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SIMOES, Daniela - Semiotics and Art History - Mieke Bal and Norman Bryson Revisited PDF
SIMOES, Daniela - Semiotics and Art History - Mieke Bal and Norman Bryson Revisited PDF
Docente:
Doutora Joana da Cunha Leal
Janeiro 2011
“Semiotics and Art History” [de Mieke Bal + Norman Bryson] Revisited
“Every work of art is an absolute statement. (…) Every work of art is an unique statement.” (1)
Os autores Bal e Bryson no seu artigo “Semiotics and Art History”, o qual nos propomos agora
a reler, afirmam que a base da Semiótica é “the definition of the factors involved in this
permanent process of signmaking and interpretating and the development of conceptual tools
that help us to grasp that process as it goes on in the various arenas of cultural activity” (p.
174).
Tradicionalmente, a Semiótica é uma disciplina que se ocupa do estudo da teoria dos signos e
a sua interpretação em várias formas de comunicação. Se considerarmos a Arte como uma
forma de comunicar algo, então, e em teoria, a Semiótica poderá ser uma ferramenta
extremamente útil na leitura da obra ou na leitura da mensagem ou do algo que a obra visual
pretende transmitir. Os autores citados referem o campo da Arte como uma das “arenas de
actividade cultural” em que portanto se torna óbvio que a Semiótica poderá ser um contributo
real para o estudo da Arte e portanto, uma metodologia de trabalho na disciplina de História
da Arte.
Contudo, e da mesma forma que a História da Arte evoluiu e iniciou novos debates no seu seio
relativamente aos múltiplos caminhos ou metodologias a seguir e à sua própria evolução nas
esferas académicas (2), também a Semiótica Moderna se ocupou de outras temáticas para além
do estudo da teoria dos signos ou da continuação do trabalho iniciado por Peirce e Saussure,
especialmente, com aplicação à Arte – como são as obras de Panofsky ou Meyer Schapiro. De
certa forma e conforme Preziosi (1989) refere, a Semiótica sempre fez parte da disciplina ainda
que assumindo outros contornos como o estudo da Iconografia, Filosofia da Estética, entre
outros – contudo, e acompanhando as evoluções no seio da História da Arte Moderna, a
Semiótica (BAL, BRYSON 1991) passou a ocupar‐se de assuntos como a polissemia de
significados; a problemática da autoria; contexto e recepção; as implicações do estudo da
narrativa para o estudo das imagens; a diferente relação entre signos visuais e verbais entre
sexos ; e ainda, a verdade da interpretação. Neste artigo considerado um dos mais extensos e
compreensivos sobre as novas problemáticas enfrentadas pela disciplina, levantam‐se
questões que nos propomos a analisar (3).
Ao longo do seu artigo, Bal e Bryson fazem uma leitura geral em dois momentos: no primeiro,
focam a forma como a Semiótica desafia algumas práticas essenciais da disciplina de História
da Arte ao longo das três primeiras secções – 1. Context, 2. Senders, 3. Receivers ‐ e num
segundo momento, em duas secções do artigo – 6. Psychoanalysis as a Semiotic Theory, 7.
Narratology – de que forma a Semiótica pode aprofundar a análise procurada pelos
historiadores de arte. A proposta feita pelos autores é a de que a Semiótica como teoria
transdisciplinar, pode e tem impulsos a transmitir à disciplina de História de Arte não como
(1)
Irving Lavin, “The Crisis of «Art History»” in “Art History and Its Theories”, The Art Bulletin, vol. 78, n.º 1 (Março
1996): pp. 13‐15
(2)
a obra de Donald Preziosi, “Rethinking Art History: Meditations on a Coy Science” (New Haven, 1989) foi uma
referência importante nesta matéria.
(3)
referência feita por Donald Preziosi, “The question of art history” , Critical Inquiry, vol. 18, n.º 2, (Inverno 1992):
pp.363‐386
uma mudança linguística, mas sim uma alteração metodológica e operacional na mesma,
criticando o conhecimento posivista e os seus métodos na disciplina (p. 174).
