDICE
Estructuración de las necesidades materiales de la vida
humana, en función de la estructura de la praxis material de
realidad de los pueblos, que debe articular la positivación
internacional de los derechos humanos.

I. Necesidades materiales de comunicación


Eco-estética:
1ª Necesidad del disfrute de un medioambiente salu-
dable
2ª Necesidad nutritiva diaria
3ª Necesidad de una vivienda digna
4ª Necesidad de atención médica

Ero-económica:
5ª Necesidad de reconocimiento y acogimiento familiar
6ª Necesidad de reconocimiento y acogimiento en la co-
munidad nacional
7ª Necesidad de trabajo
8ª Necesidad de propiedad comunitaria (cooperativa y
estatal) de los medios de producción.
9ª Necesidad de propiedad personal del fruto del es-
fuerzo del trabajo

Político-institucional:
10ª Necesidad de la institución de la soberanía nacio-
nal territorial
11ª Necesidad institucional de un sistema de salud po-
pular
12ª Necesidad institucional de un sistema económico
cooperativo comunista
13ª Necesidad institucional de un Estado (Legislativo,
Judicial, Ejecutivo)
14ª Necesidad de instituciones internacionales revolu-
cionarias
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 153
15ª Necesidad institucional de medios de información
del pueblo
16ª Necesidad institucional de medios de opinión del
pueblo
17ª Necesidad institucional de un sistema educativo
popular
18ª Necesidad institucional de centros de desadicción
y rehabilitación
19ª Necesidad institucional del Derecho revolucionario
20ª Necesidad institucional de una policía y ejército re-
volucionarios

II. Necesidades materiales de libertad


21ª Necesidad de apoderamiento de la fuerza de libera-
ción
22ª Necesidad de autodeterminación en el proyecto
político revolucionario
23ª 0 político revolucionario

III. Necesidades materiales de verdad


24ª Necesidad de información veraz
25ª Necesidad de opinión bien formada
26ª Necesidad de conocimiento
154

6 – EL POTENCIAL EPISTEMOLÓGICO
Y TEÓRICO DE LA HISTORIA ORAL:
DE LA LÓGICA INSTRUMENTAL A LA
DESCOLONIZACIÓN DE LA HISTORIA1

Silvia Rivera Cusicanqui

Cuando, en 1969 Jorge Luis Borges publicó su pequeño


relato titulado “El etnógrafo”, quizás no se percatara del todo
de que en esas dos páginas estaba resumiendo los principa-
les problemas epistemológicos y éticos de las ciencias soci-
ales de nuestra época. Relata Borges que un estudiante de
doctorado de una universidad norteamericana había sido in-
ducido por su profesor al estudio de las lenguas indígenas y
de los ritos tribales de una sociedad de indios de la pradera.
Los secretos de los brujos indios – una vez analizados y verti-
dos en categorías aceptables para la comunidad científica –
permitirían al etnógrafo obtener el ansiado título doctoral y
ganar un sitial de prestigio en la estructura académica oficial
de su país. Murdock, así se llamaba el etnógrafo en ciernes,
ensayó por dos años la aventura de convivir con la tribu de
indios de la pradera. Aprendió su idioma, “se cubrió con ro-
pas extrañas, olvidó los amigos y la ciudad, llegó a pensar de

1
Los contenidos de esta ponencia han surgido de innumerables discusiones
internas con los compañeros y compañeras del Taller de Historia Oral
Andina, en sesiones de reflexión y autocrítica sobre nuestro trabajo con
comunidades andinas y sectores artesanales urbanos. Aunque me hago
responsable de la sistematización presentada, cabe recalcar la dinámica
colectiva que dio origen a muchas de estas ideas.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 155
una manera que su lógica rechazaba”. Su compenetración con
la cultura y cosmovisión indígena fue tan profunda, que “lle-
gó a soñar en un idioma que no era el de sus padres”. Fue
iniciado por el principal ritualista de la tribu. Este, al cabo de
un largo aprendizaje, le confió los secretos de su doctrina
ancestral.
Cuando el estudiante Murdock retornó a la “civilizaci-
ón” se presentó ante su profesor para declarar que conocía
los secretos de la cosmovisión indígena, pero que no los re-
velaría a nadie. No escribió su tesis doctoral, se negó por el
resto de su vida a hablar de esas experiencias, y terminó con-
vertido en oscuro empleado de biblioteca en una universi-
dad local. Argumentando sobre su decisión, dijo: “El secreto,
por lo demás, no vale lo que valen los caminos que me con-
dujeron a él. Esos caminos hay que andarlos” (Borges,
1974:989-990).
El relato de Borges plantea con simplicidad el dilema
epistemológico de la etnografía: la esencial intraductibilidad
– lingüística y cultural – propia de una relación asimétrica
entre individuos y culturas cuyo horizonte cognoscitivo es
diametralmente opuesto. Pero al mismo tiempo, plantea el
dilema ético que sacude a las ciencias sociales contemporá-
neas: El conocimiento fetichizado y convertido en instrumento
de prestigio y poder, puede volcarse en contra de las necesi-
dades e intereses de la colectividad estudiada, y el investiga-
dor transformarse en agente inconsciente de su derrota o de-
sintegración. Desvelar y desnudar lo que se conoce del “otro”
– sea éste un pueblo indio colonizado, o cualquier sector “su-
balterno” de la sociedad – equivale entonces a una traición.
Frente a esta posibilidad desesperanzadora, el silencio se con-
vierte entonces en la única forma de manifestar el compro-
miso ético con el grupo social estudiado, aunque esta actitud
pasiva no haga sino reforzar su clausura e intraductibilidad.
En la presente ponencia voy a exponer cómo ha venido
siendo enfrentado este dilema en nuestro país, a partir de la
156 CUSICANQUI, Silvia Rivera • El Potencial Epistemológico y Teórico de La Historia Oral

experiencia de trabajo del Taller de Historia Oral Andina.


Previamente, voy a señalar a grandes rasgos el contexto so-
cial y político de la investigación social en América Latina
en las últimas dos décadas, destacando dos momentos con-
cretos: el primero enmarcado en el ascenso de las moviliza-
ciones sociales y políticas populares de la década de los años
70, que condujo a la elaboración de una nueva propuesta
metodológica basada en la “investigación-acción”. El segun-
do, se caracteriza más bien por un profundo reflujo y frag-
mentación de estas movilizaciones y proyectos políticos, que
configura un panorama de intensa búsqueda de nuevos es-
tilos y métodos de trabajo. En países como Bolivia, esta se-
gunda coyuntura vio surgir vigorosos fenómenos de auto-
conciencia y organización autónoma india, que enmarcan
el espacio de esta búsqueda y conducen a importantes re-
planteamientos – teóricos y epistemológicos. Basándome en
la experiencia del Taller de Historia Oral Andina de la UMSA
– y con apoyo en algunas referencias complementarias en el
Ecuador – voy a apuntar algunas de las temáticas sobre las
que giran estos cuestionamientos, a través de las cuales po-
drá apreciarse que existen potenciales salidas a la tajante
disyuntiva que plantea el relato de Borges y la etnografía
tradicional.

1. El contexto latinoamericano: auge y crisis del marxismo


Desde fines de la década del 60 y gran parte de la del 70
las estructuras académicas de los países andinos se hallaban
sacudidas por una intensa fiebre. Los estudios marxistas –
renovados por corrientes estructuralistas, encarnadas en la
escuela althusseriana – habían creado la ilusión de que el
marxismo había al fin logrado producir un marco conceptu-
al adecuado a la comprensión de sociedades tan abigarra-
das y heterogéneas como las nuestras, en las que conviven
sectores de fuerte concentración obrera y capitalista, junto
con las formas más “primitivas” de organización social y
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 157
productiva, pasando por una enorme gama de situaciones
intermedias.
La teoría de los modos de producción invadió así la
sociología, la historiografía, la economía y la antropología.
En esta última disciplina, resulta elocuente el que un conoci-
do antropólogo peruano publicara en 1971 una tesis en la
que se descubrió “el carácter predominantemente capitalista
de la economía peruana”, mostrando, a través de decenas de
cuadros estadísticos, la subordinación de una gran diversidad
de “modos de producción precapitalistas” (Montoya, 1984).
Si bien esfuerzos como éste, en los que “la taxonomía
predomina sobre la historia” han sido certeramente critica-
dos en su momento (Tandeter, 1978), la importancia teórica
de esta crítica aún no ha sido totalmente asimilada por las
ciencias sociales. Su argumento central se refiere a un hecho
que hoy nos parece evidente: el carácter colonial de nuestras
sociedades, que desafía cualquier conceptualización en tér-
minos de modos de producción. Esta reflexión ya había sido
adelantada en 1973 por Garavaglia (en Assadourian y otros,
1973), en el contexto de una de las tantas fases del debate
sobre los modos de producción coloniales. No obstante, el
conjunto de las discusiones permanecía anclado en el esque-
ma marxista-estructuralista, y terminó recluido a la caracte-
rización del periodo colonial. De este modo, el planteamien-
to del problema colonial, que pudo haber generado una im-
portante renovación teórica en aquellos núcleos de investi-
gación más ligados a la problemática étnica, quedó amputa-
do de sus potenciales efectos críticos.
Por su parte, los antropólogos se movían en direcciones
contradictorias. La tendencia marxista-estructuralista inva-
día los programas académicos, modificaba curricula y gene-
raba violentas controversias político-científicas. En la prácti-
ca, sus resultados fueron muy pobres: en pocas ocasiones
pasaron más allá de declaraciones de principio antipositivis-
tas, que luego eran acompañadas por descripciones más o
158 CUSICANQUI, Silvia Rivera • El Potencial Epistemológico y Teórico de La Historia Oral

menos tradicionales, en las que el énfasis en los procesos


económicos parecía la única demostración de un “método
marxista”.
Junto a estas corrientes, en las que las sociedades indi-
as eran frecuentemente encajadas en la camisa de fuerza de
definiciones “clasistas”, se desarrollaban también otras, rela-
tivamente marginales. Persistían los enfoques desarrollistas
de inspiración norteamericana, asentados en la idea del tran-
sito de lo “tradicional” a lo “moderno”. Otros antropólogos y
etnólogos, por el contrario, cerraban filas en torno a la emer-
gente disciplina de la etnohistoria, que muy a pesar de sus
valiosísimos aportes en torno a la “originalidad” de las socie-
dades indígenas, se recluyó en la tarea de reconstruir cómo
eran éstas antes de la invasión colonial europea. Su visión de
la colonia – en ocasiones un tanto apocalíptica – se limitó a
definiciones por carencia constatando la “destrucción”, el
“trauma”, la “desestructuración” de dichas sociedades, o bien
su “continuidad”, siempre disminuida y recortada por la opre-
sión colonial (ver, entre otros, Wachtel, 1973; Murra, 1975;
Platt, 19762). En consecuencia, no aportaron sustancialmen-
te al conocimiento de nuevos fenómenos como la etnogéne-
sis, la articulación ideológica y la redefinición estructural de
las sociedades indias en el contexto colonial y neocolonial.
El escaso desarrollo de la antropología académica, au-
nado al bullicioso debate marxista sobre la cuestión agraria
desde otras disciplinas, acabó integrando el grueso de la in-
vestigación antropológica en las corriente “campesinistas”,
que por su rígida conceptualización en términos de clase,
soslayaban también el tema de las relaciones coloniales; su
visión homogeneizadora relegaba a las sociedades nativas al
papel de un modo de producción más, articulado y domina-
do por el capitalismo, al igual que cualquier sociedad campe-

2
En otros trabajos (Platt, 1982), Platt desarrolla un nuevo enfoque de
“antropología histórica” que da cuenta de estos procesos.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 159
sina. Por lo tanto, sus demandas debían integrarse en el cam-
po más vasto de las luchas “campesinas”, para no fragmentar
y dividir el “campo popular”. El etnólogo o el etnohistoriador
que continuaban insistiendo sobre la especificidad de la cu-
estión étnica quedaron descalificados por la izquierda: Su
“romanticismo indigenista” y su “nostalgia por el pasado” los
colocaban al margen de las grandes tareas revolucionarias que
demandaba el futuro.
En esta historia en la que los protagonistas son las es-
tructuras, la teoría y la investigación social “comprometidas”
sirvieron para encubrir nuevas prácticas paternalistas y co-
loniales frente a la cuestión étnica. Las elites de izquierda, de
raíz cultural criolla occidental, tenían una visión meramente
instrumental de las demandas étnicas: ellas eran útiles sólo
en tanto no se autonomizaran de la movilización popular
controlada por la izquierda. Allí se esconde un esfuerzo de
integrar y “civilizar” al indígena no muy diferenciado de las
matrices ideológicas que el marxismo combatía – el naciona-
lismo y el liberalismo –, con las cuales comparte una visión
evolucionista del devenir histórico, colocando a las socieda-
des indígenas en idéntico papel de objetos de una misión ci-
vilizadora. Su perspectiva no podía ser otra que la desinte-
gración, ya sea dentro del molde del “ciudadano libre e igual”
del capitalismo, o del trabajador masa del socialismo.
En el plano epistemológico, se reproducía una relación
asimétrica entre un “sujeto cognoscente” que compartía en lo
esencial la visión del mundo de la sociedad occidental domi-
nante, y un “otro” étnico, cuya identidad era atribuida desde
fuera, o forzada a una redefinición radical, para encajar con
los intereses mas vastos del campesinado y el proletariado.
Pese a todas las declaraciones verbales de compromiso con el
pueblo, y la adscripción principista a una epistemología “di-
aléctica”, la labor investigativa generada por la mayoría de
instituciones y militantes de la izquierda acabó condenando
al silencio y a la intraductibilidad a las conceptualizaciones
160 CUSICANQUI, Silvia Rivera • El Potencial Epistemológico y Teórico de La Historia Oral

y sistematizaciones generadas desde adentro del grupo indí-


gena estudiado.
El silencio no fue roto por los investigadores, sino por
los propios indígenas. El dramático final de los procesos po-
líticos reseñados – clausura, en la mayor parte de los casos
violenta, de las “aperturas democráticas”, escaladas represi-
vas, clandestinización de las organizaciones sindicales y po-
líticas de izquierda – modificó sustancialmente el contexto
de la investigación social en nuestros países. La desmoraliza-
ción y fragmentación del movimiento popular institucionali-
zado, se vio sin embargo contrastada por la emergencia de
nuevos actores sociales, de difícil categorización según las
concepciones habituales. De entre ellos – que abarcan una
gama muy variada de definiciones no estrictamente clasis-
tas, como los movimientos de mujeres, la movilización juve-
nil, barrial y regional – quizás el más significativo para los
países andinos sea el movimiento indio.
Las causas que explican estos fenómenos son difíciles
de establecer. Es posible que la intensa movilización social
precedente – en muchos casos con significativa participaci-
ón del campesinado-indio – hubiese llevado a sus límites las
estructuras estatales destinadas a cooptar y controlar a estos
sectores, y a neutralizar sus conflictos. Con ello se produjo la
quiebra de los modelos de control social como el indigenis-
mo, el clientelismo y el “bonapartismo” estatal, que anterior-
mente habían servido para bloquear las demandas autóno-
mas de estos sectores.
Lo cierto es que en la década del 70 surgen en toda el
área vigorosos procesos de autoconciencia étnica y se forman
organizaciones que reclaman para sí el derecho de generar
sus propias sistematizaciones ideológicas y políticas, despla-
zando del rol de intermediarios a los intelectuales y cientis-
tas sociales de las diversas disciplinas. Un antropólogo co-
lombiano hace al respecto una conmovedora declaración post-
facto:
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 161
“Ya sabemos que la opción de una etnología positiva y aca-
demicista no es satisfactoria y nuestra desconfianza de un
“activismo antropológico” irresponsable es justificada, (pues)
la experiencia nos ha demostrado que éste se enfrenta desfa-
vorablemente al poder constituido. Además, debemos acep-
tar que los indígenas nos desplacen de su vocería y su defen-
sa: Ellos mismos la van asumiendo cada día más, aún a costa
de pagar con sus vidas... debemos estar preparados, pues
hacer etnología será cada vez más difícil” (Uribe, 1980)
Es claro que los matices subversivos de la investigaci-
ón no eran nada nuevo en la década de los años 80. Sin em-
bargo, las dificultades de la práctica antropológica no pudie-
ron ser reconocidas sino más tarde, gracias a que las movili-
zaciones y organizaciones indias asumían un creciente con-
trol y crítica frente a los intentos de instrumentalización del
investigador y del político de izquierda. Fue ésta la base de
los más sustanciales cuestionamientos epistemológicos y te-
óricos hacia las disciplinas que trabajan con las sociedades
indias.

2. La investigación-acción: ¿un nuevo paradigma?


La emergencia de nuevos fenómenos políticos y movi-
lizaciones populares en el período precedente – fines de la
década del 60 y principios de la del 70 – no dejó, sin embar-
go, de producir importantes modificaciones en la práctica
investigativa. La instrumentalización implícita de la meto-
dología positivista, con su pretendida “neutralidad valorati-
va”, fue criticada en la práctica y refutada en la teoría. Por
otra parte, el contacto intensificado de los investigadores con
sujetos sociales activos y movilizados comenzó a generar,
nuevos estilos de trabajo, poco ortodoxos pero más adecua-
dos a las exigencias prácticas del momento. El énfasis co-
menzó a desplazarse de una exigencia interna a la lógica del
investigador (búsqueda de coherencia, verificabilidad, ope-
racionalización), a una exigencia externa y políticamente com-
162 CUSICANQUI, Silvia Rivera • El Potencial Epistemológico y Teórico de La Historia Oral

prometida: Producir conocimientos y resultados de investi-


gación significativos no sólo para el investigador y la comu-
nidad académica, sino también para los intereses del grupo
estudiado. Estos eran entendidos por lo general en términos
de necesidades de transformación radical de las condiciones
de explotación y opresión a que se halla sometido. Estos nue-
vos estilos, surgidos al calor de la movilización social y polí-
tica, comenzaron a producir reflexiones y sistematizaciones,
y a clarificar sus diferencias con la tradición heredada por
las ciencias sociales latinoamericanas,
El ejemplo colombiano puede servir de marco adecua-
do para analizar estos procesos. En 1977, se realizó en Carta-
gena un simposio mundial sobre “Crítica y Política en Cien-
cias Sociales” (Punta de Lanza, 1978), que constituyó un im-
portante intento de sistematizar y evaluar las implicaciones
epistemológicas y teóricas de las nuevas prácticas investiga-
tivas. En una situación que ofrece interesantes paralelismos
con los efectos del llamado “boom latinoamericano” en lite-
ratura, el subcontinente parecía estar asumiendo un auténti-
co liderazgo en materia de investigación comprometida. En
Cartagena se consolidó así la posición de los investigadores
de la región, que esgrimían a la investigación – acción como
una práctica llamada a jugar el papel de nuevo paradigma
para las ciencias sociales (Moser, 1978). Producto de muchos
años de experimentación, esta propuesta epistemológica pa-
recía ser capaz de articular las exigencias del rigor científico
con las demandas pragmático-políticas de una radical trans-
formación de. la sociedad.
Pero a pesar del énfasis puesto en la interacción cotidi-
ana con las colectividades investigadas, pienso que la razón
instrumental subyacente en el positivismo sólo sufrió un des-
plazamiento, pero no una radical transformación. Si antes se
había instrumentalizado a estas colectividades en función de
la verificación de hipótesis y teorías construidas asimétrica-
mente desde fuera del espacio cognoscitivo “popular”, ahora
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 163
se las instrumentalizaba en áreas de proyectos de cambio so-
cial y político que, si bien se legitimaban como “intereses
generales” del pueblo, se situaban igualmente en la esfera de
una intelectualidad externa, encarnada en las cúpulas de los
partidos políticos que se disputaban la representación del
movimiento popular.
Lo ocurrido en la década del 70 con los esfuerzos de
investigación-acción en el contexto de la imponente movili-
zación social de la ANUC (Asociación Nacional de Usuarios
Campesinos) en Colombia, es una muestra palpable de este
fenómeno (Rivera, 1982).
La ANUC, que había surgido a principios de la década
de los años 70 como expresión de las tensiones generadas
por el tímido proceso de reforma agraria implementado por
Lleras Restrepo, contó desde sus inicios con el aporte de des-
tacados investigadores, que volcaron sus esfuerzos a la pro-
ducción de trabajos significativos para la movilización cam-
pesina. Estas investigaciones, surgidas en la interacción con
los participantes de la intensa ola de tomas de tierras, inten-
taban promover la organización de nuevas formas producti-
vas capaces de superar las perspectivas de fragmentación
parcelaria de los campesinos movilizados. Así surgieron los
“baluartes de autogestión campesina”, que, apoyados en prác-
ticas de comunicación y educación popular, buscaban recu-
perar las tradiciones de solidaridad y cooperación locales,
generando una suerte de “enclaves” socialistas, que manten-
drían vivas las energías revolucionarias del campesinado
mientras se consumase la transformación total de la socie-
dad.
No obstante, el enorme esfuerzo de estos equipos de
investigación-acción, terminó apuntalando la estrategia polí-
tica de una organización que se formó con base en la alta
cúpula de la ANUC y dirigentes izquierdistas de origen uni-
versitario. Tras múltiples episodios de conflicto con el Esta-
do y con otras fuerzas de izquierda, este grupo terminó con-
164 CUSICANQUI, Silvia Rivera • El Potencial Epistemológico y Teórico de La Historia Oral

tribuyendo a la disgregación y fragmentación de la ANUC. La


manipulación sindical por parte de este grupo de izquierda
se extendió también al movimiento indio colombiano, que
desde el sur del país daba sus primeros pasos en busca de
recuperar sus tierras y fortalecer su identidad y cultura. La
meta global del movimiento se orientó entonces a consolidar
un “sujeto-partido”, representante en gran medida auto-atri-
buido del interés popular, que convirtió su discurso en me-
canismo legitimador y encubridor de una nueva asimetría
social, en la que las elaboraciones teóricas de la cúpula se
distanciaron irremediablemente de las percepciones internas
del campesinado – mestizo o indio –, creando las condicio-
nes para una acentuada vulnerabilidad y fragmentación. Todo
ello fue posible, además, porque la teoría marxista, sustenta-
da en la visión homogeneizadora de la clases sociales, no fue
capaz de dar cuenta de las demandas diferenciadas de los
distintos componentes del movimiento, sujeto en muchas re-
giones a una cadena colonial de discriminación y exclusión.
El recuento de esta experiencia nos sirve para adelan-
tar un razonamiento, que la experiencia de los países andi-
nos confirmará con mucha mayor contundencia. La lógica
instrumentalizadora que se vislumbra en las direcciones po-
líticas de la ANUC ha sido legitimada por un enfoque teórico
que supone la posibilidad de una representación del campe-
sinado-indio por parte de individuos o grupos de otra extrac-
ción social y cultural. Ello quizás sería posible si en nuestros
países hubiese estado plenamente conformado el “individuo
libre e igual” del capitalismo, proceso a través del cual que-
darían difuminados los comportamientos corporativos y las
identidades diferenciadas propias de situaciones coloniales.
La no verificación de este proceso de individuación es un
hecho que salta a la vista, más aún en países como Bolivia,
donde la heterogeneidad étnica es un fenómeno masivo y vi-
goroso, y donde las estructuras de poder continúan asenta-
das en una matriz de claro corte colonial.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 165
El déficit de la investigación-acción, tal como ha sido
practicada en nuestros países, resulta entonces de dos órde-
nes de fenómenos. El uno, de naturaleza epistemológica, por
el cual se reproduce la asimetría sujeto-objeto a través de la
instrumentalización de las necesidades y demandas de los
sectores populares hacia metas colectivas formuladas desde
fuera de dichos sectores, las cuales poco tienen que ver con
las percepciones endógenas. Y el otro, de orden teórico – que
en este caso, es déficit de la teoría marxista de las clases
sociales – que presume la intercambiabilidad de experiencias,
es decir, la “traductibilidad” fundamental de lo vivido, pro-
pia de situaciones de homogeneidad social y cultural, inexis-
tentes en nuestros países debido a la continuidad de las es-
tructuras de dominación y discriminación coloniales.

3. La historia oral: ¿más allá de la lógica instrumental?


El contexto de los proyectos de historia oral realizados
por el THOA se enmarca, al igual que en otros países, en la
crisis de los modelos de sistematización teórica comprometi-
da con proyectos de transformación social generados desde
la izquierda partidista. La emergencia de nuevos movimien-
tos y organizaciones indios, que no encajan en el marco de
las contradicciones estructurales de clase, constituye el ne-
cesario telón de fondo de estos esfuerzos de investigación.
Estos movimientos han forjado una vasta corriente opi-
nión que cuestiona el “pongueaje político” por parte de los
gobiernos de turno, al igual que la manipulación interesada
de los grupos de izquierda, que niegan la problemática étni-
ca o la combaten abiertamente, acusando a sus portavoces de
“racismo”. La autonomía de su discurso ideológico se nutre
de la recuperación de horizontes “cortos” y “largos” de me-
moria histórica, que remiten a las luchas anticoloniales del
siglo XVIII, tanto como a la fase de mayor autonomía y movi-
lización democrática de la revolución nacional de 1952 (Ri-
vera, 1984). Los símbolos y temáticas del movimiento se
166 CUSICANQUI, Silvia Rivera • El Potencial Epistemológico y Teórico de La Historia Oral

manifiestan en una doble demanda crítica hacia la sociedad


q’ara dominante: la lucha por la ciudadanía – permanente-
mente escamoteada por la vigencia de mecanismos de discri-
minación y exclusión – y la lucha por el respeto a la autono-
mía cultural y territorial india enarbolada con firmeza como
fuente de autodeterminación política.
Estos dos temas centrales generarán también diferencia-
ciones internas en el movimiento: algunos sectores privilegian
los elementos de ciudadanía, buscan alianzas internas con
otros sectores oprimidos y explotados en términos de clase, y
enmarcan sus luchas en el contexto de la nación boliviana.
Otros, en cambio, enfatizan la liberación india frente a toda
una estructura multisecular de poder colonial. El debate de-
semboca en la formación de Partidos y Movimientos Políti-
cos Indios de diversa composición y énfasis programático,
que en conjunto forman un espectro de posiciones comple-
mentarias que contribuyen a profundizar y ampliar el debate
sobre la cuestión colonial en el conjunto de la sociedad (Ri-
vera, 1984 a).
Obviamente, el énfasis sobre la historia es central a to-
dos estos movimientos: el pasado adquiere nueva vida al ser
el fundamento central de la identidad cultural y política in-
dia, y fuente de radical critica a las sucesivas formas de opre-
sión que ejerce sobre el indio la sociedad q’ara.
Es en este contexto que surgen los proyectos de historia
oral del THOA, como un intento de poner en práctica las exi-
gencias de recuperación histórica de los movimientos indi-
os. Los propios aymaras sondean vínculos con intelectuales
no-aymaras, eligen sus potenciales aliados e invierten así una
larga tendencia de manipulación entre indios y criollos. La
selección se basa no sólo en los discursos explícitos de los
sectores criollos: sobre todo se evalúan los comportamientos
y prácticas cotidianas, conscientes de que la brecha entre lo
que se dice y lo que se hace es rasgo central del accionar
político q’ara. Obviamente, un requisito básico exigido al
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 167
intelectual no-indio es su total desvinculación de la política
partidista. Así surge el trabajo con los comunarios de Ilata y
los familiares y escribanos del cacique-apoderado Santos
Marka Tula, que cuenta con la aceptación de los organismos
sindicales locales y regionales. Cristalizan equipos mixtos,
bajo conducción aymara, que se sujetan a las exigencias éti-
cas de los comunarios de base, con quienes se definen las
metas, tareas y formatos de la investigación.
La recolección de testimonios por hablantes nativos del
aymara permite superar las brechas de comunicación habi-
tuales, pero además, la devolución sistemática de resultados
permite que la “fidelidad” de la información recogida sea
evaluada en términos de los intereses y percepciones inter-
nas de los comunarios y dirigentes aymaras. Las discusiones
generan un proceso permanente de refinamiento metodoló-
gico: en él resaltan los aspectos interaccionales y éticos del
proceso de comunicación que se genera en las entrevistas, y
se desarrollan instancias de consulta, tanto con las comuni-
dades como con las organizaciones e instituciones aymaras
de base urbana. Así, en ocasión de la presentación de la bio-
grafía de Santos Marka Tula (THOA, 1984), se realiza un acto
público en la comunidad de Chuxña-Ilata, donde los ancia-
nos entrevistados comienzan a formular críticas a la conduc-
ción sindical posterior a 1952. Los vínculos intergeneracio-
nales – rotos en gran medida por efecto de la imposición del
sindicato – van siendo restablecidos, y el puente entre pasa-
do y presente recupera su fluidez.
Por otra parte, la reconstrucción histórica comienza a
prestar más atención a las percepciones internas de los comu-
narios: su visión de la historia, de la sociedad y el estado q’aras:
estas percepciones contrastan radicalmente con la versión que
genera el mundo criollo sobre la resistencia india. De este modo
no sólo se fundamenta una posición crítica frente a la histo-
riografía oficial, sino que se descubre la existencia de raciona-
lidades históricas diversas, que cumplen funciones legitima-
168 CUSICANQUI, Silvia Rivera • El Potencial Epistemológico y Teórico de La Historia Oral

doras de las respectivas posiciones en conflicto.


Otro aspecto fundamental del trabajo es la atención que
se presta a la historia mítica – categoría fundamental del pen-
samiento histórico indio (cf. Mamani, 1986). El mito funcio-
na como mecanismo interpretativo de las situaciones históri-
cas, sobre las cuales vierte sanciones éticas que contribuyen
a reforzar la conciencia de legitimidad de la lucha india. In-
teresa, por lo tanto, no sólo reconstruir la historia “tal cual
fue”, sino también, fundamentalmente, comprender la forma
cómo las sociedades indias piensan e interpretan su experi-
encia histórica (Rivera, 1982 a.). En este proceso, puede dar-
se incluso una contradicción entre temporalidades y lógicas
históricas: si la historia documental presenta una sucesión
lineal de eventos, la historia mítica – y las valoraciones éti-
cas que implica – nos remite a tiempos largos, a ritmos lentos
y a conceptualizaciones relativamente inmutables, donde lo
que importa no es tanto “lo que pasó”, sino por qué pasó y
quién tenía razón en los sucesos: es decir, la valoración de lo
acontecido en términos de la justicia una causa. En este sen-
tido, la historia oral india es un espacio privilegiado para
descubrir las percepciones profundas sobre el orden coloni-
al, y la requisitoria moral que de ellas emana: a pesar de los
cambios de gobierno, de los mecanismos diversos de domi-
nación y neutralización, se descubren las constantes históri-
cas de larga duración, encarnadas en el hecho colonial, que
moldean tanto el proceso de opresión y alienación que pesa
sobre la sociedad colonizada, como la renovación de su iden-
tidad diferenciada.

4. Hacia una teoría de la dominación colonial


Lo oral indio es en Bolivia el espacio fundamental de la
crítica, no sólo al orden colonial, sino a toda la concepción
occidental de la historia, que sitúa lo “histórico” tan sólo a
partir de la aparición de la escritura, y legitima por lo tanto la
invasión colonial como una heroica misión “civilizadora”. La
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 169
práctica historiográfica india permite, por el contrario, des-
cubrir estratos muy profundos de la memoria colectiva: el
iceberg sumergido de la historia precolonial, que se transmi-
te a través del mito hacia las nuevas generaciones, alimen-
tando la visión de un proceso histórico autónomo y la espe-
ranza de recuperar el control sobre un destino histórico alie-
nado por el proceso colonial (cf. Mamani, 1986).
La conexión mito-historia recupera así su valor herme-
néutico y permite descubrir el sentido profundo de los ciclos
de resistencia india, en los cuales la sociedad oprimida reto-
ma su carácter de sujeto de la historia. Las rebeliones, que
siempre fueron vistas como una reacción “espasmódica” (cf.
Thompson) frente a los abusos de la sociedad criolla o es-
pañola, pueden leerse entonces desde otra perspectiva: como
puntos culminantes de un proceso de acumulación ideológi-
ca subterránea, que salen cíclicamente a la “superficie” para
expresar la continuidad y autonomía de la sociedad india. Se
ha superado así la visión instrumental del mito como un es-
pacio de conocimientos de los inmanentes universales del
“pensamiento salvaje”, o bien – en el otro polo – como mera
fabricación de la imaginación, desconectada por completo de
la realidad “objetiva”.
Historia cíclica e historia mítica permiten aún otro
descubrimiento: la interacción entre el pasado y el presen-
te corre por diversos caminos en una sociedad como la
nuestra. Cada segmento de ella – la casta dominante, la
sociedad india colonizada, pasando por toda una cadena
de mediaciones basada en el mestizaje cultural – razona
históricamente de distinta manera. Tenemos, entonces, no
historia, sino historias, todas ellas de diversa profundidad.
A veces, una movilización social concreta conjuga hori-
zontes históricos diversos, y los articula en formas ideoló-
gicas complejas – tal, por ejemplo, el caso de la combina-
ción entre los temas referidos a la igualdad ciudadana, y
aquellos vinculados a la diferenciación y autonomía étni-
170 CUSICANQUI, Silvia Rivera • El Potencial Epistemológico y Teórico de La Historia Oral

cas, que se presentan en la mayoría de movimientos indi-


os contemporáneos. Pero la existencia de estos horizontes
no forma una sucesión lineal que permanentemente se su-
pera a sí misma y avanza hacia un “destino”: son referen-
tes inherentemente conflictivos, parcelas vivas del pasado
que habitan el presente y bloquean la generación de meca-
nismos de totalización y homogeneización. Por lo tanto,
no son intercambiables, y exigen un proceso de auténtica
y simétrica “traducción”. La inteligibilidad y convivencia
social bolivianas son entonces fenómenos en los que no
sólo se reúnen diversas y conflictivas identidades lingüís-
ticas y regionales: en el presente coexisten seres intrínse-
camente no-contemporáneos, cuyas contradicciones entre
sí están más enraizadas en la diacronía, que en la esfera
sincrónica del modo de producción o de las clases soci-
ales. Además de las implicaciones de este fenómeno para
los procesos de comunicación de los resultados de la in-
vestigación histórica, ello supone, a mi juicio, una radical
crítica frente a todas las conceptualizaciones generadas a
partir de paradigmas basados en la homogeneidad de la
sociedad.
Otro aspecto conexo, que emana de estas reflexiones,
se refiere a la conexión entre historia oral e historia “estruc-
tural”. La coexistencia de múltiples historias no configura un
universo desorganizado y errático de “sociedades” que habi-
tan un mismo espacio como compartimientos estancos. To-
das ellas están organizadas de acuerdo al eje colonial, que
configura una cadena de gradaciones y eslabonamientos de
unos grupos sobre los otros. En tal sentido, la cuestión colo-
nial apunta a fenómenos estructurales muy profundos y ubi-
cuos, que van desde los comportamientos cotidianos y esfe-
ras de “micro-poder”, hasta la estructura y organización del
poder estatal y político de la sociedad global.
Para finalizar, vamos a señalar algunas de las implica-
ciones epistemológicas que entraña la práctica de la historia
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 171
oral en un contexto de opresión colonial. Si la estructura ocul-
ta, subyacente de la sociedad es el orden colonial, los inves-
tigadores occidentalizados están siendo reproductores incons-
cientes de este orden por el sólo hecho de centrar sus inqui-
etudes conceptuales en las teorías dominantes de la homoge-
neidad social. Al pensar en términos homogéneos y sincróni-
cos, homogeneizan; al pensar en los indios como “campesi-
nos” están negando activamente su “otredad” y contribuyen-
do a reforzar la opresión colonial – basada, precisamente, en
la negación y exclusión. Están, también, atribuyendo exter-
namente identidades e imponiendo modificaciones en la au-
topercepción india. Se convierten entonces en cómplices del
etnocidio y del despojo, y perpetúan la condición alienada
del conjunto de la sociedad, incluyendo su propia alienaci-
ón, que los convierte en tributarios de segunda mano de un
orden conceptual y racional ajeno y adverso. Todas sus invo-
caciones de nacionalismo y “antiimperialismo” están pues
asentadas sobre fundamentos de arena, pues – ya lo dijo el
Inca Yupanki – un pueblo que oprime a otro no puede ser
libre.
La historia oral en este contexto es por eso mucho más
que una metodología “participativa” o de “acción” (donde el
investigador es quién decide la orientación de la acción y las
modalidades de la participación): es un ejercicio colectivo de
desalienación, tanto para el investigador como para su inter-
locutor. Si en este proceso se conjugan esfuerzos de interac-
ción consciente entre distintos sectores: y si la base del ejer-
cicio es el mutuo reconocimiento y la honestidad en cuanto
al lugar que se ocupa en la “cadena colonial”, los resultados
serán tanto más ricos en este sentido.
Por ello, al recuperar el estatuto cognoscitivo de la ex-
periencia humana, el proceso de sistematización asume la
forma de una síntesis dialéctica entre dos (o más) polos ac-
tivos de reflexión y conceptualización, ya no entró” un “ego
cognoscente” y un “otro pasivo”, sino entre dos sujetos que
172 CUSICANQUI, Silvia Rivera • El Potencial Epistemológico y Teórico de La Historia Oral

reflexionan juntos sobre su experiencia y sobre la visión que


cada uno tiene del otro. Con ello se generan las condiciones
para un “pacto de confianza” (cf. Ferrarotti), de innegable
valor metodológico, que permite la generación de narrati-
vas autobiográficas en cuyo proceso la conciencia se va trans-
formando: superando lo meramente acontecido para descu-
brir lo significativo, aquello que marca al sujeto como un
ser activo y moralmente comprometido con su entorno so-
cial. Estudios como el de Antonio Males (1985) en el Ecua-
dor, muestran el grado de compenetración mutua entre el
investigador y sus interlocutores. Antonio, indio otavaleño
y antropólogo social, ha logrado un recuento muy rico de la
experiencia de los otavaleños residentes y migrantes a la
ciudad, en el que destaca la preocupación común por una
identidad amenazada. Esta experiencia compartida podría
lograrse también en la interacción de sectores heterogéneos
(indios y mestizos; trabajadores manuales e intelectuales)
siempre y cuando el investigador sepa superar los bloqueos
de comunicación (lingüísticos, culturales) y las brechas de
comportamiento, hábito y gesto inconsciente que marcan –
más que ningún elemento discursivo o consciente – las re-
laciones de asimetría social y cultural en el contexto de si-
tuaciones coloniales. Elemento crucial de este postulado de
simetría será también la disponibilidad del investigador a
sujetarse al control social de la colectividad “investigada”:
este control se refiere no sólo al destino que tendrá el pro-
ducto final de la investigación, sino al compartir los avala-
res de todo el proceso, desde la selección de temas, el di-
seño de las entrevistas, el sistema de trabajo, la devolución
sistemática de transcripciones y las finalidades o usos de
los materiales resultantes.
Resulta, obvio que la modificación de los términos y
sentidos metodológicos de la investigación alcanzarán tam-
bién a los métodos de exposición de resultados finales. Los
materiales llamados de “educación popular” utilizados con
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 173
frecuencia por las instituciones, implican una definición
unilateral de contenidos atribuidos externamente a lo “po-
pular”. Muchos de estos materiales revelan un gesto abierto
de paternalismo criollo, al reproducir interpretaciones ofi-
ciales de la historia en versión “popularizada”, convertida
en mensaje digerible para un “pueblo” al que se presupone
simple, despojado de toda sutileza conceptual o lingüística.
Si, por el contrario, las comunidades y movimientos inves-
tigados participan activamente en todas las fases de la in-
vestigación, se descubrirá la complejidad y riqueza de los
modos de pensamiento y visiones de la historia que gene-
ran los propios actores en su experiencia vital. Más allá de
la “popularización de la historia”, que refuerza la lógica ins-
trumental y la manipulación ideológica del investigador, nos
aproximaremos entonces a la desalienación y descoloniza-
ción de la historia.

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– II –
PLURALISMO JURÍDICO
E
MULTICULTURALISMO
7 – PLURALISMO JURÍDICO E
DIREITOS HUMANOS: DIMENSÕES
EMANCIPADORAS*
Antonio Carlos Wolkmer

INTRODUÇÃO
O empenho maior e inconteste neste início do novo
milênio é como tomar parte deste cenário de mundialização
neoliberal, mas sem deixar de estar consciente e agir no âm-
bito cultural da diversidade e da legitimidade local. Trata-se
de repensar um projeto social e político contra-hegemônico,
capaz de reordenar as relações tradicionais entre Estado e So-
ciedade, entre o universalismo ético e o relativismo cultural,
entre a razão prática e a filosofia do sujeito, entre o discurso
de integração e de diversidade, entre as formas convencio-
nais de legalidade e as experiências plurais não-formais de
jurisdição.
Ressignificar outro modo de vida impulsiona a dimen-
são cultural por outras modalidades de experiência, de rela-
ções sociais e ordenações das práticas emergentes e institu-
intes. Em tal intento, a prioridade não estará no Estado-Naci-
onal e no Mercado, mas, presentemente, na força da socieda-
de enquanto novo espaço comunitário de efetivação da plu-
ralidade democrática, comprometida com a alteridade e com
a diversidade cultural. Em sua capacidade geradora, o poder

* Artigo foi publicado, em uma primeira versão, na Revista Sequência. CPGD/


UFSC, nº 53, dez.2006, p. 113-128.
180 WOLKMER, Antonio Carlos • Pluralismo Jurídico e Direitos Humanos

da instância societária proporciona, para os horizontes insti-


tucionais, valores culturais diferenciados, procedimentos dis-
tintos de prática política e de acesso à justiça, “novas defini-
ções de direitos, de identidades e autonomia”, projetando a
força de sujeitos sociais como fonte de legitimação do locus
sociopolítico e da constituição emergente de direitos que se
pautam pela dignidade humana e pelo reconhecimento à di-
ferença.
Ora, diante dos recentes processos de dominação e ex-
clusão produzidas pela globalização, pelo capital financeiro
e pelo neoliberalismo que vem afetando substancialmente
relações sociais, formas de representação e de legitimação,
impõe-se repensar politicamente o poder de ação da comuni-
dade, o retorno dos agentes históricos, o aparecimento inédi-
to de direitos relacionados às minorias e a produção alterna-
tiva de jurisdição, com base no viés interpretativo da plurali-
dade de fontes. Certamente que a constituição de uma cultu-
ra jurídica antiformalista, antiindividualista e antimonista,
fundada nos valores do poder da comunidade, está necessa-
riamente vinculada aos critérios de uma nova legitimação
social e de um novo diálogo intercultural. O nível dessa efi-
cácia passa pelo reconhecimento da identidade1 dos sujeitos
sociais (aqui incluindo os grupos culturais minoritários), de
suas diferenças, de suas necessidades básicas e de suas rei-
vindicações por autonomia. Por conseguinte, é fundamental
destacar, na presente contemporaneidade, as novas formas
plurais emancipatórias e contra-hegemônicas de legitimação
do Direito.2
Antes de mais nada, na perspectiva da América Latina,
para se instituir uma cultura político-jurídica mais democrá-

1
Compreende-se, aqui, identidade como o conjunto de características
específicas a determinado grupo humano, em seu modo de ser, pensar e agir.
2
SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Reconhecer para Libertar: os
caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003. p. 25-66.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 181
tica é necessário pensar e forjar formas de produção do co-
nhecimento que partam da práxis democrática pluralista en-
quanto expressão do Direito à diferença,3 à identidade coleti-
va, à autonomia4 e à igualdade de acesso a direitos. Há, por-
tanto, que desencadear tal processo, revendo o pluralismo
como princípio de legitimidade política, jurídica e cultural.
Do pluralismo não como possibilidade, mas como condição
primeira. É o que se verá nesta reflexão: ao criticar o neocolo-
nialismo liberal do capital financeiro e os desenfreados ge-
nocídios étnico-culturais, introduz o pluralismo democráti-
co como instrumento de luta para combater as mazelas da
globalização e para legitimar-se como estratégia contra-hege-
mônica de afirmação aos direitos humanos emergentes.

1. Processos de mundialização e
ações políticas contra-hegemônicas
Redefinir a vida humana, configurada na historicidade
de sujeitos singulares e coletivos com dignidade, com identi-
dade e com reconhecimento à diferença implica ter consciên-
cia e lutar contra imposições padronizadas que caracterizam

3
Para León Olivé o Direito à diferença refere-se ao direito dos indivíduos a
serem reconhecidos como integrantes de certa comunidade cultural,
desfrutando “das condições apropriadas para que esta se preserve, se
desenvolva e floresça, de acordo com as decisões que seus membros tomem
de maneira autônoma.” (OLIVÉ, León. Multiculturalismo y pluralismo. México:
Paidós, 1999. p. 89; _____. Interculturalismo y justicia social. México: UNAM,
2004. p. 89).
4
A autonomia pode ser vista como uma das formas de manifestação do
princípio da autodeterminação. Implica a luta de comunidades minoritárias
(populações indígenas, grupos afro-americanos, identidades nacionais, etc.)
para preservar suas tradições. Tais comunidades podem “estabelecer
livremente o seu status político e prosseguir livremente o seu
desenvolvimento econômico, social e cultural”. Assim, no entendimento
de Yash Ghai, o princípio da autodeterminação confere às comunidades
minoritárias o “direito de autonomia ou de autogoverno em relação a
questões relacionadas a seus assuntos internos e locais”. (GHAI, Yash.
“Globalização, multiculturalismo e direito”. In: SANTOS, Boaventura de S.
(Org.). Reconhecer para libertar. p. 570).
182 WOLKMER, Antonio Carlos • Pluralismo Jurídico e Direitos Humanos

a sociedade mundial, estremecida com o enfraquecimento dos


Estados-nacionais, com a supremacia selvagem do mercado
financeiro e com a hegemonia política do neoliberalismo.
Nesse sentido, importa sublinhar breve recorte do cenário
cultural por fenômenos como globalização e neoliberalismo.
Tendo em conta seu impacto no âmbito da vida humana, no
Direito e na sociedade, convém explicitar, como faz Octávio
Ianni, que a globalização, mais que a “intensificação das rela-
ções sociais em escala mundial (...) é uma realidade em pro-
cesso, que (...) atinge as coisas, as gentes e as idéias, bem
como as sociedades e as nações, as culturas e as civilizações
(...)”, colocando-se “o problema do contraponto globalização
e diversidade (...).”5
Parece claro que a questão da globalização, introduzida
na década de 70 (M. McLuhan) na esfera da comunicação e
da cultura, acaba sendo adotada e difundida nos parâmetros
da sociedade internacional relacionada à mundialização de
políticas econômicas, comerciais e financeiras de grandes
conglomerados empresariais.
O processo de mundialização do espaço não-nacional é
contingência, certamente, dos avanços científicos e das revo-
luções tecnológicas (informática, telecomunicação, biotecno-
logia, novas formas de energia, como o lazer, etc.).6 Embora
sejam processos concomitantes que permanecem interagin-
do “nas últimas décadas, há que se diferenciar a globalização

5
IANNI, Octávio. “Globalização: novo paradigma das ciências sociais.” In: A
Sociologia entre a Modernidade e a Contemporaneidade. Porto Alegre: Ed.
UFRGS, 1995. p. 13-25. Constatar, ainda em O. Ianni, A Sociedade Global. 4.
ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996; BAUMAN, Zygmunt.
Globalização. As Conseqüências Humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999;
SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização: do pensamento único à
consciência universal. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.
6
Cf. DOWBOR, Ladislau. “Governabilidade e Descentralização” In: São Paulo
em Perspectiva. São Paulo: Seade, n. 3, jul.-set./96. p. 23; _____. A Reprodução
Social. Propostas para uma Gestão Descentralizada. Petrópolis: Vozes, 1998.
p. 29-46.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 183
(ampliação do espaço, desterritorialização e transnaciona-li-
zação, principalmente econômica, tecnológica e cultural) da
doutrina teórico-prática de justificação e legitimização deno-
minada neoliberalismo”. Em tal sentido, a interpretação e a
prática da ideologia neoliberal, particularmente na América
Latina, tem-se projetado como “concepção radical do capita-
lismo que tende a absolutizar o mercado, até convertê-lo em
meio, em método e fim de todo comportamento humano ra-
cional. Segundo essa concepção, ficam subordinados ao mer-
cado a vida das pessoas, o comportamento da sociedade e a
política dos governos. O mercado absolutista não aceita ne-
nhuma forma de regulamentação” 7. Tal sistema de princípios
e valores exime o Estado de grande parcela de sua responsa-
bilidade, limitando-lhe a intervenção e atuação a garantir o
mínimo de bens para todo cidadão. Ao ajustar e estabilizar a
economia capitalista para as grandes burocracias e as elites
financeiras internacionais, o neoliberalismo acabou, na es-
teira dessas manobras, contribuindo para acelerar imensos
desequilíbrios econômicos, elevadas taxas de desemprego,
profundas desigualdades sociais, acentuados desajustes no
cotidiano das comunidades locais e o genocídio cultural.
Assim, o surgimento de novas formas de dominação e
exclusão produzidas pela globalização e pelo neoliberalismo
afetou substancialmente também as práticas políticas tradi-
cionais e os padrões normativos que têm regulado as condi-
ções de vida em sociedade. Tais reflexos têm incidido igual-
mente na própria instância convencional de poder, o Estado

7
CARTA dos Superiores Provinciais da Companhia de Jesus da América Latina.
O Neoliberalismo na América Latina. São Paulo: Loyola, 1996. p. 19 e 21.
Sobre a crítica ao “neoliberalismo”, consultar: SADER, Emir; GENTILI, Pablo.
Pós-Neoliberalismo – As Políticas Sociais e o Estado Democrático. 2. ed. Rio
de Janeiro: Graphia, 1995; BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso de
Washington: a visão Neoliberal dos Problemas da América Latina. 2. ed. São
Paulo: Pedex, l994; COMBLIN, José. O Neoliberalismo. Ideologia dominante
na virada do século. Petrópolis: Vozes, 2000.
184 WOLKMER, Antonio Carlos • Pluralismo Jurídico e Direitos Humanos

nacional e soberano. Nesse aspecto, fica evidente um certo


esgotamento do Estado-Nação enquanto instância institucio-
nal privilegiada de legitimação. Não parece correto afirmar,
como adverte Ianni, que o Estado deixará de existir, mas es-
tão sendo postas em discussão suas funções clássicas, para
readequá-las aos novos cenários mundiais, gerados pelo con-
fronto entre Sociedade e Mercado. Por certo que “as forças
sociais, econômicas, políticas, culturais, geopolíticas, religi-
osas e outras, que operam em escala mundial, desafiam o
Estado-Nação, com a sua soberania, com o lugar da hegemo-
nia. Sendo assim, os esforços do Projeto Nacional, seja qual
for a sua tonalidade prática ou econômica, reduzem-se, anu-
lam-se ou somente podem ser recriados sob outras condições.
A globalização cria injunções e estabelece parâmetros, anula
e abre horizontes.”8
Diante do declínio das práticas tradicionais de repre-
sentação política, da escassa eficácia das estruturas judiciais
e estatais em responder à pluralidade de demandas e confli-
tos, do crescente aumento de bolsões de miséria e das novas
relações colonizadoras de países ricos com nações em desen-
volvimento, abre-se a discussão para a consciente busca de
alternativas capazes de desencadear diretrizes, práticas e re-
gulações voltadas para o reconhecimento à diferença (singu-
lar e coletiva) de uma vida humana com maior identidade,
autonomia e dignidade.
Diante da nova relação entre Estado e Sociedade, em
todo esse processo de lutas e superações multiculturais no
âmbito local, cria-se um novo espaço comunitário, “de cará-
ter neo-estatal, que funde o Estado e a Sociedade no público:

8
IANNI, Octávio. 1995. p. 17. Sobre a problematização do Estado-Nação e sua
discussão atual, verificar também: HELD, David. La Democracia y el Orden
Global. Del Estado Moderno al Gobierno Cosmopolita. Barcelona: Paidós, 1997;
FIORI, Jorge Luis. “Globalização, Estados Nacionais e Políticas Públicas”.
Ciência Hoje. v. 16, n. 96, dez./93. p. 24-31; NOVAES, Adauto (Org.). A Crise
do Estado-Nação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 185
um espaço de decisões não controladas nem determinadas
pelo Estado, mas induzidas pela sociedade”.9 Nessa perspec-
tiva, o pluralismo comprometido com a alteridade e com a
diversidade cultural projeta-se como instrumento contra-he-
gemônico, porquanto mobiliza concretamente a relação mais
direta entre novos sujeitos sociais e poder institucional, fa-
vorecendo a radicalização de um processo comunitário parti-
cipativo, definindo mecanismos plurais de exercício demo-
crático e viabilizando cenários de reconhecimento e de afir-
mação de Direitos Humanos.

2. Pluralismo jurídico na perspectiva


da alteridade e da participação
O reconhecimento do pluralismo na perspectiva da al-
teridade e da emancipação revela o locus de coexistência para
uma compreensão crescente de elementos multiculturais cri-
ativos, diferenciados e participativos. Em uma sociedade com-
posta por comunidades e culturas diversas, o pluralismo fun-
dado numa democracia expressa o reconhecimento dos valo-
res coletivos materializados na dimensão cultural de cada
grupo e de cada comunidade.10 Tal intento de conceber a plu-
ralidade de culturas na sociedade, de estimular a participa-
ção de grupos culturais minoritários e de comunidades étni-
cas se aproxima da temática do “multiculturalismo” 11. O ter-

9
GENRO, Tarso F. O Futuro por Armar: democracia e socialismo na era
globalitária. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 41.
10
Observar: D’ADESKY, Jacques. Pluralismo Étnico e Multiculturalismo.
Racismos e Anti-Racismos no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2001. p. 196-
205; VERHELST, Thierry G. O Direito à Diferença. Petrópolis: Vozes, 1992.
p. 92; OLIVÉ, Leon. Multiculturalismo y Pluralismo. p. 107 e ss.; _____.
Interculturalismo y Justicia Social. p. 70-75 e p. 142.
11
Autores como Adela Cortina relembram que foi na Espanha do tempo da
Reconquista que se constituíram os primórdios do debate multicultural,
expresso na “convivência de três culturas – cristã, árabe e judia – em um
certo número de cidades.” Assim, cabe assinalar “que o começo do debate
do multiculturalismo data do século XVI e, concretamente, do momento da
grande expansão da cultura européia”. O vocábulo é retomado e passa a ser
186 WOLKMER, Antonio Carlos • Pluralismo Jurídico e Direitos Humanos

mo multiculturalismo, que adquire diferentes significados


(conservador, progressista, crítico, etc.) expressa, no dizer de
Boaventura de S. Santos e João A. Nunes, a “coexistência de
formas culturais ou de grupos caracterizados por culturas
diferentes no seio da sociedade ‘moderna’. (...)”.12 Trata-se de
“conceito eurocêntrico, criado para descrever a diversidade
cultural no quadro dos Estados-Nação do hemisfério norte e
para lidar com a situação resultante do afluxo de imigrantes
vindos do sul para um espaço europeu sem fronteiras inter-
nas, da diversidade étnica e afirmação identitária das mino-
rias nos EUA e dos problemas específicos de países como o
Canadá, com comunidades lingüísticas ou étnicas territorial-
mente diferenciadas. (...) um conceito que o Norte procura
impor aos países do Sul um modo de definir a condição his-
tórica e identidade destes.”13 Entretanto, como ressaltam Bo-
aventura de S. Santos e João A. Nunes, “existem diferentes
noções de multiculturalismo (...)”, no caso específico da ver-
são emancipatória, esta centraliza-se no reconhecimento “do
direito à diferença e da coexistência ou construção de uma
vida em comum além de diferenças de vários tipos”14, poden-
do tornar-se imperativo como exigência e afirmação do diálo-
go. Naturalmente, o pluralismo como valor aberto e democrá-
tico, que representa distinções, diversidade e heterogeneida-
de, tem no multiculturalismo uma de suas formas possíveis de
reconhecimento e articulação das diferenças culturais.

utilizado crescentemente nos debates acadêmicos a partir dos anos 70 do


século XX, em países como Canadá, Estados Unidos e Austrália. (Ciudadanos
del mundo. Hacia una teoría de la ciudadania. Madrid: Alianza, 1999. p. 180
e 183-184).
12
SANTOS, Boaventura de S. (Org.). Reconhecer para Libertar. p. 26;
SEMPRINI, Andrea. Multiculturalismo. Bauru/SP: EDUSC, 1999; TAYLOR,
Charles et al. Multiculturalismo. Lisboa: Instituto Praget, s/d.
13
SANTOS, Boaventura de S. (Org.). Op. cit., p. 30.
14
SANTOS, Boaventura de S. (Org.). Ibidem, p. 33 e 62; McLAREN, Peter.
Multiculturalismo Crítico. São Paulo: Cortez Editora, 1997; ETXEBERRIA,
Xabier. Sociedades Multiculturales. Bilbao: Mens Aero, 2004.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 187
Na configuração dos princípios iniciais de um horizon-
te culturalmente compartilhado e dialógico, o pluralismo le-
gitima-se como proposta político-multicultural nos níveis te-
órico e prático.
Sob um viés progressista, o pluralismo se redefine como
locus privilegiado que se contrapõe aos extremos da fragmen-
tação atomista e da ingerência sem limites do poder político.
Enquanto expressão da hegemonia de corpos sociais inter-
mediários, o pluralismo tem seu embate articulado contra as
diversas formas de individualismo e de estatismo, pautada
por autonomia, diferença e tolerância 15.
A problematização e a relevância da temática pluralis-
ta conduz, necessariamente, à discussão das possibilidades
de nova cultura jurídica, com legitimação assentada no reco-
nhecimento da justa satisfação de necessidades básicas e na
ação participativa dos sujeitos insurgentes, singulares e cole-
tivos. No âmbito do Direito, a pluralidade expressa “a coexis-
tência de normatividades diferenciadas que define ou não
relações entre si. O pluralismo pode ter como intento, práti-
cas normativas autônomas e autênticas, geradas por diferen-
tes forças sociais ou manifestações legais plurais e comple-
mentares, podendo ou não ser reconhecidas, incorporadas ou
controladas pelo Estado”.16 Certamente que o pluralismo ju-
rídico tem o mérito de revelar a rica produção legal informal
engendrada pelas condições materiais, lutas sociais e contra-
dições pluriclassistas. Isso explica por que, no capitalismo
periférico latino-americano, o pluralismo jurídico passa “pela
redefinição das relações entre poder centralizador de regula-
mentação do Estado e pelo esforço desafiador de auto-regula-
ção dos movimentos sociais e múltiplas entidades voluntárias
excluídas”.17

15
Cf. WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico - Fundamentos de uma
nova cultura no Direito. 3 ed. São Paulo: Alfa-Omega, 2001. p. 174.
16
WOLKMER, Antonio C. Op. cit., p. 222.
17
WOLKMER, Antonio C. Ibidem., p. 223-331.
188 WOLKMER, Antonio Carlos • Pluralismo Jurídico e Direitos Humanos

O reconhecimento de outra cultura jurídica, marcada


pelo pluralismo de tipo comunitário-participativo e pela le-
gitimidade construída através das práticas internalizadas de
sujeitos sociais, permite avançar na redefinição e afirmação
de direitos humanos numa perspectiva da interculturalida-
de. Da interculturalidade entendida como filosofia crítico-
cultural, como horizonte de diálogo eqüitativo, “como um
espaço da negociação (...), como reconhecimento do pluralis-
mo cultural (...), em que nenhuma cultura é um absoluto,
senão uma possibilidade constitutivamente aberta a possível
fecundação por outras culturas.”18 Ainda que por vezes seja
associado ao multiculturalismo (ou uma forma ou variante
deste), a interculturalidade tem especificidade própria, pois,
tendo em conta o pluralismo cultural e a nova hermenêutica
filosófica, revela-se “um horizonte de diálogo”; define-se,
conforme Isidoro Moreno, como “um quadro comum de refe-
rência metacultural”, compatibilizando “conceitos, estratégi-
as, identificação de problemas, valores e formas de negocia-
ção de cada parte.19 Para Salas Astrain, a interculturalidade
“alude a um tipo de sociedade emergente, em que as comuni-
dades étnicas, os grupos e classes sociais se reconhecem em
suas diferenças e buscam sua mútua compreensão e valori-
zação”, o que se efetiva através de “instâncias dialogais”.20 Já

18
MORENO, Isidoro. “Derechos Humanos, Ciudadanía e Interculturalidad”.
In: Repensando la Ciudadanía. Emma Martín Díaz y Sebastián de la Obra
Sierra (Editores). Sevilla: El Monte, 1998. p. 31. Sobre a discussão da
“interculturalidade”, consultar: FORNET-BETANCOURT, Raúl.
Transformación Intercultural de la Filosofía. Bilbao: Desclée de Brouwer, 2001;
SIDEKUM, Antonio (Org.). Alteridade e Multiculturalismo. Ijuí: UNIJUÍ,
2003. p. 299-316; SORIANO, Ramón. Interculturalismo: entre liberalismo
y comunitarismo. Córdoba: Almuzara, 2004. p. 81 e ss.; VALLESCAR
PALANCA, Diana (stj). Cultura, Multiculturalismo e Interculturalidad.
Hacia una racionalidad intercultural. Madrid: El Perpetuo Socorro, 2000.
19
MORENO, Isidoro. “Derechos Humanos, Ciudadanía e Interculturalidad”.
p. 31.
20
SALAS ASTRAIN, Ricardo. “Ética Intercultural e Pensamento Latino-
Americano”. In: Alteridade e Multiculturalismo. p. 327.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 189
na perspectiva hermenêutica da filosofia, a interculturalida-
de “tem como tema central a problemática da identidade, o
modo de ser, o modo peculiar de pensar”. Trata-se de um dis-
curso sobre culturas enquanto “síntese de elementos inova-
dores, transportados, assimiladas num processo histórico.”21
Por conseqüência, a interculturalidade em sua dimensão plu-
ralista tem caráter dialógico, hermenêutico e interdisciplinar.
Tendo em conta esse espaço transformador e de diálogo
intercultural é que se buscam formas alternativas de funda-
mentação, quer de um pluralismo jurídico de tipo progressis-
ta, quer dos direitos humanos como processo intercultural.
Certamente que tais pressupostos instituem-se na práxis par-
ticipativa de sujeitos insurgentes diferenciados e no reconhe-
cimento da satisfação de suas necessidades dentre os quais, a
vida humana com dignidade e com respeito à diversidade.
Assim, cumpre considerar que no espaço da multicul-
turalidade de “interações das formas de vida, empregar pro-
cessos comunitários significa adotar estratégias de ação vin-
culadas à participação consciente e ativa de novos sujeitos
sociais. É ver em cada identidade humana (individual e cole-
tiva) um ser capaz de agir de forma solidária e emancipadora,
abrindo mão do imobilismo passivo liberal e do beneficia-
mento individualista comprometido”. 22
É desse modo que o conceito histórico-cultural de “sujei-
to” está, mais uma vez, associado a uma tradição de utopias
revolucionárias, de lutas e de resistências. Num cenário de
exclusões, opressões e carências, as práticas emancipadoras
das novas identidades sociais (múltiplos grupos de interes-
ses, movimentos sociais, corpos intermediários, redes de in-
termediação, ONGs) revelam-se portadoras potenciais de re-

21
SIDEKUM, Antonio. “Alteridade e Interculturalidade”. In: Alteridade e
Multiculturalismo. p. 287-288.
22
Cf. WOLKMER, Antonio Carlos. “Direitos, Poder Local e Novos Sujeitos
Sociais”. In: RODRIGUES, H. W. [Org.]. O Direito no Terceiro Milênio. Canoas:
Ulbra, 2000. p. 97.
190 WOLKMER, Antonio Carlos • Pluralismo Jurídico e Direitos Humanos

centes e legítimas formas de fazer política, bem como fonte


inovadora e plural de produção normativa. 23
A ineficácia das instâncias legislativas e jurisdicionais
do clássico Direito Moderno (capitalista, liberal e formalista)
favorece “a expansão de procedimentos extrajudiciais e prá-
ticas normativas não-estatais”, exercidas por subjetividades
sociais que, apesar de, por vezes, oprimidas e inseridas “na
condição de ‘ilegalidade’ para as diversas esferas do sistema
oficial, definem uma forma plural e emancipadora de legiti-
mação. [...]. Os centros geradores de Direito não se reduzem
mais tão-somente às instituições oficiais e aos órgãos repre-
sentativos do monopólio do Estado Moderno, pois o Direito,
por estar inserido nas práticas e nas relações sociais das quais
é fruto, emerge de diversos centros de produção normativa.
As novas exigências globalizadas e os conflitos em es-
paços sociais e políticos periféricos, tensos e desiguais, como
os da América Latina, torna, presentemente, significativo con-
ceber, na figura dos novos movimentos sociais, uma fonte
legítima de engendrar práticas legais emancipadoras e cons-
tituir direitos humanos, bem como reconhecer ações contra-
hegemônicas de resistência ao desenfreado processo de des-
regulamentação e descons-titucionalização da vida. 24
Posta a questão dos sujeitos sociais como primeiro pres-
suposto de fundamentação, cabe considerar, agora, o reco-
nhecimento das necessidades humanas e sua justa satisfação
como critério para serem pensadas novas formas de legitima-
ção no âmbito do pluralismo jurídico centrado na alteridade
e na emancipação. A estrutura das necessidades humanas que
permeia a coletividade refere-se tanto a um processo de sub-
jetividade, modos de vida, desejos e valores, quanto à cons-
tante “ausência” ou “vazio” de algo almejado e nem sempre
realizável. Por serem inesgotáveis e ilimitadas no tempo e no

23
WOLKMER, “Direitos, Poder...”, Op. cit., p. 104.
24
Cf. WOLKMER, “Direitos, Poder...”, Ibidem, p. 104-105.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 191
espaço, as necessidades humanas estão em permanente re-
definição e criação.25 O conjunto das necessidades humanas
varia de uma sociedade ou cultura para outra, envolvendo
amplo e complexo processo de socialização. Há que distin-
guir, portanto, na problematização das necessidades, suas
implicações contingentes com exigências de legitimação.
Ora, na reflexão de autores como Agnes Heller, uma
necessidade “pode ser reconhecida como legítima se sua sa-
tisfação não inclui a utilização de outra pessoa como mero
meio”.26 Torna-se, deveras, imprópria qualquer determinação
arbitrária sobre a qualidade e a quantidade das necessidades,
cabendo ao cidadão – comprometido com o procedimento
justo – não só rechaçar a idéia de objetivações cotidianas in-
teriorizadas por dominação, como, sobretudo, “praticar o re-
conhecimento de todas as necessidades, cuja satisfação não
supõe o uso” e a exploração dos demais membros da comuni-
dade.27
É inegável que, em tempos de transição paradigmática,
a configuração de perspectiva jurídica mais progressista, in-
terdisciplinar e intercultural, expressa na prática determinante
e efetiva de novos sujeitos históricos, projeta-se não só como
fonte de legitimação da pluralidade jurídica emancipatória e
de direitos humanos diferenciados, mas também como meio
privilegiado de resistência radical e contra-hegemônica aos
processos de exclusão e de desconstitucionalização do “mun-
do da vida”.

25
Cf. WOLKMER, Antonio Carlos. “Sobre a Teoria das Necessidades: a condição
dos novos direitos”. In: Alter Ágora. Florianópolis: CCJ/UFSC, n. 01, maio/
1994. p. 43.
26
HELLER, Agnes; FEHÉR, Ferenc. Políticas de la Postmodernidad. Barcelona:
Península, 1989. p. 171-172. Ver também: HELLER, Agnes. Teoría de las
Necesidades en Marx. Barcelona: Península, 1978.
27
HELLER, Agnes. Más allá de la Justicia. Barcelona: Crítica, 1990. p. 238-239.
192 WOLKMER, Antonio Carlos • Pluralismo Jurídico e Direitos Humanos

3. Direitos Humanos: sua dimensão


intercultural e emancipatória
Na presente contemporaneidade político-institucional,
inter-relacionada ao processo capitalista de produção e à ló-
gica individualista de representação social, vem impondo-se
a busca de “alternativas plausíveis ao capitalismo globaliza-
do”.28 Uma das estratégias possíveis está em trazer, para a
pauta de discussão, o referencial dos direitos humanos em
sua dimensão utópica, emancipadora e multicultural.
Mesmo não se atendo a questionamentos sobre a natu-
reza, os fundamentos e a evolução histórica, não se poderia
deixar de mencionar brevemente que a doutrina dos direitos
humanos tem respondido aos valores, exigências e necessi-
dades de momentos culturais distintos na historicidade da
sociedade moderna ocidental. Assim, há que se reconhecer
certos matizes processuais específicos da concepção dos di-
reitos humanos liberal-burguesa dos séculos XVIII e XIX e
daquela própria de fins do século XX, num cenário de des-
construção globalizante neoliberal.
Se, por um lado, foi ideologicamente relevante a ban-
deira dos direitos humanos como apanágio da luta contra as
formas arbitrárias de poder e em defesa da garantia das liber-
dades individuais, por outro, além de sua idealização assu-
mir contornos formais e abstratos, sua fonte de legitimação
reduziu-se ao poder oficial estatal. Parte-se, portanto, de um
formalismo monista em que toda produção jurídica moderna
está sujeita ao poder do Estado e às leis do mercado. Natural-
mente, como reconhece Boaventura de Sousa Santos, a con-
cepção moderna dos direitos humanos apresenta limites ine-
gáveis. O primeiro argumento reside no fato de que os direi-
tos humanos confinaram-se ao direito estatal, limitando “mui-

28
HOUTART, François. “Alternativas Plausíveis ao Capitalismo Globalizado”.
In: CATTANI, Antonio David (Org.). Fórum Social Mundial. A Construção de
um Mundo Melhor. Porto Alegre/Petrópolis: UFRGS/Vozes, 2001. p. 165-178.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 193
to o seu impacto democratizador”,29 pois deixou-os sem uma
base mais direta com outros direitos não-estatais. Um segun-
do limite prende-se à negação vivenciada e reproduzida pelo
Direito Moderno, traduzida na ênfase técnico-formal pela
promulgação positiva de direitos, com a conseqüente negli-
gência “do quadro de aplicação”, de negação da real efetivi-
dade desses direitos, abrindo uma “distância entre os cida-
dãos e o Direito”.30
Para enfrentar o momento histórico assumido pela apro-
priação do capital financeiro e pela ordem internacional mar-
cada pela globalização neoliberal, percebe-se uma nova fase
histórica e uma “nova perspectiva teórica e política no que se
refere aos Direitos Humanos”.31 Trata-se de questionar “a na-
tureza individualista, essencialista, estatista e formalista dos
direitos” e partir para uma redefinição multicultural de Di-
reitos Humanos, “entendidos como processos sociais, econô-
micos, políticos e culturais que, por um lado, configurem
materialmente (...) esse ato ético e político maduro e radical
de criação de uma nova ordem; e, por outro, a matriz para a
constituição de novas práticas sociais, de novas subjetivida-
des antagonistas (...) dessa ordem global”32 vigente.
É relevante, portanto, o processo de redefinir e de con-
solidar a afirmação de direitos humanos numa perspectiva
integral, local e intercultural. Como assinala Flávia Piovesan,
“se, tradicionalmente, a agenda de Direitos Humanos centrou-
se na tutela de direitos civis e políticos (...), testemunha-se,
atualmente, a ampliação dessa agenda tradicional, que passa

29
SANTOS, Boaventura de S. “Os Direitos Humanos na Pós-Modernidade”.
In: Direito e Sociedade. Coimbra, n. 4, março/1989. p. 7-8.
30
SANTOS, Boaventura de S. Op. cit., p. 8-9.
31
HERRERA FLORES, Joaquín. “Los Derechos Humanos en el Contexto de la
Globalización: tres precisiones conceptuales.” In: Direitos Humanos e
Globalização: Fundamentos e Possibilidades desde a Teoria Crítica. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 95.
32
HERRERA FLORES, Joaquín. Op. cit., p. 95 e 100.
194 WOLKMER, Antonio Carlos • Pluralismo Jurídico e Direitos Humanos

a incorporar novos direitos, com ênfase nos direitos econô-


micos, sociais e culturais (...)”.33
Torna-se, hoje, primordial, para melhor compreensão
dos direitos humanos, direcioná-los em termos multicultu-
rais, ou seja, concebê-los como novas concepções de cidada-
nia, fundados, como querem Boaventura de S. Santos e João
A. Nunes, no “reconhecimento da diferença e na criação de
políticas sociais voltadas para a redução das desigualdades, a
redistribuição de recursos e a inclusão”34 social. Correto é
ponderar que os direitos humanos, engendrados no bojo de
uma tradição liberal-burguesa, não estão mais centrados nos
direitos individuais, mas incluem direitos sociais, econômi-
cos e culturais. Certamente que na evolução dos direitos hu-
manos, a discussão do direito das minorias e dos grupos étni-
cos marginalizados tem favorecido o cenário do multicultu-
ralismo como pauta e como processo de desenvolvimento da
democracia em número crescente de países.35 Ao proclamar
a legitimidade de que todo indivíduo tem o direito a partici-
par da vida cultural (art. 15, “a”), o Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), avança para
além, englobando os direitos coletivos das minorias e dos
múltiplos grupos étnicos, pois “os direitos individuais à cul-
tura não podem ser exercidos efetivamente se não se reco-
nhecem ao mesmo tempo os direitos da coletividade cultu-
ral.”36 Assim, para Stavenhagen, há de se sustentar que “a
luta pelos direitos humanos é tarefa coletiva que requer que

33
PIOVESAN, Flávia. “Direitos Sociais, Econômicos e Culturais e Direitos Civis
e Políticos.” In: SUR – Revista Internacional de Direitos Humanos. São Paulo:
SUR, n. 1, 1º sem., 2004. p. 29.
34
SANTOS, Boaventura de S. Ibidem, p. 34.
35
Cf. SIDEKUM, Antonio. “Multiculturalismo: desafios para a educação na
América Latina”. In: LAMPERT, Ernâni (Org.). Educação na América Latina:
encontros e desencontros. Pelotas: EDUCAT/UFPeL. p. 77.
36
STAVENHAGEN, Rodolfo. “Derechos Humanos y Ciudadanía Multicultural:
los pueblos indígenas.” In: MARTÍN DÍAZ, E.; OBRA SIERRA, Sebastián
(Ed.). Op. cit., p. 102.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 195
o Estado e o sistema jurídico reconheçam as identidades gru-
pais de populações minoritárias, tradicionalmente margina-
lizadas e excluídas.”37
Naturalmente, na advertência de Yrigoyen Fajardo, “a
resistência da mentalidade monista, monocultural e racista
dos operadores jurídicos e políticos (...) constitui uma barrei-
ra importante para a efetiva vigência do reconhecimento do
pluralismo legal e da construção de um Estado pluricultu-
ral”.38 De qualquer forma, urge “a superação do conceito in-
dividualista, monocultural e positivista dos direitos huma-
nos para, sobre a base da igual dignidade das culturas, abrir
caminho para uma definição e interpretação intercultural dos
direitos humanos”.39
Em verdade, por trás dos embates pelos direitos huma-
nos, surge para Boaventura de S. Santos, “um novo ecume-
nismo de lutas contra-hegemônicas, emancipatórias, em que
grupos sociais, movimentos de base, partindo de pressupos-
tos culturais diferentes – islâmicos, hindus, católicos, pro-
testantes – estão tentando encontrar formas de dialogar so-
bre, ou sob todas as diferenças culturais que os dividem”.40
Sintetizando, é na perspectiva paradigmática do Plura-
lismo Jurídico de tipo comunitário-participativo e com base

37
Ibidem, p. 105.
38
YRIGOYEN FAJARDO, Raquel. “Vislumbrando un Horizonte Pluralista:
Rupturas y Retos Epistemológicos y Políticos”. In: LUCIC, Milka Castro
(Editora). Los Desafíos de la Interculturalidad: Identidad, Política y Derecho.
Santiago: Universidad de Chile, 2004. p. 220-221. Observar sobre o Estado
Pluralista: VILLORO, Luis. Estado Plural, Pluralidad de Culturas. México:
Paidós, 1998.
39
YRIGOYEN FAJARDO, Raquel. Op. cit., p. 198. Observar, igualmente:
EBERHARD, Christoph. “Direitos Humanos e Diálogo Intercultural: uma
perspectiva antropológica”. In: BALDI, Cesar A. (Org.). Direitos Humanos
na Sociedade Cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 159-203.
40
Entrevista com Prof. Boaventura de S. Santos / Jurandir Marbela, mimeo,
Coimbra, 27/12/1995. p. 13. Ver também: Uma Concepção Multicultural
de Direitos Humanos. Revista Lua Nova. São Paulo: Cedec, n. 39, 1997.
p. 105-124.
196 WOLKMER, Antonio Carlos • Pluralismo Jurídico e Direitos Humanos

num diálogo intercultural que se deverá definir e interpretar


os marcos de uma nova concepção de direitos humanos.

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200

8 – PLURALISMO JURÍDICO Y
EMANCIPACIÓN SOCIAL
(Aportes desde la obra de
Antonio Carlos Wolkmer)

David Sánchez Rubio

1. El cuento de la rana y el charco: el problema entre el


paradigma monista y pluralista del derecho
Me gustaría contar una anécdota que me sucedió en
agosto de 1998 en la capital de Ecuador, Quito, cuando im-
partía un curso de postgrado sobre Derecho económico. Den-
tro del mismo, surgió una fuerte polémica entre los asisten-
tes acerca de las nociones de monismo y pluralismo jurídicos
en el actual contexto de los procesos de globalización. Uno
de los estudiantes, abogado de profesión, se acercó a mí des-
pués de la clase con la intención de darme una pequeña lec-
ción argumentativa a favor del monismo jurídico. Y lo hizo
contándome la siguiente curiosa historia:
«Eran dos ranas que vivían en un charco. Un día, una
de ellas decidió abandonar el lugar porque se sentía aburri-
da. Necesitaba conocer nuevas fronteras. Tras despedirse de
su compañera partió, dejando a su amiga triste y sola. Con el
transcurso del tiempo, pasado un año, la rana viajera regresó
al charco. Su amiga, llena de felicidad, tras darle un cálido
abrazo, le preguntó: “¿Qué tal el viaje? ¿Cómo te ha ido por
ahí?”. El anfibio aventurero le respondió que muy bien, que
había conocido paisajes únicos e indescriptibles y cosas in-
creíbles y maravillosas. La rana amiga le volvió a preguntar:
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 201
“¿Y qué es lo que más te ha llamado la atención?”. Tras medi-
tar un rato, el anfibio viajero le respondió: “pues mira, lo que
más me ha sorprendido ha sido descubrir un charco como
este pero tan grande tan grande, que no se veía el otro lado.”
Evidentemente la rana viajera se refería al mar».
Terminado el relato, el abogado ecuatoriano me seña-
ló: “moraleja, cuando hablamos del Derecho, estamos ha-
blando del charco. Cualquier otra cosa que no sea el charco,
es decir, el Derecho, será otra cosa, pero no es el charco, no
es el Derecho. Por tanto, hablar de pluralismo jurídico es
referirse a sistemas normativos que no son jurídicos, es de-
cir, fuera del marco del Estado y del Derecho estatal no hay
expresiones jurídicas. Referirnos a ellas es aludir a otra cosa,
al igual que cuando describimos el mar no nos estamos refi-
riendo al charco”.
Con estas palabras y este cuento me quedé algo perple-
jo. Resultaba curioso que este estudiante aludía, principal-
mente, a un conflicto ya tradicional sobre si hay sistemas
normativos no estatales que pueden ser calificados de jurídi-
cos. En este caso, para este abogado andino, sólo el Estado
resulta ser la fuente única de creación de las normas jurídi-
cas. Otras normas de origen social y en donde intervienen
otros actores, quedan fuera del charco, por tanto, no pueden
ser calificadas como Derecho.
Seguidamente, tras pensármelo un rato, recreándome
un poco, le contesté al estudiante lo siguiente: es cierto que
un charco es un charco, y que para la mayoría de la gente, el
Derecho es el Derecho. No obstante, a pesar de que existan
múltiples definiciones que acentúan bien el elemento nor-
mativo o el institucional o el estructural e, incluso, el social o
el valorativo del fenómeno jurídico, también hay que reco-
nocer que de la misma manera que el charco es el charco, los
hay de diverso tamaño, unos más grandes y otros más chicos.
Incluso también nos encontramos con concentraciones de
agua que ni se reducen a un charco ni tampoco al mar: hay
202 RUBIO, David Sánchez • Pluralismo Jurídico y Emancipación Social

estanques, charcas, lagunas, lagunillas, embalses, presas,


bardos... Por esta razón, también aparecen tipos de sistemas
jurídicos distintos (Derecho estatal, Derecho canónico, la lex
mercatoria, Derecho indígena, Derecho de la Unión Euro-
pea...). Pero lo más sorprendente de todo es: “¿de dónde pro-
cede el agua del charco?” – Le pregunté –. El abogado me
contestó: “de la lluvia”. Le volví a inquirir: “¿Y el agua de la
lluvia de dónde viene?”. Respondió: “del mar”. “Luego hay
elementos básicos y centrales – afirmé – que unen el charco
con las otras clases de acumulación hídrica” (relaciones hu-
manas, relaciones de poder, necesidades, ideologías, sujetos,
actores sociales...). Asimismo, inmediatamente le comenté que
el charco puede estar lleno de agua estancada y putrefacta si
no se renueva. Incluso puede secarse si hay un periodo largo
de sequía. Las ranas pueden acabar muertas si se descuidan.
Mi moraleja, que va dirigida tanto hacia él como hacia
los lectores de esta obra que estamos presentando al público
hispanohablante, se centra en lo siguiente: cuando hablamos
del fenómeno del pluralismo jurídico nuestra posición de-
penderá, no solamente de la noción que tengamos sobre lo
que es el Derecho (si es como el charco o, por el contrario,
implica más cosas que no se reducen a él), sino también de la
disposición y la capacidad que poseemos para visualizar, re-
lacionar y vincular los distintos elementos del mundo en
donde vivimos y en el que, también, participamos, formando
el ámbito jurídico parte del mismo. Además, hay que tener
en cuenta quiénes son los actores que consideramos intervi-
enen en el proceso de creación de la realidad y, en el caso del
Derecho, en el proceso de su generación, su interpretación y
su uso. Por esta razón, podemos concebir el mundo jurídico
como un único sistema independiente y separado del con-
texto histórico, social, cultural, político y económico, o todo
lo contrario, entendiéndolo como un sistema o varios siste-
mas insertos, interrelacionados y vinculados con los diver-
sos elementos que conforman la vida en sociedad, en donde
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 203
los seres humanos participan de diversa manera en el proce-
so de dotación de sentido de las normas y las instituciones.
Asimismo, la capacidad de análisis y los niveles de pro-
fundidad vienen mediados por la disposición que se tenga a
la hora de saber distinguir y, simultáneamente, no separar
los componentes interrelacionados que conforman tanto nu-
estros ricos mundos en general, como el ámbito jurídico en
particular. En este proceso de distinción y diferenciación con-
ceptual, adoptaremos una concepción más monista-estatalis-
ta o más pluralista, según pensemos dónde reside la centrali-
dad y las claves fundamentales del campo del Derecho.
Finalmente, tampoco hay que olvidar el contexto cul-
tural en el que nos movemos. Muchas veces consideramos
que nuestros marcos categoriales y nuestros esquemas men-
tales son universales, ignorando la trayectoria histórica y la
ubicación espacio-temporal y cultural de todo aquello que
interpretamos (en este caso las instituciones jurídicas) y con
lo que interpretamos (las teorías). Damos por hecho que lo
que sucede en la historia occidental es la única historia váli-
da. Cuando hablamos de conceptos como Estado o Derecho,
partimos de la premisa que su creación sólo puede tener el
molde que marcaron los procesos históricos desarrollados al
interior de Occidente. No pensamos que esas mismas institu-
ciones pueden tener un significado diferente en otros con-
textos culturales. Incluso siguiendo con el cuento, para otros
pueblos, designar el charco no sea la manera más adecuada
de referirse al Derecho1.
Por estas y otras razones, según la postura o posición
que se tome en torno a una visión monista o pluralista del
fenómeno jurídico, toda una gama de concepciones apare-

1
Sobre la importancia de las culturas jurídicas y el cuestionamiento del mar-
co occidentalocéntrico, ver la teoría de multijuridicismo de Le Roy, (1998);
asimismo, ver Sousa Santos (1998), p. 75 y ss.; Eberhard (2002), principal-
mente, p. 271 y ss.; y De Julios (2004), p. 217 a 239.
204 RUBIO, David Sánchez • Pluralismo Jurídico y Emancipación Social

cen, en ocasiones contrapuestas unas a las otras, pero en otros


casos, complementarias. De este modo tenemos el siguiente
panorama: desde aquellas posiciones que consideran que el
monopolio de la producción jurídica lo detenta el Estado, por
lo que sólo el Derecho estatal y positivo es el único Derecho,
siendo cualquier otra manifestación de normas no estatales
expresión de un fenómeno de pluralismo no jurídico, sino,
como mucho, meramente normativo; pasando por aquellos
planteamientos que también dentro del paradigma monista,
hablan de un pluralismo jurídico interno, referido a las fuen-
tes de creación del propio Derecho del Estado; siguiendo con
las teorías que mencionan el fenómeno de paralelismo jurí-
dico para aludir a la práctica ilegal diaria que la gente común
realiza frente a la ineficacia o a la ausencia de un Derecho
oficial y contra las desigualdades sociales y locales más pro-
pias de los países de capitalismo periférico o semiperiférico2;
hasta llegar a los planteamientos de pluralismo jurídico ex-
terno o en sentido estricto, que consideran la coexistencia de
una pluralidad de derechos en un mismo territorio o espacio
sociopolítico. En este caso se niega que el Estado sea la única
y exclusiva fuente de producción jurídica, bien porque se vi-
sualiza la presencia de diferentes órdenes jurídicos debido a la
existencia de otras culturas que conviven en un mismo espa-
cio, bien porque se defiende la coexistencia conflictiva o tole-
rada de varios órdenes normativos, de una pluralidad de siste-
mas de Derecho en el seno de una unidad de análisis determi-
nada, ya sea de carácter local, nacional o internacional.

2. Pluralismo jurídico y teoría crítica del derecho en


Antonio Carlos Wolkmer
El paradigma pluralista propio o en sentido estricto es
el que adopta Antonio Carlos Wolkmer en su obra Pluralismo

2
Ver en este sentido Lima y Lopes (2003), p. 242.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 205
jurídico. Fundamentos de una nueva cultura del Derecho.
Desde una visión interdisciplinaria, relacional y compleja del
fenómeno jurídico, el profesor de la Universidad Federal de
Santa Catarina, reconociendo la variedad de expresiones y la
polisemia de la noción central del título del libro, por un lado
denuncia la insuficiencia y el agotamiento del modelo clási-
co occidental de legalidad positiva y, por otro lado, reivindi-
ca, a partir de una toma de posición por lo que el autor deno-
mina teoría crítica del Derecho, la necesidad de construir y
preparar los horizontes de un nuevo paradigma de legalidad
basado en supuestos que parten de las condiciones históri-
cas actuales y de las prácticas y luchas sociales reales e in-
surgentes3.
Para el autor, la estructura normativa del moderno De-
recho positivo formal a comienzos del siglo XXI, es poco efi-
caz, sobre todo para solucionar y atender los problemas rela-
cionados con las necesidades de las sociedades periféricas.
En América Latina, la nueva fase de desarrollo del capitalis-
mo y su proceso de expansión por medio de las estrategias de
dominación de las naciones más poderosas, intensifica la san-
gría de los mercados de los países más débiles y pobres e
incrementa los niveles de desigualdad y contradicción soci-
al. Entre otras cosas, provoca una crisis de legitimidad y de
funcionamiento de la justicia basada en la primacía y la ex-
clusividad del modelo estatalista del Derecho y en los valo-
res del individualismo liberal. Como contrapartida, Antonio
Carlos Wolkmer propone la búsqueda de una visión jurídica,
más pluralista, democrática y antidogmática que refleje me-
jor y de cuenta del nuevo contexto en el que se encuentran
los países latinoamericanos. El iusfilósofo brasileño está en-
tre quienes piensan que nos encontramos en un periodo de
crisis de paradigma, precondición necesaria para el surgimi-
ento de nuevas propuestas teóricas y nuevos referentes.

