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Ecologia e Nutrição Florestal


www.ufsm.br/enflo
ISSN: 2316-980X Artigo de Revisão

Relações entre solo e fitofisionomias em florestas naturais 1

Grasiele Dick2; Mauro Valdir Schumacher3

Resumo: Esta revisão bibliográfica visa abordar os principais aspectos relacionados aos solos e a relação destes com os
ecossistemas florestais, bem como a contextualização do componente edáfico, no âmbito físico, químico e biológico e apontar
os resultados obtidos em diversas pesquisas neste contexto. O solo que ocorre sob floresta, apresenta características químicas
e físicas diferenciadas de outros ambientes, onde a manutenção da fertilidade dar-se-á principalmente em função da ciclagem
de nutrientes. De acordo com as condições do solo como nível de fertilidade, propriedades físicas, biológicas e até mesmo
relevo e regime de umidade, pode-se verificar que há maior expressão de espécies ou até mesmo predomínio de uma tipologia
florestal. No entanto, estas relações são estreitas e mais pronunciadas em nível de microescala, influenciadas expressivamente
por diversos fatores relacionados ao sítio. Sendo assim, torna-se imprescindível incluir o máximo possível de variáveis
ambientais a serem analisadas quando o objetivo é verificar as relações entre o tipo de solo e a vegetação. Ressalta-se à
importância de abordagens mais amplas acerca do tema, com ênfase aos aspetos biológicos do solo, muitas vezes suprimidos
nas abordagens científicas, bem como a incorporação de novos estudos.

Palavras - chave: Características edáficas; Ciclagem biogeoquímica; Nutrientes; Serapilheira.

Relations between soil and phytophysiognomies in natural forests

Abstract: This literature review aims to address the main aspects related to soils and their relation to forest ecosystems, and
the contextualization of the edaphic component, in the physical, chemical and biological context, and to identify the results
obtained in various studies in this context. The soil that occurs in forests, presents chemical and physical characteristics
different from other environments where the maintenance of fertility will occur mainly as a function of nutrient cycling.
According to the level of fertility of the soil, physical, biological and even topography and moisture regime conditions, it can
be seen that there is greater expression of species or even a predominant forest type. However, these relations are narrow and
more pronounced at the level of micro scale influenced significantly by various abiotic factors. So it is essential to include the
maximum possible environmental variables to be analyzed when the scope and examine relationships between the type soil
and vegetation. We emphasize the importance of broader approaches on the subject, with emphasis on biological aspects of
soil, often suppressed in scientific approaches and eat the incorporation of new studies.

Keywords: Soil characteristics; Cycling biogeochemistry; Nutrients; Litter.

1 Recebido em 12.01.2015 e aceito para publicação como artigo de revisão em 11.05.2015.


2 Engenheira Florestal; Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Engenharia Florestal (UFSM). E-mail:
<grasidick@hotmail.com>.
3 Engenheiro Florestal, Dr. nat. techn., Professor Titular do Departamento de Ciências Florestais, Universidade Federal de

Santa Maria. Email: <mvschumacher@gmail.com>.