Nesta releitura de Bal e Bryson, vamo‐nos centrar somente na primeira parte do artigo e rever
as três primeiras secções do mesmo que abordam as temáticas do Contexto, Remetentes e
Receptores (4). Iniciaremos esta abordagem com duas secções do artigo que esclarecem as
principais diferenças entre duas correntes semióticas distintas: teoria de Peirce e a teoria de
Saussure – secções 4 e 5 do artigo.
1. Peirce e Saussure – Teorias
Peirce, citado por Bal (5): “A sign, or representamen, is something which stands to somebody for
something in some respect or capacity. It addresses somebody, that is, creates in the mind of
that person an equivalent sign, or perhaps a more developed sign. That sign which it creates I
call the interpretant of the first sign. The sign stands for something, its object. It stands for that
object, not in all respects but in reference to a sort of idea, which I have sometimes called the
ground of the representamen”.
É assim criada uma trilogia em Objecto – Substituto – Interpretante, sendo que a relação entre
Objecto e Substituto é totalmente arbitrária. De acordo com Bal, esta definição oferece uma
base programática de trabalho das obras de arte apartir do momento em que a obra funciona
como um signo, actuando sobre alguém e processada por essa pessoa, traduzindo um signo
como um evento. O que o receptor deste signo‐evento retêm é assim não o objecto, mas uma
“ideia” do objecto, uma imagem mental “equivalente” ou “correspondente” ao objecto ou
ainda, formula um signo mais evoluído que o signo‐evento – interpretant – resultado de uma
evolução e/ou posicionamento social distinto de aferição de significado estando implicita
assim, uma especificação da convergência imagem‐receptor – definida e limitada pela
identidade social do receptor e que a qualquer momento pode ser captada e analisada,
conferindo uma perspectiva pragmática à disciplina. Peirce aponta ainda que o signo refere‐se
ao objecto que não se encontra, ou seja, ao objecto que se encontra ausente, conferindo um
campo de trabalho semântico somente possível dada a ausência do objecto e sobretudo do
significado a partir do qual o signo irá operar e na presença do qual o signo não o pode fazer;
da mesma forma que se o significado se encontrar totalmente disperso, o signo é incapaz de
agir (6). Para solucionar esta questão, Peirce acrescenta que o signo poderá representar o
objecto não na sua totalidade mas em relação com uma certa ideia do mesmo ‐ campo de
operação do representamen. A este campo, Bal chama código, uma espécie de regra que
permite ligar o signo ao seu significado numa operação objectiva desde que todos os membros
ou receptores operem sob as mesmas regras, potenciando a comunicação. Da mesma forma
que a linguagem lentamente se altera, também as regras poderão sofrer alterações permitindo
de modo generalizado que os códigos relacionem não apenas um signo e o seu significado mas
(4)
traduções livres dos e que serão usadas no decorrer do trabalho mas sempre em relação com os termos
inicialmente propostos pelos autores: Context, Senders, Receivers
(5)
Mieke Bal, “Signs in Painting” in “Art History and Its Theories”, The Art Bulletin, vol. 78, n.º1 (Março 1996): pp. 6‐
9, citando Charles Sanders Peirce, “Logic as Semiotic: The Theory of signs”
(6)
sobre a presença e significado do objecto e mais profunda discussão, ver Jacques Derrida “Of Grammatology”,
(Baltimore, 1976)
grupos inteiros de signos entre si, entre signos e classes de significados potenciando um
campo de trabalho para a semiótica, semântica e a síntaxe.
O desenvolvimento do trabalho de Peirce explica como estas operações se processam através
do index, ícone e simbolo: “iconic is a quality of the sign in relation to its object; (...) a sign
capable of evoking nonexistent objects because it proposes to imagine an object similar to sign
itself (...). Peirce’s description of the index emphasizes its symmetrical opposition to the icon
(…); [the symbol] is dependent even more strongly than the two other terms on the act of
interpretation that brings it to life (…)” (pp. 189 ‐ 191).