3
Ver Wolkmer (2003), p. 247-248.
206 RUBIO, David Sánchez • Pluralismo Jurídico y Emancipación Social

A partir de una postura militante y comprometida, nu-


estro autor apuesta por un proyecto de un “nuevo” Derecho
transformándolo en una instancia al servicio de la justicia, la
emancipación y la dignificación de los seres humanos (Wolk-
mer, 2003, p. 13-14 y 16). Su propuesta parte de una noción
de pluralismo jurídico, capaz de reconocer y legitimar nor-
mas extra e infraestatales, engendradas por carencias y nece-
sidades provenientes de nuevos actores sociales, y capaz de
captar las representaciones legales de sociedades emergentes
marcadas por estructuras con igualdades precarias y pulveri-
zadas por espacios de conflicto permanente (Wolkmer, 2003,
p. 248).
Hay que tener en cuenta que el autor, desde hace mu-
cho tiempo es uno de los máximos representantes de la teo-
ría jurídica crítica latinoamericana, siendo a su vez, uno de
los principales valedores del movimiento brasileño Direito
Alternativo4. Este es un dato que nos sitúa en el permanente
inconformismo de Wolkmer por lo empíricamente dado y por
su búsqueda de posibilidades nuevas en el ámbito jurídico.
No es otra la razón de que entienda que la teoría jurídica crí-
tica se refiera a un “profundo ejercicio reflexivo de cuestionar
lo que se encuentra normativizado y oficialmente consagrado
(en el plano del conocimiento, del discurso y del comportami-
ento) en una determinada formación social, así como la posi-
bilidad de concebir otras formas no alienantes, diferenciadas
y pluralistas de la práctica jurídica” (Wolkmer, 2003, pp. 13-
14 y 33). Desde esta perspectiva, defiende el paradigma plu-
ralista del Derecho por dos razones fundamentales: a) por-
que permite una mejor interpretación de la complejidad de
los actuales acontecimientos que el contexto de la globaliza-
ción está provocando sobre el mundo jurídico; y b) porque
en su versión emancipadora, el Derecho puede ser un instru-

4
En este sentido ver Sánchez Rubio (2002); y Bueno de Carvalho y Carvalho
(2004).
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 207
mento al servicio de los colectivos más desprotegidos y más
vulnerables.

3. Antecedentes del pluralismo jurídico,


contexto global y emancipación
El objetivo básico de Antonio Carlos Wolkmer es en-
contrar un nuevo criterio de racionalidad que permita expli-
car la complejidad de la realidad social latinoamericana (lo
que él mismo denomina un nuevo paradigma societario de
producción normativa). Y cree verlo en un nuevo concepto
de pluralismo jurídico5. No obstante, desde el principio hay
que incorporar algunos puntos importantes en el proceso de
elaboración teórica del mismo:
– En primer lugar, el fenómeno de pluralismo jurídico
no es nuevo. La diferencia ahora reside en las particulares
características que adquiere con el nuevo contexto determi-
nado por los procesos globalizadores. Históricamente, den-
tro de la tradición occidental, la Edad Media fue un ejemplo
de la concurrencia de diferentes órdenes normativos con rango
de Derecho, como fueron el Derecho señorial, el Derecho ca-
nónico, el Derecho burgués y el Derecho real. Ninguno tenía
el monopolio de la producción jurídica. Durante los siglos
XVII y XVIII, los diversos sistemas legales se fueron integran-
do en una legislación común con el desarrollo de un Estado
unificado y centralizador. Fue en este periodo cuando se va
pasando hacia la autoridad de la legalidad, de la ley. Pese a la
primacía y la pretensión de monopolio del Derecho estatal que
negaba esa cualidad jurídica a otros órdenes normativos6, en-

5
El autor lo delimita y define como “la multiplicidad de manifestaciones o
prácticas normativas en un mismo espacio socio-político, impulsados por el
conflicto o por el consenso, oficiales y/o no oficiales, teniendo su razón de ser
en las necesidades existenciales, materiales y culturales”. Wolkmer (1994), p.
XII y 195.
6
Oscar Correas (2003), p. 109, señala que la juridicidad no es otra cosa que el
calificativo que permite legitimar, privilegiar, un sistema normativo (en este
caso el estatal) sobre cualquier otro al que se arroja a la antijuridicidad”.
208 RUBIO, David Sánchez • Pluralismo Jurídico y Emancipación Social

tre finales del siglo XIX y mediados del siglo XX hubo una
fuerte reacción como alternativa al normativismo estatalista
por parte de las doctrinas pluralistas como las de Gierke, Hau-
riou, Santi Romano, Del Vecchio, Ehrlich, Gurvitch, Griffi-
ths, Thome, Rouland, Sally Falk Moore, Masaji Chiba y Van-
derlinden, entre muchos otros (Wolkmer, 2003, p. 250). Estos
autores daban cuenta de la existencia de diferentes formas,
sistemas y subsistemas jurídicos con dinámicas de funciona-
miento distintas a las propias del Derecho del Estado.
Actualmente, nos encontramos con un resurgimiento y
un mayor protagonismo de órdenes y teorías que reflejan la
dimensión plural del fenómeno jurídico. Ahora lo que ha cam-
biado es el contexto mundial, marcado por la nueva fase de
desarrollo del sistema capitalista y la división estructural que
ha provocado en el orden internacional. Y con él pasamos al
siguiente punto a tener en cuenta.
– En segundo lugar, tal como señala José Eduardo Faria,
el sistema capitalista de la “economía-mundo” está domina-
do por una lógica económica global avasalladora en donde
los mercados transnacionales multiplican las capacidades de
actuación normativa de empresas, instituciones y conglome-
rados comerciales, mientras que se ponen en jaque los prin-
cipios básicos de la soberanía de los estados. Estos pierden
progresivamente el control de la coherencia sistemática de
sus leyes y acaban sometiendo sus ordenamientos a la com-
petencia de otros ordenamientos procedentes tanto de orga-
nismos multilaterales de centros transnacionales como de
centros regionales y locales. Nos encontramos con una situa-
ción de policentrismo normativo, con nuevas formas de or-
ganización de la división internacional del trabajo, nuevos
patrones de acumulación y una movilidad ilimitada de la cir-
culación de los capitales financieros (Faria, 2001).
Según Antonio Carlos Wolkmer el pluralismo jurídico
liberal burgués defendido a mediados del siglo XX, está sien-
do reintroducido como la nueva estrategia del nuevo ciclo
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 209
del capitalismo mundial. Las principales tendencias son: la
descentralización administrativa, la integración de mercados,
la globalización y acumulación flexible del capital, la forma-
ción de bloques económicos, las políticas de privatización y
de ajuste estructural, la dirección informal de servicios y la
regulación social supranacional, etc.
En realidad, los países latinoamericanos se ven afecta-
dos por esta estrategia en cuanto que sus economías se hacen
dependientes al ser controladas desde el siglo XVI por las
condiciones y los juegos de intereses del capital dominante.
Nuestro autor indica las particularidades de un país como
Brasil en donde su sistema normativo reproduce los esque-
mas institucionales estatalistas de los países del Norte, pero
con los límites que el capitalismo periférico implica al esta-
blecer un modelo de desarrollo cuyo contenido se caracteri-
za por la subordinación, la sumisión y el control de las es-
tructuras socio-económicas y político-culturales locales na-
cionales a los intereses de las transnacionales y de las econo-
mías de los centros hegemónicos. Por ello, las condición de
dependencia de los países periféricos evidencia cada vez más
la complejidad y las contradicciones entre el Centro y la Peri-
feria, el Norte rico y el Sur pobre, concurriendo no sólo cau-
sas externas a los países periféricos, sino también condicio-
nantes internos (p.e. la participación y la connivencia de una
elite local en el control transnacional de sus economías) (Wo-
lkmer, 2006).
Siguiendo la tipología de Juan Ramón Capella, de los
cuatro tipos de sociedades en función del papel que desem-
peñan en la división internacional del trabajo, Brasil combi-
na socialmente tanto las características de los países situados
dentro de la “periferia económica” del centro, como del mun-
do dejado de lado o de la “periferia extrema” (Capella, 2004,
p. 15). Si medimos los efectos de esta ubicación por medio de
la variable inclusión/exclusión aplicada a su población y a la
forma como se relacionan con el Estado, nos encontramos
210 RUBIO, David Sánchez • Pluralismo Jurídico y Emancipación Social

con que sus ciudadanos se pueden incardinar dentro de los


tres tipos de sociedad civil que, según Boaventura de Sousa
Santos conforman la estratificación de las sociedades moder-
nas y que, además, el neoliberalismo está potenciando: a) una
sociedad civil interna minoritaria y privilegiada, que forma
parte del círculo interno del Estado y que saca el máximo
provecho del mercado y las fuerzas económicas que lo mue-
ven; b) una sociedad civil extraña que se encontraría en un
círculo intermedio alrededor del Estado y con distintos nive-
les de inclusión y exclusión social; y c) una sociedad civil
incivil, cada vez más mayoritaria, que es la que conforman
quienes están totalmente excluidos, incluso se les rechaza y
no tienen ningún tipo de derecho reconocido (Sousa Santos,
2004, p. 360).
Curiosamente, aunque parezca paradójico, la implan-
tación en América Latina de una economía dependiente jun-
to con las consecuencias sociales de exclusión que conlleva,
no ha impedido que vaya acompañada de la incorporación y
la reproducción del modelo jurídico estatal-positivista. El pa-
radigma del Derecho tradicional que se identifica con la ley
como producción exclusiva del Estado, es el mismo modelo
que viene dominando oficialmente tanto a los países centra-
les avanzados como a los países latinoamericanos de la peri-
feria, independientemente del grado de riqueza o pobreza que
cada uno de ellos posea. De ahí que en este libro que estoy
presentando, Antonio Carlos Wolkmer haga un análisis y una
descripción de las especificidades que la cultura jurídica bra-
sileña estatalista ha tenido a lo largo de su historia, sobre
todo, a partir de la colonización y conquista portuguesa, su-
brayando las carencias en su atención a las necesidades de
una población general y sistemáticamente ignorada y margi-
nada.
Lo que se puede deducir de ese recorrido histórico es
que, a pesar del predominio oficial del Derecho estatal, la
pluralidad normativa y cultural es uno de los rasgos centra-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 211
les de la esfera jurídica latinoamericana y brasileña. La exis-
tencia de poblaciones indígenas originarias ha marcado la
relación de estos colectivos con los estados del continente.
Junto con este pluralismo jurídico colonial marcado por el
conflicto entre órdenes jurídicos indígenas y el orden estatal,
han ido apareciendo otras expresiones de pluralismo debido
tanto a la ineficacia del modelo occidental del Derecho como
a las extremas situaciones de exclusión social. Ahora bien, el
iusfilósofo brasileño, más allá del origen y la evolución del
pluralismo jurídico en la región, considera que lo realmente
importante reside en la necesidad de construir una nueva in-
terpretación de su naturaleza, dadas las especiales caracte-
rísticas del contexto global en el que se sitúa América Latina.
– Por esta razón, y en tercer lugar, interesa el tipo de
pluralismo del Derecho por el que apuesta Antonio Carlos
Wolkmer. El autor nos habla de un pluralismo jurídico con-
servador y un pluralismo jurídico emancipador. El primero
se construye haciendo inviable la organización de los grupos
sociales e impide la participación ciudadana al aplicarse bajo
un prisma autoritario y despótico. Expresiones concretas son:
el corporativismo medieval, el pluralismo burgués liberal y
el intento actual global de pluralismo transnacional que el
neoliberalismo y el neocolonialismo de los países de capita-
lismo central avanzado están implantando bajo la lógica del
mercado. El segundo, como estrategia progresista de integra-
ción, procura promover y estimular la participación múltiple
de los segmentos populares y de los nuevos sujetos colectivos
de base (Wolkmer, 2003, p. 253). Se trata de una propuesta de
un tipo de pluralismo jurídico participativo e integrador que
refleje las estructuras sociales dependientes. Frente a un plu-
ralismo construido desde arriba, por quienes controlan el
poder político, cultural y económico dentro de los procesos
hegemónicos de globalización, ahora Wolkmer interpela un
pluralismo del Derecho desde abajo, de los propios sujetos
colectivo y fundado en el desafío de construir una nueva he-
212 RUBIO, David Sánchez • Pluralismo Jurídico y Emancipación Social

gemonía que contemple el equilibrio entre la voluntad gene-


ral y los intereses particulares.

4. Críticas y aclaraciones
De la propia lectura de este libro y de la lectura de otros
diversos trabajos del autor, se pueden deducir varias ideas
que, según mi parecer, no han sido correctamente captadas
por los críticos de sus planteamientos.
Antonio Carlos Wolkmer, no pretende minimizar el
Derecho estatal. Es un Derecho necesario pero no suficiente.
Además, apenas es una de las muchas formas jurídicas que
pueden existir en la sociedad. Sí es cierto que es fundamen-
tal e importante, pero cuando se habla de pluralismo jurídi-
co, éste cubre no solamente prácticas independientes y se-
miautónomas con relación al poder estatal, sino también prác-
ticas normativas oficiales y formales junto con prácticas no
oficiales e informales (Wolkmer, 2003, p. 251). Desde el prin-
cipio hay que manifestar que de la misma manera que nos
podemos encontrar con manifestaciones jurídicas estatales
con características conservadoras, autoritarias y despóticas y
con muchas otras de corte progresista y emancipador, lo mis-
mo sucede con otras expresiones jurídicas no estatales. Pue-
de haber un Derecho no estatal despótico y excluyente, así
como puede haber un Derecho no estatal que es expresión de
relaciones sociales incluyentes, solidarias y participativas que
son quienes realmente interesan al iusfilósofo brasileño.
En esta dirección han ido algunas de las críticas que se
le han hecho al tipo de pluralismo jurídico que Antonio Car-
los Wolkmer propone. Por ejemplo, los brasileños Agostinho
Ramalho Marqués Neto (1992, p. 37-53) y Lédio Rosa de An-
drade (1996, p. 312 ss.), destacan el peligro de que lo conciba
de una manera demasiado optimista, pues no todo lo que nace
en el seno de los colectivos sociales es positivo y emancipa-
torio. En concreto, señalan que su noción de Derecho comu-
nitario-participativo, defiende la prioridad de la justicia so-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 213
bre el concepto de Derecho estatal, otorgando en ocasiones
demasiada santidad y pureza al horizonte de sentido de los
colectivos populares e ignorando la situación de manipulaci-
ón y control social en la que se encuentran, en muchos casos
por grupos criminales generalmente ligados al narcotráfico
que imponen su despiadada ley y sus totalitarios mecanis-
mos punitivos de resolución de conflicto (Cárcova, 1998, p.
98 ss.).
En este mismo sentido, Luciano Oliveira también re-
marca que muchas de las manifestaciones del Derecho de las
favelas cristaliza en prácticas de dominación que sistemáti-
camente violan los derechos humanos, incluso en muchas
comunidades empobrecidas, se suele utilizar la ley de Lynch
o de linchamiento (Oliveira, 1992). Por esta razón, hay quie-
nes adoptan posturas de carácter más garantista al concebir
la constitución y los derechos fundamentales por ella reco-
nocidos, como los únicos referentes de interpretación judici-
al y las únicas instancias que facultan la legalidad o ilegali-
dad tanto formal como material de las normas 7. Incluso se
dice que el problema no debe situarse en la búsqueda de un
nuevo derecho, sino en transformar el derecho positivo vi-
gente. La acción ha de desarrollarse, por tanto, en el nivel de
lo instituido8.
Nuestro autor, tal como indiqué arriba, en todo momento
deja claro que no va en contra del Derecho del Estado, ni
mucho menos del Estado de Derecho, sino, principalmente
de su inobservancia y, sobre todo, en las sociedades periféri-
cas, por su insuficiencia y, en ocasiones, por su ausencia.
Además, declara la ilegalidad de determinadas normas que
se encuentran en una clara situación de inconstitucionali-

7
Es el caso de Merlin Cleve (1993), p. 46 ss. que apuesta por la búsqueda de
una constitución normativa efectiva e integral.
8
Esto dice Jacinto Nelson de Miranda Coutinho según manifiesta Rosa de
Andrade (1998), p 52.
214 RUBIO, David Sánchez • Pluralismo Jurídico y Emancipación Social

dad, utilizando los mismos mecanismos interpretativos que


el ordenamiento jurídico ofrece. En concreto, su crítica al
Derecho dominante es una crítica contra determinada mane-
ra de entenderlo, interpretarlo y aplicarlo. Su más clara ma-
nifestación es el formalismo jurídico que, por lo general, es
dictado y defendido por segmentos sociales hegemónicos que
actúan sistemáticamente en perjuicio de la mayoría de la po-
blación, sin considerar la situación social, cultural y econó-
mica en la que se encuentran9.
No se trata de que se impugne en bloque al formalismo,
desproporcionadamente y sin excepciones como algunos cre-
en entender, sino aquella vertiente paleo-positivista de la le-
galidad que se reduce a una sujeción formal y olvida una su-
jeción sustancial del Derecho, permitiendo prácticas que fa-
vorecen el crecimiento de los grandes poderes y que limitan
la libertad y la dignidad de los ciudadanos de a pie10.
Parece como si el hecho de que se denuncie la insufici-
encia del Derecho estatal y la lógica procedimentalista que lo
apoya, ya implica su rechazo absoluto. Y de la misma mane-
ra que existen múltiples expresiones de derecho estatal tota-
litario también sucede con múltiples manifestaciones jurídi-
cas no estatales. El propio Antonio Carlos Wolkmer nunca ha
negado este hecho. En América Latina nos encontramos con
ejemplos de esferas sociales donde todavía existe una conci-
encia de pluralidad de niveles de organización que no está
aniquilada por el imaginario del Estado y que muestran sus
límites. Pero también, incluso en la modernidad periférica
latinoamericana, muchas unidades sociales disponen difu-
samente de diferentes códigos jurídicos que no tienen por
qué ser alternativas plurales al funcionamiento legal del De-
recho estatal (Neves, 1994, p. 83). Que no lo sean tampoco

9
Rosa de Andrade(1996), p. 330-331; y (1998), p. 42 y 49, 58.
10
En este sentido, López Calera (1997), p. 34-35.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 215
quiere decir que automáticamente dejen de ser expresiones
jurídicas. En una época de tantos cambios donde el mundo
cada vez más se globaliza y, a la vez, se fragmenta, una pers-
pectiva pluralista y no monista del Derecho permite una mejor
explicación de la incesante red de sentidos y la multiplici-
dad de centros, de poderes y de actores que confluyen con
roles diversos11. Resulta un error imperdonable tanto recha-
zar en su totalidad tanto el Derecho oficial y el papel garante
del Estado como reducir cualquier manifestación de lo jurí-
dico al patrón estatalista. Toda absolutización de cualquier
elemento de la realidad, anula la perspectiva general y con-
funde el todo con la parte, ya sea ese elemento el Estado, la
sociedad, el Derecho estatal, la forma jurídica o el mercado.

5. Hacia un nuevo paradigma social de


producción normativa: pluralismo emancipador
Para constituir conceptualmente lo que el iusfilósofo
brasileño entiende por pluralismo jurídico emancipador al
que denomina Derecho comunitario participativo, y que trata
de vincularlo en todo momento con las prácticas sociales de
los excluidos, utiliza cinco campos de efectividad que a con-
tinuación describiremos brevemente: dos materiales que se
refieren a los contenidos y a los elementos constitutivos, y
tres formales, de ordenación práctico-procedimental. Los
primeros son la emergencia de nuevos sujetos colectivos y la
satisfacción de las necesidades humanas fundamentales. Los
de emergencia formal se concretizan en: la reordenación del
espacio público mediante políticas democrático-comunitarias
descentralizadoras y participativas, el desarrollo de una ética
de la alteridad y la construcción de procesos para ejercitar una
racionalidad emancipadora (Wolkmer, 1994, p. 207-209).

11
Como ejemplo de esto, Sousa Santos (1998).
216 RUBIO, David Sánchez • Pluralismo Jurídico y Emancipación Social

1º) Sobre los nuevos sujetos colectivos de juridicidad


hay que decir que Antonio Carlos Wolkmer los define como
aquellos estratos sociales participativos y generadores de pro-
ducción jurídica, dando forma y priorizando lo que se deno-
mina “nuevos movimientos sociales”. Son “nuevos” en con-
traposición a los tradicionales “sujetos individuales” abstrac-
tos (Wolkmer, 1994, p. 210-211). Lo más destacable es que
los considera como un sujeto vivo, actuante y libre, que se
autodetermina, participa y modifica la mundialidad del pro-
ceso histórico-social. Está compuesto por una pluralidad con-
creta de sujetos diferentes y heterogénos y no lo entiende como
aquellas identidades humanas que siempre han existido por
criterios de clase, sexo, etnias... Siguiendo la lógica de libera-
ción, son sujetos inertes, meros espectadores que pasan a ser
sujetos emancipados y creadores de su propia historia. Pero
lo que es más importante, sus acciones no se reducen a im-
plantar los criterios que como grupo poseen, sino a hacerlos
confluir en el seno de un clima democrático y participativo
(Wolkmer, 1994, p. 210 ss.).
2º) En cuanto al sistema de necesidades humanas fun-
damentales, Wolkmer despliega un intento de concretizar
aquello que todo ordenamiento y discurso normativo debe
regular y tener en cuenta. El autor no se refiere exclusiva-
mente a las necesidades entendidas como simples carenci-
as sino como aquel sentimiento, intención o deseo consci-
ente que envuelve las exigencias valorativas y que motiva
el comportamiento humano para la adquisición tanto de
niveles materiales como inmateriales considerados asimis-
mo esenciales (Wolkmer, 1994, p. 216). Tenemos que Anto-
nio Carlos no se queda en el nivel de las necesidades nece-
sarias, sino que también abarca muchas otras englobadas
dentro de un espectro más completo de lo que supone la
vida humana. De esta manera, dentro del concepto de nece-
sidades humanas fundamentales incluye tanto a las necesi-
dades sociales o materiales, como a las existenciarias o de
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 217
vida, las de subsistencia y las culturales (Wolkmer, 1994, p.
216-217)12. También destaca el papel dado por Agnes Heller
a las denominadas necesidades radicales, que dentro del pro-
ceso, poseen el germen de las transformaciones sociales. Es
más, Wolkmer afirma que la propia lógica de la modernidad
basada en la industrialización, en el capitalismo y en la de-
mocracia, está impulsada por una fuerza motivadora que ins-
taura una “sociedad insatisfecha” delineada por mudanzas
continuas e interacciones entre individuos y colectivos hu-
manos (Wolkmer, 1994, p. 216 ss. Y 220-221). El potencial
emancipador nace, se gesta en el impulso que la propia soci-
edad despliega. Hay que tener en cuenta que este autor, como
muchos de los integrantes del Direito Alternativo, parte de
una visión dialéctica del proceso de desarrollo del todo social.
El mismo se preocupa en dejar claro que la nueva cultura
jurídica de este nuevo pluralismo no se construye a partir de
una razón metafísica o sujeto en cuanto esencia en sí, sino
que nace de un “sujeto histórico-en-relación”. La preocupa-
ción por la alteridad la considerada como realidad social,
nacida dentro del proceso, dentro de los espacios de confron-
tación social13.

12
Las “estructuras de las necesidades” se refieren tanto a la falta de privación
de los objetos como a la ausencia de subjetividad de algo inmaterial relacio-
nado con el deseo, las normas, las acciones, las formas de vida, los valores...
Wolkmer (1994), p. 218. Observamos que tanto la dimensión de la autono-
mía como la dimensión referida a las condiciones de posibilidad de existen-
cia son indivisibles.
13
Wolkmer (1994), p. XVI.
Sobre la problemática de las necesidades, interesante es el planteamiento
del filósofo y economista Hinkelammert (1984). El autor en Crítica a la ra-
zón utópica, distingue entre lo que son las “preferencias” de lo que son las
“necesidades”. Considera que el ser humano, además de ser un sujeto prác-
tico, antes que nada es sujeto vivo (Hinkelammert (1984), p. 239). Es el a
priori a partir del cual concibe los fines y se encamina a ellos. Por medio de
los proyectos jerarquiza los fines. Los criterios de ordenación están encami-
nados a satisfacer las necesidades. “Para vivir hay que poder vivir, y para
ello hay que aplicar un criterio de satisfacción de necesidades a la elección
de fines.” (Hinkelammert (1984), p. 240) Y para asegurar que todo proyecto
de vida se realice, hay que proporcionar y garantizar el alimento, el vestido,
218 RUBIO, David Sánchez • Pluralismo Jurídico y Emancipación Social

3º) En la reordenación de la política del espacio públi-


co, son la democracia, la descentralización y la participación
las principales estrategias que se han de ejercitar. Wolkmer
se preocupa por ofrecer un marco procedimental adecuado
que canalice la polarización y el conflicto social. La libertad
no hay que limitarla, sino que, más bien, hay que potenciar-
la, incrementarla. Determinada herencia ilustrada está pre-
sente. El derecho a tener derechos y la posibilidad de disfru-
tarlos necesita el apoyo de un procedimiento democrático y
participativo que permita la argumentación para discutir las
demandas de las partes y la satisfacción de sus necesidades
(Wolkmer, 1994, p. 222 ss.). Se debe radicalizar el pensami-
ento en la búsqueda de modelos concretos que posibiliten el
transcurso pacífico de la dinámica social.
4º) En la ética concreta de la alteridad es cuando acude
al pensamiento de Enrique Dussel. La situación de crisis de
valores en que nos encontramos requiere una urgente formu-
lación de un nuevo orden de valores éticos. Refiriéndose a la
ética del discurso de Apel, en la línea de Dussel, señala que
implica la existencia de seres humanos competentes, libres,
conscientes y maduros, condiciones difíciles de mantener en
el mundo periférico. No se trata de rechazar su proyecto éti-
co basado en principios fundantes universales, pero sí hay
que circunstancializar, concretizar y contemplar los valores
éticos particulares inherentes a específicas formas de vida.
Es necesario avanzar en una ética concreta de la alteridad
que rompa con los formalismos técnicos y los abstraccionis-
mos metafísicos y que sea expresión de los auténticos valo-

la casa.... Por eso, el sujeto, que si es libre para satisfacer las necesidades, no
lo es para elegirlas. Son las necesidades las que dan el criterio básico a la
libertad. Es aquí cuando entran a escena las “preferencias”. Vendrán a ser
sentimientos, deseos humanos que se incorporan una vez que el mínimo
vital se ha cubierto. De esta forma, si la “satisfacción de las necesidades
hace posible la vida; la satisfacción de las preferencias, las hace agradables.
Pero para poder ser agradable, antes tiene que ser posible.” Hinkelammert
(1984), p. 241.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 219
res culturales y de las condiciones histórico-materiales del
pueblo sufriente de la periferia (Wolkmer, 1994, p. 238-239).
La ética de la liberación de Dussel con sus dos categorías
“Totalidad/Exterioridad” puede ofrecer un material instrumen-
tal interesante. Ahora bien, no hace falta acudir a una instan-
cia que se encuentre más allá del proceso. Las concepciones
valorativas surgen y emergen de las propias luchas, de los
propios conflictos entre los intereses y las necesidades de los
sujetos individuales y colectivos. El cuño libertario, al estar
inserto en las prácticas sociales y ser producto de ellas evita
caer en pre-ontologismos fantasmas (Wolkmer, 1994, p. 240).
Nuestro autor habla de acudir a las categorías teóricas de la
filosofía de la liberación para poder expresarse mejor el fenó-
meno.14
5º) Por último, en cuanto a la racionalidad emancipa-
dora, Wolkmer reitera que, frente a lo que Habermas piensa,
no existen a priori fundantes universales de donde nacen los
procesos de racionalización, sino que nacen en el seno de la
contingencia directa entre los intereses y las necesidades que
confluyen en la pluralidad de acciones humanas en perma-
nente proceso de interacción y participación (Wolkmer, 1994,
p. 252). La realidad de la vida concreta y sus condiciones de
posibilidad conforman el punto de partida que genera cual-
quier racionalidad.

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14
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gel (2004).
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Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 223

9 – CULTURA Y DERECHOS HUMANOS:


LA CONSTRUCCIÓN DE LOS
ESPACIOS CULTURALES
Joaquín Herrera Flores

A meeting of cultures,
A crossroads,
A fusion of races and traditions,
You, me, him and her, all of us
…Mulatos
(Omar Sosa)

1. El fatalismo como enfermedad senil del economicismo:


el cierre neocons
En 1991 se podía leer la siguiente frase en la revista The
Economist: “No hay alternativa para el mercado libre como
forma de organización de la vida económica. La diseminaci-
ón de la economía de libre mercado gradualmente conducirá
a la democracia multipartidaria porque las personas que tie-
nen la libre opción económica tienden a insistir también en
la libre opción política”. Fijémonos con un poco de atención
en algunas partes de este texto.
En primer lugar, se comienza afirmando que no existen
alternativas a un determinado tipo ideal de organización eco-
nómica: el mercado libre. En segundo lugar, se continúa rela-
cionando temporalmente el “único” modo de organizar la eco-
nomía – el mercado libre – con una específica forma de en-
tender lo político: la democracia multipartidaria. Y, en tercer
lugar, todo esto ocurre no por una voluntad de encuentro de
las personas y grupos en espacios públicos, sino por el mero
224 FLORES, Joaquín Herrera • Cultura y Derechos Humanos

despliegue de la libre elección económica como marco “raci-


onal” y “abstracto” de acción (el cual, paradójicamente, con-
duce a un único fin: el mercado libre y a una única forma de
entender la democracia).
De la negación de las alternativas económicas, es decir,
de la negación de la capacidad y posibilidad de organizar de
una manera plural nuestras formas de relación con los entor-
nos sociales y naturales, se llega – gracias a la insistencia de
las personas que, como principio, niegan las alternativas or-
ganizativas –, a la libre opción política. Una opción política
libre, pero, extrañamente, sin libertad de opción ¿No se está
proponiendo con todas estas “fantasmagorías” una forma “to-
talitaria” de organización económica y política que impide
que se despliegue la misma esencia de lo económico y de lo
político: la alternativa, la transformación de lo dado, la expe-
rimentación democrática?.
Está claro que la teoría económico-política que subyace
al texto citado es un producto cultural que ha surgido como
reacción ante una realidad que se pretende eternizar: el siste-
ma de relaciones sociales basadas en el control del capital
sobre toda la actividad reproductiva material de las personas.
Pero, como decimos, tal producto cultural (el mercado libre
como camino hacia la política libre), no es el resultado de un
proceso cultural cuya esencia radica en la constante apertura
y creación de condiciones para que cualquiera pueda ofrecer
alternativas al orden existente. Tal teoría económico-política
procede más de un proceso ideológico que intenta imponer una
sola visión del mundo como si fuera la natural, la racional y,
por supuesto, la universal; relegando todas las demás visiones
al terreno de lo incierto, de lo irracional y de lo particular.
¿No se nos está cerrando el camino de la política con
esa frase contundente según la cual “no hay alternativas”?
¿No se está enmascarando bajo las categorías de libre opción
económica y libre opción política el peor de los totalitaris-
mos, es decir, un totalitarismo que se presenta como la encar-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 225
nación de la libertad? ¿Es creíble que todas las personas y
grupos de las diferentes sociedades que pueblan nuestro uni-
verso tengan las mismas posibilidades de elegir libremente el
modelo de organización económica y política?
El tono de todo el texto citado parece teñirse de realis-
mo. Pero, más que interesarse por “hechos” reales, lo que
subyace al mismo no es más que una falacia ética: no somos
responsables ante las consecuencias de nuestras elecciones y
decisiones. Todo está dado y, por consiguiente, es “natural”
aceptar los efectos de lo que “no puede ser de otro modo”. En
primer lugar, se afirma que estamos ante una realidad inde-
pendiente de las voluntades subjetivas: todo ocurre “porque
tiene que ocurrir”. Si esto es así, nos vemos ante “la” forma
privilegiada de huir de la responsabilidad política, es decir,
de las influencias de nuestras acciones sobre los entornos de
relaciones que constituyen la realidad. Y, en segundo lugar,
lo que ocurre tiene que ocurrir porque antes de conocer la
realidad, antes de llegar al mundo, ya le estamos “otorgando
una forma previa” de la cual no podremos salir sin caer en
irracionalismos y particularismos. Con lo que estamos ante
“la” forma privilegiada de huir de las responsabilidades epis-
temológicas, puesto que más que conocer lo que antes no se
conocía, lo que hacemos es “reconocer” lo que ya habíamos
pensado “a priori”.
Por consiguiente, si construimos una teoría en la que no
somos responsables ni política ni epistemológicamente de las
consecuencias de nuestras formas de conocer y de actuar so-
bre la realidad, lo que estamos desechando de nuestros análi-
sis no son únicamente los hechos que ocurren en el mundo,
sino, sobre todo, los contextos y las circunstancias en las que
viven individuos y grupos que, al estar situados jerárquica y
desigualmente en los procesos de división social, sexual, ét-
nica y territorial del hacer humano, no reúnen las condicio-
nes mínimas para decidir política o culturalmente. Todo aquel
que no llegue a las mismas conclusiones que los “decidido-
226 FLORES, Joaquín Herrera • Cultura y Derechos Humanos

res” o “electores” racionales entran de lleno en el campo de lo


irracional, de la barbarie o del primitivismo. En otros térmi-
nos, estamos ignorando – u ocultando – que las personas y gru-
pos acceden de un modo desigual e injusto a los bienes materi-
ales e inmateriales exigibles para una gozar de una vida digna.
Si, en definitiva, seguimos la línea de razonamiento y los efec-
tos sociales y políticos del texto de The Economist ¿partimos de
una buena base para establecer un hipotético diálogo entre pro-
puestas políticas, económicas, sociales y culturales diferentes?
Esta tendencia a eximirse de responsabilidades políti-
cas y teóricas ha sido llevada a la práctica por lo que Irving
Kristol denominó como pensamiento neoconservador (o “ne-
ocons”) a través de la creación de “almacenes de conocimien-
to” (los famosos “think-tanks”). El pensamiento “neocons” no
es un fenómeno nuevo. Ha venido gestándose desde los años
duros de la guerra fría. Su objetivo básico siempre fue la “re-
alpolitik” de Kissinger y “cía”, a los que se acusaba de debilitar
la nación americana frente al mundo con su idea de negociaci-
ón y de ir paso a paso en su enfrentamiento con la Unión Sovi-
ética. Los orígenes intelectuales de este movimiento dan todo
su colorido ideológico a la frase de The Economist que estamos
analizando en estas páginas. En primer lugar, destaca la figura
de Albert Wohlstetter, como figura central de un movimiento
intelectual dirigido a reforzar la nación americana a través de
intervenciones armadas directas sobre todos los que se opusie-
ran, de un modo u otro, al “american way of life”. Sus tesis
triunfaron en Afganistán y en la operación Tormenta del Desi-
erto al imponer el uso de armas “inteligentes” que causaran el
mayor daño posible al enemigo y el menor en las filas del ejér-
cito imperial norteamericano. Esta nueva “geo-estrategia” (con-
tinuada a inicios del siglo XXI por sus discípulos Paul Wolfo-
witz y Andy Marshall de la Rand Corporation), encontró apoyos
en la teoría económica de Milton Friedman y su globalización
de la economía monetarista como forma de desplazar las crisis
financieras internas a los Estados Unidos al resto del planeta
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 227
(gracias, sobre todo, al dólar como patrón de cambio global). Y,
de una manera muy especial, en el iusnaturalismo del inmi-
grado Leo Strauss1. Para Strauss, que había sido testigo directo
del fracaso de la República de Weimar y el ascenso del nazis-
mo a través de elecciones democráticas, el enemigo principal
de la libertad era la debilidad de las democracias para preser-
varse del “mal” absoluto. Las democracias liberales, destacan-
do entre ellas la norteamericana, debían armarse de una idea
del “bien” inatacable por las posiciones relativistas e histori-
cistas de la ilustración; causas, según Strauss, del abandono
por parte de la elite intelectual de las propuestas trascendenta-
les del derecho natural. Había, pues, que rearmar las democra-
cias con toda una maquinaria de conceptos ideológicos que les
permitieran usar la fuerza contra la “zafiedad de las masas”
que no sabían distinguir entre el “bien” y el “mal” absolutos.
Era preciso, por consiguiente, un nuevo “príncipe” dotado del
poder exigible para imponerse, tanto sobre los intelectuales
“relativistas” que reconocían diferentes concepciones de “lo
bueno”, como sobre las mayorías ignorantes que se dejaban
llevar por sus instintos animalescos.
Wohlstetter, Friedman, Kristol y Strauss, crearon el cli-
ma intelectual y político2 necesario para un triple rearme ide-

1
Tanto Wohlstetter, como Friedman y Strauss se encontraron como profesores
en la University of Chicago desde los años setenta en adelante.
2
En la Casa Blanca, por ejemplo, está Elliott Abrams, quien fuera figura promi-
nente del escándalo Irán-Contra en la administración de Ronald Reagan. En el
departamento de la defensa está Paul Wolfowitz, uno de los artífices de la guer-
ra contra Irak. Douglas Feith está en la vicepresidencia. Algunos de sus miem-
bros más prominentes, como por ejemplo, Richard Perle, Bill Kristol, John
Bolton, Fred Barnes, Morton Kondrake y Robert Kagan utilizan sin recato la
puerta giratoria que conduce de la academia a los medios y/o al gobierno. Cu-
entan con sus propias publicaciones, New Republic, Weekly Standard, aunque
colaboran ocasionalmente en diarios como el Wall Street Journal y el Washing-
ton Post. Muchos de sus asociados aparecen los domingos en la mayoría de los
programas políticos de la televisión. Su influencia en el Congreso es enorme.
El líder de la mayoría republicana en la Cámara de Representantes Tom Delay,
repite fielmente sus mensajes. Y de manera extra-oficial, Newt Gingrich, quien
fuera el líder de la mayoría republicana en la Cámara de Representantes parece
228 FLORES, Joaquín Herrera • Cultura y Derechos Humanos

ológico (que se presenta como “realista”): del intervencionis-


mo unilateral de Wohlstetter, se derivan las tesis agresivas de
Samuel Huntington contra “el nuevo enemigo” islamista3; de

haberse convertido en el vocero del movimiento. Gingrich fue, precisamente,


quien se lanzara en contra del Departamento de Estado en un discurso cuyo
destinatario principal era su titular, Colin Powell. Hablando ante el American
Enterprise Institute, uno de los “think-tank” que sirve a los intereses de los repu-
blicanos, Gingrich se insertó en el debate sobre el plan de paz en el medio orien-
te atacando al Depto. de Estado y elogiando al Departamento de la Defensa: “A
seis meses del fracaso diplomático y a un mes del triunfo militar”, dijo Gingrich,
el Departamento de Estado “vuelve a proponer políticas que impiden recoger los
frutos de la difícil victoria” en la región. Esta visión crítica a Powell de los “neo-
cons” debe ser vista desde dos perspectivas paralelas. En primer lugar, como
reclamo al empeño de Powell a llevar a discusión el tema de Irak a las Naciones
Unidas. Y en segundo lugar, como antecedente del debate al interior de la admi-
nistración respecto del Plan de Paz para el Medio Oriente. Si bien el Plan de Paz
fue propuesto por el presidente Bush, la autoría le pertenece a Powell, trabajan-
do en colaboración con representantes de Naciones Unidas, la Unión Europea y
Rusia. El multilateralismo que Powell propone es anatema para los republicanos
conservadores y para los “neocons”, cuya predilección por el unilateralismo en
política exterior es bien reconocida. También lo es su aversión a los organismos
internacionales, llámense Naciones Unidas, Corte Mundial, Acuerdo de Kioto,
etc. En realidad, lo que es nuevo y peligroso es que después del atentado del 11
de septiembre y después del abrumador triunfo militar de Estados Unidos sobre
Irak, los grupos archiconservadores están intentando llevar al país a una situación
que privilegia la respuesta militar unilateral ante el posible conflicto. Lograr inser-
tarle racionalidad al proceso de paz en medio oriente es una empresa con una
larga historia de fracasos. Bush debe mostrar su compromiso con el asunto sepa-
rándose de los “neocons” y haciendo público su apoyo incondicional a Powell.
Consúltese http://www.prensalibre.com/pl/2003/mayo/08/55515.html (visitada el
23 de agosto de 2005)
3
Huntington, haciendo referencia a la creación del croissant por los pasteleros
vieneses como festejo de la victoria de la cristiandad contra los otomanos en
1683, no duda en calificar al mundo del islam como un “croissant” con las
fronteras sangrantes (lo cual, tuvo una repercusión mundial al interpretarse
“homogéneamente” la plural y diversificada realidad del islam, visto ahora
como el nuevo enemigo post-guerra fría y a La Meca como la nueva Moscú.
Incluso Juan Pablo II entró en liza al beatificar al capuchino Fra d’Aviano,
infatigable predicador de la cruzada antiotomana y del que procede el nombre
del café capuccino, mezcla que se descubrió gracias al saqueo al que las tropas
vencedoras sometieron al enemigo ancestral procedente de la actual Turquía).
Ver Kepel, G., “La revolución neoconservadora” en Fitna. Guerra en el corazón
del islam, Paidós, Barcelona, 2004, pp. 74-75.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 229
los planteamientos de Friedman y de Kristol, surge Fukuyama
y su reivindicación de nuevas “propuestas normativas” que
se presentan sin tener en cuenta cualquier tipo de análisis
empírico o factual4; y de las ideas de Strauss, nació la reivin-
dicación de un retorno a las fuentes de la cultura occidental
que salieron de la pluma, bien apoyada por los “think-tanks”
mediáticos, de Allan Bloom5. Intervencionismo preventivo,

4
La misma creación de los “think-tanks” constituían un desafío a los analistas
académicos universitarios, mucho más preocupados por argumentar analíti-
ca y fácticamente sus investigaciones. El modelo partnership comenzó a pri-
mar sobre el del schollarship. Véanse las propuestas del Project for a new
American Century, auspiciado por Robert Kagan y William Kristol, y las ideas
antilaboristas de los “think-tanks” israelíes conservadores que acusan al sio-
nismo laborista de haber propuesto paz por territorios, cuando el único ca-
mino es el de paz por paz (sin considerar la historia de la ocupación, del
incumplimiento de las resoluciones de Naciones Unidas y los diferentes con-
textos socio-económicos de ambas partes), desarrollado en A Clean Break. A
New Strategy For Securiting The Realm, firmado por los “neocons” Richard
Pearle y Douglas Feith: “La nueva línea de Israel – concluían los autores –
será la expresión de una ruptura clara al abandonar una política que no ha-
cía más que asumir el debilitamiento y abrir una vía para la retirada estraté-
gica, instaurando de nuevo el principio de intervención (mucho mejor que
limitarse a las simples represalias) y dejándose de recibir golpes sin que la
nación responda”. Ver Kepel, op. cit. p. 79.
5
Allan Bloom fue el autor de un exitoso “best seller” mundial titulado The
Closing of the American Mind, Simon & Schuster Inc., New York, 1987. En
este libro, aparentemente dedicado a fundamentar una enseñanza basada en
la “aperture” de miras, se dice lo siguiente: “Unfortunatelly the West is defi-
ned by its need for justification of its ways or values, by its need for disco-
very of nature, by its need for philosophy and science. The United States is
one of the highest and most extreme achievements of the rational quest for the
good life according to nature. What makes its political structure possible is
the use of the rational principles of natural right to found a people, thus
uniting the good with one’s own. Or, to put it otherwise, the regime establi-
shed here promised untrammeled freedom to reason – not to everything in-
discriminately, but to reason, the essential freedom that justifies the other
freedoms, and on the basis of which, and for the sake of which, much deviance
is also tolerated…And this regime, contrary to all claims to the contrary, was
founded to overcome ethnocentrism, which is in no sense a discovery of
social science” (p. 39, cursisvas nuestras). Curiosa crítica del etnocentrismo
desde el mismo etnocentrismo de unos Estados Unidos vistos como la esen-
cia del derecho natural propuesto por Leo Strauss.
230 FLORES, Joaquín Herrera • Cultura y Derechos Humanos

propuestas normativas filosóficas y económicas (presentadas


como algo ineludible) y refundación cultural de Occidente
(representado por lo mejor del mismo: los Estados Unidos).
Todo ello ha conducido a un “cierre” cultural sin precedentes
frente a todo lo que es diferente y que supone una alternativa,
da igual de qué tono y de qué calibre, a nuestro modo de vida
definido desde las premisas del centro del imperio. Todo ello
conduce a Huntington a terminar su famoso libro con las si-
guientes palabras: “En el choque de civilizaciones, Europa y
los Estados Unidos pueden permanecer asociados o no. En el
choque máximo, el verdadero choque a escala planetaria, en-
tre civilización y barbarie, también las grandes civilizaciones
del mundo (por supuesto, Estados Unidos y Europa), con sus
ricas realizaciones en el ámbito de la religión, el arte, la lite-
ratura, la filosofía, la ciencia, la tecnología, la moralidad y la
compasión, pueden asociarse o seguir separadas. En la época
que está surgiendo, los choques de civilizaciones son la mayor
amenaza para la paz mundial, y un orden internacional basa-
do en las civilizaciones (de Estados Unidos y de Europa) es la
protección más segura contra la guerra mundial” 6. No hay
salida, pues. Estamos abocados “fatalistamente” al choque
entre civilizaciones si los más avanzados en todas las esferas
de lo humano, incluidas la moralidad y la compasión, no se
unen para evitar la guerra mundial. ¿Dónde está el contexto
en el que se sitúan esta división entre civilización y barbarie?
¿Cuál es la causa del desencuentro? Nada de esto se responde
desde el pensamiento “neocons”. El cierre ideológico es tan
profundo y sus propuestas normativas tan fuera por comple-
to de la realidad que paradójicamente el conjunto de todo este
entramado parece adoptar una posición realista y empírica.
Como defiende Istvan Mészáros el aspecto más proble-
mático del sistema del capital es la total incapacidad – o la

6
HUNTINGTON, S., El choque de civilizaciones y la reconfiguración del orden
mundial, Paidós, Barcelona, 1997, p. 386.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 231
evitación más radical – de tratar las causas como causas, no
importando para nada la gravedad que impliquen a largo pla-
zo. Esto no es una dimensión pasajera (históricamente supe-
rable), sino una dimensión estructural irremediable del siste-
ma del capital proyectado constantemente hacia su propia
expansión7. En esta “globalización” permanente, el capital se
ve obligado a procurar soluciones para todos los problemas y
contradicciones generados por su dinámica, pero reducién-
dolas a meros ajustes que se aplican únicamente a sus efectos
y a sus consecuencias. Toda iniciativa política, jurídica o so-
cial dirigida a paliar efectos y consecuencias de la aplicación
irrestricta de los procesos de acumulación puede que sea ad-
mitida a trámite, si se dan las circunstancias adecuadas para
ello. Sin embargo, una opción política o teórica que intente
determinar y oponerse a dichos procesos de acumulación –
vistos como causas reales de los fenómenos –, rápidamente es
tildada de radical y rechazada. Opuestas, como dirían los “ne-
ocons” al derecho natural en el que se basa el fanatismo de
sus propuestas.
Para evitar caer en ese peligroso iusnaturalismo del
“bien” contra el “mal” debemos insistir una y otra vez que en
el mundo en que vivimos los efectos tienen sus causas, y que
es preciso revelarlas a pesar del armamento pesado que usan
los que pretenden ocultarlas y sacarlas de todo análisis rigu-
roso. Para nosotros, la causa de la ocultación de las “causas”
reside en un fenómeno extraño pero tremendamente funcio-
nal a dichos intereses de expansión y acumulación: el capital
se considera “la causa de sí mismo”. En su afán de escapar de
la dependencia que le une al trabajo humano como instancia
creadora de valor social, los intelectuales, filósofos y econo-
mistas que han reflexionado desde una perspectiva funcional
al desarrollo de la relación social fundada en el capital, le han

7 MÉSZÁROS. I., Beyond Capital. Towards a theory of Transition, “Introducti-


on”, Merlin Press, Londres, 1995
232 FLORES, Joaquín Herrera • Cultura y Derechos Humanos

otorgado una fundamentación solipsista, ya sea a través de la


mano invisible del mercado, ya sea partiendo de que todo lo
racional es real y todo lo real es racional que subyace a las
propuestas del “fin de la historia” y del choque de civilizaci-
ones. De este modo, cualquier alternativa socio-económica
que se presente al debate sólo encontrará divulgación y acep-
tación si puede ser adaptada al marco predeterminado del
capital, es decir, si no afecta a sus características básicas de
continua expansión y de acumulación irrestricta de benefici-
os privados. Por esa razón, las controversias intelectuales afec-
tan sólo a los efectos y a las consecuencias de los fenómenos.
La “causa” no puede ser tocada, a pesar de la conciencia de
que es ella la que provoca los problemas que después intenta
solucionar falaz y ficticiamente.
De ese modo, el capital puede desplazar los problemas
que él mismo provoca a planos que nunca afecten a sus carac-
terísticas básicas de expansión, de control del trabajo pro-
ductivo y de acumulación constante.
Pongamos dos ejemplos que tienen que ver con lo cul-
tural. En primer lugar, la generalización de las reservas y los
paisajes culturales como “soluciones” parciales a los proble-
mas de destrucción medioambiental, y en segundo lugar, el
papel del derecho como instrumento que afecta igualmente a
las consecuencias de las acciones dadas en un contexto deter-
minado. Como se verá, se tratan de evitar únicamente los efec-
tos, pero dejando intocada la causa del problema.
Así, por comenzar con el primer ejemplo, un “paisaje
cultural” o una “reserva natural o humana” no constituyen
exactamente un espacio cultural. La “reserva” es el resultado
necesario y, quizá, ineludible que surge como consecuencia
de la labor de destrucción de la naturaleza y de la diversidad
social y humana que el sistema de control socio-económico
impuesto por el capital (basado, como decimos, en la conti-
nua “expansión” de sus límites y en el constante proceso de
acumulación de beneficio privado) produce. Es lo que está
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 233
ocurriendo con la Amazonía. Hay intentos por considerarla
jurídicamente una reserva de la humanidad dada la riqueza
en biodiversidad que contiene, la inimaginable fuente genéti-
ca – absolutamente imprescindible para los procesos de agri-
cultura intensiva – que burbujea en lo más profundo de sus
árboles y la belleza insondable de sus ríos y arboledas. Pero
¿qué hacemos con los pueblos indígenas que de tales riquezas
vienen viviendo desde hace siglos? ¿los convertimos en meros
elementos del paisaje o los desplazamos a otros lugares?.
En este sentido, hay que considerar la loable labor de la
UNESCO en su esfuerzo por proteger determinados lugares
geográficos considerados por sus habitantes como “espacios
sagrados”: lugares donde llevan enterrando a sus muertos
desde hace milenios y en donde, según sus creencias, habi-
tan los dioses y las fuerzas telúricas que los protegen de los
males y disturbios humanos y naturales. La UNESCO está
protegiendo tales lugares otorgándoles la denominación de
“paisajes culturales”, evitando la entrada de los especulado-
res y de los destructores de todo lo que pueda ser reducido al
equivalente universal de toda relación humana impuesto por
el sistema de control del capital: el dinero. Pero, admitiendo
la necesidad y la importancia de todas estas tareas, no pode-
mos decir que estemos ante espacios culturales productos de
la interconexión y articulación de procesos culturales dife-
rentes. ¿Qué hacer con los paisajes culturales si ocurre una
catástrofe natural y hay que desplazar de allí a los habitan-
tes? ¿hemos construido con ellos una zona de contacto o, al
revés, lo que hemos hecho es separarlos de todo y de todos
como si fueran un cuenco frágil que sólo es susceptible de ser
observado museísticamente? Además, hablamos siempre de
paisajes culturales refiriéndonos a los lugares donde viven
pueblos indígenas. Parece que lo que prima es lo exótico. ¿Qué
diría la UNESCO si propusiéramos como paisaje cultural la
favela de Rosinha en Río de Janeiro o las playas repletas de
indigentes de Mumbay en la India Occidental?
234 FLORES, Joaquín Herrera • Cultura y Derechos Humanos

Sin restar importancia a estas acciones, no hay otro re-


medio que denunciar que son acciones parciales que no cons-
truyen del todo la zona de contacto necesaria para poder ha-
blar de espacio cultural. Sobre todo, porque desde un punto
de vista materialista – alejado lo más posible de cualquier
idealización o desprecio de lo que se denomina falazmente
como “naturaleza humana” –, dichas acciones se enmarcan
en una especie de cielo sin conflictos estructurales. Los ma-
les son achacados al egoísmo o a la maldad de la naturaleza
humana y no se tiene en cuenta que tras todo fenómeno social
contemporáneo late el conflicto ancestral establecido entre,
por un lado, el trabajo productivo y los rendimientos siempre
crecientes de la creatividad humana, y, por otro, el control
férreo que el capital impone sobre la propia actividad de pro-
ducción, sobre el producto terminado y sobre lo que hoy en
día está cada vez más generalizado: la propia creatividad y
potencialidad de lo que ya Marx llamaba el “general intel-
lect”8. Es decir, no se reconoce que bajo toda institución y
toda práctica política nacional o internacional subyace un
conflicto básico que contamina y condiciona el resto de con-
flictos que sufrimos cotidianamente los seres humanos. Nos
referimos a la expropiación del hacer humano por el capital.
Todas estas acciones, por muy loables e importantes que sean,

8
Cfr., entre muchísimos otros textos que tratan más teóricamente este proble-
ma, el trabajo más empírico e histórico de Yann-Moulier Boutang Du esclavis-
me au salariat. Economie historique du salariat bridé, Paris, PUF, 1999. Asi-
mismo, y por citar únicamente otros dos textos entre los que están construyen-
do un nuevo paradigma crítico de necesario conocimiento para todos los que
de un modo “cultural” y “contextualizado” nos preocupamos de los derechos
humanos, VV.AA, Capitalismo cognitivo, propiedad intelectual y creación co-
lectiva, Madrid, Traficantes de Sueños, 2004; y el magnífico trabajo de Luc
Boltanski y Ève Chiapello, El nuevo espíritu del capitalismo, Madrid, Akal,
2003. No se debe obviar, si es que se quiere entrar en estos temas con conoci-
miento de causa, la enorme cantidad de trabajos dedicados al tema por Anto-
nio Negri, Paolo Virno, Maurizio Lazzarato y las revistas Futur Anterieur, Mul-
titudes, Crítica Jurídica. Revista latinoamericana de ciencias sociales y Alter-
natives Sud.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 235
en última instancia son funcionales a lo que es asumible y
compatible con aquello que ha sido la causa a partir de la
cual se han tenido que designar a determinados territorios como
“reservas” o como “paisajes” culturales: el sistema sociometa-
bólico del capital, su continua expansión y su consecuente
destrucción de los entornos ambientales.
De ahí también, y con ello pasamos al segundo ejem-
plo, el desplazamiento de los problemas que provoca el capi-
tal a la esfera jurídica. Los juristas, quizá inconscientemente
– aunque tal inconsciencia no les exime de cierta responsabi-
lidad – y los políticos – estos ya de un modo más claro y pre-
ciso –, generalizan socialmente la creencia de que una mera
reforma jurídica en un campo afectado por los procesos de
acumulación del capital (por ejemplo, la urbanización salva-
je de las costas) podrá resolver los problemas suscitados por
los mismos. Quizá, tales reformas puedan tener una enorme
virtualidad sobre los efectos y consecuencias de la aplicación
de las leyes no escritas del capital, limando ciertos desajustes
o garantizando algunas esferas de protección; pero, al dejar
igualmente intocada la causa fundamental de los problemas
y conflictos, difícilmente van a encontrarse soluciones reales
a los problemas de nuestros litorales.
De todos modos, hay que reconocer que el derecho no
puede hacer nada más que retocar tales consecuencias. No
debemos pedirle al derecho lo que está más allá de su alcan-
ce. Una norma jurídica no hace otra cosa – y esa es la grande-
za y la miseria del ordenamiento jurídico –, que reconocer un
específico y determinado modo de satisfacer una necesidad o
una exigencia social sin salirse del marco que imponen mate-
rialmente los procesos de división social del hacer que predo-
minen en un momento concreto. De ahí el constante despla-
zamiento de las soluciones al ámbito de lo jurídico. Desde
una concepción progresista del derecho intentaremos paliar
algunas de las consecuencias que propicia dicho marco. Véan-
se, si no, los constantes esfuerzos por imponer legislaciones
236 FLORES, Joaquín Herrera • Cultura y Derechos Humanos

laborales que garanticen determinadas esferas de autonomía


de los trabajadores frente al poder de los empresarios. Pero, si
estamos atentos al nuevo contexto en el que vivimos, ¿qué es
lo que ha podido hacer el derecho ante la ofensiva neoliberal
que ha desmantelado, sin modificar ni una sola coma de las
constituciones democráticas, el edificio normativo del dere-
cho al trabajo que de ser un “derecho” está pasando a ser con-
siderado como una “libertad”? El tema no es baladí, ya que
considerar a “algo” como un derecho requiere políticas públi-
cas por parte del Estado que garanticen su puesta en marcha;
pero, al ir planteándolo como una “libertad”, la responsabili-
dad de si se tiene o no garantizado el “derecho” le correspon-
de al individuo y no a las instituciones públicas. De ahí, asi-
mismo, la impotencia y el desencanto que las reformas jurídi-
cas producen en la ciudadanía; y, por último, la enorme res-
ponsabilidad del jurista crítico, sobre todo, a la hora de expo-
ner a todos lo que el derecho puede y no puede hacer, dadas
sus estrechas vinculaciones con los contextos materiales he-
gemónicos. Hay que conocer los límites de un instrumento
para saber, sobre todo en momentos de crisis, cómo usarlo
convenientemente y como complementarlo con otras formas
de lucha para el acceso al bien.
De este modo, cuando se reflexiona sobre temas como
la “multiculturalidad” como hecho social constatable en cu-
alquier formación social, la “interculturalidad” como recono-
cimiento de las relaciones – conflictivas o consensuales – que
se dan entre los diferentes procesos culturales que pueblan
nuestro universo de formas de vida, o del mestizaje, de la
hibridez cultural, etc., no debemos permanecer encerrados
en los efectos y consecuencias de un sistema que se retroali-
menta produciendo diferenciaciones que degradan las plura-
les formas de acercamiento cultural al mundo a meros dese-
chos de irracionalidad y marginalidad. Es decir, no debemos
dejarnos atrapar por los que basan sus teorías y acciones en el
famoso acróstico “TINA”: there is no alternative. Cuando no-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 237
sotros hablamos de “espacios culturales” queremos salir de ese
círculo infernal, de esa weberiana “jaula de hierro” en la que,
como Don Quijote, viajamos encerrados observando los efec-
tos y consecuencias desastrosas para la bio(socio)diversidad
del mundo que producen los actuales procesos de división glo-
bal del hacer. Si permanecemos encadenados en la “TINA” que
anuncia el fin de la historia, podremos ser muy conscientes
de los efectos que se producen, pero absolutamente impoten-
tes para encontrar soluciones con futuro al no tener presentes
las causas reales de los conflictos.
Desde nuestro punto de vista, aunque la teoría y la prác-
tica económica y política que se desprenden de las afirmacio-
nes de The Economist o del pensamiento “neocons” tiendan a
presentarse como propuestas de “libertad” y de “opción raci-
onal”, no son más que consecuencias de la aceptación de lo
que Baruch Spinoza denominaba “fatalismo”. Es decir, existe
una “fuerza exterior” que nos impele a pensar de una única
manera (la forma previa epistemológica), a actuar de un úni-
co modo (la forma previa política) y a interrelacionarnos en
un único espacio político, epistemológico y, en definitiva,
cultural (la forma previa universal). Los estudios de pensado-
res como Jevons, Marshall, Hayek – los cuales están en la base
de las propuestas de The Economist – y de Kristol, Wohlstet-
ter y Kagan, indican, pues, un único camino teórico, político
y cultural: el del control del capital sobre todo el conjunto de
las relaciones humanas; un camino que se presenta como un
fenómeno natural – formas previas – del que no podemos es-
capar sin caer en herejías irracionales o intervencionismos
totalitarios. De nuevo, civilización o barbarie.
Estamos, pues, ante un determinismo económico, polí-
tico y social de tal calibre que más que una propuesta teórica
y científica, parece más bien una institución inquisitorial que
custodia algún dogma irrebatible y universal absolutamente
separado de las incertidumbres que siempre supone la entra-
da en liza de la subjetividad humana. De un modo cuasi-bí-
238 FLORES, Joaquín Herrera • Cultura y Derechos Humanos

blico, en las obras de los economistas, filósofos y politólogos


que sustentan las tesis de las revistas y “think-tanks” que es-
tamos citando, se acude una y otra vez a todo un bagaje de
arquetipos irracionales que se presentan al público como el
trabajo científico de investigadores neutrales: un dios (el be-
neficio), un sistema de valores (el de la libertad entendida
como orden que se despliega a sí mismo sin intervenciones
ajenas), una fidelidad total a una serie de principios a los que
se llega con sólo pensar “racionalmente” (primacía de la li-
bertad sobre la igualdad), y un único tipo de salvación que,
indefectiblemente, es el de toda la humanidad (la globalizaci-
ón de los intereses expansivos y acumulativos de la gran cor-
poración transnacional) 9.
Pensamos, por tanto, que hablar de proceso cultural es
trabajar en la dirección absolutamente contraria. En vez de
reflexionar desde ese determinismo económico rayano en lo
religioso, nosotros partimos de lo cultural como el conjunto
de procesos que están sometidos al “circuito de reacción cul-
tural”. Insertarse en tal circuito supone aceptar, reconocer,
respetar y promover la capacidad y potencialidad humanas
para plantear continuamente alternativas y formas creativas
de afrontar y transformar el mundo. Desde este punto de vis-
ta, pues, el acento se pone en la asunción de responsabilida-
des políticas y teóricas que nos comprometan, no con la obse-
sión por el aumento constante de utilidades marginales (o de
beneficios económicos), sino con procesos sociales de lucha
por el acceso igualitario a los bienes necesarios para llevar
adelante una vida digna. Es decir, afectando, no sólo a los
efectos y consecuencias de los procesos, sino, fundamental-
mente, a sus causas reales. Por eso, en vez del fatalismo apo-
logético de los epígonos contemporáneos de los economistas
neoclásicos y de los marginalistas que hoy en día pueblan la
ideología neoliberal, apostamos más bien por procesos cul-

9
Méndez Ibisate, F., Marginalistas y Neoclásicos, Síntesis, Madrid, 2004.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 239
turales abiertos que tiendan a potenciar la capacidad humana
genérica de creatividad y de transformación del mundo: hitos
básicos de todo el proceso de humanización de la humanidad.

2. Tres reflexiones previas: el “contexto interactivo”


de nuestras reacciones culturales
1- En primer lugar, esa capacidad humana genérica no
puede desarrollarse en el vacío del individualismo abstrac-
to. El concepto ideológico/político de “individualismo” tie-
ne mucho que ver con la concepción puramente temporal
que las ideologías legitimadoras del modo de producción ca-
pitalista han ido generalizando como parámetro ético de jui-
cio y como proceso de subjetivación. Descartes, Leibniz,
Adam Smith, Kant...,en todos estos autores se parte de una
concepción “temporal” de la maduración individual: de es-
tadios primitivos e irracionales en las que domina el parti-
cularismo de la situación, se llegará, poco a poco, a etapas
donde lo que prime sea la racionalidad formal y universal
que formule principios válidos para todos. El proceso de “ra-
cionalización” es pues una línea temporal por la que necesa-
riamente se pasa para conquistar “racionalmente” el mundo
(aunque, ¡claro está!, este proceso sólo podrá darse en el
marco de la Europa expansionista y ávida de recursos natu-
rales exigidos por su propio crecimiento y su afán de acu-
mulación de capital).
En primer lugar, tal concepto temporal de lo ético nos
conduce a la aceptación de que sólo hay un grupo humano:
“la humanidad” y que, por consiguiente, las reivindicaciones
de pluralidad y diversidad se desplazan al ámbito del relati-
vismo ético o de la irracionalidad lógica. Si no hay diferenci-
as grupales y sólo existe una única comunidad, no hay por-
qué acercarse a los contextos donde cada proceso cultural se
desarrolla, ni tampoco tomar conciencia y reconocer diferen-
cias. Con el tiempo, todos avanzaremos hacia el ideal de ho-
mogeneidad que impone dogmáticamente la racionalidad
240 FLORES, Joaquín Herrera • Cultura y Derechos Humanos

universal. De este modo, la elección ética individualista/uni-


versalista está sometida a una serie de “etapas” al margen de
todo contexto y de todo conjunto de circunstancias: de lo par-
ticular se llegará a lo universal, de lo contextual a lo formal
(tal y como formuló el psicólogo del desarrollo mental Lawrence
Kohlberg). Elegiremos racionalmente, pues, cuando “lleguemos”
o alcancemos la etapa de racionalidad formal/ideal/universal
en la que lo abstracto prime sobre lo concreto, es decir, el argu-
mento trascendental sobre la constatación empírica. En defini-
tiva, donde lo que prime, a la hora de decidir acerca de la bon-
dad o maldad de una decisión, sean los procedimientos a par-
tir de los cuales decidimos y no las consideraciones acerca de
lo que es una vida buena o digna de ser vivida.
El pensamiento jurídico y político que surge de esta tra-
dición niega la posibilidad de que algún día nos pondremos
de acuerdo sobre lo que es una buena vida. Es decir, una vida
digna de ser vivida, o, lo que es lo mismo, una vida en la que
todas y todos (individuos, grupos y culturas) puedan gozar de
un acceso igualitario a los bienes necesarios para “poder ha-
cer”. Aunque eso sí, se admite que podremos llegar a acuer-
dos sobre procedimientos y modos que, por la mano invisible
de las situaciones ideales de comunicación o por la coinci-
dencia de lo real con lo racional y de lo racional con lo real,
nos conduzcan a la dignidad. Más aún, la dignidad se restrin-
ge a la puesta en práctica de tales procedimientos y en la con-
fianza ciega en esas “invisibilidades”. De ese modo, cualquier
decisión o consecuencia de un acto que haya sido sometido a
los procedimientos de dicho tipo de racionalidad “necesaria-
mente” habrá de ser justo. Esto será así, tanto si decidimos
cumpliendo con todos los requisitos legales10, como si eleva-

10
Por ejemplo, a través de leyes de extranjería que dificulten el acceso a los dere-
chos básicos de las personas que han inmigrado (mientras, a la vez, se le exige
que se aculturen y admitan nuestros presupuestos: por un lado, se les discrimina
y por el otro se les intenta asimilar). Las leyes de inmigración son normas que han
seguido “procedimientos” justos. Ahora bien ¿son sus resultados igualmente jus-
tos teniendo en cuenta la contradicción señalada anteriormente?
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 241
mos a criterio ético universal la creación de unas condiciones
ideales de comunicación (Jürgen Habermas)11 o de formulación
de principios de justicia (John Rawls)12 sin contar con las di-
ferencias y desigualdades culturales y contextuales en la que
se desarrollan las vidas concretas de comunidades y perso-
nas. Se habla, pues, de “la humanidad” como si fuera el único
grupo existente y consideramos a sus componentes como
miembros de una sola comunidad que, con el tiempo, si es
que no son perezosos y saben actuar en las “subastas” de de-
rechos (Ronald Dworkin), irán alcanzándose “formalmente”
unos a otros hasta que llegue el día de la hipotética eclosión
de la armonía preestablecida (el paraíso de los destinos de
Leibniz).
De ahí que el proceso de subjetivación, es decir, el modo
de convertirse en sujeto de su propia vida13, no se consiga al

11
Pongamos en el progresivo esfuerzo internacional de los países del “Tercer
Mundo” a la hora de reforzar el papel de la institución que debería cumplir
con esos criterios ideales (y que formalmente los cumple), como es el caso de
la Asamblea General de las Naciones Unidas. En este esfuerzo internacional
hemos asistido una y otra vez al desmontaje de esos criterios éticos universa-
les de comunicación. Véanse si no todos los incumplimientos de las decisio-
nes asumidas “idealmente” por la Asamblea y boicoteados una y otra vez por
los que proclaman teóricamente dicha idealidad y, con la otra mano, dan con
la estaca. El caso de la alianza israelí-USA en dicho boicoteo, podría ser un
magnífico marco para verificar empíricamente la validez o ineficacia de di-
chas propuestas idealistas.
12
Principios a los que con sólo pensar racionalmente se ha de llegar si es que
somos individuos racionales. Se parte de un consenso previo acerca de unos
principios (los derechos básicos individuales de libertad negativa), para, a
continuación, buscar la forma de legitimarlos universalmente como “lexico-
gráfica” e “ideológicamente” superiores a los demás ¿No sería mucho más
“racional” dotar a todos de condiciones económicas, sociales, políticas y cul-
turales iguales y, desde ahí, ver a qué principios podemos llegar por consen-
so? ¿No consiste precisamente la libertad en el empoderamiento necesario
para poder luchar por una vida digna? ¿Es que acaso entre libertad e igualdad
hay jerarquías o son valores que se complementan el uno al otro?
13
Para nosotros, por proceso de subjetivación, es decir, el asumir que se es suje-
to de la propia vida que se vive, “debemos entender una constelación de deci-
siones y de apuestas personales que implican modificaciones irreversibles de
las tramas de sentido, trastocamiento de las fuerzas pasivas y rupturas con
242 FLORES, Joaquín Herrera • Cultura y Derechos Humanos

acceder a bienes que hagan de la vida una vida digna de ser


vivida. Seremos “sujetos” cuando, con el paso del tiempo,
vayamos agotando, y el Estado o la comunidad internacional
vayan reconociendo, las diferentes “etapas” o generaciones
de derechos que van surgiendo como por arte de magia de
dicha armonía preestablecida en los procedimientos de co-
municación ideal o de formulación de principios (a los cuales
se llegará, según el neokantismo rawlsiano por la propia iner-
cia – formas a priori – del pensamiento racional). Somos, pues,
individuos que “con el tiempo” llegaremos a saber formalizar
principios, dejando a un lado las condiciones concretas de su
aplicación y los fundamentos de su existencia. Los cuales se
reducen a conocer cuánto cuesta económicamente tener de-
rechos cada vez más formalizados y cada vez más funciona-
les a un contexto social, económico y cultural funcional a los
intereses un único sistema de relaciones: el impuesto por los
procesos de acumulación irrestricta de capital. Por consigui-
ente, la acción racional se basa en la praxis de individuos
atomizados, y “aparentemente” descontextualizados, preocu-
pados únicamente por satisfacer sus apetitos de enriquecimi-
ento personal, cueste lo que cueste y pese a quien pese. Se-
gún las tesis del individualismo posesivo y acumulador, que
huye incluso de las propias normas y reglas del mercado14,
los intereses públicos y generales serán satisfechos gracias a
la existencia fantasmal de alguna mano invisible o a algún

determinados estratos del orden económico y político”, Rodríguez, E., El gobi-


erno imposible. Trabajo y fronteras en las metrópolis de la abundancia, Ma-
drid, Traficantes de Sueños, 2003, p. 106. Y, por tanto, nos separamos de las
consideraciones meramente procedimentalistas y formalistas que impregnan
gran parte del pensamiento social contemporáneo.
14
Como bien sabía Adam Smith, el Mercado es siempre un conjunto de nor-
mas, reglas y procedimientos muchas veces opuestas u obstaculizadoras de
la “mano invisible” que rige la acción racional de los individuos egoístas
que intentan maximizar sus beneficios económicos personales. ¿En qué con-
siste si no el concepto de “ventaja competitiva”: en competir libremente, o
en eliminar toda competencia aprovechando la existencia de algún “nicho”
económico?
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 243
hipotético orden que funciona por sí mismo, sin intervención
alguna del exterior.
Por el contrario, pensamos que lo cultural tiene tres as-
pectos básicos que contradicen tal metafísica atomista y de-
terminista. En primer lugar, el aspecto causal/estructural. Está
claro que no comenzamos a actuar culturalmente ni a produ-
cir valor desde cero, sino que recibimos y heredamos lo que
generaciones anteriores nos legan. En segundo lugar, consta-
tamos el aspecto metamórfico/transformador. Tenemos la po-
sibilidad y la capacidad de mudar el mundo recibido. Y, en
tercer lugar, el aspecto interactivo/comunitario. Reaccionamos
culturalmente siempre en cooperación colectiva, no sólo con
los que compartimos las mismas pautas y esquemas cultura-
les, sino, asimismo, con los que reaccionan de un modo dife-
rente al nuestro.

2- Esto nos lleva a la segunda reflexión que queremos


resaltar desde el principio. Desde nuestra perspectiva, es pre-
ciso rechazar todo narcisismo occidental de tintes colonialis-
tas. Desde el inicio de la expansión occidental por todo el
orbe conocido, comenzó también a “globalizarse” ese auto-
retrato del sistema de relaciones sociales basado en las pre-
misas del capital sin que nada pudiera oponerse al mismo.
Todo lo que no coincidiera con esa “auto-imagen” de raciona-
lidad y de universalidad era inmediatamente rechazado como
irracional o producto de una mentalidad primitiva y salvaje.
Esta es la consecuencia de esa concepción “temporal”
de lo racional. Por esa razón, desde una concepción cultural
crítica, debemos introducir el concepto de espacio, es decir,
como veremos más adelante, de lugares y contextos en los
que se desarrolla toda acción humana y se despliega toda elec-
ción individual. Desde la concepción “espacial” de lo cultu-
ral, lo racional ya no coincidirá con elementos puramente for-
males/ideales a los que se llega con sólo dejar pasar el tiempo
necesario para alcanzar la madurez racional. Desde el espa-
244 FLORES, Joaquín Herrera • Cultura y Derechos Humanos

cio hay que contar con las necesidades humanas de acceso a


los bienes y, desde ahí, con los procesos de división social,
étnica, territorial y sexual del hacer humano, los cuales nos
“colocan” en diferentes “posiciones” a la hora de acceder al
disfrute de tales bienes exigibles para una vida digna. Lo es-
pacial nos conduce, pues, a abandonar el dualismo mente (lo
formal)-cuerpo (lo material), pues ambos elementos necesari-
amente se complementan de un modo horizontal y no jerár-
quico en el aquí y ahora de nuestras vidas concretas.
“Estamos – afirmaba Foucault – en un momento en que
el mundo se experimenta...menos como una gran vía que se
despliega a través de los tiempos que como una red que enla-
za puntos y que entrecruza su madeja”15. Esto no quiere decir
que tengamos que olvidar el tiempo de los procesos y admitir
las antiguas proclamas de fin de la historia. Más bien, hay
que construir una nueva manera de tratar lo que llamamos
tiempo y lo que se denomina historia desde la idea de espa-
cio-tiempo. Un espacio-tiempo en el que lo importante no van
a ser ya las etapas temporales que hay que recorrer (y que las
filosofías de la historia han pretendido mostrarnos como algo
científico e ineluctable). Lo relevante será saber actuar en esa
red espacio-temporal en la que vivimos. Red en la que lo esen-
cial consiste en determinar qué relaciones de vecindad, qué
tipo de almacenamiento y acumulación, qué modo de distribu-
ción, de circulación, de clasificación de los elementos huma-
nos y naturales “se deben mantener preferentemente en tal o
cual situación para alcanzar tal o cual fin”16. Problemas que el
feminismo de corte materialista ya ha venido tratando de ha-
cernos ver al denunciar las oposiciones que parecen separar
ontológicamente el espacio público del espacio privado, el es-
pacio de la familia del espacio social; en definitiva, el espacio
cultural de lo concreto y el espacio ideal/abstracto de lo útil.

15
FOUCAULT, M., Estética, ética y hermenéutica, Barcelona, Paidós,1999, p. 431
16
FOUCAULT, M., op. cit. p. 433
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 245
Todos estos argumentos nos hacen considerar lo tem-
poral de un modo distinto al que defienden los pensadores
idealistas (Habermas, Rawls...). El tiempo de la madurez no
va a llegar por sí solo. Hay que empujar el tiempo “cambian-
do” las circunstancias que hacen que unos puedan auto-pro-
clamarse sujetos racionales de derecho y otros no tengan ni
siquiera las posibilidades mínimas de acceso a los lugares y
contextos en los que se va adquiriendo la madurez necesaria
para comprender que hay que luchar “espacialmente” para
que el tiempo nos favorezca a todos por igual y no a unos más
que a otros. No debemos, pues, defender racionalidades for-
males/ideales que someten todos los contenidos a una idea o
forma previa que determina nuestra acción y nos inducen a
aceptar una determinada construcción de la división social
del trabajo y del hacer humanos hasta que el final de los tiem-
pos y de la historia lleguen por sí mismos. Hay, pues, que
defender una concepción material/concreta de la racionali-
dad que, al tener en cuenta las posiciones que ocupamos en
los espacios reales en los que vivimos, nos induzca a cons-
truir los materiales necesarios para obtener la fuerza y el po-
der que nos impulsen a luchar por conseguir posiciones igua-
litarias de acceso a los bienes imponiendo deberes de no ex-
plotación y de redistribución de recursos a los que dominan
la actual división social del hacer.
Desde dicha mirada en el propio espejo, y su consecu-
ente desplazamiento de la causa real de los problemas, co-
menzaron a sentarse las bases del colonialismo, del racismo y
de la xenofobia. Dejemos hablar a Ernest Renan en la apertu-
ra del curso de lenguas hebrea, caldea y siríaca en el Collège
de France en 1862. “En el momento actual – afirmaba rotun-
damente Renan – la condición esencial para la expansión de
la civilización europea es la destrucción de lo semítico por
excelencia: la destrucción del poder del islamismo...Se trata
de una guerra eterna, de una guerra que sólo cesará cuando el
último hijo de Ismaíl haya muerto de miseria confinado por
246 FLORES, Joaquín Herrera • Cultura y Derechos Humanos

el terror a las profundidades del desierto. El Islam es la nega-


ción total de Europa...significa el desprecio por la ciencia, la
supresión de la sociedad civil; es la espantosa simplicidad de
la mentalidad semítica, que limita el cerebro humano cegán-
dole a toda idea sutil, a todo sentimiento delegado, a toda
investigación racional”.
¿Cómo plantear la mínima posibilidad de diálogo basa-
do en perspectivas de paz y diálogo entre el mundo árabe y el
mundo occidental – y, por extensión, entre las cosmovisiones
indígenas y nuestras percepciones culturales, o entre las ex-
pectativas y valores de las mujeres con respecto a los privile-
gios de la masculinidad – cuando el argumento que prima es
el de la destrucción o invisibilización de todo lo diferente? Es
preciso, pues, para toda reflexión teórica y toda acción políti-
ca no destructivas, la construcción de condiciones espacio-
temporales para que los actores y actrices que pueblan los
procesos culturales puedan dirimir sus diferencias y propo-
ner pautas comunes de acción en lo que vamos a denominar
los espacios culturales. Es decir, los “lugares simbólicos” en
los que puedan interactuar diferentes, plurales y heterogéne-
as formas de reaccionar – y plantear alternativas – ante los
entornos de relaciones que mantenemos con los otros, con
nosotros mismos y con la naturaleza. Entornos, ¡claro está!,
condicionados por los procesos de división desigual e injusto
del hacer humano.

3- Pero con esto entramos ya en la tercera y última refle-


xión. Como todo fenómeno social, los procesos culturales tie-
nen – e inciden en – un “contexto”. El olvido o la ocultación
de este hecho han conducido a muchos teóricos de la socie-
dad y del conocimiento a postular como realidades lo que no
son más que idealizaciones de sus deseos o racionalizaciones
de sus esfuerzos dirigidos a justificar algún sistema político,
económico o social. Si algún fenómeno político, social, jurí-
dico o cultural se presenta como si no tuviera contexto, en-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 247
tonces ese algo se convierte en eterno, inmutable, trascen-
dente y protegido de toda intervención humana sobre el mis-
mo. Hasta la misma isla de Utopía – diseñada por Tomás Moro
– tenía una semejanza espectacular con la Inglaterra que le
tocó vivir al insigne canciller. ¿Qué era la Ciudad del Sol sino
el marco ideal donde “debería” desplegarse “materialmente”
la monarquía absoluta y encontrar las bases de su eterna re-
producción? ¿Tomasso Campanella escribió su relato imagi-
nario sólo para solaz de comediantes o quería incidir en el
contexto político y científico de su tiempo? ¿Qué decir de la
conocidísima película Casablanca? ¿Acaso es posible enten-
der la renuncia de Bogart al amor de la Bergman y la repenti-
na amistad con el comisario francés sin conocer “el contexto”
histórico, político y geo-estratégico en el que se debatían las
grandes potencias occidentales por dominar el mercado mun-
dial? ¿Es posible entender las farragosas páginas de la Filoso-
fía del Derecho de F.W. Hegel – con su conocidísima y peligro-
sísima “confusión” entre lo que él consideraba lo racional y lo
real –, sin tomar en consideración su defensa a ultranza de las
tesis de la economía política clásica, a partir de las cuales
David Ricardo y Adam Smith comenzaron a justificar el modo
de control socio-metabólico del capital sobre el conjunto de
relaciones humanas como el único posible y deseable? ¿El
pensamiento y las ideas humanas brotan de sí mismas, como
Atenea de la cabeza de Zeus, sin contacto alguno con la reali-
dad concreta en la que, y para la que, surgen?
Todo fenómeno, todo pensamiento, toda acción se da
siempre en un contexto. Ahora bien, cuando nos situamos en
lo cultural hablar de contexto no es hacerlo meramente de las
situaciones o las circunstancias bajo las que se desarrollan
las acciones o se forjan las ideas. Utilizar el término contexto
para situar una conversación que se desarrolló tras la barra de
un determinado bar y en el que los hablantes tomaron tales o
cuales bebidas que sueltan la lengua y facilitan la comunica-
ción, no cubre el mismo campo semántico que si usamos el
248 FLORES, Joaquín Herrera • Cultura y Derechos Humanos

término contexto para “contextualizar” una teoría como la


marxista, o los objetivos perseguidos por tal o cual cineasta, o
para aclarar por qué razón el principio de incertidumbre de
Heisemberg se formuló en el siglo XX de nuestra era y no en
el IV antes de Cristo.
El uso del término es completamente diferente y tiene
unas características que lo diferencian claramente de las situ-
aciones y las circunstancias que rodean nuestras vidas. En
concreto, cuando hablamos culturalmente de contexto esta-
mos haciéndolo de tres cosas estrechamente imbricadas: a)
de las diferentes formas de producción de riqueza (y, por su-
puesto, de pobreza); es decir, de las circunstancias económi-
cas de creación de valor. b) de las diferentes, jerárquicas y
desiguales posiciones que ocupamos en los procesos de divi-
sión social, sexual, étnica y territorial del hacer humano; o, lo
que es lo mismo, de las formas que adopta la explotación y la
injusticia. c) de las diferentes formas de adaptarse a los dos
elementos anteriores o de enfrentarse de un modo antagónico
a las mismas; en otros términos, de la toma de posición polí-
tica frente a la producción/extracción del valor y los procesos
de explotación del hacer.
A partir de la inserción en un “contexto” determinado,
los seres humanos comienzan a reaccionar frente a los entor-
nos de relaciones que en él priman, sea para reproducirlos,
sea para transformarlos.
Por tanto, los procesos culturales se dan siempre en el
marco de determinados contextos, sean favorables a la apro-
piación privada de la riqueza en el marco de procesos de divi-
sión jerárquica y desigual de un hacer humano absolutamen-
te determinado a actuar en tal dirección; sean contextos que
tiendan a la lucha contra tales apropiaciones privadas del valor
social y que potencien acciones antagonistas contra los pro-
cesos que obstaculizan a la mayoría de la población a acceder
en régimen de igualdad a los bienes materiales e inmateriales
necesarios para vivir con dignidad. Creemos, pues, que ésta
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 249
es la única manera de huir del colonialismo que se auto-pre-
senta como la única visión racional del mundo, y que niega la
existencia de cualquier perspectiva o punto de vista alterna-
tivo a sus premisas apriorísticas. Tal y como profetizaba He-
gel – y después han mantenido sus más fieles seguidores en
el marco del pensamiento neoconservador norteamericano –,
este orden de cosas sólo conducirá al fin de la historia.
Ya está bien de milenarismos y de “fines” de lo huma-
no. Nuestro mundo es un universo plural repleto de diferen-
tes y heterogéneas formas de reacción frente a los entornos de
relaciones que se mantienen con la naturaleza, con nosotros
mismos, y, sobre todo, con los otros. No hay, no ha habido, ni
habrá procesos culturales aislados entre sí. Y, mucho menos
asistiremos a procesos culturales divididos absolutamente por
fronteras políticas nacionales, consideradas, ideológica e in-
teresadamente, como eternas e inmutables. De lo que, quizá
podríamos pronosticar su fin, es el de las filosofías de la his-
toria que han intentado negar tales interconexiones y han sa-
cralizado tales fronteras.
La historia de la etnología nos muestra más bien la inte-
racción continua – a veces pacífica, la mayoría de las ocasio-
nes conflictiva – entre los múltiples procesos culturales que
se han ido desplegando a lo largo de la historia de las relacio-
nes entre pueblos y grupos diferentes y diferenciados en fun-
ción del acceso a los recursos materiales e inmateriales nece-
sarios para vivir dignamente. Ya el gran historiador Heródoto
contaba a sus estupefactos oyentes del ágora ateniense las vir-
tudes, diferencias y semejanzas de las producciones cultura-
les persas con respecto a las griegas. Y ya entre el público que
lo escuchaba había gente que estaba de acuerdo con él y gen-
te que maldecía al historiador por establecer paralelismos entre
la civilización y la barbarie. Los contactos interculturales han
estado siempre presentes en la formación, desarrollo y, cómo
no, desaparición de los procesos culturales que se han dado
en la historia. Sin embargo, muchas fueron las burlas que re-
250 FLORES, Joaquín Herrera • Cultura y Derechos Humanos

cibió nuestro gran historiador y etnólogo. Gran parte de ese


público ateniense asistía a la plaza pública a escuchar lo que
quería escuchar: la grandeza de lo griego, y no las semejanzas
y las virtudes de la forma persa de relacionarse con el mundo.
Muchos comenzaron a mezclar sonrisas irónicas con comen-
tarios procaces acerca de las cosas extrañas que decía el con-
ferenciante: ¿acaso es posible – pensaba más de uno – que
hubiera más allá de lo heleno algo que pudiera denominarse
cultura?
Lo que quizá no sabían tales escépticos del conocimi-
ento intercultural es que sus chanzas y sus palabras despecti-
vas, surgidas más de prejuicios chauvinistas que de un inte-
rés por aprender algo de lo que Heródoto comunicaba, han
sido usadas por los diferentes poderes hegemónicos como
justificación y legitimación de sus luchas geo-estrategias. Las
continuas guerras, inquisiciones, persecuciones, expulsiones,
invasiones y destrucciones que pueblan tantos documentos
históricos, se han justificado y legitimado alegando diferen-
cias culturales con respecto a la percepción del mundo o de
lo sagrado. Cuando en realidad lo que impulsaba tales atroci-
dades no eran más que el afán de riqueza y de acumulación
¡Cuántos desgraciados que pensaban de un modo diferente a
los objetivos imperialistas, y de justificación de un nuevo or-
den social e institucional, del papado de turno han sido in-
molados en las hogueras de la Inquisición, alegando que man-
tenían opiniones religiosas contrarias a los dogmas de las “sa-
gradas escrituras”!
Culturalmente hablando, todos estamos interconecta-
dos. Con sólo profundizar en los signos y representaciones
simbólicas de formaciones sociales alejadas geográficamente
entre sí encontramos más elementos que nos identifican que
diferencias absolutas que nos separan. Somos emocionalmente
semejantes. Nuestro sentido de lo bueno y lo malo es muy
similar cuando se trata de articularse para llevar a cabo una
acción. El problema no es cómo hacer más igual a la gente; el
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 251
problema es cómo evitar que la gente (que comparte tantas
emociones y contradicciones) se vuelva tan diferente17, que
acabe siendo desigual. Ser humano es “ser cultural”. Y “ser
cultural” es asumir que reaccionamos simbólicamente de un
modo diferente en función de los entornos de relaciones en
los que vivimos. La diferencia cultural es el hecho que, para-
dójicamente, nos une a todos bajo la categoría de “animal cul-
tural”. Pero en este terreno, como en muchos otros, las cosas
no son tan fáciles de asimilar y, por supuesto, de llevar a la
práctica. La historia nos demuestra que no podemos hablar
de una familia humana bien ordenada y solidaria. Hay con-
flictos, a veces conducentes a tremendas catástrofes humani-
tarias. Hay incomprensiones de las que, en la mayoría de las
ocasiones, ni siquiera sabemos los orígenes. Hay disputas acer-
ca de ritos, de formas de diseñar la figura de la cruz en el
pecho del creyente a la hora de la oración o por los colores
que se distribuyen en un trozo de tela que se reconoce con-
vencionalmente como una bandera. Nadie puede negar estos
hechos, a pesar de su insignificancia para una relación hu-
mana fructífera y enriquecedora para todas y para todos.
Sin embargo, la pregunta que nos queremos formular
en este libro es la siguiente ¿son las estructuras culturales
plurales y diferenciadas las que – por poner un ejemplo his-
tórico que analizaremos más adelante, encontraron Pizarro y
sus secuaces en lo que denominaron equivocadamente Perú –
las que condujeron al intento de exterminio del imperio inca?
¿o lo que ya estaba empujando a los “conquistadores” no fue-
ron más bien los factores incipientes de un modo de produc-
ción basado en el capital, que ya apuntaba sus dos caracterís-
ticas básicas: la continua expansión de sus límites y el afán

17
Bauman, Z., La cultura como praxis, Paidós, Barcelona, 2002; del mismo au-
tor, “On Communitarians and Human Freedom, or how to square the circle”,
Theory, Culture and Society, 13 (2), pp. 79-90, y Globalization: the human
consequences, Polity Press, Cambridge, 2000.
252 FLORES, Joaquín Herrera • Cultura y Derechos Humanos

irrestricto y amoral de acumulación de lo que poco a poco se


iba convirtiendo en el equivalente universal de toda tran-
sacción y de toda relación social: el dinero basado en la canti-
dad de oro disponible? ¿El problema era la Biblia o la acumula-
ción? ¿Cuáles fueron las razones culturales del exterminio de
los antiguos pobladores del famoso Oeste norteamericano?,
¿Y la de la saña de las tropas inglesas por eliminar y erradicar
de nuestro universo a todo un pueblo como el Tasmano? ¿Eran
discrepancias culturales o razones de dominio estructural a
la hora de imponer un nuevo modo de producción y de rela-
ciones sociales?
Nuestro objetivo es trazar un esquema que nos permita
tratar con las dificultades de traducción entre procesos cultu-
rales diferentes, alejándonos lo más que podamos de las cíni-
cas propuestas de Samuel Huntington y sus clash cultures.
Una cosa debe quedar clara desde el principio, reconducir las
causas de los problemas entre pueblos a cuestiones cultura-
les tiene un claro tufillo a ideología oscurantista. Tales inten-
tos conducen más a ocultar las causas reales de los conflictos
– enmascarándolas, en el caso de Huntington, tras las dife-
rentes interpretaciones de tres grandes religiones, como son
la cristiana, la islámica y la confuciana –, que a la búsqueda
de caminos de transacción y de empoderamiento que permi-
tan un real diálogo entre iguales.
Pretendemos, mejor que eso, construir las claves de tra-
ducción cultural insertando los conflictos en los contextos en
que necesariamente se dan. Tarea básica será, pues, crear las
condiciones para potenciar la voluntad de encuentro y la exi-
gencia de construcción de zonas de contacto entre los indivi-
duos y grupos de procesos culturales diferentes. Todos los
procesos culturales están situados en contextos precisos de
relaciones18. Pero esa constatación cultural no basta. Es preci-

18
De ahí la importancia de la concepción espacial/material de lo cultural que
sustituya a las formulaciones formales/ideales de lo humano. Debemos ser
conscientes que ser animales culturales, es decir, que ser “seres humanos” es
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 253
so trabajar para que en todos esos procesos culturales existan
las condiciones económicas, políticas, sociales, económicas
y, por supuesto, culturales, para poder enfrentarnos con éxito
a los obstáculos – no enteramente culturales – que vienen
impidiéndonos dialogar desde y para nuestras diferencias.