Relações entre solo e fitofisionomias em florestas... 32
Introdução Neste sentido, a presente revisão bibliográfica
tem por objetivo abordar os principais aspectos
Compreender a relação existente entre o solo envolvidos nas relações existentes entre o solo e
e os ecossistemas é um subsídio imprescindível a vegetação, enfatizando o papel do componente
na tomada de decisão quanto ao manejo edáfico (físico, químico e biológico), bem como
silvicultural e/ou estratégias de relatar alguns dos resultados de pesquisas
recuperação/restauração das mais diversas áreas. realizadas neste âmbito. Sendo assim, será
O solo atua como indicativo da tipologia possível revelar as necessidades que ainda
florestal ocorrente na paisagem (SCHAEFER et precisam ser supridas acerca do tema, bem como
al., 2012). No entanto, de acordo com Jenny apontar direcionamentos para novas abordagens
(1941) a vegetação existente sobre um sobre as relações entre o solo e a vegetação.
determinado sítio determinará, também, a
composição do solo, influenciando
principalmente no processo de transformação Desenvolvimento
deste em função da adição de matéria orgânica
proveniente da decomposição da serapilheira O papel do solo na sustentabilidade dos
acumulada no piso florestal. ecossistemas florestais
Um dos fatores mais importantes nas relações
solo-planta está vinculado aos atributos O solo tem como fator determinante de sua
químicos do solo, que exercem grande influência pedogênese o tipo de cobertura, como no caso a
na ocorrência dos mais variados tipos de floresta, que possui um microclima sob o dossel
vegetação. A disponibilidade de nutrientes às que proporciona um espectro diferenciado de
plantas, que pode ser maior ou menor, pode estar microrganismos, diferente da maioria dos solos
relacionada principalmente aos aspectos físicos sob outras coberturas (PRITCHETT e FISHER,
do solo, como por exemplo, a composição 1987). Os solos sob os ecossistemas florestais
textural deste, resultante das ações químicas, são formados com influência da ação do
físicas e biológicas do intemperismo (MEURER, desenvolvimento das raízes, atuação de
2007). A qualidade química do solo é enfatizada organismos específicos associados à vegetação,
e amplamente abordada nos estudos que buscam presença de distintas camadas de serapilheira em
detectar associações entre o solo e vegetação nos diferentes estágios de decomposição, tendo como
mais variados ambientes. Além deste fator, a influência constante os fatores bióticos, como a
biologia e a umidade do solo exercem um papel presença de fauna e vegetação.
determinante na florística de um ecossistema, O solo atua como uma fonte de minerais e
onde as plantas mais adaptadas têm êxito na água à floresta (SILVA, 1996), sendo este o meio
ocupação de um sítio hidromórfico onde ocorrem etapas dos processos de ciclagem
(JACOMINE, 2009), por exemplo. de nutrientes (SWITZER e NELSON, 1972), que
Além de variáveis químicas, físicas e se dá através da decomposição da matéria
biológicas do solo, informações referentes ao orgânica, proveniente do acúmulo de serapilheira
relevo e conformação da floresta em relação à (constantemente depositada pelo aporte vegetal).
paisagem auxiliam na detecção de padrões de Este processo é responsável pela devolução dos
associação entre solo e vegetação (FERREIRA minerais absorvidos pelas plantas ao solo, o que
JUNIOR et al., 2012; SCIPIONI et al., 2010). No garante a manutenção da fertilidade e
entanto, a percepção pode ser melhor expressada sustentabilidade nestes ecossistemas
quando se considera uma abordagem em nível de (POGGIANI, 2012; POGGIANI e
microescala, onde as relações se manifestam de SCHUMACHER, 2005). A presença da
uma forma intrínseca, podendo assim obter serapilheira também ameniza a temperatura das
respostas relevantes ao almejar a recomposição camadas superficiais do solo, otimizando assim a
mais específica de áreas florestais degradadas. atividade biológica da fauna edáfica e demais

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microrganismos atuantes no processo de indicar que, sob mesmo tipo de cobertura, no