Parece‐nos claro que Bal e Bryson salientam sobretudo a recepção da obra no geral e em
particular em determinado período temporal, propositadamente “recortando” o artista do seu
papel e destituindo‐lhe qualquer interesse de estudo e investigação. Como veremos adiante a
posição da disciplina não parece adequar‐se com esta metodologia; Eco refere um aspecto dos
textos de Peirce que parece ser ignorado no artigo de Bal e Bryson: “[relativamente aos
escritos de Peirce] I read this page as the proposal of a difference between a theory of
signification and a theory of communication” (7) (ECO 1976:1461). Existindo uma diferença real
entre as referidas teorias de que forma se irá manisfestar no campo da arte e do seu estudo,
em particular, da História da Arte?
Claramente que o desenvolvimento das teorias de Peirce com aplicação à História da Arte
produziram já obras de relativo interesse e momentos de reflexão importantes ‐ não podemos,
por exemplo, descurar o trabalho de Rosalind Krauss em 1977 (8)
Saussure
Citando Bal e Bryson no início da secção 5, “If Peirce’s view of the way sings function is
primarily dynamic, that of Ferdinand Saussure involves far more stasis” (p. 191). De facto, o
sistema proposto por Saussure por derivar do estudo da linguística, procura definir o conjunto
global de regras que definem uma linguagem como um todo para isolar essas regras de forma
a estudar as relações internas entre os signos de uma linguagem que de acordo com a
proposta de Saussure são determinantes do significado desses signos. Assim, o significado das
palavras deriva da sua oposição a outros conceitos/palavras.
O sistema de Saussure irá assentar no signo linguístico que é composto por duas unidades
combinadas que são o significante e o significado sendo que o primeiro opera como a “imagem
acústica” ou “imagem sonora” do signo; e o segundo remete para o conceito ou conteúdo do
signo. Ambos os conceitos articulam‐se assim em relação com o signo linguístico como duas
(7)
Umberto Eco, “Peirce’s Notion of Interpretant”, MLN, vol. 91, n.º 6 (Dezembro 1976): pp.1457‐1472
(8)
Rosalind Krauss, “Notes on the Index: Seventies Art in America”, October, vol. 3 (Primavera 1977): pp.68‐81; e
ainda, da mesma autora e na continuação do referido artigo, “Notes on the Index: Seventies Art in America. Part 2”,
October, vol. 4 (Outono 1977): pp.58‐67
faces de uma moeda, caracterizando‐o e tornando‐se inerentes a este. Saussure define ainda a
“economia de esforço” na linguagem através da combinação de formas mínimas na linguística
e diferencia a linguagem (langue) da palavra (parole) procurando estudar a primeira através
das alterações que se dão (temporal e localmente) na segunda. Por outras palavras, define‐se
uma fronteira na linguagem que é segmentada em unidades de estudo (fonemas, por
exemplo) que são mapeados em termos de oposição de sintaxe.
Apesar de não aparentar evidente relação ou utilidade para o estudo da Arte, o trabalho de
Saussure lançará uma corrente de estudo no século XX empenhada em estudar a realidade
social como um conjunto de relações e que se chamará Estruturalismo.
Um dos exemplos perseguidos por Bal e Bryson em relação a Saussure e aos estruturalistas na
Arte é o de Edmund Leach cujo estudo sobre os painéis da Capela Sistina definem uma base
operacional de avaliação “saussuriana” em relação com o estruturalismo: Leach define uma
fronteira em redor de um distinto corpus, segmenta o corpus em unidades de significado e
finalmente as unidades segmentadas são relacionadas através de uma lógica de transformação
e condensação. Igualmente o trabalho de Derrida marcará a lógica de Saussure em
conformidade com o Estruturalismo, com a sua obra “La Verité en Peinture” (Paris, 1978) e
portanto com o estudo da arte visual introduzindo um sistema menos estático que o
“saussuriano” com as relações interior/exterior da obra e de “framing” propostas e largamente
explicadas por Bal e Bryson nesta secção.
