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As primeiras escritas: escrita cuneiforme sumeriana (3.200 aC.); escrita do vale do Indo
(Paquistão, 3.500 a.C.) e a tabueta de proto-escrita egípcia mais antiga conhecida (3.300
a.C):
A escrita propriamente dita surgiu no Oriente Médio e na China há cerca de 5.500 anos.
Destes dois focos principais (pois o americano, surgido independentemente há apenas 1.300
anos, e o do Vale do Indo, que durou de 3.500 a.C. até 1.200 a.C., não deixaram
descendência moderna)1[1], a escrita se irradiou para diversas outras partes da Eurásia. No
1[1]
Os meso-americanos, como os maias, astecas e zapotecas, se extinguiram com a Conquista castelhana e
com eles se foram os segredos de suas escritas, até hoje majoritariamente indecifradas; a escrita do Vale do
Indo permanece também indecifrada, apesar de algumas tentativas não comprovadas - uma delas dizendo que
essa escrita era alfabética.
Oriente Médio, originaram-se dois principais sistemas de escrita: o cuneiforme 2[2], utilizado
por diversos povos e línguas da Mesopotâmia e Pérsia de 3.000 a.C. até 300 d.C., e o
hieroglífico, desenvolvido no Egito e lá utilizado somente para a língua egípcia por mais de
quatro mil e quinhentos anos (4.900 a.C até 300 a.C). Tanto as primeiras escritas
cuneiformes quanto a hieroglífica eram de natureza fonético-pictográfica. Isso significa que
os símbolos usados tanto representavam os sons de uma palavra quanto a forma do objeto
que ela representava. Este sistema não era muito diferente do utilizado pelo Chinês, o único
dos primeiros que continua em uso até hoje, chamado normalmente de ideográfico.
Cientificamente, a escrita cuneiforme sumeriana e a ideográfica chinesa são denominadas
logográficas. Isso significa que cada palavra (“logo”) é representada por um símbolo
(“graphos”). Os hieroglifos egípcios e as escritas cuneiformes assírias e acadianas
(posteriores à sumeriana) são de natureza logo-silábica: há símbolos para palavras e outros
para sons isolados. É por isso que a denominação “ideográfica” (=escrita de idéias),
consagrada para o chinês, é imprecisa, já que os “ideogramas” chineses não representam
idéias, e sim palavras.
Nas línguas do antigo Oriente Médio, como o acadiano, o persa e o egípcio, havia, como no
português, uma série de formas que as palavras podiam assumir de acordo com a
conjugação verbal ou a função na oração, sem que seu significado se alterasse (como no
português: eu> mim; tu> ti, amar> amo, amas; casa> casas, casinha). Era então
necessário que se desenvolvesse um sistema de escrita que mostrasse a pronúncia
diferenciada de cada forma das palavras. Os primeiros sistemas, que funcionavam à base de
logogramas, mostraram-se conseqüentemente imprecisos, sendo desenvolvidos depois
caracteres-sílaba que não possuíam significado e serviam apenas para registrar os
diferentes sufixos, prefixos, partículas sem significado próprio e desinências gramaticais.
Surgia assim a escrita logo-silábica, misturando caracteres puramente logográficos (que
eram desenhos estilizados das palavras que representavam) e caracteres fonéticos (servindo
apenas para indicar a pronúncia). Os hieroglifos egípcios eram claros exemplos desse
sistema.
E, assim como o chinês, o egípcio precisou criar representações para conceitos complexos,
utilizando-se de truques para tal fim. Era como se usassem um hieroglifo composto das
palavras “cama” e “leão” para escrever “camaleão”.