decomposição dos resíduos vegetais caso a florestal, há variação de atributos
(KORASAKY et al., 2013). químicos em função do grau de desenvolvimento
As propriedades químicas do solo refletem, do solo, condicionado pelo material de origem,
de maneira geral, a capacidade que determinado fatores e processos de formação deste.
solo tem em fornecer nutrientes às plantas, ou As propriedades físicas do solo influenciam
seja, sua situação atual em termos de fertilidade, de forma direta o crescimento e distribuição da
e indicam condições eutróficas ou distróficas do vegetação, pois está intimamente associada à
ambiente. A fertilidade e a umidade do solo qualidade química e biológica do sítio
geralmente ocorrem em gradientes negativos (PRITCHETT e FISHER, 1987). A
associados à sua profundidade, e isso pode granulometria, expressa pelas frações argila,
limitar ou favorecer o desenvolvimento da areia e silte, conforme a proporção que ocupam
vegetação, em função do nível de aptidão das na composição do solo, condicionam maior ou
mesmas. Em ecossistemas ripários, próximos ao menor fertilidade, em função dos argilominerais
curso d’água, as variabilidades químicas do solo responsáveis pela retenção e disponibilização de
podem ocorrer em virtude da ação do curso nutrientes (MEURER, 2007). A regulação da
hídrico, através de fenômenos de lixiviação de drenagem e armazenamento de água no sistema
nutrientes e carreamento de partículas de solo, solo também condiciona o crescimento de raízes,
e/ou depósito de sedimentos alóctones, e ainda formação de agregados, entre outros (WILDE,
outros fenômenos que distinguem esse tipo de 1958).
ambiente (JACOMINE, 2009). Quanto aos aspectos biológicos, os
A qualidade química de um solo ainda é organismos que compõem a fauna edáfica estão
influenciada pelos fatores e processos de intimamente associados à vegetação devido à
formação do solo, descritos em Jenny (1941), influência na fertilidade do solo. Estes são
sendo que o tipo de vegetação também é capazes de cumprir funções ecológicas, atuando
determinante na gênese do solo. Considerando o nos processos de decomposição e ciclagem de
fator material de origem pode-se observar nutrientes, sendo que, posteriormente ocorre a
diferenças entre solos formados sob basalto e mineralização e a humificação do material
arenito, que foram mencionadas na obra de orgânico, que são de fundamental importância
Pritchett e Fisher (1987). Onde de uma forma para a manutenção da produtividade dos
geral, os solos florestais originados de granito ecossistemas naturais (CORREIA, 2002).
apresentaram menor capacidade de troca de A diversidade da fauna está relacionada à
cátions e baixo conteúdo de matéria orgânica permanência de resíduos orgânicos sobre a
possuindo, no entanto, maiores teores de cálcio superfície do solo, que é expressiva em áreas
e magnésio quando comparados aos solos de florestais (ANTONIOLLI et al., 2006), atuando
origem basáltica. assim como bioindicadores da qualidade edáfica
Pedron e Dalmolin (2011), em estudo na (LOUZADA e ZANETTI, 2013). Estes
região do Planalto Meridional do Rio Grande do organismos influenciam os aspectos físicos do
Sul analisaram alguns perfis de solos florestais, solo, pois são capazes de criar estruturas
com litologia predominante de basalto sob biogênicas, como túneis, canais, câmaras
Floresta Estacional Subtropical secundária. Os (KORASAKI et al., 2013), além de realizarem
autores classificaram os solos como sendo associações simbióticas, imprescindíveis para o
Neossolos, e verificaram que o Neossolo crescimento e desenvolvimento da vegetação
Regolítico era eutrófico, ou seja, apresentara (MOREIRA e CAMPOS, 2013). De acordo com
maiores teores de macronutrientes (cálcio, Puig (2008) as florestas naturais contêm grande
magnésio e potássio), baixa saturação por biodiversidade de fauna edáfica, tanto que, após
alumínio e pH mais elevado, quando comparado a sua retirada, a riqueza de organismos é reduzida
ao Neossolo Litólico. Estas diferenças podem drasticamente.