Contudo, e não descurando os importantes trabalhos desenvolvidos apoiando‐se nesta teoria
de signos que pretende acima de tudo explicar a lógica e organização interna de uma estrutura
complexa (linguagem ou a obra de arte) – como são a obra de Michel Foucault em 1973 (9) ou a
de Derrida, de modo geral – até que ponto esta persecussão pela explicação da organização
interna da obra pode ser transposta de campos em que foi trabalhada inicialmente – como na
literatura por Barthes e Derrida; na psicologia com Lacan e Piaget; ou ainda Foucault na
epistemologia – para os campos da arte e sobretudo da História da Arte se sabemos como
investigadores que a verdade da obra não é linear e objectiva? E para mais quando
compreendemos que as palavras são restritivas demais sobretudo quando comparadas com a
obra de arte pictórica? Não se abre um leque demasiado vasto de opções de interpretação
(signos: significantes + significados) quando se transpões esta teoria “saussuriana” da
linguística para a pictórica?
2. Contexto (pp. 176 ‐ 180)
Entrando no artigo propriamente dito, Bal e Bryson começam por delinear os referidos
instrumentos a implementar na História da Arte com a questão do contexto como texto a
interpretar (p. 175) sendo portanto impossível produzir uma contextualização/contexto
exaustivo dado que este é informado pelo tempo, local e personalidade do historiador de arte
que o constrói (pp. 175; 187; 207).
Antes de mais, a tarefa do historiador de arte não pode ser mais que aferir e avaliar antes ou
em lugar mesmo de concluir. Para interpretar ‐ questão que será recorrente nos processos
descritos pelos autores – é antes de mais necessário analisar, circunscrever factos e evidências
Michel Foucault, “Ceci n’est pas une pipe”, (Paris, Fata Morgana, 1973)
(9)
para posteriormente poder interpretar e aí sim, concluir. Da mesma forma que se impossibilita
a interpretação sem aferição, o culminar expectável da primeira será alcançar uma conclusão.
Ora bem, hoje em dia, o historiador de arte depara‐se com uma certeza somente: as prováveis
hipoteses conclusivas que lança ou coloca em cima da mesa, não podem esperar ser mais que
fundamentadas fortes probabilidades de aferição correcta, um bom resultado de investigação
científica cuidada e não a absoluta verdade sobre ou da obra. O historiador de arte
contemporâneo debate‐se e enfrenta o desafio de que a sua pesquisa a qualquer momento
poderá ser suplantada por qualquer novo facto até então desconhecido ou enriquecida (ou
destruida) por uma nova técnica de aferição científica.
Cabe ao historiador ser o mais rigoroso possível na construção do contexto da obra antes de
retirar conclusões sobre o mesmo com repercussões na obra de arte – o acto de concluir ou
a(s) conclusão(ões), sendo uma consequência da interpretação, está assim sujeita a um
referente logo, à posição relativa do receptor da comunicação provocada pela
contextualização: esse receptor, neste caso o historiador, é contituído pelo tempo, espaço,
meio em que se situa (o presente) conduzindo assim a introduzir inputs seus nas suas
conclusões. Logo, para além do presente actuar sobre o passado – na pessoa do historiador – o
passado poderá ainda actuar sobre o tempo presente ao produzir um facto até então
desconhecido.
Acrescente‐se que tal como Panofsky (10) defendia já em 1940, o texto ou contexto necessitam
de pré‐selecção uma vez que o documento que “acompanha” a obra poderá ser tão
enigmático e indecifrável quanto a obra em si. Desta forma, apesar de tentarem desconstruir o
conceito de contexto ou de “colocar a obra em contexto” (p. 176) através de uma perspectiva
dita semiótica, Bal e Bryson acabam por reforçar a prática já estabelecida no seio da disciplina
apesar de iniciarem o artigo com o ataque bastante directo ao conhecimento dito “positivista”
e as suas ramificações no seio da disciplina. Ao contrário do que se propõem a realizar, os
autores que criticam a interpretação e o papel que assume presentemente no trabalho do
historiador, concluem que a mesma é necessária para a aferição do que é admissível no
contexto ou mesmo no texto que suporta, “emoldura” a obra de arte.
