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Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé

Cap. 2-8: Fernando MM Tavares - Pag 256

IMPACTOS LOCAIS : A EXPERIÊNCIA DE MACAÉ.


LIÇÕES PARA O PRÉ-SAL

Fernando Marcelo Manhães Tavares

Histórico

Cidade sede da exploração de petróleo e gás da Bacia de Campos, Macaé, uma


pequena cidade de economia voltada basicamente para a agricultura (cana),
pecuária bovina e pesca, passa a sofrer os primeiros impactos a partir de 1974,
principalmente no que diz respeito à especulação imobiliária fomentada pelas
primeiras movimentações da Petrobras na cidade.

A exploração da Bacia de Campos começou, entretanto, no final de 1976, com o


poço 1-RJS-9-A, que deu origem ao Campo de Garoupa, situado em lâmina d’água
de 100 metros. Já a produção comercial, começou em agosto de 1977, através do
poço 3-EM-1-RJS, com vazão de 10 mil barris por dia, no Campo de Enchova.

Ao se instalar na cidade, a Petrobras ocupou três pontos da rodovia RJ-106, no


centro e nos extremos do centro urbano. Situou no centro da cidade, sua
principal base de operações, no bairro Imbetiba, descaracterizando aquela que
era a praia mais bela e mais acessível à população local, instalando ali seu porto.

A leste, já próximo aos limites com o município de Carapebus, instalou o


Terminal Cabiúnas próximo à restinga de Jurubatiba e suas lagoas, mais tarde
transformada em Parque Nacional – o único Parque Nacional de Restinga do Brasil
e que guarda uma biodiversidade única, sendo hoje, objeto de mais de 50
pesquisas realizadas por universidades de todo o mundo.

E a oeste, nos limites com o município de Rio das Ostras, instalou seu parque de
tubos dentro da micro bacia hidrográfica do rio Imboassica, principal contribuinte
da Lagoa que sofre intenso processo de degradação desde que toda a área de seu
entorno dentro do município de Macaé, passou a ser ocupada de forma
desordenada por condomínios e empresas.

Atualmente a atividade de exploração offshore de petróleo e gás envolve cerca


de 60 mil trabalhadores das empresas diretamente ligadas à exploração e outras
50 mil nas que trabalham indiretamente.
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Crescimento da cidade

Macaé, foi, sem dúvida, o município brasileiro que mais cresceu da década de
1970 aos dias de hoje. Despreparada para os impactos derivados dos processos
migratórios viu sua população crescer cerca de 440% em 36 anos, numa média
anual, no período, de 12,23%, passando de 47 mil habitantes em 1974 a 206 mil
em 2010, como demonstra o quadro abaixo.

1974 - 47.000 hab Fonte: IBGE


1980 - 75.851 hab
2000 – 132.461 hab
2007 - 169.513 hab
2010 - 206.748 hab

* Crescimento médio de 440% em 36 anos

* Média anual de 12,23% no período

Esta onda de crescimento também atinge fortemente outros municípios


considerados produtores ou situados na área de abrangência, com destaque para
Rio das Ostras que cresceu puxada pelo crescimento de Macaé, 190% em dez
anos. O quadro a seguir mostra os municípios que mais cresceram neste período:

Rio das Ostras – 190% IBGE – 2000/2010


Maricá – 66%
Casimiro de Abreu – 59%
Carapebus – 51%
Quissamã – 43%
Búzios – 48%
Macaé – 53%

Surgimento de bairros periféricos

Foram vários os bairros sem infra-estrutura que surgiram na periferia da cidade


de Macaé desde o início da exploração de petróleo na Bacia de Campos, a
maioria ocupando áreas de preservação ambiental. As primeiras ocupações
irregulares se deram junto à foz do rio Macaé, em área de manguezal:
inicialmente as comunidades de Nova Holanda, Malvinas e Botafogo; e
posteriormente, Ilha Colônia Leocádia e Nova Esperança, ressalvando que a Ilha
da Caieira, também área de preservação permanente, hoje abriga um
condomínio de classe média/alta, sendo a primeira ocupação na foz do rio
Macaé, com exceção do centro urbano.
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Destes, sofrem intervenções urbanísticas atualmente, Nova Holanda e Nova


Esperança, sendo que há projeto no município para reassentamento dos
moradores da Ilha Colônia Leocádia, transformada em Parque por decreto
municipal, tendo em vista sua baixa ocupação em comparação com os demais –
cerca de 700 moradores.