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Distinguindo ambientes através das relações expressou-se uma grande riqueza e variedade de
entre o solo e a vegetação relações edáficas e vegetacionais específicas
conforme cada bioma brasileiro, em escala
A classificação do solo e suas relações com a regional ou local, desde macroescala até escala
vegetação remontam antes de Cristo com os de sítio (SCHAEFER et al., 2012).
chineses, conforme descrito em Gong et al. Isto ocorre em decorrência das propriedades
(2003). A percepção inicial existente entre a físicas, químicas e biológicas do solo, que
relação do solo com a vegetação ocorreu de influenciam a distribuição dos agrupamentos
forma associada à produtividade, e de acordo vegetais e das espécies na floresta (PUIG, 2008).
com o tipo de cobertura do solo. As variações em função das condições edáficas
Em estudo realizado sobre a origem e podem ser detectadas, entretanto, ainda faltam
desenvolvimento da classificação do solo na informações de correlações específicas entre os
China, um dos países pioneiros no assunto, os diversos tipos de solos e as diversas variações
chineses iniciaram a classificação do solo no das formações vegetacionais. Exemplos como a
período da Dinastia Han (206 a.C. - 220 d.C.), constatação do nível ótimo de umidade do solo
analisando primeiramente as características em detrimento da aptidão, tolerância e
morfológicas, considerando principalmente o desenvolvimento de espécies, bem como qual é
aspecto mais perceptível, que era a cor e, então a exigência nutricional requerida ao
realizavam inferências de acordo com desenvolvimento de uma maior diversidade de
quantidade de alimento produzido, o tipo de espécies, em situações de locais degradados
vegetação ocorrente, a posição que a vegetação (JACOMINE, 2009).
ocupava na paisagem e ainda, consideravam a A heterogeneidade florística associada à
umidade do solo para determinação da variação de condições ambientais,
fertilidade (GONG et al., 2003). principalmente as relacionadas ao solo
No ocidente, as constatações iniciais se deram condicionam a coexistência de espécies vegetais,
pelos índios da América do Norte e também com diferentes exigências ecológicas. As
pelas tribos Mongólias da Eurásia, que diferenças quanto à composição e estrutura da
observaram uma nítida adaptação das plantas de comunidade florestal também são refletidas no
acordo com o tipo de solo, avaliando a solo (PINTO et al., 2008).
produtividade. Por dependerem diretamente da Em um fragmento de floresta nativa, no
floresta, estes povos passaram a compreender os domínio da Mata Atlântica, Pinto et al. (2008)
fatores que influenciavam a distribuição das avaliaram duas áreas com presença de floresta,
árvores, arbustos, e todo tipo de vegetação que uma em estágio inicial de sucessão, onde a
cobria o solo, associando à qualidade da regeneração estava se estabelecendo em uma
madeira, casca e fibras, bem como a área destinada à pastagem, que estava isolada há
susceptibilidade das áreas ao fogo. 40 anos, e a outra um maciço florestal em estágio
Primordialmente, registros de estudos avançado de sucessão, bem preservado e sem
considerando a relação entre solo e nutrição interferência antrópica. Constataram que o solo
vegetal datam desde a época de Aristóteles (322 sob a floresta em estágio inicial de sucessão é de
- 384 d.C), depois Theophrastus (287 - 372 d.C) baixa fertilidade, com maior porcentagem de
e, a relação entre solo e crescimento das árvores areia, baixo teor de umidade e matéria orgânica,
foi elucidada, de forma pioneira, por Cato (149 - pH ácido, com elevada saturação por alumínio
234 - d.C), Virgil (– 19 - 70 d.C) e Varo (27 - trocável e maior abertura do dossel, onde nesta
116 - d.C) (WILDE, 1958). situação ocorreram apenas 11 espécies,
No Brasil, os levantamentos pedológicos pertencentes à 10 famílias botânicas. Já na área
separaram os tipos de vegetação de acordo com de floresta madura, o solo é eutrófico, com maior
as classes de solo, servindo assim como guia porcentagem de silte, maior conteúdo de
para detecção de sítios distintos. Com isso, umidade e matéria orgânica, onde ocorreram 24

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espécies, compreendidas em 14 famílias. Os autores avaliaram a vegetação em cinco