Adiante no mesmo artigo, os autores referem: “context can always be extended; it is subject to
the same process of mobility that is at work in the semiosis of the text or artwork that
«context» is supposed to delimit and control” (p. 177). Já Panofsky na obra referida afirmava a
dificuldade de “fechar” um contexto pelas questões ja referidas assim como o facto de na
construção de uma retórica na disciplina o posicionamento do historiador no presente e
reflectido nas conclusões que retira da sua investigação. Apesar de se esforçarem por
demonstrar que o conceito de contexto é amplo, por vezes não totalmente apreensível e
seguramente impossível de totalitarizar – um contexto globalizante – dentro de uma
perspectiva inovadora da semiótica contemporânea recorrendo ao conceito do perpetuum
mobile (p. 177), outros autores anteriormente ja o tinham demonstrado dentro da disciplina
de Historia de Arte reforçando a necessidade da construção do Contexto mas balizado por
objectivos que deverão ser explanados pelo historiador.
(10)
Edwind Panofsky, “The History of Art as a Humanistic Discipline” (1940) in “Meaning in the Visual Arts” (1955)
3. Remetentes (pp. 180 ‐ 184)
“Authorship is given not produced; what counts as authorship is determined by interpretative
strategies” (p. 181) (11).
Os autores socorrendo‐se de Culler, defendem a separação entre o autor‐artista (da obra de
arte) e o autor‐pessoa‐que‐habitou‐o‐mundo na tentativa de defenderem que o conceito de
autor para além de divergente é ainda parte de um “exclutionary move” (p.181). Assim,
defendem que o historiador deverá recorrer a manobras interpretativas para decifrar o que é
um corpus ou arquivo autorizado do autor‐artista e trabalhar somente nesse campo de acção.
Contudo, tendencialmente o artista ergue‐se dos seus trabalhos e da documentação possível
não apenas como remetente da obra para o mundo mas como homem no mundo real. Se por
um lado a crítica centra‐se ainda na ambiguidade do termo autor para os vários meios em que
é utilizado (narração, propriedade intelectual, no museu ou galeria, como sujeito criativo)
também se protagoniza e parece ser esse o cerne da necessidade de afastar o autor‐homem
do autor‐artista: a multiplicidade de monografias que no âmbito da disciplina se centram num
somatório de factos da vida quotidiana dos artistas sem qualquer confronto, avaliação ou
mais‐valia neste estudo em relação com a obra.
Por outro lado o “exclutionary move” que é referido parece apresentar algumas fragilidades
como argumento. É necessário compreender a vida do artista no mundo real pois dessas
vivências (ou contexto, por exemplo) podem decorrer factos e consequências de relevo para a
pesquisa. Isto não significa que devam no trabalho final do historiador (a sua comunicação) ser
focados com demasiada ou alguma incidência até. Na mesma medida, todos os rascunhos e
gatafunhos de um artista podem e devem ser incluídos no corpus antes de poderem ser
retirados. Estes contínuos loops entre admissão de tudo e selecção de pouco permitem ao
historiador absorver o máximo de factos de forma a poder analisá‐los, interpretá‐los e
somente então concluir quais os relevantes e os insignificantes. Estão colocadas em relação a
este “instrumento de trabalho” as mesma reticências e dúvidas que em relação à secção que o
antecedia num paralelo que também autores explicitam: as semelhanças de conceitos ‐
Contexto+Remetentes.
Contudo, as dúvidas aumentam quando na aferição da autoria, Bal e Bryson admitem dois
momentos alegadamente distintos. Num primeiro, recorrendo a todas as estratégias forenses
de aferição da veracidade da autoria da obra (técnicas de “Connoisseurship”, Método de Zadig)
no seguimento das pistas lançadas anteriormente por autores como Taine ou Morelli referidos
por Preziosi (1989) e contemporâneos de Peirce. Mas num segundo momento dá‐se uma
alteração de estratégia do conhecimento experimental para a avaliação subjectiva da
qualidade e uniformidade estilística da obra – entrando em contradição não só com as práticas
estabelecidas na disciplina, a sustentabilidade das ciências exactas mas também e sobretudo
consigo mesmos pois referem‐nas como importantes num primeiro momento. A dualidade
aqui situa‐se no facto que se a autoria de uma obra é atribuida a artista X por meios de estudo
das “pequenas coisas”, dos detalhes aparentemente insignificantes ou de marcas autográficas
na obra (onde reside a originalidade e sagacidade do artista), como será que um método
(11)
os autores parafraseando Jonathan Culler, “Framing the Sign: Criticism and Its Institutions”, (Norman, Okla., and
London, 1988)
puramente subjectivo, quiçá, estético, poderá algo mais que somente corroborar a primeira
avaliação? E se assim é, qual a mais‐valia desta análise subjectiva aparentemente semiótica se
a primeira distancia‐se mais do erro?