Este programa, visa, ainda, evitar o fechamento de um cinturão de adensamento


populacional envolvendo os bairros já citados e que hoje sofrem com o tráfico de
drogas.

A maior ocupação, entretanto, se deu no Lagomar, junto ao Parque Nacional da


Restinga de Jurubatiba, reunindo, hoje, aproximadamente 40 mil moradores. Até
o ano de 2005 havia o impedimento de obras de infraestrutura no local por estar
dentro da área de amortecimento do Parque, impasse solucionado com a
assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta junto ao Ministério Público
Federal. Hoje, cerca de 40% do bairro foi urbanizado, havendo a previsão de
término das obras até o final de 2011.

(Ver processo de ocupação em vários bairros através de fotos de satélite da


década de 1970 aos dias de hoje,na apresentação em Power Point).

Principais impactos locais

Invasões em áreas de risco e de Preservação Permanente


Surgimento de favelas e de bairros periféricos sem infraestrutura
Aumento das demandas por serviços públicos
Aumento da violência – tráfico de drogas
Aumento do custo de vida
Especulação Imobiliária
Trânsito - Média de 25 mil carros e 700 caminhões/dia (atualizar)

Impactos nos serviços públicos

Saúde – Hospital Público Municipal (HPM)

50 mil atendimentos de urgência em 2010


Aporte de R$ 100 milhões/2011
Atendimento às populações de cidades vizinhas e de acidentados na BR
101
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Educação

Cerca de 3 mil novas vagas/ano no ensino fundamental


Investimentos para manter 50/116 escolas da rede municipal em tempo
integral
Investimentos em ensino técnico e superior
Manutenção de serviços de transporte universitário

Social

Ampliação permanente da rede de assistência social


Investimentos para implantação de restaurantes populares
Ampliação constante de programas sociais voltados para gestantes,
crianças, idosos, mulheres, dependentes químicos, moradores de rua e
deficientes físicos

Infraestrutura

Demanda para : Habitação, equipamentos públicos e saneamento

Outros riscos e impactos ambientais

Vazamentos em alto mar


Manipulação, transporte e disposição de resíduos perigosos
Utilização de substâncias radioativas
Impermeabilização de grandes áreas
Desmatamento e ocupação de Áreas de Preservação Permanente
Introdução de espécies exóticas no ambiente marinho
Perda de identidade cultural

Impactos na pesca

Atividade que mais sofre com a atividade offshore


Sísmica
Abalroamentos de traineiras
Perda de redes
Atração do pescado para áreas de exclusão junto às plataformas
Descarte de resíduos orgânicos
Pesca em área de risco
Modificação do ambiente marinho
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Projetos sociais desenvolvidos no município

Há vários anos o município de Macaé vem desenvolvendo projetos de inclusão


social e fazendo frente à crescente demanda por serviços públicos na cidade. É
de se destacar que o pagamento dos royalties à cidade só passou a ser
significativo a partir na nova lei do petróleo em 1997, deixando um longo período
de impactos sociais e ambientais sem as contrapartidas para fazer frente a eles.

Se for considerada a data de 1974 como marco para o início destes impactos,
levando-se em conta que a simples notícia da instalação de grandes
empreendimentos já traz aumento de preços imobiliários, como hoje já acontece
em cidades como Santos e Itaboraí, podemos contabilizar nada menos do que 23
anos de defasagem.

A seguir alguns projetos e programas que foram implantados na cidade na


tentativa de fazer frente aos impactos já consolidados, principalmente
decorrentes dos processos migratórios.

Rede de proteção social

Segundo dados da Prefeitura local, a cidade investe 3,4 vezes mais que a média
nacional na área social, representando um gasto anual de R$ 1.450 por
habitante. São mais de 100 programas sociais e projetos mantidos pela Prefeitura
que promovem a educação, cultura, esporte, saúde e capacidade de trabalho
para a população de baixa renda.

Habitação

Foi apenas a partir de 2005 que o município passa a desenvolver programas


habitacionais com o objetivo de suplantar seu déficit habitacional, e de
desocupar áreas de risco e de preservação permanente com a remoção e
reassentamento para condomínios populares. Hoje o município possui um plano
municipal de habitação que abrange, ainda, o programa denominado “Macaé sem
favelas”. A meta do governo municipal é viabilizar a construção de quatro mil
unidades habitacionais até 2012, incluídas as unidades previstas do Programa
“Minha Casa Minha Vida” do Governo Federal.
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Educação

São 113 unidades municipais de ensino, das quais 50 em tempo integral e que
oferecem ao aluno cinco refeições por dia. São 40 mil alunos matriculados em
escolas, creches e unidades de atendimento especializado. A cidade tem, ainda,
uma das menores taxas de analfabetismo do estado: 7,3%.

