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procurava. Olhou de perto a cara da mulher, não conseguiu distinguir-lhe os traços.

Sinha Vitória perceberia a atrapalhação dele? Havia ali outros matutos conversando,
e Fabiano enjoou-os. Se não estivesse tão ansiado, arrotando, suando, brigaria com
eles. A interrogação que lhe aperreava o espírito confuso juntou-se a idéia de que
aquelas pessoas não tinham o direito de sentar-se na calçada. Queria que. o
deixassem com a mulher, os filhos e a cachorrinha. Cambada de quê? Soltou um grito
áspero, bateu palmas:
– Cambada de cachorros.
Descoberta a expressão teimosa, alegrou-se. Cambada de cachorros.
Evidentemente os matutos como ele não passavam de cachorros. Procurou com as
mãos a mulher e os filhos, certificou-se de que eles estavam acomodados. Uma
contração violenta no pescoço entortou-lhe o rosto, a boca encheu-se novamente de
saliva. Pôs-se a cuspir. Serenou, respirou com força, passou os dedos por um fio de
baba que lhe pendia de beiço. Estava era tonto, com uma zoada infeliz nos ouvidos.
Ia jurar que mostrara valentia e correra perigo. Achava ao mesmo tempo que havia
cometido uma falta. Agora estava pesado e com sono. Enquanto andara fazendo
espalhafato, a cabeça cheia de aguardente, desprezara as esfoladuras dos pés. Mas
esfriava, e as botinas de vaqueta magoavam-nos em demasia. Arrancou-as, tirou as
meias, libertou-se do colarinho, da gravata e do paletó, enrolou tudo, fez um
travesseiro, estirou-se no cimento, puxou para os olhos o chapéu de baeta. E
adormeceu, com o estômago embrulhado.
Sinha Vitória achava-se em dificuldade: torcia-se para satisfazer uma precisão e
não sabia como se desembaraçar. Podia esconder-se no fundo do quadro, por detrás
das barracas, para lá dos tamboretes das doceiras. Ergueu-se meio decidida, tornou a
acocorar-se. Abandonar os meninos, o marido naquele estado? Apertou-se e
observou os quatro cantos com desespero, que a precisão era grande. Escapuliu-se
disfarçadamente, chegou a esquina da loja, onde havia um magote de mulheres
agachadas. E, olhando as frontarias das casas e as lanternas de papel, molhou o chão
e os pés das outras matutas. Arrastou-se para junto da família, tirou do bolso o
cachimbo de barro, atochou-o, acendeu-o, largou algumas baforadas longas de
satisfação. Livre da necessidade, viu com interesse o formigueiro que circulava na
praça, a mesa do leilão, as listas luminosas dos foguetes. Realmente a vida não era
má. Pensou com um arrepio na seca, na viagem medonha que fizera em caminhos
abrasados, vendo ossos e garranchos. Afastou a lembrança ruim, atentou naquelas
belezas. O burburinho da multidão era doce, o realejo fanhoso dos cavalinhos não
descansava. Para a vida ser boa, só faltava à Sinha Vitória uma cama igual à de seu
Tomás da bolandeira. Suspirou, pensando na cama de varas em que dormia. Ficou ali
de cócoras, cachimbando, os olhos e os ouvidos muito abertos para não perder a
festa.
Os meninos trocavam impressões cochichando, aflitos com o desaparecimento
da cachorra. Puxaram a manga da mãe. Que fim teria levado Baleia? Sinha Vitória
levantou o braço num gesto mole e indicou vagamente dois pontos cardeais com o

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