3. Los puentes culturales construyen las orillas

3.1. la “voluntad de encuentro intercultural”


Por todo ello, para hablar culturalmente del espacio, hay
que cambiar el foco de nuestra atención. El concepto cultural
de espacio – es decir, del lugar de encuentro que tenemos que
construir para enfrentar las fuentes reales de nuestras incom-
prensiones-, no es algo que haga referencia sólo a objetos
materiales o a límites geográficos, aunque, como es obvio, estos
elementos estén presentes en la mayoría de las caracterizaci-
ones del mismo. En realidad, estamos hablando del marco en
el que se manifiestan nuestras acciones y reacciones cultura-
les en relación continua con otras acciones y reacciones cul-
turales diferentes a las nuestras. Es decir, hablamos del mar-
co, de la estructura, por supuesto, abierta y dinámica de sig-
nos – representaciones simbólicas – que nos orientan a la hora
de explicar, interpretar e intervenir en nuestras respectivas
realidades. Signos que nunca se producen en el interior, o
desde el centro, de un único proceso o centro cultural, sino
que siempre tienen algo que ver con lo que venga de fuera de
nuestras coordenadas culturales.

el resultado del proceso de reacción cultural/simbólica frente al conjunto de


relaciones/posiciones en los que estamos insertos. No se trata únicamente de
saber si hay o no hay sitio para el ser humano en el mundo; sino de lo que se
trata es de saber qué relaciones de vecindad, qué tipo de almacenamiento, de
circulación, de localización, de clasificación de los elementos humanos se
deben rechazar y cuáles se deben mantener o construir preferentemente en
tal o cual situación para alcanzar tal o cual fin.
254 FLORES, Joaquín Herrera • Cultura y Derechos Humanos

Así tenemos que, ante una determinada forma de pro-


ducir riqueza (y pobreza), de organizarse de un modo funcio-
nal o antagonista frente a la inserción en los procesos de divi-
sión social, sexual y étnica del hacer humano, todos, absolu-
tamente todos reaccionamos culturalmente. O, con otras pa-
labras, construimos “signos” que nos pueden permitir – si es
que tenemos voluntad para ello – la construcción de espacios
culturales, en los cuales lo fundamental reside en su apertura
o en su cierre con respecto a otros contextos (otras formas de
producir la riqueza, el antagonismo o la explotación). Pode-
mos decir, pues, que los espacios culturales no son otra cosa
que el objetivo al que tienden todos los procesos “culturales”
en los que primen la categoría de apertura y de interconexión.
En otro libro19 hemos usado la imagen del puente para
ir viendo como se construyen interactivamente los procesos
culturales (en oposición a los procesos ideológicos, presidi-
dos por la categoría de cierre). Un “puente” no sólo conecta
dos lugares separados por un río o por una depresión del ter-
reno. El “puente” es una imagen de una enorme potencia cul-
tural, pues cuando lo construimos – simbólicamente – esta-
mos creando las mismas orillas que dicho puente une. Expli-
quemos esto con un poco más de detenimiento.
Antes del puente había márgenes, límites; después del
puente hay orillas, es decir, hay márgenes y límites que no son
sólo márgenes y límites naturales sino construcciones cultura-
les. Al poner en relación las dos orillas, el puente nos muestra
que frente a nuestra particular forma de relacionarnos con los
otros, con nosotros mismos y con la naturaleza, existen otras
formas culturales de percibir a los seres humanos, de percibir-
se a sí mismos y de percibir e interactuar con la naturaleza. La
categoría cultural – no meramente de ingeniería de caminos –
de “puente” nos va a permitir pasar de un lado a otro con nues-

19
HERRERA FLORES, J., El Proceso Cultural. Materiales para la creatividad hu-
mana, Aconcagua Libros, Sevilla, 2005, pp.29 y ss.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 255
tros propios parámetros, reconociendo de antemano que va-
mos a encontrarnos con seres humanos que también portarán
parámetros culturales quizá diferentes a los nuestros, pero tan
culturales como los que nosotros hemos ido construyendo a lo
largo de los siglos20. Reconocer esto, que pareciendo tan simple
es, al mismo tiempo, tan complejo y difícil, es la base necesaria
para establecer relaciones pacíficas con los diferentes.
Pero ahora debemos añadir algo más. Un puente sirve –
lo que es ya mucho – para construir las orillas y pasar de un
proceso cultural a otro. En este momento, debemos dar un
paso más y centrar la atención en el fin, en el telos u objetivo,
de ese paso. O bien pasamos el puente para invadir al otro y
reducir a cenizas sus representaciones culturales (además de
todo lo que se interponga en el camino del imperialismo co-
lonial); o bien, cruzamos el puente para comparar, discutir y,
en el mejor de los casos, para compartir nuestras diferencias,
para mezclarlas y para construir algo nuevo.
El fiel de la balanza es lo que en otra ocasión llamába-
mos el “circuito de reacción cultural”. Veamos en el cuadro
siguiente los diferentes tipos de acercamiento a lo cultural en
función de las categorías de apertura o de cierre del mismo.

20
Tesis que desarrolla la obra de Frank Baer, El Puente de Alcántara, Edhasa,
Barcelona, 13ª reimpresión, 1997; obra que muestra cómo durante un breve
lapso de tiempo judíos, árabes y cristianos tuvieron la posibilidad de “cru-
zar” el puente que pudo haberlos unido en el camino de la historia, pero
que el ansia de riquezas y de poder acabaron por destruir. Véanse, por ejem-
plo, las palabras del judío Ibn Eli que, alertado por el peligro de la ortodo-
xia, dice de sus propios correligionarios: “Lo triste es que cierta gente se
haya hecho de la noche a la mañana con la voz cantante. No sólo en la corte,
sino también en el bazar. Y no estoy hablando de los ortodoxos fanáticos,
que ya los conocemos. Hablo de los pequeños comerciantes y artesanos, que
han empezado a mostrar un nauseabundo fervor religioso desde que los
negocios no marchan tan bien. Hablan de defender la verdadera fe, y en
realidad lo único que pretenden es acabar de raíz con la competencia. No
tengo miedo de la gente que quizá podría criticarme por haber mantenido
buenas relaciones con un “hadjib” caído en desgracia. A los que temo es a
esos fanáticos que salen arrastrándose de sus agujeros para quemar primero
libros, y después hombres” (p. 554 de la edición citada)
256 FLORES, Joaquín Herrera • Cultura y Derechos Humanos

Procesos culturales emancipadores Procesos culturales reguladores

Apertura de los circuitos de reac- Cierre de los circuitos de reacción


ción cultural: procesos culturales cultural: procesos culturales en los
en los que todos los actores soci- que se impide a algunos o a todos
ales pueden reaccionar creando los actores sociales la creación de
producciones culturales en funci- producciones culturales, bloquean-
ón de los entornos de relaciones en do la posibilidad de intervenir en
que están situados (procesos cul- los entornos de relaciones en que
turales “propiamente dichos”). Por están situados (procesos ideológi-
ejemplo, las luchas feministas con- cos). Ver, como ejemplo, el patri-
tra el patriarcalismo. arcalismo como sistema de valo-
res que impide a las mujeres su
pleno carácter de grupo social di-
ferenciado que lucha por construir
sus “caminos de dignidad”.

Apertura a otros procesos cultura- Cierre a otros procesos culturales:


les: procesos culturales abiertos a la procesos culturales cerrados a la
interacción con otros procesos cul- interacción con otros procesos cul-
turales; procurando la creación de turales en régimen de igualdad
espacios de encuentro basados en económica y negando la igual ca-
la igualdad de acceso a bienes y en pacidad para hacer valer sus pro-
la igual capacidad para hacer va- pias convicciones (procesos colo-
ler sus convicciones (procesos inter- niales)
culturales)

Apertura al cambio social: proce- Cierre al cambio social: procesos


sos en los que los actores sociales en los que los actores sociales no
pueden construir “contenidos de la pueden construir “contenidos de la
acción social” que vayan transfor- acción social” alternativos a los do-
mando las “metodologías de la ac- minantes ni, por consiguiente, al-
ción social” hegemónica (procesos terar la “metodología de la acción
democráticos radicales: comple- social” hegemónica (procesos to-
mentariedad entre los aspectos for- talitarios o procesos democráticos
males y participativos de la demo- reducidos a sus aspectos formales)
cracia)

Según esta categoría definidora de todo proceso cultural,


los productos culturales no son más que reacciones ante los
entornos de relaciones sociales, psíquicas y medioambientales
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 257
que construimos y en los que vivimos. Si cruzamos el puente
para impedir – cierre del circuito de reacción cultural – a los
habitantes de la otra “orilla” que puedan reaccionar ante las
nuevas situaciones que se les vienen encima cuando noso-
tros cruzamos el puente, estaremos construyendo no un es-
pacio cultural sino un “espacio colonial” bajo el que, como
veremos con mucha más atención más adelante, el coloniza-
do deja incluso de ser considerado como un ser humano que
actúa tan culturalmente como nosotros, para pasar a ser con-
cebido como un engranaje más de la maquinaria extractora
de recursos que después engullirá el insaciable monstruo de
mil cabezas que se llama “La Metrópolis”.
Ahora bien, si cruzamos el puente para potenciar – aper-
tura del circuito – las condiciones para que todas y todos po-
damos ejercer esa capacidad propiamente humana de reacci-
onar creativamente frente al entorno en el que se vive, estare-
mos construyendo el camino para que entre los que habita-
mos por lo menos dos procesos culturales podamos iniciar la
edificación del espacio de traducción y de interacción nece-
sario para el diálogo y la comprensión mutuas. Es decir, no
bastan las buenas intenciones de “recibir” o de “acudir” al
otro. Es necesario añadir una voluntad “anti-patriarcal”, “in-
tercultural” y político/democrática de creación de condicio-
nes sociales, institucionales y económicas que permitan a los
“otros” y a las “otras” adquirir suficiente fuerza para disentir,
resistir y proponer alternativas en un plano de igualdad y de
horizontalidad.
Ahora bien, estos espacios no van a darse por sí solos.
Es preciso que realmente queramos y despleguemos una “vo-
luntad” de apertura de los circuitos de reacción cultural para
todas las formas de explicar, interpretar e intervenir en el
mundo que conviven, conflictiva o pacíficamente, junto y con
las nuestras. Sólo así se podrán ir construyendo las necesari-
as zonas de contacto – de espacios culturales o zonas de me-
diación – que sirvan para materializar el resultado del encu-
258 FLORES, Joaquín Herrera • Cultura y Derechos Humanos

entro entre las orillas, es decir, entre las diferentes y plurales


formas de reaccionar culturalmente frente a la realidad.
Por tanto, cuando hablamos de “espacios culturales” no
lo estamos haciendo ni de “contextos” (los cuales, están nece-
sariamente en su base), ni de “procesos culturales” (ya que
estos se manifiestan en dichos espacios). Hablamos, enton-
ces, de lugares de encuentro con los otros. Estos vendrán – o
no – a dialogar y a construir zonas de contacto con nosotros, y
nosotros iremos – o no – a construirlas con ellos, no en función
de alguna esfera ideal o trascendente de valores que nos em-
puje a dejarnos interpelar por los otros – o a negarles su pro-
pia naturaleza de animales culturales –, sino por el desplie-
gue positivo o el cierre dogmático a la necesaria voluntad que
permita a los seres humanos que comparten procesos cultu-
rales diferentes traducirse y encontrarse.

3.2. Una breve aproximación a una teoría crítica


de los Derechos Humanos
Traducirse y encontrarse. Términos que tienen que ver
mucho con una concepción contextualizada y crítica de los
derechos humanos, entendidos como los productos cultura-
les que la modernidad occidental ha propuesto como camino
– o como obstáculo – propio de lucha para la construcción de
la dignidad.
Los derechos humanos, pues, deben ser vistos como la
convención terminológica y político-jurídica a partir de la cual
se materializa esa voluntad de encuentro que nos induce a
construir tramas de relaciones – sociales, políticas, económi-
cas y culturales – que aumenten las potencialidades huma-
nas. Por eso debemos resistirnos al esencialismo de la “con-
vención” – la narración, el horizonte normativo, la “Ideología
Mundo” – que ha instituido el discurso occidental sobre tales
“derechos”. Si, convencionalmente se les ha asignado el cali-
ficativo de “humanos” para universalizar una idea de huma-
nidad (la liberal-individualista) y el sustantivo de “derechos”
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 259
para presentarlos como algo conseguido de una vez por to-
das, nosotros nos situamos en otra narración, en otro nomos,
en otra grundnorm, en un discurso normativo de “alteridad”,
de “alternativa”, y de “alteración”, es decir, de resistencia a
los esencialismos y formalismos liberal-occidentales que, hoy
en día, son completamente funcionales a los desarrollos ge-
nocidas e injustos de la globalización neoliberal.
Por estas razones filosóficas, que no por tales dejan de
asumir un contenido político fuerte, vamos a definir los dere-
chos humanos (como productos culturales antagónicos a la
Ideología-Mundo que ha sustentado el modelo de relación
capitalista propio de la modernidad occidental) en tres mo-
mentos: el cultural, el político y el social, cada uno de los
cuales conllevará su propia especificación axiológica: la li-
bertad, la fraternidad y la igualdad. Veamos cada uno de estos
momentos.
En primer lugar, y de modo abreviado, los derechos
humanos, como productos culturales, supondrían la institu-
ción o puesta en marcha de procesos de lucha por la dignidad
humana. De esta definición abreviada entresacamos la “espe-
cificación cultural/histórica de los derechos”: éstos no son algo
dado, ni están garantizados por algún “bien moral”, alguna
“esfera trascendental” o por algún “fundamento originario o
teleológico”. Son productos culturales que instituyen o crean
las condiciones necesarias para implementar un sentido polí-
tico fuerte de libertad (opuesto a la condición restrictiva de la
libertad como autonomía: mi libertad termina cuando comi-
enza la tuya). Desde este punto de vista, mi libertad (de reac-
ción cultural) comienza donde comienza la libertad de los
demás; por lo que no tengo otro remedio que comprometerme
y responsabilizarme – como ser humano que exige la cons-
trucción de espacios de relación con los otros –, con la creaci-
ón de condiciones que permitan a todas y a todos “poner en
marcha” continua y renovadamente “caminos propios de dig-
nidad”.
260 FLORES, Joaquín Herrera • Cultura y Derechos Humanos

En un sentido más amplio, continuamos definiendo los


derechos humanos, ahora desde un plano político, como los
resultados de los procesos de lucha antagonista que se han
dado contra la expansión material y la generalización ideoló-
gica del sistema de relaciones impuesto por los procesos de
acumulación del capital. Es decir, estaríamos “especifican-
do” políticamente los derechos no como entidades naturales
o “derechos infinitos”, sino como reacciones antagonistas fren-
te a un determinado conjunto de relaciones sociales surgidos
en un contexto preciso temporal y espacial: la modernidad
occidental capitalista. En este sentido político, estaríamos
concretando la definición bajo el concepto social y colectivo
de “fraternidad”, es decir, la actualización de las reivindicacio-
nes del ala democrático-plebeya de la Revolución francesa
auspiciada por los jacobinos y llevada a su culminación por
Babeuf y sus “iguales”. Bajo nuestro politizado concepto de
fraternidad no se esconden propuestas de tolerancia abstrac-
tas, sino impulsos concretos de “solidaridad” y de “emanci-
pación” que permitan la elevación de todas las clases domés-
ticas o civilmente subalternas a la condición de sujetos ple-
namente libres e iguales. Lo que implicaba – y sigue hacién-
dolo – el allanamiento de todas las barreras de clase deriva-
das de los procesos de división social, sexual, étnica y territo-
rial del hacer humano21.
Y, en un sentido marcadamente social, los derechos
humanos son el resultado de luchas sociales y colectivas que
tienden a la construcción de espacios sociales, económicos,
políticos y jurídicos que permitan el empoderamiento de to-
das y todos para poder luchar plural y diferenciadamente por
una vida digna de ser vivida. En otros términos, especifica-
mos los derechos desde una perspectiva “pragmática” y de
fuerte contenido social. Con ello, pretendemos complemen-

21
Ver DOMÉNECH, A., El eclipse de la fraternidad. Una visión republicana de
la tradición socialista. Crítica, Barcelona, 2004 pp. 84 y ss.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 261
tar y ampliar el concepto de igualdad formal a los aspectos
materiales y concretos que permitan la puesta en práctica de
la libertad positiva y de la fraternidad emancipadora que
subyace bajo el concepto de igualdad material. Los derechos
no van a funcionar por sí mismos, ni van a ser implementa-
dos únicamente desde el, por otro lado necesario, trabajo ju-
rídico. Hay que hacerlos funcionar creando las condiciones
económicas y sociales necesarias para ello. En definitiva, ha-
blamos de la “igualdad” de todas y de todos, o, más específi-
camente, del conjunto de condiciones sociales, económicas y
culturales que nos permitan poder poner en práctica la liber-
tad positiva y la fraternidad emancipadora.22
En definitiva, cuando hablamos de derechos humanos
como productos culturales antagónicos a las relaciones capi-
talistas, lo hacemos del “resultado histórico del conjunto de
procesos antagonistas al capital que abren o consolidan espa-
cios de lucha por la dignidad humana”. En primer lugar, pues,
destaca la frase “resultado del conjunto de procesos antago-
nistas”, con la que queremos reforzar el carácter histórico/
dinámico de los procesos sociales y jurídicos que permiten
abrir y, a su vez, garantizar lo que resulte de las luchas sociales
por la dignidad. En segundo lugar, hablamos de “espacios de
lucha”, es decir, de la construcción de las condiciones nece-
sarias para llevar adelante propuestas alternativas al orden
existente y a la Ideología-Mundo de carácter básicamente abs-
tracto y descontextualizado. Y, en tercer lugar, nos referimos
a la “dignidad humana”. Con ello no nos estamos refiriendo a
una concepción de la dignidad que imponga unos determina-
dos “contenidos” a cualquier forma de vida que luche cotidi-

22
Joaquín Herrera Flores “Hacia una visión compleja de los derechos humanos”
en Joaquín Herrera Flores (ed.), El Vuelo de Anteo. Derechos Humanos y Críti-
ca de la Razón Liberal, Desclée de Brouwer, Bilbao, 2001. Ver también, HER-
RERA FLORES, J., De ‘Habitaciones propias’ y otros espacios negados. Una
teoría crítica de las opresiones patriarcales, Instituto de Derechos Humanos,
Universidad de Deusto, Bilbao, 2005.
262 FLORES, Joaquín Herrera • Cultura y Derechos Humanos

anamente por sus expectativas y sus necesidades. Hablamos


de la idea de “dignidad humana” que se deduce de las tradici-
ones críticas y antagonistas que han sido marginadas u ocul-
tadas por la generalización de la Ideología-Mundo que aquí
cuestionamos.
De este modo, queremos afirmar lo que desde esta tra-
dición occidental antagonista aportamos a las luchas de la
humanidad contra las injusticias y las opresiones. Y lo hace-
mos acudiendo al sufijo latino tudine, que viene a significar
“lo que hace algo”. Por ejemplo, multitud: lo que hace mu-
chos, lo que nos une a otros. Así, desde nuestras luchas anta-
gonistas, proponemos una idea de dignidad basada en dos
conceptos que comparten tal sufijo latino. La actitud o conse-
cución de disposiciones para hacer. Y la aptitud o adquisici-
ón del suficiente poder y capacidad para realizar lo que esta-
mos dispuestos previamente a hacer. Si los derechos huma-
nos como productos culturales occidentales facilitan y gene-
ralizan a todas y a todos “actitudes” y “aptitudes” para poder
hacer, estamos ante la posibilidad de crear “caminos de dig-
nidad” que puedan ser transitados, no sólo por nosotros, sino
por todos aquellos que no se conformen con los órdenes he-
gemónicos y quieran enfrentarse a las “falacias ideológicas”
que bloquean nuestra capacidad cultural de proponer alter-
nativas. Creemos que esta es la única vía para poner en prác-
tica ese pensamiento sintomático y de relación que proponía-
mos en la Introducción de este libro. Irrumpamos, pues, en lo
real construyendo el mayor abanico de relaciones y redes que
podamos establecer. Sólo desde ahí podremos pronunciar el
nombre de los “derechos humanos” sin caer en la impotencia
que subyace a la generalización de una Ideología-Mundo” que,
a pesar de sus proclamas universalistas, lo único que univer-
saliza es su incumplimiento universal.
Esta definición de derechos humanos con sus tres espe-
cificaciones nos recuerdan los cuatro deberes básicos que
deben informar todo compromiso con la idea de dignidad
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 263
humana que no tenga intenciones colonialistas ni universa-
listas y que tengan puesta la vista siempre en la necesidad de
apertura de los circuitos de reacción cultural. Compromisos
y deberes, pues, que deben constituir la plataforma desde la
que desplegar la voluntad de encuentro necesaria para la cons-
trucción de zonas de contacto emancipadoras, es decir, de
zonas en las que los que se encuentren en ellas ocupen posi-
ciones de igualdad en el acceso a los bienes necesarios para
una vida digna.
En primer lugar, el “reconocimiento” de que todos debe-
mos tener la posibilidad de reaccionar culturalmente frente
al entorno de relaciones en el que vivimos. En segundo lugar,
el respeto como forma de concebir el reconocimiento como
condición necesaria, pero no suficiente a la hora de la cons-
trucción de la zona de contacto emancipadora; a través del
respeto aprendemos a distinguir quién tiene la posición de
privilegio y quién la de subordinación en el hipotético encu-
entro entre culturas. En tercer lugar, la reciprocidad, como
base para saber devolver lo que hemos tomado de los otros
para construir nuestros privilegios, sea de los otros seres hu-
manos, sea de la misma naturaleza de la que dependemos para
la reproducción primaria de la vida. Y, en cuarto lugar, la redis-
tribución, es decir, el establecimiento de reglas jurídicas, fór-
mulas institucionales y acciones políticas y económicas con-
cretas que posibiliten a todos, no sólo satisfacer las necesida-
des vitales “primarias” – elemento, por lo demás, básico e irre-
nunciable –, sino, además, la reproducción secundaria de la
vida, es decir, la construcción de una “dignidad humana” no
sometida a los procesos depredadores del sistema impuesto
por el capital, en el que unos tienen en sus manos todo el con-
trol de los recursos necesarios para dignificar sus vidas y otros
no tienen más que aquello que Pandora no dejó escapar de en-
tre sus manos: la esperanza en un mundo mejor.
Sólo de este modo podremos construir una nueva cul-
tura de derechos humanos que tienda a la apertura y no al
264 FLORES, Joaquín Herrera • Cultura y Derechos Humanos

cierre de la acción social. En primer lugar, una apertura epis-


temológica: todas y todos, al compartir las características bá-
sicas de todo “animal cultural”, es decir, la capacidad de re-
accionar “culturalmente” frente al entorno de relaciones en el
que se vive, tendrán la posibilidad de actuar, desde sus propias
producciones culturales, a favor de procesos de división soci-
al, sexual, étnica y territorial del hacer humanos más iguali-
tarios y justos. En segundo lugar, una apertura intercultural:
no hay una sola vía cultural para alcanzar tales objetivos. En
nuestro mundo coexisten muchas formas de lucha por la dig-
nidad. Si existe algún universal es éste: todas y todos lucha-
mos por una vida más digna de ser vivida. Sólo tenemos que
estar atentos a las mismas y construir los puentes necesarios
para que todos puedan “hacer valer” sus propuestas. Y, en
tercer lugar, una apertura política: todo esto no va a venir por
sí solo, ni va a derivarse del cumplimiento de reglas procedi-
mentales ideales o trascendentales a la praxis política del ser
humano. Es preciso, pues crear las condiciones instituciona-
les que profundicen y radicalicen el concepto de democracia,
complementando los necesarios procedimientos de garantía
formal con sistemas de garantías sociales, económicas y cul-
turales en los que la voz y el voto se lleve a la práctica a través
de la mayor cantidad posible de participación y decisión po-
pulares.
Para nosotros, este es el único camino para una nueva
cultura de los derechos que actualice el principio de esperan-
za que subyace a toda acción humana consciente del mundo
en que vive y de la posición que ocupa en él.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 265

10 – LOS PUEBLOS INDÍGENAS


ANTE LA CONSTRUCCIÓN DE
LOS PROCESOS MULTICULTURALES.
INSERCIONES EN LOS BOSQUES
DE LA BIODIVERSIDAD
Asier Martínez de Bringas

INTRODUCCIÓN
Este capítulo pretende desarrollar una reflexión sobre
cómo pensar la globalización desde la perspectiva de los pu-
eblos indígenas. Plantearse esta cuestión supone interrogarse
sobre el reto que supone la propuesta indígena – sus reclamos
cosmovisionales e identitarios articulados por medio de de-
rechos – para la construcción de los procesos multiculturales
en la globalización. La globalización, las sociedades y proce-
sos multiculturales son realidades inescindibles e insepara-
bles. El pluriculturalismo constituye el primer elemento para
construir un pensamiento global que pueda dar respuestas a
las demandas emergentes, entre las que irrumpen, de manera
privilegiada y urgente, las reivindicaciones indígenas. Por ello,
una teoría del multiculturalismo comprometida con los pue-
blos indígenas será aquella que sitúe la vida humana como
valor central para la articulación de propuestas éticas, políti-
cas y normativas; para el análisis contrastado de las implica-
ciones y repercusiones que esta afirmación radical produce
en otras dinámicas culturales, dominantes o no, y las media-
ciones que se establecen para articular todos estos movimi-
entos. El multiculturalismo, entendido en este sentido, no se
266 BRINGAS, Asier Martínez de • Los Pueblos Indígenas ante la Construcción de los Procesos...

ocupará de las diferencias y las identidades en sí mismas,


sino de las especificidades identitarias que se encuentran
ubicadas en el corazón de una estructura cultural como la de
los pueblos indígenas, sostenidas desde diferentes anclajes
cosmovisionales. Es decir, exponer cómo una identidad neta-
mente colectiva como la de los pueblos indígenas se entiende
culturalmente a sí misma y al mundo (cosmovisiones), y, a
partir de esta comprensión fundada, cómo organizan y estruc-
turan políticamente sus vidas colectivas e individuales.
Para acercarnos a estas maneras de comprender las di-
námicas multiculturales en la globalización y, de manera es-
pecífica, a la de los pueblos indígenas, será necesario estable-
cer una serie de matizaciones en la manera occidental-liberal
de entender lo cultural y sus conflictos, ya que la problemati-
cidad, la violencia y el conflicto han sido componentes fun-
damentales para poder entender cómo se han expresado y
desarrollado las identidades indígenas en términos globales.
Conflicto y violencia son, por tanto, condición de posibilidad
para entender la manera con la que se han construido estas
identidades y cosmovisiones, tanto desde una perspectiva
interna como externa. Para abordar estas cuestiones procede-
remos a través de la introducción de una serie de matizacio-
nes y criterios que nos den un panorama general de cómo
afrontar los procesos multiculturales, a partir de la rica apor-
tación de la experiencia indígena.
Una primera matización es aquella que establece que
“lo cultural” funciona como brújula y mapa necesario para
guiar y pautar la acción social. Se trata de otorgar una especi-
ficidad constitutiva a las dinámicas y procesos culturales in-
dígenas, con valor intrínseco en sí mismo, más allá de ciertas
lecturas de la realidad que sacralizan la importancia de lo
económico sin puentes ni complicidades con las culturas; o
de aquellas interpretaciones que totalizan la política, sin en-
tender que ésta siempre bebe de dinámicas culturales con-
cretas y de exigencias económicas bien delimitadas. Compren-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 267
der el orden cosmovisional y cultural indígena como “proce-
sos” con autonomía propia es importante para entender la
manera en que las lógicas económicas y políticas se expresan
y diseñan hoy en la globalización. Esta cuestión, trasladada a
los derechos humanos, supone tener en cuenta que todas las
culturas tienen concepciones propias sobre cómo entender la
“dignidad humana”; los conflictos para la construcción de un
pacto intercultural comienzan cuando estas concepciones son
diferentes y no se expresan como derechos humanos, según
el formato construido y exigido por Occidente. Por ello, será
necesario estar atento a aquellas consideraciones de la digni-
dad humana que en cada cultura están más abiertas a la inter-
penetración y diálogo con otras culturas, puesto que en ellas
existen creativas referencias para la consolidación de otra
cultura de los derechos humanos1. Una segunda matización
es aquella que establece que lo cultural surge del encuentro
entre procesos culturales. En este sentido, el contrato social
que se ha venido fraguando en América Latina es fruto del
despojo violento y la sistemática negación y represión de la
autonomía cultural indígena. Esta segunda matización nos
aclara que la construcción de un proceso cultural, en los tér-
minos aludidos, está todavía por hacerse en América Latina.
El proceso multicultural en América Latina se ha desarrolla-
do como un ejercicio de sistemática agresión sobre las cos-
movisiones indígenas; éstas, por tanto, son el resultado de la
violencia ejercida e interiorizada en distintos niveles y órde-
nes en los que ha sido procesada (en el nivel físico, como
masacre y genocidio; en el nivel psicológico, como memoria
indígena arrasada y anulada; en el nivel moral, como no reco-
nocimiento de la dignidad y subjetividad indígenas; en el ni-

1
Un ejemplo clarísimo sería los términos con los que se expresa el Proyecto de
Declaración de Naciones Unidas sobre los derechos de las Poblaciones indíge-
nas. Resolución 1994/45 de la Subcomisión de Prevención de Discriminacio-
nes y protección de las minorías (28.10.1994).
268 BRINGAS, Asier Martínez de • Los Pueblos Indígenas ante la Construcción de los Procesos...

vel cognitivo y cultural, como epistemicidio, etc.). Por tanto,


el orden de respuestas que se diseñen y asumen para poder
permitir la producción, reproducción y desarrollo de las cos-
movisiones indígenas, tanto en un nivel reparador como pro-
positivo, deberán tener en cuenta la profundidad de las heri-
das causadas por la Colonialidad del Poder sobre las culturas
indígenas, así como las inhabilitaciones que tales traumas han
causado y causan para poder construir un proceso multicul-
tural sostenible. Es importante tener en cuenta, como condi-
ción para establecer un diálogo intercultural realista con los
pueblos indígenas, que el pacto que se pretende construir se
va a desarrollar entre dos bloques culturales – indígena y no-
indígena –, en la que uno ha sido el perpetrador de la violen-
cia (cultural, directa y estructural) y el otro quien la ha sufri-
do y se ha construido a través de la sistemática violación de
sus derechos. Una tercera matización tiene que ver con el
hecho de erradicar cualquier comprensión de lo cultural como
algo completo, cerrado, a-problemático. Con ello se trata de
evitar dos deformaciones: por un lado, la peligrosa tendencia
del mundo occidental a presentar sus modos y formas parti-
culares de vivir como universales, es decir, exponer lo propio
como una receta que necesariamente tendrá que ser asimila-
da y asumida por otras diferencias culturales, específicamen-
te la indígena. Piénsese en la importancia de este último pos-
tulado cuando se habla de derechos humanos por parte del
multiculturalismo liberal occidental, obviando, en su defini-
ción y contenido, cuestiones como la dimensión colectiva de
los derechos; las referencias a otros Pueblos que no se expre-
san bajo el formato de Estados; la consideración de un con-
cepto privado y patrimonialista de la tierra, en la que los ter-
ritorios no tienen cabida; o una comprensión restrictiva de la
autodeterminación, entendida como secesión frente a los
marcos y referencias de un Estado-Nación impuesto, olvidando
cualquier consideración o expresión de la autodeterminación
como autonomía o autogobierno de los recursos y patrimoni-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 269
os indígenas en un marco espacial más global, dilatado y com-
plejo que el que establece el Estado. Sin embargo, esta mati-
zación también servirá para corregir las propuestas indígenas
que se presenten como postulados esenciales y autóctonos,
donde el marco de referencia y de sentido para la construcción
y articulación de tales categorías políticas viene dada por la
perversa relación amigo-enemigo, lo propio frente a lo ajeno,
lo indígena frente a lo no-indígena. Los excesos de Occidente
pueden reproducirse en las maneras y formas en que pueda
expresarse la identidad de ciertos pueblos indígenas; por ello,
es necesario estar atento a cómo se interiorizaron y asumie-
ron ciertos excesos occidentales por parte de los pueblos in-
dígenas, o cómo se han ido conformando ciertos programas
culturales (indígenas), teniendo en cuenta los problemas que
conlleva ubicarse constantemente en un régimen oposicional
frente a valores hegemónicos y dominantes. Es decir, entre
las dificultades que encuentran los pueblos indígenas para la
construcción intercultural de su propio proceso identitario
está la de superar el carácter subalterno al que han sido arro-
jados y con el que han sido construidos por el régimen colo-
nial, lo que les ha obligado, muchas veces, a mantener una
dimensión reactiva en la formulación de sus procesos identi-
tario-culturales; o a restringir la fertilidad creativa de sus cul-
turas para poder reaccionar frente a la violencia ejercida por
las culturas hegemónicas.
Asumidas estas matizaciones, querríamos llamar la aten-
ción sobre la importancia del hecho de enunciar los procesos
culturales2 indígenas como derechos. Es decir, la relevancia

2
En este sentido, preferimos utilizar el concepto de procesos culturales, más
que el de derecho a la cultura, debido al carácter holístico y dinámico que la
primera consideración encierra. La multiversidad indígena (ya sea por la di-
versidad y multiplicidad geográfica desde donde se enuncia, o por la com-
plejidad cultural que cada cosmovisión indígena encierra en sí misma) es de
difícil concreción bajo una categoría tan maleada y parcial como la de dere-
cho a la cultura, acuñada, una vez más, en los monoculturales laboratorios
de occidente.
270 BRINGAS, Asier Martínez de • Los Pueblos Indígenas ante la Construcción de los Procesos...

que tiene la dimensión cultural y cosmovisional de los pue-


blos indígenas para poder entender el contenido de sus dere-
chos. Para ello estructuraremos una serie de argumentos que
se van enredando de manera escalonada:
a) En primer lugar, los procesos culturales indígenas
funcionan como derecho fundante y condición de posibili-
dad para el ejercicio de otros derechos. Los procesos cultura-
les indígenas habilitan y dan forma a los derechos civiles y
políticos (como los derechos de participación política, auto-
nomía, consentimiento previo, libre e informado) y a los de-
rechos sociales asumidos e interpretados desde la perspecti-
va indígena. También son condición de posibilidad para en-
tender otros derechos colectivos netamente indígenas (tierra,
territorio, recursos naturales, patrimonio cultural y genético,
etc.). Todos estos derechos, individuales y colectivos, adqui-
eren coloración concreta y específica desde esa matriz de sen-
tido que denominamos procesos culturales indígenas. Los
contenidos sustantivos de los derechos de los pueblos indí-
genas derivan de una cosmovisión cultural concreta, es decir,
arraigan su fundamento en su constitución como Naciones.
Desde una noción abierta y creativa de Plurinacionalismo, es
posible arrancar una construcción específica de derechos para
los pueblos indígenas. Por tanto, los procesos culturales deter-
minan espacios comunitarios (individuales y colectivos desde
donde ejercer derechos) e instituyen sujetos colectivos.
b) Los procesos culturales indígenas adquieren sentido
y consistencia desde el orden cosmovisional en el que se ar-
raigan y desde el que se despliegan. Los pueblos indígenas,
impulsados desde sus propios ámbitos cosmovisionales, de-
sarrollan ordenamientos y sistemas jurídicos propios, con
carácter autónomo e independiente respecto a los sistemas
normativos estatales. Un derecho de la pluriculturalidad, ar-
raigado en la dimensión Plurinacional de los pueblos indíge-
nas, supone la reivindicación de un sentido autónomo y dis-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 271
tinto, cosmovisionalmente divergente de entender los proce-
sos y los sistemas normativos. Existe una diferencia cualitati-
va entre el sistema normativo estatal y el indígena fundada
en la diferencia originaria que se da entre pueblos indígenas
y Estados. La divergencia que se da entre una diferencia iden-
titaria y otra, es la que deben saber expresar los distintos sis-
temas normativos a través de mecanismos de interculturali-
dad que faciliten la mediación y la convivencia. El carácter
cosmovisionalmente diferente que poseen los pueblos indí-
genas se expresa también a través de la dimensión colectiva
de su identidad, de la naturaleza consuetudinaria de sus es-
tructuras societales y del arraigo en la oralidad de sus códigos
culturales. Ello tiene fuertes consecuencias normativas que
adquieren sentido desde el principio de la diferencia. Una ló-
gica cosmovisional como la indígena supone una considera-
ción distinta del tiempo y el espacio, es decir, de las escalas y
de los ritmos de vida. El tiempo y espacio indígena están in-
trínsecamente vinculados a cómo se entienden los procesos
culturales indígenas y sus cosmovisiones. No es posible im-
poner un carácter autónomo y objetivado del tiempo y el es-
pacio, como nos viene acostumbrando el capitalismo, para
apurar mejor las ventajas de un sistema orientado a la obten-
ción de réditos, en donde el tiempo y espacio no son más que
soportes instrumentales para la obtención de mayores benefi-
cios. Las cosmovisiones indígenas tienen una comprensión
de la temporalidad y de la especialidad integrada en sus pro-
pios procesos culturales, en su forma de concebir los territo-
rios y en la manera de tratar con los recursos naturales y la
biodiversidad, adquiriendo todas estas comprensiones senti-
do desde las matrices culturales que las soportan y recogen.
Las referencias al tiempo y al espacio están siempre cultural-
mente mediadas, matizadas desde estas configuraciones. De
esta manera, las diferencias cosmovisionales fundan y expre-
san órdenes plurales: así, en el nivel cultural se instaura el
pluriculturalismo que debe leerse tanto como puente entre
272 BRINGAS, Asier Martínez de • Los Pueblos Indígenas ante la Construcción de los Procesos...

las diferencias que operan de manera intercultural (indíge-


nas-no-indígenas), o como mediación entre los diferentes
pueblos indígenas; en el nivel ético, nos asomamos a la cate-
goría de pluriversidades, frente al carácter monolítico y cer-
rado con el que se expresa la universidad occidental; en el
nivel jurídico, nos aproximamos al pruralismo jurídico fun-
damentado sobre la existencia de sistemas normativos indí-
genas ajenos a la lógica normativa de los Estados.
c) Entender los procesos culturales como derecho(s)
constituye la base para el establecimiento de un diálogo in-
tercultural con otras dinámicas y procesos. Para proceder de
esta manera es necesario, sin embargo, establecer ciertas ma-
tizaciones que permitan conducir este diálogo. Se trata de
establecer conexiones interculturales entre los diferentes có-
digos e indicadores con los que las culturas han venido en-
tendiendo y comprendiendo los derechos humanos. Esto su-
pone lanzarse a la búsqueda de un nuevo sujeto de derechos
y nuevas lógicas de fundamentación para los mismos. La ir-
rupción de los pueblos indígenas como sujetos de derechos
quiebra el carácter estadocéntrico con el que el Derecho Inter-
nacional de los Derechos Humanos ha venido normando qui-
énes son sujetos colectivos. La irrupción del sujeto pueblos
indígenas también supone un reto a la lógica del Derecho
Constitucional inhabilitada hasta ahora para cobijar formas
jurídicas colectivas y soberanas más allá de la propia realidad
del Estado-Nación y del pueblo al que tal realidad construida
o imaginada remite. Son numerosas las ausencias de concor-
dancias entre los conceptos laboriosamente construidos por
el aparataje intelectual de Occidente a lo largo de la Moderni-
dad, y las categorías con las que afrontan la multiculturali-
dad los pueblos indígenas. Donde la realidad cultural occi-
dental ha hablado de Estados, los procesos culturales indíge-
nas remiten a pueblos. Allá donde Occidente ubica un con-
cepto tan etéreo e indeterminado como el de soberanía, los
pueblos indígenas proceden a su concreción material a través
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 273
de los territorios, ya que la soberanía implica tener un régi-
men de ocupación ancestral de los territorios sobre los que se
ejerce y se desarrollan las actividades productivas; a la vez
que considerar el espacio territorial como hábitat de supervi-
vencia y reproducción cultural, sede de sus instituciones y
autoridades de gobierno. Allí donde Occidente ha construido
la ciudadanía como una categoría mediadora entre la persona
y el Estado, como puente estratégico para poder actuar en la
esfera pública, los pueblos indígenas carecen de una referen-
cia paralela para entenderse en esa suerte de lógica de lo pú-
blico, que viene, en alguna medida, configurada como terri-
torios ancestrales y recursos naturales, pero sin las implicaci-
ones político-normativas que Occidente ha construido y ha
asignado. Nos encontramos ante la irrupción de espacios pú-
blicos no-estatales. La relación a tres bandas que Occidente
propone entre Estado-Nación-Ciudadanía, es una lógica au-
sente, inexistente para los pueblos indígenas. En la lógica
cosmovisional indígena no hay un Estado que defina quién
es ciudadano y quién no; ni una máquina territorial que esta-
blezca las formas de adscripción a un territorio a través de
una lógica imaginada que diseña fronteras rígidas y aritméti-
cas que delimitan que fuera de su ámbito de demarcación no
hay posibilidad para los juegos de soberanía. Tampoco hay
una Nación orientada a conectar el territorio estatal con la
ciudadanía, a partir de esa extraña virtud que es la lealtad
(nacional). Estas categorías y relaciones, fundantes en la lógi-
ca cultural de Occidente, son ropajes sin sentido para las cos-
movisiones indígenas. Tampoco existe una concordancia en
las matrices de sentido y en las causas finales a las que apun-
tan y aspiran estas diferentes lógicas culturales: la producti-
vidad a la que aspira la lógica del capitalismo tardío occiden-
tal, muta en necesaria sostenibilidad proyectada desde la im-
portancia de los territorios y recursos naturales como fustes
de la lógica cultural indígena; la individualidad posesiva y la
pasión por el consumo (sin pretensiones de mostralos como
274 BRINGAS, Asier Martínez de • Los Pueblos Indígenas ante la Construcción de los Procesos...

fallas o disvalores de Occidente) no tienen una corresponden-


cia adecuada en identidades cosmovisionales netamente co-
lectivas; la (post)-industrialidad occidental como rotor y diná-
mica cultural, tiene referencias naturales en la lógica indígena;
la pasión por la comercialización, como mecanismo de inter-
cambio, se expresa como subsistencia en la lógica indígena; la
racionalidad ilustrada, en espiritualidad no monacal; la lógica
incesante por la obtención de resultados en Occidente, en la
necesidad por hacer y entender las dinámicas y los procesos
de cada cultura, etc. Con ello se evidencia la fractura, la sima,
que se abre entre una lógica cultural y otras, entre una forma
de vida y las otras, manifestándose, a su vez, la dificultad para
la construcción de puentes interculturales que permitan la com-
prensión entre dos lógicas antagónicas – según algunas califi-
caciones –, o diferentes y yuxtapuestas – según otras.
Todo lo desarrollado nos permite pensar la idoneidad
de los derechos humanos, en su versión intercultural, para
avanzar hacia el necesario pacto cultural entre lógicas cos-
movisionales tan dispares. En este sentido, la apropiación in-
tercultural de los derechos humanos por parte de los pueblos
indígenas tendrá un carácter estratégico, lo que es evidente si
se tiene en cuenta que los derechos, en sí mismos, consti-
tuyen un producto cultural de Occidente, debido a su confor-
mación y manipulación histórica, con poca capacidad, hasta
el día de hoy, para adaptarse y ser sustantivamente flexible a
otras lógicas. La apropiación que los pueblos indígenas ha-
cen de esta conquista social occidental – los derechos huma-
nos – aporta, desde sus propias matrices culturales, elemen-
tos muy importantes para la sostenibilidad global de todos
los derechos en los procesos multiculturales, pero teniendo
siempre en cuenta que el lenguaje de los derechos tiene que
ser usado como un medio para gestionar el proceso multicul-
tural, y no como un fin en sí mismo, debido a su carácter
incompleto y abierto en cuanto producto cultural, es decir, a
que su constitución y formas de apropiación tienen una di-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 275
mensión socio-histórica, cultural, pero nunca universal. Los
pueblos indígenas, a partir de la puesta en escena de una sa-
biduría ancestral de los límites, amarrados a la sostenibilidad
como proyecto cultural e identitario, proponen una racionali-
dad acotada y autolimitada como proyección y praxis de una
cosmovisión cuyos valores se articulan en torno a la necesi-
dad de producir, reproducir y hacer sostenibles los recursos
naturales, las tierras y los territorios, tal y como estas catego-
rías son entendidas y definidas por las lógicas y prácticas in-
dígenas. Una racionalidad de los límites, una dinámica de la
auto-limitación en el marco de una globalización desbocada,
resulta enormemente interesante para hacer sostenible y po-
sible la diversidad cultural real en sus diferentes lógicas y
expresiones. Este tipo de racionalidad, como fundamento para
una construcción intercultural de los derechos humanos, su-
pone el establecimiento de recursos de contención y demar-
caciones normativas frente a los excesos del colonialismo y
sus agresiones sobre los pueblos indígenas; así como frente a
la violencia procedente de una interpretación monolítica, mo-
nocultural y etnocéntrica de la universalidad de los derechos,
cuyas secuelas son netamente detectables en el proceso de
negociación del Proyecto de Declaración de Naciones Unidas
sobre los Derechos de las Poblaciones Indígenas. La reinter-
pretación cultural de los derechos humanos por parte de los
pueblos indígenas, el establecimiento de nuevos y señeros
fundamentos para historizarlos hoy en espacios y tiempos con
lógicas culturales diferenciadas3, supone avanzar hacia un

3
En este sentido, una apropiación e interpretación flexible y evolutiva de los
derechos humanos hoy supone trascender los patrones culturales propios,
ubicar nuevas necesidades y detectar nuevas lógicas, carencias y demandas,
desde la otredad cultural. Este basto y difícil trabajo de interpretación se
acentúa ante el reto y demanda de los pueblos indígenas, ya que ello traspa-
sa y perfora los moldes con los que han sido codificados los derechos huma-
nos. La historización y flexibilización de los derechos además de tener una
velocidad horizontal y otra vertical, debe tener una motivación transcultu-
ral, lo que supone disponer de capacidad para enunciarse desde otros luga-
res, espacios y culturas.
276 BRINGAS, Asier Martínez de • Los Pueblos Indígenas ante la Construcción de los Procesos...

pacto intercultural por el desarrollo sostenible, propuestas que


se infieren, todas ellas, del corpus identitario indígena y que
difiere enormemente de cómo son interpretadas y compren-
didas estas cuestiones por el corpus Occidental.

1. Las políticas multiculturales como estrategia


para la gestión de la(s) diferencia(s) cultural(es)
¿hacia una integración sin derechos?
La primera pregunta desde la que afrontar la cues-
tión política en la construcción de los procesos multi-
culturales es la de si es posible el establecimiento y con-
formación de una multiculturalidad real con los actua-
les Estados, en cuanto contenedores y reorganizadores
básicos de las diferencias culturales, marcos de integra-
ción insoslayables en los que deben ubicarse necesaria-
mente los pueblos indígenas. ¿Es posible, por tanto, la
construcción de un pacto intercultural en la globalizaci-
ón con las actuales estructuras normativas, habilitadas
y posibilitadas desde los Estados-nación como concesio-
nes, pero no como potestades y exigencias de los sujetos
que reclaman su autonomía y un estatuto normativo como
Pueblos? En definitiva, ¿es posible hablar de autonomía
y participación indígena con las actuales estructuras es-
tatales? Interrogarse sobre estas cuestiones supone tener
en cuenta el trasfondo histórico con el que se han cons-
truido los Estados-nación en América Latina en relación
con los pueblos indígenas. Ser conscientes de que la
maquinaria estatal ha supuesto y supone un sistema ge-
neral de valores, un cuerpo de medidas necesario para
poder implementar esos valores de manera coercitiva y
una consideración privilegiada y muy particular del es-
pacio-tiempo, conscientes de que el espacio es la esfera
de posibilidad de la existencia de la multiplicidad y el
multiculturalismo, es decir, todo reconocimiento serio
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 277
de la multiplicidad y la diferencia depende del recono-
cimiento de la espacialidad 4 .
Estas cuestiones nos impulsan a interrogarnos sobre si
es posible construir otra historia en la que sea factible elimi-
nar esa suerte de ideología que considera la vida del estado
como el elemento central para construir y entender la Histo-
ria. Es decir, en qué medida es posible superar la tradición
estatista5 – como magníficamente es analizada por Guha – que
se está traduciendo en la reducción de la sustancia misma de
la historia, su núcleo fundamental de tramas, relaciones y
creaciones, a meras políticas de Estado. Y para lograrlo, qué
posibilidad tienen los pueblos indígenas de escribir sus nar-

4
Estas cuestiones han sido ampliamente referidas anteriormente al hablar del
espacio y tiempo indígenas. Sólo queremos llamar la atención sobre la impor-
tancia que la dimensión tempo-espacial ha tenido para la construcción de un
pacto social estatalista, absolutamente clausurado, en el que no había lugar
para la consideración de otros sujetos de derechos y, menos aún, si este se
denominaba pueblos indígenas. En este sentido hablamos de un régimen ge-
neral de valores centrado en torno al bien común entre iguales, lo que exige
pactos de solidaridad entre los mismos: la ciudadanía masculina y trabajado-
ra, referencia antagónica de una consideración abierta, flexible y procesual de
la multiculturalidad. También hablábamos de un cuerpo de medidas necesari-
as para la aplicación de ese régimen general de valores, lo que se ha plasmado
en la construcción de una multiculturalidad indigenista por medio de políti-
cas de segregación, asimilación, integración, o una combinación simultánea
de estas tres formas. Finalmente, una concepción del tiempo y el espacio naci-
onal-estatal, centrada en la linealidad, en la acción burocrática del Estado, en
la producción en masa, en donde sólo hay lugar y tiempo para la consolidaci-
ón de una cultura nacional estatalmente construida a partir de un modelo de
ciudadanía trabajadora que se adquiere por la nacionalización, y que otorga
derechos sólo a quienes se integren y formalicen por medio del trabajo. En
referencia a esta última cuestión cf. L. Grossberg, “The space of Culture, the
Power of Space”, en I. Chambers y L. Curti (eds.), The Post Colonial Quaestion:
Common Skies, Divided Horizons, Routledge, Londres, 1996, pp. 169-188; D.
Massey, “Imagining globalisation: power-geometries of space-time” en Power-
geometries and the Politics of Space-Time, Hettner-Lecture, Heidelberg, 1999,
pp. 9-23; Massey, “La filosofía y la política de la espacialidad: algunas conside-
raciones” en L. Arfuch (compiladora), Pensar este tiempo. Espacios, afectos,
pertenencias, Paidós, Buenos Aires, 2005, pp. 103-127.
5
“The Small Voice of History” en Subaltern Studies, VI, Delhi, Oxford Universi-
ty Press, 1996, pp. 1-12.
278 BRINGAS, Asier Martínez de • Los Pueblos Indígenas ante la Construcción de los Procesos...

raciones y cosmovisiones con un tipo de escritura que trasci-


enda los ámbitos de influencia de los Estados, es decir, más
allá de una historia trabada y realizada por los sectores hege-
mónicos atrincherados en el fortín de la estatalidad en el es-
trecho ámbito de miras y comprensiones en que la Política
queda reducida al Estado6.
Esta cuestión, con su dimensión retórica en suspenso,
es la que va a guiar y estructurar las reflexiones que en este
epígrafe se desarrollen. Ahora bien, enunciar retóricamente
esta cuestión supone situar en el centro del debate la lógica
de la Colonialidad del Poder7, los usos y abusos con los que
se ha comprendido (cognitivamente, desde la lógica del euro-
centrismo), construido (racialidad del poder, desposesión y
esclavitud) y sostenido (violencia física, psíquica y moral so-
bre los pueblos indígenas) el colonialismo en América Latina8.
En este sentido, la ausencia radical de voluntad política por
parte de los Estados – ancestral y contemporánea – para el re-
conocimiento de la identidad de los pueblos indígenas9 consti-
6
Que la política queda reducida al Estado supone proceder, de manera conver-
gente, a través de otras técnicas con relación a los pueblos indígenas, como
son: la socialización de la economía bajo el paradigma de las clases sociales y
del trabajo formalizado, modelo el que difícilmente encajaban y encajan los
planteamientos indígenas; la politización del Estado, como único espacio pú-
blico posible en el que construir y concebir los procesos culturales; la naciona-
lización de la identidad cultural, reforzando los criterios de inclusión/exclusi-
ón, y proponiendo la ciudadanía como receta necesaria para sancionar la ex-
clusión de los pueblos indígenas.
7
A. Martínez de Bringas, Los pueblos indígenas y el discurso de los derechos,
Universidad de Deusto, Bilbao, 2003; W. Mignolo Local Histories/Global De-
signs. Coloniality, Subaltern Knowledges and Border Thinking, Priceton Uni-
versity Press, Princeton & New Yersey, 2000.
8
A. Martínez de Bringas, La cultura como derecho en América Latina. Ensayo
sobre la realidad postcolonial en la globalización, Universidad de Deusto, Bil-
bao, 2005.
9
En un doble sentido: 1) reconocimiento en un sentido convencional, para pro-
ceder a la reparación y reconstrucción de lo demolido y aniquilado; 2) reconoci-
miento en un sentido prospectivo, es decir, abriéndonos a la lógica de una dife-
rencia provocativa, en contrapunto intercultural con los derechos humanos, en
cuanto producto cultural de Occidente, pero a partir de la manera específica en
que éstos son enunciados y propuestos por los pueblos indígenas.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 279
tuye ya una respuesta a nuestro interrogante básico, o el prin-
cipio para el establecimiento del primer peldaño para fraguar
un pacto intercultural. En este aspecto no se puede ser retóri-
co: no se trata de avanzar desde dinámicas políticas de asimi-
lación hacia dinámicas de integración, sino que es necesario
encauzar maneras de entender la Política con plena participa-
ción indígena, lo que pasa necesariamente por la construcci-
ón de un proceso multicultural cuyo eje de estructuración
sean los derechos de los pueblos indígenas. El carácter colo-
nial en las formas de participación política que todavía exhi-
be el constitucionalismo latinoamericano, aunque enmasca-
rado con el discurso y las formas de la corrección política y la
exhibición folclórica del progresismo, constituye uno de los
principales frenos para avanzar en la construcción de este
pacto. No hay que olvidar la paradoja fundacional latinoame-
ricana en la que se hace coincidir, de manera macabra, es-
tructuras formales de democracia con políticas raciales en
todos los ámbitos de vida del Estado (social, político, cultu-
ral, comunicacional, educativo, económico, etc.). Es decir, el
entrelazamiento de nuevas democracias compatibles con di-
námicas y estructuras coloniales en la manera de tratar y ha-
cer política con los pueblos indígenas.
Ello arroja dificultades para proceder a la creación de una
sensibilidad multicultural por la ausencia de formas, maneras
y mecanismos indígenas propios que permitan avanzar en la
creación de estructuras participativas que posibiliten la creaci-
ón de marcos políticos interculturales, arraigados a los dere-
chos de los pueblos indígenas, y que funcionen como exigen-
cias y expectativas frente a la Colonialidad del Poder10. Ello

10
Nos movemos aquí en la lógica de los derechos-deberes. Todo derecho huma-
no tiene siempre este doble rostro: el de ser derecho para alguien o algunos, y
deberes para otros/otras, sin olvidar nunca las exigencias comunitarias que
en sí mismo encierran. Sin embargo, los derechos se enuncian y aparecen
históricamente como demandas sociales y exigencias de los más débiles fren-
te a los más fuertes, como mecanismos para poder acotar los excesos de los
sectores hegemónicos y más poderosos. En este sentido, los derechos de los
280 BRINGAS, Asier Martínez de • Los Pueblos Indígenas ante la Construcción de los Procesos...

exigirá transformar y trascender los mecanismos que estable-


cen las democracias formales latinoamericanas para “garanti-
zar la participación indígena como derecho”; transitar de las
formas occidentales de entender la participación en el Estado
(en la manera como se ha venido haciendo de habilitar espa-
cios o de “conceder oportunidades asimilativas a los pueblos
indígenas”), hacia una consideración del derecho a la partici-
pación política en perspectiva estrictamente indígena, lo que
implica superar la reducción de la participación al ejercicio
del voto partidario, avanzar más allá de las posibilidades que
otorga la democracia formal en el marco de los Estados. Para
poder arraigar la forma que tienen los pueblos indígenas de
entender la participación, es importante asirse a argumentos
históricos que nos ayuden a comprender que los pueblos in-
dígenas no son fruto de la colonización ni de su rodillo, sino
que más bien son condición de posibilidad para cualquier
proceso y dinámica colonial en América Latina. Desde ahí, es
posible asumir el carácter inhabilitado que ofrece el Estado,
sus dinámicas, ofertas y propuestas, para avanzar hacia un
pacto intercultural arraigado en los derechos de los pueblos
indígenas.
Situada una concepción de la participación que permi-
ta la ubicación de los derechos de otras lógicas culturales y
cosmovisionales como la indígena, vamos a desarrollar una
serie de análisis críticos sobre cómo se están construyendo y
aplicando las políticas multiculturales en cuanto acción polí-
tica estratégica de los Estados latinoamericanos para ubicar
“la diferencia indígena”. Desde ahí podremos inferir ciertas
pistas de actuación que nos permitan, prolongando la máxi-
ma de otras formas de ejercer el derecho a la participación

pueblos indígenas funcionan también como deberes de quienes históricamente


(una historia gravada desde la Colonialidad del Poder) han ocupado una situ-
ación de exclusión y opresión frente a los más fuertes en su articulación y
conformación histórica, la Colonialidad del poder, que hoy la encarna sin
ninguna duda los Estados.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 281
política, abrir maneras de actuación política para reconocer y
garantizar las reivindicaciones de los pueblos indígenas ex-
presadas como derechos. Ello pasa por un reconocimiento
constituyente del derecho a la(s) cultura(s) indígena(s), dere-
cho programático del que se derivan, de manera fundada, otros
muchos derechos específicamente indígenas, tanto en su di-
mensión individual como colectiva.
En primer lugar, una teoría multicultural con pretensi-
ones de ser un instrumento político eficaz para los pueblos
indígenas tendría que reconocer que todo proceso multicul-
tural es fruto de las luchas sociales, no del consenso pacífico
analizado en el laboratorio de las ciencias políticas del multi-
culturalismo liberal á la occidental. En este sentido, sin la
articulación de los movimientos sociales, la sociedad civil
perece y se extingue. De una manera análoga, sin la pertinen-
cia crítica y movilizadora de los movimientos sociales indí-
genas, en cuanto activadores fundamentales de estas reivin-
dicaciones, la sociedad civil latinoamericana no sería la que
es, y no se hubieran producido imaginarios críticos en Amé-
rica Latina en contraposición a la imposición subyugante de
los múltiples colonialismos latinoamericanos. La resistencia
es, por tanto, el ámbito natural para la enunciación y reivin-
dicación de la identidad y de los procesos multiculturales
reprimidos. La diferencia indígena es, por tanto, una conquista
difícil. Gran parte del dinamismo crítico latinoamericano –
versionado en forma de movimientos de liberación, libertari-
os o de izquierdas y activado frente a las hegemonías coloni-
ales o imperiales –, ha bebido y se ha valido del discurso prac-
ticado por los movimientos indígenas, sin reconocer estos
préstamos. El discurso crítico latinoamericano presente y pa-
sado, ha sustraído propuestas, prácticas, referencias e imagi-
narios movilizados por los pueblos indígenas, adaptándolos
a su discurso a través de dos perversiones implícitas: negan-
do la identidad y subjetividad de quien los formula (pueblos
indígenas); aprovechando este potencial emancipatorio para
282 BRINGAS, Asier Martínez de • Los Pueblos Indígenas ante la Construcción de los Procesos...

limitar y anegar las reivindicaciones indígenas en cuanto im-


pedimentos para la construcción de un discurso emancipa-
dor global y unificador para todas las diferencias en resisten-
cia. Estamos ante el reverso del universalismo: aquel que la
izquierda ha querido articular, anclado a un concepto de eman-
cipación que sistemáticamente se hacía y se imponía por en-
cima y por debajo de los pueblos indígenas.
En segundo lugar, la multiculturalidad no es lo que se
está presentando como política(s) multicultural(es). El ímpe-
tu liberal por hablar y tratar de las “diferencias” lleva a una
fetichización de la realidad abstracta. En este sentido, el mul-
ticulturalismo liberal con pretensión de ser una teoría uni-
versal, analiza los mapas multiculturales sin establecer crite-
rios y principios de distinción entre las distintas diferencias
objeto de ubicación y reconocimiento. En este sentido no dis-
tingue, y por tanto asimila, minorías nacionales y pueblos
indígenas; políticas de integración e inserción y políticas de
derechos; poblaciones y pueblos. Es decir, se enuncia como
teoría política, vaciando de contenido el sentido de lo político
que allí está en juego: nos referimos a la importancia, que
tanto en el Convenio 169, como en el Proyecto de Declaración
tienen términos como: pueblos indígenas, autonomía indíge-
na, autodeterminación, desarrollo indígena, territorio(s), re-
cursos naturales, participación, autoidentificación como pu-
eblos, y un largo, etc. Hacer política diluyendo estos concep-
tos, evitándolos, o no afrontándolos, supone sublimar el con-
flicto inherente a la construcción de todo proceso multicultu-
ral. Hablar de derechos de los pueblos indígenas supone ha-
cerlo con contenidos sustantivos como los enunciados, no de
una manera procedimental, con conceptos vacíos y huecos; o
mediante la transposición de las categorías y las maneras oc-
cidentales de entender ciertos derechos, o de limitarlos, con-
tenerlos e interpretarlos. En este sentido, la tolerancia multi-
cultural no es suficiente; no basta con reconocer formalmen-
te a los pueblos indígenas en la medida en que dicho recono-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 283
cimento no resulte conflictivo. No hay consenso pacífico en
el debate multicultural, ya que las entrañas de la actividad
política demandan, en el supuesto de los pueblos indígenas,
reconocer y otorgar las capacidades y recursos sustraídos: en
este sentido, la apropiación indebida que de los núcleos fun-
damentales de la cosmovisión indígena han realizado los Es-
tados latinoamericanos. Pretender hacer política con pueblos
indígenas sin problematizar los conflictos ancestrales, supo-
ne negar los derechos de los pueblos indígenas. Cualquier
orientación que se haga sin la inherente problematicidad que
la construcción multicultural de los pueblos indígenas exige,
será una pretensión estéril, que bloquea más que habilita el
diálogo. Un diálogo discursivo entre las partes enfrentadas
que permita avanzar hacia un consenso trabajado y reconoci-
do en clave de derechos, supone, como su pre-condición, te-
ner en cuenta todo esto.
En tercer lugar, la multiculturalidad no supone poner
todos los contadores en “cero”, es decir, vaciar la globalizaci-
ón de contenidos culturales para poder caminar hacia un pro-
ceso en el que la neutralidad valorativa y cultural nos permi-
ta establecer un puente intercultural. Este es precisamente el
descalabro de un multiculturalismo blando y descomprome-
tido como el que profesa cierto liberalismo occidental. Es ne-
cesario, por tanto, reconocer las diferencias culturales y, de
manera concreta, las reivindicaciones indígenas en sus pro-
cesos. Admitir que la existencia de los pueblos indígenas no
amenaza ni pone en riesgo el Estado. Las prácticas de una
multiculturalidad empeñada en exhibirse como una dinámi-
ca que ponga en peligro la unidad y seguridad estatales, así
como la homogeneidad cultural de la Nación, es el reto más
importante que debe afrontar una multiculturalidad entendi-
da como proceso. Las Naciones originarias, los pueblos indí-
genas, tienen un estatuto constituyente en la multiculturali-
dad real; no son un apéndice creado como consecuencia del
proceso colonial, o una cultura autorizada por el Estado en la
284 BRINGAS, Asier Martínez de • Los Pueblos Indígenas ante la Construcción de los Procesos...

medida que sepa y pueda integrarse e insertarse en sus reglas


de juego. Un multiculturalismo entendido como proceso debe
plantear las bases del conflicto estructural y ancestral entre
los pueblos indígenas y el Estado, lo que pasa por situar entre
las condiciones de debate y negociación cuestiones como: el
racismo y la discriminación; la desigualdad económica, soci-
al, política y cultural; la falta de reconocimiento político y
cultural; la apropiación de los recursos, del hábitat y de los
espacios naturales de los pueblos indígenas, es decir, la des-
composición de los sistemas de desigualdad y exclusión que
sufren históricamente los pueblos indígenas. Para poder en-
tender esto es necesaria una comprensión global de la Colo-
nialidad del poder, es decir, la relación estructural que existe
entre exclusión social, política y cultural de los pueblos indí-
genas y la construcción del discurso colonial. Por ello, el pro-
ceso multicultural exige que redistribución económica, reco-
nocimiento cultural y participación política se den a la vez,
en un juego co-implicado y convergente de energías políticas.
Difícilmente podrá darse o hablarse de participación indíge-
na en un esquema con fuerte discriminación social y de den-
sa desigualdad económica para los pueblos indígenas, sin el
reconocimiento de estos pueblos. De la misma manera, es un
absurdo hablar del reconocimiento cultural de los pueblos
indígenas, sin esquemas participativos aptos para construir
nuevos modelos económicos interculturales, que determinen
nuevas formas distributivas y que diseñen procesos de equi-
dad social para quienes constituyen uno de los colectivos más
empobrecidos y despojados por el régimen colonial. Todo ello
no podrá hacerse sin el establecimiento de mecanismos que
garanticen la participación política de los pueblos indígenas,
que permitan reconducir las condiciones de exclusión econó-
mica a la que han sido arrojados y la falta de reconocimiento
cultural con la que se han venido construyendo.
En cuarto lugar, el multiculturalismo no es una nueva
política de Estado frente al fracaso de las políticas de acultu-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 285
ración anteriores, lo que se ha traducido históricamente en la
descorporalización del mundo indígena como pueblos, y en
el tratamiento asimilativo de éstos como poblaciones, tribus,
comunidades o minorías. En este sentido, el proceso multi-
cultural exige un acoplamiento entre las naciones originarias
y las naciones constituidas y hegemonizadas; y de éstas últi-
mas a las exigencias ancestrales de los pueblos indígenas. No
hay multiculturalidad real sin la totalidad de una sociedad
civil plurinacional.
En quinto lugar, en la construcción de políticas multi-
culturales es necesario superar las falacias progresistas, esa
suerte de enredo que se da entre los principales actores en-
cargados de diseñar y aplicar las políticas multiculturales. Nos
estamos refiriendo a las políticas de pactos que se producen
entre el Estado, los movimientos sociales no indígenas y la
cooperación internacional. Esta relación a tres bandas produ-
ce y manufactura políticas y marcos de habilitación para los
pueblos indígenas, pero sin pueblos y sin indígenas. Sin pue-
blos, ya que la consideración de éstos como sujetos colecti-
vos esta vedada de antemano, dada la incapacidad que mues-
tran los actores en juego para reconocer otros sujetos más allá
del ámbito del Estado-nación; sin indígenas, ya que la mesa
de diálogo y negociación se convoca y reúne frecuentemente
sin sujetos indígenas, pero para ellos y en nombre de sus de-
rechos. Cuando se hace un esfuerzo por establecer una com-
posición simbólicamente equilibrada (que no paritaria) de
participantes indígenas para la consolidación de políticas
públicas que afecten a su hábitat y territorios, los participan-
tes no resultan representativos, es decir, no hay una identifi-
cación clara y simétrica entre los representantes y la realidad,
entre el proceso de participación generado y las exigencias,
demandas y reivindicaciones que promueven las asociacio-
nes indígenas, con lo que parece que el procedimiento – la
participación formal – se impone al sujeto – pueblos indíge-
nas –, cuando en realidad es al revés, el procedimiento se ha
286 BRINGAS, Asier Martínez de • Los Pueblos Indígenas ante la Construcción de los Procesos...

creado para estar al servicio de las necesidades de los sujetos


interpelados. En estos supuestos se generan dinámicas en las
que ni la participación, ni la representación, se identifican
con el sentir de las demandas indígenas. Estamos ante una
utilización folclórica y retórica del concepto de multicultura-
lidad. Todas estas cuestiones resultan agravadas si se da un
efecto sustitutorio del sujeto “pueblo indígena” por parte de
la acción e intervención de las ong´s y de la cooperación in-
ternacional. Asistimos, de esta manera, a un desfonde políti-
co del contenido de la multiculturalidad; a una privatización
de sus exigencias públicas. Ello ocurre cuando se coopta y
apropia la subjetividad indígena y el contenido de sus dere-
chos, por otros sujetos que no tienen que ver con éstos; y por
otros contenidos, que no hacen sino interpretar las demandas
indígenas, pero desde otro patrón cultural: las del Estado, en
su versión nacional o internacionalizada. El peligro de la “sus-
titución” de unos sujetos por otros11, supone, a largo plazo,
una falta de compromiso de los Estados por asumir sus res-
ponsabilidades en la construcción de políticas publicas mul-
ticulturales con pueblos indígenas, sabiendo las dificultades
que presenta de por sí el Estado para tratar con y trabajar en
estas situaciones. La fractura de la responsabilidad del Esta-
do en estas cuestiones –interlocutor fundamental de la Colo-
nialidad del Poder –, conlleva, a su vez, una delegación de la
misma a otros agentes – ong´s, asociaciones no-indígenas,
cooperación internacional –, lo que se traduce en un manejo
ideológico de la multiculturalidad como resorte del Estado
para el no-reconocimiento, en el long term, de los derechos
de los pueblos indígenas. En última instancia, supone dejar
en suspenso la radicalidad de derechos trans-estatales como
la participación política y la cultura, una suerte de maridaje

11
La ausencia o falta de protagonismo de las asociaciones indígenas en deter-
minados proyectos de desarrollo, cuyo papel es capitalizado, en sus mo-
mentos de decisión y ejecución, por ong´s no-indígenas, o por la cooperaci-
ón internacional.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 287
político-cultural necesario para caminar hacia una multicul-
turalidad intercultural.
El resultado de todo este proceso es un tratamiento de
estos pueblos como “cuestión indígena”. Ello implica reducir
lo cultural indígena a mera política pública que transversali-
za – programáticamente – todos los contenidos que se abor-
den y traten en el marco del Estado, más que asumir el reto de
los pueblos indígenas como la exigencia de construcción de
nuevos marcos políticos en la globalización: marcos plurina-
cionales, pluriculturales, pluriconstitucionales, aferrados to-
dos ellos a la lógica de la pluriversidad. La transversalización
va perdiendo energía en el camino y muta en un tratamiento
multicultural de “lo indígena” basado en la integración tute-
lada, y en el reconocimiento concedido de ciertos derechos,
pero no de aquellos que resultan fundamentales para abordar
el reto de la plurinacionalidad indígena en la globalización.
O simplemente, en el reconocimiento retórico de derechos
indígenas pero sin procedimientos y presupuestos para im-
plementarlos y garantizarlos. Las consecuencias políticas de
unas políticas públicas multiculturales construidas según es-
tos patrones son: la dependencia estructural del tejido asoci-
ativo indígena y de su base social, de la voluntad de los Esta-
dos; el debilitamiento, a largo plazo, de los “procesos indíge-
nas”; la atomización en el tratamiento de las cuestiones cul-
turales y cosmovisionales indígenas; la lógica del corto plazo
en la manera de entender los procesos, lo que supone no asu-
mir en serio el reto cosmovisional indígena, y no trascender
una comprensión estatalista del multiculturalismo; la búsque-
da incesante de la efectividad y el pragmatismo en todas es-
tas cuestiones, abandonando la condición de proceso que tie-
ne toda construcción multicultural, y de manera muy especí-
fica, la indígena; la falta de criterios y principios que permi-
tan apuntar las verdaderas necesidades y carencias hoy de
los pueblos indígenas en sus espacios naturales de vida; la
estatalización definitiva de una multiculturalidad indígena.
288 BRINGAS, Asier Martínez de • Los Pueblos Indígenas ante la Construcción de los Procesos...

En última instancia, se trata de construir procesos de negoci-


ación conflictivos (procesos políticos) sin la otra parte de la
multiculturalidad –los pueblos indígenas –, y con una inter-
locución – no indígena – que desconoce los ordenes cosmovi-
sionales indígenas, sus procesos culturales y exigencias, sus
procesos jurídicos, sus formas de participación, en definitiva,
sus derechos.

2. Avances y dificultades del proceso


multicultural indígena
Hablar de avances y dificultades supone hacer un diag-
nóstico del proceso multicultural en tiempos que oficialmen-
te se han denominado de emergencia para los pueblos indíge-
nas. Vamos a hablar, para ello, de tres velocidades o dimensi-
ones en la regulación del proceso multicultural en relación
con los pueblos indígenas. Estas tres formas de diagnóstico se
aventuran teniendo en cuenta todo el cuerpo de dificultades
y malformaciones, hasta ahora relatadas, en la construcción
de este proceso. La estratificación tiene una dimensión relati-
va y meramente indicativa. Dicho relativismo hace referencia
a la manera en cómo se ha construido la historia de los pue-
blos indígenas, quién la ha hecho, con qué tipo de fuentes y
referencias se ha consolidado. Considerando la ausencia de
una historia oficial de los pueblos indígenas, ya que sus voces
construyen relatos que no han sido seleccionados ni desarro-
llados por los discursos oficiales, los diagnósticos que breve-
mente señalaremos hacen referencia, sólo, a los estímulos que
hoy se producen en los relatos oficiales de los Estados en re-
lación con los derechos de los pueblos indígenas, lo que per-
mite analizar cómo son tratados éstos en la esfera pública y
las dificultades que de aquí se derivan para avanzar hacia la
conformación de espacios públicos no-estatales12.

12
Un marco de fondo para estas cuestiones puede verse en: Hugo Cayzac, Gua-
temala, proyecto inconcluso. La multiculturalidad, un paso hacia la democra-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 289
Un primer diagnóstico implicaría hablar de multicultu-
ralidad negociada. Es decir, de acuerdo con una historia ofi-
cial de la exclusión y la discriminación indígena, se trataría
de ver, constatar y señalar, de manera muy general y abstrac-
ta, en qué medida se están produciendo avances en la negoci-
ación de derechos sustantivos de los pueblos indígenas. En
este sentido, sí puede hablarse de un cierto progreso en deter-
minadas cuestiones. El proceso multicultural que construyen
los pueblos indígenas ha conseguido negociar sobre ciertas
bases, sobre todo en el ámbito del derecho internacional de
los derechos humanos y en la arena de Naciones Unidas. Se
puede hablar, de manera referencial, de un cierto avance en
la conciencia y programación de una educación multicultu-
ral con y para pueblos indígenas. De la fiera discriminación
con que se ha conformado la historia oficial en relación a es-
tos pueblos, podemos hablar, sin ninguna pretensión de triun-
falismo, de expectativas multiculturales con referencia al su-
jeto pueblos indígenas en el actual proceso global. Aunque
para algunos resulte un golpe de formalidad y las evaluacio-
nes que de ello se puedan inferir no sean las esperadas, el
hecho de establecer oficialmente por las Naciones Unidas una
década para los Pueblos Indígenas, y que la década en la que
nos adentramos con prudencia, constituya una renovación
continuante de las expectativas incumplidas o no realizadas
en aquella, es, sin ninguna duda, un paso adelante en la cons-
trucción del proceso multicultural indígena. En esta dinámi-
ca de educación y concienciación multicultural, habría que

cia, FLACSO, Guatemala, 2001; S. Bastos y M. Camus, Entre el mecapal y el


cielo. Desarrollo del movimiento maya en Guatemala, FLACSO&Cholsamac,
Guatemala, 2003; B. Parekh, Repensando el multiculturalismo, Istmo, Madrid,
2005; A. Sachar, Multicultural Jurisdictions: Cultural Differences and Women´s
Rights, Cambridge University Press, 2001; P. Nelly (ed.) Multiculturalism Re-
considered: Culture and Equality and Its Critics, Polity Press, Oxford, 2002; S.
Benhabib, The Claims of Culture: Equality and Diversity in the Global Era,
Princeton University Press, Princeton, 2002.
290 BRINGAS, Asier Martínez de • Los Pueblos Indígenas ante la Construcción de los Procesos...

incluir las novedades, con los fracasos y frustraciones, que se


han venido dando en el marco de las Naciones Unidas y en
las propias referencias constitucionales de muchos países la-
tinoamericanos. En este sentido habría que citar de manera
referencial: la creación del Grupo de Trabajo sobre Poblacio-
nes Indígenas de Naciones Unidas y la actividad por éste de-
sarrollada; el Convenio 169 de la OIT y los debates creativos
para poder superar sus principales dificultades; el Convenio
sobre Diversidad Biológica; El Proyecto de Declaración de
Naciones Unidas sobre los derechos de las poblaciones indí-
genas; el Proyecto de Declaración Americana sobre los dere-
chos de los Pueblos Indígenas; la creación del Foro Perma-
nente sobre las Poblaciones Indígenas en Nueva York; la cre-
ación de un Relator Especial sobre Pueblos Indígenas, y un
largo, etc.
El relato de este primer diagnóstico se podría comple-
mentar teniendo en cuenta, también, los avances (con sus re-
trocesos y trampas en las prácticas de los Estados) en el reco-
nocimiento de los derechos de biodiversidad, derechos bio-
tecnológicos y derechos orientados a la protección del cono-
cimiento de los pueblos indígenas, tanto en el ámbito del
Derecho Internacional de los Derechos Humanos, como en el
del constitucionalismo latinoamericano 13. En relación a los
pueblos indígenas, las políticas multiculturales que se están
desarrollando en este proceso global transitan de un sistema
de exclusión, en donde la pertenencia venía dada por el he-
cho fáctico de la exclusión y el momento más intenso de su
realización pasaba por el exterminio indígena; a un sistema
de desigualdad, en donde la pertenencia viene dada por la
integración subordinada14, siendo su momento más intenso

13
Nuestro objetivo es tan solo apuntar esta cuestión. Su desarrollo de manera
específica y técnica será abordado en otros capítulos de este manual.
14
Boaventura de Souza Santos, “Desigualdad, exclusión y globalización: hacia
la construcción multicultural de la igualdad y la diferencia”, en La caída del
angelus novus: ensayos para una nueva teoría social y una nueva práctica
política, ILSA, Bogotá, 2003, p. 125.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 291
la esclavitud y la puesta en escena de políticas racistas. El
tránsito de un proceso político de intensa represión (exclusi-
ón) , a otro más liviano, al menos en la intensidad de la vio-
lencia, aunque no en las consecuencias a largo plazo (desi-
gualdad), tiene que ver, precisamente, con el valor (de uso)
de la biodiversidad que los pueblos indígenas ocupan y tie-
nen, y con la fertilidad que los conocimientos ancestrales in-
dígenas poseen para la lógica del capitalismo en el nuevo es-
cenario global. Biodiversidad y conocimientos ancestrales
ofertan una potencialidad inaudita para la obtención de be-
neficios en sectores tan diversos como la agricultura industri-
al, las industrias farmacéuticas y biotecnológicas. Desde ahí
debemos apercibir los peligros que encierra esta multicultu-
ralidad negociada, que permite ser a los pueblos indígenas
interlocutores en dicha negociación, pero sólo de una manera
estratégica, es decir, por el hecho de que los espacios que ocu-
pan y habitan, así como por los recursos que encierran, pose-
en una utilidad y un potencial inaudito para las dinámicas
del capitalismo multinacional, debido a los beneficios que de
ahí se pudiesen derivar, pero no porque se reconozca a los
pueblos indígenas como titulares soberanos de los mismos.
En este modelo de multiculturalidad, la negociación pasa por
la vulneración del principio-derecho del consentimiento pre-
vio, libre e informado que los pueblos indígenas poseen antes
que se inicie o se aborde algún tipo de negociación. Es aquí
donde la dimensión negociada de este multiculturalismo se
vuelve un proceso macabro.
Un segundo diagnóstico, exige hablar de multiculturali-
dad discutida. Aquí es donde el procedimentalismo de las
éticas discursivas (Habermas, Apel, Wellmer, etc.) se vuelve
inoperativo para poder alcanzar algún tipo de consenso o acu-
erdo cuando el interlocutor es un “sujeto” que ha estado ex-
cluido de la esfera pública hasta hace muy poco tiempo. Cri-
terios como verdad, validez, corrección y rectitud, como di-
mensiones formales necesarias para homologar y validar las
292 BRINGAS, Asier Martínez de • Los Pueblos Indígenas ante la Construcción de los Procesos...

condiciones en que alcanzar un pacto intercultural, resultan


de paradójica aplicación si se tiene en cuenta que los pueblos
indígenas, como consecuencia de la puesta en escena de sis-
temas de exclusión, en donde la pertenencia de unos (no-in-
dígenas) se afirma por la no-pertenencia de otros (indígenas),
han sido considerados “entidades” inválidas, incorrectas, des-
viadas, fuera de todo diseño de verdad oficial. Cuando el pac-
to intercultural se vuelve tan conflictivo, es cuando más per-
tinente se hace. Quien así mismo se considera como una cul-
tura completa y satisfecha – como la occidental – no necesita
abrir pactos interculturales para recorrer el proceso de la cons-
trucción multicultural. Ante este tipo de dificultades se en-
cuentran procesos como el reconocimiento y oficialización
de los idiomas indígenas por parte de los Estados que los co-
bijan. En esta difícil discusión permea como trasfondo la ges-
tión controlada de la exclusión con la que han procedido los
Estados respecto a los pueblos indígenas. El desarrollo a lo
largo de la historia pasada y reciente, de proyectos de ree-
ducación indígena, de procesos de resocialización o de exten-
sión impositiva de la ciudadanía del Estado, denotaban los
esfuerzos que el proceso colonial, pasado y reciente, ha pues-
to en lograr con éxito la pérdida de la memoria indígena, si-
endo un elemento fundamental para su consecución, la asi-
milación lingüística y la anulación de las lenguas indígenas.
De ahí el carácter problemático de un proceso multicultural
orientado a la recuperación y oficialización de los idiomas
indígenas. Las dificultades son múltiples: psicológicas, cog-
nitivas, sociales, culturales, políticas, etc. Las mismas discu-
siones conflictivas encuentra el proceso multicultural cuan-
do se trata de abordar la espiritualidad indígena y sus ámbi-
tos y espacios de expansión y asentamiento, en una multicul-
turalidad acostumbrada a utilizar los emplazamientos cere-
moniales y religiosos indígenas, las artesanías y los tesoros
históricos de estos pueblos, para usos y fines turísticos. Con
discusiones poco permeables al diálogo se encuentra tambi-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 293
én el reconocimiento de los Sistemas Normativos Indígenas,
en cuanto expresión del tan cacareado y asumido Pluralismo
Jurídico. Es en estas cuestiones donde el proceso multicultu-
ral debe asumir en toda su radicalidad la lógica y exigencia
de los derechos humanos interpretados interculturalmente,
lo que exige ver en estas expresiones una prolongación del
derecho a la vida y del respeto a la dignidad de los pueblos
indígenas. La lógica estatalista frustra sistemáticamente estos
procesos multiculturales al ver en el sujeto colectivo “pue-
blos indígenas” un disputador de su hegemonía, un adversa-
rio político que debe ser combatido. Una vez que kelseniana-
mente se ha asentado que el monopolio del poder jurídico, de
los sistemas normativos, se debe ubicar y centralizar en el
Estado, la lógica del pluralismo jurídico constituye un serio
impedimento para proceder a un pacto intercultural acostum-
brado al monismo jurídico (estatal).
Un último diagnóstico de cierre es aquel que hace refe-
rencia a la multiculturalidad negada, por unos y por otros.
Considerar esta perspectiva en la construcción y asentamien-
to del proceso multicultural es fundamental, y exige tener en
cuenta la autocrítica y la heterocrítica, es decir, el reconoci-
miento de las debilidades y ausencias recíprocas de cada bas-
tión cultural orientado al pacto intercultural: indígenas y no-
indígenas. Ya no se trata, solamente, de las dificultades e im-
pedimentos que encuentran los pueblos indígenas para hacer
proceso multicultural; o de las serias irregularidades con las
que se ha construido la historia oficial criolla, impidiendo el
avance de la(s) identidad(es) y cosmovisión(es) indígenas. Se
trata esta vez, también, de ver las dificultades propias de los
pueblos indígenas para construir su proceso desde una inter-
culturalidad arraigada en derechos15. En este sentido, el esta-

15
Boaventura de Sousa Santos, “Hacia una concepción multicultural de los
derechos humanos” en Felipe Gómez Isa (Director), La protección internacio-
nal de los derechos humanos en los albores del siglo XXI, Universidad de Deusto,
Bilbao, 2003, pp. 95-122.
294 BRINGAS, Asier Martínez de • Los Pueblos Indígenas ante la Construcción de los Procesos...

tuto, presencia y reconociendo de la mujer indígena dentro


de su propio mundo y cosmovisión resulta un impedimento
demasiado doloroso, en donde la responsabilidad debe ser
asumida y trabajada desde el propio momento cultural indí-
gena. Otro riesgo puede ser la tendencia a la idealización y
esencialización de los Sistemas Normativos Indígenas, en
cuento expresión pura y trascendental de la justicia en su
versión terrena. A ello habría que sumar la debilidad del pro-
pio movimiento indígena, sus errores, miopías y dificultades
para la negociación de un pacto intercultural integrador, como
las fracturas existentes dentro del propio movimiento indíge-
na, la pasión de ciertos sectores y movimientos por convertir-
se en vanguardia indígena, olvidándose de los reclamos y exi-
gencias de los procesos comunitarios; la intelectualización de
ciertos bloques indígenas a partir de las posibilidades y com-
petencias que otorga la realidad de estos pueblos, que mutan
de ser sujetos de movilización política a objeto de estudio; la
falta de difusión o comunicación de información experta que
ciertas facciones o líderes indígenas manejan, habiendo ges-
tionando su uso para intereses privados; o la absorción de
élites y movilizaciones indígenas por las estructuras de un
poder con intereses y voluntades no-indígenas. Conocidas son,
en este sentido, las trabas puestas por el otro polo cultural –
el no-indígena –; sin embargo, las exigencias de la multicul-
turalidad negada nos llevan a tener que avanzar hacia mode-
los de responsabilidad ampliada y compartida entre las dos
partes del pacto intercultural. En esta función, los pueblos
indígenas tienen una gran responsabilidad histórica.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 295

11 – DA DIVERSIDADE DE CULTURAS
À CULTURA DA DIVERSIDADE:
DESAFIOS DOS DIREITOS HUMANOS*
César Augusto Baldi

1. A Declaração de Direitos e a teoria das três gerações: uma


das narrativas possíveis
Naquela que se tornou a leitura “canônica”, os direitos
humanos vão-se sucedendo em três gerações ou dimensões: a
primeira, relativa a direitos civis e políticos, iniciada com a
Revolução Francesa e instauradora do processo de consti-
tucionalização; a segunda, constante de direitos sociais, eco-
nômicos e culturais, e fruto, em boa parte, da Revolução Rus-
sa, da Revolução Mexicana e da Constituição de Weimar; a
terceira, constante de direitos transindividuais, associados a
questões que não dizem respeito somente a indivíduos, mas à
globalidade da comunidade humana e, inclusive, transgera-
cional.
Esta leitura, ainda quando criticada no campo temporal
(afinal, não seriam gerações sucessivas, mas processos com-
plexos de instauração e de lutas de direitos humanos, simul-
tânea e cumulativamente e, desta forma, o correto seria tratar
de “dimensões”), tem um substrato ocidental – e mais ainda,
eurocêntrico – por demais evidente: ela é a própria decorrên-

* Texto apresentado durante a mesa redonda “Direitos humanos em questão”


(21-11-2006), no I Simpósio Nacional sobre a Intolerância, realizado entre 15
e 21 de novembro de 2006, na Casa de Cultura Japonesa– FFCLH/USP, em São
Paulo/SP.
296 BALDI, César Augusto • Da Diversidade de Culturas à Cultura da Diversidade

cia dos lemas da Revolução Francesa, em sua exata ordem de


enunciação – liberdade, igualdade e fraternidade (ou solida-
riedade).
Esta hipervisibilidade do momento instaurador no pro-
cesso revolucionário burguês do século XVIII somente é cons-
truída à base de várias outras invisibilidades. Primeira: por-
que, privilegiando o século XVIII, deduz do processo capita-
lista francês e inglês (as potências hegemônicas da época) o
desenvolvimento dos direitos humanos, olvidando toda a dis-
cussão, já posta no século XV, tanto por Portugal e Espanha
(então potências centrais), tematizadas, na época, a partir de
uma pergunta central: seriam os índios nada mais que bárba-
ros sujeitos à escravidão ou poderiam ser considerados seres
humanos dotados de alma e, portanto, passíveis de serem cris-
tianizados? Segunda: porque concentrada na visão histórica
firmada a partir do Iluminismo, e, mais adiante, ressaltando a
internacionalização com a Carta das Nações Unidas de 1948,
obscurece, no mesmo tempo, o próprio processo de coloniza-
ção. Aliás, dois processos de colonização: o primeiro, basea-
do na escravidão de índios e negros, oculto (mas existente)
tanto na discussão ibérica, quanto na discussão posterior an-
glo-francesa; e o segundo, da própria Declaração Universal,
porque as nações que protagonizaram a luta “contra a barbá-
rie do nazismo” mantinham, intactas, suas colônias na Ásia e
na África. Terceira: porque este movimento de “gerações” não
é somente temporal, mas também espacial: supõe o desloca-
mento dos direitos humanos com ponto de origem na Europa
e daí para o resto do mundo. Ora, no exato momento em que
a Europa “inventava” os direitos humanos, os “propulsores
da globalização dos direitos humanos estavam nas Américas,
lutando contra a opressão colonial européia”, o mesmo ocor-
rendo, mais tarde, com os povos africanos e asiáticos: “aí se
encontravam os agentes da expansão do repertório dos direi-
tos humanos, ao passo que na Europa estavam os poderes
coloniais que oprimiam e difundiam o ódio entre povos e et-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 297
nias.”1 Vale dizer, o próprio ato de afirmação da “modernida-
de” é a negação do fato da “colonialidade”. Nesta visão histó-
rica, a Revolução do Haiti, proclamando a independência de
uma nação negra, não pode ser entendida, paralelamente, às
declarações de direitos dos Estados Unidos e da França. Terá
que ser considerada um “acidente histórico”.2 Quarta: porque
está implícita a progressiva expansão da civilização com a
redução da barbárie, e a passagem da tradição em direção à
modernidade. Nesta medida, o mundo extra-europeu somen-
te poderia ser entendido como atrasado, imutável, tradicio-
nal, conservador, arcaico. As visões homogêneas e a-históri-
cas que se tem a respeito do Isl㠖 como o comprovam todos
os estudos orientalistas, aqui incluído Edward Said – não são
nada mais do que decorrência deste padrão. Neste contexto,
sequer é possível pensar em “modernidades alternativas”. Por
este motivo, tem razão Balakrishnan Rajagopal quando desta-
ca que “a discussão da dialética cultura – universalidade é,
no fundo, também uma discussão da dialética tradição-mo-
dernidade, que reside no coração do discurso do desenvolvi-
mento. Esta similitude do discurso dos direitos humanos e do
desenvolvimento na relação com a cultura é perdida quando
somente se vê a universalidade e a relatividade como o opos-
to um do outro.”3
Este parâmetro de “desenvolvimento” está inscrito na
própria descrição do Iluminismo, nos dizeres de Kant: “a saí-
da do homem de sua menoridade de que ele próprio é culpa-
do”, sendo “a menoridade a incapacidade de se servir do en-
tendimento sem a orientação de outrem” e, portanto, a maior

1
COSTA, Sérgio. Direitos humanos e anti-racismo no mundo pós-nacional.
Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, v. 68, p. 28, março de 2004.
2
Vide a este respeito: TROUILLOT, Michel-Rolph. Silencing the past: power
and the production of history. Boston: Beacon, 1995.
3
RAJAGOPAL, Balakrishnan. International law from below – development so-
cial movements and Third World Resistance. New York: Cambridge Universi-
ty, 2003, p. 212.
298 BALDI, César Augusto • Da Diversidade de Culturas à Cultura da Diversidade

parte da humanidade vive em estado de menoridade.4 Este


estado de “menoridade”– e a expressão “minoria” tem sua ori-
gem nesta condição – é constitutivo do próprio “contrato so-
cial” instaurador dos direitos: não é à toa que a declaração da
Revolução Francesa diz respeito ao “homem” (direitos civis) e
ao “cidadão” (direitos políticos). Este processo de inclusão
contratual é o mesmo processo de exclusão do âmbito de sua
abrangência dos direitos das mulheres e das crianças. Não
sendo partes no contrato originário, a eles não correspondem
direitos.