Ainda na matéria da autoria/autor, Bal e Bryson referem: “the author is not an origin, but just
one link in the chain” (p. 183). A frase é compreensível à luz do título do artigo – Remetentes –
e se, de facto, o autor‐artista‐autor‐homem fosse possível de encarar como um veículo ou um
meio através do qual a obra encontrou o seu caminho para o mundo. Mas os artistas não são
invólucros secundários nesta equação nem as obras são entidades portadoras de uma
essência‐autónoma antes de serem executadas logo, não são independentes do artista, não o
povoam (como invólucro), co‐habitam‐no.
Se uma obra de arte é uma comunicação de uma ideia, um sistema ou um signo, um momento
capaz de se inscrever no âmbito da Semiótica, como pode ser que a disciplina proponha
encarar o Artista como um Remetente? Transparente, passivo, totalmente secundário. Não
estará totalmente errado propor uma secundarização da vida do artista face à obra mas
admitir uma total abstração (ou transparência) do artista seria negar o facto de a obra ser
consequência de uma intenção comunicativa do Artista que de entre ziliões de opções de
imagens escolheu determinada, executou‐a conforme a visualizou e estudou (cosa mentale),
permitindo o trânsito de uma ideia, existente num local vago no interior do artista (12) para um
suporte físico real, respeitando uma paleta de cores pelo Artista escolhida, e com qualidades
que a distinguem como obra de arte. Admitir que o artista é “um homem sem qualidades” é
negar a primordial importância e contributo do Artista na Obra e negar a inter‐relação entre a
qualidade da Obra e a qualidade do Artista – “theoretical structures risked limiting the range
and depth of individual creativity, or even collective creativity in the case of regional or period
styles.” (LAVIN 1996:13)
4. Receptores (pp. 184 ‐ 188)
Primeiramente os autores vão rapidamente definer a obra de arte como um “work of the
sign”. Coloca‐se então a questão: a obra de arte é de facto um trabalho DO signo, um sistema
DE signo(S), uma relação ENTRE signos? Poderá ser que existem obras de arte em que o signo
não é o elemento principal e elementar da mesma? Admitindo essa possibilidade qual é o
contributo que a Semiótica poderá trazer na compreensão dessa obra?
Reduzir a obra de arte a um signo e afirmar que os signos são repetíveis implica a dedução que
a obra de arte é então também ela repetível. A um mesmo enunciado numa escola de Belas‐
Artes, por exemplo, de uma disciplina criativa (artística) os alunos oferecem as suas respostas
com os seus trabalhos; à partida nenhum trabalho será igual ao outro contudo todos
responderam ao mesmo enunciado. Como texto que enquadra o trabalho mas também como
sistema de signos aos quais são associados outros signos e construções mentais deste dada a
sua ausência e que a partir de então actua como um referente desses novos trabalhos – logo
signos.
(12)
sobre o assunto, reler Bart Verschaffel,”Essais sur les Genres de La Peiture”, (La Lettre Volée, 2007), em
particular o capítulo “Le Monde du Paysage”, pp. 73‐94
Neste constante ciclo de referências e signos, as regras e códigos teriam que ser iguais em
todos os períodos, desde a primeira obra de arte até hoje, para as compreendermos? O
carácter independente da obra de arte, a sua especificidade, a sua verdade, permanece
transversal á recepção. Obviamente que de acordo com os diferentes receptores no tempo,
espaço, género, a recepção da obra é diferente contudo não podemos ignorar o facto do
carácter único de algumas obras que lhes permite atravessarem o tempo intocadas e
inalteradas na sua recepção. Por exemplo, quem não se identifica ou compreende a
mensagem de dor da perda e o sofrimento de uma mãe que a Pietà do Vaticano (Miguel
Ângelo, 1499) transmite? Intemporal. Esta característica da obra não pode ser reduzida a um
simples trabalho do signo ainda que os autores o procurem fazer.