Exemplo de escrita hieroglífica egípcia - 2.300 a.C. (1 a. linha: escrita em papiro -
“hierática” -, 2a. linha: escrita em monumentos):
Por volta de 1.200 a.C., os fenícios desenvolveram uma escrita mais simples, a partir das
escritas logo-silábicas, devido à necessidade de uma forma prática de escrita para que seu
império comercial de então pudesse funcionar melhor. Nesse sistema, cada símbolo
representava uma consoante, sendo que as vogais tinham que ser lembradas pelo leitor. Para
cada consoante, foi escolhido um símbolo que previamente era um logograma
representando uma palavra de uso comum, e foi-lhe dado um valor puramente fonético, de
acordo com seu som inicial. Por exemplo: beth (casa) foi escolhido para o fonema /b/,
‘aleph (boi) foi escolhido para o fonema /’/, a parada glotal3[3] típica das línguas semíticas.
Esse tipo de proto-alfabeto, denominado cientificamente de “alfabeto consonantal”, foi a
origem imediata dos atuais alfabetos hebraico e árabe, que ainda deixam de marcar as
vogais, talvez do alfabeto da Índia, e do alfabeto grego, que apresentou a novidade de
designar símbolos às vogais. Surgia com os gregos, portanto, o verdadeiro alfabeto,
denominado de “alfabeto vocálico-consonantal”.
Na Índia, por volta de 700 a.C., surgiu, para a língua sagrada dos brâmanes, o sânscrito,
uma escrita silábico-alfabética, chamada brahmi, que deu origem a várias escritas indianas
como o devanágari (“escrita divina”, 1000 d.C.), além de escritas do Sudeste Asiático.
Devido ao fato de o sânscrito ser uma língua indo-européia como o grego (embora nem os
gregos nem os indianos se reconhecessem como aparentados na época, pois as pesquisas
lingüística de indo-europeística têm apenas 200 anos), o os hindus 7[7] também sentiam a
necessidade de marcar todos os sons na escrita com precisão. Só que eles foram muito mais
além, criando um alfabeto extremamente rico e complexo, capaz de representar qualquer
som. Esse sistema utiliza-se de formas teóricas de letras que são então combinadas de
forma complexa umas às outras para formarem sílabas e então palavras, sendo denominado
afixos (= sufixos e prefixos) para assumir um significado mas específico dentro daquele conceito geral. Por
exemplo, em árabe, a raiz K-T-B possui o conceito geral de escrita e coisas do tipo. Preenchida com o
conjunto apropriado de vogais e, às vezes, afixos, pode se tornar um verbo (kataba= ele escreveu; aktub= eu
escrevo), alguns substantivos (kitab= livro; maktub= escrito, carta) e outras coisas (em hebraico essa raiz é K-
T-V, mas livro é "sefer", e "kitav" é "um escrito"). Os preenchimentos vocálicos são geralmente os mesmos
para todas as raízes, então você viu que K-T-B ganhou o prefixo ma- +1a.consoante+2a. consoante+u+3a.
consoante, e virou "maktub"= escrito, carta. Pois então a raiz K-L-M (falar, dizer) se tornaria "maklum" (dito,
falado), além de outras formas possíveis como "kalma" (palavra).
5[5]
A família indo-européia de línguas inclui um grupo de línguas extenso que inclui o persa, as línguas da
Índia (arianas), o armênio, o grego, o latim e descendentes, o alemão, o inglês, o sueco, o russo, o polonês e as
línguas célticas. Elas se caracterizam por uma riqueza de formas flexionais. A relação entre essas línguas foi
notada por lingüistas no final do séc. XVIII e comprovada cientificamente no séc. XIX.
6[6]
Os nomes das letras fenícias, que se preservaram para o hebraico moderno, passaram adaptados para o
grego: aleph > alpha; beth > beta; gimel > gama; daleth > delta - muito embora em grego nada mais
significassem.
7[7]
A denominação “hindu” foi dada aos indianos pelos árabes, sua auto-denominação nativa era “védico”.
“alfabeto silábico”. O resultado são algumas das escritas visualmente mais harmoniosas do
mundo.