Os referidos autores atribuem estas relações ambientes distintos, sendo estes: duas áreas, em
ao histórico de uso da área, onde a atividade de Neossolo Quartzarênico e Cambissolo Háplico,
pastagem degradou o solo sendo que, as espécies com predomínio da fração areia grossa no solo,
que se desenvolveram nesta condição são de onde a vegetação é típica do Cerrado stricto
melhor adaptação às baixas disponibilidades sensu, além de áreas mais conservadas, sendo
nutricionais, como por exemplo Annona cacans, uma destas um local de chapada em Latossolo,
Trichilia pallida, Zanthoxylum rhoifolium, onde houve extração de madeira e queimadas
Matayba elaeagnoides. Já as espécies mais intensas, outra chapada com plantio abandonado
exigentes em fertilidade, ocorrentes na floresta de eucalipto, entremeado com regeneração típica
madura, foram Nectandra lanceolata, Sorocea do Cerrado e a área de transição entre chapada e
bonplandii, Cupania vernalis, Sapium vereda.
glandulatum, dentre outras, especialmente Os referidos autores verificaram que os
àquelas pertencentes às famílias Sapindaceae, ambientes foram distinguidos em função dos
Euphorbiaceae, Fabaceae e Meliaceae. aspectos geológicos, como material de origem
Quanto à pesquisa sobre essas relações, (arenito-quartzito) e textura mais grosseira do
Lescure e Boulet (1984) avaliaram a relação solo (calhaus e matacões), pois os distintos
entre solo e vegetação em floresta tropical na reflexos se manifestaram no comportamento da
Guiana Francesa. Os autores caracterizaram a vegetação em relação às áreas de chapada, que
influência de fatores edáficos sobre a cobertura apresentaram maior densidade de indivíduos e
florestal natural, usando mapas morfológicos e maior índice de diversidade. No entanto, em
verificaram que a hidromorfia condiciona a contrapartida, nos locais com predomínio da
seleção de espécies, bem como implica na fração areia houve maior área basal dos
variação em área basal das árvores. Já em indivíduos, ou seja, maior produção volumétrica.
Floresta Ombrófila Mista, Higuchi et al. (2012) Em geral, nas áreas de Cerrado stricto sensu
encontraram correlações entre atributos Toledo et al. (2009) concluíram que, os aspectos
químicos do solo, especialmente o pH e teores geológicos, litologia e natureza dos sedimentos,
de magnésio, com a estrutura e composição bem como parâmetros florísticos e
florística em um fragmento, com maiores fitossociológicos de densidade absoluta, área
valores de importância das espécies Araucaria basal e o índice de diversidade, além das frações
angustifola, Lithraea brasiliensis e Jacaranda granulométricas, foram atributos determinantes
puberula. na diferenciação dos ambientes.
Em uma floresta na Amazônia colombiana, Na região sudeste, no estado de São Paulo,
Calle-Rendón et al. (2011) avaliaram o solo e a Rossi et al. (2005) em área de transição cerrado-
estrutura florestal e também afirmam que a floresta e Ruggiero et al. (2006) em fragmento
estrutura das florestas está associada aos fatores de Floresta Estacional Semidecidual, realizaram
edáficos, sendo que há resposta da vegetação estudos em ambientes ripários, próximos aos
conforme a qualidade do sítio. Os autores cursos hídricos, e verificaram relação da
verificaram estreita relação entre o nível de hidromorfia com a caracterização da vegetação,
complexidade da vegetação e a textura do solo, que se desenvolve melhor em ambientes bem
sendo que, quanto mais arenosa a textura, mais drenados. De acordo com Puig (2008), podem-
completa e diversa se mostrou a estrutura se distinguir os agrupamentos vegetais em
vegetacional do estrato inferior da floresta. relação direta com a maior ou menor saturação
No bioma Cerrado, Toledo et al. (2009) da água do solo, pois formações florestais,
desenvolveram trabalhos com o objetivo de submetidas à saturação permanente ou
caracterizar esse ambiente, que ainda é pouco temporária do solo, são distintas florística e
explorado em pesquisas, tendo como base estruturalmente, em comparação ao solo bem
qualificadores pedológicos e fitossociológicos. drenado.

