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Resumo: Esta revisão bibliográfica visa abordar os principais aspectos relacionados aos solos e a relação destes com os
ecossistemas florestais, bem como a contextualização do componente edáfico, no âmbito físico, químico e biológico e apontar
os resultados obtidos em diversas pesquisas neste contexto. O solo que ocorre sob floresta, apresenta características químicas
e físicas diferenciadas de outros ambientes, onde a manutenção da fertilidade dar-se-á principalmente em função da ciclagem
de nutrientes. De acordo com as condições do solo como nível de fertilidade, propriedades físicas, biológicas e até mesmo
relevo e regime de umidade, pode-se verificar que há maior expressão de espécies ou até mesmo predomínio de uma tipologia
florestal. No entanto, estas relações são estreitas e mais pronunciadas em nível de microescala, influenciadas expressivamente
por diversos fatores relacionados ao sítio. Sendo assim, torna-se imprescindível incluir o máximo possível de variáveis
ambientais a serem analisadas quando o objetivo é verificar as relações entre o tipo de solo e a vegetação. Ressalta-se à
importância de abordagens mais amplas acerca do tema, com ênfase aos aspetos biológicos do solo, muitas vezes suprimidos
nas abordagens científicas, bem como a incorporação de novos estudos.
Abstract: This literature review aims to address the main aspects related to soils and their relation to forest ecosystems, and
the contextualization of the edaphic component, in the physical, chemical and biological context, and to identify the results
obtained in various studies in this context. The soil that occurs in forests, presents chemical and physical characteristics
different from other environments where the maintenance of fertility will occur mainly as a function of nutrient cycling.
According to the level of fertility of the soil, physical, biological and even topography and moisture regime conditions, it can
be seen that there is greater expression of species or even a predominant forest type. However, these relations are narrow and
more pronounced at the level of micro scale influenced significantly by various abiotic factors. So it is essential to include the
maximum possible environmental variables to be analyzed when the scope and examine relationships between the type soil
and vegetation. We emphasize the importance of broader approaches on the subject, with emphasis on biological aspects of
soil, often suppressed in scientific approaches and eat the incorporation of new studies.
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Distinguindo ambientes através das relações expressou-se uma grande riqueza e variedade de
entre o solo e a vegetação relações edáficas e vegetacionais específicas
conforme cada bioma brasileiro, em escala
A classificação do solo e suas relações com a regional ou local, desde macroescala até escala
vegetação remontam antes de Cristo com os de sítio (SCHAEFER et al., 2012).
chineses, conforme descrito em Gong et al. Isto ocorre em decorrência das propriedades
(2003). A percepção inicial existente entre a físicas, químicas e biológicas do solo, que
relação do solo com a vegetação ocorreu de influenciam a distribuição dos agrupamentos
forma associada à produtividade, e de acordo vegetais e das espécies na floresta (PUIG, 2008).
com o tipo de cobertura do solo. As variações em função das condições edáficas
Em estudo realizado sobre a origem e podem ser detectadas, entretanto, ainda faltam
desenvolvimento da classificação do solo na informações de correlações específicas entre os
China, um dos países pioneiros no assunto, os diversos tipos de solos e as diversas variações
chineses iniciaram a classificação do solo no das formações vegetacionais. Exemplos como a
período da Dinastia Han (206 a.C. - 220 d.C.), constatação do nível ótimo de umidade do solo
analisando primeiramente as características em detrimento da aptidão, tolerância e
morfológicas, considerando principalmente o desenvolvimento de espécies, bem como qual é
aspecto mais perceptível, que era a cor e, então a exigência nutricional requerida ao
realizavam inferências de acordo com desenvolvimento de uma maior diversidade de
quantidade de alimento produzido, o tipo de espécies, em situações de locais degradados
vegetação ocorrente, a posição que a vegetação (JACOMINE, 2009).
ocupava na paisagem e ainda, consideravam a A heterogeneidade florística associada à
umidade do solo para determinação da variação de condições ambientais,
fertilidade (GONG et al., 2003). principalmente as relacionadas ao solo
No ocidente, as constatações iniciais se deram condicionam a coexistência de espécies vegetais,
pelos índios da América do Norte e também com diferentes exigências ecológicas. As
pelas tribos Mongólias da Eurásia, que diferenças quanto à composição e estrutura da
observaram uma nítida adaptação das plantas de comunidade florestal também são refletidas no
acordo com o tipo de solo, avaliando a solo (PINTO et al., 2008).