8[8]
Discute-se desde 1998, com algumas novas descobertas, se a escrita silábica teve origem verdadeiramente
na Índia, na civilização do Vale do Rio Indo (Mohenjo Daro, Harapa) e daí se espalhado para o Oriente
Médio. Mesmo assim, é pouco provável que a escrita brahmi seja derivada da escrita do Indo, pois esta já
estava extinta há séculos quando aquela apareceu.
Etruscos e latinos: a escrita se expande
Como se pode ver, a letra “V” representava o som /u/, e o som /v/ não existia em latim
clássico. A letra e o som “j” não existiam, nem tampouco o “w”. O alfabeto latino era
portanto assim: A, B, C, D, E, F, G, H, I, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, V, X, Y, Z, sendo que
as letras K, Y e Z serviam apenas para grafar palavras de origem grega. A letra C
representava sempre o som /k/: Ave Caesar era pronunciado “áue cáissar”. Não é à toa que
“imperador” em alemão até hoje é “Kaiser” - as tribos germânicas ouviram o termo há
2.000 anos e mantiveram sua pronúncia, enquanto nas línguas latinas a palavra evoluiu para
“César” em português, “Cesare” /tchézare/ em italiano, etc. Mesmo uma palavra como
“cerevesia” (cerveja, em latim clássico) era pronunciada /kereuéssia/. Conclui-se, já que o
alfabeto latino fora adaptado a partir do grego exclusivamente para o latim, que cada letra
mantinha sempre seu valor básico, não importa em que posição.
Veja na tabela a seguir a evolução de cada letra desde o fenício até o latim clássico:
fenício grego latim
nome significado original letra nome pronúncia (400 letra nome pronúncia
e pronúncia a.C.) (150a.C.)
Idade Média: as grandes línguas clássicas morrem mas suas escritas não.
O Império Romano chegou a um fim por volta de 340 d.C., e suas línguas oficiais - o grego
clássico e o latim - deixam de ser falados. Surgem o grego medieval e as línguas neo-latinas
(português, castelhano, catalão, francês, italiano, provençal, romeno, etc.), marcadas agora
pela dominação da Igreja Católica Ortodoxa (grega) e Romana. As línguas neo-latinas
ainda demorariam a ser escritas, pois preferia-se ainda o latim, que não era mais falado, só
escrito, mas agora já diferia do latim clássico. A esse latim cristão dá-se o nome de latim
medieval, usado até hoje pela Igreja de Roma.
Mas nas secretas bibliotecas monásticas, os monges copistas cuidadosamente reproduziam
as grandes obras da Antigüidade para garantir que sobrevivessem ao tempo. Esses monges,
em nome da praticidade e influenciados pela estética medieval obscura, desenvolveram as
escritas cursivas, manuscritas, em que as letras se ligavam umas às outras de modo a
agilizar a cópia. Essa escrita cursiva deu origem às letras minúsculas latinas e gregas,
desconhecidas na Antigüidade, quando só se usava as maiúsculas. Nossa atual escrita à
mão, obviamente, também tem essa origem.
Pater Noster qui es in caelo sanctificetur nomen tuum. Fiat voluntas tua.
Adveniat regnum tuum, sicut in terra et in caelis.
Lê-se (1.200 d.C.): pater nóster qüi es in tchélo, sanctifitchétur nomen tuum. Fiat voluntas tua. Advêniat
regnum tuum, sicut in terra et in tchélis.
(160 a.C.): páter noster qüi es in kailo, sanctifikétur nomen tuum. Fíat uolúntas tua. Aduêniat regnum tuum,
sicut in terra et in káilis.
Exemplos de escritas européias modernas (na ordem: sueco, alemão, francês, polonês,
tcheco, russo, georgiano e armênio) :
Mas essa onda de mudanças não varreu somente a Europa: na Ásia, as diversas escritas
clássicas passaram a ser usadas para as novas línguas emergentes, e para outras línguas que
jamais haviam sido escritas.