Mesmo sem a obrigação constitucional, o ensino superior tem recebido especial


atenção do poder público municipal que construiu e implantou a “Cidade
Universitária” que ocupa uma área de 95 mil metros quadrados, sediando três
faculdades gratuitas – UFF, UFRJ e FeMass, esta última, faculdade municipal .

É objetivo do governo municipal transformar a cidade em um novo pólo


universitário do estado do Rio, tendo em vista projeto para a construção de mais
sete blocos para salas de aula e laboratórios no local e a manutenção de uma
política para a atração de outras universidades para o município.

Saúde

Com cinco anos de funcionamento, o Hospital Público Municipal (HPM) realiza


cerca de 50 mil atendimentos de urgência ou emergência por ano, fazendo o
atendimento de pacientes oriundos de toda a região.

O HPM dispõe atualmente de 132 leitos, distribuídos por três enfermarias


(masculina, feminina e pediátrica), três serviços de terapia intensiva (adulto,
pediátrico e neonatal) e uma unidade de terapia intensiva.

Em 2008, foi firmado convênio entre a Fundação Educacional de Macaé


(Funemac) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), através do qual o
HPM passa a funcionar como hospital-escola para alunos das faculdades de
Enfermagem, Nutrição e Medicina, já implantados na Cidade Universitária.

Agricultura, pesca e turismo

Na agricultura, as principais produções do município são de feijão, aipim, inhame


e banana. Macaé tem hoje o terceiro maior rebanho do Rio de Janeiro, com 95
mil cabeças de gado e 1.066 produtores. A maior concentração do rebanho está
na área do Vale do Rio Macaé.

A pesca, que no passado foi a principal atividade da cidade, ainda é responsável


por uma boa parte da economia. Hoje, cerca de 1,2 mil pescadores vivem da
pesca no município, totalizando cerca de 15 mil pessoas que vivem direta ou
indiretamente da pesca. Existem cerca de 400 barcos atuando no município. O
volume de pescado por ano é de 50 toneladas/mês, em média. O pescado de
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Macaé é vendido para o Rio de Janeiro e mais 12 estados, além de ser exportado
para os Estados Unidos e a Suíça.

Os atrativos naturais do município fazem do ecoturismo e o turismo de aventura


uma alternativa econômica viável, considerando que 15% do território são
ocupados pelo centro urbano, possuindo uma grande área em direção ao interior
do Município praticamente inexplorada em todo seu potencial.

Unidades de Conservação

Nome Área (ha) Âmbito

- Parque Municipal Fazenda Atalaia 235,2 Municipal

- APA do Sana (Área de Proteção 14.760 Municipal


Ambiental)

- Parque Municipal e APA do Não Delimitado Municipal


Arquipélago de Santana

- APA do Jardim Pinheiro e Morro de Não Delimitado Municipal


Santana- Parque Natural Municipal do
127,82 Municipal
Estuário do rio Macaé

- Parque Nacional da Restinga de 14.860 Federal


Jurubatiba

- Reserva Biológica União 3.126 Federal

- Reserva Particular do Patrimônio 43 Particular


Natural (RPPN)-Sítio Shangrilah - Sana

- Reserva Particular do Patrimônio 162,4 Particular


Natural (RPPN)-Fazenda Barra do Sana

A atuação do movimento ambiental macaense nas décadas de 1980 e 1990

O relato a seguir, pretende resgatar informações que reconstituem alguns


momentos decisivos ao longo da história do desenvolvimento da exploração de
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petróleo e gás na Bacia de Campos no que diz respeito às questões ambientais,


ocorridos em Macaé, principal sede da Petrobras neste empreendimento.

Fundada em 1988 , a Associação Macaense de Defesa Ambiental (Amda),


organizou ambientalistas que anteriormente atuavam de forma descoordenada na
defesa dos interesses ambientais na região. A entidade teve atuação decisiva na
elevação da consciência ambiental da população e dos gestores da época,
resguardando, entretanto, sua personalidade combativa e firme na condução de
seus propósitos.