Na apresentação deste instrumento de trabalho – a recepção ou o Receptor – não fica claro de
que forma “the work of art becomes what it is being transversed by flows of signification that
cut across the boundary making the image part of a general circulation of signs and codes
within the social formation as a whole” (p. 193).
Sem uma aplicação real (ou um exemplo) do conceito ou da teoria por detrás desta secção não
fica claro de que forma este é um instrumento realizável ou aplicável na disciplina da História
da Arte, a metodologia não se manifesta como apreensível ou aplicável.
5. Overviews
Semiótica vista como trans‐, intra‐ e supra‐disciplinar no campo da História da Arte e como
remate da leitura de Bal e Bryson parece não oferecer (para já) de forma metodológica e algo
científica a acreditação necessária para redefinir a disciplina, parecendo ainda demasiado
sustentada pela sua capacidade analítica e conclusiva orientada para a recepção da obra de
arte. Ainda a lidar com questões como o estatuto do objecto e a aplicabilidade dos conceitos
esquiçados para objectos de estatuto diferente – demonstra ainda alguma fragilidade na
aplicabilidade de uma disiciplina cujo desenvolvimento surge relacionado com o estudo da
linguagem (Saussure) ou da lógica (Peirce) falhando ainda nas relações a estabelecer no campo
da arte e da obra de arte visual.
De modo geral, o enquadramento histórico das origens da disciplina (Semiótica) é sintético
demais já que Preziosi (1989) define na sua obra em vasto capítulo grande parte das
influências e trabalhos antecessores e conducentes às teoria tanto de Peirce como de
Saussure.
É inegável que o contributo poderá ser enorme e substancialmente relevante mas não poderá
ser de ânimo leve que poderemos considerar a Semiótica como uma nova via operacional e
exclusiva da disciplina sendo que tanto quanto é possível concluir, ainda se está a adaptar à
realidade da Arte – seja na impossibilidade de um sistema de signos infinito culminando num
signo‐momento que raporta a um hábito (ECO 1972); seja na busca de uma realidade, de uma
verdade da obra de arte [pictórica] única (DAMISCH 1974); seja na definição dos instrumentos
de trabalho da disciplina em relação com a Semiótica, um esforça adaptativo a realizar para
transitar a(s) teoria(s) do signo e os códigos para o medium que é a Arte (13), para o objecto que
é a Obra de Arte e em relação (talvez promíscua) entre o executor da obra ou Artista, e o
receptor da mesma – seja o Encomendador ou o Público.
“(...) as a discipline, art history has traditionally encompassed both perspectives, two
antithetical notions of signification and representation” (PREZIOSI 1989:107)
(13)
neste campo gostariamos de destacar a obra de Donald Preziosi, “The Semiotics of the Built Environment. An
introduction to Architectonic Analysis” (Indiana University Press, 1979) como um exemplo desse esforço de
adaptação da Semiótica à realidade da disciplina
Bibliografia
BAL, Mieke, BRYSON, Norman, “Semiotics and Art History”, The Art Bulletin, vol. 73, n.º 2 Junho
1991: pp. 174‐208
BAL, Mieke, BOIS, Yve‐Alan, LAVIN, Irving, POLLOCK, Griselda, WOOD, Christopher S., “Art
History and Its Theories”, The Art Bulletin, vol. 78, n.º 1 Março 1996: pp. 6‐25
DAMISCH, Hubert, “Huit thèses pour (ou contre?) une semiologie de la peiture”, comunicação
apresentada no I Congresso da Associação Internacional de Semiótica, Milão, 2‐6 Junho 1974
ECO, Umberto, “Peirce’s Notion of Interpretant”, MLN, vol. 91, n.º 6, Dezembro 1976: pp.1457‐
1472
MARIN, Louis, “Puss‐in Boots: Power of Signs. Signs of Power”, Diacritics, vol. 7, n.º 2, Verão
1977: pp. 54‐63
PREZIOSI, Donald, “Rethinking Art History: Meditations on a Coy Science”, New Haven,
Connecticut, 1989
PREZIOSI, Donald, “The question of art history”, Critical Inquiry, vol. 18, n.º 2, Inverno 1992,
pp.363‐386