Na Índia, o alfabeto devanágari passou por modificações superficiais para se escrever o
hindi, o gujarati, o bengalês, o nepalês, o caxemiro e outras. O Tibete, a Tailândia, a
Birmânia, o Laos e o Camboja, assim como certas línguas do sul da Índia, adotaram escritas
de inspiração brahmi, devido à influência do budismo.
Os árabes solidificaram sua escrita de origem fenício-aramaica 9[9] por volta de 650 d.C.,
com o surgimento do islamismo. Sua escrita passou para línguas de povos convertidos
como o persa - que já estava abandonando a escrita cuneifome mesmo- e o turco, que,
contudo, veio a adotar a escrita latina em 1923. O egípcio morreu definitivamente como
língua falada com a conquista árabe no século VII, mas então já se desenvolvera no Egito
uma escrita alfabética de inspiração grega denominada alfabeto cóptico - preservada até
hoje pela Igreja Cóptica.10[10]
Na China, a escrita, como a língua, sofreu poucas mudanças, pois sua civilização foi a
única da Antigüidade a sobreviver até hoje. Mas seus ideogramas foram adotados pelos
coreanos e japoneses, que, contudo, desenvolveram depois alfabetos silábicos para designar
elementos gramaticais e conjugações, para uso complementar aos ideogramas, já que essas
línguas têm uma estrutura completamente diferente da chinesa. A escrita silábica coreana
(hangul) é de inspiração devanágari ou brahmi, enquanto que a japonesa (hiragana e
katakana) consiste de sílabas fixas derivadas de ideogramas simplificados. O japonês e o
coreano são, portanto, escritos de maneira logo-silábica.
A Etiópia permanece como o único país africano negro a desenvolver uma escrita própria
para sua língua, o amárico, desenvolvida no século VI e usada até hoje. Tanto a língua
amárica como seu alfabeto são originados do Oriente Médio, mais precisamente de uma
escrita do Iêmen pré-islamico já extinta, a chamada escrita sul-arábica, que não marcava as
vogais. Mas os etíopes desenvolveram sinais para as vogais, o que os destaca como
inventores de um alfabeto.
9[9]
A versão da escrita aramaica que, misturada com letras fenícias e outras, deu origem à escrita árabe, era
alternativa, razão pela qual o árabe difere tanto do fenício que tinha letras quadradas e deu origem ao alfabeto
grego.
10[10]
A Igreja Cóptica foi uma das primeiras do mundo (200d.C.), e nem a invasão muçulmana do século VII a
exterminou. Hoje 10% dos egípcios pertencem a essa igreja, mas a língua cóptica, descendente do antigo
egípcio, foi completamente substituída pelo árabe no séc. XVII, sendo hoje utilizada somente pelos sacerdotes
coptas.
A invenção da imprensa e a expansão colonial européia: universalização do alfabeto
latino.
Exemplos de escritas não européias a usarem o alfabeto latino (na ordem: zulu, suaíli,
turco e malaio12[12]):
11[11]
O quirguiz, o turcomeno e o uzbeco, línguas aparentadas ao turco faladas nas ex-repúblicas soviéticas da
Ásia Central, já completaram a transição à escrita latina de base turca; o cazaque, da mesma família, está em
transição; o mongol. contudo, não abandonará o cirílico tão cedo.
12[12]
O zulu é uma língua do sul da África; o suaíli, da África Oriental (Quênia e Tanzânia); o turco abandonou
a escrita árabe em 1923; o malaio o fez há uns dois séculos.