produtividade. Por dependerem diretamente da Em um fragmento de floresta nativa, no
floresta, estes povos passaram a compreender os domínio da Mata Atlântica, Pinto et al. (2008)
fatores que influenciavam a distribuição das avaliaram duas áreas com presença de floresta,
árvores, arbustos, e todo tipo de vegetação que uma em estágio inicial de sucessão, onde a
cobria o solo, associando à qualidade da regeneração estava se estabelecendo em uma
madeira, casca e fibras, bem como a área destinada à pastagem, que estava isolada há
susceptibilidade das áreas ao fogo. 40 anos, e a outra um maciço florestal em estágio
Primordialmente, registros de estudos avançado de sucessão, bem preservado e sem
considerando a relação entre solo e nutrição interferência antrópica. Constataram que o solo
vegetal datam desde a época de Aristóteles (322 sob a floresta em estágio inicial de sucessão é de
- 384 d.C), depois Theophrastus (287 - 372 d.C) baixa fertilidade, com maior porcentagem de
e, a relação entre solo e crescimento das árvores areia, baixo teor de umidade e matéria orgânica,
foi elucidada, de forma pioneira, por Cato (149 - pH ácido, com elevada saturação por alumínio
234 - d.C), Virgil (– 19 - 70 d.C) e Varo (27 - trocável e maior abertura do dossel, onde nesta
116 - d.C) (WILDE, 1958). situação ocorreram apenas 11 espécies,
No Brasil, os levantamentos pedológicos pertencentes à 10 famílias botânicas. Já na área
separaram os tipos de vegetação de acordo com de floresta madura, o solo é eutrófico, com maior
as classes de solo, servindo assim como guia porcentagem de silte, maior conteúdo de
para detecção de sítios distintos. Com isso, umidade e matéria orgânica, onde ocorreram 24
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Em Floresta Estacional Subtropical, no bioma biomassa de fauna nesta fitofisionomia, com
Mata Atlântica, Almeida (2010) avaliou a maior densidade de microartrópodes (70.000 ind
formação de agrupamentos de vegetação m-2) em comparação à área de savana (38.000
arbustiva e arbórea, conforme as características ind m-2), peso fresco de macrofauna na
de declividade do terreno e de solo (capacidade amplitude de 36 a 96 g m-2, sendo que, as
de troca de cátions, teor de argila, acidez minhocas representam de 49 % a 91 % da massa
trocável). Foi detectada a presença de espécies total, sendo estas fundamentais na degradação da
indicadoras, formando dois grupos de acordo matéria orgânica. As formigas, organismos
com as características do solo, correlacionadas muito importantes para a decomposição da
estas à capacidade de troca de cátions, teor de serapilheira, são as mais abundantes, no entanto,
argila, acidez trocável, variando conforme a representam de 1,1 % a 7,1% da biomassa.
declividade. Na mesma tipologia, Dullius (2012) O autor supracitado ainda menciona que a
realizou estudo no Rebordo do Planalto do Rio macrofauna é mais diversa em áreas de floresta
Grande do Sul, no município de Itaara, em dois tropical úmida madura quando se compara às
níveis diferentes de sucessão (floresta áreas de capoeira, savana e pastagem. Por
secundária e capoeira), onde verificou que as exemplo, em uma floresta na Guiana Francesa há
espécies distribuem-se em função da variação maior número de indivíduos e mais biomassa de
dos atributos pedológicos, condicionados fauna, quando comparada a uma área de
principalmente pelo relevo da área. capoeira, onde há expressividade de predadores
No entanto, ao avaliar uma topossequência, como grilos, aranhas e hemípteras. Além da
Scipioni et al. (2011), verificaram que a influência do tipo vegetacional sobre a fauna, o
qualidade química e granulometria do solo não solo também pode afetar a velocidade de
influenciaram de forma significativa a decomposição de resíduos, uma vez que em
distribuição e abundância de espécies, mas sim solos bem drenados a velocidade de degradação
houve influência da declividade e do grau de de tecidos foliares é mais acelerada quando
desenvolvimento do solo. Dullis (2012) afirma comparada a sítios hidromórficos, que implicam
que as associações entre a distribuição das em condições anaeróbicas.
espécies e gradiente ambientais só podem se Variações em função do solo são detectadas,
tornar verdadeiros após a repetição do mesmo entretanto, faltam informações de correlações
padrão em diversas áreas. específicas entre os diversos solos e as diversas
Em relação aos aspectos biológicos do solo, variações das formações específicas ocorrentes
de acordo com Ferreira et al. (2013), o sistema nessas situações. Jacomine (2009) recomenda
serapilheira-solo compreende o substrato que sejam feitos estudos de correlação
necessário para a grande parte da biodiversidade aprofundadas entre as diversas classes de solo e
em ecossistemas florestais. A macro, meso e respectivas formações florestais, com destaque à
microfauna tem papel importante na manutenção ocorrência de espécies indicadoras.
da biodiversidade dos ecossistemas naturais,
desempenhando funções importantes à
manutenção de fertilidade do solo, seja pela Considerações finais
adição e decomposição da matéria orgânica,
associações simbióticas, relações sinérgicas e Vários trabalhos estão sendo realizados
antagônicas, dentre outras contribuições. acerca do tema das relações entre solo e
Para a floresta tropical úmida, Puig (2008) vegetação, no entanto, em função de
relata a presença de grupos dominantes na fauna especificidade dos estudos, os resultados não
do solo, onde formigas, térmitas, coleópteros, podem ser extrapolados ou generalizados para os
minhocas e miriápodes são expressivos, mais variados ambientes.
principalmente na interface solo/serapilheira. O Em função da extensão territorial, a
autor ainda menciona aspectos ligados à diversidade existente entre tipologias florestais e
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