Ativa numa época de pouco respeito ao meio ambiente, organizou protestos que
cativaram a população, utilizando-se de ferramentas culturais, como o
irreverente “Varal de Poesias”, semanalmente criado e exposto no calçadão da
Praia dos cavaleiros, geralmente trazendo denúncias de ordem ambiental; o
“Jornal Artenativa”, que publicava reportagens e arte em geral produzida na
cidade, e que constituía uma grande rede postal da cultura alternativa brasileira
existente na época; além de performances e shows temáticos com bandas e
poetas locais nas praias e praças públicas.

A atuação da Amda chegou a extrapolar os limites territoriais de seu município


sede, quando protocolou ação judicial, contra a CSN devido ao derramamento de
ascarel no Rio Paraíba do Sul, ação que se arrastou por vários anos, ainda sem
desfecho.

A partir dos anos 2000 a entidade entra num período de inatividade pela falta de
renovação na militância, num momento em que as Ongs passam a ter atuação
mais pragmática, já envolvidas nos projetos de educação, reparação e
conservação ambiental.

Destaca-se o fato de que vários militantes do movimento ambiental chegaram a


ocupar as pastas de meio Ambiente do município de Macaé. Foram os membros
da Associação Macaense de Defesa Ambiental (Amda), ainda, que escreveram o
capítulo de meio ambiente da Lei Orgânica municipal, aprovado na íntegra pela
Câmara de vereadores. Da mesma forma ocorreu com o Plano Diretor de Macaé,
que um ano após a promulgação da Constituição de 1988, ganha um texto repleto
de preocupações ambientais. Estes processos se deram de forma genuinamente
participativa com metodologia empregada por equipe contratada junto à
Universidade de Brasília (UNB).

O movimento ambiental macaense sempre encontrara resistência na relação com


as Ongs do Rio de Janeiro e região metropolitana que pautavam as reuniões da
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Apedema, que tem cadeira no Conama, apenas com questões relativas à sua
realidade, isolando o interior. A imprensa carioca, da mesma forma, não
acompanhou os impactos sociais e ambientais no desenvolvimento da produção
na Bacia de Campos. Os jornais, não raro, confundiam Macaé com Magé ou
Muriaé, evidenciando seu distanciamento com o interior do Estado. Foram
esporádicas e provocadas as notas, matérias e reportagens dos grandes veículos
sobre o assunto.

Campanha Xô Monobóia

E foram decisivas quando aconteceram. Foi, por exemplo, apenas quando a


campanha “Xô Monobóia” ganhou a grande imprensa, que o movimento se
tornou vitorioso. Além de mobilizar a sociedade, mobilizou a classe política
atraída pelos holofotes. Só se envolveu, no entanto, quando o movimento
demonstrou os impactos que poderiam acontecer em cidades como Búzios, Cabo
Frio e outras situadas na região dos Lagos, onde se situam casas de veraneio de
políticos e empresários poderosos.

Tratava-se de uma espécie de ancoradouro flutuante de grandes proporções que


permitia aos petroleiros transferir o óleo para a Estação de Cabiúnas, situada no
entorno do hoje Parque Nacional da Restinga de Jururubatiba. A estrutura estava
prevista para ser instalada a apenas 3 km do Arquipélago de Santana,
transformado em Parque por decreto municipal logo no início do movimento.
Esta monobóia tinha porte para receber navios petroleiros de até 300 mil
toneladas, transferindo esta carga diariamente.

Os riscos eram muitos. O próprio projeto previa uma possibilidade de falhas na


casa dos 0,5%, o que, feito as contas, resultaria em prováveis mil e quinhentas
toneladas/dia de óleo derramados no mar. O engate da monobóia com os dutos
(mangote) era feito de material frágil, e isso foi provado durante o processo
judicial. Fotografias fornecidas por mergulhadores profissionais participantes do
movimento mostravam perfurações causadas por peixes espada em material
equivalente de proporções menores, em uso na própria Bacia de Campos, junto
às plataformas, e que motivaram dezenas de vazamentos de óleo.

O movimento contou com a adesão de grande parte da sociedade. Os próprios


funcionários da Petrobras e terceirizadas, se filiavam à Amda fazendo denúncias
e fornecendo importantes informações. Participaram do movimento além dos
ambientalistas, pescadores, surfistas, sindicatos (destaque para o Sindipetro NF),
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associações de moradores e diversas outras entidades, além da imprensa local,


através dos jornais “Folha Macaense” (extinta) e “O Debate”, e, em especial, da
Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), que aderiu ao movimento e
corajosamente enfrentou a empresa empregadora de seus diretores e associados,
fornecendo subsídios técnicos ao movimento e participando ativamente dele.