Não somente de letras, logogramas e silabários se faz a escrita humana. Desde os
primórdios, centenas de outros símbolos vêm sido usadas para se registrar o conhecimento
humano. As quantidades, por exemplo, desde cedo eram representadas não pelas palavras
que as designavam na língua falada, mas por símbolos especiais. Nada de mais para as
escritas logográficas, em que tudo tinha um símbolo especial. Mas nas línguas escritas
alfabeticamente, as quantidades e cálculos permaneceram a ser caracterizadas por simbolos
especiais, geralmente uma letra do alfabeto. Os numerais romanos, exemplos desse sistema,
com sua notória precariedade - quem diria - são utilizados por nós até hoje. Os romanos
derivaram seu sistema dos gregos, que o adaptaram dos fenícios e judeus. Mas se não era
tão difícil expressar quantidades simples com esse sistema alfabético de numeração,
calcular somas, divisões e multiplicações era uma tortura, um desafio para os gênios.
Imagine dividir MCCVIII por MMMCCXVIII... Muito mais fácil dividir 1208 por 3218,
não? Pois é, a diferença entre esses dois sistemas é nada. Isso mesmo, nada. Zero. O zero, a
noção abstrata de vazio, foi um desenvolvimento fundamental para o pensamento humano.
No ocidente, esse sistema é tradicionalmente denominado “arábico”. É verdade que ele foi
introduzido na Europa pelos árabes na Idade Média (cerca de 910), mas estes apenas o
conheceram dos indianos, seus verdadeiros inventores.
Intimamente ligada à língua, a escrita, contudo, em sua evolução, não pode ser tomada
como sinônimo do idioma que a utiliza. Se nós vemos, por exemplo, جذىذذيذسًُْش ششيىصescrito em
algum lugar, dizemos “olha lá aquilo escrito em árabe”. Mas na verdade, a menos que
conheçamos a língua árabe e saibamos lê-la, não podemos afirmar ser aquilo árabe. Só
temos certeza de que se trata de letras árabes. O persa, por exemplo, que é uma língua tão
diferente do árabe quanto o português, é escrito com o mesmo alfabeto consonantal. Saiba,
portanto, distinguir entre escrita e língua. O exemplo arábico acima, por exemplo, não está
escrito em nenhuma língua, é apenas um amontoado de letras.
O mesmo vale para a evolução da escrita. Na escola, nada nos é ensinado sobre a evolução
das línguas, e pouco se fala sobre a escrita: surgiu no Oriente Médio, passou aos gregos e
daí aos romanos. Até aí nada de errado, mas essa simplificação acaba por nos levar a crer
que as línguas seguiram o mesmo curso que as escritas. Nada poderia estar mais longe da
verdade. Os povos do antigo Oriente Médio eram todos semitas (na verdade o nome
científico é camito-semítico), à exceção dos persas e sumérios. Os persas, hindus e
europeus eram (e são) indo-europeus. A escrita nasceu, portanto, com um povo que não era
nem semita nem indo-europeu: os sumérios, que, até onde se saiba, não pertencem a
nenhum grupo maior.
Mas o que significa “povo semita” e “povo indo-europeu”? Na verdade, essas
denominações não se aplicam a raças, e sim às línguas que cada povo fala. Nós, brasileiros,
somos “indo-europeus”, pois falamos português. Os judeus são considerados “semitas”,
pois originalmente falavam hebraico. Mas qual a importância? Bem, para a história da
escrita basta saber que a estrutura da língua influencia na maneira com que elas são escritas,
como se pôde ler no capítulo sobre fenícios, gregos e hindus.
Os indo-europeus são, hoje, os europeus (exceções: finlandeses, húngaros, estonianos,
lapões e bascos), os persas (ou iranianos), os curdos, os indianos (excetos alguns do sul),
paquistaneses, afegãos e bengaleses. Pressupõe-se que as línguas faladas por esses povos
tenha vindo a partir de uma tribo que há uns 6.500 anos começou a se espalhar do sul da
atual Rússia levando consigo sua língua até a Europa e Ásia, onde começaram a se cindir
em diferentes tribos e dialetos à medida em que se distanciavam uns dos outros e
encontravam outros povos no caminho. Há 3.800 anos, já haviam se formado os principais
troncos lingüísticos derivados do antigo indo-europeu: Na Itália, o itálico; Na Grécia, o
grego; na Europa Oriental, o eslavo; no norte da Europa, o germânico; na Pérsia, o
irânico; na Europa Ocidental, o celta; no norte da Índia, o ariano e, no Cáucaso, o
armênio. Do itálico, depois se desenvolveram o latim e descendentes; do eslavo, o russo,
polonês, servo-croata, tcheco, búlgaro e ucraniano; do germânico, o alemão, o holandês, o
inglês e as línguas escandinavas (exceto finlandês); do irânico, o persa antigo e moderno e
o curdo; e, do céltico, o gaulês antigo, e os modernos irlandês, escocês e galês.