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Em Floresta Estacional Subtropical, no bioma biomassa de fauna nesta fitofisionomia, com
Mata Atlântica, Almeida (2010) avaliou a maior densidade de microartrópodes (70.000 ind
formação de agrupamentos de vegetação m-2) em comparação à área de savana (38.000
arbustiva e arbórea, conforme as características ind m-2), peso fresco de macrofauna na
de declividade do terreno e de solo (capacidade amplitude de 36 a 96 g m-2, sendo que, as
de troca de cátions, teor de argila, acidez minhocas representam de 49 % a 91 % da massa
trocável). Foi detectada a presença de espécies total, sendo estas fundamentais na degradação da
indicadoras, formando dois grupos de acordo matéria orgânica. As formigas, organismos
com as características do solo, correlacionadas muito importantes para a decomposição da
estas à capacidade de troca de cátions, teor de serapilheira, são as mais abundantes, no entanto,
argila, acidez trocável, variando conforme a representam de 1,1 % a 7,1% da biomassa.
declividade. Na mesma tipologia, Dullius (2012) O autor supracitado ainda menciona que a
realizou estudo no Rebordo do Planalto do Rio macrofauna é mais diversa em áreas de floresta
Grande do Sul, no município de Itaara, em dois tropical úmida madura quando se compara às
níveis diferentes de sucessão (floresta áreas de capoeira, savana e pastagem. Por
secundária e capoeira), onde verificou que as exemplo, em uma floresta na Guiana Francesa há
espécies distribuem-se em função da variação maior número de indivíduos e mais biomassa de
dos atributos pedológicos, condicionados fauna, quando comparada a uma área de
principalmente pelo relevo da área. capoeira, onde há expressividade de predadores
No entanto, ao avaliar uma topossequência, como grilos, aranhas e hemípteras. Além da
Scipioni et al. (2011), verificaram que a influência do tipo vegetacional sobre a fauna, o
qualidade química e granulometria do solo não solo também pode afetar a velocidade de
influenciaram de forma significativa a decomposição de resíduos, uma vez que em
distribuição e abundância de espécies, mas sim solos bem drenados a velocidade de degradação
houve influência da declividade e do grau de de tecidos foliares é mais acelerada quando
desenvolvimento do solo. Dullis (2012) afirma comparada a sítios hidromórficos, que implicam
que as associações entre a distribuição das em condições anaeróbicas.
espécies e gradiente ambientais só podem se Variações em função do solo são detectadas,
tornar verdadeiros após a repetição do mesmo entretanto, faltam informações de correlações
padrão em diversas áreas. específicas entre os diversos solos e as diversas
Em relação aos aspectos biológicos do solo, variações das formações específicas ocorrentes
de acordo com Ferreira et al. (2013), o sistema nessas situações. Jacomine (2009) recomenda
serapilheira-solo compreende o substrato que sejam feitos estudos de correlação
necessário para a grande parte da biodiversidade aprofundadas entre as diversas classes de solo e
em ecossistemas florestais. A macro, meso e respectivas formações florestais, com destaque à
microfauna tem papel importante na manutenção ocorrência de espécies indicadoras.
da biodiversidade dos ecossistemas naturais,
desempenhando funções importantes à
manutenção de fertilidade do solo, seja pela Considerações finais
adição e decomposição da matéria orgânica,
associações simbióticas, relações sinérgicas e Vários trabalhos estão sendo realizados
antagônicas, dentre outras contribuições. acerca do tema das relações entre solo e
Para a floresta tropical úmida, Puig (2008) vegetação, no entanto, em função de
relata a presença de grupos dominantes na fauna especificidade dos estudos, os resultados não
do solo, onde formigas, térmitas, coleópteros, podem ser extrapolados ou generalizados para os
minhocas e miriápodes são expressivos, mais variados ambientes.
principalmente na interface solo/serapilheira. O Em função da extensão territorial, a
autor ainda menciona aspectos ligados à diversidade existente entre tipologias florestais e

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até mesmo em nível de bioma é decorrente das bioindicadores de manejo de ecossistemas.


condições climáticas e edáficas totalmente Seropédica, Embrapa Agrobiologia, 2002.
diferenciadas. Até mesmo a exigência 23p.
nutricional e ambiental das mais variadas
espécies florestais varia de acordo com a região DULLIUS, M. Vegetação e solos de uma
geográfica em que se encontram, sendo assim, Floresta Estacional do Rio Grande do Sul.
não é possível a padronização de 2012. 127 f. Dissertação (Mestrado em
comportamentos quanto à distribuição, Engenharia Florestal) - Universidade Federal de
composição florística e estrutural da vegetação. Santa Maria, Santa Maria, 2012.
Abordagens mais amplas acerca do tema,
incorporando-se novos estudos, com ênfase FERREIRA JUNIOR, W. G.; SCHAEFER, C.
principalmente nos aspectos intrínsecos à E. G. R.; SILVA, A.F. Uma visão
biologia do solo, nos mais variados ecossistemas pedogeomorfológica sobre as formações
florestais, bem como, a utilização adequada das florestais da Mata Atlântica. In: MARTINS,
informações geradas nestas pesquisas podem S.V. (Org). Ecologia de Florestas Tropicais no
subsidiar de uma forma mais concisa a tomada Brasil. Viçosa, MG. Ed.: UFV, 2012. 371 p.
de decisões sobre o manejo de áreas florestais.
O uso de metodologias e análises mais FERREIRA. K. L.; et al. Inter-relação entre
precisas, inclusão do maior número possível de componentes biológicos e fatores ambientais no
variáveis que possam ser explicativas dos sistema serapilheira-solo sob diferentes
reflexos das relações entre o solo e a vegetação, coberturas vegetais. In: Anais... V Congresso
são quesitos que podem vir a ampliar a Fluminense de iniciação científica e tecnológica.
compreensão destas interações entre vegetação e Campos dos Goytacazes, RJ. 2013.
o componente solo, que são consideradas
complexas. GONG, Z.; et al. Origin and development of soil
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