2. As “monoculturas da mente”, a modernidade e a


colonialidade: a redução da diversidade epistemológica
Esta visão de “direitos humanos” está baseada, por sua
vez, numa específica epistemologia que, privilegiando a ra-
zão ocidental, assenta, portanto, na produção contínua de uma
diferença epistemológica, não reconhecendo a existência, “em
pé de igualdade, de outros saberes, e que por isso se consti-
tui, de facto, em hierarquia epistemológica, geradora de mar-
ginalizações, silenciamentos, exclusões ou liquidações de
outros conhecimentos”.5 Tudo o que não é possível de ser
incluído no cânone, seja ele democrático, científico, moder-
no ou jurídico, é excluído, ignorado, silenciado, eliminado e
condenado à não-existência. É o que Boaventura de Sousa
Santos sinteticamente denomina de “desperdício da experi-
ência”.
Em contraposição, propõe o autor português o reconhe-
cimento das ausências, bem como das emergências, em que
se “configuram outros presentes e outros futuros”. Por meio

4
KANT, Immanuel. A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições 70,
1988, p. 11.
5
SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula G & NUNES, João
Arriscado. Introdução: para ampliar o cânone da ciência: a diversidade episte-
mológica do mundo. Op. cit., p. 45.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 299
de uma sociologia das ausências, procura-se demonstrar que
o que não existe é, em realidade, ativamente produzido como
não-existente, como alternativa não-crível à realidade.6 Tra-
ta-se da produção de sucessivas “monoculturas da mente”
(para utilizar uma expressão tão cara a Vandana Shiva): 1) a
monocultura do saber, com a produção da ignorância, em que
a ciência moderna é erigida em critério único de verdade; 2) a
monocultura do tempo linear, com a produção do resíduo,
declarando atrasado tudo que é assimétrico em relação ao
declarado avançado; 3) a monocultura da classificação social,
com a produção da inferioridade, pela naturalização das hie-
rarquias, de forma que quem é inferior, por ser insuperavel-
mente inferior, não pode ser alternativa a quem é superior; 4)
a monocultura da escala dominante, com a produção da par-
ticularidade ou localidade, privilegiando as entidades ou rea-
lidades que alargam seu âmbito no globo; 5) a monocultura
da produtividade, com a produção da improdutividade, que,
na natureza, produz esterilidade e, no trabalho, é a desquali-
ficação profissional.
Em suma, busca-se, pois, “revelar a diversidade e multi-
plicidade das práticas sociais e credibilizar esse conjunto por
contraposição à credibilidade exclusivista das práticas hege-
mônicas”.7 Por este motivo, não se salienta, aqui, a “diversi-
dade de culturas”, mas sim uma “cultura de diversidade”, as-
sente no reconhecimento de distintas “ecologias”, que não
reduzem o existente apenas à visão hegemônica da razão oci-
dental imperial.
Ora, é justamente este privilégio epistemológico que
fomentou o orientalismo, a concepção do Oriente que domi-
na nas ciências sociais e nas humanidades, a partir do final

6
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma sociologia das ausências e uma so-
ciologia das emergências. In: ______ (org). Conhecimento prudente para uma
vida decente. Porto: Afrontamento, p. 743-6, 2003.
7
Idem, ibidem, p. 750.
300 BALDI, César Augusto • Da Diversidade de Culturas à Cultura da Diversidade

do século XVIII, baseada nos seguintes pontos principais: uma


distinção total entre “nós” ocidentais e “eles” orientais; a su-
perioridade do Ocidente desenvolvido, racional e humano
contraposta ao Oriente aberrante, inferior, subdesenvolvido,
despótico; o Ocidente como entidade dinâmica, diversa, pas-
sível de autotransformação e autodefinição, ao passo que o
Oriente é estático, eterno, uniforme, incapaz de auto-repre-
sentação; e, por fim, o Oriente como entidade temível, que
deve ser controlado pelo Ocidente (por meio de guerra, inva-
são, colonização, “pacificação”, etc.).8
Como bem salienta Walter Mignolo, “não pode haver
um Oriente, como “outro”, sem o Ocidente como ‘o mesmo”: o
ocidentalismo “era a figura geopolítica que constelava o imagi-
nário do sistema mundial colonial/moderno. Como tal, era tam-
bém a condição da emergência do orientalismo”.9 E as Améri-
cas, assim, não são diferentes da Europa (como o são Ásia e
África), mas sim a sua continuação. Conseqüentemente: não
existe modernidade sem a colonialidade, ainda quando exis-
tam livros sobre colonialismo e outros sobre modernidade (como
entidades separadas que não se imbricam, nem interagem), ain-
da quando se afirme que a modernidade é uma questão euro-
péia, e a colonialidade, algo que ocorre fora da Europa.
Corolário desta visão é que, mesmo as altas culturas ori-
entais, têm sempre algo incompatível com a marcha da hu-
manidade “rumo à modernidade e ao verdadeiro universalis-
mo”: elas devem ficar “congeladas em suas trajetórias”, inca-
pazes de qualquer modificação ou criação de alguma versão
de modernidade “sem a intrusão de alguma força externa (ou
seja, européia)”10 O reconhecimento, por outro lado, de que a

8
SAID, Edward. Orientalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 50-70.
9
MIGNOLO, Walter D. Histórias locais/projetos globais: colonialidade, saberes
subalternos e pensamento liminar. Belo Horizonte: UFMG, 2003, p. 82
10
WALLERSTEIN, Immanuel. European universalism: the rethoric of power. New
York: New Press, 2006, p. 33
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 301
Europa foi, até a descoberta da rota atlântica, uma zona mar-
ginal do mundo, coloca a questão que Wallerstein, ironica-
mente, destaca: da mesma forma que Montesquieu pergunta-
va como alguém poderia ser persa, o grande desafio atual se-
ria: “como alguém pode ser não-orientalista?”11
Esta visão de que a colonialidade é o outro lado da mo-
dernidade tem um aspecto interessante para os dias atuais. É
que, no “Ocidente”, a modernidade é a abertura geopolítica
da Europa ao Atlântico, mas é, também, o momento em que a
“invenção” ou “invasão” da América se dá, simultaneamente,
à expulsão dos “mouros” e judeus da península Ibérica e ao
início do genocídio dos índios.12 Em tempos de “guerra infini-
ta ao terror” e de padronização de ajustes estruturais, associa-
dos a novas formas de colonialismo na Ásia, seria, no míni-
mo, irônico reconhecer o ressurgimento destas duas questões
fundacionais da modernidade, sob a roupagem atual de um
revigoramento da luta dos povos indígenas e do Islã como

11
Ibidem, p. 44 Ainda que, neste mais recente trabalho, Wallerstein associe a
discussão sobre a intervenção das potências européias e o discurso sobre a
conquista das Américas (seminários de Valladolid, com os argumentos de
Bartolomé de las Casas e Sepúlveda), sua crítica ainda não destaca, suficien-
temente, o processo colonial como constitutivo da própria problemática, nem
sequer identifica o processo atual como sendo “neocolonial”. Os argumentos
estão relacionados aos direitos humanos, ao universalismo e à possibilidade
de intervenção. Daí porque Mignolo saliente que sua crítica é uma crítica
não-eurocêntrica do eurocentrismo. Para uma discussão que associa univer-
salismo e relativismo com a questão colonial e os dualismos “bárbaros/civili-
zados” e “tradição/modernidade”, vide: RAJAGOPAL, Balakrishnan. Interna-
tional law from below: development, social movements and Third World resis-
tance. Cambridge: Cambridge University, 2003, p. 202-232
12
DUSSEL, Enrique. Transmodernidad e interculturalidad (interpretación des-
de la filosofía de la liberación). In: FORNET-BETANCOURT. Crítica intercul-
tural de la filosofia latinoamericana actual. Madrid: Trotta, 2004, p. 138-140.
Saliente-se, é verdade, que se trata, neste caso, da primeira modernidade,
tipicamente ibérica, a que se seguiu uma outra modernidade holandesa, para,
posteriormente, dar-se uma última, francesa e inglesa, que, contudo, como
destaca Walter Mignolo, é aquela que, com o Iluminismo, vai estabelecer toda
uma forma de pensar que hierarquiza as modernidades, ao mesmo tempo em
que reafirma o eurocentrismo.
302 BALDI, César Augusto • Da Diversidade de Culturas à Cultura da Diversidade

atores contra-hegemônicos. Na realidade, um “ajuste de con-


tas” que é, ao fim e ao cabo, a continuação de um processo de
“descolonização” interna e externa da modernidade, um ver-
dadeiro reconhecimento e reinventar de “modernidades al-
ternativas” e de ampliação da “monocultura da mente” para
formas distintas de ecologias de saberes e práticas sociais.
Para o que importa, aqui, no tocante aos direitos huma-
nos e à necessidade premente de uma interculturalidade, ne-
cessário, porém, afinar os conceitos. Uma filosofia intercultu-
ral pode nos mostrar que “outras civilizações, sem negar seus
aspectos negativos, também tiveram outros mitos que lhes
permitiram uma vida plena – evidentemente que para aque-
les que acreditaram neles”.13 Vale dizer, a interculturalidade
não significa compactuar com todos os aspectos de uma cul-
tura, mas tampouco considerá-los inferiores; não se abando-
na, portanto, a capacidade crítica e a análise dos fatores que
podem bloquear as propostas de emancipação. Combate-se,
aqui, com apoio em Raimundo Panikkar, tanto o monocultu-
ralismo quanto o multiculturalismo. O primeiro, porque ad-
mite um grande leque de diversidades culturais, mas somen-
te sobre o fundo único de um denominador comum. O segun-
do, porque consiste na existência separada e respeitosa entre
as diversas culturas, cada qual no seu mundo, ou seja, plura-
lidade de culturas inconexas entre si.14 Enquanto um asfixia,
por opressão, todas as culturas, o outro nos conduz a uma
guerra de culturas (com a previsível derrota das menos fortes)
ou nos condena a um apartheid cultural, que também se tor-
na irrespirável.15

13
PANIKKAR, Raimon. Religion, filosofia y cultura. Disponível em:
<www.polylog.org/them/1.1/fcs3-es.htm>, § 87.
14
PANIKKAR, idem, § 88.
15
Idem, ibidem, § 93.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 303
3. Os “islãs” e o repensar dos direitos humanos
A questão islâmica, nos dias de hoje, passa, inicialmen-
te, pela “descolonização” da linguagem. A fórmula “guerra ao
terror”, em que se associa Islã e terrorismo, ao mesmo passo
que distingue “bons” e “maus” islâmicos16, estes associados à
“modernidade ocidental” e aqueles refratários a esta, não é
nada mais que a reconfiguração, no século XXI, da distinção
“bárbaro-civilizado”, que marcou a fundação da “modernida-
de européia”, em que a “razão ocidental”, por seu próprio pri-
vilégio, pode aos outros nomear, sem a si mesmo ser nomea-
da.
Para além de um discurso único, o Isl㠖 e aqui se utili-
za o nome que a religião, no seu ato de fundação, a si própria
se concedeu – constitui uma variedade de posicionamentos
jurídico-políticos, em três vertentes principais – xiismo, su-
nismo e sufismo, a que correspondem, pelo menos, seis esco-
las jurídicas, distintas em suas visões de mundo, fontes jurí-
dicas, processos emancipatórios e regulatórios, distribuição
geográfica e peso institucional em diversos países, dependen-
do, inclusive, do “colonizador” que o hoje país islâmico teve
– inglês, holandês, etc. O mais acertado, pois, seria falar em
“Islãs” no plural sempre, sem esquecer, por óbvio, que a po-
pulação árabe islâmica representa não mais que 13% do total,
e que a maior população muçulmana se encontra na Indoné-
sia (mais de 200 milhões de crentes), e a segunda maior na
Índia, país tradicionalmente tido apenas como hinduísta.
Para além de tudo isto, a complexa relação entre Islã e
direitos humanos, passa, também, pela própria reconfigura-
ção de ambos à luz um do outro, ou seja, pela demonstração
de incompletude de lado a lado, a partir de uma perspectiva

16
Vide, neste sentido, a distinção feita em: MAMDANI, Mahmood. Good mus-
lim, bad muslim: America, the Cold War and the roots of terror. Petaling Jaya:
Forum, 2005.
304 BALDI, César Augusto • Da Diversidade de Culturas à Cultura da Diversidade

intercultural. Assim, por exemplo, o diálogo entre ambas as


tradições tem demonstrado a possibilidade de encontrar um
“topoi” 17 comum na noção de “umma” (comunidade de
crentes),que denotaria a ênfase na coletividade, em detrimento
à individualidade dos direitos humanos ocidentais, ao passo
que o apego demasiado aos deveres implicaria a desconside-
ração de direitos de populações mais marginalizadas, tais como
as mulheres. Weeramantry, por sua vez, entende que a cultu-
ra islâmica pode ajudar a enriquecer a cultura de direitos hu-
manos justamente porque “a ênfase em direitos necessita ser
temperada com a correspondente ênfase em deveres”, do
mesmo modo que “a ênfase em valores puramente materiais
necessita ser temperada por uma ênfase nos valores sociais,
humanísticos e culturais, que tendem a ser obscurecidos pela
discussão de direitos puramente civis e políticos”.18 Assim, se
a fraqueza fundamental da cultura ocidental consiste em “esta-
belecer dicotomias demasiado rígidas entre o indivíduo e a so-
ciedade, tornando-se assim vulnerável ao individualismo pos-
sessivo, ao narcisismo, à alienação e à anomia”, a fraqueza fun-
damental da cultura islâmica é devida ao fato de não “reconhe-
cer que o sofrimento humano tem uma dimensão individual
irredutível, a qual só pode ser adequadamente considerada
numa sociedade não hierarquicamente organizada”.19

17
Os topoi, como já nos ensinara a Retórica, são lugares comuns teóricos, pre-
missas fundantes da argumentação que, sendo auto-evidentes, permitem a
produção de troca de argumentos e, portanto, o diálogo (PERELMAN, Chaim
& OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Traité de l’argumentation. Bruxelles: Univer-
sité de Bruxelles, 1988, p. 112-113). O deslocamento dos topoi fortes de uma
cultura para o contexto de outra, contudo, torna-os vulneráveis, porque, re-
contextualizados, passam a ser vistos como meros argumentos e não mais
como premissas evidentes. Daí tal hermenêutica ter sido intitulada por Rai-
mundo Panikkar (vide nota 62) como “hermenêutica diatópica” (“dia”: atra-
vés; “topos”: lugares comuns teóricos).
18
WEERAMANTRY, C. G. Islamic Jurisprudence: an international perspective.
Kuala Lampur: Other Press, p. 125, 2001.
19
SANTOS, Boaventura de Sousa. Por uma concepção multicultural dos direi-
tos humanos. In: BALDI, César Augusto (org). Direitos humanos na sociedade
cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 260.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 305
Esta, contudo, não é a única narrativa possível, de que
os esforços de Azizah al-Hibri, ao retrabalhar a noção de “ka-
ramah” (dignidade)20 e de Recep Senturk (Turquia),21 ao de-
monstrar a tensão entre ismah” (inviolabilidade) e
“âdammyyah” (humanidade), entre as distintas correntes ju-
rídicas islâmicas, são apenas alguns bons exemplos. E mes-
mo a noção de “umma” tem vindo a ser problematizada em
tempos pós-nacionais e de interação pela internet, como se
percebe das propostas de Asma Barlas (Paquistão/EUA), Sal-
man Sayyid (UK)22 e Farish Noor (Malásia), este último pug-
nando por um “Islam bi la hudud”, um Islã sem fronteiras e
verdadeiramente universal, e que diante de uma realidade
plural, multicultural, desigual, complexa, sem fronteiras e
injusta, não pode ignorar que: 23
Necessitamos forjar uma nova cadeia de equivalências que
equacione os interesses universais com os muçulmanos e os
problemas universais com os muçulmanos. O coração mu-
çulmano não pode sangrar somente quando vê lágrimas e so-
frimentos muçulmanos. Se nós não formos movidos pelas con-
dições ruins e o sofrimento dos outros, se não pudermos sen-
tir a dor e as ansiedades dos outros, se não pudermos com-
partilhar a alegria e aspirações dos outros, então não pode-

20
Vide, especificamente, o site www.karamah.org
21
SENTURK, Recep. Sociology of Rights: “I am therefore I have rights”: Human
rights in Islam between Universalistic and Communalist Perspectives. IN:
BADERIN, Mashood; MONSHIPOURI, Mahmood; WELCHMAN, Lynn &
MOKHTARI, Shadi. Islam and Human rights: advocacy for social change in
local contexts. New Delhi: Global Media, 2006, p. 375-416; SENTURK, Recep.
Minority in Islam: from Dhimmi to citizen. In: HUNTER, Shireen & MALIK,
Huma (org). Islam and Human Rights: advancing a US-Muslim Dialogue. Wa-
shington: CSIS, 2005.
22
SAYYID, S. Beyond Westphalia: Nations and Diasporas– the case of Muslim
Umma. Jamaat-e-Islami Bangladesh. Disponível em <http://www.jamaat-e-
islami.org/rr/nationsdiasporas_sayyid.html>
23
NOOR, Farish A. What is the victory of Islam? Towards a different understan-
ding of the Umma and political success in the contemporary world. In: SAFI,
Omid (ed). Progressive Muslims – on justice, gender, and pluralism. Oxford:
Oneworld, 2003. p. 332.
306 BALDI, César Augusto • Da Diversidade de Culturas à Cultura da Diversidade

mos reivindicar os mesmos direitos e atribuições para nós


mesmos. E tampouco podemos dizer que a nossa é uma abor-
dagem universal do Islã. A mensagem universal do Islã não
será – e não se transformará – uma realidade enquanto não
ultrapassar os domínios do Dar-al-Islam.” 24
Esta releitura interna das tradições vem sendo defendi-
da por autores tão díspares quanto Abdullahi An-naim (Su-
dão/EUA),quanto Ebrahim Moosa (África do Sul/EUA). O pri-
meiro, por exemplo, a par de sua conhecida releitura do Co-
rão, em termos de versos de Meca, que consubstanciaram a
mensagem universal do Islã, da “Umma” inclusiva e de reco-
nhecimento de dignidade para todos os seres humanos, e de
Medina, em que se trataria da mensagem contextualizada ao
tempo de sua “revelação”, tem insistido na “relevância e ne-
cessidade, para os direitos humanos, de uma perspectiva lo-
cal, nativa”, diminuindo “formas de dependência intelectual
e política”, de forma a ter, localmente, “formas sustentáveis
de proteção de direitos humanos e democracia”25, de que é
exemplo sua afirmação de que:
“Se, por exemplo, quero falar sobre direitos humanos, liber-
dade de pensamento e racionalidade, porque deveria citar

24
A doutrina jurídica islâmica clássica distingue “Dar al Islam” (espaço de mundo
islâmico) e “Dar al Harb” (espaço de mundo não-islâmico), daí sustentando
alguns que ao primeiro corresponderia o mundo de paz, e outro, de perma-
nente guerra. Tal doutrina, contudo, não decorre nem do Corão nem dos ditos
do profeta. Para a rediscussão de tais conceitos, incluindo a desmistificação
da equivalência entre “jihad” e “guerra santa”, vide: FADL, Khaled Abou El.
The great thief: wrestling Islam from the extremists. San Francisco: Harper,
2005, p. 230-250; RAMADAN, Tariq. Jihad, violence guerre et paix en islam.
Lyon: Tawhid, 2002; SARDAR, Ziauddin. What do muslims believe? Lon-
don: Granta, 2006, p. 75-77; BARLAS, Asma. Jihad=Holy war= Terrorism: the
politics of conflation and denial. Disponível em: http://www.asmabarlas.com/
PAPERS/2003_AJISS.PDF
25
AN-NA’IM, Abdullahi. Muslim must realize that there is nothing magical about
the concept of human rights. IN: NOOR, Farish. New voices of Islam. Nether-
lands: ISIM, 2002, p. 11. Disponível em : http://www.isim.nl/files/
paper_noor.pdf
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 307
alguém como Kant? Por que não posso, como muçulmano,
citar Ibn Rushd, que disse e escreveu as mesmas coisas cente-
nas de anos antes de Kant? Esta é, para mim, a melhor forma,
para nós, no mundo islâmico, de reavivar o debate sobre di-
reitos humanos, individualismo, racionalidade e liberdade de
pensamento e expressão.
Ebrahim Moosa, por outro lado, salienta que, da “mes-
ma forma que uma tradição não é estática, mas constante-
mente se reinventa a si mesma, similarmente o equivalente
cultural de direitos humanos não é fixo”26, e outras aborda-
gens podem ser hábeis para encontrar uma “linguagem co-
mum” entre o discurso de direitos humanos e de direitos islâ-
micos, de tal forma que os pensadores islâmicos devem ter
em conta “as transformações sociológicas, econômicas e polí-
ticas que têm ocorrido nas sociedades islâmicas”. Este é, por
sua vez, o intento das chamadas “feministas islâmicas”, aqui
entendida a corrente de pensamento que defende “um dis-
curso de igualdade de gênero e justiça social que deriva seu
entendimento e mandato do Corão e procura a prática de di-
reitos e justiça para todos os seres humanos na totalidade de
sua existência num continuum de público-privado”27.
Neste sentido, os intentos desenvolvidos por Asma Bar-
las, Amina Wadud28 e Heba Ezzat (Egito) vêm desafiando, mais
que o “mainstream” islâmico interno, a própria epistemologia
em que se baseiam os desenvolvimentos do “feminismo” no

26
MOOSA, Ebrahim. The dilemma of Islamic Rights Schemes. Works and Kno-
wledges Otherwise (WKO ), vol I, dossier 1 (Human rights, democracy and
Islamic law), number I, fall 2004, Disponível em : http://www.jhfc.duke.edu/
wko/dossiers/1.1/MoosaE.pdf, p. 16.
27
BARLAS, Asma. Islam, feminism and living as the ‘muslim women’. Disponí-
vel em: <http://www.muslimwakeup.com/main/archives/2004/03/
islam_feminism.php
28
WADUD-MUHSIN, Amina. Qur’an and woman: rereading sacred text from a
woman’s perspective. New York: Oxford University Press, p.15-29 e 62-94,
1999. Vide também: WADUD, Amina. Inside the gender jihad: women’s re-
form in Islam. Oxford: Oneworld, 2006
308 BALDI, César Augusto • Da Diversidade de Culturas à Cultura da Diversidade

Ocidente, seja porque : a) veiculando o pensamento em ter-


mos religiosos, a partir de uma releitura do Corão em termos
não-patriarcais e em absoluta ênfase de igualdade e co-regên-
cia do universo, colocam em xeque a primazia da veiculação
do discurso de direitos humanos em termos “seculares” – e a
própria noção destes direitos se constitui como contraposto à
dominação religiosa, então vigente na Europa, e, neste ponto,
as dicotomias “secular” e “teológico”, “leste” e “oeste” ou “Islã”
e “democracia” ignoram “o complexo, envolvente diálogo a
respeito de igualdade de gênero em uma vigorosa sociedade
civil”29; b) ao mesmo tempo, descredenciam o “status” privi-
legiado da ciência como forma de saber. Por fim, o próprio
conceito, formulado pela última autora, de um “secularismo
islamicamente democrático” é um sério repensar das noções
de “umma” (comunidade islâmica), “civilidade”, política, es-
tado e secularismo, de forma a abraçar uma “pacífica luta por
uma ‘civil jihad’ contra a pobreza e a discriminação”, desen-
volvendo, assim, um “entendimento de uma política da pre-
sença, deliberação, comunicação e negociação na vida diária,
bem como de um ativo papel das mulheres e das minorias na
política local30, colocando em contato os debates sobre Islã
democrático e progressista e aqueles outros sobre democracia
radical no mundo ocidental.
Estes projetos, que vêm sendo dinamizados por organi-
zações tão distintas quanto a “Sisters in Islam” (Malásia)31,
“JUST” (Malásia)32 ou “Progressive Muslims” e “Karamah”
(EUA), não têm sequer desconsiderado a necessidade de uma

29
BARLAS, Asma. Globalizing equality: muslim women, theology, and femi-
nism. In: NOURAIE-SIMONE, Fereshteh. On shifting ground: Midle Eastern
women in the global era. New York: Feminist Press, 2005, p. 107.
30
EZZAT, Heba Raouf & ABDALA, Ahmed Mohammed. Towards an islamically
democratic secularism. In: AMIRAUX, Valérie et allii. Faith and secularism.
London: British Council, 2004, p. 50.
31
http://www.sistersinislam.org.my
32
http://www.just-international.org
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 309
“epistemologia corânica” na defesa de gays e lésbicas, de que
a “queer jihad”, na África do Sul, e o repensar da questão, por
parte de Scott Kugle e Kecia Ali,33 são apenas alguns exem-
plos. O primeiro, aliás, insistindo, com base na leitura do
Corão, na diversidade de sexualidades e no reequacionamen-
to da narrativa de Lot, e perguntando de forma explícita: “Por
que não continuar a estender este desafiante foco de justiça
para as esferas mais íntimas de nossas vidas sexuais, de for-
ma a pensar de forma mais clara como as nossas vidas eróti-
cas se cruzam com as nossas vidas espirituais?”34. Não é de-
mais, lembrar, ainda, que o movimento negro islâmico foi não
somente importante para a luta contra o apartheid na África
do Sul,35 mas também o foi, no Brasil, para a luta abolicionis-
ta, no que diz respeito à Revolta dos Malês.
O confronto mais visível, contudo, nas sociedades eu-
ropéias é aquele que se deu quanto à utilização ou não do
“véu islâmico”. A par de englobar na mesma categoria comu-
nidades que são ou não islâmicas – estas últimas utilizam o
véu como símbolo de identidade nacional –, a discussão esta-
beleceu, no geral, uma associação imediata entre mulher “is-

33
KUGLE, Scott Siraj al-Haqq. Sexuality, diversity and ethics in agenda of pro-
gressive muslim. In: SAFI, Omar. Progressive muslims. Oxford: Oneworld,
2003, p. 192-193; ALI, Kecia. Sexual ethics & Islam: feminist reflections on
Qur’an, hadith, and jurisprudence. Oxford: Oneworld, 2006; KUGLE, Scott.
Queer Jihad: a view form South Africa. Disponível em: http://www.isim.nl/
files/Review_16/Review_16-14.pdf ; ANWAR, Ghazala. Female homoeroti-
cism in Islam. Encyclopedia of Homosexuality. (volume on lesbianism) Taylor
and Francis, 1990; bem como os sites http://www.al-fatiha.org, http://
www.theinnercircle-za.org e da “queer jihad” (http://www.well.com/user/
queerjhd/), bem como a entrevista de Suleiman X, um americano converti-
do ao Islã (disponível em: http://gaytoday.badpuppy.com/garchive/viewpo-
int/013100vi.htm)
34
KUGLE, Scott Siraj al-Haqq. Sexuality, diversity and ethics in agenda of pro-
gressive muslim. In: SAFI, Omar. Progressive muslims. Oxford: Oneworld,
2003, p. 227.
35
ESACK, Farid. Qur’an, liberation and pluralism: an Islamic perspective of inter-
religious solidarity against oppression. Oxford: Oneworld, 1997, p. 61-81.
310 BALDI, César Augusto • Da Diversidade de Culturas à Cultura da Diversidade

lâmica” e “submissa”, em claro perfil orientalista, e contrário


a todo o repensar “feminista” que já foi claramente salientado
acima, e de que a Revolução Iraniana, em seu período inicial,
com massiva participação feminina, é apenas uma faceta.
Por outro lado, ao se concentrar na “laicidade” ou no
“secularismo”, a discussão passou ao largo da questão de “gê-
nero” e de autonomia mínima no sentido de escolha livre,
como se a mera utilização do véu constituísse a abdicação da
liberdade. Aliás, ignorou a própria multiplicidade de signifi-
cados de sua utilização, de que a gama de cores (vermelho,
verde, laranja, amarelo, branco, negro, por exemplo) ou as
distintas tradições islâmicas e a influência das regionalida-
des são apenas algumas facetas: “entre o véu haïk (tradicio-
nal), o niqab (fundamentalista: negro e que cobre todo o ros-
to) e o hiyab (versão islâmica moderna que, diferentemente
dos demais, cobre a cabeça, mas deixa o rosto descoberto, de
forma que o véu perde sua missão tradicional de fazer invisí-
vel e anônima a mulher no espaço público), há toda uma lin-
guagem sociológica que expressa a diferença entre a nova ge-
ração e a precedente, entre a que estuda e sai e a reclusa,
entre a que se afirma e a que se submete”.36 E, por fim, relati-
vamente à legislação francesa, a proibição da utilização de
“símbolos religiosos ostensivos”, nada mais fez que ressusci-
tar a discussão entre “religiões modernas” e “religiões arcai-
cas”, reproduzindo a “monocultura do tempo linear”, com
privilégio absoluto à religião cristã, ignorando a complexa
negociação de sentidos entre modernidade e tradição, espa-
ços público e privado.37

36
MARTÍN-MUÑOZ, Gema. La percepción occidental de los conflictos en el
mundo musulmán: cultura frente a política. Direito e Democracia, (5) 1:
2004, 53-54.
37
BENHABIB, Seyla. The claims of culture: equality and diversity in the global
era. Princeton: Princeton University, 2002, p. 94-100.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 311
4. O renascer das reivindicações indígenas em Abya Yala
No que toca à questão indígena, o intento de “descons-
trução” começa pela própria denominação do espaço geográ-
fico habitado. É que América é a denominação que a Renas-
cença deu para o mundo então conhecido, tendo como mote
a tradição bíblica dos filhos de Noé: Sem, Cam e Jafé. E Amé-
rica Latina, em contraposição à América Anglo-Saxã, é o re-
sultado da configuração geopolítica instaurada com o início
da hegemonia estadunidense no sistema-mundo, ao mesmo
tempo em que Espanha perdia Cuba e Filipinas, em 1898, uma
“latinidade”, que, acentuando o hispânico e o português, ig-
nora, solenemente, dentre outras, a diversidade cultural do
Caribe e o Suriname (em que 37% da população é descendente
de imigrantes indianos).38 Daí porque os povos indígenas te-
nham optado pelo nome kuna de Abya Yala (“a terra onde vive-
mos”), um nome que se encontra em diálogo solidário (e soli-
dariedade, ensina Boaventura Santos, é o conhecimento-eman-
cipação, oposto ao conhecimento do colonialismo) com as pro-
postas de “Nuestra América”, de Jose Martí (Cuba), da “Améri-
ca Profunda”, de Rodolfo Kusch (Argentina) e da antropofagia,
nas versões de Oswald de Andrade e de Darci Ribeiro.39
Para além do português – e mesmo reconhecendo a per-
sistência de comunidades italianas, alemãs, chinesas e japo-
nesas, que conservam sua língua materna no território brasi-
leiro – é de se reconhecer a existência de nada menos que 180
línguas indígenas faladas por 222 povos, a maior parte deles
localizados na “Amazônia Legal”, incluindo casos de multi-
lingüismo entre as comunidades “tukano”, embora apenas 11

38
Para a discussão destas questões: MIGNOLO, Walter. The Idea of Latin Ameri-
ca. Oxford: Blackwell, 2005; GLISSANT, Édouard. Introdução a uma poética
da diversidade. Juiz de Fora: UFJF, 2005.
39
Para uma discussão dos trabalhos de Jose Martí e da antropofagia: SANTOS,
Boaventura de Sousa. Nuestra América. Reinventar um paradigma subalter-
no de reconhecimento e redistribuição. In: A gramática do tempo: para uma
nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006, p. 191-225.
312 BALDI, César Augusto • Da Diversidade de Culturas à Cultura da Diversidade

línguas tenham mais de cinco mil falantes (baniwa, guajajara,


kaingang, kayapó, makuxi, sateré-mawé, terena, ticuna, xa-
vante, yanomami e guarani)40. Uma verdadeira Babel ignora-
da. Não é demais lembrar a existência de uma língua geral
paulista, com origem no tupi, muito influente até o século
XVII, e outra língua geral amazônica, a partir do tupinambá,
nos séculos XVII e XVIII, conhecida, a partir do século XIX,
como “nheengatu”, que ainda se mantém como língua de co-
municação entre índios e não-índios, entre índios de diferen-
tes línguas e de povos que perderam suas línguas. Em reali-
dade, o português somente se fixou como língua dominante
no país pouco antes da Independência.41
Nas distintas cosmologias indígenas, têm-se uma que-
bra do monopólio da escritura, e, portanto, a história oral,
que pode trabalhar com temporalidades, ritmos e conceitos
distintos da história documental, acaba por revelar as percep-
ções profundas sobre a dominação, a opressão e o colonialis-
mo, bem como a renovação identitária, denotando, portanto,
raciocínios históricos distintos e um privilégio epistemológico
ao “escutar”e não ao “ver”, típico do pensamento ocidental.42
A existência de outras temporalidades, em antípoda à
“monocultura do tempo linear”, é bem evidente em vários
cultos de antepassados existentes no Sudeste Asiático (em
especial Vietnã, Laos e Camboja) e pode ser verificada na cos-
mologia aymara:43

40
Os dados estão disponíveis no levantamento feito pelo Instituto Socioambi-
ental, no site : http://www.socioambiental.org/pib/portugues/linguas/
index.shtm
41
VILLALTA, Luiz Carlos. Uma Babel colonial. Nossa história. VeraCruz/Funda-
ção Biblioteca Nacional, 1(5): p. 58-63, março 2004.
42
RIVERA CUSICANQUI, Silvia. El privilegio epistemológico y teórico de la
historia oral: da la lógica instrumental a la descolonización de la historia.
Temas sociales, 1987.
43
RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Modernidad y situación colonial. La Paz: La
Prensa, 30 julio 2006. Disponível em : http://www.laprensa.com.bo/20060730/
opinion/opinion02.htm
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 313
Tudo isto mostra que nós, indígenas, fomos e somos, antes de
tudo, seres contemporâneos, coetâneos e, nesta dimensão – o
aka pacha – se realiza e desenvolve nossa própria aposta pela
modernidade. Não há “pós” nem “pré”, numa visão da histó-
ria que não é nem linear nem teleológica, que se move em
ciclos e espirais, que marca um rumo sem deixar de retornar
ao mesmo ponto. O mundo indígena não concebe a história
linearmente, e o passado-futuro estão contidos no presente: a
regressão ou a progressão, a repetição ou a superação do pas-
sado estão em jogo em cada conjuntura e dependem de nos-
sos atos, mais que de nossas palavras. O projeto de moderni-
dade indígena poderá aflorar a partir do presente, numa espi-
ral cujo movimento é um contínuo retro-alimentar-se do pas-
sado sobre o futuro, um “princípio-esperança” ou “consciên-
cia antecipante” (Bloch), que vislumbra a descolonização e a
realiza ao mesmo tempo. A experiência da contemporaneida-
de nos remete no presente – aka pacha – e, ao mesmo tempo,
contém as sementes do futuro que brotam do fundo do passa-
do – qhip nayr uñtasis sarnaqapxañani –. O presente é cená-
rio de pulsões modernizadoras e arcaizantes, de estratégias
preservadoras do status quo e de outras que significam a re-
volta e renovação do mundo: o pachakuti.”
Isto pode implicar, como no caso da cultura andina, um
conceito de justiça cósmica (chaninchay), baseado na reci-
procidade e na manutenção do equilíbrio cósmico, um pro-
cesso de relacionalidade, em que se misturam relações inter-
pessoais, mas também relações entre o homem e os fenôme-
nos metereológicos, por exemplo, de modo que os rituais pas-
sam a ser parte importante no processo da restauração da or-
dem.44 E significaria, também, um repensar de vários direitos:
a) do próprio direito ao ambiente, fundado em cosmologia
distinta (uma teoria constitucional num Estado democrático
pluralista deve levar este dado em conta e se voltar à diversi-

44
ESTERMAN, Josef. Filosofia andina.estudio intercultural de la sabidoria au-
tóctona andina. Quito: Abya Yala, 1998, p. 233-234.
314 BALDI, César Augusto • Da Diversidade de Culturas à Cultura da Diversidade

dade também);45 b) à terra, porque esta, mais vinculada à an-


cestralidade e à coletividade, rompe com o viés privatista tí-
pico com que é tratada no mundo jurídico ; c) à água, porque
fundamental ao desenvolvimento das atividades; d) à biodi-
versidade, porque coloca em xeque o privilégio da ciência oci-
dental frente ao “conhecimento tradicional” de curandeiros e
xamãs, no que diz respeito em especial à farmacologia, ao
mesmo tempo em que revigora a necessidade de patentea-
mento de seu conhecimento. Tudo isto em evidente contra-
posição às monoculturas da produtividade e do saber. E não
se olvide, aqui, ainda, a luta dos indígenas da região andina e
do Prata, no sentido da despenalização da folha de coca, na
campanha “Coca y soberania”, destacando as propriedades
medicinais da planta.46
Este protagonismo dos povos indígenas no caso brasi-
leiro encontra substrato tanto no art. 231 da Constituição,
quanto nos movimentos relativos aos 500 anos do Brasil e na
incorporação, na ordem jurídica interna, da convenção 169
da OIT, esta última garantindo o respeito no tocante a “práti-
cas sociais, culturais e religiosas”, aqui incluído seu “direito
consuetudinário”, bem como a consulta prévia no caso de
medidas “administrativas ou políticas que possam afetá-las
diretamente”. Ao mesmo tempo, o direito de as comunidades
determinarem as prioridades para o seu próprio processo de
desenvolvimento (art. 7º), implicitamente rompe com o pa-
drão colonial de menoridade. Um “constitucionalismo multi-
cultural”, tal como previsto em países como a Colômbia, tem

45
Para uma discussão sobre os desafios do constitucionalismo moderno, no sen-
tido do reconhecimento da diversidade: TULLY, James. Strange multiplicity:
constitucionalism in an age of diversity. 6ª ed. Cambridge: Cambridge Univer-
sity, 2005, em especial p. 62-78
46
Vide o site www.cocasoberania.org Para uma discussão sobre as percepções
da produção cocaleira boliviana no contexto das políticas dominantes de in-
terdição e erradicação, vide: RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Las fronteras de
la coca: epistemologías coloniales y circuitos alternativos de la hoja de coca.
La Paz: IDIS-UMSA/Aruwiyiri, dezembro de 2003.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 315
se deparado com a questão do autogoverno das comunidades
indígenas, dos procedimentos penais e eleitorais internos e
com os limites de atuação das cortes.47
Da mesma forma, existem desafios gigantescos para a
educação num processo de interculturalidade, pois esta deve
abranger os sistemas de valores indígenas e, sempre que pos-
sível, na mesma língua materna e em regime de co-participa-
ção. Em muitos casos, para aprender, o indígena necessita de-
saprender o seu próprio conhecimento, porque a escola e a
universidade não aceitam o seu saber como “legítimo”.
Um passo interessante foi a adoção, como idiomas coo-
ficiais, do tukano, do binawa e do nheengatu, no município
de São Gabriel da Cachoeira (AM), pela Lei n 145/2002, re-
centemente regulamentada,48 localidade com o maior percen-
tual de população indígena do pais: 73,31%. Não se deve es-
quecer, contudo, que os processos de miscigenação têm cons-
tituído, em determinados paises, tais como Peru e Bolívia, em
verdadeiro entrave de reconhecimento de direitos: os indíge-
nas, durante muito tempo, foram invisibilizados como “cam-
pesinos”. Daí porque Silvia Rivera Cusicanqui (Bolívia) de-
nuncie os mecanismos de “mestiçagem colonial”49, que man-
têm inquestionada a suposta hierarquia da cultura branca oci-
dental sobre as culturas nativas, normalizando, internalizan-
do e naturalizando a violência, num processo similar àqueles
do “racismo cordial”e do “branqueamento”.

47
MALDONADO, Daniel Bonilla. La constitución multicultural. Bogotá: Siglo
del Hombre, 2006, em especial a discussão da jurisprudência correspondente
em p. 148-270.
48
http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI1241958-EI306,00.html
49
RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Nuevos partidos, viejas contradiciones. In:
ALBO, Xavier & BARRIOS, Raul. Violencias encubiertas en Bolívia. La Paz:
CIPCa-Aruwyiri, 1993, p. 127
316 BALDI, César Augusto • Da Diversidade de Culturas à Cultura da Diversidade

5. À guisa de conclusão: a cultura da diversidade


e a necessidade de reconfiguração dos
Direitos Humanos em perspectiva intercultural
No contexto de estados pós-nacionais e pós-seculares,
os problemas de direitos, justiça e igualdade têm sido pen-
sados na perspectiva da inclusão. A inclusão, contudo, e tal-
vez paradoxalmente, não é a resposta para os problemas de
exclusão e nem para o cosmopolitismo. Pensar em inclusão
significa, ainda e claramente, que o agente que estabelece a
inclusão está, ele mesmo, além da inclusão: afinal, “se se
vai incluir toda a gente de um dado grupo, primeiro alguém
tem que decidir quem são os membros desse grupo.”50 Não é
disto, pois, que se trata – o processo de inclusão é, sempre,
um processo de várias e novas outras exclusões –, mas sim
da possibilidade da participação e, portanto, de as vozes “si-
lenciadas e marginalizadas” entrarem “em conversação de
projetos cosmopolitas”, ou seja, “o reconhecimento e a trans-
formação do imaginário hegemônico a partir de uma pers-
pectiva dos povos em posições subalternas.”51
Do que se trata, pois, é de um cosmopolitismo que
assente em pressupostos distintos daqueles que fundaram
a discussão, por exemplo, em Kant. Sim, porque este pres-
supunha, em realidade, uma “geopolítica do conhecimen-
to” em que os povos não-ocidentais não cabiam em seu
projeto, o que fica evidente em sua taxonomia das raças
branca (europeus), amarela (asiáticos), vermelha (índios
americanos) e negra (africanos), em que somente a pri-

50
WALLERSTEIN, Immanuel. O albatroz racista: a ciência social, Jörg Hai-
der e a resistência. Revista Crítica de Ciências Sociais, (56): fevereiro de
2000, p. 20.
51
Neste sentido, a crítica de: MIGNOLO, Walter. The many faces of cosmo-
polis: border thinking and critical cosmopolitan. Disponível em: http://
w w w. d u k e . e d u / ~ w m i g n o l o / I n t e r a c t i v e C V / P u b l i c a t i o n s /
ManyFacesCosmo.pdf, p.9.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 317
meira “possui, em si mesma, toda as forças motivadoras e
talentos”. 52
Em cada cultura, “há uma história de luta pela determi-
nação de suas metas e valores”, o que gera, pelo menos como
possibilidade, “não uma, mas uma pluralidade de tradições”.
Desta forma, por trás de uma face que se nos oferece uma
cultura como “uma tradição estabilizada em um complexo
horizonte de códigos simbólicos, de formas de vida, de siste-
ma de crenças, etc. há sempre um conflito de tradições”. Um
conflito de tradições que, por sua vez, deve ser lido “como a
história que evidencia que em cada cultura há possibilidades
truncadas, abortadas, por ela mesma; e que, conseqüentemen-
te, cada cultura pode também ser estabilizada de outro modo
como hoje a vemos”.53 Esta via alternativa à cultura estabili-
zada, pode ser obtida “seja recuperando a memória das tradi-
ções truncadas ou oprimidas na história de seu universo cul-
tural, seja recorrendo à interação com tradições de outras cul-
turas, ou inventando perspectivas novas a partir do horizonte
das anteriores”.54 Um fenômeno que Raúl Fornet-Betancourt
designa como “desobediência intercultural” e que passa pelo
reconhecimento de que “identidades culturais são processos
conflitivos que devem ser discernidos, e não ídolos a conser-
var ou monumentos de um patrimônio nacional intocável”. 55
Mais que diversidade, talvez fosse melhor falar em plu-
riversidade, multidiversidade (Ashis Nandy) ou “diversalida-
de” (Walter Mignolo), uma reconfiguração dos direitos huma-
nos como um conector dos diversos processos de subalterni-
zação (ou “contra-hegemonia”), de lutas e resistências por

52
A respeito desta discussão vide: EZE, Emmanuel Chukwudi. El color de la
razón: la idea de “raza” en la antropología de Kant. In: MIGNOLO, Walter
(comp). Capitalismo y geopolítica del conocimiento. Buenos Aires: Signo, 2001,
p. 223, 225-7, 250-1.
53
FORNET-BETANCOURT, Raúl. Transformación intercultural de la filosofia.
Bilbao: Desclée de Brouwer, 2001. p. 185.
54
FORNET-BETANCOURT, Raúl. Op. cit., p. 187.
55
Idem, ibidem, p. 188.
318 BALDI, César Augusto • Da Diversidade de Culturas à Cultura da Diversidade

noções distintas de justiça, apropriando e transformando os


projetos globais ocidentais, expressando as múltiplas “vozes
do sofrimento” e as distintas construções históricas de digni-
dade, numa crítica radical a todas as formas de fundamenta-
lismo.56
Além dos contributos assinalados, no tocante às tra-
dições islâmica e indígena, diversos outros poderiam ser
citados, tais como: nas cosmologias indígenas, o diálogo
intercultural de Luis Macas (Equador)57; nas tradições afri-
canas, o diálogo entre as concepções de direitos humanos
e o ubuntu (interdependência), em especial na África do
Sul58; na tradição budista, o “budismo engajado” de Sulak
Sivaraksa (Tailândia) 59 e a luta de Aung San Suu Kyi (Myan-
mar/Birmânia), prêmio Nobel da Paz 1991 60; na tradição
confuciana, Tu Weiming (China) 61; na tradição hinduísta,

56
Ver, neste sentido: MIGNOLO, Walter. The many faces…, p. 12-15; BAXI,
Upendra. The future of human rights. Oxford: Oxford University, 2006; SAN-
TOS, Boaventura de Sousa. Por uma concepção multicultural dos direitos
humanos. In: Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo cultu-
ral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 427-461.
57
MACAS, Luis. Dialogo de culturas: hacia el reconocimiento del otro. Disponí-
vel em: http://icci.nativeweb.org/yachaikuna/2/macas.html
58
TUTU, Desmond. God has a dream: a vision of hope for our time. Parktown:
Random House South Africa, 2005, p. 25-29.
59
SIVARAKSA, Sulak. A socially engaged buddhism. Bangkok: Thai Inter-Reli-
gious Commission for Development, 1988; YUK, Ip Hong. Trans thai buddism
and envisioning resistance: the engaged Buddhism of Sulak Sivaraksa. Ban-
gkok: Suksit Siam, june 2004.
60
OISHI, Mikio. Aung San Suu Kyi’s struggle: its principles and strategy. Pe-
nang: JUST, 1997, em especial p. 7-25; KYI, Aung San Suu. Heavenly abo-
des and human development. In: CHAPPELL, David (ed). Socially engaged
spirituality: essays in honor of Sulak Sivaksa on his 70 th birthday. Bangkok:
Sathirakoses-Nagapradipa Foundation, 2003, p. 633-643. Disponível, tam-
bém, em: http://www.burmainfo.org/assk/DASSK_1997_HeavenlyAbodes
HumanDevelopment.html
61
WEIMING, Tu. Os direitos humanos como um discurso moral confuciano. In:
BALDI, César Augusto (org). Direitos humanos na sociedade cosmopolita. Rio
de Janeiro: Renovar, 2004, p. 359-375.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 319
Raimon Panikkar 62, Arvind Sharma (Índia)63 e a luta das fe-
ministas “dalits”64; e, a partir do desenvolvimento das noções
gandianas de satyagraha (“desobediência civil” contra leis
injustas), swaraj (auto-gestão e auto-organizacão) e sarvodaya
(inclusão), os movimentos de bija swaraj (biodiversidade e
democracia de sementes), anna swaraj (soberania alimentar)
e jal swaraj (democracia da água), parte do projeto “democra-
cia da Terra”, de Vandana Shiva (Índia).65
Trata-se, pois, de um “pluriverso” de discursos emanci-
patórios, dos quais estas experiências, lutas e movimentos são
apenas uma parte, e que, em conversação intercultural umas
com as outras, formam alianças que lutam contra as opres-
sões por todos os lugares66, e que assumem significados preci-
sos e particulares quando decodificados localmente em cada
contexto cultural. Se os direitos humanos podem se consti-
tuir em “patrimônio comum da humanidade”, eles devem ser
“desprovincializados” e “descolonizados”, por meio de mú-
tuas trocas de experiências e saberes com outras culturas.

62
PANIKKAR, Raimundo. Seria a noção de direitos humanos uma concepção
ocidental? In: BALDI, op. cit., p. 239-277.
63
SHARMA, Arvind. Hinduism and human rights – a conceptual approach. New
York: Oxford University, 2004.
64
RAO, Anupama (ed). Gender & caste. London & New York: Zed Books, 2003
65
SHIVA, Vandana. Earth democracy: justice, sustainability and peace. Cam-
bridge: South End, 2005, em especial p. 109-143.
66
ESACK, Farid. The contemporary democracy and the human rights project
for muslim societies. In: SAID, Abdul Aziz, ABU-NIMER, Mohammed, SHA-
RIF-FUNK, Meena. Contemporary Islam: dynamic, not static. London: Rou-
tledge, 2006, p. 126-127; COSTA, Sergio. Beyond North South Dichotomies:
decentering Human Rights in Americas. Disponível em: http://www.er.uqam.ca/
nobel/ieim/IMG/pdf/construire_costa.pdf p. 13-14.
320 FORNET-BETANCOURT, Raúl • De La Importancia de La Filosofía Intercultural para...

12 – DE LA IMPORTANCIA DE
LA FILOSOFÍA INTERCULTURAL PARA
LA CONCEPCIÓN Y EL DESARROLLO
DE NUEVAS POLÍTICAS EDUCATIVAS
EN AMÉRICA LATINA

Raúl Fornet-Betancourt

1. La Filosofía, ¿es importante todavía?


Puede resultar un tanto extraño o sorprendente, y qui-
zás incluso desconcertante, que una conferencia1 que, como
su mismo título anuncia, se propone argumentar a favor de la
vigencia del significado de la reflexión filosófica, particular-
mente en su orientación intercultural, para afrontar los desa-
fíos educativos que se plantean en las sociedades latinoame-
ricanas de hoy, comience tratando una pregunta cuyo proble-
ma parece apuntar a una situación crítica de la filosofía en
nuestro tiempo que contradice o, al menos, cuestiona la afir-
mación central que quiere defender con su argumentación.
Pues se pensará, y con razón, que si nos proponemos
hablar de la importancia de la filosofía intercultural para una
nueva educación en América Latina y en el mundo contem-
poráneo en general, es porque de hecho estamos convencidos
de que la filosofía sigue teniendo importancia todavía para la

1
Texto de la conferencia presentada en el II Foro Latinoamericano de Educaci-
ón, Ciudadanía, Migración e Interculturalidad, celebrado en Cutzalan del
Progreso, Puebla (México) del 1 al 3 de diciembre de 2005.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 321
existencia humana o, dicho con más rigor, para discernir la
calidad de la existencia que queremos protagonizar, así como
para aprender a intervenir en el curso de la historia en el
mundo histórico que constituye la situación contextual mayor
de nuestras existencias. Pero, justamente, si estamos conven-
cidos de ello, ¿por qué entonces empezar con una pregunta
que parece quitarle fundamento al propio discurso al sugerir
que nos encontramos en una época para la cual la filosofía ha
dejado de ser un referente teórico-práctico con significación?
Vista desde ese convencimiento nuestro pareciera, por tanto,
que la pregunta de si la filosofía es importante todavía no
pudiese tener más sentido que el de una función retórica en
el desarrollo de nuestra argumentación. Mas no es así.
La pregunta no es meramente retórica. Es cierto que para
nosotros su respuesta no es una cuestión abierta: Sabemos, y
reconocemos, que buena parte de la filosofía que se produce
hoy en las instituciones acreditadas para ello, se ha alejado
de la vida de la gente y da vueltas sobre si misma2, convirti-
éndose en algo de lo que se puede prescindir, con excepción
acaso de alguna exigencia curricular. Pero, a pesar de ello, man-
tenemos que la filosofía es aún importante; y que, por eso, esta
pregunta no es una figura retórica en nuestro discurso.
Comenzar con esta pregunta nos permite contrastar
nuestro convencimiento y repuesta con un proceso de desar-
rollo socio-político cuya dinámica de expansión global resta
realmente importancia a la filosofía en cuanto que, en el me-
jor de los casos, le deja en lugar fijo y acomodado en su siste-
ma de funcionamiento. De esta suerte comenzar por esta pre-
gunta nos abre la posibilidad – y tal es la razón por la que
comenzamos con ella – de preguntar a su vez si esa supuesta
pérdida de importancia de la filosofía tiene su explicación
sólo en la filosofía misma en tanto que ésta, por ocuparse de

2
Cf. Raúl Fornet-Betancourt, Transformación intercultural de la filosofía, Bilbao
2001; y Filosofar para nuestro tiempo en clave intercultural, Aachen 2004.
322 FORNET-BETANCOURT, Raúl • De la Importancia de la Filosofía Intercultural...

sí misma, ha olvidado la realidad humana y se ha bloqueado


para estar a la altura de los tiempos, o si tiene también su
razón en los intereses propios de un modelo de civilización y
de desarrollo humano que ve en la filosofía una fuerza de
resistencia y de innovación alternativa que debe ser neutrali-
zada o marginalizada.
Por lo que anotábamos antes a propósito de la filosofía
de las instituciones oficiales se comprende que para nosotros
la respuesta a la pregunta por las razones de la supuesta pér-
dida de relevancia de la filosofía en nuestros días debe consi-
derar ambos aspectos. En el marco de este trabajo no pode-
mos detenernos en un análisis detallado de esas dos posibles
explicaciones. De hecho todo el proyecto de rehacer y redi-
mensionar la reflexión filosófica desde un horizonte intercul-
tural es un intento concreto de reaccionar ante las consecu-
encias que se desprenden del análisis de esas dos explicacio-
nes de la supuesta pérdida de importancia de la filosofía.3
3
Para una visión de conjunto de la labor que se está realizando en este campo
nos permitimos remitir a la documentación de los Congresos Internacionales
de Filosofía Intercultural: Raúl Fornet-Betancourt (ed.), Kulturen der Philoso-
phie. Dokumentation des I. Internationalen Kongresses für Interkulturelle Phi-
losophie, Concordia Reihe Monographien, tomo 19, Aachen 1996; Unterwegs
zur interkulturellen Philosophie. Dokumentation des II. Internationalen Kon-
gresses für Interkulturelle Philosophie, Denktraditionen im Dialog: Studien zur
Befreiung und Interkulturalität, tomo 4, Frankfurt /M 1998; Kulturen zwischen
Tradition und Innovation. Stehen wir am Ende der traditionellen Kulturen?
Dokumentation des III. Internationalen Kongresses für Interkulturelle Philoso-
phie, Denktraditionen im Dialog: Studien zur Befreiung und Interkulturalität,
tomo 11, Frankfurt /M 2001; Culturas y poder. Interacción y asimetría entre las
culturas en el contexto de la globalización. Documentación del IV. Congreso
Internacional de Filosofía Intercultural, Bilbao 2003; Interculturality, Gender
and Education. Interkulturalität, Gender und Bildung. Interculturalidad, Géne-
ro y Educación. Interculturalité, Genre et Éducation. Dokumentation des V. In-
ternationalen Kongresses für Interkulturelle Philosophie, Denktraditionen im
Dialog: Studien zur Befreiung und Interkulturalität, tomo 19, Frankfurt /M 2004;
Dominanz der Kulturen und Interkulturalität. Dominance of Cultures and In-
terculturality. El dominio de las culturas y la interculturalidad. Hégémonie cul-
turelle et interculturalité. Dokumentation des VI. Internationalen Kongresses
für Interkulturelle Philosophie, Denktraditionen im Dialog: Studien zur Befrei-
ung und Interkulturalität, tomo 23, Frankfurt /M 2006 (en prensa).
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 323
Teniendo en cuenta los límites de este trabajo y dando
además por aceptado ese remitir a los esfuerzos ya realizados
por el movimiento de la filosofía intercultural, se nos permi-
tirá pues que resaltemos ahora únicamente el segundo de los
aspectos mencionados, reteniendo lo siguiente.
Comenzamos nuestra argumentación preguntando si la
filosofía es importante todavía porque, de cara a defender su
relevancia para afrontar los desafíos de una educación alter-
nativa, nos parece fundamental subrayar sobre todo que afir-
mamos la relevancia de la filosofía como resultado de un aná-
lisis de crítica ideológica que nos hace ver precisamente que,
además de las ya reconocidas razones que son responsabili-
dad de la filosofía misma, su pérdida de importancia, supues-
ta o real, viene de que nos movemos en el contexto mayor de
un proceso social y científico-tecnológico que tiene un inte-
rés específico fuerte en declarar que la filosofía es un saber
obsoleto, en difamarla como una sabiduría inútil o como un
residuo de cultura anticuada que ya no tiene relevancia algu-
na ni en el plano social ni en el ámbito personal humano,
argumentando que el saber de la filosofía ya no es necesario
para el manejo en y de las sociedades modernas ni tampoco
para la formación de los seres humanos que requiere el buen
funcionamiento de dicho tipo de sociedades.
Para decirlo claramente: en el contexto de lo que se ha
denominado “el asalto al poder mundial” 4 por la expansión
totalitaria de políticas financieras, económicas, militares, cul-
turales, etc. para globalizar el espíritu neoliberal y su mundo,
constatamos por parte del proyecto civilizatorio hegemónico
y su consiguiente modelo de desarrollo social un claro inte-
rés ideológico en expulsar la filosofía de la realidad de nues-
tros mundos, si es que ésta, resignándose y claudicando ante
la fuerza de las cosas, no acepta su domesticación y se retira
al lugar previsto para ella.

4
Cf. Franz J. Hinkelammert, El asalto al poder mundial y la violencia sagrada
del Imperio, San José 2003.
324 FORNET-BETANCOURT, Raúl • De la Importancia de la Filosofía Intercultural...

En ese mundo programado como globalización del neo-


liberalismo la filosofía, en efecto, no tiene un lugar propio.
Su tarea parece superflua y pierde importancia. Pero repare-
mos en el hecho de que no es el mundo ni la humanidad ni
nuestra época como tales quienes manifiestan esa supuesta
pérdida de importancia de la filosofía sino más bien el proyecto
de mundo y de humanidad que hoy afirma su hegemonía. Es
la defensa y la consolidación de la hegemonía de dicho proyec-
to los que propagan que la filosofía es irrelevante. Por eso
hablábamos de un interés ideológico.
Mas, ¿de dónde viene este interés ideológico en domes-
ticar o, en su defecto, por marginalizar la filosofía? Tratemos
de apuntar una respuesta en la brevedad debida.
Ese interés ideológico del sistema hegemónico por si-
lenciar la filosofía encuentra su explicación, por una parte,
en el tipo antropológico que necesita promover la globalizaci-
ón del neoliberalismo como garantía elemental de su predo-
minio; un tipo antropológico que agudiza la inversión efectu-
ada por la modernidad europea capitalista en la manera en
que el ser humano entiende sus relaciones consigo mismo,
con la naturaleza, con sus semejantes o la trascendencia, al
cortar todo nexo con la comunidad y la tradición que de he-
cho lo sostienen, y proyectarse como un centro indetermina-
do de acelerada eficacia en función de la globalización de sus
posibilidades de apropiación.5
Y por otra parte se debe también a la inversión cosmo-
lógica que, como complemento de la antropológica, conlleva
el proyecto civilizatorio hegemónico al que nos estamos refe-
riendo. Se trata, en síntesis, de la substitución de la idea del

5
Ver sobre las consecuencias antropológicas de la globalización el análisis y la
bibliografía que ofrecemos en los capítulos X (“La globalización como univer-
salización de políticas neoliberales: Apuntes para una crítica filosófica“) y XI
(“Para una crítica a la crítica del sujeto en los años 60-70s“) de nuestro libro:
Transformación intercultural de la filosofía, Bilbao 2001, pp. 309-348 y 349-
370 respectivamente.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 325
mundo como un cosmos que puede sentirse universal porque
refleja el equilibrio de los elementos diversos que lo compo-
nen, es decir, de la idea del mundo como armonía de diversi-
dades, por la idea de un mundo global en el que el crecimien-
to de lo global es directamente proporcional con la pérdida
de diversidad y de armonía o, si se prefiere, con el aumento
de la monotonía del único ritmo que se admite para marcar el
compás de la historia de la humanidad, a saber, el de la cos-
movisión neoliberal.
Ahora bien, la defensa de ambos supuestos como pila-
res necesarios para la realización del mundo y de la huma-
nidad que quiere el neoliberalismo, implica justamente que
el sistema hegemónico tenga que declarar obsoleto el saber
que trasmite la filosofía. ¿Por qué? Porque la filosofía, a pe-
sar de las complicidades de que se hecho culpable a lo largo
de toda su historia y de haber jugado en particular un papel
nada despreciable en la justificación teórica de la ideología
del eurocentrismo, ha sabido con todo conservar y trasmitir
en muchas historias paralelas su carácter de sabiduría sub-
versiva que nos recuerda siempre que no hay que hacer las
paces con la constelación dada de lo real porque lo que es
real pudo haberlo sido de otra manera. Y es que la filosofía
narra y alienta a la vez la memoria de la búsqueda de la
verdad y la justicia en los seres humanos y en los pueblos.
Es sabiduría memorial de esa memoria que nos impulsa
a no contentarnos con el llamado estado de cosas porque sabe
que es racional esperar lo mejor para la humanidad, y lo sabe
justo porque tiene memoria de los muchos caminos por los
que la humanidad ha buscado y busca alcanzar la real huma-
nización de cada ser humano.
Como sabiduría memorial de caminos subversivos la
filosofía recuerda, pues, frente a un sistema hegemónico que
fragmenta a los seres humanos y reduce su subjetividad a un
punto egoísta, que lo primero es la relación y que el principio
comunidad es irremontable e insustituible. Pero por eso mis-
326 FORNET-BETANCOURT, Raúl • De la Importancia de la Filosofía Intercultural...

mo la filosofía no olvida que el ser humano necesita contex-


tualidad y vecindad, que necesita referencias identitarias con-
cretas para apoyar su búsqueda de universalidad, es decir,
para no extraviarse por el camino o quedar suspenso en el
aire como un fantasma.
Con esta memoria antropológica la filosofía contradi-
ce el tipo de ser humano que el sistema hegemónico necesi-
ta promover como condición para su funcionamiento. Nada
tiene de extraño, por tanto, que se predique la irrelevancia
de la filosofía y que se pretenda dar por demostrado lo obso-
leto de su memoria. Tendencia ésta que se ve reforzada en
su interés ideológico porque la memoria de la filosofía con-
tradice igualmente el curso de la inversión cosmológica que
conlleva la globalización del proyecto neoliberal. La filoso-
fía recuerda, en efecto, que el mundo no puede ser reducido
a un mercado mundial sometido a la dictadura del ritmo
único que marca la aceleración de la ganancia de dinero,
porque es memoria cosmológica de una humanidad plural
que habita el mundo en muchas casas, y memoria que culti-
va además la conciencia de la sabiduría de que la casa en
que habitamos el mundo, sea ésta una cultura, una religión,
una epistemología o una ética, son precisamente eso, mora-
das en el mundo, y no la casa del mundo, y que nos dan una
óptica para ver el universo y empezar a caminar por sus di-
mensiones.
De esta forma, como decíamos, la filosofía también con-
tradice la uniformidad, la monología y la monotonía de un
mundo global en el que su globalidad es la trampa de la ex-
pansión desmedida de una sola de las posibilidades huma-
nas de habitar el mundo.
Resumiendo podemos retener que, vista desde el proyec-
to antropológico y cosmológico que subyace en las políticas
neoliberales para hacer un mundo a su medida, la filosofía
representa en ese tiempo y lugar ocupados por el espíritu del
neoliberalismo una sabiduría intempestiva, una sabiduría que
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 327
está literalmente fuera de tiempo y lugar.6 Con razón enton-
ces el saber que ocupa hoy por su globalización los tiempos y
lugares de la humanidad tiene que decretar la irrelevancia de
la filosofía. Pero justamente en ese carácter intempestivo que
tiene su memoria para el mundo y la humanidad que progra-
ma el sistema capitalista occidental con su actual hegemonía,
radica la vigencia de la filosofía en tanto que memoria sub-
versiva que no se acomoda, que no baila al ritmo de la música
de moda sino que más bien interfiere e interrumpe el compás
impuesto al mantener vivo precisamente el recuerdo de la
diversidad y la esperanza de vivir en un mundo pluriverso
que armoniza tiempos y espacios diferentes sin tener que so-
meterlos a un ritmo único.
Sobre el trasfondo de estas reflexiones tratemos ahora
de concretizar la importancia intempestiva de la filosofía
mostrando cómo especialmente la corriente que se caracteri-
za por su orientación intercultural es una filosofía que impor-
ta hoy, que nos conviene, y ello no para estar a la altura del
tiempo acelerado que impone el orden hegemónico, sino jus-
to para recuperar y reactivar la memoria subversiva de los
tiempos no sometidos a la cronología occidental 7 y que nos
recuerdan, por consiguiente, proyectos alternativos de huma-
nización del ser humano y de universalización de nuestros
tiempos y mundos contextuales. Pero la explicación de esta
importancia de la filosofía intercultural es el asunto que que-
remos tratar en nuestro segundo punto. Pasemos a él.

6
El adjetivo “intempestivo“ lo usamos aquí inspirándonos en el uso que hace
de él filósofos como Nietzsche y Heidegger. Cf. Friedrich Nietzsche, Conside-
raciones intempestivas, en Obras Completas, tomo I, Madrid 1962; y Martin
Heidegger, Einführung in die Metaphysik, Tübingen 1953, pp. 6 y sgs.
7
Cf. Jean-Paul Sartre, “La temporalité chez Faulkner“, in Situations, I, Paris 1947,
pp. 65 y sgs.
328 FORNET-BETANCOURT, Raúl • De la Importancia de la Filosofía Intercultural...

2. Sí, la Filosofía intercultural tiene importancia para lo


que todavía podemos ser y hacer en el mundo de hoy
Por el objetivo que nos hemos propuesto en este traba-
jo, que está anunciado en el título del mismo, se comprende
que nos limitaremos a esbozar la importancia de la filosofía
intercultural para la concepción y el desarrollo de nuevas
políticas educativas en América Latina. Esa es en concreto
la aportación que deseamos proponer. Y por las reflexiones
avanzadas en el punto anterior se ve además que enmarca-
mos esa aportación en el contexto del proyecto antropológi-
co y cosmológico que implica a nuestro juicio la globalizaci-
ón del neoliberalismo. Esto significa que el foco de nuestra
explicación de la importancia de la filosofía intercultural
para una nueva educación en América Latina se concentra-
rá en el intento de aclarar las posibilidades subversivas que
abre la reflexión intercultural en vistas al desarrollo de prác-
ticas educativas antropológica y cosmológicamente alterna-
tivas. O sea, dicho en breve, buscamos perspectivas de edu-
cación que sirvan de contrapeso al modelo antropológico y
cosmológico que se impone con la hegemonía del espíritu
neoliberal.
Este enfoque supone, evidentemente, una fuerte limita-
ción del discurso que se podría desarrollar sobre el tema que
nos ocupa. Somos concientes de ello, pero pensamos que to-
camos un ámbito fundamental para toda política educativa
alternativa en nuestra actualidad: el campo antropológico-
cosmológico. Pues en el fondo lo que decide sobre el carácter
y la calidad de la realidad que cada día hacemos real o que
ayudamos a continuar en su realidad, es la respuesta que da-
mos a la pregunta por la calidad del tipo humano que quere-
mos ser y por la configuración del mundo en que deseamos
habitar.
En el cuadro del enfoque escogido cabe señalar que la
importancia de la filosofía intercultural para un proceso edu-
cativo al servicio no de la globalización, pero sí de la univer-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 329
salización real de los seres humanos se expresaría, en un pri-
mer momento, en el reclamo de recuperar la diversidad tem-
poral de la humanidad y de reactivar su memoria como eje
central de procesos de formación personal y de aprendizaje
local.
Para comprender el alcance de este primer aspecto con-
viene tener en cuenta lo siguiente. En la óptica pluralista de
la filosofía intercultural la diversidad cultural no representa
un residuo que espera su eliminación ni un monumento para
la simple contemplación.8 Su afirmación de la diversidad cul-
tural de la humanidad es, por el contrario, reconocimiento de
una memoria que confirma su vigencia en la historicidad cor-
poral de la gente y en los contextos de la vida cotidiana de los
pueblos. Así, educar desde esa memoria significa activar tan-
to los diferentes tiempos biográficos que van marcando la vida
de las personas como los ritmos que generan los mundos lo-
cales en su prácticas de compartir la vida.
De aquí que este primer momento se concrete en una
pedagogía que combate el analfabetismo biográfico, tanto a
nivel personal como como comunitario. Se trata, pues, de
enseñar que la vida de la gente y de los pueblos tienen sus
propios tiempos y que hay que aprender a leer sus biografí-
as, con sus tradiciones y sus saberes, desde su propia histo-
ria. Es, en otras palabras, educación para la recuperación
del calendario; para poder fijar los recuerdos que dan fecha
a nuestras diferencias, eso es, marcar los momentos memo-
rables que dan sentido a lo que somos y que nos orientan en
lo que hacemos.
En este sentido la filosofía intercultural opone a la cro-
nología del calendario global la diversidad temporal de la his-
toricidad concreta de la vida personal que tiene su tiempo y de
la memoria comunitaria que conoce sólo el ritmo del recuerdo.

8
Sobre la diferencia entre “residuo“ y “monumento“ ver: Jean-Paul Sartre, “Vil-
les d’Amérique”, en Situations, III, Paris 1949, pp. 93 y sgs.
330 FORNET-BETANCOURT, Raúl • De la Importancia de la Filosofía Intercultural...

Educar para recuperar la autonomía en el uso del tiem-


po requiere como complemento indispensable la recuperaci-
ón del espacio. Por eso, en un segundo momento, la filosofía
intercultural propone que una educación para la capacitaci-
ón de los seres humanos a ser universales tiene que contem-
plar prácticas que enseñen competencias contextuales. La
lucha contra el analfabetismo biográfico que incapacita para
generar un tiempo con ritmo propio, debe complementarse
así con una pedagogía contra el analfabetismo contextual que
es olvido de los saberes situados que se generan justo como la
manera de saber vivir y convivir en un espacio o lugar deter-
minado. La interculturalidad insiste en consecuencia en la
necesidad de promover una pedagogía que, en lugar de des-
preciar los llamados saberes tradicionales generados en y para
los diversos mundos de vida de la humanidad recupere esos
saberes contextuales como parte indispensable de la diversi-
dad cognitiva que debemos seguir fomentando de cara a la
universalización de la humanidad.
Hagamos un alto para intercalar la observación de que
estos dos momentos que hemos señalado hasta ahora para
mostrar la importancia de la filosofía intercultural en este
ámbito, no son en realidad nada nuevo. Recordemos, por ejem-
plo, que ya José Martí a finales del siglo XIX había insistido
en la necesidad de reajustar la educación en América Latina a
partir de los tiempos de sus pueblos y de las necesidades con-
textuales de su realidad específica. Así reclamaba como hilo
conductor de la enseñanza para América Latina: “El premio
de los certámenes no ha de ser para la mejor oda, sino para el
mejor estudio de los factores del país en que se vive. En el
periódico, en la cátedra, en la academia, debe llevarse ade-
lante el estudio de los factores reales del país ... La universi-
dad europea ha de ceder a la universidad americana. La his-
toria de América, de los incas acá, ha de enseñarse al dedillo,
aunque no se enseñe la de los arcontes de Grecia. Nuestra
Grecia es preferible a la Grecia que no es nuestra. Nos es más
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 331
necesaria. Los políticos nacionales han de reemplazar a los
políticos exóticos. Injértese en nuestras repúblicas el mundo;
pero el tronco ha de ser el de nuestras repúblicas.”9
Y, como se ve por el final de la cita de José Martí, esa
pedagogía de la recuperación de la propia historia y de la pro-
pia contextualidad nada tiene que ver con el fomento de naci-
onalismos provincianos o de regionalismos fragmentarizan-
tes que condenarían a la humanidad a vivir en islotes supues-
tamente autosuficientes. Pues su finalidad es la de capacitar
para la comunicación y el intercambio. Al otro no se le ofrece
lo banal ni lo global, que ya lo tiene, sino lo memorable; la
memoria de lo que nos ha hecho diferente y que por eso es
justamente memorable, es decir, como testimonio y documento
de la diversidad. El intercambio de esas memorias es lo que
enriquece y hace universales. Pero la condición de posibili-
dad para ese intercambio es precisamente memoria. Pero si-
gamos.
Sobre la base de los dos aspectos anteriores propone la
filosofía intercultural una tercera pista para la renovación de
las políticas educativas en América Latina, a saber, desquici-
ar los programas educativos actuales tanto en cuanto éstos
tengan su quicio en los intereses económicos, sociales, políti-
cos, culturales o científicos del sistema hegemónico y contri-
buyan por consiguiente a consolidar la arrogancia y la sober-
bia del proyecto civilizatorio hegemónico. En este sentido
desquiciar la educación dominante quiere decir buscar otros
centros de gravitación para los procesos educativos que se
ofrecen, ajustándolos a la diversidad cultural y a la pluripers-
pectividad que ésta conlleva.
La educación, tanto en la escuela como en la universi-
dad, tiene que dejar de ser un instrumento al servicio del for-
talecimiento de la asimetría epistemológica que reina en el

9
José Martí, “Nuestra América“, en Obras Completas, tomo 6, La Habana 1975,
p. 18.
332 FORNET-BETANCOURT, Raúl • De la Importancia de la Filosofía Intercultural...

mundo actual. Si tomamos en serio la diversidad cultural,


tenemos que pluralizar epistemológicamente la educación para
que ésta sea un servicio a favor del equilibrio de los saberes.
La educación misma debe convertirse en crisol de diversi-
dad, ser gestora de pluralidad epistemológica enseñando a
reaprender lo que sabemos con el saber del otro. Esto supone
sin embargo que se desarrollen políticas educativas que no
expandan una epistemología, sino que narren las biografías
de las diversas epistemologías que explican lo que la huma-
nidad sabe y cómo lo sabe, de manera que en el proceso de
educación se aprenda también la contingencia e inseguridad
de nuestros mundos epistémicos, y no sólo las supuestas cer-
tezas duras de los saberes duros.
Promover en la educación una formación epistemológi-
camente pluralista es además importante porque sin una ver-
dadera integración del diálogo entre diversas epistemologías
en los programas educativos no hay base sólida para el re-
planteamiento del ideal del conocimiento. Mas éste sería ya
un cuarto aspecto en el que se muestra la importancia intem-
pestiva de la filosofía intercultural para los procesos educati-
vos en la sociedad actual. Lo explicamos brevemente.
Apostando por el equilibrio epistemológico en el mun-
do como condición indispensable para que la diversidad cul-
tural pueda encarnarse en los procesos cognitivos y de inno-
vación que deciden en el fondo sobre la manera en que se
hace realidad y se planea la configuración futura del mundo,
la filosofía intercultural considera necesario discutir con la
participación de todas las tradiciones cognitivas de la huma-
nidad la cuestión que en la memoria de la humanidad se co-
noce con el nombre de ideal del conocimiento, a saber, la cu-
estión no sólo del para qué realmente queremos saber lo que
sabemos o se trasmite como lo que hay que saber hoy, sino
también de la prioridad en la trasmisión del saber que a la
humanidad le importa conocer. Esta cuestión debe ser, por
tanto, renegociada interculturalmente y los programas edu-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 333
cativos creemos que son el medio adecuado para hacerlo, a
condición naturalmente de que busquen su referencia en la
diversidad de las cosmovisiones del género humano, y no en
el proyecto civilizatorio hegemónico. De esta forma los pro-
gramas educativos serían el espacio en el que se efectúa el
diálogo con muchos saberes y se aprende a sopesar el lugar
que les corresponde en nuestras vidas y en el mundo que
queremos habitar. Con esto, dicho sea de paso, contradice la
interculturalidad el aserto tradicional que dice que “el saber
no ocupa lugar”. El saber sí ocupa lugar, y requiere además
tiempo. Tener presente esto es interculturalmente de impor-
tancia decisiva porque el caso hoy es que en los programas
educativos, sobre todo a nivel de formación profesional o de
las carreras universitarias, no hay lugar para los saberes alter-
nativos, contextuales, o de tradiciones orales. Y es que la edu-
cación hegemónica capacita para un tipo de profesional que
no tiene tiempo para esos saberes porque en definitiva capa-
cita para un mundo que no tiene lugar para los mismos y que
los arrincona en los museos regionales. El saber occidental
dominante, es decir, sobre todo el que se produce a la sombra
de la “empresa” y de la lógica del capital,10 ocupa los tiempos
y los lugares fundamentales de los programas educativos ac-
tuales porque tiene el mundo ocupado. Por eso la intercultu-
ralidad contradice la ideología del aserto de que “el saber no
ocupa lugar” y reivindica el tiempo y el lugar que le corres-
ponde a cada tradición de saber, tanto en la vida de las perso-
nas como en los mundos sociales en que viven.
Hay que reclamar, por consiguiente, que los saberes ten-
gan sus tiempos y lugares reales en el mundo. Éste es un re-

10
Eske Bockelmann, Im Takt des Geldes. Zur Genese modernen Denkens, Sprin-
ge 2004; Gernot Böhme, Alternativen der Wissenschaft, Frankfurt /M 1993;
Walter Mignolo (compilador), Capitalismo y geopolítica del conocimiento, Bu-
enos Aires 2001; Michael North, Das Geld und seine Geschichte, München
1994; y Edgar Zibel, Die sozialen Ursprünge der neuzeitlichen Wissenschaft,
Frankfurt /M 1976.
334 FORNET-BETANCOURT, Raúl • De la Importancia de la Filosofía Intercultural...

quisito necesario para el diálogo simétrico de las epistemolo-


gías y para que los programas educativos en concreto puedan
ser espacios de participación en los que se discierne intercul-
turalmente qué es lo que debemos saber y trasmitir para la
universalización humanizadora de cada ser humano.
Proponer que en la educación los programas se hagan
cargo del replanteamiento de la cuestión del ideal del conoci-
miento es, sin duda, denunciar las políticas educativas que
propagan una “educación embudo” que filtra y estrecha el
horizontes de producción y transmisión del saber.
Sin embargo la interculturalidad no se opone únicamen-
te a esa “educación embudo” que confundiendo la globaliza-
ción de conocimientos o valores seleccionados con el lento
proceso de la univerzalización participativa, se ha converti-
do en uno de los pilares básicos de la creciente exclusión so-
cial y epistemológica que caracteriza al mundo contemporá-
neo. Como consecuencia de ello la interculturalidad se opo-
ne también a la expansión de una cultura científica de y para
expertos. La desautorización cognitiva de la humanidad y sus
culturas es interculturalmente intolerable porque no se con-
cilia con el reconocimiento de la diversidad cultural. De aquí
que en un quinto momento se nos muestre la importancia de
la filosofía intercultural para una renovación de las políticas
educativas en la contribución que hace a la fundamentación
de la reivindicación de la autoridad contextual y cultural en
los procesos de conocimientos de la gente y sus prácticas co-
munitarias. Es, en el mejor sentido de la palabra, la reivindi-
cación de la democratización y de la comunitarización del
saber y sus dinámicas de producción y transmisión. Eviden-
temente este aspecto implica la pluralización de la forma en
que se organiza la educación, o sea, una reforma de las insti-
tuciones y de los criterios de acreditación que haga justicia a
la diversidad cultural de la humanidad.11

11
Ver sobre este punto nuestras propuestas en: Crítica intercultural de la filoso-
fía latinoamericana actual, Madrid 2004.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 335
Por último mencionemos un sexto paso que ayuda a ver
la pertinencia de integrar la perspectiva de la filosofía inter-
cultural en la educación de hoy. Nos referimos a que por su
opción a favor de saberes contextuales que se complementen
y nos impulsen a visiones cada vez más universales, la filoso-
fía intercultural ofrece un apoyo importante para una educa-
ción que obedece al ritmo de los cuerpos y de los lugares de
la tierra, que carga con la pesadez de lo contextual y que,
lejos de desrealizar lo real o de sustituir su experiencia por el
espectáculo mediático, se articula como un medio para reali-
zar realidades, que quiere decir que es educación que contri-
buye al crecimiento real de la realidad; o sea, a la universali-
zación por la capacitación para participar con el otro en y de
su real diferencia.

3. Nota final
Se habrá notado que en nuestra argumentación para
mostrar o ilustrar la importancia de la filosofía intercultural
en nuestro mundo de hoy, hemos recurrido a momentos que
podrían parecer arcaicos. Y se habrá notado bien, si es así.
Pues hemos querido subrayar que la actualidad intempestiva
de la filosofía viene precisamente de que es una sabiduría
obligada (conciente de la relación) por la memoria de lo origi-
nario, de aquello que, como la lucha por la justicia y la igual-
dad o por la vida buena para todos y todas, no debe caer en el
olvido en ningún tiempo y lugar, si es que no queremos extra-
viar el camino.
336 FILHO, José Carlos Moreira da Silva • Direitos Indígenas e Direitos à Diferença

13 – DIREITOS INDÍGENAS E DIREITO


À DIFERENÇA: O CASO DO MORRO
DO OSSO EM PORTO ALEGRE*
José Carlos Moreira da Silva Filho

1. O debate de valladolid e a questão


da humanidade dos índios
Quando interpretados pelo paradigma ocidental, do
“homem branco e civilizado” (inclusive o jurídico), os índios
não passam de “sub-sujeitos”, incapazes de protagonizarem
sua própria história. Das duas uma: ou não pertencem ao gê-
nero humano ou então são sujeitos infantilizados e carentes
de tutela. No primeiro caso, é preciso remeter a um fato mar-
cante, normalmente omitido nas histórias contadas sobre o
surgimento e a configuração do sujeito moderno e do univer-
salismo do conceito de pessoa (e conseqüentemente do sujei-

* Este artigo é resultado parcial do projeto de pesquisa “Pessoa Humana e


Sujeito de Direito nas Relações Jurídico-Privadas: identidade e alterida-
de”, coordenado pelo Prof. Dr. José Carlos Moreira da Silva Filho e financi-
ado pela UNISINOS. O artigo repisa alguns dos pontos desenvolvidos no
artigo “A repersonalização do direito civil em uma sociedade de indivídu-
os: o exemplo da questão indígena no Brasil”, publicado em: MORAIS, José
Luis Bolzan de; STRECK, Lênio Luiz (orgs.) Constituição, sistemas sociais e
hermenêutica: programa de pós-graduação em direito da UNISINOS: Mes-
trado e Doutorado: Anuário 2007. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
p.253-270. O presente artigo dá mais destaque à questão indígena e não
desenvolve o tema da repersonalização do direito civil, acrescentando a
análise do caso concreto do Morro do Osso, que não pôde ser apresentada
no artigo já publicado.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 337
to de direito)1: o debate de Valladolid em 1550 entre Juan
Ginés de Sepúlveda e Bartolomé de Las Casas. Tal debate,

1
Segundo Enrique Dussel, uma história do sujeito moderno que não leve em
conta o contexto periférico no qual surgiu é, no mínimo incompleta e parcial.
É o que o filósofo argentino acusa na conhecida obra de Charles Taylor “As
fontes do self”. Referindo-se a ela, afirma que “está escrita com maestria, com
conhecimentos, com criadora maneira de obter novos resultados, mas é só uma
exploração ‘intrafilosófica’ à qual falta uma história, uma economia e uma
política. Esta limitação metodológica impedirá que o autor chegue a resultados
mais críticos. Parece que o capitalismo, o colonialismo, a contínua utilização
da violência ou a agressão militar não têm nenhuma importância.” (DUSSEL,
Enrique. Ética da libertação – na idade da globalização e da exclusão. Petrópolis:
Vozes, 2000. p.67). Assim, considerar tão-somente o contexto interno da Europa
e os termos dos seus pensadores centrais para identificar as fontes do sujeito,
aplicando suas conclusões de modo universal é um procedimento chamado
pelo autor de “eurocentrismo”. “O ‘eurocentrismo’ consiste exatamente em
constituir como universalidade abstrata humana em geral momentos da
particularidade européia, a primeira particularidade de fato mundial (quer dizer,
a primeira universalidade humana concreta). A cultura, a civilização, a filosofia,
a subjetividade, etc. moderno-européias foram tomadas como a cultura, a
civilização, a filosofia, a subjetividade, etc. sem mais (humano universal
abstrata). Grande parte dos ganhos da modernidade não foram criatividade
exclusiva do europeu, mas de uma contínua dialética de impacto e contra-
impacto, efeito e contra-efeito, da Europa-centro e sua periferia, até no que
poderíamos chamar de a própria constituição da subjetividade moderna
enquanto tal.” (grifos do autor) (Ibid., p. 69). Interessante perceber que alguns
dos temas centrais que caracterizam o pensamento europeu moderno já
povoavam as questões específicas das relações entre europeus e indígenas.
Observa Lewis Hanke, tratando mais especificamente da América espanhola,
que as “Leyes de Burgos de 1512 fueron el primer fruto de los sermones
pronunciados en 1511 por Montesinos” – as Leis de Burgos foram regras que
estabeleciam a necessidade de tratamento mais ameno para os índios
escravizados, e sua promulgação se deu como conseqüência da atuação do Frei
dominicano Antonio de Montesinos – “Pero la cosa no acabo aqui. Otros
pensadores españoles, ahora que el problema había sido ofrecido a su atención,
comenzaron a preguntarse si Espana, después de todo, tenía justo título para
gobernar las Índias. Estos pensadores escribieron tratados en que fueron
mucho más allá de la polémica de Burgos sobre las leyes adecuadas que habían
de redactarse para el buen tratamiento de los indios. Se dedicaron a las
cuestiones políticas fundamentales planteadas por el descubrimiento de
América, y con ello contribuyeron a formular las leyes básicas que rigen las
relaciones entre las naciones, más de un siglo antes de que Grocio publicase
su estudio sobre la libertad de los mares.” (HANKE, Lewis. La lucha por la
justicia en la conquista de América. Madrid: Istmo, 1988. p.39). Do mesmo
338 FILHO, José Carlos Moreira da Silva • Direitos Indígenas e Direitos à Diferença

conforme relata Todorov2, deu-se em função de o filósofo Gi-


nes de Sepúlveda, conhecido humanista e erudito da época,
não ter obtido a autorização para publicar o seu tratado favo-
rável às guerras justas contra os índios. Sendo assim, solici-
tou a apreciação de uma Junta de doutos, juristas e teólogos,
formada na cidade de Valladolid. Para sustentar a tese opos-
ta, prontificou-se o frei dominicano Bartolomé de Las Casas,
conhecido pela defesa veemente que fez, durante boa parte
de sua vida, em relação à causa dos índios assolados pelos
exércitos espanhóis. Tal veemência, como deixa transparecer
em seus escritos3, é fruto de uma série de experiências dire-
tas (fazia meio século que Las Casas já estava na América),
como capelão das expedições espanholas, no presenciar de
massacres e extermínios fúteis e banais contra aldeias atôni-
tas e indefesas.
A leitura do tratado de Sepúlveda durou três horas, ao
passo que a leitura dos argumentos de Las Casas4 durou cin-

modo, Dussel observa que o domínio instrumental da natureza na filosofia


cartesiana já havia sido precedido pela ação conquistadora no “novo mundo”.
Assim, o “ego cogito, como vimos, já diz também relação a uma proto-história
do século XVI, que se expressa na ontologia de Descartes, mas que não
surge do nada. O ego conquiro (eu conquisto), como um ‘eu prático’, a
antecede. Fernando Cortês, em 1521, antecede o Le discours de la méthode
(1636) em mais de um século, como já dissemos. Descartes estudou em La
Flèche, colégio jesuita, orden religiosa de ampla implantação na América,
África e Ásia nesse momento – além disso, Descartes está em Amsterdã
desde 1629, como observamos acima. No entanto, o ‘bárbaro’ não foi
considerado como o contexto obrigatório de toda reflexão sobre a
subjetividade, a razão, o cogito.” (Ibid.).
2
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América – a questão do outro. São Paulo:
Martins Fontes, 1993. p.148-149.
3
Ver os impressionantes relatos contidos em uma espécie de panfleto escrito
por Las Casas e publicado pela primeira vez em 1552 em Sevilha: LAS CA-
SAS, Bartolomé de. Brevíssima relação da destruição das Índias: o paraíso
destruído: a sangrenta história da conquista da América espanhola. 5. ed.
Porto Alegre: L&PM, 1991.
4
Presentes nas 550 páginas em latim, divididas em 63 capítulos, do seu arra-
zoado contra o Democrates alter de Sepúlveda, e que se intitulava Argumen-
tum apologiae.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 339
co dias. Sepúlveda sustentava a inferioridade dos indígenas
a partir do pensamento de Aristóteles sobre a condição dos
escravos5. Ele era grande conhecedor dos textos de Aristóte-
les, tendo inclusive traduzido alguns, e entre eles a Política.
Assim, Sepúlveda argumentava pela natural inferioridade dos
indígenas diante da maior “racionalidade” com a qual os es-
panhóis se guiavam6.
Interessante perceber, igualmente, que Sepúlveda an-
tecipou em mais de um século o argumento de John Locke
sobre o legítimo despojamento dos bens indígenas, especial-
mente de suas terras. Segundo Locke, por não utilizarem ra-
cionalmente a sua propriedade, os índios norte-americanos
desobedeciam a lei natural de Deus que proibia o desperdí-
cio da propriedade privada (já que não “utilizavam” todas as
suas terras). Ao incorrerem nesta desobediência conferiam
legitimidade à usurpação de sua propriedade por parte dos
colonizadores ingleses7. Sepúlveda, por sua vez, recomenda-

5
Hanke argutamente observa que o argumento de que um grupo social mereça
a guerra e a violência como modo de lidar com sua natural rudeza e primiti-
vismo é sempre invocado nas ações colonizadoras e imperialistas (op.cit.,
p.354-355).
6
Nas próprias palavras de Sepúlveda: “Y así, en un solo hombre se puede ver
el imperio heril que el alma ejerce sobre el cuerpo, la potestad civil y regia
que el entendimiento ó la razón ejercen sobre el apetito, por donde se ve
claramente que lo natural y justo es que el alma domine al cuerpo, que la
razón presida al apetito, al paso que la igualdad entre los dos ó el dominio de
la parte inferior no puede menos de ser perniciosa para todos. A esta ley
están sometidos el hombre y los demás animales. Por eso las fieras se aman-
san y se sujetan al imperio del hombre. Por eso el varón impera sobre la
mujer, el hombre adulto sobre el niño, el padre sobre sus hijos, es decir, los
más poderosos y más perfectos sobre los más débiles ó imperfectos. Esto
mismo se verifica entre unos y otros hombres; habiendo unos que por natu-
raleza son señores, otros que por naturaleza son siervos.” (SEPÚLVEDA, Juan
Ginés de. Demócrates segundo o De las justas causas de la guerra contra los
indios. Prólogo, Tradução e Edição de Marcelino Menéndez y Pelayo. Disponí-
vel em: http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/
12593394228031524198624/p0000001.htm . Acesso em 05 maio 2007.
7
Ver este argumento com maior detalhe em: HINKELAMMERT, Franz J. La
inversión de los derechos humanos: el caso de John Locke. In: HERRERA
340 FILHO, José Carlos Moreira da Silva • Direitos Indígenas e Direitos à Diferença

va a usurpação dos bens indígenas como o resultado da guer-


ra justa que se deveria mover contra eles em função de sua
rudeza e inferioridade. Um sinal desta inferioridade, inclusi-
ve, seria o fato de não encarnarem a lógica do sujeito propri-
etário, seja por não terem bens individuais, seja por não ad-
ministrarem tais bens a partir de uma autonomia e liberdade
próprias, submetendo tudo ao seu rei8.
Las Casas, a seu turno, ousadamente afirmou que Se-
púlveda, famoso pelo seu conhecimento das obras de Aristó-
teles, não tinha entendido em absoluto o Estagirita e a sua
teoria da escravidão. Aduziu que Aristóteles previa três tipos
de bárbaros: os que tinham comportamento e opiniões estra-

FLORES, Joaquín (Ed). El vuelo de anteo – derechos humanos y crítica de la


razón liberal. Bilbao: Editorial Desclée de Brouwer, 2000. p.79-113; e SILVA
FILHO, José Carlos Moreira da. John Locke. In: BARRETTO, Vicente (coord.).
Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo: UNISINOS; Rio de Janeiro:
Renovar, 2006. p. 541-545.
8
Eis o que Sepúlveda escreveu a respeito: “Y por lo que toca al modo de
vivir de los que habitan la Nueva España y la provincia de Méjico, ya he
dicho que á estos se les considera como los más civilizados de todos, y
ellos mismos se jactan de sus instituciones públicas, porque tienen
ciudades racionalmente edificadas y reyes no hereditarios, sino elegidos
por sufragio popular, y ejercen entre sí el comercio al modo de las gentes
cultas. Pero mira cuánto se engañan y cuánto disiento yo de semejante
opinión, viendo al contrario en esas mismas instituciones una prueba de
la rudeza, barbarie é innata servidumbre de estos hombres. Porque el tener
casas y algún modo racional de vivir y alguna especie de comercio, es
cosa á que la misma necesidad natural induce, y sólo sirve para probar
que no son osos, ni monos, y que no carecen totalmente de razón. Pero
por otro lado tienen de tal modo establecida su república, que nadie posee
individualmente cosa alguna, ni una casa, ni un campo de que pueda
disponer ni dejar en testamento á sus herederos, porque todo está en poder
de sus sectores que con impropio nombre llaman reyes, á cuyo arbitrio
viven más que al suyo propio, atenidos á su voluntad y capricho y no á su
libertad, y el hacer todo esto no oprimidos por la fuerza de las armas, sino
de un modo voluntario y espontáneo es señal ciertísima del ánimo servil
y abatido de estos bárbaros.” (Ibid). Embora no trecho citado acima,
Sepúlveda dê a impressão de que inclua os indígenas no gênero humano,
ao dizer que não são macacos, em outras passagens afirma de modo claro
que eles seriam sim uma espécie assemelhada aos macacos.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 341
nhas, mas possuíam uma maneira decente de viver e capaci-
dade para governarem a si próprios; os que não tinham escri-
ta; e os que eram rudes, primitivos, viviam sem leis e se igua-
lavam às feras. Somente o terceiro tipo de bárbaros eram os
escravos por natureza, e todo o esforço de Las Casas foi mos-
trar que os índios não se incluíam entre estes9. Grande parte
de sua Apologética contém relatos de costumes e aspectos da
vida dos índios com os quais conviveu, nos quais Las Casas
procura destacar características virtuosas e racionais: a sua
beleza, bom governo, economia doméstica, bons sentimen-
tos, religiosidade, etc. Tais aspectos eram até mesmo superio-
res aos dos povos antigos: os templos de Yucatã eram mais
admiráveis que as pirâmides do Egito; a religiosidade era
maior que a dos gregos e romanos; os indígenas eram superi-
ores no modo de educar e criar seus filhos.
Embora os juízes nunca tenham manifestado seus pa-
receres, o fato é que enquanto Las Casas publicou e falou o
que quis durante toda a sua vida, Sepúlveda nunca obteve
autorização para publicar os seus escritos. O livro de Sepúl-
veda que motivou a formação da Junta de Valladolid só foi
publicado em 1892. De todo o modo, após uma breve inter-
rupção, as conquistas espanholas continuaram e o tema da
guerra justa nunca foi adequadamente resolvido (como, in-
clusive, se vê até os dias de hoje). Mas algo se pode clara-
mente extrair do episódio e, em especial, da atuação de Las
Casas:
(…) al hablar Las Casas en Valladolid a favor de los indios
americanos, su larga y complicada argumentación tenía tam-
bién otra utilidad. Fortaleció a todos aquellos que en su ti-

9
Como bem observa Hanke, não é que Las Casas admitisse a possibilidade de
homens que fossem escravos por natureza, mas sim que estrategicamente
procurou uma linha de argumentação que não contrariasse a autoridade in-
discutível de Aristóteles na época, sem falar que combater nos próprios ter-
mos do argumento oposto revelava-se uma eficiente estratégia de argumenta-
ção. (Hanke, op.cit., p.367-371).
342 FILHO, José Carlos Moreira da Silva • Direitos Indígenas e Direitos à Diferença

empo y en los siglos que siguieron trabajaron con la creencia


de que todos los pueblos del mundo son hombres – no hom-
brecillos, ni medio hombres que deben hacer lo que otros les
manden, sino hombres.10

2. Francisco de Vitoria e a tese da infantilidade indígena


Além de Las Casas, houve outros grandes personagens
que, com a sua palavra, buscaram frear a violência e a ga-
nância dos espanhóis para com os índios. Um outro nome
bem conhecido é o do dominicano Francisco de Vitória,
morto alguns anos antes do célebre debate de Valladolid. De
modo contundente em seus escritos, argumentou que a guer-
ra contra os índios não poderia ser movida de modo indis-
criminado. Nem o papa nem o imperador poderiam impor
suas leis e domínio sem que para isto houvesse justo moti-
vo (e muitas razões consideradas suficientes na época não o
eram para Vitória, como, por exemplo, o fato de o impera-
dor ser o senhor de toda a terra, ou o fato de o papa deter o
poder temporal). Assim, apoiado em sua concepção do di-
reito das gentes (Vitória é considerado um dos grandes pre-
cursores do direito internacional), o frei entendia que não
era lícito aos indígenas impedir o livre acesso dos espanhóis
às suas terras, desde que estes não lhes causassem danos.
Era preciso manter uma lei internacional de reciprocidade
que permitisse inclusive o comércio entre os diferentes po-
vos11. Por outro lado, os espanhóis também poderiam de

10
Ibid., p.377.
11
Em suas duas primeiras proposições sobre a justificativa da guerra contra os
índios, em sua famosa obra intitulada De Indis et de Ivre Belli Relectiones,
Vitória escreve o seguinte: “(…) it was permissible from the beginning of the
world (when everything was in common) for any one to set forth and travel
wheresoever he would. Now this was not taken away by the division of
property, for it was never the intention of peoples to destroy by that division
the reciprocity and common user which prevailed among men, and indeed
in the days of Noah it would have been inhumane to do so. (…) The Spa-
niards may carry on trade among the Indian aborigines, so long as they do
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 343
modo legítimo mover a guerra contra os índios para salvar
indígenas condenados a sacrifícios humanos ou a rituais
canibalísticos e, igualmente, proteger os que haviam se con-
vertido à fé cristã e invocassem a proteção contra os seus
próprios reis.
O mais significativo, contudo, é que na argumentação
de Vitória emerge uma outra categoria na qual os indígenas
passaram a ser inseridos: não mais bestas e feras inumanas,
mas sim homens com pouca instrução e aprisionados em um
estágio infantil, sendo, pois, até uma questão de caridade cristã
instruí-los, tutelá-los e governá-los12. Esta noção irá espalhar-

no harm to their own country, by importing the goods which the aborigines
lack, etc., and taking away gold and silver and other articles in which the
Indians abound; and the princes of the Indians can not prevent their sub-
jects from trading with the Spaniards, etc.” (VITORIA, Francisco de. De In-
dis et de Ivre Belli Relectiones. Translated by John Pawley Bate and edited by
Ernest Nys. Disponível em: http://www.constitution.org/victoria/
victoria_4.txt. Acesso em 05 maio 2007). Tradução nossa: “(...) era permiti-
do desde o começo do mundo (quando tudo era comum) a qualquer um
iniciar uma jornada e viajar a qualquer lugar. Agora, isto não foi eliminado
pela divisão da propriedade, pois nunca foi intenção dos povos destruir,
mediante aquela divisão, a reciprocidade e o uso comum que prevaleceu
entre os homens, e, de fato, nos dias de Noé seria desumano fazê-lo. (...) Os
espanhóis podem continuar comerciando entre os índios aborígenes, desde
que não façam mal ao seu país, mediante a importação das mercadorias que
faltam aos aborígenes, etc., e retirar ouro e prata e outros artigos que abun-
dam entre os índios; e o príncipe dos índios não pode impedir seus súditos
de comerciarem com os espanhóis, etc.”.
12
A respeito do que seria, em seu De Indis, a última justificativa ou título pelo
qual os espanhóis poderiam de modo legítimo mover a guerra contra os ín-
dios, Vitória não demonstra estar muito certo, mas, de todo o modo, acaba
por lançar a idéia, podendo igualmente perceber-se a convicção sobre a in-
ferioridade indígena em outras justificativas ao longo do texto. Eis, literal-
mente, sua proposição: “There is another title which can indeed not be
asserted, but brought up for discussion, and some think it a lawful one. I
dare not affirm it at all, nor do I entirely condemn it. It is this: Although the
aborigines in question are (as has been said above) not wholly unintelligent,
yet they are little short of that condition, and so are unfit to found or admi-
nister a lawful State up to the standard required by human and civil claims.
Accordingly they have no proper laws nor magistrates, and are not even
capable of controlling their family affairs; they are without any literature or
344 FILHO, José Carlos Moreira da Silva • Direitos Indígenas e Direitos à Diferença

se aos quatro ventos e ditará em grande parte o modo pelo


qual a civilização ocidental pautará sua compreensão e suas
relações com os indígenas. Assim como Vitória foi o respon-

arts, not only the liberal arts, but the mechanical arts also; they have no care-
ful agriculture and no artisans; and they lack many other conveniences, yet
necessaries, of human life. It might, therefore, be maintained that in their
own interests the sovereigns of Spain might undertake the administration of
their country, providing them with prefects and governors for their towns,
and might even give them new lords, so long as this was clearly for their
benefit. I say there would be some force in this contention; for if they were all
wanting in intelligence, there is no doubt that this would not only be a per-
missible, but also a highly proper, course to take; nay, our sovereigns would
be bound to take it, just as if the natives were infants. The same principle
seems to apply here to them as to people of defective intelligence; and indeed
they are no whit or little better than such so far as self-government is concer-
ned, or even than the wild beasts, for their food is not more pleasant and
hardly better than that of beasts. Therefore their governance should in the
same way be entrusted to people of intelligence. There is clear confirmation
hereof, for if by some accident of fortune all their adults were to perish and
there were to be left boys and youths in enjoyment, indeed, of a certain
amount of reason, but of tender years and under the age of puberty, our
sovereigns would certainly be justified in taking charge of them and gover-
ning them so long as they were in that condition. Now, this being admitted,
it appears undeniable that the same could be done in the case of their barba-
rian parents, if they be supposed to be of that dullness of mind which is
attributed to them by those who have been among them and which is repor-
ted to be more marked among them than even among the boys and youths of
other nations. And surely this might be founded on the precept of charity,
they being our neighbors and we being bound to look after their welfare. Let
this, however, as I have already said, be put forward without dogmatism
and subject also to the limitation that any such interposition be for the wel-
fare and in the interests of the Indians and not merely for the profit of the
Spaniards.” (Ibid). Tradução nossa: “Há um outro título que não pode, de
fato, ser afirmado, mas trazido à discussão, e alguns pensam que ele é lícito.
Eu não ouso afirmá-lo, nem inteiramente condená-lo. Ei-lo: Embora os abo-
rígenes em questão não sejam (como foi dito acima) totalmente ininteligen-
tes, eles são um pouco limitados nesta condição, e assim são inúteis para
fundar ou administrar um Estado legal no padrão requerido pelas demandas
humanas e civis. Portanto, eles não têm leis apropriadas nem magistrados, e
não são capazes até mesmo de controlar seus assuntos familiares; eles não
têm qualquer literatura ou artes, não apenas as artes liberais, mas também
as artes mecânicas; eles não têm agricultura cuidadosa e não têm artesãos; e
carecem de muitas outras conveniências necessárias à vida humana. Pode
ser mantido, portanto, que os soberanos da Espanha podem, no interesse
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 345
sável por fornecer a base jurídica para as guerras contra os
índios13, sua noção quanto à infantilidade indígena pautará
uma tendência que até aqui prevaleceu quanto à compreen-
são jurídica das pessoas dos indígenas: o de que elas não pos-
suem capacidade plena para exercer os atos da vida civil, o
de que elas são relativamente ou totalmente incapazes, o de
que elas necessitam da tutela do Estado, o de que elas só atin-
girão a capacidade plena e poderão ingressar no seleto grupo

deles, se fazerem responsáveis pela administração do seu país, provendo-os


de prefeitos e governadores para suas cidades, podendo até dar a eles novos
senhores, desde que isto seja claramente para o seu benefício. Eu diria que
há alguma força nesta opinião; pois se eles fossem todos insuficientes em
inteligência, não há dúvidas de que isto não só seria um permissível como
também um altamente adequado rumo a ser seguido; mais ainda, nossos
soberanos seriam compelidos a tomá-lo, como se os nativos fossem crian-
ças. O mesmo princípio parece aplicar-se aqui a eles e às pessoas de inteli-
gência limitada; e, de fato, eles não são menos ou pouco melhores que estes,
até onde se trate do autogoverno, ou até mesmo que as bestas selvagens,
pois sua comida não é mais agradável e dificilmente melhor do que a das
bestas. Portanto, seu governo deveria, do mesmo modo, ser confiado a pes-
soas de inteligência. Há clara confirmação disto, pois, se por um acidente do
destino, todos os seus adultos perecerem e forem deixados meninos e jo-
vens, naturalmente, com alguma razão, mas com tenras idades e abaixo da
idade da puberdade, nossos soberanos seriam certamente justificados em
tomar conta deles e governá-los até quando estiverem nesta condição. Ago-
ra, isto sendo admitido, parece inegável que o mesmo poderia ser feito no
caso de seus pais bárbaros, se eles supostamente tiverem a estupidez mental
a eles atribuída por aqueles que entre eles estiveram, e que é reportada como
sendo mais marcante entre eles do que até mesmo entre os meninos e os
jovens de outras nações. E certamente isto pode ser fundado no preceito da
caridade, sendo eles nossos vizinhos e sendo nós compelidos a cuidarmos
de seu bem-estar. Deixe-se isto, contudo, como eu já disse, ser apresentado
sem dogmatismo e ser submetido também à limitação que qualquer interpo-
sição como esta seja para o bem-estar e no interesse dos índios e não mera-
mente para o lucro dos espanhóis.”
13
Todorov não deixa de bem ressaltar este ponto: “Tornou-se um hábito ver
em Vitória um defensor dos índios; mas, se interrogarmos o impacto de seu
discurso, em vez das intenções do sujeito, fica claro que seu papel é outro:
com o pretexto de um direito internacional fundado na reciprocidade, for-
nece, na verdade, uma base legal para as guerras de colonização, que até
então não tinham nenhuma (em todo caso, nenhuma que resistisse a um
exame um pouco mais sério).” (TODOROV, op.cit., p. 147).
346 FILHO, José Carlos Moreira da Silva • Direitos Indígenas e Direitos à Diferença

dos sujeitos de direito no pleno gozo de suas capacidades


quando forem integradas à civilização.

3. A política indigenista brasileira e sua tradição orfanológica


A noção da infantilidade indígena, bem como a conse-
qüente necessidade de que fossem instruídos e tutelados (esta
é a palavra), foi a tônica da política indigenista no Brasil até a
Constituição de 1988. Como nos esclarece Rosane Freire La-
cerda14, é mais precisamente a partir do ano de 1750, com o
início da administração pombalina e com a transição do tra-
balho indígena servil para o assalariado, que se localiza a
gênese da aplicação da tutela orfanológica aos índios.
Ao determinar a proibição da escravidão indígena, a
legislação da época (composta de Leis e Alvarás) estabelecia
uma série de restrições à capacidade civil dos índios15. Tal

14
Em brilhante dissertação de mestrado, orientada pelo Professor José Geral-
do de Sousa Junior da Universidade de Brasília, Rosane Freire Lacerda, me-
diante importante pesquisa histórica e documental, evidencia que esta foi a
principal diretiva, embora não a única, das políticas públicas desde a época
da Colônia no Brasil, passando pelos esforços de Tomé de Souza, Mem de
Sá, Felipe III, Marquês de Pombal, D. Maria I, José Bonifácio de Andrada e
Silva, D.Pedro I, a Regência Imperial, D.Pedro II, e não sendo muito diferen-
te a partir da Proclamação da República (LACERDA, Rosane Freire. Diferen-
ça não é incapacidade: gênese e trajetória histórica da concepção da incapa-
cidade indígena e sua insustentabilidade nos marcos do protagonismo dos
povos indígenas e do texto constitucional de 1988. 2007. 550 f. (Dissertação
de mestrado) – Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Bra-
sília. Brasília. 2007). De lá para cá, mediante diferentes leis, os indígenas
têm sido considerados infantis, havendo um giro de Copérnico, como se
verá adiante, a partir da Constituição de 1988.
15
A Lei de 6 de junho de 1755, além de proibir a escravidão dos índios, “man-
dava ainda castigar aqueles que, abusando da ‘imbecilidade’ dos índios,
perturbassem os seus direitos territoriais. Para o êxito de sua civilização,
seriam estimulados às práticas agrícolas, na perspectiva de que as relações
‘com os habitantes dos lugares marítimos’ para a comercialização de tais
produtos viesse a contribuir para o abandono dos seus bárbaros costumes’.
E ao Governador e Capitão Geral caberiam cuidar de sua instrução civil, ao
mesmo tempo que ‘conservar a liberdade de suas pessoas, bens e comér-
cio’.” (LACERDA, op.cit., p.42).
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 347
postura viria a ser assumida de modo ainda mais explícito no
Brasil independente16. O governo imperial deu continuidade
à política de miscigenação, esbulho territorial, presença cons-
tante de não-indígenas nos aldeamentos (espécie de unida-
des territoriais montadas e comandadas pelo governo para
agrupar e manter os indígenas sob controle), e se desfez de
inúmeras terras que eram tradicionalmente ocupadas pelos
indígenas e que ficaram vazias pela migração forçada de seus
habitantes aos aldeamentos. Não é preciso enfatizar que tal
política levou uma série de povos ao extermínio e causou
imensas perdas territoriais às comunidades indígenas rema-
nescentes.
A Constituição republicana de 1891 não trazia, nos
moldes da Constituição imperial, nenhuma referência aos
indígenas. A tendência tutelar e assimilacionista, contudo,
continuaria sendo implementada mediante decretos que ti-
nham como finalidade a “catequese e civilização dos índios”.
É neste espírito que se constitui em 1910 o Serviço de Prote-
ção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais
(SPILTN), comandado pelo General Cândido Mariano Rondon.
O Código Civil brasileiro de 1916, como se sabe, consa-
grará a idéia de tutela orfanológica dos indígenas, situando-
os em uma espécie de limbo permanente da subjetividade
jurídica ao determinar, em seu artigo sexto, que os “silvícolas
são incapazes relativamente a certos atos ou a maneira de os
exercer” (grifos nossos), e, no parágrafo único do mesmo arti-
go, que eles “ficarão sujeitos ao regime tutelar, estabelecido
em leis e regulamentos especiais, o qual cessará à medida

16
Esclarece Rosane Freire Lacerda que a legislação imperial procurava distin-
guir entre índios capazes e integrados à civilização e os que viviam em esta-
do “primitivo”, procurando atribuir somente para estes a tutela orfanológi-
ca. Contudo, na prática, como essas distinções eram muito nebulosas e não
havia critérios estabelecidos para fazê-las, interpretou-se que todos os índi-
os estariam sujeitos à tutela orfanológica, entendimento que predominou
até a República. (Ibid., p.50).
348 FILHO, José Carlos Moreira da Silva • Direitos Indígenas e Direitos à Diferença

que se forem adaptando à civilização do País.” A regulamen-


tação especial veio em 1928, com o Decreto 5.484, que esta-
belece toda uma política pública de proteção e incorporação
dos indígenas à sociedade17. O ideal integracionista e assimi-
lacionista relativamente aos povos indígenas passaria tam-
bém a fazer parte do projeto constitucional brasileiro nas
Constituições de 1934, 1946, 1967 e 1969. E, finalmente, com
a Lei n. 6.001 de 19 de dezembro de 1973, mais conhecida
por “Estatuto do Índio”, a tutela orfanológica seria ainda mais
enfatizada, na medida em que o escopo primeiro e declarado
da lei era o de regular o regime de tutela previsto no Código
Civil. Nessa altura, o órgão público diretamente responsável
pelo exercício desta tutela era a Fundação Nacional do Índio
(FUNAI), instituída em 1967, e a quem cabia a gestão dos
bens indígenas, a representação ou assistência jurídicas e a
educação que almejasse a integração dos índios à sociedade
nacional. O ideal assimilacionista, ademais, seria mantido
pelo Estatuto do Índio que, em seu artigo 1, estatui que ele

17
Interessante perceber que a inserção da questão indígena no Código Civil
não tinha a anuência de Clóvis Bevilacqua, que não considerava ser aquele
Código aplicável às sociedades indígenas, entendendo que estas deveriam
ter um estatuto especial. Foi mediante a emenda Moniz Freire, no Senado
Federal, que a questão acabou sendo incluída no texto do Código. Apesar
disto, já havia um certo consenso de que os institutos de direito privado não
eram adequados para tratar do tema, o que explica o surgimento, dez anos
depois, da regulamentação especial. Sobre ela, observa Souza Filho que:
“Apesar dos defeitos da lei com a classificação de índios a partir do ponto de
vista do Estado brasileiro e os generaliza fazendo tabula rasa das diferenças
étnicas, o grande avanço que ela oferece é justamente introduzir no sistema
jurídico brasileiro a concepção de que as relações dos índios com a socieda-
de organizada sob o manto do Estado brasileiro é de natureza pública e não
privada.” (SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. O renascer dos povos
indígenas para o direito. Curitiba: Juruá, 1998. p.101). Contudo, seja pela
ineficiência burocrática ou até mesmo pela persistência no imaginário polí-
tico de uma visão dos indígenas pautada pela noção de inferioridade, a tute-
la continuou a ser exercida e compreendida (e, diga-se de passagem, em
muitos casos de modo lesivo e prejudicial aos tutelados) pelos órgãos públi-
cos responsáveis pela questão indígena.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 349
“regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comu-
nidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura
e integrá-los, progressiva e harmonicamente, à comunhão na-
cional.” E quando tal integração ocorresse, inclusive, as terras
ocupadas pelos indígenas, seriam devolvidas ao Estado.
O que se pode perceber com clareza em todo esse itine-
rário, aqui brevemente percorrido, é que os indígenas, ao longo
das sucessivas leis brasileiras e das políticas públicas deline-
adas e colocadas em prática, foram sempre considerados de
um modo assimilador, que desfaz de sua alteridade, levando-
a em consideração apenas para demarcar a sua inferioridade.
Tal atitude pode ser explicada por todo um desenvolvimento
cultural e histórico de caráter uniformizante e etnocêntrico
que perfaz a civilização ocidental. No que toca ao Direito,
fruto sem dúvida deste mesmo desenvolvimento, tal atitude
é visível no predomínio das categorias jurídicas universali-
zantes, abstratas e unificadoras (tais como sujeito de direito,
propriedade e direito subjetivo), que padecem de uma gran-
de dificuldade em lidar com a pluralidade e a diferença18.

18
Tratando mais diretamente da questão indígena, o jurista mexicano Jesus
Antonio de La Torre Rangel assinala a mesma questão: “Los viejos conceptos
de bien común y justicia son atrapados casi siempre en la ideología de la
juridicidad dentro de la totalidad del modo de producción. Asi ha sucedido
con el común y la justicia en el Derecho capitalista. Sin embargo, esos con-
ceptos y su riqueza pueden ser recuperados por la filosofía jurídica, si su
contenido es analizado desde el otro como otro, es decir, desde una conside-
ración que parte de la Exterioridad del sistema.
Las luchas reivindicatorias de los indios anteponen para defensa de sus
derechos su ser distinto, su ser otro, frente al dominador y su juridicidad.
El apelar a un Derecho ancestral y a un Derecho que rompa con la lógica de
la juridicidad de la modernidad, no es por considerar esos derechos con un
valor intrínseco e inmanente, sino sólo en cuanto que representan un ini-
cio de distinción a favor de ellos como otro.
(...) El Derecho perderá así su generalidad, su abstracción y su impersona-
lidad. El rosto del otro como clase alienada que provoca a la justicia, rom-
perá la generalidad al manifestarse como distinto, desplazará la abstracci-
ón por la justicia concreta que reclama y superará la impersonalidad por-
que su manifestación es revelación del hombre con toda su dignidad per-
sonal que le otorga ser precisamente el otro.
350 FILHO, José Carlos Moreira da Silva • Direitos Indígenas e Direitos à Diferença

4. A virada paradigmática da constituição de 1988:


o reconhecimento da pluralidade étnica brasileira
Partiria dos próprios indígenas brasileiros, apoiados por
organizações como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI),
as ações decisivas para mudar radicalmente o cenário da po-
lítica indigenista brasileira e, especialmente, de seus funda-
mentos jurídico-constitucionais. Este novo cenário teve como
gênese marcante a criação da União das Nações Indígenas
(UNI) em 1980, que, a partir de então começou a empreender
inúmeras ações de articulação e pressão junto aos órgãos pú-
blicos responsáveis pela questão indígena, tais como retoma-
das de terras, ocupações de sedes de administrações da FU-
NAI e realização de assembléias e manifestações.
É com esse espírito e empenho que a UNI exercerá uma
verdadeira marcação cerrada ao longo de todo o processo cons-
tituinte que culminou na promulgação do texto constitucio-
nal em 5 de outubro de 1988, enviando e discutindo propos-
tas; tentando conseguir uma representação indígena na As-
sembléia Nacional Constituinte (o que, infelizmente não ocor-
reu); comparecendo em Brasília para acompanhar as vota-
ções e discussões e também pressionar e conversar pessoal-
mente com os deputados constituintes, passando por quase
todos os gabinetes; realizando pajelanças, danças, rituais e
pinturas corporais, realizando discursos contundentes (como
foram os do Cacique Raoni Mentuktire); entre outras ações. 19

Los indígenas, en sus luchas jurídico-políticas por la defensa de sus dere-


chos, defienden ante todo su identidad, su ser otro. Por esa razón cuestio-
nan y ponen en crisis el Derecho de la modernidad.” (DE LA TORRE RAN-
GEL, Jesus Antonio. El derecho a tener derechos – ensayos sobre los dere-
chos humanos en México. Aguascalientes: CIEMA, 1998. p.46-47).
19
Em seu estudo, Rosane Freire Lacerda nos brinda com um relato rico e mi-
nucioso de todo este processo, mostrando que não foi de graça a conquista
dos povos indígenas do Brasil consolidada no tratamento jurídico inédito
proporcionado pela nova Constituição, visto que tiveram de enfrentar não
só a oposição da própria FUNAI à sua participação, mas também o precon-
ceito de constituintes e de parte da imprensa que viam no argumento da
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 351
“Pela primeira vez na história do País e do processo constitu-
inte brasileiro, a participação indígena numa elaboração nor-
mativa havia ocorrido, e de forma exitosa.”20
Assim, o novo texto constitucional acaba por romper
com o paradigma assimilacionista21 e adota o do reconheci-
mento da pluralidade étnica do Brasil. Assim reza o caput do
art. 231 da Constituição Federal: “São reconhecidos aos índi-
os sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradi-
ções, e os direitos originários sobre as terras que tradicional-
mente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e
fazer respeitar todos os seus bens”.
O dispositivo deixa claro que a especificidade indígena
não consiste em uma inferioridade a ser corrigida com a tute-
la orfanológica, que seria progressivamente afastada na me-
dida da assimilação cultural pela “civilização”. Trata-se de
reconhecer os povos indígenas brasileiros a partir de sua al-
teridade e identidades culturais, o que implica, inclusive, não
simplesmente em conferir um direito, mas sim em reconhe-
cê-lo como preexistente ao próprio Estado brasileiro.
Além disso, estabelece o artigo seguinte, o 232, que “os
índios, suas comunidades e organizações são partes legíti-
mas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e inte-
resses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do
processo”.
Este dispositivo deixa mais cristalino ainda o fato de
que não se trata de perceber o indígena como um ser infantil
que necessita de tutela e que deve ser representado por ór-
gãos como a FUNAI, mas sim que os povos indígenas são

pluralidade étnica e do reconhecimento da diversidade e especificidade in-


dígena uma espécie de submissão da soberania nacional a forças ocultas
multinacionais. (LACERDA, op. cit., p.98-148).
20
Ibid., p.145.
21
A Constituição anterior, em seu artigo 8, inciso XVIII, estabelecia que com-
petia à União legislar sobre “a incorporação dos silvícolas à comunhão
nacional”.
352 FILHO, José Carlos Moreira da Silva • Direitos Indígenas e Direitos à Diferença

sujeitos de sua própria história e possuem capacidade jurídi-


ca plena. É claro, porém, que em função de suas especificida-
des culturais, e até mesmo da histórica opressão, marginali-
zação e, por que não dizer, dizimação que sofreram no pro-
cesso de constituição e formação do Estado brasileiro, care-
cem de proteção, assessoramento e regras especiais para que
não tenham seus direitos fundamentais e sua dignidade des-
respeitados e desprezados. Mas isto está muito longe de se con-
tinuar reproduzindo a visão pejorativa e preconceituosa da sua
incapacidade, infantilidade e inferioridade, a serem “sanadas”
mediante a assimilação aos padrões “civilizatórios”.
A Constituição brasileira, portanto, escancara uma por-
ta para a alteridade, remetendo os atores jurídicos, no afã de
aplicá-la e concretizá-la quando no trato da questão indíge-
na, a um verdadeiro exercício de reconhecimento e respeito
aos valores e sentidos de um mundo situado na exterioridade
da onipotência ocidental. Apesar disto, porém, grande parte
dos atores jurídicos permanece insensível a esta mudança de
perspectiva. O Código Civil de 2002, apesar de não reprodu-
zir o texto do Código Civil de 1916 quanto à incapacidade
relativa dos “silvícolas”, remete à questão para a legislação
especial. Contudo, em muitos casos, continua-se ainda a con-
siderar o Estatuto do Índio de 1973 como sendo esta legisla-
ção especial, ignorando-se olimpicamente, em prática des-
graçadamente comum no Direito brasileiro, o texto constitu-
cional22.

22
É o que se pode constatar, por exemplo, nos comentários ao novo Código
Civil de Maria Helena Diniz. Ao comentar o parágrafo único do art.4º do
Código de 2002 (“a capacidade dos índios será regulada por legislação espe-
cial”), e em item intitulado “Indígenas e sua submissão a regime tutelar”
(grifos nossos), assim se manifesta a conhecida autora: “Os índios, devido a
sua educação ser lenta e difícil (sic), são colocados pelo novo Código Civil
sob a proteção de lei especial, que regerá a questão de sua capacidade. O
Código Civil sujeita-os ao regime tutelar, estabelecido em leis e regulamen-
tos especiais” (DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 10ª.ed. São Pau-
lo: Saraiva, 2004. p.16). O mais impressionante é que logo após o trecho
transcrito acima a autora cita não só o Estatuto do Índio, mas também o art.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 353
Apesar desta tendência ainda marcante no cenário jurí-
dico nacional é possível encontrar exemplos que vão na dire-
ção oposta. Aqui daremos uma atenção mais especial a um
destes exemplos: o do caso do Morro do Osso em Porto Alegre.

5. Morro do Osso: história de uma conquista


Em 09/04/2004, um pequeno grupo de famílias de índios
Kaingang ocupou uma região da Zona Sul de Porto Alegre
chamada de Morro do Osso. Trata-se de um lugar de grande
beleza natural e rico em biodiversidade, do qual é possível
avistar o Rio Guaíba e uma boa parte da cidade. Em 1998, o
local havia sido desapropriado pelo Município e transforma-
do em um Parque Ecológico: o Parque Natural do Morro do
Osso. Ao seu redor existem várias casas e condomínios de
luxo, o que indica o interesse do mercado imobiliário no lo-
cal. Precisamente, um mês após a ocupação, os índios ingres-
saram com uma Ação Ordinária (2004.71.00.021504-0) no

231 da CF, não percebendo, aparentemente, nenhuma contradição entre


ambos. Contudo, o maior sinal de como a conquista dos povos indígenas
brasileiros na Constituinte passa até hoje despercebida pela maior parte dos
juristas brasileiros são os comentários ao mesmo dispositivo do novo Códi-
go feitos por Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Barboza e Maria Celina Bo-
din de Moraes, conhecidos defensores e propagadores da perspectiva do
Direito Civil-Constitucional (segundo a qual todas as normas e institutos do
Direito Civil devem ser reinterpretados à luz da Constituição de 1988, o que
parece incrível que seja necessário dizer, afinal tal afirmação deveria ser
tida como óbvia). Em seus comentários ao parágrafo único do artigo 4º, os
referidos autores dizem o seguinte: “Quanto aos indígenas, sua capacidade
é regulada pela legislação especial; no arcabouço vigente, o Estatuto do Ín-
dio, Lei n.6.001/73. Dentre as principais disposições de tal diploma, desta-
que-se (...) que os índios e as comunidades indígenas ainda não integrados à
comunhão nacional ficam sujeitos ao regime tutelar estabelecido naquela
lei (art.7º).” (grifos nossos) (TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Hele-
na, MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado – conforme
a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. v.1. p.15). Ao
que parece, com relação à capacidade indígena, referida no parágrafo único
do artigo 4º do novo Código Civil, os ilustres autores não realizaram a Cons-
titucionalização do Direito Civil.
354 FILHO, José Carlos Moreira da Silva • Direitos Indígenas e Direitos à Diferença

Juízo Federal da Vara Ambiental, Agrária e Residual de Porto


Alegre visando ao reconhecimento da tradicionalidade da
ocupação indígena Kaingang no local e à sua demarcação em
favor da Comunidade, nos termos do art.231 caput e $1 da
CF/88.
De outro lado, o Município de Porto Alegre ingressou
no dia 12/07/2005 com uma Ação Possessória
(2005.71.00.023683-6) contra a Comunidade Kaingang do
Morro do Osso, requerendo a sua retirada do local. Primeiro
a liminar foi deferida parcialmente, decidindo-se pela retira-
da das casas de madeira que foram montadas dentro do par-
que. Os índios, desta forma, optaram por sair, mas montaram
acampamento nas imediações da rua de acesso ao parque,
visto que a sua presença no local era a única arma de pressão
efetiva que possuíam em prol do seu pleito.
Após ouvidas ambas as partes, em longa e fundamenta-
da decisão, o Juiz Federal Dr. Cândido Alfredo Silva Leal Jú-
nior acabou enfim decidindo, em sede liminar, pela reinte-
gração da posse ao Município e pela retirada da Comunidade
do parque e de suas imediações, estabelecendo um prazo de
trinta dias para tanto. Prontamente o Ministério Público in-
terpôs Agravo de Instrumento (2005.04.01.052760-4) contra
a referida decisão, obtendo, primeiramente, a sua suspensão,
tendo em vista o iminente recesso judicial e, finalmente, em
19/07/2006, o provimento do Agravo, bem como o indeferi-
mento do mandado de reintegração requerido pelo Municí-
pio, nos termos do lúcido voto do Relator, o Juiz Márcio An-
tônio Rocha, do TRF da 4ª. Região23.
O que quero destacar aqui, contudo, é o contraste, per-
cebido nos fatos e manifestações que cercam este caso, entre

23
A ação de reintegração, contudo, apesar do indeferimento da liminar, conti-
nua em curso no Judiciário Federal, sendo que, recentemente (mais precisa-
mente no dia 29.06.07) foi prolatada sentença desfavorável à comunidade
indígena, que certamente irá recorrer.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 355
duas maneiras bem diferentes de lidar e compreender a ques-
tão indígena. Creio ser de grande valia evidenciar tal aspecto
tendo em vista a necessidade de efetivar, no comportamento
da sociedade brasileira, principalmente através de suas insti-
tuições públicas, o espírito constitucional de respeito à plu-
ralidade étnica e cultural que constitui o país.
Assim, de um lado tem-se a posição da Prefeitura, de
parte do Judiciário Federal, dos moradores da Zona Sul e de
alguns jornais que, ao noticiarem o fato, deram ênfase a este
viés da questão. Eis, em síntese os seus elementos principais:
a presença dos índios no Parque é uma ameaça à preservação
do meio ambiente; a convivência com os índios revela-se pe-
rigosa e indesejável, além de trazer miséria e sujeira para a
vizinhança; os indícios existentes no local relativos à ocupa-
ção indígena anterior, que embasariam a tradicionalidade,
dizem mais respeito aos Guarani do que aos Kaingang; e a
Comunidade em questão pode perfeitamente se alojar em
outra região já destinada pelo Governo do Estado à ocupação
indígena.
De outro lado, tem-se a posição da Comunidade Kain-
gang, liderada pelo articulado e engajado Cacique, o Seu Jai-
me; do Ministério Público Federal; de órgãos de apoio aos
interesses indígenas, como a FUNASA e o Núcleo de Saúde
Indígena da Escola de Saúde Pública do RS; de parcela do
Judiciário Federal e de outros setores que têm apoiado a luta
desta Comunidade, como é o caso do Núcleo de Antropolo-
gia das Sociedades Indígenas e Tradicionais da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.
Conforme se pode colher dos autos da Ação Ordinária
acima aludida, bem como das conversas realizadas com o
Cacique e mais alguns membros da tribo, o pleito justifica-se
por uma conjunção muito especial de fatores que levam em
conta, fundamentalmente, as tradições e a espiritualidade da
etnia Kaingang. Do ponto de vista do “homem branco”, é muito
difícil compreender o vínculo fundamental que os índios
356 FILHO, José Carlos Moreira da Silva • Direitos Indígenas e Direitos à Diferença

possuem com a terra, ainda mais a partir da noção jurídica


ocidental de uma titularidade abstrata da propriedade que
corresponde a um igualmente abstrato sujeito de direito.
A etnia Kaingang atribui um valor identitário inestimá-
vel às terras em que foram enterrados seus ancestrais. Viver
na terra onde os mortos foram enterrados é um elemento fun-
damental para o seu modo de vida. Guiados pelo xamanismo
obtêm orientação espiritual e prática a partir dos sonhos e do
contato do Xamã com os ancestrais. Assim, não se trata sim-
plesmente de um problema de ter ou de não ter terras para
viver e produzir, mas sim de poder viver em um determinado
lugar. Para a Comunidade do Morro do Osso aquele local pos-
sui esse sentido sagrado, confirmado pela Xamã. Além disso,
o lugar possui uma importante referência na tradição trans-
mitida oralmente na Comunidade. Não adianta, portanto, pro-
por o deslocamento para outras terras que não possuem tal
significado e que, ademais, já se encontram ocupadas por ín-
dios Guarani, cuja tradição é muito diferente da dos Kaingang.
Quando a CF/88, no art.231 reconhece aos índios os
“direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocu-
pam”, deve-se perguntar qual critério será utilizado para de-
finir esta tradicionalidade: o do homem branco (sociedade
ocidental), que historicamente foi quem sempre negou tais
direitos originários, ou o dos índios? Pois para estes, muito
mais importante que as provas historiográficas e arqueológi-
cas da ciência são os dados de sua tradição oral e a orientação
de seus líderes espirituais.
Importa lembrar que o próprio texto constitucional es-
clarece a necessidade de se utilizar os critérios assumidos
pelas tradições e culturas indígenas no momento de se defi-
nir a “tradicionalidade” das suas terras. Assim, estabelece o
parágrafo primeiro do artigo 231 que “são terras tradicional-
mente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em cará-
ter permanente, as utilizadas para suas atividades produti-
vas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambien-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 357
tais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua repro-
dução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradi-
ções” (grifos nossos).
De todo modo, mesmo à luz do critério científico oci-
dental, existem elementos que reforçam, no presente caso, o
pleito da Comunidade indígena Kaingang. Foram encontra-
dos, pela equipe da UFRGS, utensílios antigos moldados de
acordo com a tradição taquara, associada à etnia Kaingang, e,
além disso, relatos da sua história oral, que indicam a exis-
tência de antepassados no local, têm sido confirmados por
outros meios.
Além disso, é preciso constatar que, como muito bem
ressaltou o juiz do TRF, o suposto prejuízo ao meio ambiente
não ocorre (visto que completados mais de dois anos da ocu-
pação, não se constata qualquer dano) e não se justifica. Afi-
nal, se há alguma cultura que representa ameaça à integrida-
de do meio ambiente é a ocidental, não a indígena, cuja rela-
ção com a terra é sagrada. Os índios não precisam de normas
para proteger o meio ambiente, pois o zelo e o respeito para
com a natureza é um elemento inerente da sua cultura24, já
não se pode dizer o mesmo do “homem branco”.

24
A este respeito, o próprio líder da comunidade Kaingang do Morro do Osso,
o Cacique Jaime Kënthánh Alves, no Relatório Azul de 2007, da Assembléia
Legislativa do Rio Grande do Sul, aduz o seguinte: “Sobre o meio ambiente,
ao longo dos anos a Funai instaurou projetos dentro das terras indígenas, de
acordo com seus interesses, e terminou deixando estas terras exauridas e
degradadas. Os peixes, animais, árvores, a água e a própria terra estão doen-
tes. Estes projetos, enfim, desrespeitam o que reza o artigo 231, quando refe-
re-se ao direito indígena ao ambiente e recursos naturais preservados e aos
quais o índio tem direito exclusivo de usufruto. Hoje, no Rio Grande do Sul,
é difícil para os povos indígenas manterem seus sistemas tradicionais de
cura, de xamanismo, de educação,e alimentação tradicional devido à degra-
dação do meio ambiente de nosso território. Por isso ficamos chocados quando
nos dizem temer que o Kaingang venha a prejudicar o meio ambiente no
Morro do Osso. Esse argumento é falso, pois justamente somos os maiores
interessados na preservação dos campos e florestas, pois é desta natureza
que vivemos, nós somos esta natureza! Vemos em Porto Alegre condomínios
de luxo sendo construídos sobre florestas que diariamente são derrubadas.
FILHO, José Carlos Moreira da Silva • Direitos Indígenas e Direitos à Diferença

Decisões como a do Agravo de Instrumento comentado


neste caso25 mostram como é possível aos atores jurídicos
brasileiros desapegarem-se de uma visão monista, restritiva
e intolerante do sistema jurídico do país e abrirem-se a uma
compreensão do Direito que o torne aberto e permeado pelas
múltiplas referências que constituem a nação brasileira, per-
cebendo que diferença não significa fraqueza e inferioridade,
mas sim o sinal de uma alteridade a ser respeitada em seu
inapreensível mistério, o que, muito mais do que a compreen-
são, demanda o reconhecimento e o respeito.

E contra isso a sociedade não diz nada.” (RIO GRANDE DO SUL. Assem-
bléia Legislativa. Comissão de Cidadania e Direitos Humanos. Relatório Azul
2006: garantias e violações dos direitos humanos. Porto Alegre: CORAG:
2006. p.107).
25
Em trecho ilustrativo da decisão, assim escreve o juiz Márcio Antônio Ro-
cha: “Observe-se que segundo abalizados estudos antropológicos indicados
nos autos, a cultura Kaingang não se estabelece em terras que seus antepas-
sados não habitaram. Concito a todos os interessados na questão a reconhe-
cerem, ainda que para argumentar, ou para exame do nosso agir, a reconhe-
cerem a possibilidade de validade desse dado cultural: uma comunidade
dessa nação não se estabelece fora das terras de seus antepassados. Admiti-
da a concessão ao argumento, perceba-se o periculum e o esforço demasiado
que se solicita da comunidade indígena. Como conviver, como prosseguir
no futuro, tendo na mente, no ‘coração’, o sentimento de que existe sim uma
terra que pertenceu aos seus antepassados, e que é para lá que deveriam ir
ou estar, mas a intolerância, os processos administrativos e judiciais do ho-
mem civilizado não o permitem. Repito, nesse contexto, melhor à consciên-
cia de todos que, ou provamos nós, especialmente para nós mesmos, e tam-
bém aos índios, que esses não estiveram lá com seus antepassados, ou, na
dúvida, abrimos mão(e isso nos é tão sofrido), como eles o fizeram em favor
de nós até aqui, de disputar algo que em ultima análise, abstraídas as leis
que criamos, não nos pertenceria. Esse aliás o conceito constitucional que
permeia o reconhecimento dos direitos indígenas.”
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Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 361

– III –
GÊNERO
E
DIREITOS HUMANOS
362
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 363

14 – VIOLENCIA INVISIBLE, DERECHOS


HUMANOS E IGUALDAD DE GÉNERO
Juan Carlos Suárez

INTRODUCCIÓN
Hoy día más que teorizar acerca de los derechos huma-
nos se antoja urgente buscar medidas efectivas para su pro-
tección. La filosofía debe ser un instrumento de transforma-
ción de la realidad, una lente de aumento que nos permita
descubrir la injusticia aún en los espacios más pequeños,
aquellos en los que precisamente la víctima puede resultar
más indefensa, como ocurre en el caso de la violencia domés-
tica. La violencia no precisa llegar a un grado de expresión
externa que la identifique con lo agresión física, pues la vio-
lencia en su antesala desarrolla formas de dominación invisi-
ble, controles cuya eficacia radica en el acatamiento indiscu-
tidos a quienes se postulan como superior en virtud de algu-
na circunstancias accidental, injustificada y que quiebra el
ideal de igualdad básica de todos los seres humanos. Si la
lucha por la libertad caracterizo a la primera generación de
los derechos de la persona, los de la igualdad a los llamados
a los de segunda generación, la reivindicación por aquellos
derechos de los no reconocidos socialmente, los invisibiliza-
dos por los propios diseños de un orden social que deja en la
periferia colectivos minorizados, como si fueran aspirantes a
la condición de persona, de una igualdad efectiva y real que
atienda sus derechos (RUANO, 2002). En este sentido, las
mujeres, a pesar de ser un colectivo mayoritario, ha sido tra-
tado históricamente como una minoría social, un agente mi-
364 SUÁREZ, Juan Carlos • Violencia Invisible, Derechos Humanos e Igualdad de Género

norizado, pues mientras a los hombres su competencia le era


supuesta para la vida pública, a las mujeres le era exigida su
demostración, por supuesto, sin hacer dejación de sus tradi-
cionales roles familiares, a menos de que deseara correr el
riesgo de ser acusado de irresponsable. (Sobre cuál ha sido la
historia de la mujeres en Europa, véase HUFTON, 1995).
Por este motivo, un análisis de las relaciones de género
va más allá de la simple reivindicación de los derechos de las
mujeres y se nos muestra como un arquetipo de la estructura
de dominación invisible que históricamente ha existido en-
tre quienes se sienten legitimados por el sistema y quienes se
hallan sometidos a su orden invisible. Entendemos que des-
velar las estructuras de poder implícita en este tipo de relaci-
ones nos puede ayudar a ver de qué manera el propio poder
su presupone como una razón en sí misma, como absoluta,
aunque no tenga absolutamente razón. En este sentido, el
poder que en su esencia constituye un instrumento de gesti-
ón de una responsabilidad superior, se usurpa de manera
narcisista por parte de quienes pretende afirmar su persona-
lidad, o la herencia de una simple cultura de la desigualdad
que supuestamente representa un orden natural conveniente
para la sociedad, al menos para aquella en la que quienes
mandan se sienten más seguros. Esta es la tesis que mantiene
la ideología del patriarcado moderno, tal y como se puede
comprobar en la obra de JJ. Rousseau, Emilio. (Véase a este
respecto, COBO, 1995 y tb. El trabajo de LERNER, 1990).
En consecuencia, la reivindicación de los derechos hu-
manos de tercera generación, debe incluir también las condi-
ciones para una ecología cívica, es decir unas condiciones
igualitarias para todos los colectivos sociales, no sólo la de
los pueblos como “los otros”, sino la de quienes están entre
una sociedad supuestamente de derechos humanos y los in-
visibiliza, ignorando sus aspiraciones a una vida de mayor
igualdad y bienestar. Los derechos de tercera generación vie-
nen a golpear en la conciencia de una filosofía del desarrollo
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 365
desordenada y que genera grandes bolsas de desplazados,
olvidados o esclavos del éxitos de otros. El machismo domi-
nante en nuestra sociedad, del que es buena expresión la pro-
pia Declaración de Derechos del Ciudadano, con la que co-
mienza la modernidad democrática, deja directamente fuera
de sus reivindicaciones a medida sociedad: las mujeres. En
este sentido, la reflexión sobre los derechos de las mujeres
debe ir acompañada de una reflexión sobre un modelo de
masculinidad caduco que identifica fuerza física con superi-
oridad, dando pábulo a un argumento biologista para expli-
car la desigualdad humana. (Sobre este particular, véase los
trabajos de GIL CALVO, 1997, El nuevo sexo débil. Los dile-
mas del varón postmoderno. Temas de hoy, Madrid. Y GIL-
MORE, 1994, Hacerse hombre. Concepciones culturales de la
masculinidad, Paidós, Barcelona; BOURDIEU, 2000, La do-
minación masculina. Anagrama. Barcelona).
Desgraciadamente, en nuestras supuestas sociedades
avanzadas, no digamos en otras latitudes, ser mujer sigue
constituyendo una posición de debilidad, de desigualdad y
marginación, cuando no directamente de esclavitud hereda-
da por la condición sexual. Sin embargo, la dominación in-
justa e invisible se puede advertir también en otras tantas
formas de relaciones injustas, como las de los empleados ha-
cia un jefe caprichoso que convierte sus preferencias en nor-
mas para los demás; en las relaciones sociales entre los gru-
pos acomodados y aquellos más oprimidos en los que cual-
quier acción que lleven a cabo estos últimos se prejuzgan
como desorden, pues el orden de aquellos otros se ha conver-
tido en una malla de oprobio y marginación en la que quedan
encerrados los menos favorecidos socialmente. Buen ejem-
plo de esto último constituye las reacciones llevadas a cabo
por los ciudadanos franceses, hijos o nietos de inmigrantes
de las antiguas colonias que, a pesar de ser formalmente ciu-
dadanos del país de la revolución, mostraban su indignación
frente a la invisibilidad social de sus aspiraciones. La socie-
366 SUÁREZ, Juan Carlos • Violencia Invisible, Derechos Humanos e Igualdad de Género

dad puede ser injusta como el ser que nos produzca más re-
pugnancia, como nos muestra Anthony Burgess (1999), en su
magnífica obra, La naranja mecánica, llevada al cine en la
magistral obra de Stanley Kubrick (1971). El protagonista,
quien logra ganarse la actitud más odiosa del espectador, se
nos propone como ejemplo de su actitud de indiferencia ante
sus sesiones de ultraviolencia que pueden ser vistas como
simple consecuencia de su hedonismo individual y esteticis-
ta. Los propios nazis, quien comparte con el joven protago-
nista de la obra, podían ser amante de la música de Beetho-
ven y mostrarse indiferente hacia el exterminio de seres hu-
manos: ¿Hasta donde puede llegar el ser humano para escin-
dir su sensibilidad hasta el extremo de mostrarse afectado
por la creación humana y no por las propias criaturas? (MAR-
ZAL FELICI, 1999)
Una reflexión ética de la violencia nos debe llevar a
reconocer nuevas formas de presentarse esta en nuestros días
y convertir la defensa de los derechos humanos en una de-
nuncia permanente contra cualquier forma de opresión, mar-
ginación o acción contraria a la dignidad de la personas.

I. La violencia invisible
La primera cuestión que debemos preguntarnos a la hora
de iniciar este trabajo es qué entendemos por violencia. To-
dos coincidiríamos en que el uso de la fuerza física para afec-
tar la libertad de otra persona supone un ejercicio de violen-
cia evidente. Sin embargo, existen otras muchas formas de
violencia invisibles – o “invisibilizadas”-. Con este término,
que usaremos en lo sucesivo, nos referimos a realidades que
pasan desapercibidas porque los actores se amparan bajo la
inercia de acontecimientos que entrañan en sí mismo una
gran dosis de injusticia dentro de una relación. (BERNAR-
DEZ, 2001).
El verdugo institucionalizado se convierte en legitima-
dor de su estrategia, mientras que la víctima sufre cada expe-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 367
riencia de castigo como una afirmación de su responsabili-
dad, tanto por lo que haya hecho como por lo que haya podi-
do dejar de hacer. Una magnífica representación de esta in-
versión de la libertad como control del poder nos la ofrece la
obra de G. Orwell, 1984. En cierta forma, el acoso moral con-
tra las mujeres se asemeja bastante a esta representación del
Gran Hermano por parte del marido, una omnipresencia de
sus dictados que debe alcanzar incluso sus propios deseos,
pues el propio amor ha sido trasmitido como sumisión. (Véa-
se obras como La perfecta casada de Fray Luis de León o Casa
de Muñecas de Henrik Johan Visen) Es la sombra del acoso
realizado con la astucia y el servicio de un poder viciado y
vicioso que produce el síndrome de la típica pregunta de “yo
qué he hecho para merecer”. La respuesta, cuando es debida-
mente planificada por el poder, será que la víctima concluya
que algo ha debido hacer, aunque no lo sepa (BUTLER, 1989).
La diferencia entre el ejercicio de esta violencia estruc-
tural e invisible y una sanción legítima, radica tanto en la
causa como en la dinámica de cada una de ellas. La causa de
la sanción está tipificada y puede ser reconocida cuando se
infringe una determinada norma. Sin embargo, en la domi-
nación no existe una causa precisa, sino que más bien se tra-
ta de una dinámica de rechazo que busca la vejación de la
víctima. Los motivos de esta violencia, dado su carácter per-
sonalista, varían de una relación a otra, incluso en la misma
relación puede ir cambiando para lograr nuevas formas de
eficacia en el castigo ante la inmunidad que pueda lograr la
víctima en ciertos ámbitos. Dicho en dos palabras: la dinámi-
ca de la sanción es higiénica, se aplica y se restituye el orden.
La de la dominación es sucia: se dilata en el tiempo y se im-
pregna de múltiples formas simbólicas de exclusión de la
persona castigada.
Otra característica de esta violencia invisible es el “la-
cayismo” de los beneficiados por el poder. Se produce un
aparente fenómeno de comprensión simpática que encubre
368 SUÁREZ, Juan Carlos • Violencia Invisible, Derechos Humanos e Igualdad de Género

las expectativas de los respectivos intereses y la necesidad


afectiva de sentirse refrendado en esta espiral de injusticia
cotidiana. Incluso las boberías más absurdas se convierten
en divisas de esta comunicación simbólica marcada por la
ridiculización y vejación de la persona excluida. La violencia
invisible es una forma de perpetuación de sistemas instituci-
onales de poder en los que las aspiraciones personales pasan
por actitudes clientelares hacia el jerarca.

II. Análisis de la violencia invisible

I.1. La dialéctica de pertenencia y de exclusión en las


relaciones de poder
La violencia invisible responde a una relación dialécti-
ca entre agresor y víctima en la que la pertenencia o indepen-
dencia de uno con respecto al otro no ha quedado resuelta.
En consecuencia, el agresor busca con su actuación hacer
visible, de manera contradictoria, la pertenencia de la vícti-
ma a su ámbito de poder, a la par que la negación de la misma
como alguien que tenga que ver con él. Es decir, se busca
hacer patente a través de ciertas expresiones de la violencia
invisible esta doble condición de pertenencia y exclusión.
Podríamos hablar de un integrismo androdéntrico que pre-
tende que la mujer no reconozca su propia identidad fuera
de esta relación de dominación por la que pretende que ella
descubra y experimente su identidad (RENAU, 1996).
Una de las características de la violencia de género,
consiste precisamente en hacerlo porque se piensa que la
persona maltratada pertenece al maltratador: “es mi mujer”,
como si fuera una posesión sobre la que se establece un dere-
cho exclusivo para decidir sobre su suerte. Con la violencia
se busca simultáneamente que la víctima reconozca que le
pertenece y, por eso, se permite tratarla de manera que se
pueda manifestar que reniega de ella.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 369
El castigo consiste en experimentar esa carencia de lo
que supuestamente te identifica y te pertenece. Por eso, el
maltrato psicológico puede ser incluso más duro que el físi-
co, cuando la no-violencia se utiliza al servicio de una vio-
lencia más depurada. “No te voy a pegar, pero te vas a ente-
rar”. Se trata de buscar en el otro su propia negación como un
modo de destrucción. Tratarle, como se dice en el lenguaje
popular, “como si hubiera muerto”. Se busca que la víctima
experimente su desgracia como castigo; y su suerte, como un
acto de generosidad del violento invisible. De ahí la expresión
común de “perdonarle la vida” a quien antes había tratado
como si hubiera muerto para él, pues el dominante se consi-
dera en la posición de la vida y la muerte de sus subordina-
dos. El concepto de malos tratos, como explica Haimovich
depende de contexto socio-culturales diferentes, pero todos
tienen en común la conciencia de tratarse de un modo de
violencia, aun cuando no haya culminado en la agresión físi-
ca, que tiene su origen en el modo de comunicación en el
interior de la pareja, en los que aparecem de manera natural
relaciones de autoridad dominantes, no sólo en la unidad fa-
miliar sino también en la medio social en el que el individuo
se integra. Y este modo de operar hay que buscarlo en las
ideologías y prejuicios dominantes que generan una relación
vertical de dependencia de unos miembros con respecto a
otro por razón del género (HAIMOVICH, 1990).
La violencia de género ha sido precisamente calificada
como una violencia distinta de cualquier otro tipo porque se
corresponde precisamente al ejercicio de una dominación
aplicada por el motivo de ser lo que eres “mujer”, y desear
que se experimente dicha condición como el motivo mismo
de castigo. La violencia de género no es pegar a una mujer,
sino pegarle por ser mujer, por considerar que su posición es
deudora con respecto al actor dominante, ya sea éste marido,
novio, desconocido o padre. Se le pide que se comporte de
un determinado modo por ser mujer y, no hacerlo, constitui-
370 SUÁREZ, Juan Carlos • Violencia Invisible, Derechos Humanos e Igualdad de Género

ría en sí mismo una infracción, pues supone un desacato de


su función en el modelo de sociedad patriarcal
La violencia invisible en relación al género está tan pre-
sente en nuestra cultura que pasa con frecuencia desaperci-
bido. Existen mil situaciones cotidianas en las que las muje-
res son sometidas a ciertas exigencias por el hecho de ser
mujeres. Y no nos referimos a los tópicos de fregar los platos
o cuidar a los niños, sino asuntos más sutiles como pueden
ser la valoración de una mujer particularmente por su apari-
encia física y no por otras cualidades. Como si sus posibili-
dades de promoción dependieran de la representación de
valores que han sido establecidos por el género masculino.
Se ejerce violencia de género contra una mujer, por ejemplo,
cuando se limitan sus opciones laborales por la posible ma-
ternidad. El planteamiento es absolutamente injusto y ma-
chista si se piensa. Se asume como si fuera un hecho que le
afectara exclusivamente a la mujer, como si un hijo fuera pro-
ducto de una sola persona. Se le condicionan todas sus ex-
pectativas posteriores de vida por este hecho, asumiendo
además ella el sentimiento de responsabilidad por no poder
compaginar su vida familiar con otros aspectos de su desar-
rollo personal. (Véase el interesante texto de OSBORNE, 2001).

I.2. Sutiles formas de actuar


La violencia invisible incluye también formas sutiles
de dominación como es la propia inactividad. No hacer de-
terminadas actividades, cuando éstas son necesarias, impli-
ca necesariamente dejar que otros la hagan. A partir de lo que
no hago, defino lo que tiene que hacer el otro. Es una manera
de acentuar las funciones que competen a cada uno a partir
de la inercia de los acontecimientos.
Esta autoexclusión injustificada de ciertas responsabi-
lidades es una manera de ejercer un control sobre la otra per-
sona. Se trata de un control invisible que para muchos puede
parecer exagerado. Pero no lo es cuando quien asume la res-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 371
ponsabilidad experimenta la imposibilidad, no ya de abando-
narla, sino siquiera modificarla o simplemente plantearla.
Quien se beneficia de estos hábitos siempre creerá que es me-
jor el orden establecido y cualquier intento de cambiarlo lo
presentará bajo la sombra de la inseguridad y el desorden. A
partir de esta presunción, se vicia cualquier planteamiento en
el que se desee plantear la convivencia desde una posición
horizontal y abierta a buscar equilibrio en la libertad de todos.
La violencia se experimenta cuando una de las partes
tiene que renunciar a proyectos personales y familiares por-
que la otra parte no contribuye, ni valora, ni tiene en cuenta
sus aspiraciones. No hace falta impedirlo con la fuerza física,
ni siquiera con presiones psicológicas, se deja que el otro
mismo se auto convenza de que no podrá hacer nada de lo
que él otro no le autorice y esté dispuesto a colaborar. Es la
violencia de la estructura, de la inercia, del poder que desea
que nada se cuestione, pues no experimenta la realidad como
un problema. Se trata, en cualquier caso, que lo resuelva qui-
en lo tiene, negando cualquier responsabilidad en la lógica
de los acontecimientos, por injusta que sea. Incluso se cele-
bra el buen hacer de la mujer en las tareas del hogar, incluso
se le premia, como un modo invisible de afirmar su respon-
sabilidad. Algunos hombres incluso dirán que no tienen nada
que objetar a su limpieza, porque ellos no lo harían mejor. La
generosidad tiene este tipo de encantos.
En fondo de estas actitudes hay una educación de desi-
gualdad por razones de géneros que debería ser revisadas
desde las etapas más tempranas de nuestra educación y cor-
regida en los discursos de instituciones sociales tan impor-
tante como los medios de comunicación. Sin embargo, desde
la publicidad de juguetes, a la revista de adolescente o las
páginas de información siguen dividiendo el mundo injusta-
mente por razón del género (Véase, entre otros, textos como
PIUSSI, 1999; DíAZ AGUADO, Y MARTINEZ ARIAS, 2001;
SUAREZ, 2006).
372 SUÁREZ, Juan Carlos • Violencia Invisible, Derechos Humanos e Igualdad de Género

I.3. La invisibilización del otro


La injusticia “relacional” (en las relaciones) se caracte-
riza también por el intento de “invisibilizar” al otro (AMO-
ROS, 1990). Se trata simplemente de no mencionarlo, pues
aquello que no puede ser denominado, no puede ser llamado
y, por tanto, no existe. La primera expresión de la realidad es
la palabra. Cuando se le pone nombre a las cosas la dotamos
de existencia. Pero cuando no la mencionamos, no la “reco-
nocemos” ni la “recordamos”, en su sentido afectivo, no lo
volvemos a conocer ni tampoco a querer.
Fijémonos, por ejemplo, en la utilización del artículo
indefinido “esta” o “esa” para referirse a la persona con la
que se convive. El propósito es reflejar la distancia que se
desea marcar en relación con la persona, como una realidad
ajena, parecida a la de una cosa, con la que me encuentro
pero no me relaciono. Su existencia se contempla de manera
accidental para nuestros intereses, como si fuese una cosa y,
si es una cosa, no tiene voluntad, su valor dependerá de su
uso. Se busca que el otro se perciba sustancialmente como
un sujeto dependiente del dominador. Por eso se le niega cu-
alquier expresión que pueda ser de su propia voluntad, como
cuando se dice, “mira lo que quiere éste (o ésta)”, con un
tono sorprendido por reclamar una identidad que se le pre-
tende negar.
La voluntad con mayúscula es la del poder, las otras
expresiones son solicitudes, sugerencias. De ahí que el len-
guaje haya querido expresar este dominio de la cultura an-
drocéntrica con expresiones tan conocidas como “la mujer
está más guapa callada” o asociar el silencio a una muestra
de discreción, pues su condición sería la de obedecer sin re-
plicar. (Véase el documento NOMBRA en femenino y en mas-
culino. Ministerio de trabajo y asuntos sociales. Instituto de
la Mujer, 2002; tb. SUAREZ, 2006).
Se pasa de aludir a la compañera como “mi señora”, en
la que el posesivo denota la condición de posesión del hom-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 373
bre, a referirse a ella como “esta” o “esa”, “la tía” o cualquier
otro “des-calificativo” que oculte su nombre, su individuali-
dad. Esta estrategia constituye al propio tiempo un modo de
reclamar el poder de definición y reconocimiento del otro a
partir de la propia visión que proyecto de él hacia los demás.
Se trata en cualquier caso de que la persona no sea ella, sino
la imagen que elaboramos de ella, reducida a su estigma, a su
estereotipo, aquello de ella que no le agrada y que es obliga-
do a aceptar para poder ser tenido en cuenta en un grupo que
se considera superior. Por ejemplo, cuando calificamos a al-
guien de “negro”, “moro” o “mi señora”, como si su cualidad
fuera el hecho de pertenecer al hombre (Sobre las causas y
los modos de la violencia, el texto de ROJAS MARCOS, 1998).

I.4. Los mismos comportamientos, distinto valor


Existe un simbolismo del poder en cada escena cotidi-
ana en la que se presupone su valor en función de quien lo
realice: el dominante o el dominado; al primero se le presu-
ponen sus motivos; mientras que el segundo, ni dando cuen-
ta de ellos, logrará obtener la confianza. Se recela de sus ac-
tos porque el superior ha proyectado la imagen de la realidad
desde su óptica de que los demás desean alcanzar los mis-
mos objetivos que él: el poder. Y si él lo tiene, sus actos pare-
cen carecer de intenciones, quienes no lo tienen, parece que
buscan lograrlo de algún modo. Esta suspicacia es especial-
mente intensa en personalidades inseguras que hacen del
poder una indumentaria simbólica de su reconocimiento per-
sonal y social.
Esta desigualdad en la valoración de las actividades se
manifiesta también en el propio discurso que se realiza de
los géneros. Así, por ejemplo, las reuniones de los hombres
con sus amigos se califican como reuniones de negocios, mi-
entras que las mujeres se reúnen para tomar café.
La actitud injusta y despótica del dominante en ocasio-
nes pretende camuflarse en un cierto victimismo por el com-
374 SUÁREZ, Juan Carlos • Violencia Invisible, Derechos Humanos e Igualdad de Género

portamiento del dominado que desea mostrar como una falta


de deslealtad al orden. De este modo, busca con su descon-
tento que el otro recuerde su autoridad y, si no lo hace, lla-
mará la atención de los demás sobre un comportamiento que
interpretará como malintencionado en cualquier caso, pues
su único fin parece dirigido a alterar un statu quo definido.
Es el típico caso del marido que maltrata psicológicamente a
su mujer con múltiples detalles y cuando ella opta por callar-
se, interpreta el silencio como una manifestación de desafec-
to y cuando actúa sin consultarle, porque conoce su negati-
va, la calificará, si hace falta, de puta – infiel.

I.5. El arrepentimiento de la víctima


La violencia simbólica admite cauces de arrepentimi-
entos de la víctima que pasa por aceptar la voluntad del do-
minante. No se trata de ser iguales, sino de aceptar la como-
didad de estar en una estructura, aunque injusta, previsible
en sus actuaciones. Es un mecanismo de defensa para evitar
más perjuicios a los ya ocasionados por las múltiples expre-
siones en las que ésta pueda experimentar el castigo simbóli-
co del poder.
El arrepentimiento, pues antes “sumisas” que “muer-
tas” es la reflexión que de manera consciente o inconsciente,
por desgracia, realizan muchas mujeres. En el ámbito famili-
ar, esta disposición a ceder era usual de las madres y abuelas
que aceptaban (aguantaban) el orden (desorden) con tal de
lograr la paz familiar (evitar la violencia del padre).
Este tipo de esquema puede ser también analizado en
los fenómenos de las pandillas, en las que los excluidos es-
tán dispuestos a mostrarse bien avenidos con el grupo domi-
nante. Incluso aún cuando fuese inevitable el estigma del gru-
po, el sujeto logra a cambio un sentido de pertenencia y se
siente protegido.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 375
I.6. El agresor suplanta a la víctima
La violencia invisible del poder busca los espacios sim-
bólicos de los que haya sido desalojada la víctima y se propo-
ne él mismo como portavoz de sus intereses. Se encarga de
mostrar ante terceros que la decisión de la víctima ha sido
voluntaria o, cuando menos, no impuesta y deseada por él.
Así, se encarga de interpretar las expresiones y acciones de
aquellas de manera sesgada para dejar constancia de la lógica
de su decisión.
Por ejemplo, el marido que condiciona continuamente
el deseo que pueda tener su mujer de acompañarle a los actos
sociales y que, posteriormente, argumentará que a ella no le
gusta dicho tipo de acto. Posiblemente, lo que no le agrade
sea el modo en que se ve obligada a hacerlo y prefiera que-
darse en casa. Pero la lógica del dominante será atribuirse el
derecho a explicar la actitud de quien ha abandonado un es-
pacio, justamente porque no se ha respetado su modo de es-
tar en él.
Cuando los hechos de la víctima no resultan suficien-
temente claros para justificar una decisión impuesta, pero
invisibilizada, se opta directamente por la maledicencia y la
confusión para buscar una reacción de la víctima que vaya
encaminada a reforzar un estereotipo que de ella tiene el po-
der. La contestación se interpreta como provocación y el sen-
timiento como asentimiento: ¿qué hacer?
El poder ocupa, a la par que excluye, pues no admite
vacíos que puedan exhibir su desnudez. Se trata de la omni-
presencia del deseo que le lleva a ejecutar la más fría y vil
violencia contra su víctima, así como necesita que ésta no se
vaya, tampoco quiere quedarse en la soledad de su propio
deseo. Pretende conservar a su víctima precisamente en esta
condición como manifestación ostentosa y silenciosa de su
poder. Esta es precisamente una de las raíces del mobbing
laboral, la tendencia a hacer la vida imposible a un subordi-
nado, sin intención de ofrecerle una salida dialogada y nego-
376 SUÁREZ, Juan Carlos • Violencia Invisible, Derechos Humanos e Igualdad de Género

ciada. No se trata de resolver un conflicto, sino de escenificar


el poder a través del mismo.
Sin lugar a dudas quien tiene el poder desea ejercer su
violencia más amable a través del silencio, del ocultamiento
del excluido, de su supuesto “no querer saber nada”, para que
así su dominio sea aceptado como un hecho invisibilizado.

I.7. El control remoto


El maltratador se considera responsable de la suerte de
la otra persona incluso cuando ésta haya podido independi-
zarse de su poder. La ambivalencia de pertenencia y exclusi-
ón a la que nos hemos referido más arriba, le lleva a conside-
rar que la distancia psíquica, emocional o física que su vícti-
ma haya podido establecer, no es una razón para desenten-
derse de ella. Quedarse sin víctima, sería quedarse sin la ex-
presión que le permite reconocerse como superior. En afir-
maciones como “esta es mi mujer”, además de resaltar el po-
sesivo, el maltratador lo entiende como un imperativo cultu-
ral de su identidad y no dejará que lo que es “suyo”, aún
cuando ya no forme parte de su vida, pueda tener una auto-
nomía completa.
El maltratador conserva siempre la expectativa de aso-
marse a la historia de la otra persona y condicionar su suer-
te como si todavía dependiera de él. Le complace compro-
bar la eficacia de su poder sin que sea advertido por su víc-
tima, pues le satisface reconocerse en lo que le ocurra al
otro.

II. Análisis del agresor de la violencia invisible


El poder en sí mismo es un deseo: el deseo de sentir el
poder y expresarlo en la capacidad de afectar las miserias y
alegrías ajenas como si fueran efectos de su voluntad. El po-
der utilizado como una bola mágica para satisfacer los dese-
os, constituye una perversión del espíritu narcisista de suje-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 377
tos que querrían verse reflejados en los otros como si fueran
ellos mismos.
Esta tendencia la podemos encontrar en cualquier per-
sona que, aunque sea momentáneamente, se siente admirada
al considerar que la suerte de otro depende de su voluntad.
Obviamente, a mayor responsabilidad mayor riesgo de que el
sujeto narcisista satisfaga de manera arbitraria y despótica su
poder. Además, existe una atracción natural de los narcisis-
tas por el poder o, en su defecto, dejarse acariciar por quié-
nes lo puedan ejercer.
Marie-France Hirigoyen en su excelente obra, El acoso moral
(1999), realiza un interesante análisis del perverso narcisis-
ta, que se correspondería de manera bastante certera con el
sujeto que realiza la denominada “violencia invisible”.

a. Megalómanos
Se creen paradigmas del bien y del mal. Sus pasiones,
deseos y gustos son siempre buenas razones de cómo debe
funcionar el mundo. Adquieren un cierto aire distante y mo-
ralizador que le permite ilustrar a los demás su posición con
respecto a ellos:
“Son megalómanos y se colocan en una posición de patrón
de referencia del bien y el mal y de la verdad. A menudo, se
les atribuye un aire moralizador, superior y distante. Aun-
que no digan nada, el otro se siente cogido en falta. Exhiben
unos valores morales irreprochables con los que dan el pego
y una buena imagen de sí mismos. Y denuncia la malevolen-
cia humana” (pp. 113-14).
La personalidad narcisista produce con frecuencia un
solapamiento entre su personalidad y el poder, convirtiendo
a éste en un instrumento simbólico que le permita ilustrar
que la realidad de los acontecimientos se asemeja a su volun-
tad. Sus acciones no son iniciativas genuinas, sino más bien
reacciones que surgen de su deseo de controlar y contrarres-
tar las aspiraciones de otros. El narcisista acepta a posibles
378 SUÁREZ, Juan Carlos • Violencia Invisible, Derechos Humanos e Igualdad de Género

aspirantes que deseen ser beneficiarios de sus favores, pero


no a que sean iguales. Así, por ejemplo, en el ámbito de las
relaciones machistas, sería tratar a tu mujer como una reina,
porque así se expresa de manera más completa mi poder.
Por eso, la forma de relación personal con el poder es a
través del clientelismo de quienes, sabiendo adaptarse a los
vaivenes de sus caprichos, se mantienen en la sombra de qui-
enes ostentan el poder como un modo seguro de promoción.
Los éxitos de éste son resultados de su buen hacer; su fracaso,
el resultado de su distanciamiento o su enfrentamiento.

b. El otro como expresión de su deseo de poder


En la lógica del narciso, no existe en estricto sentido “el
otro” como alteridad. Su relación responde siempre a un pro-
pósito que parece que trasciende a las propias personas. La
exhibición del poder se convierte en su propia seducción.
“La seducción perversa no conlleva ninguna afectivi-
dad. El mismo principio del funcionamiento perverso es evi-
tar cualquier afecto. El objetivo es no tener sorpresa. Los per-
versos no se interesan por las emociones complejas de los
demás. Son impermeables al otro y a su diferencia, salvo en
los casos en que perciben que esa diferencia puede molestar-
les. Se produce una negación total de la identidad del otro,
cuya actitudes y pensamientos tienen que conformarse a la
imagen que los perversos tienen del mundo”.

c. Frialdad en las formas, intensidad en el contenido


Por otro lado, cuando se produce un cuestionamiento
del poder, una ruptura en su ejercicio de autoridad, no hay
nada que le apetezca más que una revancha fría, utilizar la
mano de hierro en guante de seda y ejecutar de manera im-
placable su voluntad, hasta conseguir el arrepentimiento del
trasgresor, no para restituir ningún orden anterior, sino como
prueba de la vigencia de su poder tras el supuesto desafío.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 379
“Cuando un perverso percibe una herida narcisista (una der-
rota o una repulsa), siente un deseo ilimitado de obtener una
revancha. No se trata como sería el caso de un individuo
colérico, de una reacción pasajera y desordenada, sino de un
rencor inflexible al que el perverso aplica todas sus capaci-
dades de razonamiento” (p. 114).

d. El vampirismo
Otra característica del perverso narcisista es la del vam-
pirismo, la tendencia a neutralizar las cualidades del otro a
través de su acción de poder. Este objetivo es llevado a cabo a
través de un espíritu de crítica exacerbado y el ataque a la
autoestima y confianza del otro para aumentar así su propio
valor. Son dos modos correlativos de reforzar su personali-
dad, la cual adquiere su relieve más claro en la necesidad de
destruir a alguien para sentirse superior. A este respecto, seña-
la Hirigoyen (1999):
El narcisista “presenta una ausencia total de interés y de
empatía por los demás, pero desean que los demás se intere-
sen por ellos. Se les debe todo. Critican a todo el mundo y no
admiten ninguna acusación ni ningún reproche. Frente a este
mundo de poder, la víctima se siente forzosamente en un
mundo de fallos. Señalar los errores de los demás es una
manera de no ver los propios, una manera de defenderse de
una angustia de orden psicótico”. (p. 114).
Esta sería la típica situación que se produce, por ejem-
plo, en las relaciones de género del marido frustrado que acusa
a su compañera de “no vales para nada”, a la par que despo-
trica contra todo el mundo que lo considera como un obstá-
culo para exhibir su valía y buen hacer. Esta estructura de po-
der está presente también en otros ámbitos como el laboral.
Con frecuencia el jefe ve cuestionado su poder cuando alguien
consigue cierto reconocimiento al margen de su acción.
380 SUÁREZ, Juan Carlos • Violencia Invisible, Derechos Humanos e Igualdad de Género

e. Tirar la piedra y esconder la mano


El autor de la violencia invisible es habitualmente un
irresponsable que usa el poder como un instrumento de agre-
sión sobre los intereses de otros, procediendo de una manera
cobarde. Aprovecha el soporte formal de su posición para
actuar como si fueran decisiones ajenas a su voluntad. Juega
así con un aspecto camaleónico en el que puede ser recono-
cido en sus éxitos pero se mostrará desaparecido o ajeno a
cualquier gestión que resulte frustrada. En el fondo, nunca
habrá querido lo que no resulte, mientras que siempre se sen-
tirá autor de aquello que fue. Este enmascaramiento de su
voluntad en las propias circunstancias no le supone ningún
empacho para utilizar a unos y otros a fin de que parezca que
entre todos decidieron lo que él quería. Se trata de la antigua
tendencia de tirar la piedra y esconder la mano. Utilizar el
poder o la influencia y atribuir así a los demás lo que fue
decidido por él.
El maltratador en el ámbito de las relaciones domésti-
cas realiza gestiones similares. Siempre se excusará en las
circunstancias, el maltrato en el fondo negará que haya sido
querido planeado, sin embargo, no dejará de condicionar las
posibilidades de desarrollo de la otra persona cuando no le
sean gratas.
Una de las señas de identidad del maltratador que se
ampara en este fenómeno de violencia invisible es que él se
siente seguro de no haber sido responsable de nada. Analiza-
dos los hechos no puede encontrar ninguna frase ni acción
que de manera expresa parezca que ha querido condicionar la
libertad del otro. Su falta de responsabilidad es la expresión
más clara de su carácter inseguro.
“Los perversos narcisistas tienen dificultades para tomar
decisiones en la vida corriente y necesitan que otras perso-
nas asuman esa responsabilidad en su lugar. No son de nin-
gún modo autónomos y no pueden prescindir del prójimo,
lo que les conduce a un comportamiento “pegajoso” y a te-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 381
mer la separación; sin embargo, piensan que es el otro el que
solicita su sujeción. Se niegan a ver el carácter depredador
de su propio enganche, pues ello podría acarrear una percep-
ción negativa de su propia imagen. Esto explica su violencia
para con un compañero demasiado benévolo o reparador. Si
este último, en cambio, se muestra independiente, entonces
lo perciben como si fuera hostil y rechazador” (p. 118).
Resumiendo este último apartado, la violencia puede
ser considerada como una forma de narcisismo, pero este tras-
torno de la personalidad moderna no hay que velar como una
patología individual, sino como una forma de modelos de las
relaciones asociadas a la concepción androcéntrica del po-
der. En cierto sentido, en cada día construimos sujetos narci-
sistas a través de una cultura de la competición, la idea de
considerarse más por sentirse secundados en las preferencias,
pues nuestra cultura frente al diálogo propone la imposición
y la resolución como formas de éxito y eficacia. Este diseño
es en gran parte resultado de la visión androcéntrica de la
sociedad y podríamos decir que son los hombres quienes más
lo protagonizan (y padecen). Se comprende entonces que el
narcisismo no es más que una forma de afirmar la identidad
masculina, a través de la cual se le educa desde pequeños a
que su valor como hombre reside en su capacidad de domi-
nación hacia su mujer y su capacidad de exhibir su poder
frente a terceros competidores. Es la lógica de una educación
que yerra en la propia idea de que sea la igualdad entre las
personas. Como resultado de esta cultura, encontramos con
frecuencia la idea de que la igualdad de género pasa por ser
igual que los hombres, que sean las mujeres quienes se apun-
ten a este diseño de relaciones intersubjetivas. Pero la prime-
ra cuestión que cabría formular es si la mujer valora y está
interesada en parecerse a este sujeto narcisista y cuya felici-
dad la cifra en un reconocimiento personal y poco solidaria.
¿Hasta qué punto nuestra cultura en otros ámbitos está he-
cha a imagen y semejanza de su creador? De hecho, existe
una crítica feminista sólida y bien construida sobre un mo-
382 SUÁREZ, Juan Carlos • Violencia Invisible, Derechos Humanos e Igualdad de Género

delo de modernidad liberal que vendría a consagrar al narci-


sismo androcéntrico del sujeto moderno y del que el Estado
sería concebido bajo esta idea de fuerza y verticalidad que
caracteriza al orden legal. Algunas críticas relevantes de au-
toras como Catherine Mackinnon, Iris Marion Young o Sheyla
Benhabib, son imprescindibles para corregir una lectura del
discurso político que ha excluido a las mujeres no sólo como
sujeto del espacio público, sino también a la propia política y
al diseño de lo social de las aportaciones femeninas.
El Derecho es un instrumento necesario pero no sufici-
ente para poder lograr una igualdad efectiva. La labor de la
educación cívica es fundamental para inspirar nuevos valo-
res que forme a personas reflexivas y justas en los distintos
espacios de la convivencia. Además de las instituciones edu-
cativas, los medios de comunicación se presentan como un
instrumento decisivo para remodelar la percepción de las
personas sobre las referencias simbólicas que actúan como
espejo de su imaginario colectivo. Las funciones que pueden
cumplir a este respecto son varias. En primer lugar, la de ilus-
trar la variedad de las identidades sociales, conocer y reco-
nocer su realidad e incentivar el debate sobre sus derechos y
aspiraciones en el espacio social. En segundo lugar, a través
de una labor de denuncia de las injusticias que se cometen
cada día en contra de los derechos humanos. No sólo de aque-
llas formas flagrantes de vejaciones de la dignidad humana,
como los atentados contra la vida o la libertad, sino también
aquellas otras que son resultados de lo que venimos llaman-
do la violencia invisible (BERGANZA CONDE, GARCIA OR-
TEGA, Y SANCHEZ ARANDA, 2003).
En relación con este último asunto, deseamos reflexio-
nar sobre la importancia que ha tenido la publicidad dada a
los malos tratos en los medios de comunicación. (FAGOAGA,
1999). Por un lado, ha permitido cambiar la consideración
social hacia ellos, pues han pasado de ser un modo de expre-
sión fosilizado de la cultura machista, a una de las más la-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 383
mentable y penosas vejaciones de las que podía sufrir las
personas, en este caso, las mujeres. Por el otro, ha contribui-
do a poner rostro humano a un crimen hasta hace poco invi-
sible y supuestamente aceptado como una simple disfunción
de las relaciones privadas. Se contribuía así a desmitificar la
idea de que el espacio privado era un espacio de impunidad
para ejercer una dominación injusta de una persona sobre
otra. Por estos motivos, el maltrato gozaba de cierta condes-
cendencia social y no aparecía en los medios de comunicaci-
ón como un comportamiento anormal o significativo de ser
registrado como una ruptura de un determinado orden social.
La labor de los medios de comunicación ha sido más
decisiva que la de las propias leyes para que la sociedad haya
adquirido un modo distinto de valorar este tipo de comporta-
miento por parte del hombre. El maltratador no es una acen-
tuación de la condición de hombres, sino la expresión de una
violencia gratuita e innecesaria que resulta intolerable a cu-
alquier ser humano, con los agravantes de hacerlo en el espa-
cio de mayor impunidad y contra alguien que se siente deu-
dora de un proyecto familiar que no desea tirar a la primera
de cambio por la borda.
El caso de Ana Orantes constituyó un punto de inflexi-
ón en la denuncia social contra los malos tratos. Esta mujer,
tras acudir a un programa de televisión en el que manifesta-
ba el maltrato habitual que su marido mantenía hacia ella
desde hacía años, fue quemada por éste como represalia por
sus declaraciones. Lo significativo de este caso fue el hecho
de que el maltrato no era anónimo, no era de otras tantas
mujeres que se escuchaba que eran maltratadas o incluso
matadas por su marido, sino que era la “mujer que salió” en
televisión. Era una mujer que había dejado de ser invisible,
que tenía nombre, apellido y un rostro humano con el que la
noticia despertaba con más insistencia nuestra concienciaci-
ón ante este tipo de episodios.
Frente a la insensibilidad de reportajes que nos recuer-
384 SUÁREZ, Juan Carlos • Violencia Invisible, Derechos Humanos e Igualdad de Género

dan el número de víctimas, de pronto conocemos el caso de


mujeres que sufren o niños que son testigos barbaridades
impensables, y nos damos cuenta de que se trata de personas
de carne y hueso. La información más allá del conocimiento
de los hechos nos reclama un conocimiento de nosotros mis-
mos ante esos hechos, de qué modo nuestra condición hu-
mana puede convivir simultáneamente con una injusticia ante
la que hacemos oídos sordos, en ocasiones, sólo porque nos
hemos habituado tanto a la tragedia que nos parece normal,
inevitable, algo ante lo que nadie puede hacer nada. Esta es
la actitud pasiva de un ciudadano televisivo que establece
entre la pantalla y la realidad un muro de vidrio impenetra-
ble, restando todos los acontecimientos en meros artefactos
audiovisuales que nos montan en un tiovivo de sensaciones
individualistas.
La denuncia de los casos de violencia doméstica adqui-
ere un valor simbólico muy importante en nuestra sociedad
machista y cerrada. Desacralizar la idea de que lo que ocurre
en el espacio privado corresponde a un comportamiento pri-
vado y, por tanto, escapa a la acción de la ley y, por otra,
contribuir a sensibilizar a la opinión pública con una reali-
dad oculta con la que seguimos conviviendo. La publicación
de la injusticia contribuye a que la sociedad recuerde su exis-
tencia y la combata.
Ahora bien, la denuncia social de los malos tratos como
un aspecto positivo, no significa que siempre se haga de un
modo conveniente. Los medios de comunicación están con
frecuencia más preocupados de elaborar productos audiovi-
suales atractivos para el mercado que en contribuir a una
conciencia cívica y respetuosa con las personas que sufren
estos problemas.
En ocasiones se aprovecha como una oportunidad mag-
nífica para convertir los episodios en “info-dramas”, en los
que la recreación del periodista compite con la propia reali-
dad. Supuestas historias sentimentales en las que se puede
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 385
especular con los argumentos más básicos de las telenovelas
del corazón: infidelidades, vejaciones, amor, incomprensión,
dolor, arrepentimiento, venganza y sangre, ingredientes per-
fectos para la mercantilización de los sentimientos humanos
a través de estas lamentables historias. Se pierde la perspec-
tiva del fenómeno de la violencia como un síntoma estructu-
ral de un modelo de sociedad machista, y se trata bien como
si fuera un simple episodio habitual del cual lo único que
importa es saber el número que hace o, en el otro extremo, se
adentra en una narración casi audiovisual que con las propi-
as palabras parece colocarnos delante de una cámara mental
que nos ilustra los más simple detalles del episodios. Asisti-
mos a una cultura en la que la importancia de los hechos
depende del grado de veracidad (sensacional) que nos ofrez-
ca la tragedia. La información como sensación, la sensación
como mero consumo. El homo videns de Sartori que tiene
más datos pero menos información de la realidad.
Los efectos que se derivan de este tipo de prácticas in-
formativas resultan contraproducentes al propósito que se
persigue de denuncia social. Más bien se puede contribuir a
alentar comportamientos miméticos, aquellos que pretenden
hacer de su tragedia un acto notorio y a descompensar la
imagen de la mujer en los medios de información marcada
por ser víctima del hombre. Por estas razones, resulta im-
prescindible repensar la responsabilidad de los medios de
comunicación en la información sobre malos tratos.
No se beneficia al propósito de las mujeres de ser acep-
tada socialmente como iguales si la mayoría de las noticias
en las que aparecen como protagonistas son víctimas de ma-
los tratos. La victimización es un efecto indeseable que pue-
de condicionar el debate sobre la igualdad de la mujer, consi-
derando que lo que es un mínimo: ser tratada igual, sea su
máximo: ser reconocida como diferente, con su aportaciones
propias dentro de un debate que debe tener en cuenta sus
posiciones no como sugerencias para modificar el modo de
386 SUÁREZ, Juan Carlos • Violencia Invisible, Derechos Humanos e Igualdad de Género

ver el mundo, sino como la mitad de la humanidad que per-


tenece a un mundo que es también el de ellas.

CONCLUSIÓN
La desigualdad real en los distintos ámbitos, injustifi-
cada e impuesta por voluntades que se estiman superiores
constituye el principio de la violencia invisible. Esta reali-
dad la conocen muy bien las mujeres, quienes observan de
manera incomprensible cómo su condición sexual se utiliza
para requerir de ellas ciertas maneras de estar y de ser frente
al hombre. También los marginados tienen que asumir su
condición de ciudadanos libres como un techo para no lu-
char contra la desigualdad que les condena a ser libremente
pobres, ignorados y, cada cierto tiempo, consolados.
La simple pregunta es desobediencia; el comentario,
revolución; y el incumplimiento; deslealtad y traición. Se
pretende que quien desobedece se sienta responsable del
desorden. La violencia invierte el orden de los acontecimien-
tos y pasa a la víctima la carga de la prueba, quien debe de-
mostrar que sus intenciones eran honestas frente a la presun-
ta autoridad del poder.
La historia humana es una historia de revoluciones pero
también de previos ejercicios de autoritarismos complacien-
tes cuya legitimidad procedía de los beneficiados por el po-
der y ajeno a los problemas de los demás.
En las sociedades actuales seguimos asistiendo a mo-
delos de violencia estructural en virtud de la cual quien de-
sempeña una autoridad aprovecha la posición para hacer va-
ler sus intereses personales, utilizando la responsabilidad
como un instrumento simbólico de poder para dar pábulos a
sus ambiciones personales. Existe una tendencia a congraci-
arse con el poder, por lo que en ocasiones esta violencia pue-
de incluso llegar a ser sistémica por parte de un grupo de
agraciados que prefieren ponerse de su parte frente a la vícti-
ma. En buena medida, esta misma realidad es la que esta pre-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 387
sente en la cultura androcéntrica en el que la mujer sigue
siendo considerada inferior a la voluntad del hombre. Por
este motivo, nos ha parecido interesante relacionar ambos
fénómenos para advertir como una mala distorsión del poder
supone un perjuicio para la libertad de todos.

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Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 391

15 – PROIBIÇÕES, CRENÇAS E
LIBERDADE: O DEBATE
SOBRE O ABORTO
Maria Lúcia Karam

O debate, que vem se desenvolvendo no Brasil, sobre a


interrupção da gravidez diante de anencefalia do feto, moti-
vado especialmente por ação de descumprimento de precei-
to fundamental proposta pela Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Saúde, sugere reflexões que em muito ul-
trapassam os estreitos limites da questão que, levada a exa-
me do Supremo Tribunal Federal brasileiro, já foi antes deci-
dida na Corte Suprema da Argentina, lá se afirmando, por
maioria, em face de legislação criminalizadora análoga à bra-
sileira, a licitude da prática do aborto em tal circunstância.1
Mas, esse debate deve ser ampliado, direcionando as
necessárias reflexões para o proibicionismo, para a imposi-
ção de crenças e, antes de tudo, para a liberdade.
O proibicionismo pode ser entendido, em uma primei-
ra aproximação, como um posicionamento ideológico, de fun-
do moral, que se traduz em ações políticas voltadas para a

1
A ação proposta perante o Supremo Tribunal Federal brasileiro (ADPF 54-8-
DF), relator Ministro Marco Aurélio, no momento em que escrevo este traba-
lho, ainda não trouxe pronunciamento sobre o mérito. Em 27 de abril de
2005, o Plenário se pronunciou tão-somente sobre questão preliminar susci-
tada pelo Ministério Público, afirmando, então, por maioria, a admissibilida-
de da via adotada. O acórdão da Corte Suprema de Justiça da Nação Argenti-
na foi proferido em recurso extraordinário julgado em 11 de janeiro de 2001
(T.421.XXXVI).
392 KARAM, Maria Lúcia • Proibições, Crenças e Liberdade: O Debate sobre o Aborto

regulação de fenômenos, comportamentos ou produtos vistos


como negativos, através de proibições estabelecidas notada-
mente com a intervenção do sistema penal – e, assim, com a
criminalização de condutas através da edição de leis penais –,
sem deixar espaço para as escolhas individuais, para o âmbi-
to de liberdade de cada um, ainda quando os comportamen-
tos regulados não impliquem em um dano ou em um perigo
concreto de dano para terceiros.2
Não obstante a superação de alguns preconceitos mo-
rais e a evolução comportamental, registrada, notadamente
no ocidente, a partir dos anos 60 do século XX, ainda hoje
são muitas as manifestações do proibicionismo por todo o
mundo, inclusive nos próprios países em que registrada aquela
evolução.
Neste ponto, devemos pensar não apenas no aborto que,
legalizado na quase totalidade dos países centrais, ainda per-
manece proibido em quase todos os países da América Lati-
na e da África.
Podemos e devemos pensar também na pornografia, em
pesquisas científicas, como as relacionadas às células-tron-
co, no jogo, na eutanásia, na prostituição e em outros com-
portamentos ou preferências sexuais, na arte de pichadores e
ainda na produção, na distribuição e no consumo de selecio-
nadas substâncias psicoativas e matérias-primas para sua pro-
dução, que, em razão da proibição, são qualificadas como
drogas ilícitas, esta última sendo, hoje, a mais organizada,
mais sistemática, mais estruturada e mais danosa forma de
manifestação do proibicionismo a nível mundial.
São muitas as afinidades entre o proibicionismo e o sis-

2
Sobre proibicionismo e também sobre antiproibicionismo, veja-se texto de
Marco Perduca, que, traduzido para o português, com o título “VAMOS CRIMI-
NALIZAR A PROIBIÇÃO”, pode ser encontrado no site do Centro Acadêmico Cân-
dido de Oliveira da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, no endereço http://www.cacofnd.org/artigos/
art_juridicos.asp.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 393
tema penal. Quase sempre estes acabam por se fundir, pois,
como assinalado, as proibições, na maioria dos casos, se ma-
terializam na criminalização de condutas através da edição
de leis penais.
As afinidades são claramente identificáveis no discur-
so que sustenta tais manifestações repressivas.
O discurso que sustenta o sistema penal, veiculado em
uma sólida e enganosa publicidade,3 “vende-o” como um ins-
trumento voltado para a proteção dos indivíduos, para a evi-
tação de condutas negativas e ameaçadoras, para o forneci-
mento de segurança, de paz, de tranqüilidade.
Encobrindo o caráter puramente político e historicamen-
te eventual da seleção de condutas que, apresentadas como
conflituosas ou socialmente negativas, são objeto da lei pe-
nal – por isso, sendo chamadas de crimes e proibidas sob a
ameaça de uma pena –, esse discurso encobre a realidade de
que a intervenção do sistema penal é mera manifestação de
poder, constituindo-se em um dos mais poderosos instrumen-
tos de que se valem os mais diversos tipos de Estado para
obter uma disciplina ou um controle sociais que resultem
funcionais para a manutenção e reprodução da organização e
do equilíbrio global das formações sociais historicamente
determinadas nas quais surgem estes Estados.
A enganosa publicidade, ocultando a finalidade real e
a funcionalidade política do sistema penal, oculta ainda o
perene fracasso de seus objetivos explícitos. Não há como
deixar de classificar como fracassado um sistema que, pro-
metendo a proteção dos indivíduos, a evitação de condutas
negativas e ameaçadoras, o fornecimento de segurança, de
paz e de tranqüilidade, depois de séculos de funcionamento,

3
Sobre a enganosa publicidade do sistema penal, reporto-me ao que escrevi
em meu DE CRIMES, PENAS E FANTASIAS (Niterói: Ed. Luam, 2ª ed., 1993) e, mais
recentemente, em artigo específico sobre o tema intitulado “SISTEMA PENAL E
PUBLICIDADE ENGANOSA”, publicado às páginas 158 a 176 da REVISTA BRASILEIRA
DE CIÊNCIAS CRIMINAIS N.52 (São Paulo: Ed. RT, janeiro-fevereiro 2005).
394 KARAM, Maria Lúcia • Proibições, Crenças e Liberdade: O Debate sobre o Aborto

hoje busca a legitimação de um maior rigor e um maior al-


cance em sua aplicação no anúncio de um aumento incon-
trolado do número de crimes, de uma diversificação e de
maiores perigos advindos desta criminalidade apresentada
como crescente.
O proibicionismo, seguindo a mesma linha da publici-
dade enganosa do sistema penal, costuma ser veiculado por
um discurso, que, ocultando preconceitos, ocultando sua fun-
cionalidade política e sua instrumentalidade no exercício de
poderes estatais ou não, o apresenta como um “esforço hu-
manitário”, destinado a salvar a humanidade ou solucionar
seus mais diversos problemas.4
Como ocorre genericamente com o sistema penal, o fra-
casso dos objetivos explícitos do proibicionismo também é
evidente.
A proibição criminalizadora do aborto é um exemplo
eloqüente deste fracasso.
A criminalização não impede e nunca impediu a realiza-
ção de abortos. Aliás, as circunstâncias da proibição ou da le-
galidade não têm qualquer relevância na maior ou menor quan-
tidade de abortos. Alguns dados são bastante ilustrativos.
Mas, antes, há de se fazer um parêntesis. O proibicio-
nismo em relação ao aborto tem assento histórico relativa-
mente recente, originando-se, na maior parte do mundo, na
segunda metade do século XIX, como assinalado na emble-
mática decisão da Suprema Corte norte-americana, no caso
Roe v. Wade.5 A partir da década de 1950, os países centrais e
alguns periféricos começam a liberalizar suas legislações e,
hoje, no mundo, mais de duas em cada quatro mulheres vi-
vem em países livres da proibição. Nos países periféricos,
55% das mulheres vivem sob legislações que permitem o abor-
to, aí se devendo considerar que nos dois países periféricos

4
Veja-se, a propósito, o texto de Marco Perduca, mencionado na nota 2.
5
410 U.S. 113, decisão em 22 de janeiro de 1973.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 395
mais populosos – China e Índia – o aborto é legalizado. Nos
países centrais, aquele percentual sobe para 86% das mulhe-
res.6
Esse quadro desvenda aquela realidade ocultada pela
enganosa publicidade do sistema penal, a realidade do cará-
ter puramente político e historicamente eventual da seleção
de condutas que, apresentadas como conflituosas ou social-
mente negativas, são chamadas de crimes.
Estamos acostumados a falar em crime, como se esta
expressão pudesse traduzir um conceito natural, que partis-
se de um denominador comum, presente em todos os tempos
ou em todos os lugares. Mas, como bem ilustra o quadro rela-
tivo ao aborto, na realidade, crimes não passam de meras cri-
ações da lei penal, não existindo um conceito natural que os
possa genericamente definir. Condutas, que, como o aborto
com o consentimento da gestante, são um crime em determi-
nados lugares, podem não ser em outros. O que ontem foi
crime, hoje pode não ser; e o que hoje é crime, amanhã pode-
rá deixar de ser.
Feito este necessário parêntesis, vejamos alguns dados
que revelam como o proibicionismo criminalizador não im-
pede e nunca impediu a realização de abortos, ou como as
circunstâncias de proibição ou legalidade não têm qualquer
relevância na maior ou menor quantidade de abortos.

6
Estes e todos os demais dados aqui referidos foram extraídos dos trabalhos
“SHARING RESPONSIBILITY: WOMEN, SOCIETY AND ABORTION WORLDWIDE” e “TRENDS
IN ABORTION IN THE U NITED S TATES , 1973-2000”, produzidos por The Alan Gut-
tmacher Institute, bem como do trabalho “U NSAFE ABORTION: GLOBAL AND REGI-
ONAL ESTIMATES OF INCIDENCE OF UNSAFE ABORTION AND ASSOCIATED MORTALITY IN
2000”, de Elisabeth Ahman e Iqbal Shah, publicado em 2004 pela Organi-
zação Mundial da Saúde, trabalhos esses que podem ser encontradas na
web, nos endereços http://www.agi-usa.org/pubs/sharing.pdf , http://
www.agi-usa.org/presentations/trends.pdf e http://www.who.int/reproduc-
tive-health/publications/unsafe_abortion_estimates_04/estimates.pdf . Nes-
tes trabalhos há fartas indicações das fontes em que foram coligidos os da-
dos neles publicados e aqui utilizados.
396 KARAM, Maria Lúcia • Proibições, Crenças e Liberdade: O Debate sobre o Aborto

Dados fornecidos pela Organização Mundial da Saúde


e por serviços de estatísticas dos diversos países indicam que
a média anual da taxa global de abortos é de 35 por mil mu-
lheres em idade de procriar (15 a 44 anos).
A maior taxa por região é registrada na Europa Oriental
– 90 por mil mulheres em idade de procriar – e a menor na
Europa Ocidental – 11 por mil mulheres naquela faixa de ida-
de. A disparidade existe apesar de não haver quase nenhuma
diferença entre as legislações dos países europeus, todas, à
exceção das legislações da Irlanda e da Polônia, não proibiti-
vas do aborto.
Na África, na Ásia e na América Latina e Caribe as taxas
de aborto situam-se em patamares bastante próximos entre si
e acordes com a média global, as estimativas indicando sua
variação entre 33 a 37 abortos por mil mulheres em idade de
procriar. Na América Latina e na África, como já mencionado,
quase a totalidade dos países adota leis fundadas no proibicio-
nismo e, assim, quase todos os abortos são ilegais (95% para a
América Latina e 99% para a África). No Leste da Ásia, ao con-
trário, praticamente todos os abortos são legais. E no resto da
Ásia, pouco mais de um terço dos abortos se faz legalmente.
Anote-se que, em relação à África, Ásia e América Lati-
na e Caribe, eventuais desvios estatísticos estarão localiza-
dos em especial nos países que mantêm legislações proibici-
onistas, podendo acarretar subestimação nos dados a eles re-
ferentes, na medida em que as avaliações quantitativas de
fatos ocorridos em situação de clandestinidade costumam se
fazer apenas com base na parcela que chega ao conhecimen-
to oficial, no caso em foco, as estatísticas da ilegalidade fun-
dando-se principalmente em estimativas construídas a partir
de registros de atendimentos hospitalares e mortes de mu-
lheres em conseqüência do aborto.
A maior ou menor quantidade de abortos pode estar
relacionada a diversos fatores, nenhum deles determinado
pela proibição ou pela legalização.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 397
A enorme disparidade constatada entre países da Euro-
pa ocidental e oriental, em que, repita-se, no que concerne à
situação de legalidade, não há quaisquer diferenças signifi-
cativas nas legislações de uns e outros, parece decorrer de
diferenças na disponibilidade e na utilização de meios con-
traceptivos. Ao que tudo indica, à época do socialismo real,
havia grande dificuldade de obtenção de contraceptivos. Em
alguns países da Europa Oriental e em algumas ex-repúbli-
cas soviéticas da Ásia Central, a situação vem mudando, na
medida em que os contraceptivos vão sendo mais facilmente
obtidos, seja de fontes governamentais, seja de fontes priva-
das. Em alguns desses países, sem que houvesse qualquer
mudança em matéria de proibição/legalização, as taxas de
aborto caíram cerca de 50% de 1990 a 1996.
Os dados reveladores da inutilidade da proibição tam-
bém indicam que se libertar do proibicionismo e legalizar a
prática do aborto, como já experimentado pela imensa maio-
ria dos países centrais e por alguns países periféricos, é passo
que pode ser dado sem maiores riscos de aumento na sua
quantidade.
Não obstante as já apontadas reservas com que devem
ser tratadas estatísticas relativas ao número de abortos reali-
zados na clandestinidade, o que dificulta comparações, a ex-
periência de alguns países, em que se pôde trabalhar com
algum tipo de estatística da época da proibição, indica que,
como é comum acontecer em tais circunstâncias, imediata-
mente após a legalização, verificou-se uma tendência de au-
mento no número de abortos.
Este aumento poderia estar a retratar um desvio esta-
tístico originado pelo desconhecimento anterior do número
real de abortos e, assim, por uma comparação não tão fide-
digna com os números registrados de abortos legais. Mas,
ainda que, efetivamente, tenha havido um aumento real, em
razão de um crescimento na demanda resultante da maior
facilidade e da maior segurança proporcionadas pela reali-
398 KARAM, Maria Lúcia • Proibições, Crenças e Liberdade: O Debate sobre o Aborto

zação do aborto na legalidade, o que se verificou foi que, a


médio e longo prazo, aquela tendência desapareceu, regis-
trando-se, ao contrário, quedas significativas na quantidade
de abortos. Nos Estados Unidos da América, por exemplo,
registraram-se essas tendências, com um aumento no nú-
mero de abortos nos anos imediatamente seguintes à deci-
são do caso Roe v. Wade, em 1973, que conduziu à legaliza-
ção do aborto em todo o país, e um posterior declínio a par-
tir dos anos 80.
O demonstrado fracasso do proibicionismo – a demons-
trada inutilidade da proibição para impedir ou mesmo ape-
nas reduzir a realização de abortos – já deveria ser razão sufi-
ciente para que dele nos libertássemos, abraçando a opção
descriminalizadora.
Decerto, o aborto não é uma conduta desejável, uma
situação que se possa avaliar positivamente. Decerto, não é
um simples meio de planejamento familiar, uma forma de
assegurar a livre opção pela maternidade ou um direito da
mulher sobre seu corpo.
Abortar é provocar a morte do produto da concepção,
que, embrião ou feto, é uma vida humana, que, embora de-
pendente, embora ainda não tendo a qualidade de pessoa,
tem direitos, inclusive e naturalmente o direito à vida, que
ao Estado cabe assegurar.
Mas, o reconhecimento deste direito à vida longe está
de sugerir a proibição. Ao contrário, a descriminalização do
aborto, em todas as partes do mundo, se faz urgentemente
necessária.
Esta necessidade não decorre apenas da desigualdade
e, assim, da injustiça, claramente reveladas no já constatado
fato de 86% das mulheres que vivem nos países centrais e
55% das que vivem nos países periféricos – a maioria das
habitantes do planeta – poderem realizar abortos legalmente,
enquanto idêntica conduta das demais é qualificada como
criminosa.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 399
Esta necessidade tampouco decorre apenas da também
já constatada inutilidade da proibição para impedir abortos e
assim evitar a morte de embriões ou fetos.
A razão maior que deve conduzir ao afastamento da
proibição surge de outra constatação: a de que, como aconte-
ce em outros campos, o pior da proibição está nos danos que
ela própria causa.
No caso do aborto, às não evitadas mortes de embriões
ou fetos somam-se as mortes e lesões sofridas por milhares
de mulheres em decorrência da precariedade das condições
de sua realização clandestina.
A desigualdade e a injustiça reveladas na criminali-
zação localizada agora volta a se revelar de forma dramáti-
ca. Nos países livres do proibicionismo, serviços hospita-
lares se tornam acessíveis e o aborto pode ser realizado
por profissionais preparados, geralmente se fazendo no
início da gravidez, sendo, assim, raras as complicações para
a saúde da mulher relacionadas a tal procedimento. Mas,
quando o aborto é proibido, embora, naturalmente, mu-
lheres privilegiadas tenham acesso a clínicas particulares
bem equipadas e com profissionais preparados, as mulhe-
res das classes subalternizadas se submetem a condições
precárias, realizando o aborto por seus próprios meios ou
com pessoas (profissionais ou não) despreparadas, geral-
mente em condições não-higiênicas, o que resulta em gran-
de número de complicações para sua saúde e mortes. Cal-
cula-se que pelo menos cerca de um terço das mulheres
que realizam abortos em condições precárias sofram sérias
complicações em sua saúde.
Foi fundamentalmente a compreensão desta necessida-
de de evitar a morbidade e a mortalidade resultantes dos pro-
cedimentos clandestinos que conduziu à liberalização de le-
gislações por todo o mundo, a partir da década de 1950. E os
países, que romperam com o proibicionismo nesta matéria, logo
assistiram à espetacular diminuição de complicações para a
400 KARAM, Maria Lúcia • Proibições, Crenças e Liberdade: O Debate sobre o Aborto

saúde provocadas por abortos, reduzindo o número de mortes


de mulheres daí decorrentes praticamente a zero.
O exemplo da Romênia é bastante ilustrativo. A proibi-
ção foi abolida em 1957, permanecendo a legalidade do abor-
to até novembro de 1966, quando, em conseqüência de uma
política pró-natalidade, restabeleceu-se a proibição. Com a
clandestinidade, a mortalidade de mulheres relacionada aos
abortos atingiu níveis recordes. Em 1965, ainda sob a legali-
zação, o número de mortes de mulheres causadas por com-
plicações decorrentes do aborto era de 20 para 100.000 nasci-
dos vivos. Em 1974, essa taxa subiu para quase 100 e, em 1983,
já atingia 150. Quando a proibição foi novamente abolida, em
dezembro de 1989, menos de um ano depois, a taxa de morta-
lidade já caía para cerca de 60 por 100.000 nascidos vivos.7
Como apontado em trabalho publicado pela Organiza-
ção Mundial da Saúde,8 nos Estados Unidos da América a
taxa de mortes de mulheres decorrentes de abortos é de 0,6
por 100.000 procedimentos, o que faz a prática lá legalizada
ser tão segura quanto uma injeção de penicilina.
É, pois, antes de tudo, para evitar os danos causados
pelo proibicionismo, para evitar milhares de mortes e lesões,
que se faz imperativo o reconhecimento da liberdade da mu-
lher de optar pelo aborto, assegurando-se sua realização em
sistemas públicos de saúde.
A enganosa publicidade do proibicionismo aqui se des-
nuda. Os proibicionistas costumam se apresentar como de-
fensores da vida e, mais do que isso, pretendem-se os únicos
defensores da vida. Em suas campanhas, tentam estigmatizar
os antiproibicionistas, como se estes não tivessem compro-
misso com a vida. Mas, as constatadas mortes de mulheres
causadas pelas condições precárias em que realizados os proi-

7
Dados constantes do trabalho publicado pela Organização Mundial da Saú-
de, já citado na nota anterior.
8
Veja-se a nota 6.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 401
bidos abortos, que, repita-se, não são nem nunca foram im-
pedidos pela proibição, não parecem lhes incomodar.
A força ideológica das enganosas publicidades do proi-
bicionismo e do sistema penal, além de ocultar seu descom-
promisso com a humanidade e suas dores, além de ocultar os
danos provocados por essas manifestações repressivas, cria a
falsa crença de que o afastamento de proibições e criminali-
zações geraria o caos, a anarquia, perigos inimagináveis.
Estas enganosas publicidades fazem com que o con-
trole social fundado em proibições e, especialmente, na in-
tervenção do sistema penal apareça como a única forma de
enfrentamento de situações negativas ou de condutas confli-
tuosas ou indesejadas.
Mas, na realidade, não são apenas proibições, não é
apenas a lei penal que controla fenômenos, visando regular o
convívio entre as pessoas e evitar situações negativas ou con-
dutas conflituosas ou indesejadas. O controle de situações e
de condutas concretiza-se, não só através de leis de qualquer
natureza, como também por outras intervenções sociais.
O antiproibicionismo, longe de implicar o caos ou a anar-
quia, busca a ampla discussão e compreensão das raízes de
fenômenos, comportamentos ou situações, problemáticos ou
não, buscando alternativas que sejam capazes de proporcionar
caminhos menos danosos e mais eficazes para regulá-los, lega-
lizando-os e, portanto, controlando-os de forma mais livre, mais
justa, mais racional, tendo em mente que é sempre melhor
permitir que as atividades humanas, inclusive as que apare-
çam como controvertidas, se realizem em um ambiente legal
do que deixá-las se desenvolver à mercê da ilegalidade.9
A descriminalização de condutas, quaisquer que sejam
elas, tampouco implica em caos ou anarquia. Descriminalizar
uma conduta longe está de, necessariamente, significar uma
ausência de controle sobre esta conduta. Descriminalizar sig-

9
Veja-se neste sentido o texto de Marco Perduca, referido na nota 2.
402 KARAM, Maria Lúcia • Proibições, Crenças e Liberdade: O Debate sobre o Aborto

nifica, apenas, afastar uma das formas pelas quais se exerce o


controle social, forma de controle esta que sempre acaba por
se mostrar mais do que ineficaz profundamente danosa.
A descriminalização pode se dar sob diferentes moda-
lidades, tendo, assim, diferentes conseqüências.10 Nem sem-
pre irá significar a aceitação da conduta descriminalizada e
conduzir ao afastamento do caráter socialmente negativo do
fenômeno considerado, podendo, com freqüência, acarretar
não uma liberalização da conduta, mas tão-somente a substi-
tuição do controle exercido através do sistema penal por ou-
tras formas de controle social formal ou informal.
Esta substituição poderá se dar por um controle social
informal, exercido por organismos como a família, a escola,
as igrejas, os clubes, as associações, etc. Em tal hipótese, a
descriminalização conduz à neutralidade do Estado diante
das condutas descriminalizadas, motivada por uma reapreci-
ação de seu papel em determinados campos, de forma a re-
duzir a intervenção sobre o espaço de liberdade dos indiví-
duos, assim deixando que a própria sociedade civil e seus
organismos se encarreguem do controle de condutas e situa-
ções que aparecem como negativas ou indesejadas.
O controle exercido através do sistema penal poderá
ser substituído ainda por outras formas de controle social for-
mal. O caráter socialmente negativo da situação considerada
mantém-se íntegro, transferindo-se, porém, o controle para
outros organismos estatais, como os juízos cíveis (aplicado-
res de leis produzidas no campo não-penal, no campo do di-
reito civil, do direito administrativo), ou não necessariamen-
te estatais, como sistemas de saúde ou de assistência social.
Este controle formal não-penal pode ser visualizado, com
clareza, no âmbito das substâncias psicoativas e matérias-pri-

10
Sobre processos de descriminalização e suas modalidades, pode-se consul-
tar a versão em espanhol (Buenos Aires: Ediar, 1987) do Informe do Comitê
Europeu sobre Problemas da Criminalidade, originalmente publicado pelo
então Conselho da Europa, em Strasburg, em 1980.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 403
mas para sua produção, bastando pensar nas diversas restri-
ções legais a que estão submetidas a produção, a distribuição e
o consumo de drogas lícitas, como o álcool ou o tabaco.
No que concerne ao aborto, essas outras formas de re-
gulação de situações e condutas, essas outras formas de con-
trole não-penal, também aparecem, com clareza, em diversas
legislações de países libertos do proibicionismo.
Quase todos esses países – as exceções são apenas o
Canadá, a China, a Coréia do Norte, o Vietnam e Zâmbia –
estabelecem, em suas legislações, limites para a realização
do aborto relacionados ao tempo de gestação, a maioria fi-
xando-o em 12 semanas, outros de 14 a 24 semanas ou relaci-
onando o limite à viabilidade do feto, que, em geral, se dá em
23 ou 24 semanas. Em alguns países (por exemplo, a Bélgica,
a França e a Grã-Bretanha), apesar da limitação, as legisla-
ções admitem o aborto a qualquer tempo para proteger a vida
da gestante ou em razão de malformação do feto.
Algumas legislações estabelecem restrições concernen-
tes às instituições e profissionais autorizados a realizar o abor-
to. Na Grã-Bretanha, na Índia e na África do Sul, por exemplo,
os abortos só podem ser legalmente realizados em hospitais
públicos ou em outras instituições autorizadas pelo governo.
Nos casos em que a gestante ainda não atingiu a maio-
ridade, diversas legislações prevêem o consentimento dos
pais, em alguns países a falta do consentimento podendo ser
suprida por autorização judicial (por exemplo, na França e
em estados norte-americanos em que requerido o consenti-
mento). Na Turquia, mesmo mulheres adultas necessitam de
um consentimento: a permissão de seus maridos.
Em alguns países, há dispositivos legais prevendo um
aconselhamento, visando o melhor entendimento do ato que
a mulher quer praticar, e, eventualmente, como na Alema-
nha, visando dissuadi-la de realizar o aborto.
Especialmente esta última forma de regulação revela que
a proibição, além de desigual, injusta, inútil e causadora de
404 KARAM, Maria Lúcia • Proibições, Crenças e Liberdade: O Debate sobre o Aborto

mortes e lesões em milhares de mulheres, contraditoriamente


ainda impede que muitos embriões e fetos sejam salvos.
A legalização, assegurando o acesso a sistemas públi-
cos de saúde e podendo incluir o aconselhamento prévio à
realização do aborto, não raro, poderá, com este aconselha-
mento, alcançar o que a proibição não consegue, dissuadin-
do a mulher de realizá-lo.
A legalização poderá, assim, não só praticamente eli-
minar as mortes de mulheres decorrentes do aborto, como
ainda, alcançando o que a proibição não consegue, eventual-
mente, reduzir o próprio número de abortos.
O reconhecimento do direito à vida, desde o momento
da concepção, que, efetivamente, há de ser afirmado, como o
afirma a Convenção Americana de Direitos Humanos, adotada
em San José da Costa Rica em 22 de novembro de 1969,11 lon-
ge está de se constituir em uma obrigação criminalizadora.
A argumentação dos proibicionistas, pretendendo ex-
trair um sentido criminalizador deste reconhecimento, é tão-
somente mais um produto de seu enganoso discurso, é tão-
somente um produto daquela falsa crença de que o controle
social se limitaria à intervenção do sistema penal.
A atuação do Estado na proteção da vida, como na pro-
teção de quaisquer outros direitos fundamentais do indiví-
duo, longe está de necessariamente se fazer com a interven-
ção do sistema penal. Aliás, a rigor, esta intervenção do sis-
tema penal nunca atua efetivamente na proteção dos direi-
tos fundamentais. Mas, não se trata aqui de questionar as
reais finalidades do sistema penal e os danos provocados
por quaisquer de suas intervenções, que estariam a revelar
que a opção criminalizadora é, por sua própria natureza,

11
Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa
Rica): “Artigo 4º. 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida.
Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da
concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.”
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 405
contraditória com a proteção de direitos fundamentais do
indivíduo.12
Aqui basta constatar que o que os dispositivos garanti-
dores da proteção de direitos fundamentais do indivíduo,
constantes das declarações universais de direitos e das Cons-
tituições dos Estados democráticos, estão a ordenar ao Esta-
do são intervenções positivas que criem condições materiais
– econômicas, sociais e políticas – para a efetiva realização
daqueles direitos, o que, mesmo para quem ilusoriamente
acredita na reação punitiva, não implica em intervenção do
sistema penal.13
Um exemplo pode ser extraído no campo do direito à
saúde.
Veja-se o disposto no Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, em vigor desde 3 de janeiro
de 1976, nas regras de seu artigo 12, garantidoras do direito
de todas as pessoas de desfrutar o mais alto nível possível de
saúde física e mental. Estabelecem aquelas regras que os Es-
tados Partes, com o fim de assegurar a plena efetividade deste
direito, devem adotar medidas como a redução da mortalida-
de infantil e a promoção do desenvolvimento saudável das
crianças; o melhoramento da higiene no trabalho e do meio
ambiente; a prevenção, o tratamento e o combate às enfermi-
dades epidêmicas, endêmicas, profissionais e de outras natu-
rezas; a criação de condições que assegurem a todos assistên-
cia médica e serviços médicos em caso de doença.

12
Para uma crítica do sistema penal, reporto-me ao que escrevi, por exemplo,
em trabalho intitulado “P ELO ROMPIMENTO COM AS FANTASIAS EM TORNO DE DELITOS
E DE PENAS”, constante de páginas 331 a 350 da REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS
CRIMINAIS N.29 (São Paulo: Ed. RT, janeiro-março 2000).
13
Neste sentido, é ilustrativa a leitura da Declaração sobre o direito e o dever
dos indivíduos, grupos e instituições de promover e proteger os direitos
humanos e as liberdades fundamentais universalmente reconhecidos, ane-
xo à Resolução aprovada pela Assembleia Geral da ONU 53/144, em 9 de
dezembro de 1998, no cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos
Humanos.
406 KARAM, Maria Lúcia • Proibições, Crenças e Liberdade: O Debate sobre o Aborto

Na mesma linha, veja-se o disposto na regra contida no


artigo 196 da Constituição Federal brasileira, a estabelecer
que o Estado tem o dever de garantir o direito de todos à saú-
de mediante políticas sociais e econômicas que visem à re-
dução do risco de doença e de outros agravos, assegurando o
acesso universal e igualitário às ações e serviços para promo-
ção, proteção e recuperação da saúde.
São, portanto, ações positivas promotoras dos direitos
e não ações negativas proibitivas de condutas que se fazem
obrigatórias na atuação do Estado para proteção dos direitos
fundamentais do indivíduo.
No caso do aborto, além do reconhecimento do direito
à vida desde o momento da concepção não se constituir –
como o reconhecimento de quaisquer outros direitos não se
constitui – em uma obrigação criminalizadora, há um outro
ponto a ser anotado.
Os direitos do nascituro, inclusive o direito à vida, se
exercem através da gestante, que, no âmbito das relações so-
ciais – e até pela condição que a própria natureza (ou a cria-
ção divina) lhe deu –, é titular desta vida que traz em seu
ventre. E direitos podem deixar de ser exercidos por quem
tem sua titularidade.
No que se refere à hipótese de anencefalia do feto, leva-
da, no Brasil, ao exame do Supremo Tribunal Federal, não se
tem matéria que devesse estar colocada no âmbito da discus-
são sobre a criminalização do aborto.
A anencefalia é patologia em que a inexistência de
estruturas cerebrais provoca a ausência das funções supe-
riores do sistema nervoso central que comandam a cogni-
ção, a vida de relação, a comunicação, a afetividade e a
emotividade, preservadas unicamente e de forma efêmera
as funções vegetativas que controlam parcialmente a res-
piração, as funções vasomotoras e as dependentes da me-
dula espinhal. Tem-se situação neurológica de morte neo-
cortical, que resulta, como solidamente constatado, em 75%
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 407
de mortes intra-uterinas de fetos e, dos 25% que nascem
vivos, em uma imensa maioria de mortes nas primeiras 24
horas e o restante dentro da primeira semana, com apenas
alguns casos muito esporádicos de sobrevivência por mais
algum tempo.14
Não havendo, portanto, qualquer perspectiva de vida
independente em sua plenitude, mas mera possibilidade, ain-
da assim minoritária, de sobrevivência vegetativa, por no
máximo poucas horas ou poucos dias, o alcance de normas
criminalizadoras do aborto não se estende a tal hipótese de
interrupção da gravidez.
Embora muitas dúvidas já tenham sido levantadas quan-
to ao bem jurídico tutelado pelas normas criminalizadoras
do aborto,15 parece claro que tal bem jurídico consiste na vida
do embrião ou feto, ou seja, a vida dependente ou a vida hu-
mana que ainda não tem a qualidade de pessoa.16
Ressalte-se que a nítida diferenciação entre o bem jurí-
dico vida da pessoa e o bem jurídico vida do embrião ou feto,
que ainda não tem aquela qualidade de pessoa, se revela na
valoração refletida na diferente dimensão da medida das pe-
nas cominadas, nas mais diversas legislações, ao homicídio
simples e à forma mais grave de aborto (o aborto sem o con-

14
Sobre aspectos médicos da interrupção da gravidez em hipótese de anence-
falia, vejam-se os comentários de Carlos Gherardi e Isabel Kurlat no artigo
“ANENCEFALIA E INTERRUPCIÓN DEL EMBARAZO – ANÁLISIS MÉDICO Y BIOÉTICO DE LOS
FALLOS JUDICIALES A PROPÓSITO DE UM CASO RECIENTE”, publicado às páginas 53 a
70 do antes citado N.52 da REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS CRIMINAIS. No artigo
é comentado o acórdão da Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina
referido na nota 1.
15
Vejam-se a propósito as observações de Nilo Batista em antigo trabalho inti-
tulado “ABORTO: A RETÓRICA CONTRA A RAZÃO”, constante às páginas 201 a 218
de TEMAS DE DIREITO PENAL (Rio de Janeiro: Liber Juris, 1984).
16
Neste sentido, a definição de Juan Bustos Ramírez do bem jurídico tutelado
em normas criminalizadoras do aborto, encontrada em seu M ANUAL DE DERE-
CHO PENAL – PARTE ESPECIAL (Barcelona: Editorial Ariel, 1986), os comentários
referentes ao aborto estando às páginas 55 a 68.
408 KARAM, Maria Lúcia • Proibições, Crenças e Liberdade: O Debate sobre o Aborto

sentimento da gestante), o homicídio sendo sempre mais se-


veramente apenado.17
A tutela penal da vida dependente, materializada na
criminalização do aborto, está referida à garantia de existên-
cia da futura pessoa, assim tendo presente a perspectiva de
viabilidade da futura vida autônoma.
Ausente esta perspectiva, como na hipótese da anence-
falia, não se configura a ofensa ao bem jurídico, excluindo-se
a tipicidade da conduta consistente na interrupção da gravi-
dez, ainda no plano da imputação objetiva.
Em tal hipótese, o resultado morte do embrião ou do
feto não se inclui no âmbito de alcance do tipo, porque de
todo modo se produziria pela causa natural (a anencefalia),
seja ainda na gestação, seja logo após o nascimento. Ou, vista
a questão por outro ângulo, igualmente afastador da imputa-
ção objetiva, a conduta focalizada não apresenta lesividade
dada a própria ausência do bem jurídico.18

17
Alguns exemplos desta diferente dimensão: na legislação penal espanhola,
o homicídio simples é punível com penas de prisão de 10 a 15 anos e o
aborto sem o consentimento da gestante com penas de prisão de 4 a 8 anos
(artigos 138 e 144 do Código Penal); na legislação penal portuguesa, o ho-
micídio simples é punível com penas de prisão de 8 a 16 anos e o aborto
sem o consentimento da gestante com penas de prisão de 2 a 8 anos (arti-
gos 131 e 140 do Código Penal); na legislação penal alemã, a pena mínima
prevista para o homicídio simples é de 5 anos de privação da liberdade,
enquanto para o aborto sem o consentimento da gestante aqueles 5 anos
de privação da liberdade constituem a pena máxima, a mínima sendo de 6
meses (§§ 212 e 218 do Código Penal); na legislação penal argentina, o
homicídio simples é punível com penas de reclusão ou prisão de 8 a 25
anos e o aborto sem o consentimento da gestante com penas de 3 a 10 anos
(artigos 79 e 85 do Código Penal); na legislação penal brasileira, as penas
previstas para o homicídio simples e o aborto sem o consentimento da
gestante são respectivamente de reclusão de 6 a 20 anos e 3 a 10 anos
(artigos 121 e 125 do Código Penal).
18
Sobre a exclusão da tipicidade penal, já no plano objetivo, pela ausência
de incremento do risco para o bem jurídico, pela situação em que o risco
era permitido, pela não-materialização do risco no resultado típico, ou ainda
pela não-inclusão do resultado, como ocorrido, no âmbito de alcance do
tipo, consulte-se de Claus Roxin seu DERECHO PENAL – PARTE GENERAL (Ma-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 409
Ainda no plano dogmático cabe um comentário sobre
outras hipóteses de interrupção da gravidez em que, diferen-
temente da hipótese da anencefalia, pode-se identificar, em
legislações proibicionistas, tipicidade na conduta dolosa cau-
sadora do resultado morte do embrião ou do feto com con-
sentimento da gestante, a discussão se deslocando aí, na con-
cepção tradicional, para o plano da antijuridicidade.
Tome-se a hipótese prevista em algumas legislações proi-
bicionistas, de que é exemplo a regra contida no inciso II do
artigo 128 do Código Penal brasileiro, autorizando a realiza-
ção do aborto no caso de gravidez resultante de estupro.
A criação dessa permissão, pouco importando as reais
motivações do legislador, só pode se explicar pela considera-
ção das repercussões negativas do nascimento indesejado. A
coerência e, assim, a proporcionalidade ou razoabilidade – e
aqui se fala de princípio diretamente derivado do aspecto de
garantia material ínsito à cláusula fundamental do devido
processo legal – estão a impor a extensão da licitude da reali-
zação do aborto com consentimento da gestante a todos os
casos em que, por razões diversas, o nascimento se mostre
igualmente indesejado.
Observe-se que isto nada tem a ver com as impropria-
mente chamadas “causas supralegais de justificação”. A per-
missão, que, por coerência com a hipótese legislada, há de
ser reconhecida em todos os casos de aborto com consenti-
mento da gestante em que o nascimento se mostre indeseja-
do, se mostra sim legal, na medida em que se remete ao con-
teúdo do exercício do direito expresso no texto da lei.

drid: Civitas, 1997, tradução da 2ª edição alemã por Diego-Manuel Luzón


Peña, Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal). Sobre o
afastamento da tipicidade penal, também no plano objetivo, por ausência
de lesividade da conduta, na perspectiva da tipicidade conglobante, con-
sulte-se de Eugenio Raúl Zaffaroni seu DERECHO PENAL – PARTE GENERAL (Bu-
enos Aires: Ediar, 2000).
410 KARAM, Maria Lúcia • Proibições, Crenças e Liberdade: O Debate sobre o Aborto

Onde se faz presente o mesmo conteúdo, naturalmen-


te, há de ser afirmado o mesmo direito.
Ao prever situações em que a realização da conduta
descrita no tipo é permitida, assim inscrevendo-a na catego-
ria geral de exercício de um direito, o legislador está simples-
mente reconhecendo a liberdade geral de atuação,19 decor-
rente do princípio da legalidade que a garante como regra
geral. As proibições e restrições é que se situam no plano da
exceção, por isso havendo de estar expressa e taxativamente
definidas em lei.
A identificação de causas de justificação, ou seja, de
situações reconhecidas como exercício de um direito, não se
prende, pois, a interpretações estritas do texto legal. O que o
princípio da legalidade dita é a interpretação estrita de proi-
bições e restrições, vedando qualquer ampliação de seu con-
teúdo. Onde, ao contrário, se cuida da liberdade, é a amplitu-
de garantidora de sua plena realização que sempre se impõe.
Mas, voltemos ao âmbito mais geral da discussão sobre
o proibicionismo materializado na danosa criminalização do
aborto.
Muitos dos proibicionistas acenam com crenças reli-
giosas para fundamentar seu discurso.
Se uma desejada interrupção da gravidez fere uma cren-
ça religiosa – o que, de todo modo, é questionável –, não se
pode, no entanto, simplesmente impor sua proibição a todos,
professem ou não aquela crença, ainda mais com a utilização
do poder do Estado de punir.
A liberdade de crença religiosa, para ser efetivamente
exercida, supõe que estejam asseguradas as opções individu-
ais pelas mais diversas expressões da fé em Deus, supondo

19
Sobre esta natureza dos preceitos permissivos enquanto expressões da
liberdade geral de atuação, veja-se a análise da antijuridicidade desen-
volvida por Eugenio Raúl Zaffaroni em seu já citado DERECHO PENAL – PAR-
TE GENERAL.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 411
igualmente a garantia das opções individuais pela negação
de qualquer crença.
Neste campo, para assegurar a liberdade e, assim, a dig-
nidade da pessoa, como estatuem as declarações universais
de direitos e as Constituições dos Estados democráticos, o
Estado há de ser neutro – laico, portanto –, não estando auto-
rizado nem a restringir expressões religiosas, nem a impor
uma ou outra crença, legislando com base em pautas morais
ditadas por representantes de uma ou outra religião.
Por outro lado, punições – e, portanto, exclusões – são
práticas nada harmônicas com sentimentos religiosos.
Cristo, contrariando as diretrizes punitivas de sua épo-
ca, ensinou a respeitar e acolher todos os discriminados e
puníveis. Basta lembrar do exemplar episódio, narrado nos
Evangelhos, da mulher adúltera que os farisaicos “religiosos”,
impositores da moral e inspiradores da lei, queriam punir
com o apedrejamento.
Mas, ainda há muitos outros ensinamentos de Cristo,
no mesmo sentido libertador, afastador de punições. Dentre
estes ensinamentos, pode-se lembrar daqueles que, retrata-
dos nos Evangelhos, constaram do texto base divulgado pela
Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, na Campanha
da Fraternidade de 1997: “Ele veio para perdoar, curar, recon-
ciliar e não para acusar, julgar ou condenar (cf. Jo 3,17). Ele
veio para libertar: ‘enviou-me para anunciar aos presos a li-
bertação’ (cf. Lc 4, 18-19). Ele se identifica com os encarcera-
dos: ‘estive preso e me visitaste’ (Mt 25,36). Nos manda: ‘amai
vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem’ (Mt 5,43-
24). Antes de morrer, Ele pediu perdão para os seus agresso-
res. Diante da violência e de todo pecado, a resposta de Deus
é o perdão”.
Mais uma vez se revela o vazio do discurso proibicio-
nista, desejoso da punição.
Sentimentos e crenças religiosas não se harmonizam
com qualquer criminalização. Sentimentos e crenças religio-
412 KARAM, Maria Lúcia • Proibições, Crenças e Liberdade: O Debate sobre o Aborto

sas não se harmonizam com a reação punitiva. Sentimentos e


crenças religiosas não se harmonizam com proibições.
A verdadeira fé supõe a liberdade. Crer é escolher li-
vremente. As diversas proibições, ditadas por religiões insti-
tucionalizadas, são apenas expressões terrenas de exercício
de poder.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 413

– IV –
DIREITOS HUMANOS,
CONTROLE SOCIAL
E
CRÍTICA AO SISTEMA
DE
JUSTIÇA PENAL
16 – LUCHA SOCIAL, PINOCHET Y LA
PRODUCCIÓN DE JUSTICIA
Helio Gallardo

PRESENTACIÓN
Este trabajo está relacionado con las situaciones gene-
radas por la muerte del ex senador vitalicio chileno Augusto
Pinochet y la impunidad jurídica en que quedaron las accio-
nes que sus opositores y familias de víctimas resintieron como
delitos de lesa humanidad o violaciones de derechos huma-
nos.
En estas notas se puntualizan algunos lugares comunes
o estereotipos que suelen marcar semánticamente la descrip-
ción anterior y, desde ese examen somero, se avanza en una
caracterización sociohistórica de derechos humanos.

1. Justicia y tribunales o circuitos judiciales


Debería constituir ya un lugar común la disociación en-
tre el concepto/valor de “justicia” y las instituciones jurídicas
de un determinado país o conjunto de Estados. Sin embargo,
en toda América Latina se escucha a los abogados defensores
exclamar “que no se ha hecho justicia” a su defendido y, tam-
bién, a las víctimas de algún atropello pedir a los tribunales
que “se les haga justicia”. Asimismo, que algún jurisconsulto o
‘académico’ incurra en exabruptos como el de escribir que los
pueblos pobres o subdesarrollados no pueden aspirar a dere-
chos humanos. O sea, que su demanda es “injusta”.1

1
Es el tópico de la ‘proliferación’ de la demanda de derechos. Véase, por
ejemplo, Carlos Ignacio Massini: El derecho, los derechos humanos y el valor
416 GALLARDO, Helio • Lucha Social, Pinochet y la Producción de Justicia

En realidad, en los tribunales o circuitos judiciales


modernos los actores deberían obtener resoluciones o sen-
tencias “apegadas a Derecho”. Y estas resoluciones, obvia-
mente, pueden tener muy poco que ver con lo que la gente
podría entender por “justicia”. La viuda enferma con hijos
que es expulsada por orden de un juez debido a que no ha
cumplido con el pago del alquiler, la negativa de los circuitos
judiciales para resolver situaciones en beneficio de campesi-
nos pobres e indígenas, en contra de corporaciones y terrate-
nientes, o, más específicamente, el retraso y lentitud (rema-
tada finalmente con impunidad) judiciales para recibir y pos-
teriormente atender las demandas legales contra el senador
vitalicio Augusto Pinochet, deberían constituir señales cla-
ras de que “justicia” y “resoluciones judiciales” y su efectivi-
dad no son sinónimos excepto en el imaginario ideológico
propio de un determinado sistema de dominación de las for-
maciones sociales modernas.
Lo que se presenta en los circuitos judiciales, entonces,
son demandas jurídicas, o sea apegadas a derechos. Y lo que
se obtiene son sentencias judiciales que deberían ser cump-
lidas por las instancias que el mismo marco jurídico e insti-
tucional dispone para ese efecto. Que a esas resoluciones se
les de el carácter de “justas” o “injustas” se deriva de un de-
terminado ethos sociocultural y político que no necesaria-
mente se expresa en el orden jurídico. Con un ejemplo ingra-
to, debe recordarse que el cadáver del ex senador vitalicio
Augusto Pinochet fue saludado por jóvenes (mujeres y hom-
bres) que le rendían homenaje con el saludo fascista. Para
estos jóvenes (cuyas fotografías recorrieron el mundo) cual-
quier sanción legal contra Pinochet habría sido repudiada

del derecho, en particular desde la página 136 en adelante. También del mismo
autor, Filosofía del Derecho. El derecho y los derechos humanos. O, más actual,
en el sentido de liberal y pragmático, M. Ignatieff: Los derechos humanos
como política e idolatría.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 417
como “injusta”. También puede recordarse que un hijo de una
de las víctimas del régimen de terror de Estado que encabezó
el General Pinochet escupió ese mismo cadáver, por lo que
fue expulsado de las Fuerzas Armadas (era un militar). Para
ese ciudadano, la impunidad que le consolidó su muerte al
asesino resultó, sin duda, vilmente “injusta”.
¿Por qué en los circuitos judiciales se obtienen proce-
dimientos y resoluciones jurídicas que no necesariamente son
valoradas como “justos”? Bueno, el orden jurídico o sistema
de leyes no proviene del Cielo ni de ninguna naturaleza hu-
mana abstracta. Proviene de legisladores que buscan o cons-
tituir o contribuir a la reproducción de un determinado or-
den social que, en las sociedades que conocemos, se sigue de
correlaciones determinadas y conflictivas de fuerzas sociales.
En sencillo, un orden jurídico expresa, en su nivel, domina-
ciones de clase, de sexo-género, de generación, de etnia o
‘raza’, internacionales o geopolíticas, etc., e intentan contri-
buir con las condiciones que facilitan la reproducción de esas
dominaciones o imperios. Por supuesto, ello implica tanto
funcionalidades como contraposiciones y conflictividad.2 Los
jueces y magistrados son funcionarios públicos que deben
conocer y resolver en el marco de esa legislación que, desde
luego, no hace materialmente “justicia” a los dominados (aun-
que pueda ofrecer posibilidades para que algunas situacio-
nes conflictivas, o ‘casos’, se resuelvan en su beneficio).
A la básica consideración anterior debe añadirse la obser-
vación, para nada marginal, respecto de que los órdenes jurídi-
cos existentes en América Latina poseen amplias secciones “tras-
plantadas” desde otras formaciones sociales e historias.3 Esto

2
Algunas de estas conflictividades estructurales han sido presentadas en H.
Gallardo: Derechos humanos como movimiento social. Los sistemas jurídicos
modernos tienen una finalidad práctica, favorecer la coexistencia, pero esta
finalidad no es necesariamente universalizable ni integradora, excepto en
las ideologías que los justifican.
3
Sobre este aspecto puede verse el trabajo de E. Novoa Monreal: El derecho
como obstáculo al cambio social.
418 GALLARDO, Helio • Lucha Social, Pinochet y la Producción de Justicia

quiere decir que no se siguen de los patrones de comportami-


ento efectivo o sociohistórico de la población, y que esas sec-
ciones entran en conflicto (de no correspondencia) con otras
secciones del mismo orden jurídico más sociohistorizados y
también con ‘privilegios’ premodernos a los que son muy
adictos los legisladores en sistemas políticos determinados
por la corrupción y la venalidad (clientelismos incluidos), y
que estos y otros factores hacen de los cuerpos jurídicos lati-
noamericanos sistemas para “expertos” y también para “opor-
tunistas”. O que los jueces puedan fallar según el peso social
de los actores porque la legislación o los faculta para ello o al
menos no se los impide. Desde este ángulo no solo se dificul-
ta para muchos obtener “justicia” de los tribunales sino que
se pueden encontrar con resoluciones “apegadas a Derecho”
que son socialmente arbitrarias, caprichosas, desproporcio-
nadas o crueles. Las conferencias episcopales exclamarían (si
las resoluciones los afectaran a ellos) que constituyen una
injusticia “que clama al cielo”.
Pero, claro, las resoluciones judiciales ni bajan del cie-
lo ni apelan a él. Son terrenales, o sea sociohistóricas.
Además de los anteriores factores básicos, los procedi-
mientos y resoluciones judiciales pueden estar divorciados
de las apreciaciones individuales o sectoriales sobre lo ‘justo’
o ‘injusto’ por aspectos más situacionales. En América Latina
la información sobre los derechos y capacidades jurídicas de
los ciudadanos no se distribuye (ni es recepcionada) de un
modo universal. Muchos ciudadanos, en particular los más
vulnerables, como mujeres, sectores rurales e indígenas, des-
conocen o conocen mal tanto sus derechos como las acciones
institucionales que deberían tornarlos efectivos. Otros los
conocen pero la experiencia histórica les ha mostrado que no
es útil (ni a veces conveniente porque se recibe un castigo)
alegar o reclamar esos derechos. De modo que muchas viola-
ciones ni siquiera acceden a los circuitos judiciales. Y las
razones para que ello ocurra son sociales e institucionales.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 419
Un segundo aspecto es que quienes acceden a los cir-
cuitos se encuentran con que necesitan capacidades especí-
ficas para moverse en ellos. Existe un tramado burocrático y
tecnocrático muy poco intuitivo que hace que solo los aboga-
dos o funcionarios especializados puedan moverse con algu-
na soltura en los tribunales. Los sectores e individuos social-
mente vulnerables quedan entonces en manos de esos ‘tec-
nócratas’ para transcribir sus demandas, cumplir requisitos,
presentar pruebas, cumplir con calendarios, etc. Y, por supu-
esto, no todos pueden contratar a los ‘mejores’ especialistas
(tampoco ellos se dejan contratar por cualquiera), ni todos
los profesionales poseen el mismo ‘peso’ o status ante los fun-
cionarios judiciales y jueces. De modo que cuando se accede,
se queda en manos de “especialistas”. Y estos “especialistas”
tienen formas muy disímiles de entender su trabajo profesio-
nal y responsabilidad ética. De hecho, algunos pueden resul-
tar muy vulnerables a presiones de los poderosos.
Una tercera cuestión es que si se logra acceder en bue-
nas condiciones al circuito judicial pertinente, se queda a
disposición de jueces y magistrados que constituyen un cu-
erpo político que administra, con menor o mayor discrecio-
nalidad, según las situaciones, una legislación que, ya he-
mos dicho, tiene alcances pragmáticos pero que también busca
reproducir en su nivel las dominaciones y sujeciones soci-
ales que conforman el ‘orden’ social. Todavía, si se produjera
una resolución apegada a derecho que favoreciese al más
vulnerable (indígena, mujer, joven, anciano, empobrecido,
inmigrante sin papeles, desplazado, sindicalista, etc.), que-
daría por verse si esa resolución se hará efectiva. Es decir si
los personeros de las instituciones encargadas de tornar ma-
teriales las sentencias se darán los medios para hacerlas cum-
plir. Algunos ejemplos tomados de Costa Rica: un funciona-
rio judicial que asesinó a un estudiante universitario que co-
laboraba con una fiesta de beneficencia, fue apresado y con-
denado a prisión por su delito (ampliamente probado; su es-
420 GALLARDO, Helio • Lucha Social, Pinochet y la Producción de Justicia

posa, pese a la también amplia prueba que mostró que ella lo


instigó fue absuelta de todo cargo), pero cumplió parte de su
“pena” como bibliotecario público y después se le dio la casa
por cárcel porque los médicos le certificaron un cáncer ter-
minal (todavía vive, cumplida ya su “sanción” y goza de ex-
celente salud). Los expresidentes de la república de este mis-
mo país, indagados por venalidad millonaria, cumplieron su
encierro cautelar en celdas especiales y después fueron ve-
lozmente trasladados a sus hogares a cumplir con la fórmula
“casa por cárcel”.4 A un tercero ni siquiera se le indaga por-
que aunque se sabe que delinquió no existe manera de pro-
barlo de acuerdo a los requisitos penales. En ocasiones dra-
máticas, los sentenciados penal y civilmente (abusos contra
menores, daños irreversibles con armas de fuego, etc.) “desa-
parecen” del planeta y no logran ser encontrados por las au-
toridades pertinentes hasta que, curiosamente, las penas pres-
criben. Al día siguiente ya están ‘de nuevo’ públicamente a la
cabeza de sus negocios. En otro ángulo, un asesino en serie,
apodado el “psicópata”, a quien se le atribuyen al menos 17
muertes, ve prescrita su acción delincuencial en 10 años. En
Costa Rica ese criminal podría presentar hoy su “reality show”
en televisión sin que se le pueda acusar o indagar (ni toque-
mos la impericia de la investigación criminal que aseguró su
impunidad, ni el esfuerzo que realizaron policía judicial y
tribunales para cargar con sus crímenes a delincuentes co-
munes y drogodependientes). Mirando al Chile reciente, nos
encontramos con que el responsable operativo del terror clan-
destino de Estado durante la dictadura empresarial-militar
encabezada por Augusto Pinochet, un militar de apellido
Contreras, fue acusado y sentenciado pero cumple su pena
en una cárcel “especial” habilitada para él. Pinochet mismo

4
Las ex Primeras Damas, esposas de los indagados, que confesaron haber
recepcionado parte de los dineros dudosos, ni siquiera, hasta el momento,
forman parte de la causa.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 421
consiguió abundantes aplazamientos, casas por cárcel, abso-
luciones por ‘demencia’, indagatorias que respetaban su “in-
vestidura” y favores de la Corte Suprema y otras instancias
judiciales hasta que su situación se tornó difícil tanto por la
tenacidad de sus acusadores y la probidad excepcional de
algún juez como porque se le involucró en delitos ‘comunes’
como enriquecimiento ilícito (personal y familiar), tráfico de
armas y drogas y acciones contra ciudadanos de otros países.
Aún así, su situación poco antes de su muerte estaba lejos de
ser resuelta en los tribunales, sus abogados trabajaban tenaz-
mente contra la procedencia de los cargos y creían tener po-
sibilidades de éxito. Por supuesto, se trata de especialistas
caros, políticamente alineados (que en este caso significa que
desprecian a los sectores vulnerables, como también lo ha-
cen muchos magistrados) y de dedicación casi exclusiva. Un
ciudadano ‘común’ en América latina no cuenta con esas ven-
tajas. La cuestión se extiende hasta encontrar la forma de una
polémica sobre la existencia, o inexistencia, de un Estado de
derecho en estos países.
Todavía mencionamos un último factor. Si se logra ac-
ceder a los circuitos judiciales, si el actor se maneja eficaz-
mente en ellos y se le concede la razón jurídica, y si los en-
cargados de hacer cumplir las sentencias las ejecutan, pudie-
se todavía parecerle a mucha gente que la sanción no fue “jus-
ta”. Una situación típica es la de la mujer que gana un juicio
a su marido o pareja (la golpeaba, humillaba, engañaba, etc.),
obtiene una pensión y la custodia de sus hijos. Como resulta-
do no deseado, él se alcoholiza y se torna un guiñapo huma-
no. La gente del barrio (ella sigue viviendo en la antigua casa
común), tenderá a valorar que la mujer es la culpable, la ar-
pía, la zorra, etc., y que él era un hombre bueno que se malo-
gró porque ella lo destruyó. La mujer probablemente tendrá
que irse a otro barrio, trasladar de escuela a sus hijos, e inclu-
so cambiar de iglesia y de amigas/amigos. Esto porque una
resolución judicial legítima no altera, por sí misma, el ethos
422 GALLARDO, Helio • Lucha Social, Pinochet y la Producción de Justicia

sociocultural, en este caso machista, que sostiene y nutre la


existencia cotidiana de la gente.
Estos son algunos de los aspectos que facilitan enten-
der por qué buscar “justicia” en las resoluciones y procedi-
mientos de los circuitos judiciales latinoamericanos (y qui-
zás de todo el mundo) resulta improcedente. Lo que se debe
buscar en los tribunales es tanto que la situación presentada
se resuelva de acuerdo a derecho como el que los dictámenes
sean cumplidos. Y queda pendiente, aunque sea el tema de
una “cultura de derechos humanos”, la cuestión del recibi-
miento cultural, que comprende la recepción institucional,
de esas resoluciones.

2. Muerte de pinochet, impunidad y derechos humanos:


el derecho como casuística5
Aunque explicable, desde criterios personales, sociales
y políticos, es también grotesco alegrarse persistentemente
por la muerte del ex senador vitalicio y militar Augusto Pino-
chet. En la especie humana todavía la muerte biológica acon-
tece a todos y a cada uno y por ello es dato generalizado y
lugar común. Pero lo decisivo no es la trivial observación
anterior, sino el hecho de que ‘Pinochet’ aún vive entre los
chilenos y también más acá. Pinochet fue una individualiza-
ción peculiar del inicio de los regímenes neoliberales de go-
bierno en su versión latinoamericana y por ello la dictadura
que condujo institucional y personalmente no fue puramen-
te militar sino empresarial-militar y corporativo-militar. Esto
quiere decir que ‘Pinochet’, además de nombrar a un indivi-
duo, designa o es el nombre también de un sistema. Bajo esta
forma Pinochet vive en el ‘éxito’ de los empresarios, corpora-
ciones y tecnócratas que, asentados en Chile, han hecho “cla-

5
El contenido de esta sección se basa en el artículo del mismo autor “Pinochet
vive”, editado en diciembre del 2006 (Pensar América Latina, http:/
www.heliogallardo-americalatina.info).
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 423
vos de oro” desde 1973 sobre la base de fragilizar y desagre-
gar la fuerza de trabajo, concentrar riqueza y poderío, y con-
solidar el territorio para la depredación de las transnaciona-
les. A esa tragedia humana, social y ecológica, a este temple
o ethos sociohistórico, se le llama internacionalmente y con
estupidez “crecimiento sostenido”. De manera que Pinochet
vive y, además, tiene, y busca extender, gran “prestigio” in-
ternacional.
Como detalle obsceno, Pinochet vive específicamente
y además en la institucionalidad chilena porque la Constitu-
ción de ese país (1980), hoy apenas limada en su articulado
más soez, como garantizar constitucionalmente los golpes de
Estado militares, por ejemplo, se la redactó la extrema caver-
na católica y los gobiernos de la concertación, neoliberales y
autoritarios6, se sujetan a ella. Es este ethos jurídico el que
facilita a las Fuerzas Armadas ‘chilenas’ rendirle tributo ins-
titucional al cadáver del individuo que encabezó la impuni-
dad de los asesinatos, la tortura y las desapariciones masivas
y selectivas y, además, les concedió (y autoconcedió) un régi-
men de salarios y previsional de excepción. Los torturadores
y asesinos gozan hoy en Chile de privilegios en su relamido e
impune retiro anciano. Y su corporativo tributo al cadáver de
Pinochet muestra a estos militares prologando su descaro e
irredimibilidad.
Por supuesto, Pinochet vive especialmente en la sensi-
bilidad de muerte que instaló en Chile, acompañado y aplau-

6
La prensa comercial califica de “socialistas” a los dos últimos gobiernos electos
de Chile. Con la misma objetividad podrían calificarlos de “extraterrestres”.
Chile es gobernado por una coalición electoral oportunista y venal que no se
da la fuerza política para atender las necesidades básicas de la población en
educación y salud sino que las supeditas al “crecimiento” económico. Lo
mismo para el trato amable con la Naturaleza. La población chilena mayoritaria
vivió el terror de Estado durante 17 años. Ahora sufre el terror económico de
administraciones neoliberales que favorecen unilateralmente la acumulación
de capital sobre la mala sobrevivencia de las personas y la cínica negación de
su bienestar.
424 GALLARDO, Helio • Lucha Social, Pinochet y la Producción de Justicia

dido por empresarios, tecnócratas, jerarquía clerical, medios


masivos, políticos, sectores medios frágiles y codiciosos, y
cuyo horror-temor-impunidad fue factor decisivo para entor-
pecer y bloquear su indagatoria y juicio en los tribunales no
ya por su miseria moral y delitos de lesa humanidad sino por
la rapacidad venal que lo hizo millonario junto a su familia.
Esta sensibilidad de muerte, que aspira a la liquidación de
las esperanzas sociales y a sustituirlas por deseos individua-
les, destruyó al antiguo Chile y es parte constitutiva de los
“buenos negocios” de sus actuales dueños que maltratan a la
mayoría de su población, en especial a los jóvenes, y des-
truyen irreversiblemente su medio natural. Nada de esta vio-
lenta tragedia desaparece con la muerte de Pinochet. Su ru-
indad se prolonga como desagregación y muerte del pueblo
chileno y depredación comercial de su Naturaleza. Los gobi-
ernos civiles, incluido el de la señora Bachelet, no hacen sino
reproducir y extender la miseria humana y natural que el dis-
curso oficial e internacional valora como “éxito” y “sobera-
nía compartida”. No puede omitirse aquí que, sobre la base
de la ignorancia o la mentira reiterada, o ambas, el Pinochet
‘cultural’ tenga admiradores incluso en Costa Rica. Jaime
Gutiérrez Góngora, un profesional de la medicina, viene pi-
diendo a gritos la “solución Pinochet” (masacre cruel e impu-
ne de los opositores) para que el tratado de “libre comercio”
(TLC) con Estados Unidos sea cimiento de la verdad, el bien
y la belleza de los costarricenses ‘bien nacidos’.7 La furia de
Gutiérrez es solo expresión particularizada de una sensibili-
dad más general. Ante la inminencia de la aprobación de este
TLC comienza a agitarse en los medios que el empresariado
costarricense encuentra obstáculos competitivos en los ‘altos
salarios’ de los trabajadores (una obrera local tiene ingresos

7
J. Gutiérrez Góngora (en La Nación, periódico, 27/1106), San José de Costa
Rica.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 425
“excesivos” de 240 dólares al mes, mientras que en Nicara-
gua ganaría 72 dólares. En El Salvador y Honduras alrededor
de 150). Esta “pinochetada” continental se escuchará cada
vez más en Costa Rica una vez que el TLC, que es en realidad
un pacto de comercio preferencial, sea aprobado.
La observación anterior admite una extensión interna-
cional. Aunque la administración Bush tuvo oficialmente una
reacción vergonzante ante la muerte de un individuo tan des-
prestigiado como el individuo Pinochet (que en su mejor
momento fue reconocido como legítimo por personalidades
como Juan Pablo II o el economista Friedrich Hayek), resulta
evidente que su doctrina de “guerra global preventiva contra
el terrorismo”, secundada con entusiasmo por los gobiernos
del Reino Unido y Rusia, descansa en el mismo fundamento
que el terror de Estado propuesto por los regímenes de Segu-
ridad Nacional latinoamericanos como mecanismo de recons-
titución social y práctica fundamental para su reproducción.
Tanto el terror de Estado de los empresarios y militares lati-
noamericanos como la ‘guerra preventiva’ busheana fueron
avisados en el inicio de la sensibilidad política moderna li-
beral por el inglés John Locke (1632-1704) en su Segundo
Tratado sobre el gobierno civil y otros escritos. Para Locke, la
riqueza de cada cual se sigue de su trabajo individual, de
modo que los grandes propietarios, hoy día las corporaciones
transnacionales, deben ser defendidos por la legislación po-
sitiva (o la ley natural) en sus bienes e intereses como si se
tratara de las vidas personales de sus dueños. Contra la pro-
piedad privada, para Locke, se atenta incluso con el pensa-
miento. Y quienes ofenden la propiedad de otros (con la vio-
lencia usurpadora o la mendicidad o el imaginario de un
mundo sin acumulación privada de capital) dejan de perte-
necer a la especie humana y pueden (y deben) ser tratados
como “fieras dañinas”. En la gestación ‘liberal’ del pensami-
ento moderno surge la figura de la no-persona, es decir de los
individuos que por quebrantar la reproducción de un único
426 GALLARDO, Helio • Lucha Social, Pinochet y la Producción de Justicia

orden racional posible (el centrado en la acumulación de ca-


pital), carecen de toda capacidad jurídica y, con ello, no ad-
miten ninguna defensa legal.
Salta a la vista que el anterior imaginario está presente
en la doctrina de Seguridad Nacional versión latinoamerica-
na que, en el marco de la llamada Guerra Fría, permitió intro-
ducir a la dictadura empresarial-militar encabezada por Au-
gusto Pinochet, la figura del “humanoide” para designar a los
‘comunistas’ y, más latamente, a cualquier opositor o indivi-
duo que provocase irritación. Estos humanoides carecían de
todo derecho y sus cadáveres podían ser tratados como una
cosa vulgar, sin ningún respeto o decoro. Sostenidas por la
figura del “humanoide” o “comunista” están las cárceles clan-
destinas, las desapariciones, las tumbas colectivas y carava-
nas de la muerte, los secuestros permanentes, la arrogancia y
el desdén por los familiares de las víctimas de la brutalidad y
la codicia, la ausencia de toda solidaridad con los humildes
y empobrecidos (o sea con los privados de poder). De la mis-
ma forma la “guerra global preventiva”, de Bush-Rice, Rums-
feld, Blair o Putin, determina sus cárceles clandestinas, re-
clama el ‘derecho’ a torturar a los cautivos y el privarlos de
toda defensa legal, de linchar a Sadam Hussein y sus colabo-
radores, de perseguir sanguinariamente a las nuevas no-per-
sonas: los “terroristas”, definidos unilateral y arbitrariamen-
te como tales desde un poder que se desea ilimitado e impu-
ne. Este delirio se sigue del imaginario ‘filosófico’ liberal-ca-
pitalista, clásico e imperial, y sus argumentos son tributarios
del ‘talento’ de un autor considerado clave (por su perspecti-
va individualista) en la gestación de la figura de “derechos
humanos”.8
Visto en esta perspectiva, ‘Pinochet’, expresión bruta
de una sensibilidad ‘cultural’, sigue vivo en Chile y en las

8
Sobre la admiración por Locke véase, por ejemplo, N. Bobbio: El tiempo de
los derechos, o L. Ferrajoli: Derecho y razón.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 427
relaciones internacionales. La invasión de Irak por la admi-
nistración Bush tiene, entre otros alcances, el efecto de des-
truir el paradigma de relaciones internacionales surgido tras
la II Guerra Mundial con la constitución de la Organización
de Naciones Unidas. La liquidación de Naciones Unidas hace
retornar el patrón de relaciones internacionales al período
anterior a esa guerra. En ese período, los conflictos inter-
nacionales (geopolítica) se resolvían llanamente por el em-
pleo unilateral de la fuerza. No se trata de elogiar aquí a Na-
ciones Unidas como una panacea. Fue débil e insuficiente.
Su cadáver insepulto sigue siéndolo. Pero su existencia es
mejor que su destrucción para los países con menos o ningu-
na capacidad de protegerse contra la discriminación y la guer-
ra militar, económica o cultural de los poderosos, sean éstos
Estados, organismos internacionales como el FMI o transna-
cionales. Y no se puede olvidar que la liquidación de Nacio-
nes Unidas se produce cuando el principal instrumento de
agresión militar son las armas de destrucción masiva. Éstas,
en particular las nucleares, no existían en la primera mitad
del siglo XX. Y las tecnologías de alcance universal, capaces
de emplear las armas químicas y biológicas con alcances de
pandemias irreversibles, tampoco. Uno de los factores que
impidió al régimen nazi asesinar a más judíos fue la ausencia
de una tecnología eficaz para destruir los cadáveres. Hoy ese
tipo de limitantes no existe. Las tecnologías actuales permi-
ten liquidar a cualquier grupo humano en cualquier lugar
del planeta y, al mismo tiempo, eliminar sus cadáveres. La
concentración de poder garantiza la impunidad de los crimi-
nales. Visto así, ‘Pinochet’ está más vivo que nunca, incluso
como posibilidad. Y los regímenes latinoamericanos de Se-
guridad Nacional aparecen como ‘adelantos’ prácticos de la
guerra global preventiva puesta en marcha por los Estados
Poderosos y sus Corporaciones Transnacionales.
Retornando a América Latina, para que Pinochet, no el
individuo sino su ethos sociocultural neoligárquico, muera,
428 GALLARDO, Helio • Lucha Social, Pinochet y la Producción de Justicia

en Chile y en todos los puntos del subcontinente, sería nece-


sario que los opulentos (a quien nadie quiere perseguidos,
torturados ni desaparecidos) decidieran redistribuir parte sig-
nificativa de la riqueza que ingresan en beneficio de opor-
tunidades para los más vulnerables de la población, en es-
pecial jóvenes, mujeres e indígenas, y que ello no fuese obs-
truido por idiotizadas y enardecidas capas medias como “co-
munismo”. También, que se reconstituyese las Fuerzas Ar-
madas como aparato de servicio ciudadano y, donde y cuan-
do se pueda, se las haga desaparecer. Las diversas expresio-
nes de Poder Judicial deberían responder a la lógica e institu-
ciones de un Estado de derecho sólido y su autonomía debe-
ría estar asegurada por el control ciudadano. Debería impo-
nerse a las transnacionales regionales y extra regionales un
código de comportamiento amable con la Naturaleza. E invi-
tar a los tecnócratas privados y públicos a trabajar un día y
medio a la semana la tierra y a viajar en locomoción colecti-
va. Curas y pastores podrían entrar en una dieta de agua ben-
dita para eliminar su hipocresía y, después, salir del templo a
acompañar y servir sin dogmas a la gente. Los medios masi-
vos podrían darse códigos de responsabilidad ciudadana y
de ética periodística y dejar la información en manos de sus
periodistas profesionales. Los sectores populares querrían
quizás aprender a trabajar en cooperativas. Los políticos, a
crecer desde su gente. Y de la maduración de estos procesos
podría esperarse, tal vez, que se discutiese la posibilidad de
hacer de la propiedad un factor que potencie los emprendi-
mientos colectivos integradores y la tendencia a la ausencia
de toda discriminación. No se trataría de sociedades perfec-
tas, pero constituirían un testimonio de humanidad que qui-
zás lograra salvar a la especie de su hecatombe material o
moral durante el siglo. Si así se desplegaran los tiempos, en
algún momento, Pinochet habría muerto definitivamente y
sería solo un referente de discusión en los anales ya supera-
dos de la infamia.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 429
Esa soñada y celebrada muerte cultural de Pinochet no
es posible sin que los sociohistóricamente explotados, objeti-
vados y humillados, se autotransfieran el poder y el prestigio
que les permitan crear las instituciones y lógicas que venga-
rán y honrarán a sus muertos, torturados y desaparecidos y
alimentarán en sus hijos la esperanza material que les permi-
ta construir un mundo distinto y mejor para todos. Así será
legítimo y espontáneo hacer fiesta constante por la muerte de
Pinochet. Estrictamente esto quiere decir que los humildes y
decentes de Chile y de todo el mundo tienen que organizarse
políticamente para matarlo. A él, a su familia, a sus socios y
amigos. A la cultura/civilización que representa. El mundo
sin Pinochet es necesario y posible.

3. Hacia una lectura conceptual de ‘justicia’,


Derechos Humanos y la muerte de Pinochet
Las observaciones anteriores tratan de manera no siste-
mática sobre los siguientes aspectos de la existencia social
latinoamericana:
a) las instituciones jurídicas latinoamericanas y las ló-
gicas que las animan, así como la enseñanza académica del
Derecho y la práctica, con el inevitable ‘sentido común’ que
las acompaña, de las ONGs interesadas en derechos huma-
nos, están fuertemente permeadas por ideologías de Derecho
natural, ya sea el de inspiración clerical, o clásico, por pro-
venir del Mundo Antiguo, ya sea del iusnaturalismo o dere-
cho natural moderno. Para estos imaginarios ideológicos, con-
ceptos/valores como el de “justicia” poseen un carácter meta-
físico, es decir “flotan” por encima de las tramas sociales y
las deshistorizan como función de la reproducción de las
dominaciones vigentes y necesarias y de sus instituciones e
identificaciones grupales e individuales inerciales, estas úl-
timas como dispositivos internalizados o subjetivos impres-
cindibles para esa reproducción. Es decir, ‘flotan’ pero al mis-
mo tiempo inciden normativamente. Para el ciudadano
430 GALLARDO, Helio • Lucha Social, Pinochet y la Producción de Justicia

común, y para los sectores sociales populares, la ‘justicia’


puede representar algo de lo que se carece pero que algún día
llegará (en otra vida o en la sentencia aleatoria y particular
de un tribunal). Vista así, la justicia (ideológica) muestra un
rostro perverso y también un rostro de cierta manera eficaz
porque alienta la esperanza y ello permite sobrevivir o sopor-
tar la malamuerte o, mejor, resistir. Se trata, sin embargo, de
una esperanza individual o casuística que solo ilusoriamente
puede devenir patrón generalizado o universal: “Apareció o
fue devuelto el cadáver de mi hijo. Tal vez mañana aparezca
también el del tuyo. O quizás siga vivo”. A diferencia de este
enfoque o ideológico (en el sentido marxista original) o utili-
tario-ilusorio, los textos antecedentes sugieren o proponen
pensar sistemática e historizadamente valores como la justi-
cia e instituciones como los circuitos judiciales y derechos
humanos y, con ellos, el Estado de derecho. Este último, en
América Latina, es una polémica, no un dato9;
b) en las sociedades modernas la tarea de pensar sisté-
mica e historizadamente valores como el de “justicia” se con-
forma mediante un programa-proceso que no puede realizar-
se sino desde las asimetrías y dominaciones estructurales que
constituyen estas formaciones sociales. Estas dominaciones-
sujeciones son básicamente de clase, de sexo-género, de ge-
neración, étnicas, religiosas, políticas y geopolíticas y se con-
densan y ponen de manifiesto en la existencia cotidiana.10
Las dominaciones-sujeciones resultan opacas en esta existen-
cia desde la perspectiva de los sectores dominantes o de im-
perio para cada dominación específica y para el conjunto ar-
ticulado de ellas. Así, por ejemplo, los varones no perciben
inmediata (muchas veces ni siquiera mediadamente) la do-
minación de sexo-género porque ella parece operar en ‘su

9
Sobre este punto puede verse un autor insospechable de “izquierdismo”:
Guillermo O’Donnell: La democracia en América Latina.
10
Existen también otras, como la oposición urbano//rural.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 431
beneficio’. Les parece, por tanto ‘natural’. El empresario capi-
talista se valora a sí mismo como un empleador que obtiene
ganancias legítimas debido a su emprendimiento y visión.
No se experimenta ni su familia lo percibe como “explotador
de fuerza de trabajo”. Las malas condiciones de existencia de
los trabajadores le parecen a este empresario también o ‘na-
turales’ o derivadas de factores situacionales: poca educación,
vicios, pereza, falta de voluntad, mala raza o clase.
Los ejemplos anteriores se relacionan con desafíos pro-
puestos por las sensibilidades dominantes y de dominación
y con las identificaciones sociales inerciales. Planteadas así,
las formas estructurales y situacionales de dominación-suje-
ción deben ser pensadas, o sea sentidas, analizadas e imagi-
nadas, desde los lugares sociales de quienes las sufren, resi-
enten y resisten. Este pensamiento es función de una, o vari-
as, organizada pujanza social y cultural en perspectiva de li-
beración cuyos protagonistas articulados pueden considerar-
se genéricamente como ‘pueblo político’. Que la muerte de
Pinochet no pueda pensarse adecuadamente (ni celebrarse)
desde el imaginario dominante y de dominación, lo revela el
que este dispositivo de ‘pensamiento’ y sentimiento indepen-
dice su acabamiento individual del conjunto (o totalidad) de
la reproducción del sistema del que el factor Pinochet (neoli-
beralismo y terror de Estado) formó parte. De hecho, el siste-
ma, esta vez bajo la fórmula neoliberalismo y ‘democracia’,
se reproduce “mejor”, es decir con mayor fluidez e injusticia,
desde que Pinochet es cadáver. En sus últimos meses, el in-
dividuo Augusto Pinochet “molestaba” tanto a su familia, en
ciernes de tener que responder judicialmente por su opulen-
cia mal habida, como a quienes protagonizan el juego políti-
co chileno. La ‘naturalidad’ del ‘exitoso’ proceso chileno se
oxigena con la desaparición del individuo Pinochet. Dere-
chos humanos, en su versión politicista, (fundamentales y
políticos) pueden reclamarse ya sin trabas en los circuitos
judiciales porque nadie o casi nadie de alguna importancia
432 GALLARDO, Helio • Lucha Social, Pinochet y la Producción de Justicia

social será castigado por sus violaciones anteriores o actua-


les.11 Más grave, la ‘plena’ vigencia de derechos humanos,
como los de elegir representantes o transitar, tras la muerte
de Pinochet, ratifica la bondad de una economía y de una
conducción político-cultural que produce explotados, infor-
males, excluidos y vulnerables, como mujeres, indios y anci-
anos, y desagrega las tramas sociales básicas (referentes de
derechos civiles) en el mismo movimiento en que destruye
irreversiblemente el medio natural. Es decir que el no acceso
universal a educación y salud y a un empleo digno conti-
núan siendo consideradas en Chile situaciones paralelas o
ajenas a derechos humanos. En realidad, una economía que
funciona con un 10% de desempleo abierto y un núcleo duro
de pobreza y miseria socioeconómica del 20% y que acreci-
enta el coeficiente Gini que distingue a la minoría opulenta y
codiciosa de amplios sectores sociales que no pueden satis-
facer sus necesidades básicas, sí es un desafío de derechos
humanos. Pero no se puede reclamar en los tribunales. Tam-
poco pueden reclamarse las discriminaciones que soportan
en Chile los inmigrantes peruanos y bolivianos. Todo ello
forma parte del ‘orden racional e inevitable’ de las cosas. Igual
que la inviabilidad de llevar a los tribunales a las corporacio-
nes transnacionales y monopolios que destruyen el hábitat
natural y exigir para sus ejecutivos y responsables legales
condenas propias de delitos de lesa humanidad y sus resarci-
mientos civiles. Sin embargo, desagregar irreversiblemente
el hábitat social y destruir el natural deberían constituir, en

11
Quienes asesinaron o se beneficiaron con el terror de Estado en Chile han
declarado de inmediato que es el momento de la reconciliación. No admiten
nada, no piden excusas o perdón, no se muestran arrepentidos. En la
práctica están orgullosos de sus crímenes y parte de este orgullo se deriva
de que asumen que el sistema los ubica “por encima de toda sospecha”:
ellos, sus propiedades y familias, quedarán impunes. La reconciliación en
esas condiciones hace de aquellos a quienes se destrozó la existencia no-
personas.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 433
sana doctrina, delitos de lesa humanidad. Esas acciones y
procesos tendrían que estar tipificadas en la legislación po-
sitiva sobre derechos humanos. No lo están o lo están insu-
ficientemente porque se los considera temas meramente ‘so-
ciales’ o ‘económicos’ con racionalidades ‘distintas’, e inde-
pendientes, a la de la justicia.12 Se hace por tanto necesario
no solo pensar, o sea sentir, analizar y soñar, desde los ofen-
didos y desde sus formas de organización y resistencia, sino
también criticar y superar los imaginarios politicistas reinan-
tes que bloquean entender que derechos humanos se lesio-
nan cuando no hay trabajo o éste es indigno, cuando se dis-
crimina (incluso con la limosna) a los pobres y miserables
producidos por el ‘orden’ social, etc. Estrictamente, no basta
pensar desde los ofendidos. Se requiere además vincular las
ofensas con la constitución y reproducción de la totalidad
que se dice ‘bien ordenada’;
c) en términos de una cultura de derechos humanos la
discusión anterior se centra en que el “factor Pinochet” no se
agota en un ‘caso’, aunque también lo sea, y que los efectos
del terror de Estado que encabezó, efectos que son individu-
ales, grupales y sociales, tampoco se agotan en muchos ‘ca-
sos’, disímiles o semejantes, que conformarían la justicia cu-
ando se resolvieran, uno por uno, satisfactoriamente (si esto
es posible) para las víctimas. Pinochet y las Fuerzas Armadas
y los empresarios fueron y son factores y funciones, al mis-
mo tiempo que personificaciones, de un sistema. Al igual que
lo fueron y son los trabajadores del campo y la ciudad chile-
nos. Desde su resistencia al sistema y a su reproducción, “jus-
ticia” no se dice ni resuena igual que cuando lo pronuncian
los sectores que se benefician del modelo. Los trabajadores

12
El discurso neoliberal latinoamericano reinante decreta: “La desigualdad
está enraizada en la naturaleza humana: unos se esfuerzan y reciben más;
otros, menos. Pretender que todos ganen igual conduciría a destruir la
prosperidad”.
434 GALLARDO, Helio • Lucha Social, Pinochet y la Producción de Justicia

del campo y la ciudad, y sus expresiones ciudadanas, podrán


aspirar a la justicia solo cuando se hayan dado la fuerza soci-
al que les permita incidir efectivamente, desde sí mismos, en
la construcción de un Estado de derecho y en la legislación
que, como proceso, lo operativiza;
d) históricamente, derechos humanos siempre se han
seguido de transferencias o autotransferencias sociales de
poder. Si la matriz de derechos humanos está configurada
por las formaciones sociales modernas, el motor que posibi-
lita derechos humanos es la lucha social y ciudadana en ellas.
La lucha social es decisiva para la constitución histórica de
derechos civiles.13 La lucha ciudadana tiene como premisa y
horizonte el proceso de consolidación de un Estado republi-
cano de derecho y un régimen democrático;
e) no se trata de echar todo al canasto de la basura (el
recurso de habeas corpus, por ejemplo, que ha protegido tan-
tas vidas) para empezar de cero, como si hubiera que inventar
la historia, sino de trabajar con lo que hoy se tiene, que, por
desgracia no es mucho, y de avanzar socialmente hacia una
comprensión popular, o sea liberadora, de derechos humanos
y la producción sociohistórica de ‘justicia’. La tarea compren-
de conceptualmente la crítica de los criterios de Derecho natu-
ral y procedimentales respecto de derechos humanos y su com-
prensión, desde la lucha social, como referentes sociohistóri-
cos. Esto implica asumirlos como condensaciones relativas de
las relaciones entre fuerzas sociales y como instituciones que
pueden revertirse y anularse o instrumentalizarse negativamen-
te si no son política y culturalmente sostenidos. Esta última es
una tarea republicana, o sea de mayorías o de diversas minorí-
as articuladas, constantes o fluidas;
f) se debe discutir y asumir que derechos humanos po-
seen un momento de compleja gestación, en la resistencia y

13
Es, por ejemplo, aquí correctamente, la opinión de N. Bobbio. Véase su obra
ya citada, p. 18.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 435
lucha social, una fase de positivización normativa o jurídica
(universalización) cuyo referente nuclear es el Estado de de-
recho, y un momento cultural o ético en que las capacidades
y fueros propuestos y reconocidos en esos derechos pasan a
formar parte de las identidades (autonomía, autoestima) so-
ciales. Estos momentos no son lineales ni obedecen a una
única o superior racionalidad. La legitimidad de la lucha so-
cial es decisiva para el reconocimiento y asunción político-
cultural de los derechos judicializados. Y también lo es para
proteger al Estado de derecho de sus desviaciones burocráti-
cas y metafísicas, mercantiles y clientelares;
Las condiciones para la muerte efectiva de Pinochet, y
la posibilidad de nuevas formas de justicia y renovadas y ori-
ginales esperanzas sociales, las producirá la lucha social. Sin
ella, el factor Pinochet, sobrevivirá a su muerte individual
como parte de un proceso generalizado que aniquila las es-
peranzas y con ello la capacidad popular y humana de apos-
tar por posibilidades de liberación y hacerlas suyas en la vic-
toria o el fracaso.

REFERENCIAS
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(PNUD) La democracia en América Latina. Hacia una democracia
de ciudadanos y ciudadanas, Buenos Aires: Aguilar/Altea/Taurus/
Alfaguara.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 437

17 – LA CIUDAD EN CLAVE DE RIESGO:


EL DERECHO A LA SEGURIDAD
O LA OBSESIÓN POR ELLA
Maria José González Ordovás

“No es en los anchos campos o en los jardines gran-


des donde veo llegar la primavera.
Es en los pocos árboles pobres de una plazuela de la
ciudad. Allí el verdor destaca como una dádiva y es
alegre como una tristeza buena. Amo esas plazuelas
solitarias intercaladas entre calles de poco tránsito, y
sin más tránsito ellas mismas que las calles. Son cla-
ros inútiles, cosas que esperan entre tumultos distan-
tes. Son de aldea en la ciudad.”
Fernando Pessoa. Libro del desasosiego

Dudo mucho que a día de hoy haya quien desconfíe de


que la ciudad es antes que nada una práctica social. Junto a
su obvia consideración como marco físico y la poco cuestio-
nable como referente simbólico, la ciudad es incluso mucho
más que una estética que estructura. Eso por sí mismo bas-
taría como justificación de la preocupación de la filosofía
por la ciudad y, sin embargo, aún habría que añadir que con
motivo de las continuas rupturas materializadas en el entor-
no urbano, se hace precisa la serena reflexión filosófica. Tam-
poco la sociología puede faltar en un ámbito de información
continua que en tiempo casi real llega al observador. Porque
438 ORDOVÁS, Mª José González • La Ciudad en Clave de Riesgo

la ciudad está en el centro del debate sobre el entendimien-


to del mundo hemos de ocuparnos de ella.1
Nuestra tesis parte de la concepción de la felicidad como
motor impulsor de la acción humana. De cuantas corrientes
de pensamiento se han ocupado de tal cuestión tomamos dos.
La epicúrea para la que felicidad consiste en dominio del
miedo, y la desarrollada por Bentham para quien felicidad y
placer vendrían a ser equivalentes. Pues bien, sostenemos que
la ciudad es hoy el espacio en que confluyen ambas nocio-
nes. Sustituido el clásico dominio del miedo por la obsesión
por su ausencia y materializado el placer en el consumo, in-
cluyendo en este término el mayor número de bienes y servi-
cios que cada cual sea capaz de imaginar.
La preocupación por la seguridad y la fascinación por
la adquisición cuasi-impulsiva de estética consagran la ciu-
dad de hoy al hedonismo de masas. El hecho de que pasado y
presente se lean como texto único en la ciudad confiere un
interés especial a su análisis por cuanto nos permite relacio-
nar espacio y tiempo, única conjunción productiva para com-
prender nuestra propia identificación y los procesos cogniti-
vos con los que aprehender las características de nuestro
mundo-objeto.2 Dicho de otro modo, de entre los posibles
objetos de investigación elegimos la ciudad porque su plas-
mación de ser y tiempo es capaz de arrojar pistas únicas so-
bre nuestro modo de concebir y configurar la sociedad.

1. De las rupturas arriesgadas


Colonizar el tiempo y ordenar el espacio son los dos
mandamientos en que condensar los vastos objetivos de la

1
Ana Fani Alessandri, “La utopía de la gestión democrática de la ciudad”, Scrip-
ta Nova, Vol IX, nº 194, (2005).
2
Anthony Giddens, “Modernidad y autoidentidad” en Las consecuencias per-
versas de la Modernidad, Josetxo Beriain (Comp.), Barcelona, Anthropos, 1996,
pág. 56.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 439
Modernidad. Ambiciosas prioridades si se tiene en cuenta que
abarcan las más variadas acciones y relaciones humanas. Si
la Ilustración, matriz de la Modernidad, parecía conducirnos
desde el principio al imperio del pensamiento estrictamente
lógico desprovisto de cualesquiera vicios que torciesen el ca-
mino de la razón como aclaración, hoy todo parece llevarnos
a la paradoja como única vía posible de entendimiento. Véa-
se si no. Dice Giddens, y yo comparto, que “la evitación del
riesgo es una parte central de la Modernidad” y sin embargo
todo en ella, todo en nosotros, nos induce a opciones de ries-
go3. Lo generamos y rechazamos al ritmo en que la compleji-
dad aumenta.
Así, por la estricta vía de la lógica normativa el dominio
del espacio (u ordenación del territorio en terminología ad-
ministrativa) habría de asegurarnos, o cuando menos facili-
tarnos, la ordenación y el dominio de las relaciones en él pro-
ducidas. Pero no parece que podamos afirmar tal cosa. Como
mínimo dos cuestiones nos lo impiden. Una: la fragmentaci-
ón a que nos ha llevado la repetición exponencial de nuestra
ordenación mecánica de las partes en el intento del dominio
racional del todo. Y dos: la improbabilidad creciente de or-
den “conforme evolucionan las sociedades debido a que las
condiciones de su estabilización, al mismo tiempo, son con-
diciones de su puesta en peligro”.4
En otras palabras no podemos evitar o reducir el riesgo
porque su generación es intrínseca a nuestro modo de vida. A
más desarrollo, más división del trabajo social (Durkheim),
más diferenciación, más opciones, más riesgos. El dinamis-
mo productivo extendido e interrelacionado al nivel institu-
cional e individual hace que prácticamente nada escape a la
tensión seguridad-indeterminación. Ese es el sentido (al me-

3
Ibídem, pág. 61.
4
Josetxo Beriain, “El doble sentido de las consecuencias perversas de la Moder-
nidad” en Las consecuencias perversas de la Modernidad, pág. 11
440 ORDOVÁS, Mª José González • La Ciudad en Clave de Riesgo

nos uno de ellos) de la frase de Luhmann “la evolución siem-


pre ha actuado en gran medida de forma autodestructiva.”5
Menos drástico Giddens plantea la cuestión en térmi-
nos de “desanclaje” y la circunscribe a la Modernidad, cuyas
singularidades impedirían, a su juicio, poder establecer com-
paraciones con otras épocas. Por ser más precisos, la separa-
ción de tiempo y espacio y su recombinación habrían genera-
do un dinamismo de tal magnitud que habría originado la
Modernidad materializada en un “desanclaje de los sistemas
sociales.”6 Entendiendo por desanclaje “el despegar las rela-
ciones sociales de sus contextos locales de interacción y rees-
tructurarlas en indefinidos intervalos espacio-temporales.”7
Pero ¿en qué momento aparece el riesgo en nuestro mapa
conceptual? El incremento exponencial de opciones que in-
corporamos a nuestras vidas implica por sí mismo la necesi-
dad de elegir entre dichas opciones. Nuestro acto de elegir
depende de nuestra voluntad pero también de nuestro cono-
cimiento. Habida cuenta de que nuestro conocimiento podrá
abarcar, en la mejor de las hipótesis, escasos campos donde la
elección dependa únicamente de nuestros saberes, indefecti-
blemente pasaremos a depender de la opinión de expertos.
Nuestra impericia nos obliga a “confiar” en las valoraciones
de los expertos. Pues bien, cuando sopesamos y medimos los
riesgos derivados de los criterios expertos establecemos un
margen de fiabilidad. Confiamos cuando la fiabilidad es tan
alta como para determinar nuestra elección. Hemos de elegir,
especulamos sobre las contingencias, valoramos los riesgos
implícitos en las opciones y, finalmente, confiamos en la que
resulta más fiable, más segura, menos arriesgada. Nuestra vida

5
Niklas Luhmann, Observaciones de la Modernidad, Racionalidad y con-
tingencia en la sociedad moderna, tr. C. Fortea Gil, Barcelona, Paidós, 1997,
pág. 139
6
A. Giddens, Consecuencias de la Modernidad, tr. A. Lizón Ramón, Madrid,
Alianza Universidad, 1990, pág. 28.
7
Ibídem, pág. 32
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 441
cotidiana repleta de continuas elecciones descansa en la fia-
bilidad por dos motivos: porque carecemos de la formación e
información que nos proporcionaría una elección autónoma,
y por el desanclaje causado por la descontextualización de
las acciones sociales dada la desvinculación personal e insti-
tucional entre tiempo y espacio.8
En realidad nos hallamos frente un dilema, por un lado
observamos cómo los riesgos son características constitutivas de
los sistemas sociotécnicos, de modo que a mayor complejidad
de los mismos mayor número y entidad de riesgos. Ante la in-
certidumbre causada por tales riesgos reaccionamos tratando de
aumentar el control y la seguridad de las tecnologías complejas
lo cual, a su vez, redundará en un aumento de la complejidad de
las mismas y por consiguiente en un incremento de los riesgos,
ya que, su progresiva sofisticación las hará más susceptible a los
fallos.9 Si aplicamos dicho dilema al plano social observaremos
el impacto que su aparición provoca en las expectativas sociales
de conducta. Su irrupción fractura la suposición de que el futu-
ro será semejante al presente. Las contingencias y la celeridad
de los cambios dificultan las previsiones y planificaciones nece-
sarias sobre las que fundamentar nuestras decisiones y conduc-
ta futura. En todo caso, “el porvenir puede ser muy distinto del
planeado” y “la inseguridad sobre lo posible y lo debido trae
consigo nuevas perplejidades.”10 Condenados a convivir con el

8
La cuantificación y uniformidad del tiempo en horarios y calendarios homo-
logados mundialmente y la práctica desaparición de la perspectiva en la mi-
nuciosa representación cartográfica del globo tienen mucho que ver con la
dislocación entre momento y tiempo, lugar y espacio.
9
“Una central nuclear, un sistema de control de tráfico aéreo, un superpetrole-
ro, una planta petroquímica o una misión espacial constituyen tecnologías
complejas en las que no puede existir nunca una seguridad absoluta; tienen
unas características tales que en ellas los accidentes han de ser considerados
como inevitables: son catástrofes normales”,J.A. López Cerezo y J.L. Luján,
Ciencia y política del riesgo, Madrid, Alianza Editorial, 2000, pág. 28.
10
E. Prieto, “Sobre los límites y posibilidades de la respuesta jurídica al riesgo”
en C. Da Agra et al. (Eds.), La seguridad en la sociedad del riesgo. Un debate
abierto, Barcelona, Atelier, 2003, 35.
442 ORDOVÁS, Mª José González • La Ciudad en Clave de Riesgo

riesgo, hemos pasado a concebir la seguridad como “garantía


de un bienestar mínimo e igual para todos como base para el
genuino disfrute de los derechos cívicos.”11
Hablábamos al comienzo de la felicidad como motor
impulsor, pero la felicidad en la Modernidad no ha venido
sola sino más bien separada del deber y unida al interés per-
sonal. La obligación se reformula en términos de elección y
ésta de utilidad. El modo de vida es la seña inequívoca de
identidad y a ella se accede mediante la “gestión integral de
uno mismo.”12 Nada que ver con un dejarse llevar, todo es
sopesado y medido en términos de provecho y seguridad per-
sonal. Ese escenario de riesgos y “neoindividualismo”13 viene
a ser una descripción sociológica de nuestra sociedad y por
extensión de su enclave primordial, la ciudad, espacio-tiem-
po donde pensamiento y forma se anudan haciendo de la
morfología un escaparate sociológico.
Tomaremos las múltiples formas que la ciudad incor-
pora como indicios de los cambios sociológicos latentes y de
las patentes rupturas. Cualquier observador por profano que
sea concluirá que su ciudad, como las otras, se desparrama.
Tal dispersión urbana se caracteriza por dos rasgos fundamen-
tales: “el repliegue reclusivo hacia el hogar seguro y conforta-
ble, a través de un mundo personal que creemos controlar”14
y el reclamo a los poderes públicos para que todo sea seguro,
el espacio público tanto como el privado. El denominado por
Tocqueville, ya para su época, “despotismo administrativo”
seguiría plenamente vigente:

11
Ibídem, pág. 37.
12
Gilles Lipovetsky, El crepúsculo del deber. La ética indolora de los nuevos
tiempos democráticos, 5ª ed., tr. J. Bignozzi, Barcelona, Anagrama, 2000,
pág. 83.
13
Ibídem, pág. 83 y ss.
14
Antonio Montesino González, “Espacio público, sociabilidad colectiva y mes-
tizaje cultural” en La ciudad en el tercer milenio, Manuel Luna (Ed.), Murcia,
Universidad Privada San Antonio, 2002, pág. 63.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 443
“En nuestros días hay mucha gente que se acomoda, muy
fácilmente, a esta especie de compromiso entre el despotismo
administrativo y la soberanía del pueblo, y que piensa que ha
garantizado bastante la libertad de los individuos cuando es al
poder nacional a quien la entrega (…) Combinan la centraliza-
ción y la soberanía del pueblo. Eso les proporciona cierto des-
canso. Se consuelan por estar bajo tutela, pensando que ellos
mismos han elegido a sus tutores. Cada individuo aguanta que
le aten, porque ve que no es un hombre ni una clase, sino el
mismo pueblo, el que sostiene la punta de la cadena.”15
Y si esto lo admite para sí, ni que decir tiene que estará
dispuesto a admitir mucho más para el otro, sobre todo si es
visto como potencialmente peligroso, como enemigo. La ad-
ministración del miedo16, que hoy más bien llamaríamos in-
seguridad, guarda una importante relación con aspectos que
inicialmente podríamos suponer alejados como, por ejemplo,
la arquitectura y el diseño urbano. Veámos pues cómo el ries-
go incide en la ciudad y viceversa.
La nuestra fue calificada en 1986 por Ulrich Beck como
la “sociedad del riesgo”, expresión que desde entonces hizo
fortuna al punto de que muchos la aplicaron a las más varia-
das disciplinas del conocimiento. De hecho, si bien es verdad
que ya para entonces otros sociólogos habían venido emple-
ando con cierta asiduidad el término riesgo como descriptor
social, a partir del libro de Beck nadie obvió tal planteamien-
to. Tal vez porque él lo expone como un “nuevo paradigma”,
que como tal tendría vocación de totalidad.17

15
Alexis de Tocqueville, La democracia en América, tr. M. Arroita-Jáuregui,
Madrid, Orbis, 1985, pág. 269.
16
Sobre el papel del miedo resulta recomendable el trabajo de Raúl Susín “La
revalorización del miedo como instrumento de control social. De la inseguri-
dad y otras miserias” en La tensión entre libertad y seguridad: una aproxima-
ción socio-jurídica, Mª J. Bernuz y A. I. Pérez Cepeda, Logroño, Prensas Uni-
versitarias de la Universidad de La Rioja, 2006.
17
Ulrich Beck, La sociedad del riesgo. Hacia una nueva modernidad, tr. J. Na-
varro et al. Barcelona, Paidós, 1998, pág. 25
444 ORDOVÁS, Mª José González • La Ciudad en Clave de Riesgo

Las cinco tesis referidas esbozadas por Beck para des-


cribirnos la nueva arquitectura social sirven, como se verá,
para bosquejar una nueva realidad urbana. Uno: los riesgos
generados en el nivel más desarrollado de la producción es-
tán abiertos a procesos sociales de definición.18 En el ámbito
urbano suena cada vez con más insistencia el problema de la
sostenibilidad de las ciudades. Los expertos menos optimis-
tas no garantizan la supervivencia de las ciudades tal y como
hoy las conocemos. Los riesgos ecológicos causados por las
concentraciones urbanas a gran escala ponen en entredicho
su futuro, los problemas de la contaminación, los desechos,
el agua y la energía exigen, a su juicio, la adopción de medi-
das.19 Dos: Las situaciones de peligro causadas por incremen-
to de los riesgos no respetan ni las competencias ni las fronte-
ras estatales. Nuevas desigualdades asoman al panorama in-
ternacional pero también al nacional. De nada sirve el esque-
ma de clases sociales cuando de sustancias nocivas se trata.20
Tres: la expansión de los riesgos no sólo no pone en peligro la
lógica de producción capitalista sino que le ofrece un nuevo
impulso.21 El potencial político y económico del riesgo posi-
bilita el aprovechamiento de las contingencias para favorecer
el mercado. Los seguros y la seguridad inundan la escena del
consumo. Cuatro: el conocimiento exhaustivo de los riesgos
concede un importante poder socioeconómico a quienes lo
ostentan.22 El potencial político de la administración de di-
cho saber está aún por descubrir. Quinto: la industrialización

18
Ibídem, pág. 28.
19
En general la concepción del agua como recurso va dejando paso a su valora-
ción como patrimonio. En cuanto a la energía, todas las cuestiones ambienta-
les importantes tienen una relación directa con ella. En nuestro país, por po-
ner un ejemplo, el 75% del petróleo importado se destina al transporte, fin en
el que tiene mucho que ver el diseño y la planificación urbanas. Cfr. Mª Sin-
tes Zamanillo, La ciudad: una revolución posible, Junta de Castilla y León,
2000, pp. 117-125
20
Ulrich Beck, La sociedad del riesgo, pág. 29.
21
Ibídem, pág. 29.
22
Ibídem, pág. 29.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 445
y sus consecuencias pierden la consideración de apolíticas.
La patente de corso de que habían venido gozando al quedar
fuera del circuito de la fiscalización política desaparece. Lo
que hasta entonces era visto por la sociedad como el mayor de
los parabienes se convierte en objeto de análisis. Así, la consi-
deración permanente de los efectos secundarios de la indus-
tria instala la negociación sobre el riesgo de catástrofes en la
agenda política. O, como dice Beck, “la sociedad del riesgo es
una sociedad catastrófica. En ella, el estado de excepción ame-
naza con convertirse en el estado de normalidad.”23
Las noticias que el ámbito urbano aporta al análisis nos
sugieren una ciudad como laboratorio de esa nueva sociedad,
al respecto han de sopesarse importantes datos. El vertigino-
so fenómeno de urbanización en los países del Sur, cuyo es-
quema difiere de la pauta seguida tiempo atrás por los países
ricos, ha sacrificado sus propias formas de vida seculares y ha
conducido a la “frustración y el desarraigo que presentan hoy
las grandes conurbaciones de los antiguos países coloniales.”
Su esperanza en el vínculo entre industria, modernidad y pro-
greso, obsoleto ya para los países ricos, ha podido más que
cualquier otra consideración.24 La concentración de más del
50% de la población mundial en las ciudades cuyo espacio
físico no representa ni la centésima parte del total, tendencia
que por otra parte no para de crecer, o el crecimiento exponen-
cial de los problemas medioambientales hacen bastante creí-
ble el trasunto de las tesis de Beck al ámbito urbano.
La vorágine urbana que no discrimina entre poblacio-
nes más o menos favorecidas25 “activa una espiral insepara-

23
Ibídem, pág. 30.
24
José Manuel Naredo, “Ciudades y crisis de civilización”, Documentación soci-
al, nº 119, (2000), pág. 32.
25
Apuntábamos antes que en términos relativos más de un 50% de la población
mundial vive en ciudades, sin embargo, ya en 1997 la Comisión Europea
estimaba que un 80% de la población de Europa habitaba en ciudades. Co-
municación de la Comisión de las Comunidades Europeas, Hacia una políti-
ca urbana de la Unión Europea, 6 de mayo de 1997.
446 ORDOVÁS, Mª José González • La Ciudad en Clave de Riesgo

ble del régimen de acumulación económica” donde “las ciu-


dades no respetan ni el ritmo de reposición de los recursos ni
los ciclos de vida y de absorción de la biosfera.”26 Si aplica-
mos el concepto de “huella ecológica”, entendido como can-
tidad de territorio que precisa una ciudad para satisfacer sus
necesidades de energía, recursos y absorción de sus residuos,
el planeta no resistiría la prueba. En palabras de Wackerna-
gel, unos de sus creadores, “hay evidencia de que la huella
ecológica de la humanidad es más grande que el terreno eco-
lógicamente productivo que tenemos en la Tierra. La conse-
cuencia es la liquidación del capital natural.”27 Dicho de otro
modo, las ciudades no sólo dependen de bienes producidos
fuera de ellas sino también de las funciones ecológicas de
otras regiones, en ocasiones muy alejadas entre sí.28 Sin dar-
nos cuenta, por encima de cualquier otra cosa consumimos
territorio: el nuestro, el ajeno el que haga falta.
Visto así a nadie se le escapa que el papel desenvuelto
por las ciudades actuales resulta clave para todos y afecta de
manera directa al traído y llevado cambio climático. Los cri-
terios que suelen esbozarse para frenar los peligros del mis-
mo incluyen necesariamente la conservación de los recursos
energéticos y materiales; el reequilibrio entre Naturaleza y
ciudad (conviene recordar que algunos autores hablan de la
muerte de la Naturaleza puesto que ningún lugar de la Tierra
es ajeno hoy a la acción del hombre); la redistribución de los
recursos y servicios sobre el territorio y el desarrollo local
dentro del marco global. Junto a estos y cualesquiera otros de

26
Concha Denche Morón, “La ciudad, paradigma de la nueva crisis. Madrid
como ejemplo”, Documentación social, nº 119, (2000), pág. 43.
27
Mathis Wackernagel, “¿Ciudades sostenibles?”, Ecología política, nº 12 (1996).
28
Según estudios realizados ya en el lejano 1998 la huella ecológica de Barcelo-
na era de 469’7 veces y la de Bilbao de 281’7 veces sus superficies respecti-
vas. Resulta fácil colegir que a mayor tamaño de la ciudad mayor será la su-
perficie ajena de la que ecológicamente habrá de apropiarse para poder sub-
sistir como tal. Al respecto cfr. Salvador Rueda et al., La ciutat sostenible,
Barcelona, Centre de Cultura Contemporània de Barcelona, 1998.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 447
naturaleza física o material que puedan añadírseles es nece-
sario considerar la cohesión social como factor clave para la
sostenibilidad de un sistema urbano, como mínimo, y tal vez
del sistema urbano en su conjunto.29
La ciudad actual, la llamemos moderna o postmoderna,
lo tiene todo diseñado desde la perspectiva de la abundancia.
A esas ciudades que lo contienen todo no les faltan las con-
tradicciones. La mayor de ellas el nombre. Siempre se enten-
dió por ciudad el enclave donde la diversidad se había apo-
derado del espacio. La ciudad o “la organización física de la
coexistencia”30, pues ambas cosas venían a ser lo mismo, man-
tiene su nombre, se mantiene como construcción social y cul-
tural que toma forma en una determinada configuración físi-
ca pero ha perdido, o está en vías de hacerlo, su mayor cuali-
dad endógena: la variedad. La falta de variedad urbana en
cualquiera de sus tres aspectos: variedad del soporte físico,
variedad social y cultural y variedad de actividades acaba por
ser “un indicador de la vulnerabilidad urbana, un síntoma de
la falta de cohesión e identidad del área y del inicio de los
procesos de desvertebración social.”31
Y entonces ¿por qué la ciudad hoy es así? Las cosas no
son como son sino como nosotros las hacemos. Con un tras-
fondo intelectual de sesgo racionalista cartesiano y kantiano
el hombre moderno en un alarde de composición lógica se
propuso, de un lado, dominar la naturaleza hasta adaptarla a
sus deseos y necesidades y, de otro, disciplinar a la sociedad.
Ante el progresivo desafío de la complejidad social, especial-
mente visible en la trama urbana, el hombre – léase príncipe,

29
Carlos Verdaguer, “De la sostenibilidad a los ecobarrios”, en Documentación
Social, nº 119, (2000), pp. 67-72.
30
Hago mío el título del trabajo de René Schoonbrodt “La ciudad es la organiza-
ción física de la coexistencia”, Ciudad y Territorio, nº 100-101 (1994), Madrid,
MOPTMA.
31
Isabel González García, “La variedad urbana: Una condición necesaria para la
calidad de vida en la ciudad”, Documentación Social, nº 119, (2000), pág. 133.
448 ORDOVÁS, Mª José González • La Ciudad en Clave de Riesgo

arquitecto, urbanista o constructor – optó por intentar redu-


cir la complejidad reduciendo la diversidad. El error fue do-
ble. Primero porque es falsa la premisa de que los sistemas
complejos son necesariamente más inestables. La lectura que
hoy hacemos de la complejidad pasa por traducirla a térmi-
nos de riesgos y por tanto de seguridad. Pero la lección ofreci-
da por el medio natural es otra. En la naturaleza, los sistemas
complejos – en el sentido de altamente diversos – son los más
estables, los más capaces de reaccionar ante los cambios, ante
la adversidad (…) La diversidad siempre ha sido una garantía
de supervivencia. Por ejemplo, un bosque maduro, rico en
especies, – complejo en una palabra – tiene, en condiciones
naturales, más armas para resistir el paso del tiempo que un
cultivo forestal monoespecífico, más sensible a los posibles
ataques de una plaga, del fuego o de la sequía.”32
Errónea la premisa, errada la conclusión. Se pretendió di-
luir la temida complejidad urbana zonificando. La hipótesis de
partida era: si seccionamos la ciudad por zonas dividiremos la
complejidad de la misma hasta reducirla. Le Corbusier personi-
ficó la idea de garantizar el orden a través de la especialización
espacial. No se trataba de conseguir que la política y la arquitec-
tura trabajasen juntas, sino que fuesen la misma cosa. Así lo
decía él: “La zonificación, teniendo en cuenta las funciones cla-
ve – habitar, trabajar y recrearse – introducirá orden en el espa-
cio urbano. La circulación, esa cuarta función, debe tener un
único objetivo: poner a las otras tres en comunicación útil.”33
“Su visión” trascendió fronteras y regímenes ideológicos, lo mis-
mo en el este que en el oeste, en el norte que en el sur su intento
ultrarracionalista de equilibrar la sociedad a base de proyectos y
construcciones finalistas se propagó como lo hace el éxito.

32
Mª Sintes Zamanillo, op. cit, pág. 37.
33
Le Corbusier, Principios de urbanismo, tr. J.R. Capella, Barcelona, Ariel, 1989,
págs. 124 y 125. Para un análisis más detallado de esa cuestión cfr. Mª J.
González Ordovás, Políticas y estrategias urbanas. La distribución del espacio
privado y público en la ciudad, Madrid, Fundamentos, pp. 98-120.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 449
Añádase a ese planteamiento la generalización de la
urbanización y el fenómeno de dimensión global por el que
el precio del suelo urbano se ha convertido en el factor deter-
minante del desarrollo de la ciudad y de la satisfacción del
derecho a la vivienda.34 El desenlace está servido. Sin lugar
para la espontaneidad ni la mezcla, la ciudad clásica da paso
a un conjunto compuesto por áreas con un alto grado de uni-
formidad interna. A base de prever y clasificar los espacios
según los niveles de renta y las funciones se reinventan los
guetos, segregaciones económicas que dan paso a apartami-
entos étnicos y raciales.35 Guetos estructurales de efectos im-
previsibles como paliativo de la malhadada complejidad.
En esa tesitura, la relaciones espacio-sociedad y espa-
cio-Estado se ven mutuamente afectadas. Entre tanto el mer-
cado ha asumido el papel de portador de la racionalidad con-
virtiendo el espacio en mercancía (el turismo es buena prue-
ba de ello)36 lo cual ha liberado la frenética actividad de pro-

34
“La escalada de precios es preocupante, ya que el auge inmobiliario interna-
cional es un subproducto de la globalización (…) Los mercados financieros
(…) son cada vez más abiertos e internacionales y están vinculados. Las polí-
ticas de los tipos de interés en el mundo industrializado tienden a avanzar al
unísono, generalmente encabezadas por EE.UU.”, Steve Lohr, “La vivienda,
una obsesión global. La burbuja inmobiliaria se cierne sobre la economía
mundial”, The New York Times – El País, 23 de junio de 2005.
35
Así se explica en el artículo de Alfonso De Esteban y Salvador Perelló, “Los nue-
vos guetos urbanos”, Temas para el debate, nº 136, (2006). El mayor gueto urbano
del mundo occidental es North Kenwood, perímetro comprendido entre las cal-
les 47 a 61 de Chicago, “ocupado exclusivamente por una población negra, el 70
por ciento de la cual vive por debajo de los mínimos oficiales de pobreza.”A
partir de la calle 61 una línea invisible divide en dos la calzada, el lado derecho
es Hyde Park, todo está bien conservado y en su sitio: la basura recogida y los
coches bien aparcados, en la acera izquierda, en cambio, la mayoría de los edifi-
cios presentan ruina, la acera está hundida y muchos coches abandonados. Car-
los Sambricio, “De Metrópolis a Blade Runner: dos imágenes urbanas de futuro”,
Revista de Occidente, nº 185, (1996), págs. 56 y 57.
36
“Se trata de espacios dominados por estrategias de marketing (…) campo don-
de lo homogéneo triunfa consecuencia de la repetición indefinida de un mo-
delo que reduce la realidad a simulacro”, Ana Fani Alessandri, “Nuevas con-
tradicciones del espacio”, Revista Litorales, nº 4, (2004), pág. 4 y ss.
450 ORDOVÁS, Mª José González • La Ciudad en Clave de Riesgo

motores inmobiliarios. Y ese, como todos los cambios econó-


micos, es también un cambio cultural.37 En esas circunstanci-
as la publicidad y los medios de comunicación de masas lo
han invadido todo y, a lo que parece, han venido para quedar-
se. Sus efectos sobre la ciudad han resultado perversos, des-
de luego ambos han influido al punto que ni el espacio públi-
co es ya el espectáculo que fue, ni el privado el secreto mejor
guardado. “La distinción entre un interior y un exterior, que
describía acertadamente la escena doméstica de los objetos y
la de un espacio simbólico del sujeto se ha borrado en una
doble obscenidad: la actividad más íntima de nuestra vida se
convierte en pasto habitual de los media (…) pero también el
universo entero acude a desplegarse innecesariamente en
nuestra pantalla doméstica.” El concepto clásico de distan-
cia, tan básico en cualquier composición espacial, salta por
los aires mientras el tiempo y el paisaje como escena desapa-
recen. El cambio de escala es evidente.38 Es la “euforia del
presente puro.”39
Progresivamente la lógica de la economía inmobiliaria
condicionada más por los servicios que por la producción
misma comanda los proyectos urbanos bajo la próspera con-
signa de crear oasis de orden. Cosa más fácil de alcanzar si se
logra que el interior de dichos oasis sólo esté habitado por
ciudadanos homogéneos pues así sus relaciones serán tambi-
én semejantes y por tanto, equilibradas y sin conflictos. Ese
cierre a lo(s) diferente(s) de ciertos modelos urbanísticos en
areas del aumento de la seguridad desarticula y fragmenta la
ciudad dificultando la convivencia. El apego a lo geométrico
y lo estanco como referentes de lo bello y lo ordenado enmas-
cara el verdadero fin: la seguridad. Se sacrifica “la idea crucial

37
Frederic Jameson, “El ladrillo y el globo: arquitectura, idealismo y especulaci-
ón inmobiliaria”, New Left Review, Madrid, Akal, nº 0, (2000), pág. 171.
38
Jean Baudrillard, El otro por sí mismo, tr. J. Jordá, Barcelona, Anagrama, 1988,
págs. 15 y 16.
39
Gilles Lipovetsky, op. cit, pág. 71.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 451
de la contradicción”40 en favor de la homogeneidad de las
partes.
Es como si la evolución y la imperfección asustasen y,
sin embargo la ciudad, “el mayor complejo social creado por
y para el hombre”41 nunca fue un producto acabado. Ambas
cosas – ciudad y perfección – son en sí mismas incompati-
bles, podemos intentarlo pero no conseguiremos erradicar el
componente de conflicto que la convivencia social entraña.
La sociedad no puede dejar de ser heterogénea, sólo visiona-
rios totalitarios que ponen la forma urbana al servicio de sus
pseudoutopías pueden pretender lo contrario.
Paradójicamente la seguridad jurídica, forma evolucio-
nada de la seguridad, no es precisamente la regla que caracte-
riza al urbanismo en general y al planeamiento en particular.
El propio derecho urbanístico lesiona tal principio al aplicar
sin dosificar “la formulación casi mágica del ius variandi”
tomada de la contratación administrativa. De hecho, en nin-
gún otro campo como el urbanismo la Administración usa su
prerrogativa de variar las condiciones de una situación jurí-
dica, siendo la alterabilidad incontrolada del plan la primera
causa de tal inseguridad. Si bien es verdad que “el plan no
puede ser rígido e inmutable ante la movilidad y evolución
del fenómeno urbano” no es menos cierto que “la potestad
revisora de la Administración debe someterse a ciertos lími-
tes que garanticen la estabilidad básica de la ordenación y del
régimen del uso del suelo.”42 Por otra parte, poco ayuda “el
abuso de la presunción legal de que todo lo que decide la
Administración urbanística a través de la elaboración o la
modificación de un plan es de interés general.”43

40
Frederic Jameson, Op. cit., pág. 170.
41
León Cortiñas-Peláez, “Derechos humanos y urbanismo (De una axiología
constitucional vulnerada)”, pág.30
42
Francisco Perales Madueño, “El planeamiento urbanístico y la protección de
los derechos individuales” en VV.AA., Urbanismo: función pública y protecci-
ón de derechos individuales, Madrid, Civitas, 1998, pág. 61.
43
Ibídem, pág. 62.
452 ORDOVÁS, Mª José González • La Ciudad en Clave de Riesgo

2. Cuando el otro es visto como un riesgo


Ver en el diferente un peligro potencial no responde a
la filosofía clásica del pesimismo antropológico sino más bien
de la desconfianza. La primacía de los derechos individuales
sobre las obligaciones colectivas, propicia una débil queren-
cia a las leyes y un eclipse de la moral. La eficacia normativa
de las disposiciones que prevén la satisfacción de prerrogati-
vas individuales no se cuestiona, en cambio la de aquellas
disposiciones cuyo objeto consiste en la protección de nece-
sidades sociales no goza de la misma aquiescencia. En esa
tesitura “la tendencia preponderante es el caos organizador.”44
Y de nuevo la paradoja: por un lado se pretende microregular
el paisaje urbano para reducir los riesgos entrópicos y por otro
“el crepúsculo del deber” conduce a una disolución de los vín-
culos sociales que favorece la disgregación y el desorden.
Para empezar la existencia del otro, el distinto a mí y los
míos, detrae de las arcas públicas fondos que deberían garan-
tizar la satisfacción de mis necesidades y las de los afines a
mí. Cualquier distracción de tales recursos es visto como mero
despilfarro. Pero no es en el ámbito financiero sino en el pu-
nitivo donde con más claridad puede verse el rechazo al dife-
rente por la desconfianza que suscita. Convivir con quienes
no compartimos valores, nacionalidad, color … provoca un
sensación (por tanto subjetiva) de riesgo que desencadena una
intensa demanda social de seguridad. Ella fundamenta la fas-
cinación de diversas organizaciones sociales por el Derecho
Penal explicable en buena medida por la utilidad psico-social
de la pena percibida como único correctivo ejemplarizante
capaz de apaciguar la desazón social causada por la inseguri-
dad.45 Las expectativas despertadas desembocan en la Expan-

44
G. Lipovetsky, op. cit, pág. 63.
45
Al respecto cfr. Jesús Mª Silva et al., “La ideología de la seguridad en la legis-
lación penal española presenta y futura”, en C. Da Agra et al. (Eds.), La segu-
ridad en la sociedad del riesgo. Un debate abierto, págs 11, 127 y 133.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 453
sión del Derecho Penal46, esto es, la extensión e intensificaci-
ón del mismo que someten a una presión excesiva a los prin-
cipios garantistas clásicos de legalidad y presunción de ino-
cencia que culmina en una criminalización del potencialmente
peligroso. Y junto a ello: “el predominio de las estructuras
típicas de simple actividad ligadas a delitos de peligro (…) la
anticipación del momento de intervención penal (…) y signi-
ficativas modificaciones en el sistema de imputación de res-
ponsabilidad y en el conjunto de garantías penales y procesa-
les.”47
Y “el resultado es desalentador. Porque la visión del
Derecho Penal como único instrumento eficaz de pedagogía
político-social, como mecanismo de socialización, de civili-
zación, supone una expansión ad absurdum de la otrora ulti-
ma ratio. Pero sobre todo porque, además, tal expansión es
inútil en buena medida”48 admitiéndose, para colmo, “ciertas
perdidas en el principio de seguridad jurídica”49. La contra-
dicción salta a la vista, el propio legislador se ha percatado de
ella como queda reflejado en la Exposición de motivos de la
ley orgánica 10/1995, de 23 de noviembre del Código Penal
español: “se ha afrontado la antinomia existente entre el prin-
cipio de intervención mínima y las crecientes necesidades de
tutela en una sociedad cada vez más compleja, dando pru-
dente acogida a nuevas formas de delincuencia, pero elimi-
nado, a la vez, figuras delictivas que han perdido su razón de
ser.”50 Asistimos pues a la inundación del Derecho Penal que

46
Me sirvo del título y la idea del conocido libro de Jesús Mª Silva Sánchez, La
expansión del Derecho penal. Aspectos de la política criminal en las socieda-
des postindustriales, Madrid, Civitas, 1999.
47
José Luis Díez Ripollés, “De la sociedad del riesgo a la seguridad ciudadana:
un debate desenfocado”, Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología,
http://criminet.ugr.es/recpc, pág. 5.
48
Jesús Mª Silva Sánchez, La expansión del Derecho penal, pág. 45.
49
José Luis Díez Ripollés, op. cit., pág. 5.
50
BOE nº 281, de 24 de noviembre de 1995; corrección de errores en BOE nº 54,
de 2 de marzo de 1996.
454 ORDOVÁS, Mª José González • La Ciudad en Clave de Riesgo

muere de éxito y a la versión actualizada del despotismo ad-


ministrativo de que hablaba Tocqueville dado el proceso de
administrativización en que se halla inmerso el Derecho Pe-
nal que por asumir “el modo de razonar propio del Derecho
administrativo sancionador” incluso “se convierte en un De-
recho de gestión ordinaria de problemas sociales.”51
Del “pienso, luego existo cartesiano” se pasa al “des-
confía y existirás” traducido en una demanda social de mayor
protección que se canaliza en una pretensión punitiva de di-
mensiones tales que su irracionalidad afecta hasta alterar
nuestro ámbito cultural. Es fiel reflejo de la lógica de la acu-
mulación y la abundancia, de la época del “Y”52 , del “más
vale más” que influye también, cómo no, en la concepción
del castigo. Lo cual tal vez podría explicarse, que no justifi-
carse, si están en lo cierto quienes aseguran que “en estos
días el odio es generalizado.” Es probable que “en un princi-
pio el odiado ‘otro’ fuera siempre el vecino; y sólo después de
constituida una comunidad con identidad propia se llegara a
declarar enemigo al forastero.”53 Sea así o no, las diferentes
fórmulas aplicadas por los urbanistas para combatir la inse-
guridad o la impresión de la misma pueden reconducirse a
dos grandes estrategias: la transparencia o el cierre. En ese
sentido serían “transparentes” los recorridos urbanos diáfa-
nos y sin recovecos en los que la actividad llama al tránsito y
la vigilancia formal (cuerpos de seguridad) o informal (co-
merciantes, viandantes …) inspiran gran confianza. La ilumi-
nación y todos los signos posibles de que en la zona no hay

51
Jesús Mª Silva Sánchez, La expansión del Derecho penal, pág. 107.
52
“Y” es el breve título del ensayo de Vasily Kandinsky en Essays ubre Kunst
und Künstler, Zurich, 1955 del que se sirve Beck para hablar de la nuestra
como la época del “esto y lo otro” frente a la inmediatamente anterior como
etapa del “esto o lo otro”.
53
R. Del Caz, P. Gibosos y M. Saravia, La ciudad y los derechos humanos. Una
modesta proposición sobre derechos humanos y práctica urbanística, Madrid,
Talasa, 2002, pág. 20.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 455
impunidad (limpieza, reparación de equipamientos, elimina-
ción de graffitis …) son los servicios sociales más valorados. 54
Más actual y drástica, la otra opción antiurbanista más que
urbanística goza de un gran predicamento. Se trata del ‘exclu-
sivo’ fenómeno de las ciudades privadas, esto es, comunidad
que se enroca como recinto herméticamente cerrado y que
quiere apartarse de la ciudad, el crimen y la presencia o pro-
ximidad de los pobres. En estado puro la ciudad privada, con
“accesos y calles vigiladas, administrados no ya por ayunta-
mientos sino por asociaciones privadas”, llega a “militarizar
el espacio”, legisla y reglamenta la conducta de quienes resi-
den y de quienes visitan el dominio, se “independiza del Es-
tado” y eso sí es “una de las evoluciones más importantes de
nuestro tiempo.”55 Evidentemente el resultado de tales archi-
piélagos de orden y seguridad es el abandono de sus residen-
tes de todo tipo de compromiso con el resto de la ciudad y,
por extensión, de la sociedad.
Dadas las circunstancias, con guetos estructurales para
los más pobres y otro tipo de guetos, pero guetos al fin, para
los más ricos donde la identidad resulta del estilo de vida,
habría que pensar hasta qué punto tal situación puede llegar
a la rebeldía de algunos sectores de la población. En 1986 ya
hablaba Beck de las reacciones anómicas de los jóvenes espe-
cialmente en las grandes ciudades56 y eso que quedaban lejos
aún los disturbios de la banlieue de Paris y otras ciudades
que desde octubre de 2005 a enero de 2006 asolaron las no-

54
Ibídem, pág. 20.
55
El último proyecto de que tenemos noticia es la propuesta de Disney de cons-
truir en Florida, cerca de Disneyworld, la mayor de las ciudades privadas
americanas ‘Celebration’, 8.000 viviendas para albergar a 20.000 habitantes,
C. Sambricio, op. cit, pág. 61.
56
U. Beck, op. cit., pág. 194. Para aproximarse algo más al concepto de anomia
cfr. Mª José González Ordovás, Ineficacia, anomia y fuentes del Derecho,
Dykinson-Instituto de Derechos Humanos Bartolomé de las Casas, Madrid,
2003.
456 ORDOVÁS, Mª José González • La Ciudad en Clave de Riesgo

ches francesas.57 En ese y otros casos la multitud, potencial-


mente peligrosa, se convierte en problema de orden público al
que se responde con una doble estrategia: el refuerzo del siste-
ma represivo institucional y el incremento de la defensa priva-
da. De ambas en un combinado de segregación y disciplina se
espera que difundan un clima de paz que ahuyente el delito e
imponga ley y orden.58 Sin compensar la premeditada falta de
variedad, a falta de ese “conjunto de elementos urbanos que po-
sibilitan la satisfacción de las necesidades de los ciudadanos”
aumenta la vulnerabilidad y el miedo porque el espacio se hace
más propicio para los riesgos y, por ello, más ingobernable.
En todo caso, tal vez convenga recordar que, en esa com-
pleja construcción social que es la inseguridad ciudadana, el
sentimiento de riesgo no tiene equivalencia alguna con la in-
seguridad objetiva, al menos en los países europeos, donde
“aunque la población piense exactamente lo contrario, el ri-
esgo de ser víctimas de una agresión física es hoy muy inferior
a lo que era hace un siglo. En Italia, por ejemplo, a finales del
siglo XIX la tasa de homicidios por habitante era similar a la
que presenta actualmente Colombia, quizá el país más vio-
lento del mundo.”59

57
Breve cronología de lo sucedido: el 27 de octubre comienza una violencia que
alcanza tal grado que el 8 de noviembre el presidente de la República declara
el estado de emergencia que le permite imponer el toque de queda en las
ciudades afectadas, medida excepcional que no se aplicaba desde 1955 y que
da poderes adicionales a la policía contra la revuelta. Tras más de dos meses
de violencia el presidente levanta el estado de emergencia a partir del 4 de
enero de 2006 con un saldo inquietante: 10.000 coches incendiados, numero-
sos destrozos en edificios públicos, agresiones, más de 3.000 detenidos y 800
condenados.
58
Tal vez convenga recordar que la policía no se creó para proteger a la poblaci-
ón de la criminalidad sino para disciplinar la ciudad en un concreto momen-
to histórico en que el control social se destinaba a dominar las masas que
desde el campo llegaban y abarrotaban la ciudad. En tal sentido cfr. D. Melos-
si y M. Pavarini, Carcere e fabbrica. Alle origine del sistema penitenciario,
Bologna, Il Mulino, 1977.
59
Mª Naredo Molero, “Seguridad urbana y miedo al crimen” , Documentación
social, nº 119, (2000), pág.152.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 457
3. Huérfanos de dogmas
Alterados los principios fundantes de nuestra sociedad,
débiles los deberes, debilitado el pensamiento social e inser-
vibles los datos para comprender, todo queda en manos de
“guerras hermenéuticas y disputas de interpretación”60, en-
tonces (o sea ahora) “el encuentro con lo ‘otro’ no puede ser
más que de tipo estético.”61 La Razón se hace Estética y en su
progresión de sustituir a la Ética alcanza a la ciudad. “El re-
sultado es un escenario metropolitano impregnado de un es-
teticismo difundido basado en los deseos, en las sensaciones
y en la inmediatez”62. El gusto se eleva a criterio organizador
(el miedo generalizado ya lo había hecho) 63 y por ello la ciu-
dad añade a su papel de “espejo” social el de “disfraz” y “si-
mulacro”. No sólo reproduce y refleja la sociedad a la que
alberga, su maestría para “ocultar, disimular, y marcar una
separación entre imagen y realidad” la convierten también en
disfraz e incluso se convierte en ciudad-simulacro porque en
ella “la imaginación precede a la realidad, el mapa al territo-
rio, el signo al objeto.”64 Es así como el Homo Aesteticus y el
Homo Ludens se sitúan al lado del Homo Oeconomicus y ya
no hay vuelta atrás65. Sólo la combinación de dichas facetas
proporcionará la felicidad. De nuevo volvemos a ella, ahora
por la vía de la evasión y el consumo. Con la ciudad blindada
el sueño urbano ya no se produce en las calles, plazas y paseos
hay un nuevo espacio para un nueva sociabilidad. Nos cono-
cemos y reconocemos en otros iconos: los grandes almace-
nes, los parques temáticos, las Exposiciones Universales, las

60
Daniel Innerarity, La sociedad invisible, Madrid, Espasa Calpe, 2004, pág. 33.
61
Giandomenico Améndola, La ciudad postmoderna, trs. M. García Vergaray y
P. Sustersic, Madrid, Celeste, 1998, pág.149.
62
Ibídem, pág.149.
63
Ibídem, págs.150 y 319.
64
Ibídem, pág.161.
65
Ibídem, pág.183.
458 ORDOVÁS, Mª José González • La Ciudad en Clave de Riesgo

Olimpíadas … Los excluidos de esos escenarios son, en reali-


dad los excluidos del mundo.
La tendencial confusión entre consumo, arte e incluso
historia también pervierte el cabal sentido de lo urbano. Esta-
dos Unidos ofrece muestras que ponen los pelos de punta.
Williamsburg, por ejemplo, es una ciudad que ha sido entera-
mente “resucitada”, noventa de sus edificios son los origina-
les del XVIII aunque han sido plenamente restaurados, el res-
to se han edificado como si no hubieran pasado dos siglos.
“Durante toda la visita no hay nada en Williamsburg que pu-
eda hacer pensar al turista en la ficción o la representación: la
basura es inmediatamente eliminada, cualquier anuncio que
pueda recordar a la contemporaneidad ha sido prohibido, los
coches y los autocares no son visibles desde la ciudad, hasta
los guías se cambian de continuo e instruyen para evitar que
su explicación parezca demasiado profesional y aprendida de
memoria.”66
Entiendo que el caso valdría como prueba de lo que
desde la antropología se ha dado en llamar la “museización
de la ciudad y estetización del consumo” y que no tiene que
ver con el hecho de la ciudad haya sido fuente de inspiración
del arte moderno sino con el doble consumo o consumo de
segundo orden que en ella se produce. Esto es, “consumimos
estéticamente aquello que, previamente, ya se ha consumido
en modo de uso: consumo sobre consumo. Los objetos coti-
dianos se observan ahora desde otra perspectiva. Si en las teo-
rías postmodernas del arte todo puede ser arte, es decir, todo
es susceptible de ser observado como si fuera una obra de

66
Ibídem, págs. 239 y 249. El caso de Williamsburg no es único pero su peculi-
aridad radica en que ha ido más allá de la reconstrucción de la historia ame-
ricana. En su museo Busch Park el lema es “Este año puedes visitar Inglaterra,
Francia, Alemania e Italia sin moverte de los USA”. De hecho contiene cuatro
pueblos ‘típicos’ – Banbury Cross, Aquitaine, Rhinefield y San Marco – imita-
ciones fieles a partir de la idea que el público medio norteamericano tiene de
la Europa Histórica.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 459
arte” en la ciudad “todo es susceptible de ser consumido esté-
ticamente.”67 Es una “metamorfosis de la mirada” que a todo
llega y alcanza porque todo es susceptible de ser contempla-
do, admirado y consumido.68
Cada sociedad produce su tipo de espacio y cultiva sus
propios miedos. Sea por la propagación de la incertidumbre y
el riesgo, sea por la incapacidad institucional para gobernar
la sociedad parece que habrá que acostumbrarse a “vivir en
un mundo más cercano al caos que al orden.”69 La ciudad de
este siglo será diferente a cuantas formas urbanas y urbanísti-
cas le precedieron, incluso hay partidarios de designar a esa
nueva realidad con un nombre distinto al de ciudad por tra-
tarse de distintos fenómenos.70 Es verdad que las formas de
sociabilidad tampoco serán las mismas con un ciudadano re-
plegado hacia los ámbitos cerrados y menos dado a la partici-
pación en la res pública y más, al consumo.71 Tal vez se trate
de la negación que cualquier estado o cosa precisa para exis-
tir, según Spinoza señalara en su Ética. Esto es, que todo re-
quiere y hasta depende de su negación. O tal vez del poder de
la flexibilidad. Sea lo que fuere, a tenor de lo visto hasta aquí,
ésas serían conclusiones que estaría dispuesta a aceptar. Y
como aspiración: articular polis y urbs72 de modo adecuado a
las nuevas realidades. Que la ciudad no sea Estado sin socie-
dad ni sociedad sin Estado, que la forma urbana no sea consa-
gración legitimante de la desigualdad, que la administración

67
Miguel Ángel Hernández Navarro, “La ciudad museizada: la aparición del
objeto simbiótico”, La ciudad en el tercer milenio, op. cit. pág. 277.
68
Tomo la expresión de S. Zunzunegui, El museo como espacio del sentido.
Metamorfosis de la mirada, Alfar, Sevilla, 1990.
69
Daniel Innerarity, La sociedad invisible, op. cit., pág. 15.
70
Al respecto cfr. Antonio Aledo Tur, “Desigualdad, urbanismo y medio ambien-
te: la primera urbanización”, La ciudad en el tercer milenio, op. cit., pág. 153
71
Antonio Montesino González, “Espacio público, sociabilidad colectiva y mes-
tizaje cultural”, op. cit., págs. 66 y 67.
72
Manuel Delgado, El animal público, Barcelona, Anagrama 1999, págs. 179
y 193.
460 ORDOVÁS, Mª José González • La Ciudad en Clave de Riesgo

de lo público procure los máximos niveles de justicia sin im-


pedir la espontaneidad que en lo político llamamos libertad.
Porque Simmel73 estaba en lo cierto y no hay compromiso
moral sin observación hay que advertir que el tiempo en que
“existía una correspondencia exacta entre Estado, nación, ter-
ritorio, patria, lengua, cultura y, por ende ciudad”, ya no si-
gue. “El esquema se ha roto y la expectativa que se presenta
es, cuando menos, sorprendente.” 74

73
Georg Simmel, “El problema de la Sociología”, en Sociología. Estudios sobre
las formas de socialización, 2 vol., Madrid, Alianza Universidad, 1986.
74
Carlos Sambricio, De Metrópolis a Blade Runner: dos imágenes urbanas del
futuro, op. cit., 62.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 461

18 – A RADICALIZAÇÃO GARANTISTA
NA FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES
– UMA ABORDAGEM A PARTIR
DO TRIBUNAL
Amilton Bueno de Carvalho
Henrique Marder da Rosa

1. Introdução ou desconfiando do poder


Com Tarso Genro, percebe-se que radical não é sinônimo
de histérico – embora se saiba que em alguns locais os termos
se confundem. O termo radical, aqui considerado, diz com a
busca do ataque à raiz da questão proposta para debate.
Temos que um dos pressupostos garantistas está na pro-
funda desconfiança a todo o poder. Aliás, a lei, eticamente
considerada, nada mais é do que limite a todo o poder desme-
surado.
Aprende-se com Salo que todo o poder – consciente ou
não – sempre e sempre tende ao abuso: atua na procura de-
senfreada de mais espaços para sua perpetuação – o poder
sempre quer mais poder. E Salo sentencia: “o poder não é amigo
dos direitos humanos”. Eis por que uma aproximação com os
anarquistas parece, a cada dia, mais atraente – um anarquis-
mo fundado nas conquistas do iluminismo.
Tem-se repetido, por séculos, tanto que já alcançou o
senso comum, que todo poder corrompe e que o poder abso-
luto corrompe absolutamente.
O precioso psicanalista gaúcho Marcelo Blaya Perez
462 CARVALHO, Amilton B. de; ROSA, Henrique M. da • A Radicalização Garantista na Fundamentação...

destrói a máxima: o poder não corrompe, mas apenas possibi-


lita que o já corrupto tenha maior possibilidade de agir. A
corrupção já preexistia no agente. Frei Beto diz que o poder
apenas desvela o corrupto.
Talvez a razão esteja com o sociólogo Juremir Machado
da Silva: o poder não corrompe, o poder torna o agente esqui-
zofrênico. A história recente da política brasileira parece ser
exemplo quase que definitivo!
Marilena Chaui diz que “o grande instrumento do Esta-
do é o Direito, isto é, o estabelecimento das leis que regulam
as relações sociais em proveito dos dominantes”. Para a filó-
sofa e crítica da cultura, a função do Estado é fazer com que o
legal apareça para os homens como legítimo, ou seja, como
justo e bom. N’outro momento, sentencia: “a lei é direito para
o dominante e dever para o dominado”. Ou seja: o Estado tam-
bém exerce a violência, uma violência institucionalizada.
Assim, ao se desconfiar do poder em geral, deve-se des-
confiar também do poder que o juiz exerce enquanto tal.
E queiramos ou não, no que atine ao poder do juiz, esta-
mos frente a comando terrível: invasão de residências para
retirada de bens e pessoas, determinação de prisões, de que-
bra de empresas, de interrupções de gravidez.
Poder mais agressivo que o do próprio legislador: este
atua no genérico, enquanto o juiz age no concreto, atingindo
diretamente o cidadão historicamente localizado, ou seja, não
é algo abstrato, mas concreto.
A proteção da cidadania contra os abusos, em conseqü-
ência, está na construção histórica dos direitos humanos: uma
constante busca de limites ao poder desenfreado.
Assim, todo o sistema de garantias (ampla defesa, con-
traditório, publicidade dos atos, autoridade isenta e eqüidis-
tante, fundamentação das decisões) visa reduzir os espaços
de arbítrio: o direito como sistema de proteção ao débil.
O problema que surge, no espaço judicial, está em que
o juiz é o sujeito que controla o próprio sistema de garantias
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 463
que visa proteger o cidadão do arbítrio do próprio juiz. Em
outras palavras, é ele (Poder Judiciário) que vai definir se houve
ou não fundamentação da decisão, se foi garantida a ampla
defesa, por exemplo.
O que fazer, então, transforma-se em dilema. Parece-me
que estamos frente a ônus da democracia – ela não tem res-
postas para tudo.
Mas, talvez, se possa pensar em:
(a)- diminuir o tamanho do judiciário com a desbanali-
zação dos litígios (em penal, um direito mínimo, espetacular-
mente mínimo);
(b)- buscar, desesperadamente, uma nova ética dos juí-
zes – radicalizador das garantias, as quais devem ser apropri-
adas como instrumento de diminuição de seu próprio arbí-
trio, como uma espécie de grito de socorro: “ajudem-me a não
ser arbitrário”;
(c)- um controle externo do judiciário dirigido exclusi-
vamente à observância das garantias.
Todavia, esta não é a discussão central que se pretende
no presente trabalho: o que se quer discutir é, especificamen-
te, a fundamentação das decisões judiciais no viés garantista.
O juiz que aqui se tem em mira, com socorro de Diego
Duquelski, é aquele que é legitimado democraticamente como
garante dos direitos fundamentais.
Em outras palavras, aquele que não é legitimado pela
vontade da maioria, mas o protetor do “UM”, mesmo contra a
vontade de todos; aquele que, para seguir Ferrajoli, na racio-
nalização do poder punitivo, atua na busca do menor sofri-
mento possível ao desviante; o protetor do débil (no momen-
to do crime, a vítima; durante o processo, o réu; na execução
da pena, o condenado).
Aquele juiz que está sujeito à lei, mas não a qualquer
lei: vigentes, quanto à forma, e, válidas, quando compatíveis
com os valores materiais previstos na Constituição ou nos
464 CARVALHO, Amilton B. de; ROSA, Henrique M. da • A Radicalização Garantista na Fundamentação...

princípios intransigíveis, que sequer a unanimidade pode


derrogar, pois ingressam na esfera do não-decidível.
E, em assim sendo, diria Perfecto Andrés Ibãnez, um
juiz que não está legitimado anteriormente – concurso públi-
co – mas sim que se legitima em cada ato, em cada decisão
que profere, numa permanente relegitimação tópica.

2. Fundamentação
Ensina Ferrajoli que a exigência de fundamentação dos
atos do poder é muito recente, “rigorosamente moderna”.
Como imposição, aparece com Fernando IV, em Nápo-
lis, no ano de 1774, e posteriormente com Luis XVI, no ano de
1788, na França.
No Brasil, ela surge nas Ordenações Filipinas.
O Código de Processo das Minas Gerais chama atenção
pela bela síntese que produzia: “a sentença deve ser clara,
concisa, sem divagações científicas, escrita, datada e assina-
da pelo Juiz”, e conter, no que tange à fundamentação, “moti-
vos precisos da decisão, declarando a lei, o uso, o estilo ou os
princípios gerais do direito em que se fundar”.
Interessante notar, com Chaïm Perelman, que a obriga-
ção de motivar as decisões judiciais, por ocasião da Revolu-
ção Francesa, esteve atrelada mais à garantia da separação dos
poderes, do que à garantia processual do acusado.
Assim como o legislador – aquele que tem a incumbên-
cia de “dizer o que é certo” – não poderia aplicar a lei ao caso
concreto, o juiz deveria motivar as suas decisões para provar
estar julgando estritamente de acordo com a lei. A motivação
– anota Perelman – “deveria garantir ao poder legislativo a
obediência incondicional dos juízes à lei”.
Dentro desta concepção, obviamente, não cabia ao juiz
perquirir sobre a justiça, eqüidade ou aceitação social da so-
lução encontrada: somente ao legislador era dado o direito de
dispor sobre o que é justo ou injusto.
Bem motivada, assim, era a decisão que demonstrava,
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 465
modo claro e preciso, a adequação do caso concreto a um ou
outro dispositivo legal.
Com o passar dos anos – lembra Perelman –, permitiu-
se aos juízes solver algumas antinomias, bem como preen-
cher as lacunas da lei – mas sempre em casos especialíssi-
mos, nos quais não se poderia mesmo recusar uma mínima
tarefa interpretativa.
Certo que ainda hoje a obrigação de motivar as decisões
judiciais serve a tal fim – controle da separação de poderes.
Mas também parece inquestionável que hoje se espera muito
mais dos juízes, do que a simples demonstração de obediên-
cia à lei.
Tem-se dito que fundamentar é dar razões – fato e direi-
to – que levaram o julgador a decidir de uma ou de outra ma-
neira.
Para Dworkin, o processo nada mais é do que uma no-
vela escrita em capítulos, mas por pessoas diferentes, e ao
juiz compete a escolha do final.
Com este olhar, todo o sistema é dirigido a seu ápice: a
sentença, seu momento definitivo.
E todas as garantias consagradas pelo iluminismo só têm
sentido – utilidade – tendo em vista o momento sublime: o
final da novela dworkiana.
Contraditório, ampla defesa, duplo grau, publicidade,
servem de apoio, de base, de suporte, ao ponto final: à deci-
são.
Poder-se-ia dizer, com razão, que este é o momento mais
precioso do espetáculo forense, aquele que dá o ambicionado
e repetido “ad nauseam” bem (ou o mal) da vida às partes.
Para o juiz é o local do gozo – processo enquanto “na-
moro” (conhecimento) – até o momento em que ele, juiz, “aca-
ba a função jurisdicional”.
Enfim, motivar é (a) dar respostas às indagações feitas
durante o processo; (b) dizer o porquê; e, (c) dar as razões de
fato e de direito.
466 CARVALHO, Amilton B. de; ROSA, Henrique M. da • A Radicalização Garantista na Fundamentação...

Dar as razões de direito, aqui, não deve ser compreen-


dido simplesmente como demonstrar obediência à lei; a mo-
tivação da decisão judicial deve assumir a lei, confirmá-la,
como em “um ato de interpretação reinstaurador” (Jacques
Derrida).
O juiz deve julgar cada caso como se a lei não existisse
previamente, ou seja, tendo que justificar a justiça da lei apli-
cada a cada instante. Ou, na precisa expressão derridiana, “a
decisão judicial deve ser simultaneamente regrada e sem re-
gra, conservadora da lei e também destrutiva ou suspensiva
da lei ao ponto de dever em cada caso reinventá-la, rejustifi-
cá-la ao menos na reafirmação e na confirmação nova e livre
de seu princípio”.
Aí reside a diferença das outras “motivações”, com que
se depara freqüentemente em outros campos do saber: aqui,
fala-se especificamente do campo do direito!
Claro que a motivação de uma decisão judicial não es-
capa a uma boa dose de subjetividade. A tarefa de relegitimar
a justiça da lei, bem como a própria necessidade de a prova
colhida ser apreendida – passar pela percepção do julgador –
, assim o determinam. Essa carga de subjetividade, todavia,
em nada desmerece a qualidade da motivação.
Um cético extremista não hesitaria em opor a esta sub-
jetividade os argumentos de que (a) todas as percepções são
relativas; e, (b) todo argumento depende da aceitação de algu-
mas premissas, que por sua vez também possuem pressupos-
tos, de modo que a argumentação sempre cai em um círculo
vicioso, onde nunca se alcança um fundamento absoluto e
sólido para uma decisão – é o que leva o cético a abandonar
qualquer pretensão de fundamentação.
No caminho da crítica à subjetividade, o positivismo
jurídico poderia, sem dificuldades, ser aproximado do ceti-
cismo. Claro que o cético nunca aceitaria a submissão dog-
mática do jurista à lei – o que, para o positivista, não repre-
senta transtorno algum –, mesmo porque a própria interpreta-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 467
ção dos dispositivos legais, ou ainda a percepção do julgador
sobre o fato que está em apreciação, já é algo problemático.
Nesse ponto, o cético parece ter avançado em relação ao posi-
tivista, pois este último acredita, fielmente, ser possível ex-
trair uma interpretação “neutra”, quer do fato em julgamento,
quer do dispositivo legal a ser aplicado.
Mas o que ambos temem são os reflexos da subjetivida-
de – subjetividade da fundamentação do conhecimento e sub-
jetividade da fundamentação das decisões judiciais.
O cético recusa-se a erguer qualquer proposição com
base em algum constructo racional, ao passo que o positivis-
mo jurídico tenta reduzir ao mínimo o espaço de subjetivida-
de do juiz ao sentenciar, para gerar decisões cada vez mais
uniformes, de modo a preservar a “segurança a jurídica”.
Aliás, o argumento da segurança jurídica tem uma forte
índole cética: se não se pode distinguir racionalmente as pro-
posições bem fundamentadas das más fundamentadas, o im-
portante é que se faça a mesma coisa com todos – quase um
direito à “injustiça isonômica”.
A oposição cética, acredita-se, não deveria conduzir à
renúncia a toda e qualquer tentativa de fundamentação. As
percepções realmente são relativas, e disso não há como esca-
par. Cada ser humano – não se esqueça que o juiz pertence a
este gênero maior – interpreta o mundo – por que não o pro-
cesso? – ao seu modo, com todos os seus condicionamentos
culturais e a partir do seu espaço histórico.
O pensamento contemporâneo é complexo, riquíssimo e
nada indica que algum dia ele encontre o seu termo. Mas a
relatividade das percepções e a impossibilidade de uma funda-
mentação última afirmam apenas o caráter problemático do
pensamento (e do próprio conhecimento). Nada impede que se
dê, a um entendimento ou a uma decisão judicial, boas razões,
sempre abertas a novos questionamentos e possíveis revisões.
Há, no ceticismo, uma paixão recôndita pelo absoluto –
já que não se pode fundamentar definitivamente, então que
468 CARVALHO, Amilton B. de; ROSA, Henrique M. da • A Radicalização Garantista na Fundamentação...

não se fundamente minimamente. No positivismo jurídico, a


paixão é explícita: o absoluto é aquilo que apara todas as ares-
tas, ou seja, a lei, imponente desde ela mesma, que se faz en-
tender por si e não depende de mínima atividade intelectual
do intérprete.
Enquanto o pensar não encontrar o seu fim, enquanto a
realidade continuar a se apresentar muito maior do que aqui-
lo que o pensamento consegue dela captar, só resta ao homem
assumir a temporalidade da maneira mais séria possível. A
reflexão, livre da compulsão patológica pelo absoluto, pode
assumir conscientemente a sua precariedade, sem que isso
implique em uma desqualificação total do próprio pensar. Jus-
tamente por isso não é temerário assumir a tarefa de colocar a
própria lei em suspenso – aliás, isso é uma exigência da con-
temporaneidade –, de reafirmar a justiça da lei que se está a
aplicar.
E como sentença vem de “sentir”, ela nada mais é do
que a expressão racional do sentimento que o juiz tem do fato
(prova coletada) e do direito (que não se confunde, por óbvio,
com a mera lei) que sobre ele (fato) incide.
Assim, a sentença é sua motivação. A não-motivada é
qualquer coisa, menos sentença. Então, a sentença sem moti-
vação deve ser considerada inexistente, muito mais do que
simplesmente nula!
Logo, a sentença – gize-se bem: igual a fundamentação/
motivação – não pode ser infantilizada: dizer “é assim”, quando
se deveria dizer “porque é assim”.
Por certo, a motivação carrega problemas. Calamandrei
ensina que ela “não se confunde com uma operação aritméti-
ca: é um ato muito mais complicado e misterioso, que tem
suas raízes na consciência moral e não se explica com as abs-
tratas leis dos números”.
Há algo mais – muito mais – do que a mera, e repetida
nos manuais, subsunção da lei ao fato: a aplicação do silogis-
mo formal aristotélico com deslocamento da região ôntica do
direito para a das ciências exatas.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 469
Primeiro: a verdade – e como se repete a máxima de
que o processo busca a “verdade real” – é tarefa do impossível
(depois de Jacinto Nélson nada mais há para dizer), tudo por-
que a verdade é o todo (Hegel), logo não “cabe” no humano.
A tarefa do juiz, no processo, é idêntica a do historia-
dor: afirma o passado mediante os signos que ficaram no pre-
sente. Logo, não pode dizer que “aconteceu assim”, mas sim,
pelo que se apurou aqui e agora, “penso que ocorreu assim”.
Historiador não afirma, presume. A “verdade” se dá por mera
aproximação, aquela que neste momento é possível extrair.
Ferrajoli diria que a verdade é ingenuidade epistemológica.
Enfim, “a verdade” é uma mentira!
Segundo: a sentença – leia-se: motivação/fundamenta-
ção – é, diria novamente Ferrajoli, um misto de saber e de
poder. Um misto de ordem (poder) e de intelecção, racionali-
dade (saber).
E quanto maior o saber, menor o poder (este é mera
conseqüência); quanto maior o poder, menor o saber (poder
é causa).
No entanto, a estrutura do saber judicante parte de pres-
suposto falho insuperável: o juiz sabe tudo! Em outras pala-
vras, tudo pode vir a juízo e o juiz tem o dever de responder
sobre tudo. François Ost bem apreendeu: do juiz moderno se
exige que pela manhã decrete a legalidade de uma greve, ao
meio-dia determine a interrupção de uma gravidez, pela tar-
de dissolva uma sociedade anônima.
Parece claro que, ante a impossibilidade do saber, as
pendengas judiciais resolvem-se como mero ato de poder!
Outro fator a complicar – ato decisório centrado funda-
mentalmente no poder – está na exigência pós-moderna da
velocidade, da rapidez nos julgamentos. Aqui reside, talvez,
o grande ataque que se faz ao Judiciário: a sua morosidade.
Todavia, pode-se entender que a velocidade desenfrea-
da garantista não é. Há contradição entre um e outro: motivar
é saber, velocidade é poder. E o saber necessita, como instru-
470 CARVALHO, Amilton B. de; ROSA, Henrique M. da • A Radicalização Garantista na Fundamentação...

mento de proteção à cidadania, das garantias iluministas: a


rapidez as inibe.
O tempo para a decisão não é aquele neuroticamente
exigido. O tempo para julgar é o necessário para conhecer
bem (logo, cercado das garantias).
Boaventura já ensinava que não se pode teorizar quan-
do se é o centro do conflito. Impõe-se um distanciamento desde
o recebimento da informação – exemplo: coleta da prova – até
a teorização. Necessário um tempo para afastar a emoção, para
que então possa vingar a razão. Um amadurecer.
Em algum lugar, falou-se que decidir não é ato tal qual
colocar alimento num forno microondas, em que se estabele-
ce um prazo certo para o descongelamento.
Acresce, ainda, como fator a abafar a razão, a espetacu-
lar banalização dos litígios, um volume de demandas que
transforma o saber em tarefa do impossível – o perverso se vê,
como conseqüência, na mera repetição do conhecimento con-
sagrado pelo senso comum.
O julgar perde seu conteúdo de eroticidade, tornando-
se pornográfico-burocrático.
O que se quer dizer, enfim, é que a rapidez não é garan-
tista!

Terceiro: Cappelletti ensina que muitas vezes as razões


do decidir não vêm expressas na sentença, por fatores consci-
entes – aqui há invasão no campo da ética – ou inconscientes
– aqui alcança a psicanálise porquanto imperceptível pelo
próprio julgador –, tudo a fazer com que o discurso da segu-
rança jurídica seja uma promessa incumprida do direito.
O que se espera é que, no possível (o ético, o conscien-
te), venha para a sentença exatamente aquilo que se passa na
cabeça do julgador e não seu escamoteamento, para que o ato
de poder possa ser debatido e alcançado por algum controle.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 471
3. Fundamentação como garantia
Mas o sonho ainda é a motivação enquanto possibilida-
de de garantia:
Um – do saber sobre o não-saber, como diminuição do
poder pelo poder;
Dois – do cidadão em relação ao arbítrio judicante:
receber respostas às indagações expostas no decorrer do
feito. Em outras palavras, ciência de que o “porquê” está
acima do simples “é assim” – este como conseqüência e
não como causa;
Três – da corte superior em relação à inferior: possibili-
dade do cidadão demonstrar a falibilidade do saber que fun-
da a decisão da qual se recorre;
Quatro – mas acima de tudo, porque é compromisso
social – neste momento sublime da “novela”, o juiz sela seu
compromisso com a sociedade: “o mundo deve saber das op-
ções do juiz ao julgar”, ou seja, todos, absolutamente todos,
têm o direito de saber por que o Estado-julgador tomou deter-
minada opção!
Aqui se dá a legitimação democrática: (a) interna, pelo
alcance do saber vindo no ato decisório aos litigantes e ao
próprio poder (instância superior); e, (b) externa, ciência à
própria sociedade.
Em tal contexto, não se pode entender como motivado
o ato do Juiz que:

(a)- não enfrenta todas, absolutamente todas, as teses


defensivas levantadas – inclusive em autodefesa no momen-
to do interrogatório – mesmo aquelas que possam parecer ab-
surdas ou óbvias (o óbvio só o é depois de demonstrado).
O não-enfrentamento caracteriza totalitarismo judican-
te ou, no mínimo, uma espécie de falta de educação proces-
sual.
472 CARVALHO, Amilton B. de; ROSA, Henrique M. da • A Radicalização Garantista na Fundamentação...

Há, aqui, agressão ao princípio constitucional da am-


pla defesa, que impõe sejam respondidas todas as teses le-
vantadas.
A radicalização garantista da fundamentação exige que
o debate sobre as teses se faça presente de forma ampla, pena
do princípio da defesa plena não se fazer presente, uma espé-
cie de sonegar o “saber” com o vingar exclusivo do “poder”.
A Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul assim enfrentou o tema:
“PROCESSO PENAL. SENTENÇA. NULIDADE. AUTODEFESA.
– No ato sentencial devem ser apreciadas absolutamente to-
das as teses defensivas, por mais absurdas que pareçam – prin-
cípios da ampla defesa e da obrigatoriedade da fundamenta-
ção decisória.
– As teses levantadas em autodefesa, mesmo que não encam-
padas pela defesa técnica, também devem ser objeto de análi-
se no ato sentencial, porque defesa o é.
– Decretaram a nulidade da sentença” (Apelação-Crime n.°
70008576449, 5ª Câmara Criminal, TJRS, julgada em 09/06/
2004).

(b)- apenas transcreve os depoimentos das testemunhas


e, após, expressa “diante disso, vinga a ação penal ora pro-
posta”. Apesar da espetacular agressão ao sistema – não dizer
o “porquê” – ainda é comum atos decisórios com tal conteú-
do. Em outras palavras, não se tem conhecimento de onde
veio o “saber”. O nada motivacional se faz presente.

(c)- unicamente repete os dizeres da lei. Vez mais das


“razões” não se sabe. Tudo fica por conta de discurso vago e
sem sentido. Em outras palavras, nada diz em relação ao su-
jeito que sofre o processo e com tamanha gravidade que tal
retórica serviria de fundamento – doentio, é verdade – para o
aprisionamento de qualquer cidadão, seja qual for o delito
cometido. O culto é da generalidade e não na direção de uma
pessoa localizada na história.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 473
E por mais incrível que possa parecer, ainda em pleno
século XXI, são incontáveis as decisões que mantêm cidadãos
presos cautelarmente mediante atos despidos de fundamen-
tação, ou seja, com fundamento na mera repetição legal.
Assim já decidiu a Câmara de Férias Criminal do extin-
to Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul:
“HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA.
Repetir termos da lei não é fundamentar mas obrar burocrati-
camente.
A gravidade do delito, por si só, não autoriza prisão preventi-
va. O abalo que eventualmente sofre a comunidade exige ra-
pidez processual e não prisão do cidadão ao arrepio da lei.
Concederam a ordem” (Habeas Corpus n.° 297039950, Câma-
ra de Férias Criminal, TARS, julgado em 07/01/1998).

(d)- “faz suas as motivações do Ministério Público” para


decretar prisão preventiva ou para negar liberdade provisória
ou indeferir benefícios aos condenados no curso da execução
penal.
Ora, encampar as razões do Ministério Público funda-
mentar não é, mas sim obrar burocraticamente. Sequer se sabe
se houve efetivamente apreciação da postulação.
O descompromisso com os valores democráticos é fan-
tástico: afinal, não se sabe quem fundamentou, a parte acusa-
dora ou o julgador.
Mas o escândalo maior está em que jamais se vê Juiz
encampar as razões do advogado de defesa para conceder be-
nefício, o que vem a demonstrar a relação incestuosa – logo
não-garantista e sim inquisitória – que se dá entre acusador e
julgador.

4. Para concluir
O que se quer afirmar é que a motivação é vital – indis-
pensável – ao possível controle dos atos do poder na demo-
cracia garantístico-processual. Um pouco mais radical: talvez
a única possibilidade.
474 CARVALHO, Amilton B. de; ROSA, Henrique M. da • A Radicalização Garantista na Fundamentação...

Sabe-se que este controle não é pleno, nem ilimitado,


mas é o que se tem ainda hoje para que o abuso do poder de
julgar possa ser minimamente temperado.
Mais incisivamente: é o controle possível ao poder ju-
dicante que, como todo o poder, tende inexoravelmente ao
abuso, não por eventual patologia ética dos seus agentes, mas
porque o poder por si só é fonte de inesgotável arbítrio, um
mal em si – necessário, é verdade, mas um mal.
Finalmente, é de se ter em conta que a sentença – moti-
vação/fundamentação – não é unicamente técnica, mas basi-
camente arte: ato de criação na busca do novo na direção da
radicalidade democrática, que na visão ferrajoliana é a outra
face da moeda do direito.

REFERÊNCIAS
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Trad. de Carlos Alberto
Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1993.
CARVALHO, Salo. Antimanual de Criminologia. Rio de Janeiro: Lu-
men Juris, 2008.
CHAUI, Marilena de Souza. O que é Ideologia? 2ª ed. São Paulo:
Brasiliense, 2003.
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Glosas ao “verdade, dúvi-
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476

19 – CRIMINOLOGIA, GARANTISMO
E TEORIA CRÍTICA DOS DIREITOS
HUMANOS: ENSAIO SOBRE O
EXERCÍCIO DOS PODERES PUNITIVOS*
Salo de Carvalho

“Pode-se conhecer bem a alma, os senti-


mentos, os princípios morais de um ho-
mem se ele não se mostrou ainda no
exercício do poder, governando e ditan-
do leis?” (Sófocles)

I. Vínculos temáticos
1. A discussão sobre direitos humanos e garantismo
penal será proposta a partir de dois vínculos que, desde a
perspectiva crítica que orienta a investigação, possibilitarão
compreender as virtudes e os limites do paradigma garantista
na tutela dos valores e interesses das pessoas.
O primeiro vínculo pode ser visualizado no plano dis-
cursivo, isto é, na elaboração teórica, na compreensão e no
reconhecimento dos direitos humanos como direitos e garan-
tias das pessoas. Neste sentido, o discurso da modernidade
sobre os direitos individuais encontra guarida e correspon-
dência em expectativas do garantismo penal clássico – con-

* As conclusões expressas no artigo são frutos da pesquisa intitulada “Mal-Estar


na Cultura Punitiva”, realizada junto ao Mestrado em Ciências Criminais da
PUCRS (instituição financiadora).
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 477
cepção teórica ilustrada do direito e do processo penal cen-
trada na busca de limitação do poder estatal punitivo atra-
vés da radicalização dos princípios da legalidade dos deli-
tos, da proporcionalidade e da humanidade das penas e da
jurisdicionalidade dos órgãos de decisão.
O segundo vínculo é estabelecido no plano da instru-
mentalidade, das práticas jurídicas cotidianas. Para além dos
discursos de (des)legitimação das políticas públicas que afe-
tam os direitos humanos (ferramenta proporcionada pela abor-
dagem teórica), o paradigma garantista contemporâneo apre-
senta mecanismos que devem ser valorados em sua
(in)idoneidade para impulsionar ações cotidianas de efetiva-
ção de direitos.
O objetivo da pesquisa é, portanto, estabelecer, desde
os pontos de vista teórico e prático, diagnóstico sobre as po-
tencialidades do garantismo jurídico. Ao densificar seus pon-
tos de tensão, é possível vislumbrar quando o garantismo é
capaz de fornecer respostas satisfatórias, bem como apontar
suas incapacidades, de forma a encontrar alternativas viáveis
à tutela dos direitos fundamentais, e, inclusive, eximir o mo-
delo em análise de respostas às quais não possui condições
de resolutividade.

II. O paradoxo da expansão dos direitos humanos e do


poder punitivo: reversibilidade em primeiro grau (crítica)
2. Como é notório desde a perspectiva da filosofia polí-
tica, os inúmeros atos e as diversas enunciações de fundação
da Modernidade estiveram associados à idéia básica da ne-
cessidade de diluição e de contenção dos poderes, sobretudo
os punitivos. A experiência proporcionada pelos sistemas
penais do baixo medievo colocou em marcha processos polí-
ticos emancipadores e reforçou movimentos intelectuais crí-
ticos à legitimidade e ao exercício repressivo das agências in-
quisitórias de punitividade.
478 CARVALHO, Salo de • Criminologia, Garantismo e Teoria Crítica dos Direitos Humanos

Não por outro motivo, com a invenção (em sentido ge-


nealógico) dos direitos humanos pelo liberalismo político, o
papel auferido ao direito e ao processo penal foi o de cons-
truir barreiras ao poder de punir, limitando ao máximo sua
intervenção. O sistema clássico de tutela de direitos e de ga-
rantias individuais através da ação inibidora dos discursos
penal e processual penal harmonizou-se plenamente àquela
concepção omissiva do Estado liberal.
A matriz contratual forneceu à filosofia política o dis-
curso necessário para legitimação do poder punitivo. Se no
estado de natureza o lupus naturalis, em razão da insaciabili-
dade dos seus desejos e da limitação dos objetos de satisfação
(desejos ilimitados, bens limitados), impõe a lei do mais for-
te, ao ser negado nasce como condição intervenção externa
para cessar o estado de guerra que sucederia ao acúmulo e
reprodução infinita das violências. O Estado, como produto
de pacto social livremente firmado por todos os membros da
comunidade, anularia/limitaria o bárbaro no humano, traçando
o rumo à conquista da civilização (processo civilizatório). A
resposta pública (pena estatal) aos danos provocados às pes-
soas pelas agressões e perversidades remanescentes no hu-
mano (violências e restos bárbaros), afirmaria de forma cate-
górica a opção da comunidade pela civilização. Civilização e
barbárie seriam face e contraface da condição do homem no
mundo Moderno.
Ao Estado liberal, portanto, é auferida a responsabilida-
de de limitar duas formas diversas de agressão, dois distintos
desejos (vontades) de violência: violência privada, refletida
no dano individual provocado pelo desejo do lupus naturalis
de gozar de bens (materiais e imateriais) inacessíveis pela sua
escassez ou decorrentes do excesso passional introduzido na
reação às agressões ilegítimas (justiça privada); violência pú-
blica, verificável no abuso de poder (vontade de punição) das
agências repressivas do lupus artificialis quando dos exercí-
cios legítimos (Weber) ou ilegítimos (direito penal subterrâ-
neo ou do terror) das violências.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 479
3. Com a transformação política e econômica do Estado
Moderno, as perspectivas sobre a marcha do processo civili-
zatório foram modificadas. A necessidade de intervenção na
realidade social, em detrimento da posição absenteísta ad-
quirida pelas instituições públicas no liberalismo, amplia o
papel e os interesses do Estado e fomenta o crescimento de
sua burocracia. Nota-se, ademais, que a incorporação da idéia
de risco (sociedade do risco) pelas instituições maximizou as
formas de intervenção e administrativização do direito e do
processo penal.
Assim, a idéia de direitos fundamentais é ampliada, so-
brepondo-se à limitação original imposta pelos direitos indi-
viduais. O processo de criação, reconhecimento e efetivação
de direitos coletivos (direitos sociais e transindividuais), ope-
rou profundo câmbio nas esferas de intervenção estatal, in-
clusive no campo do direito penal. Se a reação dos movimen-
tos ilustrados contra as práticas inquisitoriais pressupõe mo-
delo rígido de garantias como limite ao poder punitivo arbi-
trário, consolidando o direito e o processo penal como meca-
nismos de contenção, a segunda era dos direitos (Bobbio) ao
mesmo tempo em que fragmenta (descaracteriza a unidade),
maximiza a principiologia originária com a inclusão de no-
vos bens passíveis de reconhecimento e tutela.
O acréscimo de intervenção em matéria penal ocorre,
portanto, em dois níveis: (a) ampliação dos horizontes de cri-
minalização (criminalização primária); e (b) alteração dos fun-
damentos do ius puniendi (direito de punir). Ambas as pers-
pectivas operam no sentido de auferir nova legitimidade à
ação das agências de punitividade (agências legislativas, ju-
diciárias e executivas).
3.1. No âmbito da criminalização primária, a densifica-
ção da punibilidade ocorre com a criação de novos tipos pe-
nais incriminadores com o objetivo de proteção dos novos
valores e dos novos interesses alçados à categoria de bens ju-
rídico-penais. Paralelas ao reconhecimento formal (jurídico)
480 CARVALHO, Salo de • Criminologia, Garantismo e Teoria Crítica dos Direitos Humanos

dos direitos sociais pelos órgãos estatais, políticas públicas


são elaboradas para efetivação. Veja-se, por exemplo, a conso-
lidação legal dos direitos trabalhistas e previdenciários e a
criação de agências estatais de fomento à sua efetivação. No
entanto, para além desta prestação positiva fornecida pelos
poderes no âmbito da administração pública, o direito penal
é incumbido da tarefa de proteger estes novos bens jurídicos.
Neste quadro são tipificados os crimes contra a organização
do trabalho e contra a previdência social.
A legitimação do direito penal como instrumento idô-
neo para proteção e efetivação dos direitos sociais e transin-
dividuais deriva da concepção romântica que lhe atribui, como
missão, a tutela de bens jurídicos. Nota-se, pois, sob a justifi-
cativa da proteção dos direitos humanos, a ampliação do rol
das condutas puníveis e conseqüentemente do horizonte de
projeção da punitividade. Verifica-se, na transformação do
modelo jurídico-penal liberal, o primeiro influxo de reversi-
bilidade ideológica.
3.2. Paralelo à maximização do direito penal à esfera
dos direitos sociais e transindividuais, o cenário punitivo as-
sistiu no período entre as Guerras Mundiais à elaboração de
modelos de intervenção autoritários que pautaram sérias trans-
formações do direito penal e processual penal durante o sé-
culo XX e que são reanimados na atualidade, sobretudo com
as doutrinas de exceção do funcionalismo penal de inimigo.
Conforme ensina Juan Ramón Capella (1997), “en la fase de
experimentación e innovación de entreguerras se extendió una
ambivalente ideología penal preventiva, paternalista en el
mejor dos casos, que hacía hincapié en el concepto de ‘peli-
grosidad social’; en ella hay fuertes elementos de una concep-
ción penal totalitaria.”1

1
CAPELLA, Fruta Prohibida: una Aproximación Histórico-Teorética al Estudio
del Derecho y del Estado, p. 223.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 481
Os modelos de periculosidade individual ou social, tí-
picos das doutrinas de defesa social e inspirados no tipo ideal
lombrosiano, criam estatutos penais de cunho behaviorista
anti-secularizados. Se a limitação do poder punitivo no dis-
curso liberal-ilustrado se harmoniza com o discurso dos di-
reitos humanos em face do respeito à diversidade do outro,
resultado da radical separação entre direito e moral – o delito
deixa de ser considerado quia peccatum para, desde o postu-
lado da legalidade, adquirir caráter quia prohibitum –, as dou-
trinas de defesa social substancializam e ontologizam o deli-
to. Neste quadro, para além da legalidade e da ofensa concre-
ta aos bens jurídicos, o desvio se qualifica pelo caráter imoral
e anti-social da conduta. A abertura dos tipos incriminadores
produz ruptura nos mecanismos formais de limitação da pu-
nitividade, cujo efeito será a potencialização do poder de co-
ação direta (poder de polícia), estado ótimo do direito penal
de exceção.2
3.3. No que diz respeito aos fundamentos do direito de
punir, o liberalismo penal havia consolidado teoria da pre-
venção geral negativa (Beccaria e Feuerbach) segundo a qual

2
Segundo Capella, “la idea de ‘peligrosidad social’, esto es, de que determinadas
personas son predelincuentes aunque jamás hayan delinquido, no es de todo
extraña a la cultura jurídica del estado gendarme. En realidad es expresión
suya fantasía lombrosiana del ‘criminal nato’” (CAPELLA, Fruta… p. 224). Tais
mutações substancializadoras revificam modelos de exceção, na atualidade
identificados no paradigma do inimigo: “questa mutazione colpisce innanzitutto
la configurazione della fattispecie punibile. E si esprime in un’accentuata
personalizzazione del diritto penale dell’emergenza, che è assai più un diritto
penal del reo che un diritto penale del reato (…). E si configura tendenzialmente
come un reato di status, più che come un reato di azione e di evento, identificabile,
anziché con prove, con valutazioni referite alla soggettività eversiva o
sostanzialmente antigiuridica del suo autore. Ne è risultato un modelo di
antigiuridicità sostanziale anziché sui reati, e che corrisponde a una vecchia e
mai spenta tentazione totalitaria: la concezione ontologica – etica o naturalistica
– del reato como male quia peccatum e non solo quia prohibitum, e l’idea che si
debba punire non per qual che si è fatto ma per quel si è” (FERRAJOLI, Diritto e
Ragione: Teoria del Garantismo Penale, pp. 858-859).
482 CARVALHO, Salo de • Criminologia, Garantismo e Teoria Crítica dos Direitos Humanos

a pena deveria atuar como elemento de dissuasão do delito


através da coação psicológica. A concretização individualiza-
da do ius puniendi no infrator geraria no corpo social não ape-
nas respeito pelas normas ditadas pelo Estado como temor
pela punição, elementos que desenvolvidos na cultura dimi-
nuiriam os índices de criminalidade.
Contudo, o sentido positivo que as ações dos poderes
públicos passam a receber não permite que o exercício do
direito de punir esteja direcionado apenas aos cidadãos que
não cometeram crimes, esquecendo-se da principal peça da
engrenagem criminosa: o delinqüente. Se o objetivo final da
civilização – corporificada e instrumentalizada pelo Estado
Moderno, seja em sua dimensão liberal-absenteísta como na
social-intervencionista –, é o fornecimento das condições for-
mais e materiais que possibilitem aos membros da comuni-
dade atingir plena realização pessoal (ideal de felicidade),
fundamental, em contraponto, diminuir quaisquer óbices ao
devir idealizado e os fatores que geram sofrimento.
Neste quadro, a sanção estatal deve adquirir sentido
positivo, promovendo não somente coação aos não-desvian-
tes (temor pela autoridade), mas fornecendo meios para que o
criminoso não incorra novamente no delito e seja integrado
na e pela comunidade. O exercício do direito de punir passa a
ser norteado pela idéia de prevenção especial positiva, con-
solidando as teorias de ressocialização, recuperação e regene-
ração do criminoso elaboradas pela criminologia positivista
(paradigma etiológico-causal).

4. O paradoxo vivenciado nos discursos e nas práticas


associadas ao humanismo é o de que se por um lado a altera-
ção do papel do Estado proporciona o reconhecimento de
novos valores, ultrapassando a limitada perspectiva indivi-
dualista, por outro potencializa a atuação das agências puni-
tivas, engrenagem radical no mecanismo estatal de controle
social associada à violação dos direitos humanos.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 483
Assim, se o incremento e a ampliação dos interesses e
dos valores a serem protegidos pelo Estado são densificados,
proporcionando espetacular giro no sentido histórico dos di-
reitos humanos, acoplado está o efeito perverso de maximiza-
ção das malhas repressivo-punitivas face à ingênua conclusão
de que o direito penal seria instrumento idôneo para tutelar os
novos bens jurídicos. Ou seja, o Estado Social, ao convocar as
agências repressivas, lhes aufere a missão de proteção dos novos
interesses, fundado na crença em sua capacidade preventiva.
Ocorre que este processo não fica limitado apenas ao
impulso à criminalização primária (elaboração de tipos penais),
cujo efeito será a desregulamentação da matéria codificada (des-
codificação). Se o Estado deve intervir de forma a proteger fu-
turas ofensas aos bens jurídicos, tal perspectiva não se restrin-
ge apenas aos novos valores e à esfera normativa. A interven-
ção deve ser ampla: no aspecto legal deve atingir pela coação
psicológica os não-desviantes (teorias de prevenção geral ne-
gativa), inibindo o corpo social da prática delitiva através do
temor da pena; e no plano executivo deve atingir o autor do
crime, criando condições para atuação do corpo criminológico
sobre o desviante, com objetivo de reabilitação (teorias de pre-
venção especial positiva), de forma que não volte a delinqüir.
Nos dois âmbitos de intervenção investigados (crimina-
lização primária e punição3), pode ser verificada a inversão

3
A criminalização secundária – incidência das agências de punitividade –,
deixa de ser abordada neste estudo em face de a investigação não recair sobre
a desigual operacionalização da repressão penal ou sobre a “imunização” de
determinados grupos e atores sociais dos processos de criminalização.
Logicamente tais fatores são extremamente ricos para a verificabilidade dos
níveis de adequação das práticas punitivas com os valores humanitários –
não por outro motivo é tema central na análise criminológica. Todavia, este
aspecto não foi privilegiado por ser este tipo de violação aos direitos humanos
fruto da operacionalização do sistema, entendido, desde o discurso oficial,
como disfunção. O objetivo da pesquisa, ao contrário, é demonstrar como os
discursos ganham reversibilidade em sua própria lógica, isto é, como
produzem violação de direitos humanos mesmo atuando de maneira ótima
segundo sua programação oficial.
484 CARVALHO, Salo de • Criminologia, Garantismo e Teoria Crítica dos Direitos Humanos

ideológica do discurso dos direitos humanos, entendendo-se


por reversibilidade “a condição do direito de ser interpretado
e aplicado em um ou outro sentido, inclusive contraditórios
entre si.”4 Tal diagnóstico é possibilitado pela ampla literatu-
ra crítica em criminologia produzida no século passado, des-
de a crítica às funções declaradas e às realmente exercidas
pelas agências penais, sobretudo as instituições totais (Me-
lossi, Pavarini, Baratta), até a ruptura que a expansão do di-
reito penal gerou nos sistemas de garantias penais e proces-
suais penais (Ferrajoli, Hassemer, Zaffaroni).

III. A reversibilidade do direito penal e a


inversão ideológica dos Direitos Humanos

“É uma experiência eterna que todo homem que


detém poder é levado a dele abusar; ele vai até
onde encontra limites. Quem diria! Até a virtude
tem necessidade de limites.” (Montesquieu)
5. David Sánchez Rubio anota que a condição de rever-
sibilidade do direito é importante aspecto a ser considerado,
sobretudo quando se pretende obter (ou não obter) ações ins-
titucionais conformes (ou contrárias a) projetos de justiça. O
fenômeno da reversibilidade ganha amplitude quando diag-
nostica o fato de as pessoas comuns, bem como os profissio-
nais do direito (inclusive alguns setores da crítica, acrescen-
te-se), padecerem de confiança quase ingênua no que diz res-
peito ao nível jurídico-positivo dos ordenamentos, esquecen-
do e ignorando as tramas sociais de dominação e de império
que constituem o paradigma normativo. 5, 6

4
SÁNCHEZ RUBIO, Reversibilidade do Direito: os Direitos Humanos na Tensão
entre o Mercado, os Seres Humanos e a Natureza, p. 23.
5
SÁNCHEZ RUBIO, Reversibilidade..., pp. 23-24.
6
Interessante notar a transversalidade ideológica e a força que positivismo
jurídico adquire, atingindo em pontos estratégicos a própria crítica ao direito
(penal) – “(...) el concepto de control social formalizado aparece íntimamente
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 485
Inegavelmente tem-se como salutar o processo de posi-
tivação dos direitos humanos, o qual possibilitou o reconhe-
cimento pelas instituições e a criação de institutos (garantias)
formais para proteção e efetivação. Aliás, importante dizer
que “no se cuestiona el estado de derecho, ni la constitución
ni los derechos reconocidos, sino su funcionamiento automá-
tico, su lógica de aplicación que es capaz de anular el recono-
cimiento de la capacidad que el ser humano posee de ser suje-
to de derechos. Lo formal, absolutizado, es la fachada de una
realidad que vulnera en su funcionamiento la capacidad de
lucha de los sujetos.”7
Notadamente quando se opera com poder punitivo, ou
seja, com violências organizadas dirigidas contra pessoas e
coletivos vulneráveis, fundamental ter presente a alta capaci-
dade de mutação do discurso e das práticas (reversibilidade).
No âmbito de atuação das agências de punitividade, o pressu-
posto de respeito mínimo aos direitos humanos é a inflexível
vigilância do seu cotidiano, pois, ao laborar com violência, as
possibilidades de extravasamento do poder são constantes.
Se no paradigma liberal orientado pelo projeto de atua-
ção episódica do direito penal é possível notar a freqüência

relacionado con otras misiones del Derecho penal. La Administración de Justicia


penal solo puede proteger ‘con efectividad’ a largo plazo los bienes jurídicos
cuando las personas, convencidas de la bondad de las normas, cooperan en
esa función protectora. Los valores que se realizan cuando el control social está
formalizado son, pues, vitales para una sociedad. El Derecho penal, al emplear
sus instrumentos, respetando y afirmando en la práctica esos valores, lleva a
cabo una función pedagógica social: reforzar los valores éticosociales de la acción
resolviendo y elaborando los conflictos más graves que produce la conducta
desviada (…). La misión del Derecho penal se extiende, pues, tanto a la protección
de bienes jurídicos, como a la afirmación y aseguramiento de las normas por la
formalización del control social jurídicopenal. Se pueden resumir en esta
fórmula: el derecho penal debe proteger a través del control formalizado, los
intereses humanos que no pueden ser defendidos de otra manera” (HASSEMER
& MUÑOZ CONDE, Introducción a la Criminología y al Derecho Penal, pp.
121-122).
7
SÁNCHEZ RUBIO, Filosofía, Derecho y Liberación en América Latina, pp. 258-
259 (grifou-se).
486 CARVALHO, Salo de • Criminologia, Garantismo e Teoria Crítica dos Direitos Humanos

do transbordamento das práticas punitivas, com a expansão


operada pelo Estado intervencionista a patologia ganha legiti-
midade.
Parece, portanto, que os pontos nodais da discussão entre
direitos humanos, criminologia e direito penal estão radica-
dos em duas concepções distintas sobre o Estado e suas insti-
tuições: concepção otimista (romântica) dos poderes (puniti-
vos), que pressupõe suas ações e omissões como legítimas e
tendentes à efetivação dos direitos humanos – o Estado, como
entidade derivada do contrato social, criaria condições de
anulação das perversidades do homem natural e alavancaria
o processo civilizatório; concepção pessimista (trágica) dos
poderes, que pressupõe violência contra os direitos humanos
em seu agir (direitos individuais) ou omitir (direitos coleti-
vos) – o lupus artificialis, detentor de desejos e vontades de
violência, longe de anular as perversidades do lupus natura-
lis, as potencializa, pois criado e operado por ele.

6. A teoria tradicional dos direitos humanos, fundada


na perspectiva romântica quanto às virtudes dos poderes cons-
tituídos pelos Estados Modernos (Legislativo, Executivo e Ju-
diciário), pressupôs a normatização dos direitos e a previsão
de garantias como suficientes para frear ou anular os exces-
sos das agências punitivas. O efeito perverso da incorporação
acrítica desta concepção de filosofia política é tornar consen-
sual a idéia de constituírem os direitos humanos status indi-
viduais e coletivos regalados à cidadania pelo lupus artificia-
lis. Diferentemente de serem encarados como direitos subme-
tidos à criação e ao reconhecimento no processo histórico, os
direitos humanos são invariavelmente confundidos com be-
nefícios que o poder público concede.
Desenvolve, pois, no seio das instituições (e dos seus
operadores), o sentimento de que elas próprias são titulares
de direitos aos quais os cidadãos devem estar submetidos,
devem respeito (obrigações). E, no confronto entre ambos (di-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 487
reitos da cidadania e direitos das instituições), os critérios
dogmáticos de interpretação e resolução dos conflitos (pon-
deração de valores) invariavelmente dão preponderância aos
valores e aos interesses do Príncipe (interesse público ou de
Estado), sacrificando os princípios.
A absolutização dos interesses das agências de puniti-
vidade (vontade de punir) em detrimento dos direitos huma-
nos como sucedâneo da concepção otimista em relação ao exer-
cício dos poderes públicos deriva igualmente dos modelos teó-
ricos (Teoria do Estado e Teoria da Constituição) que hierarqui-
zam e relativizam direitos. Assim, se os princípios são passí-
veis de relativização, podem ser sacrificados em nome da or-
dem pública, do interesse público, do bem comum – regras apó-
crifas legitimadoras das lesões aos direitos fundamentais.
David Sanchéz Rubio, ao analisar as teses de hierarqui-
zação e de impossibilidade fática de plena realização dos di-
reitos, sustenta que “estos dos problemas obligan siempre a
establecer y definir un criterio de preferencias, un orden de
prelación que establezca cuáles son los derechos vigentes y
qué derecho o qué conjunto de derechos tienen prioridad so-
bre el resto, en el caso de que se colisionen entre sí. El sistema
político y jurídico establece, por tanto, un conjunto jerarqui-
zado y organizado de derechos humanos, en donde un dere-
cho o un grupo de derechos se consideran de manera a priori
como derechos fundamentales que mediatizan y relativizan
al resto. Se convierten en principio de jerarquización de todos
los demás. Su superioridad impide que ese derecho o grupo de
derechos fundamentales se puedan sacrificar por otros dere-
chos. El resto, en cambio, como se relativizan si son sacrifica-
bles.”8
Os graus de reversibilidade do discurso e de inversão
ideológica do sentido histórico dos direitos humanos no cam-
po das práticas punitivas são perceptíveis na maior ou menor

8
SÁNCHEZ RUBIO, Filosofia..., p. 252.
488 CARVALHO, Salo de • Criminologia, Garantismo e Teoria Crítica dos Direitos Humanos

apropriação dos direitos da coletividade ou uso dos direitos


das instituições, como justificativa às lesões dos direitos fun-
damentais de indiciados, réus e condenados. Não por outro
motivo se pode notar nas motivações dos atos de coação o
esforço em tornar natural a absorção dos interesses da coleti-
vidade pelo Estado penal.
Ao valorizar e legitimar a ruptura dos direitos dos indi-
víduos e dos grupos sociais desde o discurso mesmo dos di-
reitos humanos, contrapondo indivíduos, sociedade e/ou Es-
tado, as instituições punitivas ocultam a satisfação dos seus
próprios interesses, dos desejos de punição do lupus artificia-
lis. Nestes casos é possível diagnosticar em nível pleno o
processo de reversibilidade e inversão ideológica que substan-
cializam os Estados contemporâneos.
López Calera, ao avaliar os aspectos negativos concre-
tos que conformaram as filosofias substancialistas (não subs-
tancializadoras) do Estado, constata que “nadie que ni tenga
los ojos cerrados dejará de reconocer que en los últimos tiem-
pos el Estado ha ido afirmándose sobre el individuo y, esto es
lo grave, de manera injusta. La amplia y ambigua utilización
de categorías como ‘interés del Estado’ o ‘interés público’ han
producido graves daños a los derechos individuales. Esa ex-
pansión negativa del Estado no es ya una característica pro-
pia de las dictaduras, en las que se llega a los extremos más
radicales e injustos, sino que con desgraciada frecuencia está
afectando también a los Estados democráticos de Derecho”9
7. Não apenas no âmbito das práticas formais punitivas
e de repressão ao desvio punível, mas inclusive no discurso
dos agentes e dos movimentos sociais de defesa dos direitos
humanos, é estranhamente natural verificar a demanda pelo
direito penal e a contraposição entre direitos. Não é difícil
explicar, portanto, a convalidação e o consentimento com as

9
LÓPEZ CALERA, Yo, el Estado: Bases para una Teoria Substancializadora (no
Substancialista) del Estado, pp. 64-65.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 489
lesões aos direitos individuais em nome da eficácia dos cole-
tivos ou institucionais.
Segundo esta perspectiva, em face da inexistência de
direitos absolutos – tese que invariavelmente atinge apenas
os direitos de primeira geração –, quando da contraposição
entre interesses individuais e coletivos e/ou institucionais, os
critérios de resolução permitiriam a relativização daqueles (in-
dividuais) em nome da prevalência destes (coletivos ou insti-
tucionais). Os princípios de garantia dos direitos individuais,
portanto, seriam preteridos em relação aos demais, sendo mo-
mentaneamente afastados como forma de assegurar a efetivi-
dade dos interesses sociais/públicos.
O primeiro equívoco nesta concepção é o de perceber
os direitos e as garantias individuais como de natureza priva-
da, de caráter egoístico, e de tutela e propriedade exclusiva
do sujeito que postula seu reconhecimento e respeito. Dentre
as inúmeras dimensões possíveis dos direitos humanos, a
marca comum caracterizadora é a dimensão pública. Assim
como é de interesse público a tutela dos direitos dos coletivos
(v.g. direito ao trabalho, à educação, à saúde) e dos direitos
transindividuais (v.g. direito ao meio ambiente equilibrado,
ao patrimônio cultural e artístico), o zelo pelos princípios con-
sagradores do devido processo (ampla defesa, paridade de ar-
mas, duplo grau de jurisdição, presunção de inocência, proi-
bição da dupla incriminação, fundamentação das decisões, juiz
natural e imparcial, proibição de provas ilícitas) e do direito
penal de garantias (legalidade de delitos e penas, taxatividade
e anterioridade da lei penal, proporcionalidade e humanidade
das penas, responsabilidade penal pessoal e subjetiva)10 cor-

10
Ferrajoli apresenta 11 categorias caracterizadoras do sistema garantista: pena,
delito, lei, necessidade, ofensa, ação, culpabilidade, juízo, acusação, prova e
defesa. Cada uma, excetuando a primeira, designa condição necessária para
atribuição de pena.
Os axiomas não expressam proposições assertivas, mas prescritivas. Trata-se
de implicações deônticas e supõe opção ético-política em favor dos valores
490 CARVALHO, Salo de • Criminologia, Garantismo e Teoria Crítica dos Direitos Humanos

responde a um dos pilares de sustentação dos Estados demo-


cráticos de direito. O interesse público de resguardar os direi-
tos das pessoas passa, inexoravelmente, pela opção de não
submeter cidadãos à experiência degradante do processo ou
da pena sem o rigoroso respeito das regras do jogo.
O segundo equívoco ao se hierarquizar os direitos hu-
manos, estabelecendo-se critérios de prevalência da segunda,
terceira e quarta gerações de direitos em detrimento da pri-
meira, é o de produzir sua fragmentação metodológica, redu-
zindo em qualidade e quantidade os direitos individuais. Esta
situação é potencializada pelos textos constitucionais contem-
porâneos, notadamente pela prevalência da noção geracional
sugerida por Bobbio11. O constitucionalismo tradicional, por-
tanto, gradua e desdobra os direitos em segmentos próprios,
definindo não apenas a estética das Constituições atuais como
o conteúdo da linguagem e do discurso sobre os direitos hu-
manos.
Desde a perspectiva crítica, inexiste conclusão diversa
senão a da impossibilidade de hierarquização ou confronto
entre direitos individuais, coletivos e/ou transindividuais, ou
ainda da prevalência dos direitos das instituições sobre os

normativamente tutelados. Cada implicação deôntica (princípios) que se


compõe a partir das categorias enuncia condição sine qua non para a aferição
da responsabilidade penal e para a aplicação da pena, isto é, condição
necessária na ausência da qual não está permitido, ou está proibido, castigar.
As condições têm natureza penal (delito, lei, necessidade, ofensa, ação e
culpabilidade) e processual (juízo, acusação, prova e defesa).
A conformação do modelo penal de garantias resulta da adoção de dez
princípios axiológicos fundamentais, não derivados entre si, que seguem a
tradição ilustrada: (a) nulla poena sine crimine; (b) nullum crimen sine lege;
(c) nulla lex (poenalis) sine necessitate; (d) nulla necesitas sine iniuria; (e)
nulla iniuria sine actione; (f) nulla actio sine culpa; (g) nulla culpa sine iudicio;
(h) nullum iudicium sine accusatione; (i) nulla accusatio sine probatione; (j)
nulla probatio sine defensione. Os princípios, ordenados e conectados
sistematicamente, definem as regras do jogo fundamentais no direito e no
processo penal, e convertem-se nos princípios jurídicos do Estado de Direito
(FERRAJOLI, Diritto..., pp. 68-69).
11
BOBBIO, L’età dei Diritti, pp. 45-65.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 491
demais. O vício potencializado pela perspectiva geracional,
cuja virtude é meramente didático-metodológica, é comparti-
mentalizar os direitos, fragmentando sua unidade e criando
falsas dicotomias, como se fosse possível, p. ex., tutelar os
direitos sociais sem estarem garantidos os individuais.
O critério de eleição dos valores que devem ser sacrifi-
cados ou preservados, “(...) sea en términos de principios, de
derecho natural o de ordenamiento jurídico estatal, acaba si-
endo la repetición de viejas prácticas de elección ideológica
de un discurso simbólico, que se tiene como correcto, con ca-
pacidad de justificar todo el sistema cuando en realidad se
basa en fórmulas vacías que cumplen la función de legitimar
determinado poder instituido.”12
A cisão inerente à idéia geracional conduz à contrapo-
sição dos titulares dos direitos, criando oposição fictícia que
se perfaz em situação fática contenciosa entre indivíduos (ti-
tulares dos direitos individuais) e sociedade civil (titular dos
direitos sociais e transindividuais), bem como entre estes (in-
divíduos e/ou sociedade civil) e Estado (instrumentalizador
da efetivação dos direitos e titular dos direitos institucionais).
Este método de despedaçamento, típico da obsoleta concep-
ção cartesiana que funda a ciência Moderna e que obtém como
efeito concepção beligerante entre os interesses reivindica-
dos e entre seus legítimos titulares, obscurece o pensamento
e a ação voltada à efetivação dos direitos humanos. Obtém,
contudo, como produto, a legitimidade do discurso de exce-
ção que absolutiza o combate à criminalidade e torna refém
os direitos e as garantias individuais.

8. Ao confrontar a concepção tradicional de direitos hu-


manos com a postura crítica (trágica), torna-se fundamental
nova conceituação que permita avançar em direção à cons-
trução de novas práticas de respeito à alteridade e à dignida-

12
SÁNCHEZ RUBIO, Filosofía…, p. 250.
492 CARVALHO, Salo de • Criminologia, Garantismo e Teoria Crítica dos Direitos Humanos

de da pessoa humana. A marca principal do novo modelo te-


órico, inegavelmente, é a superação da metafísica que envol-
veu a idéia de direitos humanos tanto em 1789 como em 1948,
e desdobrou as idealizações e formalismos expostos.
Conforme ensina Herrera Flores, “los derechos huma-
nos no son categorías normativas que existen en un mundo
ideal que espera ser puesto en práctica por la acción social.
Los derechos humanos se van creando e recreando a medida
que vamos actuando en el proceso de construcción social de
la realidad.”13
O vício metafísico que envolve a cultura judaico-cristã
ocidental fomentou excessos de normativismo cujo resultado
histórico foi desde o baixo grau de efetivação à inversão ideo-
lógica dos direitos humanos. Dos substanciais problemas as-
sociados aos critérios artificiais de hierarquização de direi-
tos, os quais permitem que se opte por determinados valores
e interesses em detrimento de outros, agregam-se critérios
igualmente fictícios de exclusão de sujeitos da possibilidade
de acesso aos direitos humanos.
No campo das punibilidades, os distintos sistemas pe-
nais da Modernidade fomentaram a objetificação dos sujeitos
criminalizados, seqüestrando sua capacidade discursiva e sub-
metendo-os aos laboratórios policialescos e criminológicos.
As práticas investigativas e processuais autoritárias, ofusca-
das pelo discurso napoleônico de harmonização dos sistemas
inquisitório e acusatório (sistemas mistos14 ), lograram ser inse-

13
HERRERA FLORES, Hacia una Visión Compleja de los Derechos Humanos,
p. 27.
14
Com o Código de Napoleão nasce o denominado “processo misto”. Franco
Cordero sintetiza o efeito desta elaboração legislativa: “e assim, pela Lei de 17
de novembro de 1808, nasce o chamado processo misto, monstro de duas
cabeças: nos labirintos escuros da instruction [instrução preliminar] reina Luís
XIV; segue uma cena disputada coram populo. Para alguns obra-prima. (...).
Jean Constantin, Charles Domoulin, Pierre Ayrault, julgam-na menos bem:
existe um abismo, nota o último, entre ‘instrução secreta’ e pública; ‘é fácil a
portas fechadas ajustar ou diminuir, produzir brigas ou impressões’; a audiência
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 493
ridas quase na totalidade dos códigos processuais penais de
tradição romano-germânica. Assim, transformaram o indicia-
do-réu em objeto de investigação e, ao minimizar seu potencial
de fala (ou silêncio), reduziram o réu a mero meio de conquista
da verdade (elemento probatório) no teatro processual.
As experiências penais e criminológicas, forjadas pelos
modelos científicos integrais inspirados na ideologia de defe-
sa social, abdicaram do projeto secularizado de responsabili-
zação do sujeito pelos resultados externos da ação (direito pe-
nal do fato – mala prohibita) para submetê-lo à aplicação ju-
dicial de pena baseada em valorações da sua história e suas
opções de vida, sujeitando-o, posteriormente, ao laboratório
das pedagogias reformadoras (direito penal de autor – mala
in se).
Nota-se, pois, que “a sensibilidade inquisidora é uma
constante que, de todos os tempos, se dedica a perseguir aque-
les que não pensam, ou não vivem, segundo essa lógica do
‘dever ser’, que determina, a priori, de maneira abstracta, o
conformismo ambiente.”15
O processo de reconfiguração da identidade do crimi-
nalizado em criminoso em todos os níveis e etapas da perse-
cução penal reflete o problema desta concepção metafísica
dos direitos humanos. Ao totalizar o fato delituoso e negar a

pública garante um trabalho limpo; ‘haverá sempre alguma coisa a ser dita
novamente’ sobre os juízos não produzidos em público, do começo ao fim;
‘esta face composta de mais olhos, mais orelhas, mais cabeças, que aquelas de
todos os monstros e gigantes dos poetas tem mais força... para penetrar até as
consciências e ali ler de que lado está o bom direito, que a nossa instrução tão
secreta’” (CORDERO, Guida alla Procedura Penale, pp.73-74). A burla de
etiquetas (inversão ideológica) do Código Napoleônico apenas mantém viva
estrutura inquisitória cuja característica primordial é a concentração dos
poderes instrutórios na figura do juiz (ator): “Napoleão recriou um Justiniano
imaginário, personagem simbólico outrora venerado pelos medievais,
edificadores do Direito Canônico pontifício” (LEGENDRE, O Amor do Censor,
p. 175). Sobre o tema, CARVALHO, Revista à Desconstrução do Modelo Jurídico
Inquisitorial, 229-252.
15
MAFFESOLI, O Eterno Instante, p. 95.
494 CARVALHO, Salo de • Criminologia, Garantismo e Teoria Crítica dos Direitos Humanos

historicidade do criminalizado, obtém-se a essência criminal


a ser anulada ou neutralizada em nome da tetralogia dos va-
lores morais (metafísicos) que moldam o sistema penal da Mo-
dernidade: o bom (valor penal), o belo (valor criminológico),
o verdadeiro (valor processual) e o justo (valor jurídico).
A visualização dos valores morais e do processo de ob-
jetificação do sujeito criminalizado fornece elementos de com-
preensão desde as práticas penais colonizadoras da América
Latina forjadas pela Escola Positivista Criminológica, às atu-
ais tendências reconstrutoras do perigosismo presentes no fun-
cionalismo penal do inimigo. Em todas se percebe a exclusão
da humanidade do humano (criminalizado), legitimando atos
radicais de violência.
Ao discorrer sobre a concepção metafísica dos direitos
humanos, Helio Gallardo nota que estas argumentações res-
tringem a noção de humanidade, permitindo que se julgue e
se condene quem não se harmoniza nessa representação/va-
lor como não-humano ou anti-humano – “implica un procedi-
miento de estereotipación y satanización por medio del cual
se delimita lo que se considera que es la naturaleza humana,
y cuáles son los derechos que se le reconocen a quienes reú-
nan las condiciones o cualidades previamente asignadas. Cada
ejemplar humano expresa su humanidad por su adscripción
a la esencia previamente concebida.”16
Portanto o pressuposto ético da teoria crítica dos direi-
tos humanos, mormente no âmbito das práticas punitivas, é o
reconhecimento de todos os seres humanos como humanos,
para além dos ideais de pureza e das falsas dicotomias (bem
versus mal; belo versus feio; verdadeiro versus falso; justo ver-
sus injusto).

16
GALLARDO Apud SÁNCHEZ RUBIO, Acerca de la Democracia y los Derechos
Humanos: de espejos, imágenes, cegueras y oscuridades, p. 85.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 495
9. Os valores morais sustentados pelas correntes meta-
físicas que produzem falsas dualidades e que objetificam o
sujeito (criminalizado) acabam por realizar, nas lições de Her-
rera Flores, verdadeiro seqüestro da realidade, excluindo da
cultura e da civilização tudo que possa ser impuro, contami-
nado, mesclado ou plural. No entanto, sendo o homem (de-
masiado) humano, produto e habitante da terra (húmus), a
pureza não lhe é acessível, não se tratando de experiência
que possa realizar neste mundo. Desta forma, “sólo lo impuro
puede ser objeto de nuestro conocimiento”; “sólo lo impuro es
cognoscible, en tanto que se halla situado en un espacio, en
un contexto”17.
No contexto de radical ruptura com qualquer espécie
de metafísica, imprescindível redefinir as teorias criminoló-
gicas e as teorias dos direitos humanos a partir da compreen-
são dos seus limites e de suas possibilidades. E redirecionar
seus esforços para compreensão do homem concreto e das
instituições construídas e geridas pelo homem.
Se metafísica e purismo demonizam o tempo, o plural e
a ação, reagindo de maneira fóbica à sua presença, somente
“una filosofía de lo impuro entenderá los derechos humanos
desde la realidad de lo corporal, asumiéndolo sin vergüenza;
del tiempo, visto como la posibilidad de cambio y transforma-
ción; de la alteridad, o, lo que es lo mismo, de la diferencia y
de la pluralidad; y del espacio, el contexto físico y simbólico al
que hemos arrojados sin compasión.”18
O diagnóstico dos efeitos de reversibilidade produzi-
dos pelas concepções metafísicas das teorias penais, crimino-
lógicas e dos direitos humanos, autoriza postular redefinições
conceituais e criar condições de auto-crítica. No aspecto con-
ceitual, a percepção dos direitos humanos desde sua localiza-
ção na trama de relações sociais, políticas, jurídicas, econô-

17
HERRERA FLORES, Hacia…, p. 31.
18
HERRERA FLORES, Hacia…, p. 34.
496 CARVALHO, Salo de • Criminologia, Garantismo e Teoria Crítica dos Direitos Humanos

micas e culturais permite defini-los como processos “(...) que


abren y consolidan – desde el ‘reconocimiento’, la ‘transferen-
cia de poder’ y la ‘mediación jurídica’ – espacios de lucha por
la particular concepción de la dignidad humana.”19
A idéia de direitos humanos, portanto, desprega-se das
instituições, constituindo-se patrimônio da humanidade con-
quistado no processo histórico de afirmação da dignidade de
toda pessoa humana. Os direitos humanos, longe de poder
serem vistos como regalos, existem independentemente do
seu reconhecimento formal, visto que, em grande medida, le-
gitimam ações (políticas, sociais, econômicas, culturais e,
inclusive, jurídicas), contra as instituições mesmas.
Lembra Hinkelammert que “los derechos humanos tie-
nen que ser derechos que el ser humano tiene independiente-
mente de las instituciones dentro de las cuales vive. No formu-
lan instituciones, sino exigências frente a las instituciones.”20
Assim como Sanchéz Rubio e Herrera Flores reivindicam a
necessidade de fortalecer a definição de direitos humanos para
além do reduzido horizonte jurídico-formal21, torna-se neces-
sário que as próprias instituições incorporem e pautem suas
ações (político-executivas, jurídico-normativas e judiciais)

19
HERRERA FLORES, Los Derechos Humanos en el contexto de la Globalización:
tres precisiones conceptuales, p. 91.
20
HINKELAMMERT, La Rebelión en la Tierra y la Rebelión en el Cielo: el ser
humano como sujeto, p. 289.
21
Segundo Sanchez Rubio, “los derechos humanos, entendidos como práctica
social, como expresión axiológica, normativa y institucional que en cada
contexto abre y consolida espacios de lucha por una vida más digna, no se
deducen a un único momento histórico y a una única dimensión jurídico-
procedimental y formal” (SÁNCHEZ RUBIO, Acerca…, p. 92). No mesmo
sentido, Herrera Flores: “sólo desde la alegría, la felicidad y el deseo de vida
que sólo se despliegan cuando lo social, lo jurídico, lo económico o lo político
se dedican a fortalecer nuestra potencia ciudadana, es como podemos plantear
una definición de derechos humanos que supere los intentos de reducirlos a
una de sus facetas: la jurídica-formal, o de insertalos en una trascendencia
metafísica alejada de las pasiones, las necesidades y las determinaciones de
nuestra existencia” (HERRERA FLORES, Los Derechos…, p. 90).
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 497
desde esta perspectiva, concretizando aquilo que Hinkelam-
mert denomina direito ao discernimento das instituições à luz
dos direitos humanos.
Conforme postula o filósofo, “los derechos humanos an-
teriores a la institucionalización no pueden ser tratados sino
como criterios de discernimiento de las instituciones.” Em sín-
tese: “(…) el ser humano no es para el sábado sino el sábado
para el ser humano. Es la condición de la posibilidad de cual-
quier respecto a los derechos humanos. Todas las institucio-
nes tienen que estar bajo este criterio.”22

10. Para além da necessária redefinição conceitual com


o conseqüente redirecionamento das práticas, a teoria crítica
dos direitos humanos, em sua dimensão trágica, é hábil em
identificar os processos de inversão ideológica: a criação de
justificativas e mecanismos aparentemente voltados à satisfa-
ção dos direitos humanos, mas que, em sua ação concreta,
deflagram violação dos próprios direitos humanos.
O conceito de inversão ideológica dos direitos huma-
nos é similar à análise realizada pela criminologia crítica so-
bre as funções declaradas (oficiais) e as funções ocultas (re-
ais), divulgadas e exercidas pelo sistema de punitividade. Na
descrição dos objetivos de Vigiar e Punir é possível encontrar
a metodologia que entrelaça criminologia crítica e teoria críti-
ca dos direitos humanos – “objetivo deste livro: uma história
correlativa da alma moderna e de um novo poder de julgar;
uma genealogia do atual complexo científico-judiciário onde
o poder de punir se apóia, recebe suas justificações e suas
regras, estende seus efeitos e mascara sua exorbitante singu-
laridade.”23
A singularidade exacerbada mascarada pelo processo
de normatização e legitimação do sistema penal menciona-

22
HINKELAMMERT, La Rebelión..., p. 290-291.
23
FOUCAULT, Vigiar e Punir, p. 26.
498 CARVALHO, Salo de • Criminologia, Garantismo e Teoria Crítica dos Direitos Humanos

das pelo autor diz respeito à reprodução das violências insti-


tucionais. Assim, se o discurso punitivo do século XX apre-
senta técnicas pedagógicas de ressocialização (vigilância) como
advento humanizador face ao sistema de penas antecedente
(suplício), Foucault demonstra como este novo mecanismo
punitivo, próprio dos modelos de Estado intervencionista,
intensifica o sofrimento e a violação aos direitos de personali-
dade do condenado24. A função real de ampliar as malhas de
vigilância e de controle, sofisticando as formas de imposição
de dor, é ocultada pelos discursos de humanização da pena
(funções declaradas), apresentando ao público consumidor do
sistema penal imbatível e sofisticado discurso de legitimação.
Todavia é na descrição do mecanismo prisional, enten-
dido como sanção por excelência do sistema penal da Moder-
nidade, que Foucault inserirá na criminologia o olhar da re-
versibilidade ideológica, diagnosticando o novo discurso hu-
manizador. Se os objetivos oficiais dos programas ressociali-
zadores são a correção e a reforma do homo criminalis, com a
ruptura do ciclo delitivo e a conseqüente prevenção da rein-
cidência, as funções latentes demonstram o contrário, reve-
lando que o fracasso aparente integra o sucesso real das insti-

24
“O verdadeiro objetivo da reforma, e isso desde suas formulações mais gerais,
não é tanto fundar um novo direito de punir a partir de princípios mais
eqüitativos; mas estabelecer uma nova ‘economia’ de poder de castigar,
assegurar uma nova distribuição dele, fazer com que não fique concentrado
demais em alguns pontos privilegiados, nem partilhado demais entre
instâncias que se opõem; que seja partilhado demais entre instâncias que se
opõem; que seja repartido em circuitos homogêneos que possam ser exercidos
em toda parte, de maneira contínua e até o mais fino grão do corpo social. A
reforma do direito criminal deve ser lida como uma estratégia para o
remanejamento do poder de punir, de acordo com modalidades que o tornam
mais regular, mais eficaz, mais constante e mais bem detalhado em seus
efeitos; enfim, que aumentem os efeitos diminuindo o custo econômico (ou
seja, dissociando-o do sistema da propriedade, das compras e vendas, da
venalidade tanto dos ofícios quanto das próprias decisões) e seu custo político
(dissociando-o do arbitrário do poder monárquico). A nova teoria jurídica da
penalidade engloba na realidade uma nova ‘economia política’ do poder de
punir” (FOUCAULT, Vigiar..., p. 75).
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 499
tuições totais. Em forma de questionamento-resposta o autor
aponta para a questão na qual a análise crítica em criminolo-
gia passa a ser irreversível, qual seja, a superação da crimino-
logia liberal-etiológica (microcriminologia) pela perspectiva
crítica (macrocriminologia).
“O sistema carcerário junta numa mesma figura discursos e
arquitetos, regulamentos coercitivos e proposições científicas,
efeitos sociais reais e utopias invencíveis, programas para cor-
rigir a delinqüência e mecanismos que solidificam a delin-
qüência. O pretenso fracasso não faria então parte do funcio-
namento da prisão?
(...) Se a instituição-prisão resistiu tanto tempo, e em tal imo-
bilidade, se o princípio da detenção penal nunca foi seria-
mente questionado, é sem dúvida porque esse sistema carce-
rário se enraizava em profundidade e exercia funções preci-
sas.”25

11. A visão liberal dos direitos humanos, ao reduzir o concei-


to ao âmbito meramente formal (jurídico), produz fetichiza-
ção das instituições, pressupondo seu conjunto normativo
como instrumentos hábeis de tutela. Não por outro motivo as
próprias instituições reivindicam a titularidade de direitos
subjetivos (segurança pública, saúde pública, ordem pública,
ordem econômica, etc.). Ao pressupor que os direitos nascem
do reconhecimento formal do Estado e de suas instituições,
anulam os processos de construção histórica e soterram a
memória da luta dos sujeitos (individuais ou coletivos) con-
tra os excessos das distintas manifestações e tipos de poder.
Ocorre que não apenas “o estado não é titular de um
direito penal subjetivo [notadamente de direito à punição (ius
puniendi)], porque toda a pena é uma renúncia à solução de
um conflito mediante sua suspensão, levada a cabo com um
alto grau de arbitrariedade”26, como a tendência dos seus atos

25
FOUCAULT, Vigiar..., p. 239.
26
ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA & SLOKAR, Direito Penal Brasileiro I, p. 243.
500 CARVALHO, Salo de • Criminologia, Garantismo e Teoria Crítica dos Direitos Humanos

é a violação e não a satisfação dos direitos humanos, seja por


ação ou omissão. A potência que se transforma em ato ou
omissão é diametralmente oposta ao processo formal de reco-
nhecimento dos direitos individuais, coletivos ou transindi-
viduais. A máxima caracterizadora dos Estados Democráticos
de Direito (direito penal máximo, direito social mínimo), vol-
tada à otimização da intervenção no campo social e a redução
dos processos de criminalização, acaba sendo, tanto no plano
fático como na esfera jurídica, invertida.
Assim, o pressuposto da regularidade dos atos dos po-
deres (executivos, legislativos e judiciários) nada mais é do
que decorrência da incorporação no senso comum do vício
paleopositivista da romantização das instituições e dos seus
gestores. A ingenuidade da crença Moderna na capacidade
de o direito penal tutelar bens jurídicos, de o processo penal
revelar a verdade real, de a criminologia reformar as classes
perigosas e da política criminal prevenir a delinqüência, refor-
ça a concepção essencialista e metafísica que transformou a
questão dos direitos humanos em cenário de ficção científica.
A propósito, David Sánchez Rubio ensina que “en el
mundo en que vivimos, en materia de derechos humanos, si
comparamos lo que se hace de lo que se dice, a menudo nos
moveremos en el terreno de la ciencia-ficción, por el abismo
que existe entre ambas dimensiones (...). Tan constantes y siste-
máticas son las violaciones de los derechos humanos en todas
las parcelas de la vida social, que por mucho que en el plano de
lo que debe ser y las buenas palabras se diga que el ser humano
los posee, la realidad nos muestra su inexistencia.”27
E embora se perceba com nitidez a tendência das insti-
tuições, sobretudo as punitivas, agirem no sentido inverso à
tutela dos direitos humanos, as ciências penais integrais (di-
reito penal, processo penal, criminologia e política criminal)

27
SANCHÉZ RUBIO, Ciencia-Ficción y Derechos Humanos: tramas sociales y
principios de imposibilidad, 111-12.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 501
prosseguem na tarefa de racionalização do poder punitivo ir-
racional invocando sua missão (discurso oficial) de proteção
dos valores sociais mais significativos à humanidade (bens
jurídicos). Inegavelmente “esta es la inversión de los derechos
humanos, en cuyo nombre se aniquila a los proprios derechos
humanos.”28
Os elementos que definem o horizonte de projeção são
os mesmos que possibilitam realizar triste anamnese do esta-
do do direito penal contemporâneo: exercício abusivo das
violências das agências penais; criminalização excessiva de
condutas; flexibilização de normas processuais. Das doutri-
nas funcionalistas do inimigo à reversibilidade do discurso
garantista (v.g. defesa da proibição de insuficiência na esfera
penal), construções teóricas fundadas em situações de exceção
que se eternizam, legitimam a maximização da punibilidade.

IV. As virtudes e os limites do discurso garantista


12. O paradigma racionalista das ciências criminais forja-
do no alvorecer da Modernidade não esteve isento de germens
autoritários típicos dos modelos de defesa social (Baratta).
Embora visível esta marca defensivista, a predominância no
interesse oficial de proteção do valor liberdade, associada à
percepção herdada do medievo da ausência de controle quan-
do colocada em movimento a máquina repressiva, possibilita
desenvolver concepção pessimista em relação aos poderes
penais.
A intervenção estatal na órbita da repressão e da puniti-
vidade, portanto, ao invés de estar associada às garantias e
em respeito aos direitos das pessoas, demonstra radical po-
tência para romper com a legalidade, produzindo ofensa aos
direitos humanos de todos os envolvidos: das vítimas, pela

28
HINKELAMMERT, La Inversión de los Derechos Humanos: el caso John Locke,
p. 80.
502 CARVALHO, Salo de • Criminologia, Garantismo e Teoria Crítica dos Direitos Humanos

expropriação do conflito e pela revitimização operada no pro-


cesso penal (vitimização secundária); e dos investigados, réus
e condenados, face à inobservância das regras do jogo (penal
e processual penal).
Não obstante a constatação da constância do inquisito-
rialismo no discurso penal da Modernidade, o modelo de in-
tervenção forjado pelos representantes da Academia dei Pug-
ni e seus seguidores – notadamente as proposições radicais
de Jean Paul Marat no Plan de Législation Criminelle (1790) –
, fornece elementos para pensar importantes rupturas e for-
mas de resistência cuja finalidade é deter o avanço do genocí-
dio em massa realizado pelas agências de punitividade.
No plano dos saberes penais, relevante é o esforço para
destituir as instituições da titularidade de direitos. Para tan-
to, imprescindível realizar giro copernicano nas teorias da pena,
substituindo a noção de direito de punir (ius puniendi), legiti-
mamente exercido pelos órgãos da burocracia repressiva pelo
efetivo reconhecimento do ato de imposição de pena como ex-
pressão do poder de polícia do Estado (potestas puniendi).

13. A teoria do garantismo penal, apesar de marcada


pelo ideário iluminista e conseqüentemente pela pretensão
universalista típica dos paradigmas científicos, apresenta no
contexto global de violações aos direitos humanos interessante
mecanismo de fomento à minimização dos poderes puniti-
vos. Desta maneira, visualiza a otimização dos direitos fun-
damentais desde a perspectiva crítica da dogmática jurídico-
penal, ou seja, percebe o sistema normativo como instrumen-
tal eminentemente prático que deve ser pensado e desenvol-
vido para a resistência ao inquisitorialismo nas práticas judi-
ciais e administrativas cotidianas.
O ponto de partida do discurso garantidor é a radical
distinção (não separação) entre direitos (primários) e garanti-
as (secundárias ou metadireitos), desde a constatação de que
o direito, por si só, não tutela absolutamente nada.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 503
A crença da concepção paleopositivista nos sistemas ju-
rídicos harmônicos e dotados de avançados mecanismo pro-
cessuais, direcionados à satisfação dos direitos das pessoas, é
denominada por Ferrajoli de falácia normativista. A falácia
normativista, alinhada à falácia politicista29 – pressuposição
de existência empírica de bons poderes que independente-
mente do direito podem efetivar os direitos –, produz no sis-
tema de interpretação das normas racionalidade ingênua, ca-
rente do instável e desestabilizador contato com o real.
Desde o modelo garantista, portanto, seria imprescindí-
vel não apenas a existência de sistema jurídico que enuncie
direitos, dotando-os de mecanismos processuais satisfatórios
direcionados à possibilidade de sua efetiva satisfação (acesso
aos direitos), mas igualmente de estrutura de poder razoavel-
mente sensível às demandas e que reconheça e não obstrua
espaços sociais de resistência30.
A perspectiva paleopositivista, em face da fusão entre
os conceitos de legalidade e de legitimidade do poder político

29
Ferrajoli denomina falácia politicista a “(...) idea ache basti la forza di un potere
buono per soddisfare le funzioni di tutela assegnate al diritto, e prima ancora
che possa esistere um potere buono, cioè capace di assolvere tali funzioni senza
la mediazione di complessi sistemi normativi di garanzie in grado di limitarlo,
vincolarlo, funzionalizzarlo e all’occorenza di delegittimarlo e neutralizarlo”.
Assevera, contudo, que paralelo à falácia politicista pode ser cultivada falácia
garantista (ou normativista), baseada na “(...) idea ache bastino le ragioni di
um diritto buono, dotato di sistemi avanzati ed agili di garanzie constituzionali,
per imbrigliare il potere e per mettere i diritti fondamentali al riparo dalle sue
deviazioni”. Sustenta o autor que se a primeira falácia representa vício
ideológico induzido pelos sistemas políticos autoritários, a segunda representa
tentação recorrente induzida pela estrutura garantista do estado de direito
(FERRAJOLI, Diritto..., p. 985).
30
Em Diritto e Ragione, Ferrajoli advoga que “l’esperienza insegna che nessuna
garanzia giuridica puó reggersi esclusivamente sulle norme; che nessun diritto
fondamentale può concretamente sopravvivere se non è sorretto dalla lotta per
la sua attuazione da parte di chi ne è titolare e dalla solidarietá con essa di
forze politiche e sociali; che insomma un sistema giuridico, per quanto
tecnicamente perfetto, non puó da solo garantire alcunchè” (FERRAJOLI,
Diritto..., p. 986/87).
504 CARVALHO, Salo de • Criminologia, Garantismo e Teoria Crítica dos Direitos Humanos

punitivo, legou ao espaço jurídico o mito da regularidade dos


atos do poder. Assim, parte do pressuposto de que os atos
administrativos, legislativos e judiciais são legítimos e har-
mônicos com os direitos das pessoas. A crítica ao ato potenci-
almente válido somente é possível após ampla demonstração
de sua ilegalidade ou ilegitimidade.

14. No campo da teoria processual penal, os efeitos do


fetichismo legalista em termos de violação das regras do jogo
(garantias processuais dos acusados) são inequívocos, demons-
trando a extensão e os efeitos perversos do enunciado.
Não por outro motivo o tema das nulidades é dos mais
sensíveis no interior dos sistemas processuais penais de ga-
rantias.
O princípio que estrutura o sistema de nulidades, he-
rança do Código Processual Napoleônico de matriz inquisiti-
va, é o da inexistência de vícios processuais sem a demons-
tração do prejuízo às partes (ne pa nulittè sans grief). Há, pois,
identificação in natura da idoneidade dos atos da persecução
penal.
O imputado – sujeito debilitado na situação processual
em face de ser o uno contra a potência punitiva do Total –,
deve expor à exaustão que a flexibilização ou ruptura das re-
gras do jogo processual lhe foram desfavoráveis, sob pena de
não verificação do prejuízo e, em conseqüência, ser validado
o ato. Nota-se, à evidência, como pressuposto da conduta dos
órgãos repressivos sua regularidade e sua conformidade com
as normas de garantia dos direitos da pessoa humana, contra-
riando a histórica experiência dos sistemas punitivos.
No entanto, desde o garantismo penal ilustrado se reco-
nhece que as regras processuais relativas à investigação, aos
pressupostos e às condições da ação, à competência, à produ-
ção e à refutabilidade das provas, ao procedimento, aos re-
quisitos e aos elementos da sentença penal, aos critérios para
recorribilidade e à forma de execução, são barreiras de con-
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 505
tenção ao transbordar punitivo, exatamente pela tendência
dos sistemas punitivos em se aproximar do inquisitorialismo,
efetivando-o em sua forma mais pura e revelando seu desejo
mais íntimo: a vontade de punição.
Neste sentido, a harmonização dos sistemas de garantias
com os postulados dos direitos humanos impõe radical inver-
são da lógica inquisitória, qual seja, em decorrência de as re-
gras formais serem normas de garantia, sua flexibilização ou
ruptura, por si só, indicaria a nulidade, cabendo ao órgão acu-
sador a demonstração da não-causação do prejuízo e o con-
sentimento da defesa para que haja sua convalidação.
O problema teórico apresentado relativo às formas de
reconhecimento dos vícios processuais, como se pode perce-
ber, demonstra com nitidez a tensão entre as duas diferentes
leituras dos atos do poder punitivo: uma otimista (ou român-
tica), outra pessimista (ou trágica). Todavia, em face da cons-
tante histórica e invariável manutenção de práticas inquisitó-
rias, na maioria das vezes ofuscada por discursos de inversão
ideológica, a visão acrítica e contemplativa quanto à atuação
das instituições se impôs. Neste quadro, o efeito foi a gradual
e constante flexibilização das regras formais que regulam o
jogo processual, transformando-se as nulidades absolutas em
relativas, as relativas em atos meramente irregulares e estes
incorporados na normalidade das práticas forenses cotidia-
nas como ruídos de pouca expressão.
Nas palavras dos reformadores do Código de Processo
Penal brasileiro, em vigência desde a década de 40 do século
passado, a configuração do direito subjetivo à pena, sua so-
breposição em relação aos direitos humanos e a evocação do
mito da regularidade dos atos do poder são evidentes e justi-
ficam o incremento persecutório:
“[As leis processuais vigentes antes da reforma] asseguram
aos réus, ainda que colhidos em flagrante ou confundidos pela
evidência das provas, um tão extenso catálogo de garantias e
favores, que a repressão se torna necessariamente defeituosa
506 CARVALHO, Salo de • Criminologia, Garantismo e Teoria Crítica dos Direitos Humanos

e retardatária, decorrendo daí um indireto estímulo à expan-


são da criminalidade.”
“[Assim] urge que seja abolida a injustificável primazia do
interesse do indivíduo sobre o da tutela social. O indivíduo,
principalmente quando vem de se demonstrar rebelde à disci-
plina jurídico-penal da vida em sociedade, não pode invocar,
em face do Estado, outras franquias ou imunidades além da-
quelas que o assegurem contra o exercício do poder público
fora da medida reclamada pelo interesse social.”
“O interesse da administração da justiça não pode continuar
a ser sacrificado por obsoletos escrúpulos formalísticos, que
redundam em assegurar, com prejuízo da futura ação penal,
a afrontosa intangibilidade de criminosos surpreendidos na
atualidade ainda palpitante do crime e em circunstâncias que
evidenciam sua relação com este.”
“Como já foi dito de início, o projeto é infenso ao excessivo
rigorismo formal, que dá ensejo, atualmente, à infindável sé-
rie das nulidades processuais. Segundo a justa advertência
de ilustre processualista italiano ‘um bom direito processual
penal deve limitar as sanções de nulidade àquele estrito mí-
nimo que não pode ser abstraído sem lesar legítimos e graves
interesses do Estado e dos cidadãos’.”31
O modelo garantista, ao negar este discurso, pressupõe
que o exercício do poder, mormente o punitivo, independen-
te da boa ou má intenção dos seus titulares, é potencialmente
atentatório aos direitos humanos, seja decorrente de sua ação
(na esfera penal) ou inação (na esfera social). Inevitável, pois,
o desenvolvimento da concepção pessimista (trágica) em re-
lação aos poderes, na qual a violência contra os direitos hu-
manos é vista como inerente às instituições. A conclusão é de
o lupus artificialis estar distante de neutralizar as perversida-
des do lupus naturalis, pelo contrário, sua tendência é densi-
ficar sua violência irracional, pois criado e operado por hu-
manos, demasiado humanos.

31
Exposição de Motivos do Código de Processo Penal brasileiro, itens II, VIII e
XVII.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 507
Portanto, ao se pensar a lógica inquisitória como variá-
vel constante na configuração da estrutura penal repressiva,
talvez fosse mais coerente, ao invés de dicotomizar os siste-
mas processuais penais em acusatório e inquisitório, identifi-
car seus graus de inquisitorialismos. A tradicional oposição –
sistema acusatório (democrático) e sistema inquisitório (au-
toritário) –, pode produzir, no plano discursivo e das práticas
cotidianas, máscaras que ocultam e permitem a reprodução
das violências, notadamente quando se realizam reversibili-
dades ao enunciar a compatibilidade das estruturas proces-
suais com a Constituição (sistema acusatório) e, na operativi-
dade das agências, restar vivificado o inquisitorialismo. A
identificação dos níveis de atuação dos sistemas em inquisi-
torialidade de alta ou de baixa intensidade possibilitaria des-
nudar suas reais formas de manifestação e otimizar ações
neutralizadoras.
Desde esta perspectiva, seria possível entender o garan-
tismo como discurso e como prática voltada para a instrumen-
talização do controle e a limitação dos poderes punitivos.

15. Imprescindível frisar, porém, que o sistema garantis-


ta encontrado em sua caracterização ótima na obra de Luigi
Ferrajoli (Diritto e Ragione), expõe fundamentalmente mode-
lo direcionado ao controle e minimização dos poderes puniti-
vos. Os contornos teóricos esboçados referentes à teoria do di-
reito e à teoria política fornecem instrumentos interessantes
de análise das democracias contemporâneas, mas não podem
estar necessariamente vinculados ao plano específico da atu-
ação jurídico-penal. Embora possam apresentar elementos
acerca da configuração dos requisitos de legitimidade das nor-
mas e dos exercícios dos poderes políticos, entende-se impor-
tante potencializar a virtude do sistema garantista no local
em que elaboração teórica melhor pode ser aplicada.
Assim, o aporte teórico garantista, não obstante as pos-
sibilidades de ampliação do seu horizonte à crítica do direito
508 CARVALHO, Salo de • Criminologia, Garantismo e Teoria Crítica dos Direitos Humanos

e da política, é concebido e visto nesta discussão essencial-


mente como modelo doutrinário crítico das ciências penais
integrais (dogmática penal e processual penal, política crimi-
nal e criminologia). É que entendido desde sua limitação ao
ramo das ciências criminais, o aporte garantista fornece im-
portantes ferramentas para constrição dos poderes punitivos
e abre espaço para a sofisticação das práticas forenses cotidi-
anas voltadas à redução dos danos causados aos direitos hu-
manos.
Nesta perspectiva, os problemas com os quais a pers-
pectiva garantista deve confrontar-se para que possa realizar
a necessária autocrítica dizem respeito a duas esferas distin-
tas, porém derivadas da mesma opção política: (1º) no plano
da teoria do Estado e da teoria geral do direito, sua ambição
de universalização como sistema unívoco de compreensão e
interpretação do Direito, do Estado e da Justiça, vício decor-
rente de sua identificação com o projeto da Modernidade e
com as teorias do (pós)positivismo jurídico; e (2º) na esfera
das ciências criminais, a pretensão de revelar novos funda-
mentos de legitimidade do ius puniendi através da reelabora-
ção das premissas utilitarista (utilitarismo reformado) face ao
apego ao classicismo penal e sua marcada gênese iluminista.

15.1. O projeto de universalização do modelo garantis-


ta, como qualquer outra matriz inserida no projeto científico
da Modernidade, estabelece, em realidade, a projeção univer-
sal de particularismos.
Entretanto, conforme leciona Herrera Flores, desde a
perspectiva teórica crítica dos direitos humanos o que se pre-
tende é “(...) un universalismo a posteriori (Herrera Flores) o
un universalismo de confluencia (Sánchez Rubio); un univer-
salismo que hay que llegar, no desde el que debemos partir, a
través de practicas interculturales en las que los dogmas pro-
pios bajen a argumentos y faciliten así el camino hacia el acu-
erdo. De ahí que el único criterio de valor que asumimos sea
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 509
el de riqueza humana, o lo que es lo mismo, la creación de
condiciones que posibiliten la apropiación por parte de todos
de lo que nos es propio como seres humanos íntegros, no como
ingredientes de la máquina maximizadora – ‘molino satáni-
co, la denominaba Polanyi – del mercado.”32
Trata-se, pois, de negar o seqüestro da realidade que as
teorias gerais, típicas das teorias (jurídicas) do século XX, pro-
duziram (v.g. teoria geral do direito, teoria geral dos direitos
humanos, teoria geral do processo). Os modelos generalistas
não apenas reduzem as diversas manifestações plurais ante-
cedentes à sua criação como criam centros gravitacionais de
alto empuxe que obstaculizam novas alteridades.
A evocação realizada por Ricardo Timm de Souza é pre-
cisa para análise do fenômeno: “temos que nos ver com as
possibilidades de decaimento no lugar-comum de conceitos
esvaziados ou excessivamente fragilizados pela corrosão tem-
poral do empírico; o mundo já não suporta sistemas que desa-
bam, expondo a ingenuidade ou a hipocrisia daqueles que,
julgando-se a salvo da história como catástrofe, neles se havi-
am refugiado.”33
O diagnóstico é importante pois possibilita desnudar a vonta-
de de sistema (vontade de verdade) inerente aos projetos polí-
ticos e científicos. Na esfera jurídica, a teoria geral do direito
pensada pelo iuspositivismo dogmático impôs aos intérpretes
postura contemplativa e asséptica, visto pressupor a plenitu-
de e a coerência dos ordenamentos jurídicos – as lacunas e as
antinomias do sistema seriam aparentes, resolvidas desde sua
lógica autopoiética. A necessidade de certeza e segurança tra-
duzida no narcisismo34 dos juristas enclausurou o direito em

32
HERRERA FLORES, Introducción, p. VI-VII.
33
TIMM DE SOUZA, Humano, Hoje, p.20.
34
Interessante notar que “(...) nenhum exemplo mais claro do narcisismo dos
juristas que a manutenção do dogma de ser o ordenamento jurídico um todo
completo e coerente, no qual as lacunas e antinomias são aparentes e de
previsível resolução. O narcisismo em primeiro grau visível na dogmática
510 CARVALHO, Salo de • Criminologia, Garantismo e Teoria Crítica dos Direitos Humanos

sua dimensão formal, impossibilitando sua oxigenação e o


necessário confronto com a realidade social ao qual (deveria)
estar voltado. Em sentido idêntico o problema no âmbito pe-
nal, cuja edificação da teoria geral do processo incapacitou se
pensar o direito processual penal desde sua matriz genealógi-
ca, que é o direito penal. Com a totalização dos métodos cien-
tíficos, exclui-se qualquer hipótese de abertura à diversidade
e ao reconhecimento das diferenças e das identidades.
Sánchez Rubio identifica este processo de aniquilamento
da alteridade como derivado do apego excessivo ao formalis-
mo: “cuando el fenómeno jurídico se concibe como mera for-
ma o procedimiento, sucede que se absolutiza tanto esta di-
mensión, que se transforma en la única realidad posible, ocul-
tando otros elementos importantes, entre ellos, los procesos
sociales y sus actores.”35 Herrera Flores parte da mesma con-
clusão e identifica a diminuição dos espaços de luta e resis-
tência pelos direitos humanos: “esta visión abstracta induce a
reducir los derechos a su componente jurídico como base de
su universalismo a priori. La práctica social por los derechos
deberá pues reducirse a la lucha jurídica.”36

15.2. No aspecto penal e político-criminal, embora o ga-


rantismo projete modelo minimalista de contração dos tipos
incriminadores através dos processos legais de descriminali-

jurídica dá vazão às (in)completudes e (in)coerências em sentido estrito. Não


por outro motivo o direito penal, envolto na circularidade do conceito de bem
jurídico, ainda brada sua capacidade técnica de tutelar os maiores valores
da humanidade; o processo penal, perdido na confusão entre os conceitos de
verdade e realidade e de verdade e substância, concebe a possibilidade de
buscar uma ‘verdade real’; e a criminologia, absorta nas entranhas dos
aparelhos de segurança pública, visualiza (e crê) em sua aptidão de
erradicação da criminalidade” (CARVALHO, Criminologia e
Transdisciplinaridade, p. 40). No mesmo sentido, CARVALHO, A Ferida
Narcísica do Direito Penal, pp. 179-211.
35
SÁNCHEZ RUBIO, Filosofía…, p. 245.
36
HERRERA FLORES, Hacia una Visión..., p. 73.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 511
zação ou do rigoroso controle de constitucionalidade concre-
to e difuso (descriminalização judicial), ao redesenhar teoria
justificacionista da pena acaba por legitimar variadas formas
de intervenção punitiva.
Ao tratar da tensão abolicionismo versus justificacio-
nismo, discussão primeira acerca dos fundamentos do ius pu-
niendi, Ferrajoli abdica das teorias negativas sobre a interven-
ção punitiva (teorias abolicionistas) respondendo positivamen-
te à pergunta sobre a necessidade de punição aos desvios cri-
minalizados. Afasta os projetos abolicionistas sustentando a
possibilidade de, na ausência da resposta estatal ao crime
(pena criminal), os grupos sociais retomarem práticas pré-ci-
vilizadas de retaliação como o exercício arbitrário das própri-
as razões ou adotarem medidas de controle tecnológico totali-
tárias formatando sociedades de vigilância disciplinar. Assim
colocada a questão abolicionista, Ferrajoli afasta a possibili-
dade e passa a realizar profunda crítica aos modelos justifica-
cionistas legatários do projeto penal da ilustração. Ao negar
as teorias tradicionais (teorias absolutas retributivas e teorias
relativas preventivas), reconstrói a partir do utilitarismo a te-
oria da prevenção geral negativa (teoria da coação psicológica
de Feuerbach) agregando à finalidade intimidatória o objeti-
vo de a sanção penal tutelar o autor do delito das vinganças
privadas (retaliações, linchamentos) que emergiriam caso ine-
xistisse a pena. À máxima felicidade possível aos não-desvi-
antes assegurada pelo caráter intimidativo da sanção harmo-
niza-se o mínimo sofrimento necessário ao desviante, efetiva-
do na razoável e proporcional resposta pública estatal, assen-
tada nos princípios de tutela dos direitos fundamentais – pena
como mecanismo de proteção do réu contra os excessos do
público e do privado. Assim, o utilitarismo reformado garan-
tiria a máxima eficácia dos direitos humanos aos sujeitos mais
vulneráveis e débeis do evento violento e do teatro processu-
al: a vítima no momento do crime, o réu durante o processo e
o condenado na execução da pena.
512 CARVALHO, Salo de • Criminologia, Garantismo e Teoria Crítica dos Direitos Humanos

Apesar da virtuosa e coerente construção do discurso


legitimador da intervenção punitiva, o modelo garantista não
consegue ultrapassar os limites do normativismo e a ilusão
do bom poder punitivo. A própria crítica de Ferrajoli demons-
tra que a ação constante dos sistemas punitivos é marcada
pelas violências arbitrárias, sendo possível afirmar que “la
storia delle penne è sicuramente più orrenda ed infamante
per l’umanità di quanto non sai la stessa storia dei delitti: per-
ché più spietate e forse piú numerose rispetto a quelle prodot-
te daí delitti sono state lê violenze prodotte dalle penne; e per-
ché, mentre il delitto è di solito una violenza occasionale e
talora impulsiva e necessitata, la violenza inflitta con la pena
è sempre programmata, consapevole, organizzata da molti
contra uno. Contrariamente alla favoleggiata funzione di dife-
sa sociale, non è azzardato affermare che l’insieme delle pene
comminate nella storia ha prodotto per il genere umano un
costo di sangue, di vite e di mortificazioni incomparabilmente
superiore a quello prodotto dalla soma di tutti i delitti”37
A constatação é possível desde a verificação da vontade
inerente e que constitui os sistemas punitivos: a vontade de
punição.

15.3. Todavia, se o pressuposto da irregularidade dos


atos do poder for tensionado ao seu limite, não há alternativa
possível, inclusive ao garantismo penal, senão abdicar de
qualquer justificativa, legitimação ou fundamento à pena,
devendo ser encarada a resposta punitiva ao desvio como ato
político beligerante. Neste caso, a forma de efetivação dos di-
reitos humanos é o desenvolvimento de estratégias políticas
de ação forense de redução de danos causados pelas violênci-
as dos poderes.
Assim, se a resposta à pergunta por que punir?, mesmo
em se tratando de sistemas garantistas, configura modelos de

37
FERRAJOLI, Diritto…, p. 382.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 513
intervenção, fundamental abdicar da tarefa, delineando teo-
ria agnóstica que represente política criminal de redução dos
danos causados pelas agências de punitividade.
Reduzir dor, tendo o sofrimento do outro como repre-
sentação38, seria a única alternativa ética, teórica e instrumen-
tal possível na atual condição que o direito penal é aplicado.
Ao desenvolver a perspectiva agnóstica, Zaffaroni sustenta
que “la dottrina penalistica può ricostruire il suo discorso su
questa base, e non ha alcun bisogno di una ‘teoria della pena’;
può riprendere il pensiero liberale, e buttare ‘i semi del male’
che il pensiero dei nostri ingenui ‘padri liberali’ conteneva (...).
La strategia è chiara: salvare la vita, diminuire la disuguagli-
anza, evitare la sofferenza (...); Per riuscire a ridurre il potere
punitivo deve essere progressivamente liberale, e per essere
‘progressivamente liberale’ deve prescindere da qualsiasi ‘te-
oria della pena’.39
Como sustentado anteriormente40, negar as teorias da
pena possibilitaria não apenas concentrar os esforços para mi-
nimizar os efeitos danosos produzidos pelos aparatos puniti-
vos, mas eliminar do discurso penal seu viés declarado (e não
cumprido), retomando sua natureza política. A pena, distan-
te de qualquer fundamentação jurídica e desapegada de qual-
quer fim nobre, retornaria ao campo da política, representan-
do manifestação concreta de poder a ser contido.
Nesta circunstância, o ponto de convergência entre teo-
ria garantista, teoria agnóstica e teoria crítica dos direitos hu-
manos ocorre na construção de discursos sobre os limites da
pena, sustentados na perspectiva política de redução dos da-
nos causados pelas intervenções arbitrárias e desproporcio-
nais. Estratégias de (a) diminuição de dor e de sofrimento cau-

38
TIMM DE SOUZA, Humano..., p. 18.
39
ZAFFARONI, La Rinascita del Diritto Penale Liberale o la “Croce Rossa”
Giudiziaria, p. 393/94.
40
CARVALHO, Teoria Agnóstica da Pena, pp. 21-24.
514 CARVALHO, Salo de • Criminologia, Garantismo e Teoria Crítica dos Direitos Humanos

sadas pela aplicação e execução da sanção penal; (b) reconhe-


cimento da pena na esfera da política; e (c) tutela do pólo
(processual) débil (réu/condenado) contra qualquer tipo de
vingança emotiva e desproporcional (pública ou privada),
constituem pautas de ações táticas de contração dos poderes
das agências de punitividade.
A adoção da perspectiva agnóstica possibilita, igualmen-
te, negar os universalismos próprios das teorias metafísicas
dos direitos humanos, abrindo espaço para que se possa pen-
sar racionalidades de resistência que conduzem ao universa-
lismo de contraste, entendido como “un universalismo impu-
ro que pretende la interrelación más que la superposición. Un
universalismo que no acepta la visión microscópica que de
nosotros mismos nos impone el universalismo de partida o de
rectas paralelas. Un universalismo que nos sirva de impulso
para abandonar todo tipo de cierre, sea cultural o epistémico,
a favor de energías nómadas, migratorias, móviles, que per-
mitan desplazarnos por los diferentes puntos de vista sin pre-
tensión de negarles, ni de nacernos, la posibilidad de lucha
por la dignidad humana.”41

V. O paradoxo da criminologia crítica: reversibilidade


em segundo grau e autocrítica
16. Paralelo à crítica que a criminologia realizou acerca
do incremento da punitividade a partir da construção de di-
reitos para além dos individuais e dos riscos gerados pela so-
ciedade contemporânea, imprescindível desenvolver a capa-
cidade de autocrítica das teorias críticas. A preocupação se
justifica no momento em que se percebe a convergência do
discurso dos movimentos de luta pelos direitos humanos com
as pautas criminalizadoras.

41
HERRERA FLORES, Hacia una Visión..., p. 77.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 515
Durante a década de 80 e com mais vigor após a queda
do Muro de Berlim, o discurso criminológico crítico defron-
tou-se com o seguinte paradoxo: desenvolver as políticas cri-
minais alternativas e o discurso de descriminalização ou ade-
rir à inversão de seletividade do direito penal, estabelecendo
contrapoder proletário. Se as políticas criminais alternativas
ingressavam na trajetória e no legado do discurso contracul-
tural da criminologia de ruptura, a idéia de inversão de seleti-
vidade fomentaria política criminalizadora voltada aos cri-
mes econômicos, optando pelo sistema penal como estratégia
de atingimento da justiça social. Nesta perspectiva, segundo
Baratta, “uma política criminal coerente com a própria base
teórica não pode ser uma política de ‘substitutos penais’, que
permaneçam limitados a uma perspectiva vagamente refor-
mista e humanitária, mas uma política de grandes reformas
sociais e institucionais para o desenvolvimento da igualdade,
da democracia, de formas de vida comunitária e civil alterna-
tivas e mais humanas, e do contrapoder proletário, em vista
da transformação radical e da superação das relações sociais
de produção capitalistas.”42
A estratégia elaborada por Baratta, último representan-
te da criminologia crítica, consistia no “reforço da tutela pe-
nal, em áreas de ‘interesse essencial para a vida dos indivídu-
os e da comunidade: a saúde, a segurança no trabalho, a inte-
gridade ecológica, etc. Trata-se de dirigir os mecanismos da
reação institucional para o confronto da criminalidade eco-
nômica, dos grandes desvios criminais dos órgãos e do corpo
do Estado, da grande criminalidade organizada.”43
Ocorre que as políticas criminais maximalistas, tradici-
onalmente identificadas com as tendências de direita, com o
giro do discurso da criminologia crítica em sua adesão à res-
posta penal, foram amplificadas. Criam-se assim, nas últimas

42
BARATTA, Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal, p. 201.
43
BARATTA, Criminologia..., p. 202.
516 CARVALHO, Salo de • Criminologia, Garantismo e Teoria Crítica dos Direitos Humanos

décadas, modelos de hipercriminalização: as políticas de lei


e ordem e de tolerância zero – voltadas à máxima repressão
dos delitos violentos e dos desvios de conduta, respectiva-
mente –, são potencializadas pelas versões político-criminais
de esquerda em relação aos crimes econômicos e aos delitos
contra os direitos humanos em geral. Neste contexto, a crítica
ao sistema punitivo é abandonada, produzindo inúmeras e
variadas teorias legitimadoras que ofuscam os limites entre
direita e esquerda punitivas, sendo privilegiadas essencial-
mente pautas moralizadoras.44
Elena Larrauri observa a espantosa facilidade com a qual
os movimentos sociais identificados com a luta pelos direitos
humanos recorrem às pautas criminalizadoras e ao exercício
punitivo retribucionista: “grupos de derechos humanos, de
antirracistas, de ecologistas, de mujeres, de trabajadores, re-
clamaban la introducción de nuevos tipos penales: movimi-
entos feministas exigen la introducción de nuevos delitos y
mayores penas para los delitos contra las mujeres; los ecolo-
gistas reivindican la creación de nuevos tipos penales y la
aplicación de los existentes para proteger el medio ambiente;
los movimientos antirracistas piden que se eleve a la catego-
ría de delito el trato discriminatorio; los sindicatos de trabaja-
dores piden que se penalice la infracción de leyes laborales y
los delitos económicos de cuello blanco; las asociaciones con-

44
Neste sentido, interessante a análise de Baudrillard: “revisão dolorosa: antes,
a direita encarnava os valores morais, e a esquerda, ao contrário, uma certa
exigência histórica e política contraditória; hoje, a esquerda despojada de toda
energia política, tornou-se pura jurisdição moral, encarnação dos valores
universais, campeã do reino da Virtude e defensora dos valores museais do
Bem e do Verdadeiro; jurisdição que pode exigir prestação de contas de todo
mundo, sem ter que responder diante de ninguém. A ilusão política da esquerda,
congelada durante vinte anos de oposição, revelou-se, com a chegada ao poder,
portadora não do sentido da História, mas de uma moral da História. Moral
da Verdade, do Direito, e da boa consciência – grau zero do político e, certamente
mesmo, ponto mais baixo na genealogia da moral. Essa moralização dos valores
equivale a uma derrota histórica da esquerda (e do pensamento)”
(BAUDRILLARD, A Conjuração dos Imbecis, p. 100).
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 517
tra la tortura, después de criticar las condiciones existente en
las cárceles, reclaman condenas de cárcel más largas para el
delito de tortura”45.
Ao intentar realizar justiça social através do sistema
penal46, a criminologia radical incorreu em falácia idêntica
àquela que anteriormente era objeto de sua crítica, produzin-
do igualmente inversão ideológica do discurso dos direitos
humanos. É possível perceber neste fenômeno reversibilida-
de em segundo grau, derivada da incapacidade de inúmeras
vertentes da criminologia crítica realizar a devida e necessá-
ria autocrítica.
As armadilhas produzidas pelo sistema penal em sua
constante vontade de punição aprisionaram o discurso críti-
co gerando, no diagnóstico de Silva Sánchez, “ideología de la
ley y el orden en versión de izquierda.”47
Os riscos de conformação de modelos de direito penal
máximo pelo recurso irrestrito ao sistema penal foram clara-
mente assinalados por Baratta: “é preciso evitar cair em uma
política reformista e ao mesmo tempo ‘panpenalista’, que con-
siste em uma simples extensão do direito penal, ou em ajustes
secundários de seu alcance, uma política que poderia produ-
zir também uma confirmação da ideologia da defesa social, e
uma ulterior legitimação do sistema repressivo tradicional,
tomado em sua totalidade.”48 Entretanto seu discurso foi es-
quecido, e os efeitos perversos antevistos pelo criminólogo
foram realizados.

45
LARRAURI, La Herencia de la Criminología Crítica, p. 218.
46
“(...) se propugnaba el recurso al Derecho penal como mecanismo de
transformación de la sociedad y de intervención contra quienes obstaculizaban
el progreso de la misma hacia formas más avanzadas e igualitarias de
convivencia democrática” (SILVA SANCHÉZ, La Expansión del Derecho Penal,
p. 72).
47
SILVA SANCHÉZ, La Expansión…, p. 70.
48
BARATTA, Criminologia..., p. 202.
518 CARVALHO, Salo de • Criminologia, Garantismo e Teoria Crítica dos Direitos Humanos

VI. Indagações finais


17. Para além de tentar apresentar conclusões sobre a
paradoxal relação contemporânea entre criminologia (crítica),
garantismo penal e teoria (crítica) dos direitos humanos, tal-
vez seja mais adequado elencar alguns interrogantes que pro-
jetem a continuidade da discussão proposta.
Não obstante o diagnóstico realizado requerer aprofun-
damento, percebe-se a necessidade de avaliar se garantismo e
criminologia crítica encontram efetivamente na teoria agnós-
tica da pena condições de possibilidade de elaboração de pen-
samento criminológico latino-americano atento às especifici-
dades da margem.
Por outro lado, fundamental indagar à teoria crítica quais
as virtudes, os limites e as armadilhas da utilização do siste-
ma penal para tutela e para a luta pela efetivação dos direitos
humanos. Do esboço apresentado, cabe aos movimentos so-
ciais e coletivos organizados estar atentos sobre as armadi-
lhas decorrentes da demanda pela intervenção penal. Não obs-
tante, o mesmo interrogante deve nortear os operadores do
direito quanto à elaboração de teorias legitimadoras do siste-
ma punitivo.
As perguntas são pertinentes tendo em vista o verda-
deiro fascínio com que as pessoas (individuais ou coletivas) e
as instituições recorrem ao direito penal. O desejo de puniti-
vidade, porém, ofusca os cuidados necessários quando se está
a legitimar intervenções dos poderes punitivos. Neste quadro
imprescindível escutar o alerta de David Sánchez Rubio: “el
ser humano tiene que poseer la capacidad de discernir sobre
los excesos del poder y las instituciones que lo representan.”49
Conforme sustentado, a potência punitiva define como
regra constante do poder dogmático penal o inquisitorialis-
mo. Maffesoli lembra que o totalitarismo é característico des-

49
SÁNCHEZ RUBIO, Acerca..., p. 89.
Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Século XXI 519
ta maneira dogmática de ser e de pensar, sendo que “a intole-
rância e a inquisição não são atitudes de uma época ultrapas-
sada, mas justamente um estado de espírito que se encontra
freqüentemente nas histórias humanas, aquelas, precisamen-
te, em que se tende a considerar como frívolo o aspecto plural,
matizado, mestiçado da existência global.”50
Em face disso, evocando paralelo com Agamben em sua
análise do Estado de exceção,51 seria possível afirmar que as
patologias do direito penal e processual penal, da crimino-
logia e da política criminal tornam-se variáveis imutáveis
no reforço da tetralogia dos valores morais que sustentam as
ciências criminais: o bom (valor penal), o belo (valor crimi-
nológico), o verdadeiro (valor processual) e o justo (valor
jurídico).
Qualquer ser humano inadequado à moral punitiva ou
à estética criminológica passa a ser percebido como objeto a
ser eliminado, como inimigo. E para estes seres objetificados
pelo estigma periculosista, os direitos humanos não podem e
não devem ser garantidos.
O alerta aos que por ingenuidade ou má-fé criam e re-
criam inimigos parece pertinente: “quienes ven como mons-
truo a su enemigo, está proyectando sobre él su propia mons-
truosidad. Las imágenes deformadas y amenazantes que re-
flejan los espejos no son las de los supuestos enemigos, sino la
de quienes lo construyen y acaban creyéndose que lo son. Lo
tienen dentro de sí y lo adjudican a los demás.”52

50
MAFFESOLI, O Eterno..., p. 111.
51
“O estado de exceção, hoje, atingiu exatamente o seu máximo desdobramento
planetário. O aspecto normativo do direito pode ser, assim, impunemente
eliminado e contestado por uma violência governamental que ao ignorar no
âmbito externo o direito internacional e produzir no âmbito interno um estado
de exceção permanente, pretende, no entanto, ainda aplicar o direito”
(AGAMBEN, Estado de Exceção, p. 131).
52
SÁNCHEZ RUBIO, Acerca..., p. 97.
520 CARVALHO, Salo de • Criminologia, Garantismo e Teoria Crítica dos Direitos Humanos

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