Portanto é outro erro assumir que todas as línguas modernas derivam do latim. O alemão, o
russo, o inglês e o polonês na verdade são sobrinhas do latim, vindas de suas irmãs antigas.
O latim, por sua vez, é irmão do grego, pois ambos derivam do antigo indo-europeu.
Os primeiros indo-europeus a aprenderam a escrita o fizeram através dos semitas, como os
hindus (arianos) e gregos. Mas suas línguas não derivam das línguas semíticas - de fato,
diferem tanto delas que tiveram que inventar as letras para as vogais.
No caso do Extremo Oriente, também deve-se estar avisado que as línguas de lá diferem
mais entre si do que os da Europa e Oriente Médio. Para efeito prático, pressuponha apenas
que todas as línguas do Extremo Oriente são 100% diferentes umas das outras. Mas então
como tanto os japoneses quanto os chineses escrevem “y”” para “lua”? É que se trata de
um logograma sem relação com a pronúncia, pois em chinês “lua” é “yue” e em japonês
“tsuki”.
Depois de se ler tantos fatos sobre essa invenção fundamental da humanidade, pode-se
perguntar qual a importância de se conhecer a história da escrita. Bem, para começo de
conversa, a invenção da escrita equivale à invenção da civilização. É difícil precisar qual
proporcionou qual. Por onde quer que tenha passado, a escrita mudou para sempre os povos
e a maneira como levavam sua vida.
No início, a escrita possuía um aspecto religioso e político: era exclusiva das classes
dominantes, para que fossem os detentores do conhecimento e do poder. Além disso, as
escritas antigas eram complexas pois sua finalidade não era prática, e sim ritualística,
religiosa. Escrevia-se o conhecimento como um auxílio às práticas orais e aos rituais, e para
ensinar as tradições às novas gerações. Eles deixavam de simplificar a escrita não por
incapacidade, mas sim para evitar que o conhecimento se transferisse da memória para o
papel, papiro ou pedra. Como diziam os antigos hindus, “todo conhecimento em livros é
inútil e perdido como dinheiro emprestado”. A escrita, portanto, nasceu com a finalidade
de manter as estruturas sociais e não a de alterá-las.
À medida que o mundo se tornava mais complexo e surgiam rotas de comércio e impérios
vastos, tornou-se necessário desenvolver uma escrita prática. Os fenícios, pioneiros em
finanças internacionais, é que deram o golpe definitivo no elitismo da escrita: com apenas
vinte e poucas letras, podiam pôr todo o conhecimento humano à disposição de quem
quisesse e pudesse. Os gregos apenas deram um toque de racionalidade no alfabeto
consonantal fenício, adicionando vogais à escrita e dando-lhe um aspecto linear, quase
como uma linha de montagem, sem o qual a grande folosofia grega talvez não se
desenvolvesse. Escreve Marshall McLuhan, em seu “Understanding Media” (“Os meios de
comunicação como extensões do homem”, cap. 9):
“O mito grego sobre o alfabeto era que Cadmus, o rei mítico que teria introduzido as
letras fonéticas na Grécia, semeou os dentes de um dragão, e deles brotaram homens
armados. Como qualquer outro mito, este encapsula um processo prolongado em um
‘insight’ instantâneo. O alfabeto significava poder, autoridade e controle de estruturas
militares a distância. Quando combinado com papiro, o alfabeto singificou o fim das
burocracias paralíticas dos templos e do monopólio religioso do conhecimento e do poder.