Destaca-se, ainda, a participação da Feema, que através de seu representante na


região, mostrou o caminho a ser tomado pelo movimento para respaldar a
entidade no confronto com a maior empresa brasileira, num período em que a
legislação ambiental não olhava para a produção offshore do petróleo e não
havia comprometimentos sociais ou ambientais por parte das empresas.

Ao final do processo, a obra foi embargada e a Petrobras desenvolve toma o


caminho dos dutos terrestres para escoar sua produção a partir deste momento.

Constituída em sua maioria por jornalistas, a entidade povoou o noticiário da


imprensa local e regional com denúncias de todo o tipo. Os vazamentos eram
rotineiros. Os acidentes também.

Na época corria-se atrás da autossuficiência nacional do petróleo. O avanço para


águas profundas foi uma aventura de custo social alto, até que a Petrobras
desenvolvesse e implementasse as tecnologias, procedimentos e capacitação
necessários para a minimização dos riscos nas operações de prospecção e
transferência de óleo. Hoje vemos a mesma pressa na exploração do pré-sal,
esta, entretanto, determinada pelo avanço das tecnologias alternativas aos
combustíveis fósseis.

Mobilização pode ter evitado tragédia ambiental

Os vazamentos ocorridos nas plataformas da Bacia de Campos, entretanto, nunca


chegaram às praias macaenses, protegidas pelas correntes marítimas, que
sempre levaram estas manchas para o alto mar. Os relatos de acidentes feitos
por funcionários embarcados eram freqüentes. E não havia estrutura de
fiscalização que pudesse comprová-los. Mas mesmo assim, eram denunciados e
noticiados, preservadas as fontes.

A resistência ao rolo compressor do petróleo em Macaé foi intensa nas décadas


de 1980 e 1990, e o cenário, hoje, poderia ser muito pior do que o atual.
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Na pior das hipóteses, por exemplo, se instalada a monobóia junto à costa


macaense, todo o turismo poderia ser inviabilizado na região dos Lagos, com a
poluição de suas praias, com risco maior para Búzios em função de sua situação
geográfica. Para não falar nos prejuízos para a pesca e para o meio ambiente
com a destruição dos manguezais e dos demais ambientes costeiros.

Mas como não se contabiliza o que deixou de acontecer, fica esta informação
com o intuito de mostrar que não houve passividade ou imobilismo da sociedade
macaense e da região produtora diante da trajetória da exploração na Bacia de
Campos responsável por 86% da produção nacional de petróleo.

O Pré-Sal e o Meio Ambiente


(Síntese dos artigos já publicados“ Lições para o Pré-sal” , “O pré-sal e o meio ambiente” e “O
Pré-sal e a pesca”– Fernando Marcelo Tavares)

O debate que se aprofunda sobre a destinação dos recursos advindos da


exploração das camadas do pré-sal no litoral sul/sudeste ainda não abordou de
forma contundente um ponto muito importante em toda esta discussão: a
questão ambiental. Ou seja, num momento em que se sabe que é preciso
minimizar o aquecimento global através de adoção de técnicas limpas e
sustentáveis, investindo-se em fontes de energia alternativas em substituição aos
combustíveis fósseis, surgem, das profundezas, 40 bilhões de barris de petróleo,
cujas emissões correspondentes estarão na atmosfera nos próximos anos,
alimentando ainda mais o ciclo do aquecimento global.

Impensável, com as novas posturas empresarias diante da questão ambiental, em


especial da própria Petrobras nos dias de hoje, que não se considere os custos
ambientais da exploração e os contemple na contabilidade geral dos custos,
investimentos e repartições. Mais especificamente, neutralizar todo o carbono
que gerar na exploração do pré-sal, com a logística operacional e com potencial
poluidor do próprio petróleo produzido. Investindo-se em tecnologias limpas,
estruturando novos procedimentos, e plantando árvores, bilhões de árvores
necessárias à neutralização e que nossos mananciais hídricos agradeceriam
muito, aliás, insumo sem o qual não se explora coisa alguma em lugar nenhum. A
discussão sobre onde aplicar os lucros é grande.
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Como se estivéssemos diante do gênio da lâmpada tendo que escolher um desejo,


no caso o da inclusão social que uns entendem deve ser feito através da
educação, outro da saúde e mais um que quer ver os recursos investidos em
habitação. Discussão justa e interessante, até mesmo para percebermos as
dimensões exatas de nossas misérias. Mas, é preciso re-arrumar bois e carroça.
Primeiro os custos, depois, se viável, os lucros. Assim, investimentos em logística
e infra-estrutura nas localidades operacionais, pagamentos de royalties
preferencialmente às cidades impactadas, a neutralização do carbono, além do
planejamento estratégico participativo nas regiões envolvidas, devem ser
prioritariamente garantidos.

A exploração do pré-sal não pode repetir o erro do passado que impactou


demasiadamente cidades como Macaé, que de uma hora para outra se envolveu
num turbilhão transformando-se, da bucólica "Princesinha do Atlântico" à
província petrolífera que dá suporte para a produção de 86% da produção
nacional de petróleo. O planejamento que faltou na implantação da Bacia de
Campos não pode faltar no pré-sal. Tem a questão grave da pesca, a atividade
mais impactada pela produção offshore de petróleo e gás. Tem a questão da
mão-de-obra e da atração de pessoal desqualificado, e o conseqüente surgimento
de favelas em áreas de risco e de preservação ambiental. É preciso garantir que
o desenvolvimento se dê de forma distributiva em várias regiões
simultaneamente, e que as empresas tenham responsabilidade nos municípios
onde operarem.

Estas demandas não são miçangas, nem devem ser substituídas por projetinhos
pra inglês ver nas revistas de responsabilidade social. São custos operacionais
prioritários com referência consolidada.

Feito isso, noves fora, aí sim, deve-se passar à discussão de como vai ser usado o
excedente para minimizar o sofrimento do povo brasileiro, que merece desfrutar
deste tesouro. Se abaixando o preço da gasolina, investindo-se em educação,
saúde, habitação, esporte para todos ... carências não faltam para serem
supridas. Ilusão achar que a exploração do pré-sal vai resolver todos os
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problemas. Não vai. Por isso este impasse diante do gênio. Tirar de mil, um só
desejo.

Planejamento com foco nas cidades

A experiência da Bacia de Campos já reúne subsídios suficientes para um


planejamento mais inteligente e responsável, para que não se arruínem
atividades econômicas tradicionais, não se formem bolsões de pobreza nos
municípios produtores, não se degrade o meio ambiente, e nem exclua o cidadão
comum dos benefícios desta atividade.

Um problema grave no sistema de licenciamento brasileiro quando se trata de


um mega empreendimento como o pré-sal, é que ele analisa separadamente cada
instalação, não havendo um mecanismo que faça a gestão do processo como um
todo. Um mega empreendimento como a exploração do pré-sal deve contar com
um olhar macro que analise todo o universo de desdobramentos sobre a
sociedade, e que resulte num sistema de gestão abrangente.

Está passando desapercebido que o conjunto de empreendimentos que


possibilitarão a exploração do pré-sal, forma um novo empreendimento de
características absolutamente peculiares com relação às atividades que o
compõem, com grande impacto regional, e que deve ser gerido separadamente.

Não há instrumento legal hoje no Brasil que garanta este tipo de gestão, a
exemplo do que ocorreu na Bacia de Campos onde o único planejamento que
houve foi o relativo à produção deixando de fora aspectos relevantes como os
impactos nos municípios provocados pelos processos migratórios, desemprego,
especulação imobiliária, aumento do custo de vida e da demanda por serviços
públicos, crescimento desordenado e a retração da atividade pesqueira,
experiência que reúne subsídios que devem ser considerados em um,
infelizmente improvável, planejamento estratégico do pré-sal.

Da mesma forma como aconteceu com a Bacia de Campos nas últimas décadas,
com os municípios a reboque de decisões estatais e empresariais sem nenhuma
ingerência nos fatos, está acontecendo com o pré-sal, apesar de contar com
disponibilidade de tempo para os planejamentos e adequações necessários,
atualmente desperdiçado com polêmicas infrutíferas como as que têm sido
travadas a respeito dos royalties.
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Deixar por conta do mercado já provou que não é uma boa solução considerando
as maldições já constatadas da cadeia produtiva do petróleo. Mas quem
conduziria esta hercúlea tarefa? Ainda não sabemos, talvez o Ministério das
Cidades. Uma coisa é certa, entretanto: precisa ser conduzida por uma instância
superior,empoderada, independente e representativa, que agregue as mais
plurais participações, envolvendo a sociedade civil organizada, os municípios, os
estados, as empresas e as universidades das regiões envolvidas.

Tarefa difícil, seja pela incompreensão de sua necessidade ou pela falta de uma
cultura participativa. Porém mais fácil do que lidar com problemas como os que
aconteceram no golfo do México, ou os que já se consolidaram nos municípios
produtores e que tenderão a se repetir nos mais de cem municípios litorâneos da
área de abrangência do pré-sal.

Pesca – a atividade mais impactada

A pesca foi a atividade econômica que mais sofreu com a exploração de petróleo
e gás na Bacia de Campos nas últimas três décadas. Um olhar mais minucioso
sobre a convivência desastrosa entre as pequenas traineiras e os super-
petroleiros e rebocadores na Bacia de Campos, certamente captará um cenário
que não pode se repetir na tão promissora exploração da Camada do pré-sal nas
bacias de Santos, Campos e Espírito Santo, cuja extensão chega a 800 km de mar
piscoso e historicamente explorado por pescadores artesanais.

É preciso identificar os reais efeitos da sísmica no comportamento dos cardumes


e minimizar este impacto tão prejudicial aos pescadores. Além dos desafios
tecnológicos para a retirada de petróleo e gás de áreas tão profundas, há os
desafios para evitar que os peixes desapareçam das áreas onde os testes sísmicos
são realizados; para que sejam controladas e evitadas as invasões de espécies
exóticas que devastam os ecossistemas onde são inseridas; para que as
plataformas de petróleo em operação não se transformem em atratores
pesqueiros com o sombreamento e o descarte de resíduos orgânicos,
praticamente convidando as traineiras a ingressarem nas perigosas áreas de
exclusão junto às plataformas em alto mar.

É preciso recuperar os manguezais no continente e formar pesqueiros induzidos


fora da rota offshore. É preciso criar áreas de exclusão também para as
embarcações de apoio. É preciso organizar os pescadores. É preciso repensar o
descarte de resíduos orgânicos pelas plataformas e embarcações em alto mar,
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permitido por norma internacional, mas que têm provocado impactos aqui e por
isso deve ser mudado.

Estes são apenas alguns dos desafios para que a exploração do pré-sal seja
realmente lucrativa para a sociedade brasileira, muito mais importantes do que
os royalties e participações especiais, atualmente em barganha. O pescador
artesanal que tradicionalmente sempre pescou nas águas da Bacia de Campos, foi
a classe que mais perdeu com a busca desenfreada pela auto-suficiência nacional
de petróleo desde a década de 1980. Ele não só já viu esse filme como atuou
nele como o personagem que apanha o tempo todo. Como essa história ganha um
novo capítulo com a descoberta das reservas do pré-sal, ainda há esperança de
que esse personagem não morra no final.

Ações de planejamento propostas

Apresentamos, a seguir, o resumo de uma série de propostas identificadas e


colhidas ao longo do processo de desenvolvimento da Bacia de Campos, em
debates, conversas, seminários, conferências, audiências públicas e fóruns, numa
espécie de grande reflexão sobre diversas iniciativas não implantadas e que
resultaram nos impactos hoje observados em Macaé e demais municípios
produtores e que projetamos para o futuro, no caso, a exploração do pré-sal.

Planejamento global

Gestão macro do processo.

Plano Diretor para a exploração do Pré-sal.

Processo participativo – Organização de Conferências.

Segmentos – Petrobras, empresas, Poder público nas três esferas,


Sociedade Civil, Academia, Instituições ambientais etc.

Experiência da Bacia de Campos como ponto de partida.

Empresas

Maior envolvimento com as cidades onde estão instaladas.


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Responsabilidade Social – Projetos consistentes e estruturantes


complementares às ações governamentais.

Situação atual – ações dispersas, geralmente restritas ao cumprimento de


exigência legais ou relacionadas ao licenciamento, quando existentes.

Inserção de mão-de-obra local – Política de qualificação profissional


antecipada.

SGAs, auditorias ambientais.

Poder Público

Implementação, revisão e regulamentação dos planos diretores municipais


– nivelamento legal.

Zoneamento Costeiro.

Proteção de áreas sensíveis.

Estruturação dos sistemas municipais de meio ambiente.

Licenciamento ambiental municipal – descentralização com controle.

Representação do órgão estadual licenciador em municípios chaves.

Dimensionamento das redes de ensino e de saúde em conformidade com as


previsões de crescimento.

Gestão regionalizada: formação de consórcios, comitês e associações.

Fomento à produção de mudas de espécies nativas.

Recursos para implementação dos programas indicados (Royalties das três


esferas).

Fomento de empreendimentos sustentáveis alternativos ao petróleo.

Fomento à pesquisa.

Planejamento de bairros e condomínios.

Programas habitacionais.
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Qualificação da gestão e implementação de programas de qualificação


profissional.

Aperfeiçoamento da fiscalização em mar pelos órgãos competentes.

Concursos públicos para corpo técnico dos órgãos ambientais.

Capacitação de conselhos e outros institutos participativos.

Política para controle de invasões e monitoramento de processos


migratórios

- Fiscalização – Capacidade de pronta ação.

- Monitoramento de rodoviárias e postos para orientação aos visitantes.

- Política de orientação legal ao cliente em imobiliárias, cartórios e lojas


de material de construção.

- Campanhas educativas.

Universidades e Centros de Pesquisas

Levantamento ambiental cooperativo na área do pré-sal.

Pesquisas para impactos pontuais previstos.

Formação de banco de dados.

Consolidação de pesquisas existentes.

Ações voltadas para a pesca

Criação de unidades extrativistas marinhas.

Inclusão de espécies comerciais nas pesquisas sobre os efeitos da sísmica.

Desenvolvimento de amplo e contínuo estudo ambiental em toda a área do


pré-sal.

Investimento em equipamentos e embarcações, implantação e ampliação


de estaleiros de barcos de pesca artesanais.
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Programas de qualificação e de incentivo ao cooperativismo.

Estruturação de cadeia produtiva.

Recuperação de manguezais.

Definição das rotas para as embarcações de apoio às plataformas, criando


uma área de exclusão também para estas embarcações, em proteção à
atividade pesqueira.

Síntese

Diferentemente do que ocorreu com a Bacia de Campos, é possível desenvolver


um planejamento para a exploração do pré-sal levando em conta os impactos
sofridos pelos municípios produtores nos últimos 30 anos.

Este planejamento deve ser conduzido de forma participativa, com contexto


regional e focado no desenvolvimento da qualidade de vida das populações das
cidades envolvidas.

Dados resumidos do autor

Fernando Marcelo Manhães Tavares, jornalista e ambientalista, nascido em


Niterói, morando por vários anos em Brasília, transferindo-se para Macaé em
meados da década de 1980 a partir de quando se engajou nos movimentos
ambiental e cultural da cidade e região.

Fundador do Partido Verde em Macaé. Fundador e diretor da Associação


Macaense de Defesa Ambiental (AMDA). Fundador e diretor da Associação de
Imprensa do Distrito Federal (AIDF). Correspondente da Agência Brasileira de
Notícias (ABN). Editor da Revista Meio & Ambiente. Editor da Revista Séculus.
Editor do Jornal Artenativa. Participante do movimento literário independente
brasileiro nas décadas de 1980 e 1990. Vice-Presidente da Agenda 21 Macaé.
Presidente do Conselho Municipal de Meio Ambiente e do Conselho da APA do
Sana. Presidente da Comissão Organizadora da I Conferência Municipal de Meio
Ambiente. Organizador da Feira de Educação Ambiental Macaé Sempre Verde, a
primeira feira do gênero do Estado do Rio. Secretário de Meio Ambiente e de
Comunicação de Macaé. Finalizando curso de Gestão Ambiental na Universidade
Estácio de Sá.
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Fontes e referências
Portal da Prefeitura de Macaé - Secretaria de Comunicação Social – www.macae.rj.gov.br

Artigo “O Pré-sal e o Meio Ambiente” publicado no Jornal do Brasil - 2008 – Fernando


Marcelo Tavares

Artigo “O Pré-sal e a Pesca”, publicado nos sites “Envolverde” e “Gente Praias” – 2010 -
Fernando Marcelo Tavares

Artigo “Lições para o Pré-sal” publicado no Globo On Line – 2010 – Fernando Marcelo
Tavares

Deliberações da I Conferência Municipal de Meio Ambiente - 2005

Arquivos da AMDA – Associação Macaense de Defesa Ambiental

Fotos da apresentação: Rômulo Campos, Luiz Bispo, Kaná Manhães

Imagens de Satélite da apresentação: Geo Macaé - Coordenadoria do Gabinete de Gestão


Integrada – GGI

IBGE – Dados populacionais

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