Diferentemente da escrita pré-alfabética, que com seus inúmeros signos era difícil de
dominar, o alfabeto podia ser aprendido em algumas horas. A aquisição do conhecimento
tão extenso e da habilidade tão complexa que a escrita pré-alfabética representava,
quando aplicada a materiais tão pouco práticos como tijolos e pedra, assegurava à casta
dos escribas o monopólio do poder religioso. O alfabeto mais simples e o papiro barato,
leve e transportável, postos juntos, efetivaram a transferência do poder dos religiosos aos
militares. Tudo isso implicava no mito de Cadmus, incluindo a queda das cidades-estado, o
surgimento de impérios e de burocriacias militares.”
Mas agora o mundo é outro. No século vinte, a cultura visual está ameaçando a cultura do
alfabeto fonético. A eletricidade e a informática nos dão novos meios de conhecer a
realidade e de armazenar nossos pensamentos além da escrita. Logotipos, ícones, gráficos,
filmes, vídeos, jingles, músicas ameaçam tirar (se é que já não tiraram) o monopólio do
alfabeto como meio de registrar a cultura. Na China e no Japão, que nunca saíram da
cultura visual-intuitiva por causa de seus logogramas, a nova cultura visual-eletrônica é
absorvida com mais naturalidade do que na Europa alfabética, e não é à toa que esses povos
e outros do Oriente são vistos como os que dominarão o futuro.
Mas, no planeta Terra, o alfabeto vocálico-consonantal ainda parece dominar, pois é com
ele que se escreve a língua internacional: o inglês. Contudo, uma análise um pouco mais
profunda mostra que o inglês concilia o visual com o fonético, o linear com o caótico, e o
lógico com o ilógico. Por exemplo, o grupo de letras “ough” é pronunciado de maneira
diferente nas palavras tough /tãf/, thought /thót/, though /dhôu/ e through /thru/. Não há
consistência na relação letra-fonema na ortografia inglesa. Você simplesmente, em muitos
casos, tem que olhar para a palavra e se lembrar de sua pronúncia. O inglês é quase uma
língua de escrita logo-silábica, pois algumas palavras têm pronúncia arbitrária e outras,
lógica. Algumas palavras têm a mesma pronúncia, mas significando coisas diferentes e
portanto tendo escritas diferentes (cf. chinês, sumeriano): “write” (escrever), “right”
(direito) e “rite” (rito), todos pronunciados /ráit/.
É claro que a comparação da escrita inglesa com as logo-silábicas ou silábicas é exagerada,
mas serve para mostrar que a nova cultura visual do mundo de hoje aceita o sucesso do
inglês, em parte, por causa da visualidade e arbitrariedade de sua ortografia, ativando, como
logotipos e logogramas, nossos sensos visuais mais do que qualquer outra língua de escrita
vocálico-consonantal. Alia, pois, a linearidade industrial do alfabeto à intuitividade da
cultura visual - que língua mais perfeita para o mundo de hoje!
Bibliografia
“A aventura das línguas”, Hans Joachim Störig, 3a. edição, Ed. Melhoramentos, ©1990
“Deuses, Túmulos e Sábios”, C.W. Ceram, 6a. edição, Ed. Melhoramentos, ©1953
“Ancient Iraq”, Georgers Roux, 3a. edição, Penguin Books ©1964
“Understanding Media”, Marshall McLuhan, 1a. edição, Routledge, ©1964
“O Legado de Babel”, Ricardo C. Salles, 1a. edição, Ao Livro Técnico, ©1993
“Teach Yourself Ancient Greek”
“Modern Hebrew Grammar”
“Teach Yourself Sanskrit”
“Teach Yourself Latin”
“Essentials of Hindi Grammar”
“Reading and Writing Chinese”
Internet: