Você está na página 1de 43

REFORMA 500

ministério
DE TODOS OS CRENTES
D
esde pequeno me acostumei a ver meu pai
dirigindo séries de evangelismo público e
ministrando estudos bíblicos. Como ele,
dezenas de pregadores e instrutores volun-
tários me alimentaram espiritualmente com
o ensino da Palavra e fizeram meu coração juve-
nil vibrar. Por isso, creio que a celebração dos
500 anos da Reforma seja uma ocasião mais do
a ideia de que o que oportuna para redescobrirmos uma das
principais implicações da ênfase protestante no
ensino da palavra sacerdócio de todos os crentes: de que o minis-
tério da Palavra é para todos.
e a defesa da fé O ensino sobre o “sacerdócio de todos os cren-
tes” não surgiu com a Reforma Protestante, mas
não são tarefas foi nesse movimento que essa ênfase começou a
ser resgatada. Segundo o teólogo Norman Nagel,
exclusivas de Martinho Lutero (1483-1546) tinha como base de
sua compreensão a descrição bíblica da igreja
um clero deve como sacerdócio santo e real (1Pe 2:5 e 9), uma
imagem apresentada no Novo Testamento que
ser plenamente ecoa o plano de Deus para Israel (Êx 19:5, 6) no
Antigo Testamento (Luther and the Priesthood
restaurada pelos of All Believers, p. 277-298).
Para o teólogo e apologista cristão Alister
adventistas McGrath, Lutero não via justificativas para que
o clero fosse considerado uma elite espiritual,
ISA AC M A LHEIROS detentora exclusiva da vocação de interpretar
e ensinar a Bíblia. Essa ideia radical passou a
libertar os crentes de uma relação nociva de
dependência com a instituição religiosa (Christianity’s Dangerous Idea: The Protestant Revolution
– A History from the Sixteenth Century to the Twenty-First, p. 52-53).
Contudo, apesar de os chamados reformadores magisteriais, como Lutero, Calvino e Zuínglio,
serem os grandes divulgadores desse ensino, a ênfase deles estava mais no acesso direto e indivi-
dual a Deus do que na dimensão coletiva dessa ideia: a igualdade de todas as pessoas na comuni-
dade cristã. De acordo com o teólogo Timothy George, os reformadores magisteriais mantiveram
uma sutil divisão entre clero e laicato. Lutero, por exemplo, ensinava que todo cristão tinha o direito
de pregar para os pagãos, mas o ensino aos cristãos, nos cultos e reuniões da igreja, era atribuição
dos líderes ordenados (Teologia dos Reformadores, p. 98).
Foto: Fotolia

Quem trabalhou na restauração desse aspecto eclesiológico do sacerdócio de todos os crentes foram
os chamados reformadores radicais, como os anabatistas, grupo que foi duramente perseguido pelos

38 R e v i s t a A d v e n t i s t a // Outubro 2017
católicos e demais protestantes. Com pudesse ser usada para justificar a res- Portanto, o chamado à proclama-
base em 1 Coríntios 14:26, 30 e 31, eles trição do ministério da Palavra a um ção e ao ensino do evangelho é para
acreditavam que cada cristão tinha o grupo específico de crentes, o mesmo discípulos comuns (Tratado de Teolo-
direito de falar numa reunião da igreja. deveria acontecer com a oração, o que gia Adventista do Sétimo Dia, p. 69).
Essa prática ficou conhecida como lex seria um absurdo! Mas, curiosamente, Não requer um chamado nem talen-
sedentium (“direito do que está sentado”). após a escolha de Estêvão para o minis- tos especiais, apenas disposição para
Por isso, num típico culto anabatista, os tério de servir às mesas como diácono, ser instrumento do Espírito (At 4:29).
membros oravam, liam a Bíblia, aconse- a Bíblia o apresenta pregando publica-
lhavam-se e discutiam sobre a Palavra. A TAREFA DOS ESPECIALISTAS
mente (At 6:8-7:53). Epafras também não
Essa dinâmica das reuniões anabatistas era um dos apóstolos, era alguém comum,
Se todos são chamados a testemunhar
estimulou a fraternidade e influenciou a mas pregou aos colossenses (Cl 1:7; 4:12).
sobre a Palavra, que função cabe aos
visão dos pioneiros adventistas. Segundo a orientação bíblica, a pre-
especialistas (pastores, teólogos e pro-
gação da Palavra não deve ficar restrita
fessores) que “se afadigam na Palavra e
VOCAÇÃO DE TODOS ao culto e púlpito (2Tm 4:2). A procla-
no ensino” (1Tm 5:17)? Talvez esta decla-
No entanto, a má compreensão sobre esse mação e o ensino podem ocorrer de ração de Ellen White, pioneira da igreja,
ensino bíblico tem levado ainda nos ajude a responder: “Abram a
hoje os cristãos a assumir duas Bíblia aos nossos jovens, atraiam
posições extremadas: (1) o cleri- A IDEIA DO SACERDÓCIO DE TODOS OS CRENTES a atenção deles a seus tesouros
calismo, em que o líder religioso ocultos, ensinem-lhes a pesquisar
monopoliza a pregação e o ensino,
LIBERTA OS CRISTÃOS DE UMA RELAÇÃO NOCIVA DE em busca de suas joias de verdade”
fazendo dos demais meros espec- DEPENDÊNCIA DO CLERO E DA INSTITUIÇÃO RELIGIOSA (Mensagens aos Jovens, p. 254-255).
tadores; e (2) o anticlericalismo, Em outras palavras, a esse
no qual predomina o espírito de grupo tecnicamente treinado cabe
rejeição e oposição a qualquer figura de modo formal ou informal, em diferen- a tarefa de ensinar os demais a pesqui-
liderança. Vale reconhecer que, assim tes contextos. E esse é um chamado sar a Bíblia por conta própria. Ellen
como o sacerdócio de todos os crentes, até mesmo para quem está iniciando a White enfatiza que o ensino bíblico
a organização da igreja e o exercício da caminhada cristã (Lc 9:60, Mc 5:19). deve possibilitar o desenvolvimento
liderança são prescrições bíblicas. O Além disso, declarar publicamente que da autonomia e da individualidade,
equilíbrio está em reconhecer que líde- Jesus é o Cristo pode ter consequên- nunca da dependência: “O primeiro e
res e liderados são todos discípulos de cias negativas (Jo 9:22), mas é dever de mais elevado dever de todo ser racional
Cristo, e igualmente vocacionados para todos que seguem o Mestre (Rm 10:9). é aprender nas Escrituras o que é a ver-
o ministério da Palavra. A apologética cristã ou defesa da dade, e então andar na luz e estimular
No Novo Testamento existem inú- fé também é um dever de todos, e não outros a imitar seu exemplo. Devemos
meras referências a essa dinâmica da apenas de alguns poucos especialistas, formar opiniões por nós mesmos, visto
igreja. No Pentecostes, por exemplo, porque cada cristão deve estar capa- que teremos que responder por nós mes-
todos ficaram cheios do Espírito e todos citado a responder perguntas sobre as mos perante Deus” (O Grande Conflito,
começaram a declarar “as maravilhas razões da sua esperança (1Pe 3:13-16). p. 261, edição condensada).
de Deus” (At 2:1-4, 11). Isso foi o cum- No que se refere ao louvor congrega- Dessa forma, ao serem discipulados,
primento de Joel 2, texto que destaca a cional (Ef 5:19) e ao ensino da Palavra os liderados exercerão seu sacerdócio
promessa de que “toda a carne” rece- no contexto do culto, todos são chama- admoestando, consolando, amparando
beria o Espírito (At 2:16-18). dos a participar, ministrando e acon- os fracos e sendo longânimos para com
Em Atos 4, após a libertação de selhando uns aos outros (Cl 3:16; Rm todos (1Ts 5:12-14). Eles farão basica-
Pedro e João, todos levantaram a voz 15:14; Hb 3:13; 10:24-25). mente as mesmas coisas que os líderes
a Deus, e todos queriam anunciar a Por sua vez, há um ministério do fazem. Isso porque a missão de Deus é
Palavra com intrepidez (At 4:24, 29). ensino no lar. Os pais devem criar seus um trabalho pessoal, é a transmissão de
A resposta de Deus a esse clamor foi filhos na instrução do Senhor (Ef 6:4) e Sua Palavra de uma pessoa para outra,
que “todos ficaram cheios do Espírito os jovens são fortes quando a Palavra acompanhada de uma vida piedosa.
Santo e, com intrepidez, anunciavam de Deus permanece neles (1Jo 2:14). Hoje, a redescoberta do “sacerdócio
a Palavra de Deus” (At 4:31). A grande Timóteo, por exemplo, sabia as “sagra- de todos os crentes” deve nortear os
comissão (Mt 28:18-20) foi entregue à das letras” desde a infância, seguindo ministérios da igreja, seus objetivos e
igreja, e participar dela é dever e pri- o exemplo de fé de sua avó Loide e de seus esforços em torno do aprendizado
vilégio de todos os cristãos. sua mãe Eunice (2Tm 1:5; 3:15). É uma e do anúncio da Palavra de Deus.
Os apóstolos tinham a oração e o tarefa da família, não apenas de um
ministério da Palavra como prioridade clero especializado ou de um magis- ISAAC MALHEIROS é pastor, mestre em Teologia
(At 6:4), mas não como exclusividade ou tério eclesiástico, incutir nos filhos os e professor do seminário teológico do IAP, em
monopólio. Se a decisão de Atos 6:1-4 valores do reino de Deus. Ivatuba (PR)

R e v i s t a A d v e n t i s t a // Outubro 2017 39
E N T R E V I S TA | A D R I A N I M I L L I
Wendel L i m a

a do
ênfa
supõ
que

ENTRE O CÉU
num
Deu
iden

E A TERRA não
logo
conc
TEÓLOGO DA NOVA GERAÇÃO EXPLICA e ve
COMO O MINISTÉRIO CELESTIAL DE CRISTO Cris
IMPACTA A VIDA DA IGREJA Calv
Jesu
Adriani Milli Rodrigues é um dos promissores lica,
talentos da nova safra de teólogos adventistas aula
brasileiros. Sua tese doutoral com 524 páginas, salv
defendida recentemente na Universidade Andrews tinu
(EUA), trata do sacerdócio de Cristo no santuário
celestial, tema fundamental para a fé adventista. Entã
Mas a grande contribuição da pesquisa dele não sua t
está numa novidade teológica, e sim na articulação Mi
de pressupostos e ideias que dão mais sustentação tema
para nossa doutrina. outr
Outro mérito do seu trabalho foi não se limitar a cern
tratar de um tema distintivo adventista no contexto denominacional. no lugar de Jesus. Isso tudo parte da ideia de que sequ
Por isso, Adriani foi pesquisador visitante em duas das mais a igreja é uma extensão da encarnação de Cristo e no C
importantes universidades do mundo: Notre Dame e Princeton, ambas que, por isso, ela é infalível. Entender essa lógica adve
nos Estados Unidos. Lá ele teve acesso às fontes do pensamento explica por que a igreja medieval se apropriou de intu
católico e protestante, a fim de compará-los com a visão adventista. termos do Antigo Testamento, como templo, altar, pass
Nesta entrevista, Adriani expõe como a teologia medieval tentou sacerdote e sacrifício (missa), substituindo assim sant
anular a obra de Cristo, o que o livro de Hebreus revela sobre o na Terra, e via instituição religiosa, o ministé-
ministério sacerdotal de Jesus e o impacto dos eventos do Céu no rio de Cristo no santuário celestial. Portanto, a Por
cotidiano da Terra. contrafação teológica do poder identificado em port
Daniel 7 e 8 como o chifre pequeno foi articu- Deu
Como a teologia medieval distorceu o ministério lada filosoficamente. Ess
de Cristo no santuário celestial? dam
Propondo uma visão sacramental da realidade. De que maneira a Reforma Protestante começou é per
O sacramento era visto como um instrumento a romper com essa visão? mov
de mediação entre o Céu e a Terra, um canal, via O protestantismo começou a fazer uma leitura de m
igreja, pelo qual a graça de Deus era comunicada mais histórica do ministério sacerdotal de Cristo. inco
ao crente. No pensamento católico, o sacramento é Lutero criticou a crença nos sacramentos e man- e de
36699 RA Ago2017

a manifestação histórica de algo mais profundo, teve apenas dois: a Santa Ceia e o batismo. Eles teísm
é a “embalagem” de algo místico mais significa- ainda acreditavam na presença de Cristo no pão e est
tivo. Essa visão se justifica pelo pressuposto de e no vinho, mas sem a ideia de um novo sacri- uma
que Deus habita numa realidade diferente da fício. Rompeu-se também com a visão “mágica” não t
nossa, fora do tempo e do espaço, num mundo de sacerdócio, resgatando o conceito de que de p
espiritual que, para entrar em contato conosco, todos os crentes são chamados a compartilhar que s
precisa de uma instrumentalização: os sacra- o sacerdócio de Cristo. A cruz passou a ser vista com
mentos. Dos sete sacramentos católicos, dois têm como um sacrifício histórico, e Calvino chegou celes
que ver com o sacerdócio de Cristo: a eucaristia a escrever que Jesus estava no Céu intercedendo uma
(Santa Ceia) e a ordenação. Na missa, acredita-se pela humanidade. é um
Foto: Kenny Zukowski

Designer
que o sacrifício de Cristo seja repetido e os sím- nos c
bolos se tornem o corpo e o sangue Dele. Quanto Mas o protestantismo clássico manteve algumas não
Editor Texto à ordenação sacerdotal, por ser um sacramento, a incoerências? tran
interpretação católica é de que o sacerdote atua Sim, porque os protestantes não rearticularam rand
C.Qualidade

6 R e v i s t a A d v e n t i s t a // Agosto 2017 Revis

Depto. Arte
Lim a

a doutrina de Deus. Prova disso foi a forte A crença na temporalidade de Deus reforça
ênfase na predestinação, doutrina que pres- nossa confiança no cumprimento das profecias
supõe Deus fora do tempo. O problema é de tempo definido?
que a conta não fecha quando pensamos Certamente, pois o ano de 1844 marcou o
num Cristo histórico mediando diante de um início de um juízo no Céu (Dn 8:14), com refle-
Deus atemporal. O protestantismo moderno xos na Terra: o surgimento de um movimento
identificou essa incoerência, mas também missionário (Ap 14:6-12). A relação cronoló-
não chegou a uma solução razoável. Os teó- gica dos eventos no Céu e na Terra também
logos protestantes interpretam a cruz como fica clara, por exemplo, na descida do Espí-
concentrando a obra completa da salvação rito Santo no Pentecostes, acontecimento que
e veem a ênfase na intercessão posterior de Pedro atribuiu à inauguração do reinado e
Cristo uma diminuição de Seu sacrifício no sacerdócio celestial de Cristo (At 2:33).
Calvário. Para eles, o sacerdócio celestial de
Jesus tem função apenas litúrgica ou simbó- O que o livro de Hebreus ensina sobre o mi-
lica, e não salvífica em si mesma. Na sala de nistério sacerdotal de Jesus?
aula, porém, costumo dizer que a obra da De forma bela e complexa, o livro de Hebreus
salvação não terminou na cruz. Cristo con- discute o ministério de Cristo a partir de
tinua trabalhando em nosso favor. uma articulação sistemática dos concei-
tos de sacerdócio, santuário e aliança. Essa
Então, como o modelo histórico proposto em articulação ocorre numa progressão histó-
sua tese oferece uma alternativa? rica: inauguração por ocasião da ascensão
Minha ideia não é nova, apenas procuro sis- de Cristo, mediação contínua e, finalmente,
tematizar o tema e mostrar suas relações com a projeção de um julgamento final.
outras crenças, como a doutrina de Deus. O
cerne do modelo histórico é que existe uma Por que precisamos de um mediador entre
que sequencialidade nas ações de Deus na Terra e nós e Deus?
sto e no Céu. Esse foi o pressuposto dos pioneiros De forma sintética, Deus não precisa ser ape-
ógica adventistas e foi desse paradigma bíblico que nas justificador, mas também justo ao lidar de
u de intuitivamente eles partiram para entender a modo responsável com a eliminação do mal
altar, passagem de Cristo de um lugar para outro no (Rm 3:26). É por meio da mediação de Cristo
ssim santuário celestial em 22 de outubro de 1844. que Deus pode reunir essas duas caracterís- CASADOS COM
isté- ticas. Hebreus 5:4-6 mostra que foi Deus o OS LIVROS
to, a Por que o conceito sobre o tempo é tão im- Pai quem constituiu Cristo como mediador, Na casa da família Milli, a
o em portante para nossa compreensão acerca de indicando que não é a mediação de ninguém, máxima é estudar. Adriani,
ticu- Deus e da realidade? inclusive do Filho, que convence o Pai a agir um capixaba de Colatina
Essa é uma discussão bem árida, mas fun- em nosso favor. Deus sempre nos amou. (ES) com 34 anos, é gra-
damental. Na filosofia clássica grega, tudo que duado em Teologia e Ad-
eçou é perfeito não pode estar atrelado ao tempo e Como o sacerdócio celestial de Cristo impacta ministração pelo Unasp,
movimento, porque isso envolve algum tipo a vida do crente? mestre em Ciências da Reli-

36699 RA Ago2017
tura de mudança e dá a impressão de que está Hebreus é uma carta em que a exposição gião pela Umesp e PhD em
isto. incompleto. Na tentativa de “proteger” Deus doutrinária e a exortação pastoral estão mes- Teologia pela Universidade
man- e defender filosoficamente o cristianismo, o cladas, e na qual os conselhos práticos partem Andrews (EUA). Ellen, sua
Eles teísmo clássico assimilou esse conceito grego da explicação teológica sobre o sacerdócio esposa, tem um mestrado
pão e estabeleceu que existem duas realidades: de Cristo. Em Hebreus, a ideia é que a ora- em Língua Inglesa e um
acri- uma terrestre, histórica, e outra celestial, que ção na Terra, em conexão com a mediação de doutorado em Educação
gica” não tem passado, presente nem futuro. Em vez Cristo no Céu, é o caminho para nos aproxi- também pela Universidade
que de pressupor o tempo como um contêiner em marmos do trono de Deus. E devemos fazer Andrews. Ambos são pro-
lhar que seres terrestres vivem, e a atemporalidade isso com confiança (Hb 4:14-16), pois o traba- fessores no Unasp, campus
vista como outro contêiner no qual habitam os seres lho de Cristo nos oferece salvação e perdão Engenheiro Coelho: ele no
egou celestiais, na visão bíblica, o tempo é apenas e nos aperfeiçoa para cumprirmos a vontade seminário teológico e ela Designer

endo uma medida de passagem, e a temporalidade Dele, o que inclui a prática do bem e a coo- nos cursos de Letras e
é uma característica nossa, da realidade que peração mútua (Hb 13:15,16). Vale destacar Tradutor e Intérprete. Nos
Foto: Kenny Zukowski

Editor Texto

nos cerca e do próprio Deus. Ao discutir isso, que, à medida que o ministério de Cristo no quase seis anos que passa-
mas não estamos tentando decifrar o mistério da Céu se aproxima do fim, Sua igreja na Terra ram estudando em Michigan
C.Qualidade
transcendência de Deus, mas apenas procu- precisa viver como um povo sacerdotal, em (EUA), nasceu a filha Sarah,
ram rando entender aquilo que Ele mesmo revelou. sua dimensão comunitária e missiológica. hoje com dois anos.
Depto. Arte

o 2017 R e v i s t a A d v e n t i s t a // Agosto 2017 7


IGREJA

Discipulado na prática
Pesquisa sul-americana aponta características das igrejas bem-sucedidas
no processo discipulador

Helder Roger
Everon Donato

“C omo vocês formam discípulos


em sua igreja?” Foi em busca de
respostas a essa pergunta que a
de vida, cujo objetivo é o desenvolvimento
e crescimento espiritual das pessoas. Seus
programas são adaptados em função des-
Iniciativa pastoral
Em todas as igrejas avaliadas, a influên-
cia do pastor distrital foi fundamental para
sede administrativa da Igreja Adventista sa visão, e a liderança é capacitada e de- despertar a visão e desencadear o proces-
para a América do Sul iniciou uma série de safiada a praticar esses princípios. O foco so discipulador na congregação, a partir
visitas a congregações locais em diferentes é ajustado para o que realmente impor- de um grupo-base. Expressões como “o
partes de seu território. Entre as 16 Uniões ta. Um dos pastores entrevistados disse: preço teve que ser pago” e outras seme-
que formam a Divisão Sul-Americana, nove “O discipulado não se propõe a ser uma lhantes foram usadas, demonstrando que
foram escolhidas para indicar a igreja com nova metodologia ou estrutura de traba- o ministro teve que agir com determina-
a melhor proposta de discipulado em sua lho; propõe-se a mudar os paradigmas da ção e ousadia, uma vez que se deparava
jurisdição, a fim de ouvir o depoimento de igreja, utilizando metodologias e estrutu- com uma mudança de cultura. Verificou-se
pastores distritais e líderes locais. O sele- ras. Por vezes, os melhores métodos da que, em quase todos os casos, a participa-
cionado conjunto de congregações varia igreja (enquanto organização) esbarram ção da Associação/Missão esteve restrita à
em tamanho, segmentos sociais e cultu- nas limitações locais que geralmente giram permissão para começar uma experiência
ras. Os critérios adotados para a escolha em torno de questões como problemas na inovadora. Em casos específicos, o Campo
das igrejas foram: liderança, secularismo, distorcido senso de apoiou financeiramente e flexibilizou o ca-
1) Índice de membros por batismo supe- missão, entre outros. Isso não pode ser re- lendário de atividades.
rior à média da Associação/Missão (Cam- solvido com eventos ou métodos. É neces- Sobre o valor da iniciativa, Ellen G. Whi-
po) a que pertence a igreja. sário trabalhar o coração e a mente dos te declarou: “Alguns dos que se entregam
2) Crescimento real acima da média do membros. Isso exige tempo, compromisso ao serviço missionário são fracos, sem
Campo (Entradas [batismo e rebatismo] – com um grupo de pessoas que, por sua vez, energia, sem entusiasmo e facilmente de-
Saídas [apostasia e desaparecimento]). gerará a massa crítica para mudar a igreja.” sanimáveis. Falta-lhes a iniciativa. Não têm
3) Funcionamento de um sistema de Essa prática lembra o ensino de Cristo aqueles positivos traços de caráter que dão
cuidado dos membros. sobre a prioridade que Seus discípulos de- a força para fazer alguma coisa — o espíri-
4) Experiência mínima de quatro anos, veriam ter: “Portanto ide, fazei discípulos to e energia que iluminam o entusiasmo.
para garantir a consolidação e a continui- de todas as nações” (Mt 28:19). Para Jesus, Aqueles que desejam o sucesso devem ser
dade do projeto, mesmo após as transfe- o discipulado não era uma grande opção, corajosos e otimistas. Devem cultivar não
rências pastorais. mas a grande comissão dada à Sua igreja. só as virtudes passivas, mas as ativas.”2
Este artigo é um relato de experiência Acerca desse ponto, Bill Hull afirma: “Creio
e tem o objetivo de apresentar as práticas que a crise da igreja seja uma questão de Formação intencional
comuns observadas nas igrejas visitadas produção, o tipo de pessoas sendo produ- de líderes
zidas. Proponho que a solução seja a obe- Desenvolveu-se um processo transfor-
Prioridade no discipulado diência à comissão de Cristo para ‘fazer mador na visão e preparação dos líderes
As congregações analisadas consideram discípulos’, e ensinar os cristãos a obede- com uma forte ênfase espiritual. O pastor
o discipulado um processo de transferência cer tudo o que Cristo ordenou.”1 distrital foi responsável por selecionar um

26 | MAI-JUN • 2017
pequeno grupo de líderes e vivenciar com da rede. O modelo utilizado pela maioria igreja e, os Pequenos Grupos, nas casas.
eles, na prática, os princípios do discipulado deles inclui coordenadores, supervisores, Observou-se também que a integração
por meio de uma proposta relacional. Nas líderes e líderes aprendizes. (fusão) dessas estruturas é variável. Con-
palavras de um dos participantes da ava- 2) Pequenos grupos. Assim como a base tudo, as entrevistas demonstraram que
liação: “O método foi simples, mas o efeito de líderes foi discipulada em um grupo pe- o aspecto primordial para o êxito não é o
na vida das pessoas foi grande, pois o pla- queno, o processo é reproduzido de modo foco nas estruturas, mas na compreensão
no e o propósito eram divinos.” semelhante para toda a igreja. Nesse as- e prática dos princípios do discipulado.
O período de convivência em grupo pecto, os pequenos grupos são conside-
teve um tempo variável. Em um deles, a rados essenciais em todos os casos. Em Novas gerações
duração foi de quatro meses e, nos demais, algumas circunstâncias, aparecem integra- As igrejas que se destacam no discipu-
um período de nove a 18 meses, depen- dos às unidades de ação da Escola Sabati- lado demonstram preocupação especial
dendo do grau de amadurecimento dos lí- na. Esses pequenos grupos não são apenas com as novas gerações, envolvendo-as no
deres que estavam sendo discipulados. Em um programa semanal, mas uma estrutu- processo e investindo nas classes de Escola
todos os casos, a formação de um pequeno ra contínua de pastoreio. Sabatina das divisões infantis, nos Desbra-
grupo protótipo foi a estratégia adotada. 3) Supervisão. Os líderes dos pequenos vadores, Aventureiros e Pequenos Grupos
Os líderes entrevistados ressaltaram que grupos têm alguém que os encoraja, ora direcionados a elas.
não deve haver pressa, para que o proces- por eles e os ajuda a resolver seus proble- Essas congregações estão dizendo que
so seja realizado com consistência. mas pessoalmente. Consequentemente, as próximas gerações colherão os frutos
Eles se sentiram pastoreados e, na se- eles fazem o mesmo com aqueles que es- das sementes lançadas atualmente. Ao
quência, aptos a pastorear as pessoas. Al- tão sob sua supervisão e pastoreio. discutir sobre o cuidado com as novas ge-
guns disseram que “a experiência vivida 4) Encontros regulares. Existem en- rações, Don MacLafferty adverte: “Muitas
foi transformacional e com efeitos eter- contros regulares entre os níveis de lide- crianças estão crescendo sem ter alguém
nos”. Outros ainda declararam: “É preciso rança e as pessoas que estão dentro da para segurá-las, amá-las ou guiá-las.
trabalhar primeiro na transformação para rede de discipulado. As reuniões ocorrem Muitas estão educando a si mesmas [...]
ter pessoas motivadas, e não o contrário.” com frequência semanal ou quinzenal, Elas crescem sem ter alguém para ouvir
Robert Coleman declara que o método para interação, troca de experiências e seus questionamentos, amá-las o bastan-
de Cristo tinha por base as pessoas. “É in- encorajamento. te para desafiá-las ou preocupar-se o bas-
teressante destacar que Jesus começou a 5) Capacitação e formação de novos lí- tante em guiá-las a descobrir Jesus por si
reunir aqueles homens antes de organi- deres. Há preocupação com a formação de mesmas.”5
zar campanhas evangelísticas ou mesmo novos líderes para garantir o cuidado e
de pregar em público. As pessoas eram a desenvolvimento das pessoas. Em alguns Envolvimento na missão
base de seu método de ganhar o mun- casos, membros do grupo ainda não bati- As igrejas entrevistadas também de-
do para Deus [...] Ao que parece, a neces- zados estão sendo preparados para o ba- monstram preocupação em envolver a
sidade não era apenas a de recrutar uns tismo e também para assumir o pastoreio maior parte dos membros em algum minis-
poucos leigos, mas manter o grupo sufi- de um novo grupo. tério ou atividade missionária. São usadas
cientemente pequeno para que pudesse David Cox contribui com a ideia de rede expressões como voluntariado, capacita-
ser bem trabalhado.”3 de pastoreio ao dizer que “todas as igre- ção e envolvimento total dos membros.
jas precisam de uma rede abrangente de Em algumas dessas igrejas, o engajamento
Pastoreio em rede Pequenos Grupos, que ajudem a cons- dos membros em ministérios para servir e
Essas igrejas apresentam um sistema truir uma comunidade verdadeiramente salvar pessoas é superior a 60%.
de cuidado, atenção e desenvolvimento de cristã.”4 Quanto a essa característica, Jair Miran-
seus membros à semelhança de uma rede da afirma: “Uma vez que os membros es-
interconectada. Em essência, há pasto- Estruturas viabilizadoras tão unidos para a adoração e saem juntos
reio efetivo. Cada congregação tem uma A investigação mostrou que duas es- para servir o próximo com atos desinteres-
rede com suas particularidades. Entretan- truturas, Escola Sabatina e Pequenos sados de compaixão, os amigos da igreja
to, existe um padrão com algumas carac- Grupos, destacam-se na viabilização do que ainda não assumiram um compromis-
terísticas essenciais: discipulado. Ambas apresentam prin- so com o Senhor Jesus se admirarão com o
1) Níveis de liderança. Identificou-se cípios semelhantes e complementares. cuidado da igreja, e seu coração será toca-
uma conexão entre os diferentes níveis A Escola Sabatina com maior atuação na do pelos estímulos do amor.”6

MAI-JUN • 2017 | 27
Comentando sobre o envolvimento dos Essa recomendação converge com as a) Desenvolver uma cultura de disci-
membros na missão, Ellen G. White declarou: pesquisas que indicam que igrejas saudá- pulado que contemple as diferentes ge-
“Há por toda parte a tendência de substituir veis simplificam seus programas. Thom rações, em que planejamento, ações e
pela obra de organizações o esforço indivi- Rainer e Eric Geiger afirmam: “Muitas de avaliações se constituam num processo e
dual. A sabedoria humana tende à consolida- nossas igrejas se tornaram complexas [...]. não em programas isolados.
ção, à centralização, à edificação de grandes Tão complexas que muitas pessoas estão b) Ampliar as atividades dos departa-
igrejas e instituições. Muitos deixam às insti- ocupadas fazendo igreja em vez de ser igreja mentais e administradores para que haja
tuições e organizações a obra da beneficên- [...]. O acúmulo de coisas pode fazer parecer apoio significativo ao pastor distrital na
cia; eximem-se do contato com o mundo, e que está tudo bem. O excesso de atividades implementação do discipulado. É necessá-
seu coração se torna frio. Ficam absorvidos é um ótimo disfarce para a falta de vida.”8 rio concentrar o foco nos princípios e práti-
consigo mesmos e insensíveis à impressão. 3) Processos contínuos. Igrejas que em- cas e não em modelos ou estruturas.
É extinto no coração deles o amor para com preendem o processo discipulador preci- c) Estabelecer uma rede de pastoreio
Deus e o homem. Cristo confia a Seus segui- sam de pastores dispostos a permanecer para que haja gente cuidando de gente.
dores uma obra individual – uma obra que por mais tempo, pois a mudança de pa- d) Utilizar o tempo necessário, de acor-
não pode ser feita por procuração. O serviço radigma é lenta. Ministérios mais longos do com a realidade de cada lugar, para que
aos pobres e enfermos, o anunciar o evan- favorecem essa proposta. Além disso, é ne- os processos transformadores aconteçam
gelho aos perdidos, não deve ser deixado a cessário que o próximo pastor dê continui- naturalmente.
comissões ou caridade organizada. Respon- dade ao processo estabelecido. Que tal refletir sobre essas práticas e
sabilidade individual, individual esforço e sa- 4) Materiais e modelos flexíveis. Cada começar a empreendê-las em seu minis-
crifício pessoal são exigências evangélicas.”7 igreja tem seu próprio contexto, e é im- tério? É hora de causar uma grande revo-
portante não restringir materiais nem lução!
Recomendações modelos. No processo, o que deve ser ine-
Referências
Os pesquisadores ouviram as suges- gociável é a disposição de levar a igreja a
1
Bill Hull, El Pastor Hacedor de Discipulos (Bogotá:
tões dos entrevistados sobre o que pode- viver os princípios do discipulado.
Ediciones Berea, 2012), p. 6
ria facilitar a implantação de um processo 5) Papéis ampliados. A sugestão é que 2
 llen G. White, A Ciência do Bom Viver (Tatuí, SP:
E
discipulador consistente. As principais re- administradores e departamentais atuem Casa Publicadora Brasileira, 2004), p. 497.
comendações são as seguintes: também como discipuladores, priorizando 3
 obert Coleman, O Plano Mestre de Evangelismo
R
1) Pastores com visão discipuladora. Um as pessoas e o apoio ao processo discipula- (São Paulo, SP: Mundo Cristão, 2006), p. 17, 20.

dos fatores que desencadearam o proces- dor na igreja local. Durante as entrevistas, 4
 avid Cox, Pense em Grande, Pense em Grupos
D
Pequenos (Lisboa: Publicadora Atlântico, 2000),
so discipulador consistente dessas igrejas um dos participantes afirmou: “É preciso p. 32.
foi a iniciativa pastoral. Isso comprova a viver o discipulado em todos os níveis.” 5
 on MacLafferty, De Dentro para Fora (São Luís,
D
grande influência da liderança do pastor MA: Visualgraf, 2010), p. 25.
distrital. Portanto, sugere-se que: Conclusão 6
Jair Miranda, Igreja em Missão (São Paulo, SP:
a) Os pastores em atividade aprofun- As práticas comuns observadas nes- Regente, 2015), p. 50.

dem seu conhecimento e prática sobre o sas congregações contribuem para a for-
7
Ellen G. White, Op. cit., p. 147.

discipulado, por meio de leitura, participa- mação de discípulos de Cristo. Por terem
8
 hom Rainer e Eric Geiger, Igreja Simples (Brasília,
T
DF: Palavra, 2011), p. 32.
ção em seminários e troca de experiências vivenciado uma experiência transforma-
com outras pessoas que estejam viven- dora, os membros apresentam alto nível de
ciando o processo. satisfação. Muitos deles relataram como
Helder Roger, doutor em
b) Os pastores sejam preparados des- deixaram de ser meros espectadores e se Teologia Pastoral (Unasp,
de o Seminário Teológico com uma visão transformaram em pessoas ativas e bem EC), é vice-presidente da
Divulgação DSA

Igreja Adventista para a


discipuladora. integradas. Como resultado, o percentual
América do Sul
2) Programas adaptados. Os participan- de membros envolvidos na missão, bem
tes relataram que, para discipular, é neces- como o número de batismos nessas igre-
sário tempo para investir em pessoas. Por jas, está acima da média do Campo local, e Everon Donato, mestre
essa razão, os programas locais deveriam as perdas são bem menores. em Liderança (Andrews
University), é líder de
ser reduzidos e adaptados de acordo com Portanto, para que haja multiplicação
Divulgação DSA

Ministério Pessoal e Ação


a realidade de cada igreja, a fim de dar su- do número de igrejas e grupos vivendo Solidária Adventista para a
porte à visão de discipulado. essa experiência, sugerimos: América do Sul

28 | MAI-JUN • 2017
EDITORIAL

Cada membro, um ministro

William de Moraes
E
m junho de 2016, várias congregações luteranas Ela escreveu: “Precisa haver um reavivamento e uma
ao redor do mundo começaram a contagem re- reforma, sob a ministração do Espírito Santo. [...] Reavi-
gressiva dos 500 dias que antecedem o aniver- vamento significa renovação da vida espiritual [...]. Re-
sário de 500 anos da Reforma Protestante, iniciada por forma significa uma reorganização, uma mudança nas
Martinho Lutero. Um marco na história do cristianismo, ideias e teorias, hábitos e práticas. [...] Reavivamento e
a fixação de suas 95 teses na porta da Catedral de Wit- reforma devem efetuar a obra que lhes é designada e,
tenberg deflagrou um grande movimento de retorno no realizá-la, precisam fundir-se” (Review and Herald,
à Bíblia, com implicações que nos alcançam ainda hoje. 25/2/1902). Diante das afirmações da autora, cabe per-
De modo geral, Lutero tem sido lembrado espe- guntar: que tipo de reforma estava em sua mente quan-
cialmente por sua ênfase na justificação. “Senti-me do escreveu essas palavras?
como renascido, e entrei pelos portões abertos do Ellen G. White notou dois grandes problemas em seus


próprio paraíso”, disse ele, quando entendeu o signi- dias: (1) os membros estavam acomodados, satisfeitos
ficado da sentença “o justo viverá pela fé” (Rm 1:17). apenas em ouvir sermões e; (2) os pastores não esta-
A partir de suas descobertas, cristãos se aprofunda- vam colocando os membros para desenvolver seus res-
ram na compreensão da doutrina da salvação e pu- pectivos dons. Essa condição promovia um ambiente de
deram apreciar a beleza de um Céu preparado para fraqueza espiritual, que deveria ser reavivado e refor-
aqueles que se apropriam, pela fé, dos méritos do mado por meio de uma atitude drástica dos ministros.
sacrifício de Jesus. Eles deveriam sair para “novos campos”, a fim de que
Entretanto, tão importante quanto sua ênfase na Discipular os membros fossem levados “a assumir responsabilida-
justificação, foi o fato de Lutero ter iniciado também pessoas de des” na igreja local, de maneira que pudessem crescer
uma significativa discussão acerca do sacerdócio de acordo com em suas habilidades e ministérios.
todos os crentes, ponto esse que, ao longo dos anos, seus dons e Em outras palavras, a autora acreditava que os pas-
não recebeu a mesma atenção que o tema da salva- ajudá-las a tores tinham uma parte importante a desempenhar no
ção pela graça mediante a fé. encontrar seu reavivamento que levaria a igreja a uma reforma eclesio-
Essa constatação é compartilhada por diversos au- papel no corpo lógica profunda, que restauraria a visão do sacerdócio
tores cristãos. Por exemplo, Greg Ogden sugere que de Cristo é um de todos os crentes entre os adventistas do sétimo dia.
uma “nova reforma” deve restaurar a prática do sacer- imperativo A implicação do conceito bíblico e das ideias defen-
dócio de todos os crentes em nossos dias. René Padilla que deve ser didas por Ellen G. White e outros teólogos é óbvia: a
afirma que faz falta “uma nova reforma”, que “reconhe- obedecido em menos que nós, pastores e líderes, entendamos nosso
ça em termos práticos a importância do sacerdócio de nossos dias.” papel em “preparar os santos para a obra do ministé-
todos os crentes para a vida e missão da igreja”. Russell rio” (Ef 4:12, NVI), estaremos aquém do chamado divino.
Burrill, entrevistado desta edição, enfatiza que a res- Discipular pessoas de acordo com seus dons e ajudá-las
tauração do ministério de todos os crentes é uma a encontrar seu lugar no corpo de Cristo é um imperati-
importante mudança que deve ocorrer na igreja, e de- vo que deve ser obedecido em nossos dias.
clara: “É tempo para um novo começo”. É bem verdade que esse processo não é simples nem
Embora pensadores contemporâneos defendam a rápido. Ele passa pela transformação do paradigma mi-
ideia de uma nova reforma que realce o sacerdócio de nisterial que adotamos. Entretanto, se nosso desejo é
todos os crentes, tal conceito foi apresentado há mais contribuir efetivamente com a obra de preparação de
de um século por Ellen G. White, cofundadora da Igre- um povo para se encontrar com Jesus Cristo, precisa-
ja Adventista do Sétimo Dia. Ainda que, geralmente, mos pagar o preço. Precisamos desejar que esse reavi-
passe despercebido, o contexto de uma de suas prin- vamento e reforma comecem por nós.
cipais citações a respeito de reavivamento e reforma Wellington Barbosa
aponta para essa direção. Editor

2 | SET-OUT • 2016
ENTREVISTA – RUSSELL BURRILL

Revolucione a igreja

Gentileza do entrevistado
Devemos mudar radicalmente e organizar nossas
igrejas em torno da necessidade de todos estarem
envolvidos no ministério.

Por Márcio Nastrini O que motivou o senhor a escrever


tanto sobre evangelismo e crescimen-
to de igreja?
No contexto adventista, é muito difícil falar acerca do ministério de todos os cren- Eu compartilhava muitos conceitos e
tes e do papel do pastor sem mencionar o nome de Russell Burrill. Autor dos livros pesquisas em minhas aulas no seminário;
Como Reavivar a Igreja do Século 21 (CPB, 2005) e Discípulos Modernos (CPB, 2006), entretanto, os estudantes deixariam a fa-
ele é conhecido por sua convicção a respeito da necessidade de se restaurar os para- culdade e tentariam implementá-los em
digmas ministeriais do cristianismo apostólico e do adventismo pioneiro. um ambiente de igreja desfavorável, re-
Burrill é bacharel em Teologia pelo Atlantic Union College, Massachusetts, fez seu sistente a novas ideias. Os membros acha-
mestrado na Andrews University, Michigan, e obteve o Doutorado em Ministério pelo vam que os novos pastores eram muito
Fuller Theological Seminary, Califórnia. Na década de 1960, começou seu ministério jovens, por isso, não desejavam ouvi-los.
como pastor em Connecticut. Depois, trabalhou como evangelista em várias regiões Meus alunos começaram a me pedir, en-
dos Estados Unidos. Após retornar ao pastoreio de igrejas, nos Estados de Washington tão, para que eu publicasse minhas pes-
e Kansas, Burrill foi convidado para dirigir o Instituto de Evangelismo da Divisão quisas a fim de que pudessem usá-las em
Norte-Americana, cargo que ocupou por 22 anos até sua aposentadoria, em 2007. suas futuras igrejas. Assim, preparei Revo-
Enquanto esteve à frente do Instituto de Evangelismo, Burrill também atuou como lution in the Church (2001). A resposta ao
professor na área de Ministério Cristão, na Andrews University, e como secretário mi- livro foi além das expectativas e me incen-
nisterial e diretor de Missão Global da Divisão Norte-Americana. Uma de suas gran- tivou a continuar escrevendo.
des contribuições para o programa de plantio de igrejas foi o projeto Seeds que, até
hoje, é realizado em várias partes do mundo. Recentemente, o Estado de São Paulo Qual é a melhor maneira de ajudar as
sediou dois encontros do projeto. igrejas a serem mais vibrantes e en-
Ele é casado com Cynthia Hartman Burrill, que tem uma ligação especial com a volvidas na pregação do evangelho?
América do Sul. Ela nasceu na Bolívia e cresceu no Peru. Seu avô, George Hartman, Realizar treinamentos missionários não
foi tesoureiro da então União Sul-Americana (atual Divisão Sul-Americana da Igre- é suficiente. A maioria dos membros não
ja Adventista). O pai, John Hartman, nasceu na Argentina e cresceu no Brasil. Ele tra- participa. Creio que o melhor caminho é
balhou como tesoureiro na Bolívia e no Peru e, em 1962, assumiu a mesma função na criar uma consciência de missão. Todos de-
Divisão Sul-Americana. O casal Burrill tem dois filhos e seis netos. vem saber por que a igreja está aqui e en-
Ao todo, Russell Burrill escreveu 13 livros, traduzidos para diversas línguas, que tender sua missão claramente. Isso tornará
tratam de temas como evangelismo, crescimento e plantio de igreja e reavivamen- possível a implementação de novas ideias.
to. Como conferencista, esteve em mais de 40 países, compartilhando ideias que aju- No entanto, a maioria dos pastores falha
dam a igreja a expandir sua missão de alcançar pessoas. nesse processo por tratar o assunto como

SET-OUT • 2016 | 7
se fosse outro programa qualquer. Quan- ministério que esteja em seu coração e em Qual é o papel do pastor numa igre-
do a maioria dos membros entende que a atividades que estão em harmonia com a ja estruturada em pequenos grupos,
missão é a razão pela qual a igreja existe, forma com que foram equipadas. Eu escre- em que os ministérios têm como base
então a execução é possível. Contudo, sem vi sobre isso em livros como Waking the os dons?
isso, nada ocorre, não importa quantos se- Dead (2004) e How to Grow an Adventist Biblicamente falando, treinar e equipar
minários você faça. Church (2009). (aperfeiçoar) os membros são as principais
descrições do trabalho do pastor e de ou-
De que maneira os ministros podem le- Como os pequenos grupos se relacionam tros líderes da igreja (Ef 4:11-12). De fato, o
var os membros a descobrir seus dons? com um ministério orientado por dons? texto de Efésios é o único do Novo Testa-
Desde que escrevi Revolution in the O ambiente do pequeno grupo é ideal mento a tratar sobre a função pastoral e,
Church, mudei meu entendimento so- para a descoberta de dons e o consequente curiosamente, afirma que o trabalho é “pre-
bre o processo de descoberta dos dons. envolvimento no ministério. É impossível parar” (NVI) os membros para o serviço. As-
No passado, incentivávamos as igre- reacender a chama do sacerdócio de todos sim, se um ministro não está fazendo isso,
jas a realizar seminários a respeito do as- os crentes sem a experiência com peque- não está realizando biblicamente seu papel.
sunto. Às vezes, isso demandava cerca nos grupos. Essa era a virtude do adven- Ellen G. White expande esse conceito ao
de 10 semanas para ser concluído. longo de seus escritos, chegando a su-
Ao fim do treinamento, a congrega- gerir que pastores que estão fazendo o
ção estava exausta e desgastada em O importante é descobrir por trabalho em vez de treinar e equipar os
virtude do processo, e pouca energia membros devem ser demitidos (Obrei-
havia sido colocada efetivamente em qual ministério as pessoas são ros Evangélicos, p. 102).
levar pessoas ao ministério de acor- Em outro lugar, ela afirma que
apaixonadas. Elas escolhem
do com seus dons. membros de igreja que precisam ser
Continuo acreditando piamente um ministério com base em cuidados pelo pastor, em vez de ter
no potencial do uso dos dons espiri- sua própria vida espiritual, “precisam
tuais, mas não creio que as pessoas suas paixões e costumam se converter, sendo novamente bati-
devem entrar em determinado mi- zados. Necessitam nascer de novo”
nistério por causa do dom que têm.
servir onde se sentem mais (Evangelismo, p. 381).
Descobri que não se pode colocar confortáveis, de acordo com Essas são apenas duas das cen-
os membros num ministério por- tenas de declarações da autora so-
que você acha que aquele ministé- seu dom espiritual. bre o assunto. É necessário que os
rio precisa daquele dom. A meu ver, membros “discipulem” os novos
todos os ministérios podem usar to- conversos a fim de que não venham
dos os dons. tismo em seus primeiros anos. Os pioneiros depender somente do pastor. Ellen G.
O importante é descobrir por qual mi- fizeram dos encontros sociais (pequenos White enunciou os seguintes princípios
nistério as pessoas são apaixonadas. Elas grupos) um dos elementos essenciais da quanto ao tema: (1) não dependência do
escolhem um ministério com base em suas Igreja Adventista. Esse fato, pouco fami- pastor; (2) crescimento espiritual da igreja;
paixões e costumam servir onde se sen- liar para muitos, talvez tenha sido a maior (3) crescimento numérico; e (4) discipula-
tem mais confortáveis, de acordo com seu razão para o rápido crescimento numéri- do completo.
dom espiritual. Desse modo, elas estarão co da denominação em seus primórdios. Não há nenhum texto na Bíblia que
envolvidas em algo relacionado com sua Atualmente, temos uma infinidade de mencione que devemos contratar al-
inclinação, mas o lugar que ocuparão nas seminários que exploram a implementa- guém para cuidar dos membros. Esse não
atividades estará baseado em seus dons. ção de ministérios de acordo com os dons; é o trabalho do pastor. O Novo Testamen-
Esse processo se concentra mais em todavia, obtemos pouco sucesso com isso. to é claro sobre como os fiéis devem ser
envolvê-las no ministério do que em fazê- É mais eficaz inserir as pessoas em um pe- pastoreados. Aproximadamente 75 versos
las descobrir os dons. Uma pessoa não leva queno grupo e, nesse ambiente, ajudá-las afirmam que o cuidado dos membros é ta-
10 semanas para descobrir seu dom. Isso a descobrir por qual ministério são apaixo- refa de todos os crentes. Se queremos ter
pode ser feito em uma ou duas horas. As- nadas. Por fim, devemos auxiliá-las para uma igreja viva, então precisamos da par-
sim, o tempo deve ser investido em aju- que se encaixem onde estão melhor pre- ticipação da congregação no cuidado mú-
dar as pessoas a se tornarem ativas em um paradas para servir. tuo de seus membros.

8 | SET-OUT • 2016
Como transformar a realidade de uma Outro problema que ronda as igrejas ajudá-las a se ajustarem na igreja. Tão
“igreja de consumidores” que depende é a apostasia entre novos membros. importante quanto ganhar pessoas para
do pastor em uma igreja ativa? O que fazer para evitar essa situação? Cristo é mantê-las no discipulado. De fato,
Tudo começa com o desenvolvimen- Quando uma pessoa se une à igreja, batizar pessoas sem ter um plano de as-
to de uma forte compreensão da missão quer como recém-convertida ou por meio similação à igreja é uma prática espiritual
da igreja. Um estudo sobre o sacerdó- de transferência, a comunidade tem cer- deficiente. Quando uma série evangelística
cio de todos os crentes indica que os ca de 3 a 6 meses para envolvê-la em um é planejada, deve contemplar também es-
sacerdotes do Antigo Testamento ti- grupo, tarefa ou projeto. Se isso não ocor- tratégias para acompanhamento e conser-
nham duas funções básicas: (1) interce- rer, essa pessoa tende a se afastar da igre- vação de seus conversos. Se tal plano não
der em nome do povo diante de Deus, e ja. Assim, qualquer congregação que leva existe, a iniciativa não deveria ser autori-
(2) desempenhar funções religiosas que a sério a conservação dos novos mem- zada, pois, provavelmente, trará danos ir-
as pessoas não poderiam fazer (minis- bros vai se estruturar para ter certeza de reversíveis aos novos convertidos.
tério no santuário).
Implementamos bem o primeiro De acordo com sua experiência,
ponto, de tal maneira que o povo Quando uma série qual é o principal desafio da igre-
não precisa procurar o pastor para ja em relação a essa mudança ne-
interceder por ele. No entanto, ain- evangelística é planejada, cessária de paradigma?
da não obtivemos muito sucesso Uma das coisas que tem sido di-
em aplicar o segundo. Em vez de
deve contemplar fícil para eu aceitar é o fato de que
treinar os membros para ministrar, também estratégias mudanças levam tempo. No entanto,
mantemos o ministério como obra sinto-me encorajado pelos sinais de
do pastor e restringimos as demais para acompanhamento transformação que vejo em todo lu-
responsabilidades às poucas pes- gar. A dura realidade é que a igreja se
soas que são eleitas para cargos e conservação de seus tornou ineficaz em grande parte do
na igreja. mundo desenvolvido. Normalmente
conversos. Se tal plano
Isso significa que devemos mu- culpamos o secularismo crescente.
dar radicalmente e organizar nossas não existe, a iniciativa não Todavia, não estou convencido de
igrejas em torno da necessidade de que esse seja o único problema.
todos estarem Envolvidos no minis- deveria ser autorizada, pois, Por exemplo, quando, no mun-
tério. Não se trata de uma opção ou do desenvolvido, o pastor assume
uma escolha, é um requisito para ser
provavelmente, trará danos o papel de treinador e capacitador e
membro da igreja. Atualmente, al- irreversíveis aos novos as pessoas estão envolvidas no mi-
gumas de nossas congregações têm nistério, a igreja alcança uma taxa
implementado isso. convertidos. de crescimento anual de 8 a 10%.
Mudanças não são fáceis, mas de- Apesar de ser um mundo secular, a
vem ser feitas se quisermos concluir a igreja cresce grandemente. O pro-
obra de Deus. Ellen G. White afirmou que que, como parte do processo de discipu- blema não é o secularismo, o problema
“a obra de Deus na Terra nunca poderá ser lado, os recém-convertidos e os recém- é a igreja depender do pastor para fa-
terminada a não ser que os homens e as transferidos se envolvam em algum ministé- zer tudo.
mulheres que constituem a igreja concor- rio. Infelizmente perdemos muitas pessoas Sinto-me encorajado ao ver Associa-
ram ao trabalho e unam seus esforços aos quando elas se transferem. A igreja tende a ções inteiras e muitas congregações locais
dos ministros e oficiais da igreja” (Obreiros achar que essas pessoas já são adventistas que começaram a se mover nessa direção.
Evangélicos, p. 352). maduros; por isso, acabam lhes oferecendo Isso me anima a continuar. Ainda sou oti-
A partir dessa declaração, é possível pouca ou nenhuma ajuda. Desse modo, elas mista. Creio que essa mudança não pode
notar que o principal fator que impede a acabam saindo pela porta dos fundos. ser opcional; ela deve ocorrer para o avan-
conclusão da obra é a negligência em rela- Além disso, quando existe uma forte ço da missão. Estou feliz por poder falar
ção ao ministério de todos os crentes. As- ênfase no número de batismos, temos a aos pastores da América do Sul sobre esse
sim, embora seja um desafio, a restauração tendência de gastar mais tempo em pro- tema. Vou orar para que a América do Sul
completa desse conceito deve ser realizada. curar levar pessoas à decisão do que em viva, de fato, essa experiência.

SET-OUT • 2016 | 9
CAPA Marcos De Benedicto
Redator-chefe da Casa
Publicadora Brasileira

William de Moraes
Teologia dos dons

A
Colocar a pessoa certa no igreja não existe plenamente sem o Espírito Santo. Se Jesus é o maior
lugar certo, pelo motivo presente de Deus à humanidade, o Espírito Santo é o maior presen-
te de Cristo à igreja. E os dons do Espírito são uma das maiores ex-
certo, com o método
pressões do Espírito em cada congregação. Igreja sem o Espírito Santo é
certo, capacitada pelo quase uma contradição.
poder certo, é sinônimo Após ter dado a vida na cruz, tendo provido a base legal para o cumpri-
de sucesso mento da promessa do Pai de enviar o Espírito Santo (At 2:33), o Salvador
subiu triunfalmente às alturas e concedeu, por meio do Espírito, “dons aos
homens” (Ef 4:8). São esses dons que tornam a igreja efetiva e relevante
em cada contexto e período da história.
Essa visão da atividade do Espírito na dinâmica da igreja é um dos legados teo-
lógicos do apóstolo Paulo. Ao lado de João, que destaca a pessoa do Espírito San-
to, e de Lucas, que enfatiza a atuação do Espírito, Paulo é um dos grandes nomes
da pneumatologia do Novo Testamento. Para se ter uma ideia de sua contribui-
ção nessa área, basta mencionar que, das 379 vezes que o termo grego pneuma
(“e/Espírito”) aparece no Novo Testamento, 146 estão nas 13 cartas paulinas.

10 | SET-OUT • 2016
Paulo apresenta o conceito dos dons es- dom espiritual é um atributo especial con- transformados pelo Espírito Santo e empo-
pirituais como “ferramentas” para a edifi- cedido pelo Espírito Santo a cada membro derados como dons espirituais”.7
cação da igreja. Embora esse tema não seja do corpo de Cristo, de acordo com a graça Os autores adventistas em geral veem
exclusivo dele (ver 1Pe 4:10, 11), o apóstolo é de Deus, para uso no contexto do corpo”.1 talentos e dons como bênçãos celestiais
seu principal formulador. Ele discute o assun- James Packer prefere um enfoque cris- relacionadas. James Zackrison, colocando
to em três passagens principais: Romanos tológico: “A partir do Céu, Cristo usa os o uso dos dons espirituais como “parte do
12:4-8, 1 Coríntios 12–14 e Efésios 4:7-16. Para cristãos como sua boca, suas mãos, seus quadro mais amplo do discipulado cristão”,
potencializar o uso dos dons na igreja hoje, é pés e até seu sorriso. É por meio de nós, observa que às vezes os dons apenas “real-
necessário entender sua natureza e função. seu povo, que Ele fala e age, encontra, ama çam as habilidades naturais” e às vezes são
e salva aqui e agora neste mundo.”2 algo “totalmente diferente”.8 Ellen White
Conceitos e categorias No Novo Testamento, o termo grego usou ambas as palavras intercambiavel-
Muitas definições têm sido dadas para os normalmente traduzido como “dom” é cha- mente, embora ressaltando o uso espiritual
dons espirituais, a maioria enfatizando sua risma (plural charismata). Usado quase ex- dos talentos. Na perspectiva dela, o dom é
origem (Deus/Cristo), sua distribuição (o Es- clusivamente por Paulo, charisma aparece um fluxo constante da graça: Deus nos dá
pírito Santo) e seu propósito (edificar a igreja). 17 vezes no Novo Testamento.3 Essa palavra o talento e nós o devolvemos a Deus, que o
Por exemplo, Peter Wagner diz que “um pré-paulina, derivada ou da raiz charis (“gra- retorna purificado e multiplicado, de modo
ça”) ou do verbo charizomai (“dar graciosa- que o fluxo de bênçãos possa beneficiar o
mente”), significa “dom generoso” ou “dom maior número possível de pessoas.9
da graça”, no sentido de que Deus, livre e so- De fato, não precisamos colocar uma
beranamente, concede “graças” especiais barreira entre os dois conceitos. Profe-
aos crentes. Os coríntios usavam a palavra cia e socorro, por exemplo, estão na mes-
pneumatika, mas Paulo preferiu charisma ou ma categoria de dons. O talento colocado
charismata, certamente para mostrar que a serviço de Deus se transforma em dom. O
o dom vem gratuitamente de Deus e não que faz a diferença é se vivemos para exal-
é conquistado por merecimento humano. tar a nós mesmos ou para glorificar a Deus.
Alguns estudiosos fazem uma distinção Há também um debate sobre o que o
entre “dons” e “talentos”. Dwight Pente- Espírito Santo outorga à igreja: atividades,
cost, por exemplo, escreve que, “quando ministérios ou pessoas? Kenneth Berding
falamos dos dons do Espírito, não estamos argumenta que o conceito que conecta as
falando dos talentos natos com que certos passagens que tratam dos dons espirituais
indivíduos têm sido dotados desde o nas- é “ministérios” dados pelo Espírito, e não
cimento natural”, mas de “capacitação so- “habilidades” especiais.10 William Atkinson
brenatural”.4 Para Siegfried Schatzmann, escreve: “Embora seja mais simples ver os
há uma “clara ausência de apoio exegéti- dons do Espírito em [1 Coríntios] 12:8-10
co para a equação dos carismas com os ta- em termos de atividade, a sobreposição
lentos naturais”.5 que existe entre essa lista e uma similar no
Outros autores, contudo, não veem fim do capítulo [1 Coríntios 12: 28-30] indica
grande diferença entre ambos os concei- que o Espírito também concede pessoas.”11
tos. Donald Carson sugere que “Paulo não Nessa última passagem, Paulo menciona
se sentiria desconfortável com [a ideia] de pessoas (apóstolos, profetas) juntamente
que os dons espirituais sejam formados por com atividades (curas, línguas).
uma mistura de talentos naturais – que ele A questão tem que ver com a melhor tra-
consideraria ainda como sendo dons de dução do termo pneumatikon, de gênero in-
Deus – e uma dotação específica energiza- determinado, de 1 Coríntios 12:1: seria “dons
da pelo Espírito”.6 Bruce Bugbee, para quem espirituais”, “coisas espirituais” ou “pes-
Eugenio Marongiu / Fotolia

“os talentos naturais são dados em nosso soas espirituais”? Literalmente, Paulo disse:
nascimento físico”, enquanto “o dom espi- “A respeito dos espirituais [pneumatika], não
ritual é dado em nosso nascimento espiri- quero, irmãos, que sejais ignorantes.” O que
tual”, reconhece que os talentos “podem ser os leitores de Paulo teriam entendido?

SET-OUT • 2016 | 11
Há três possibilidades: (1) “mulheres espi- de ser singulares em sua própria ênfase.”14 ou ministérios devem atuar para obter
rituais” (palavra feminina na gramática gre- Em nossos dias, Paulo talvez pudesse resultados positivos. Eles não visam ao
ga), (2) “dons espirituais” (palavra neutra) e acrescentar cantores, oradores de rádio sucesso da pessoa, mas ao bem comum
(3) “pessoas espirituais” (palavra masculina). e TV, colportores e médicos, para mencio- (1Co 12:7). A finalidade é abençoar a comu-
O contexto favorece “pessoas espirituais”.12 nar apenas alguns. nidade. Por isso, tudo deve ser feito com
Na verdade, isso não faz muita diferença. O 3. O ideal é que cada um trabalhe de ordem (taxin), sem caos (1Co 14:40). Quan-
Espírito Santo trabalha com as pessoas, ha- acordo com sua habilidade e paixão. For- do cada elemento se encaixa em perfeita
bilitando-as a desenvolver ao nível máximo çar alguém a fazer o que não sabe e não sincronia, a igreja é construída de acordo
seus ministérios, papéis, funções e tarefas. gosta é tortura espiritual. A pessoa erra- com o projeto original. Você tem usado
Vale mencionar ainda que os teólogos da no lugar errado, pela razão errada, com seus dons para edificar a igreja e glorifi-
têm feito tentativas de classificar os dons o método errado, é garantia de fracasso. car a Deus?
bíblicos em três (ou mais) conjuntos. Po- Contudo, isso não significa que a pessoa
Referências
rém, esses arranjos às vezes parecem arbi- só possa atuar se tiver um grande prepa-
1
 . Peter Wagner, Your Spiritual Gifts Can Help Your
C
trários, embora possam ter valor didático. ro ou gosto pela atividade.
Church Grow, ed. rev. (Ventura, CA: Regal, 1994),
Se fôssemos fazer qualquer categoriza- 4. O amor é o critério para regular o p. 34
ção, uma opção seria partir de 1 Coríntios uso dos dons. Ter todos os dons e qualida- 2
J. I. Packer, Keep in Step with the Spirit: Finding
12:4-6, onde Paulo particularizou diferen- des sem o amor é igual a zero. Sem o amor, Fullness in Our Walk with God, ed. rev. (Grand
Rapids, MI: Baker, 2005), p. 70, 71.
tes tipos de dons (charismata), mas o mes- o dom se torna um falso carisma, porque o
3
 utras palavras usadas para “dom” são charis,
O
mo Espírito; diferentes tipos de serviços Espírito que capacita é o Espírito do amor. dorea, doma, dorema, doron, dosis e pneumatikon.
(diakoniai), mas o mesmo Senhor; e dife- Paulo não inseriu por acaso seu grandio- 4
Dwight J. Pentecost, The Divine Comforter: The
rentes tipos de realizações (energemata), so poema sobre o amor na discussão acer- Person and Work of the Holy Spirit (Grand Rapids,
MI: Kregel, 1998), p. 165, 166.
mas o mesmo Deus. ca dos dons espirituais. Você preferiria ter
5
Siegfried S. Schatzmann, A Pauline Theology of
Essa abordagem trinitária, consciente uma igreja sem muitos dons ou sem amor?
Charismata (Peabody, MA: Hendrickson, 1987),
ou inconsciente, tem a vantagem de envol- 5. O dom perde a legitimidade se rom- p. 73.
ver todas as pessoas da Divindade. “A san- per a unidade ou ignorar a diversidade. 6
 . I. Carson, Showing the Spirit: A Theological
D
ta Trindade é o vínculo unificador dos dons A analogia do corpo já era conhecida, mas Exposition of 1 Corinthians 12-14 (Grand Rapids, MI:
Baker, 2000), p. 37.
do Espírito, serviço a Cristo como Senhor e Paulo a tornou efetiva no contexto da igre-
7
Bruce Bugbee, What You Do Best in the Body of
atividades iniciadas por Deus.”13 ja. O objetivo dos dons é a cooperação, não Christ (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1995), p. 62, 63.
a competição; a unidade, não a desunião; 8
James W. Zackrison, Practical Spiritual Gifts (Boise,
Implicações práticas o crescimento, não a desintegração. Con- ID: Pacific Press, 1996), p. 11, 15.
Com base nos argumentos do apóstolo, tudo, o apóstolo reconheceu o valor da di- 9
 passagem clássica/representativa de Ellen G.
A
White sobre o assunto se encontra em Parábolas
podemos tirar várias lições sobre o uso dos versidade. Ele destacou três elementos:
de Jesus (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
dons para a igreja hoje. Vou enumerar sete: unidade, diversidade e maturidade. Todos 1996), p. 328.
1. Conhecer sobre os dons aumenta a esses aspectos são essenciais para o fun- 10
 enneth Berding, “Confusing Word and Concept
K
possibilidade de seu uso correto. Paulo cionamento saudável da igreja. in ‘Spiritual Gifts’: Have We Forgotten James
Barr’s Exhortations?”, Journal of the Evangelical
não queria que os coríntios fossem igno- 6. Os dons que têm maior visibilida- Theological Society 43 (2000), p. 39, 46. Para ele,
rantes (literalmente, “sem conhecimento”, de não são mais importantes do que os o conceito de habilidades especiais está presente
apenas em 1 Coríntios 12:8-10 (p. 39).
sem gnosis) sobre o tema (1Co 12:1), embo- menos destacados. Publicidade não é si-
11
William P. Atkinson, “1 Corinthians”, em A Biblical
ra isso estivesse ocorrendo. Hoje também nônimo de utilidade. Cristãos com menos
Theology of the Holy Spirit, ed. Trevor J. Burke e
temos que estudar sobre os dons. dons não são membros de segunda classe Keith Warrington (Eugene, OR: Cascade, 2014), p. 154.
2. A ênfase na variedade de dons in- (1Co 12:22). Eles são indispensáveis. 12 
W. Larry Richards, 1 Corinthians (Nampa, ID: Pacific
dica múltiplas possibilidades. O fato de 7. Apenas o dom que constrói é bom Press, 1997), p. 210, 211.

nenhuma das quatro listas de dons repe- para a igreja. Paulo gostava do verbo“e- 13
Anthony C. Thiselton, A Shorter Guide to
the Holy Spirit: Bible, Doctrine, Experience
tir totalmente as outras sugere que elas dificar” (oikodomeo), que significa “cons- (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2016), p. 29. Para
não exaurem todos os dons possíveis, mas truir”. Esse conceito de “edificação” não outra possibilidade, ver George E. Rice, “Dons
Espirituais”, em Tratado de Teologia Adventista
são meramente ilustrativas ou representa- era encontrado na literatura religiosa pagã.
do Sétimo Dia, ed. Raoul Dederen (Tatuí, SP: Casa
tivas. “O interesse de Paulo em 1 Coríntios Parece que Paulo cunhou um termo para Publicadora Brasileira, 2014), p. 682.
12:8-10 foi oferecer uma lista considerável enfatizar a obrigação de agir tendo em vis- 14
Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians
de modo que eles [os coríntios] parassem ta o benefício do grupo. Os dons, serviços (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1987), p. 585.

12 | SET-OUT • 2016
CAPA Adolfo Suárez
Reitor do Seminário
Adventista Latino-Americano

Gentileza da autora
de Teologia

Além da teoria
O papel do pastor no processo do discipulado

“A
Rawpixel.com / Fotolia

última instrução dada por Jesus enviados de volta ao mundo com uma mis- Seguir a Cristo na condição de um cren-
aos discípulos foi: ‘Ide, [...] fa- são e uma mensagem.”1 Em outras pala- te “normal”, “comum”, é muito diferente do
zei discípulos de todas as na- vras, o discipulado deve ser vivido em meio que estar com Ele na condição de um ver-
ções’ (Mt 28:19; cf. At 1:8). Assim como ao mundo.2 Além disso, “o discipulado de dadeiro discipulador.
Cristo foi enviado ao mundo pelo Pai, do Jesus não é a recompensa para alguns por
mesmo modo Ele enviou Seus discípulos um comportamento especial, mas sim [...] O que discipulado não é
(Jo 20:21). [...] Os membros da igreja foram o mandamento divino [que] abrange a to- Para entender claramente o significado
chamados a sair do mundo para serem dos os cristãos”.3 de discípulo/discipulado, é importante

14 | SET-OUT • 2016
compreender o que discipulado não é.4 Em Outro termo é opiso, e pode ser traduzi- somos sociáveis, que vivemos a religião
primeiro lugar, discípulo/discipulado não é do como “ir atrás de alguém”, significando em todos os âmbitos da vida, por exem-
um programa; ou seja, não é simplesmen- “participar da comunhão, da vida e dos plo, em atividades esportivas ou em nos-
te um currículo que deve ser aprendido. sofrimentos de Cristo”.7 Entender o disci- so ambiente de trabalho.
De fato, ele é fundamentalmente a esco- pulado como “ir atrás de alguém” nos faz
lha de seguir a Jesus, e envolve um modo compreender que o autêntico discípulo de “Venha e siga-Me” – Havendo desperta-
de viver por toda a vida. Assim, não pode Jesus não pode e não deve olhar para trás, do a curiosidade e o interesse das pessoas
ser reduzido a requisitos a ser cumpridos. como que lembrando e sendo refém das em relação à vida cristã, o objetivo desse
Podemos aprender boas técnicas e habili- experiências do passado. Sua vida deve ser estágio é ensiná-las e ajudá-las a viver o
dades com esse intuito, mas elas são fer- vivida na perspectiva do futuro ao lado de cristianismo. Essa fase pode ser desafia-
ramentas, e não o processo em si. Deus, sem considerar e valorizar demasia- dora porque o ser humano, de modo ge-
Além disso, discípulo/discipulado não é damente aquilo que ficou para trás.8 ral, não gosta de sair do conforto. A etapa
uma linha de produção. Não podemos pen- O principal vocábulo grego traduzi- anterior pode ser muito confortável: é fá-
sar em produzir discípulos por atacado. Ao do como discípulo é mathetes, usado nos cil “vir e ver” sem nenhum compromisso,
contrário, o discipulado é um processo len- Evangelhos para referir-se a um seguidor como convidado e curioso, sem ter que to-
to, pois requer acompanhamento, e envol- de Jesus, um aprendiz, alguém comprome- mar decisões. Contudo, “vir e ver” não é su-
ve mudança gradual. No discipulado, uma tido com Cristo.9 Portanto, um discípulo “é ficiente, é necessário viver.
pessoa discipula outra, ou um grupo mui- alguém que ouviu o chamado de Jesus e se Daí que, quando confrontadas a tomar
to pequeno de discípulos. Ou seja, não dá torna Seu seguidor”.10 uma decisão em favor de Cristo, algumas
para discipular muitos ao mesmo tempo. pessoas podem reagir com desconfiança
Na sequência, discípulo/discipulado não Como discipular as pessoas? e desagrado. Outras podem simplesmen-
é apenas para recém-convertidos. O dis- Jesus Cristo considerava o discipulado te nunca mais voltar à igreja, ou não aten-
cipulado é para toda a vida, pois nunca como estilo de vida, o método eficaz para der qualquer convite que tenha que ver
podemos deixar de orar, estudar a Bíblia, a pregação do Evangelho. Isso pode ser es- com religião, espiritualidade e Deus. Afi-
memorizar as Escrituras ou ter momen- boçado da seguinte maneira:11 nal, seguir a Cristo implica abandonar hábi-
tos devocionais. Todo aquele que se entre- tos, princípios e a cosmovisão. E isso mexe
gou e se entrega a Jesus Cristo diariamente “Venha e veja” – Nesse estágio, o objetivo com qualquer um.
deve viver esse processo. é despertar o interesse das pessoas para Por outro lado, a pessoa que “veio
Finalmente, discípulo/discipulado não é uma vida cristã autêntica. Reunir, expor, e viu” pode ter sido impressionada por
apenas para líderes. Infelizmente, a histó- interessar e inspirar: essas são palavras aquilo que observou e, tocada pelo Espí-
ria do cristianismo nos mostra que muitas que definem a primeira etapa.12 Podemos rito Santo, pode concluir em seu coração
vezes o treinamento espiritual foi exclu- integrá-las assim: Os cristãos se reúnem que essa é a vida que sempre buscou. Ao
sividade de líderes espirituais. Contudo, a para expor, na prática, como se vive o cris- pensar assim, ela deseja voltar mais vezes,
Reforma Protestante mudou essa ideia, tianismo. Desse modo, o interesse dos con- demonstra interesse em aprender mais
resgatando o conceito bíblico de que todos vidados é despertado, inspirando-os a se sobre a Bíblia e quer viver como a igre-
os que seguem a Jesus Cristo são ou devem tornarem cristãos autênticos. ja vive. O fato é que essa impressão posi-
ser discípulos, sem restrições. No início do processo discipulador, pre- tiva ocorre com muita frequência, o que
cisamos contar aos “curiosos” e interes- é demonstrado pelo crescimento numé-
O que discipulado é sados por que somos cristãos, o que nos rico da Igreja Adventista. Pela graça de
Entre os hebreus, no Antigo Testamen- levará à essência de nosso cristianismo. Deus, as pessoas sentem-se acolhidas em
to, o termo para discípulos era talmidim, e Entretanto, não devemos fazer isso me- nossas congregações, pequenos grupos e
indicava “aqueles que seguiam algum rabi- ramente com um bom discurso elaborado. outros espaços, e seu interesse é desper-
no específico e sua escola de pensamento”.5 Devemos convidá-los a conhecer-nos mais tado, sendo inspiradas a viver como cris-
No Novo Testamento, há várias palavras de perto. “Venha e veja”, esse deve ser nos- tãos autênticos.
que se relacionam com discípulo ou disci- so convite. As pessoas precisam ver como
pulado. Uma delas é akoloutheo (seguir), adoramos na igreja, como fazemos evan- “Venha e fique comigo” – Esse estágio
a qual “indica a ação de um homem que gelismo, como nos reunimos em pequenos destaca uma ação fundamental: fazer. Mais
responde à chamada de Jesus, e cuja vida grupos ou como fazemos culto de pôr do do que apenas saber, os discípulos devem
recebe novas diretrizes em obediência”.6 sol. Elas precisam perceber também que fazer. O Mestre sabia da importância disso

SET-OUT • 2016 | 15
na transformação de um discípulo em dis- envolvendo-se nas ações planejadas pela Conclusão
cipulador. Em Marcos 3:13, 14, é-nos dito igreja. Em Marcos 3:13, 14 é-nos dito que O testemunho de Deus sobre Davi está
que Jesus escolheu “doze para estarem Jesus escolheu “doze para estarem com em Atos 13:22. O Senhor poderia ter dito:
com Ele e para os enviar a pregar”. Ma- Ele e para os enviar a pregar”. Esse, por- “Acho que Davi é um grande militar”; “acho
teus, por sua vez, registra as seguintes tanto, é o ápice do processo discipulador: que Davi é um grande guerreiro”; “acho que
palavras de Cristo: “A seara, na verdade, é envolver-se na missão. Davi é um grande rei”, ou “acho que Davi
grande, mas os trabalhadores são poucos. é um grande e fiel pastor”. Contudo, Deus
Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande “Venha e permaneça em Mim” – Nes- entendeu que nenhuma dessas afirmações
trabalhadores para a Sua seara” (9:37, 38). se estágio, o discipulador compreendeu seria adequada para se lembrar de Davi. Por
Os versos acima apresentam três prin- plenamente a necessidade de permane- isso, Ele resolveu afirmar: “Achei Davi para
cípios fundamentais na formação de um cer em Cristo. Isso passa a ser prioridade se importar com as coisas com as quais Eu
discipulador. em sua vida, e seus frutos evidenciam que me importo. Afinal de contas, o coração de
É necessário que passemos tempo com ele está conectado diariamente à Fonte. Davi bate em sincronia com o Meu.” O cora-
Jesus Cristo: Ele escolheu “doze para esta- Uma vez que o discipulador vive em comu- ção do rei era totalmente do Senhor. Davi
rem com Ele” (Mc 3:13). “Estar com Ele” é o nhão com Jesus, o envolvimento na mis- era um homem segundo o coração de Deus.
segredo de uma vida de influência, de tes- são é uma consequência. Entretanto, ele Discípulos e discipuladores são assim:
temunho eficaz. É o segredo para um discí- faz mais do que cumprir a missão: torna-se Seu coração bate em sintonia e em sincro-
pulo se tornar discipulador. E o que significa um professor ou professora, ensinando nia com o coração de Deus. Eles se interes-
estar com Jesus? Significa dedicar tempo outros a serem discípulos. Com o tempo e sam por aquilo que Lhe interessa. Acima
à vida devocional: estudar a Bíblia, orar a experiência, além de discipular, é capaz de de tudo, o coração deles não está dividido:
e refletir. Nesse sentido, o Salmo 119:48 ensinar a outros o processo discipulador. pertence inteiramente ao Senhor.
afirma: “Os meus olhos antecipam-se Agora ele conduz os membros ao envol- Com gente assim, Deus é capaz de revo-
às vigílias noturnas, para que eu medite vimento com as atividades internas e ex- lucionar o mundo. É isso que Ele quer. Por
nas Tuas palavras.” ternas da igreja. O que determina quem fica isso, não basta ser batizado; temos que vi-
É necessário preparo sólido e constan- com um ou outro tipo de serviço? Um as- ver o discipulado!
te: O segundo princípio é o preparo, pois, pecto decisivo é o próprio dom do discípulo,
Referências
como disse Jesus, a seara é grande, está pois alguns se sentem mais confortáveis e
1
 ratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia
T
madura (Mt 9:37, 38), e os discípulos preci- melhor capacitados para o ministério den-
(Tatuí, SP: CPB, 2011), p. 610.
sam agir. Entretanto, eles devem atuar da tro da igreja, como professores da Escola 2
Dietrich Bonhoeffer, Discipulado (São Paulo:
melhor maneira; afinal, não se pode enca- Sabatina, membros da equipe de louvor, Mundo Cristão, 2016), p. 24.
rar com displicência a missão de ser em- conselheiros do Clube de Desbravadores, 3
Ibid., p. 23.
baixadores de Cristo na Terra (2Co 5:20). entre outras atribuições. Outros preferem 4
Bill Hull, The Disciple-Making Pastor: Leading
É necessário envolver-se na missão: o ministérios direcionados para fora da igre- Others on the Journey of Faith (Grand Rapids, MI:
Baker Books, 2007), p. 35-41.
terceiro princípio fundamental na forma- ja, como visitar interessados, cuidar de uma
5
Russell Norman Champlin, Enciclopédia de Bíblia,
ção de um discipulador é cumprir a missão, classe bíblica ou dirigir um pequeno grupo. Teologia e Filosofia (São Paulo: Hagnos, 2002), p. 181.
6
Lothar Coenen e Colin Brown (org), Dicionário
Estágio Aplicação contemporânea
Internacional de Teologia do Novo Testamento
“Venha e veja” (Jo 1:38, 39) O papel do pastor e da igreja é despertar o interesse (São Paulo: Vida Nova, 2000), p. 578.

das pessoas para uma vida cristã autêntica.


7
Ibid., p. 590.
8
Ibid.
“Venha e siga-Me” (Mc 1:17) O papel do pastor e da igreja é ensinar e ajudar
9
Bill Hull, The Complete Book of Discipleship: On
os membros a viver uma vida cristã autêntica. Being and Making Followers of Christ (Colorado
Springs, CO: NavPress, 2006), p. 32.
“Venha e fique comigo” O papel do pastor e da igreja é equipar os membros
10
Dicionário Internacional de Teologia do Novo
(Mc 3:13, 14; Mt 9:37, 38) para partilhar a vida cristã autêntica.
Testamento, p. 578.
“Venha e permaneça O papel do pastor e da igreja é ensinar e ajudar 11
 sta seção foi adaptada de The Disciple-Making
E
em Mim” (Jo 15:5-7) os membros a discipular outros numa vida cristã Pastor.

autêntica. 12
Hull, p. 273.

Diga-nos o que achou deste artigo: Escreva para ministerio@cpb.com.br ou visite www.facebook.com/revistaministerio

16 | SET-OUT • 2016
CAPA Orlando Jerônimo de Oliveira
Pastor em São Roque, SP

Gentileza do autor
Talentos em ação
Como implementar ministérios de acordo com os dons na igreja local

N
o livro Message, Mission and Unity
of the Church, Denis Fortin explica
que o Novo Testamento demons-
tra com facilidade que o Espírito Santo é
o responsável pelos vários ministérios da
igreja. Ele ainda acrescenta que “a obra
e atividade do Espírito Santo não po-
dem ser circunscritas a um método radi-
cal para as atividades existentes”.1 Com
isso em mente, quando falamos acerca da
transformação de uma congregação numa
comunidade que implemente seus respec- Prawny / Fotolia

tivos ministérios, talvez venha à mente a específica. A intenção é mostrar o funciona- seus respectivos dons e, com efeito, seus
ideia de que precisamos nos desfazer dos mento orgânico regido por diferentes dons ministérios. A fim de alcançar esse objeti-
departamentos existentes, criando, as- e ministérios. De acordo com Efésios 4, vo, é necessária uma mudança na manei-
sim, uma nova estrutura de funciona- quando todos os membros do corpo traba- ra de conduzir o departamento. Para que
mento. Contudo, esse não é o propósito lham corretamente, ele é edificado segun- haja a transição do conceito de departa-
deste artigo. do a unidade e estatura de Cristo (Ef 4:13). mento, num sentido restrito e meramen-
É importante nos lembrarmos de que Diante disso, precisamos compreender te administrativo, para ministério, o diretor
os departamentos constituem uma es- claramente que, enquanto os membros precisará: 1) ter consciência de que sua elei-
trutura que beneficia o funcionamento da igreja não descobrirem seu propósito ção à liderança tem por objetivo auxiliar
congregacional em muitos aspectos. Eles pessoal no reino de Deus, sua vida como os crentes de sua igreja na descoberta de
foram organizados ao longo dos anos vi- cristãos não terá sentido algum. Eles apre- seus dons específicos, a fim de aplicá-los
sando suprir as mais diversas necessida- sentarão rápidos sinais de desânimo e es- em seu ministério e; 2) reconhecer que
des da igreja. Por isso, minha intenção é tarão cada vez mais próximos da apostasia. sua responsabilidade é planejar ativida-
sugerir alternativas para que os departa- Assim, um membro só poderá descobrir des, levando em conta os dons individuais
mentos considerem a inter-relação entre sua função a partir do momento em que de cada membro, em vez de preparar pro-
os dons de seus membros e seus respec- identificar claramente seu dom e, por con- gramas à igreja. Em última análise, sua in-
tivos ministérios, a fim de promover a mis- seguinte, o ministério específico em que cumbência é discipular seus companheiros
são da igreja. deve servir. De fato, a maioria dos cris- para que desenvolvam suas competências.
tãos não está preocupada com a aplica- Por exemplo, o Ministério da Mulher
Do departamento ção de seus dons na missão apenas porque não se constitui um ministério apenas por
ao ministério não foi educada para isso. Portanto, deve- receber esse título. Se a diretoria contri-
Na Bíblia, a maioria das passagens que mos aproveitar urgentemente essa gran- buiu para ajudar as mulheres a exerce-
destacam os dons espirituais (Rm 12:4-8; de quantidade de talentos desperdiçados. rem seus próprios ministérios, pode sim,
1Co 12:2-11, 27-31; Ef 4:7-16; 1Pe 4:8-11) com- Nesse contexto, os líderes de depar- ser considerado um ministério. Entretan-
para a igreja ao “corpo humano”, no qual tamento exercem um papel fundamental to, se após um tempo de trabalho, as mu-
todos os membros possuem uma função para que os membros coloquem em prática lheres da igreja apenas acompanharam as

SET-OUT • 2016 | 17
atividades desenvolvidas pela diretoria, se forem identificadas e aplicadas nos respec- de competências pessoais que, muitas ve-
seus dons não foram descobertos, nem de- tivos ministérios. zes, não costumam ser encaradas como
senvolvidos nem aplicados em ministérios; Nesse sentido, qualquer atividade pro- ferramentas para a missão. Por exemplo,
se elas continuaram ociosas, então, não movida pela igreja que envolva os mem- se um determinado grupo de pessoas qui-
pode ser genuinamente considerado um bros na missão, por generalizada ou ser evangelizar crianças de uma comuni-
ministério, e sim um departamento. Para coletiva que seja, assume uma caracte- dade, ele poderá fazer uso de trabalhos
ser um ministério legítimo, as mulheres da rística individual. Isso ocorre justamen- com encenação de bonecos e, a partir daí,
igreja devem ser treinadas para descobrir te porque o membro possui uma função após conquistar a simpatia delas, apresen-
em quais tarefas específicas elas poderiam exclusiva no reino de Deus, embora seja tar algum conteúdo bíblico. Desse modo,
atuar de acordo com seus dons e as neces- orientado coletivamente. Assim, além ambas as atividades estarão envolvidas na
sidades locais. dos trabalhos missionários convencionais missão.
Contudo, a partir do mesmo exemplo como distribuir folhetos, visitar ou dar es- Enquanto a igreja estiver estritamente
acima, poderíamos indagar: quais seriam tudos bíblicos, existem muitas outras ati- interessada em concentrar seus esforços
os ministérios específicos atribuídos às vidades que podem ser realizadas a partir e atenção nos métodos de evangelização
mulheres? De fato, essa pergunta só
poderá ser respondida à luz das ne- Departamento (tradicional) Departamento (ministérios)
cessidades e aptidões de cada uma
Os líderes desenvolvem as atividades Os líderes veem nos dons a base para o
dentro de seu contexto como igre-
sem levar em conta os dons. desenvolvimento de todas as suas atividades.
ja. De maneira mais genérica, pode-
O foco principal está nas atividades. O foco principal está nas pessoas.
ríamos inseri-las em atividades que
previnem a gravidez na adolescên- Os membros atuam e o diretor, sua equipe e o
cia, em estudos bíblicos, trabalhos O diretor faz e os membros observam. ancião conselheiro coordenam o que os membros
individuais com pessoas depressi- fazem.
vas, visitação de doentes, educação O importante é que o diretor, sua equipe
culinária, alfabetização de adultos, O importante é que os membros exerçam os dons
e o ancião conselheiro exerçam seus
atendimentos psicopedagógicos, en- e ministérios deles.
próprios dons e ministérios.
tre outras ações. A simples existên-
A meta reside no trabalho da diretoria. A meta reside no trabalho dos membros em geral.
cia de um Ministério da Mulher, com
todas as suas funções administrati- Não há preocupação em tirar as pessoas A preocupação é o envolvimento de todos na
vas preenchidas, não representa um da inatividade. missão.
acréscimo real à missão. Isso pode ser Há um profundo interesse em descobrir os dons
Não há interesse na descoberta dos dons
dito em relação a todos os outros de- e em desenvolver os ministérios dos membros da
e ministérios individuais dos membros.
partamentos da igreja local. À luz de igreja.
1 Coríntios 12:4-6, cada departamen- O membro da igreja não sabe sua função O membro da igreja sabe qual é sua função na
to deve envolver os membros em ati- no plano divino para a igreja local. estrutura missionária da igreja local.
vidades regidas por seus ministérios
O diretor trabalha interligado aos demais líderes,
específicos, a partir do conhecimen- O diretor trabalha de forma
pois todos estão buscando o desenvolvimento
to de seus dons pessoais. independente ou departamentalizada
dos dons dos membros para a ministração de
Os líderes dos departamentos po- em relação aos demais cargos.
necessidades específicas na missão.
derão produzir um impacto na missão
somente se assumirem sua função  diretor busca identificar na igreja todos os
O
O diretor não visa ao desenvolvimento
como pastores-mestres, o que inclui membros que têm dons e ministérios que se
individual dos membros.
pastoreio e ensino. Que tipo de ensi- afinam com o departamento que ele dirige.
no? Acerca dos dons espirituais e dos Cada diretor pensa só em si e no que Os diretores se tornam apoiadores dos
ministérios. Deve haver uma união de gostaria de realizar. ministérios dos membros.
forças entre todos os líderes para que
Grande índice de apostasia. Diminuição da apostasia.
os membros estejam envolvidos na
missão. Essa realidade ocorrerá ape- As atividades são planejadas baseadas no As atividades são planejadas com o objetivo de
nas quando as habilidades individuais pensamento dos líderes. suprir necessidades locais.

18 | SET-OUT • 2016
convencionais, ela conseguirá envolver como marca fundamental para a expan- Conclusão
apenas uma porcentagem mínima de seus são natural da igreja.6 Os membros da igreja precisam estar
membros que, na maioria dos casos, sem- No contexto adventista, o livro Nis- cientes de como cruzar a ponte entre seus
pre está envolvida com alguma atividade to Cremos afirma: “Aqueles que recebem dons pessoais e os ministérios a eles rela-
na congregação. A fim de que todos este- os dons espirituais devem servir especial- cionados. A menos que a liderança com-
jam engajados na missão utilizando seus mente o grupo de crentes, treinando-os preenda a importância individual de cada
dons particulares, é necessária a conscien- para os vários tipos de ministérios, de acor- crente, a maioria deles não saberá como
tização sobre a existência de ministérios do com os dons recebidos. Isso faz a igre- utilizar seus talentos para a missão. De
específicos que, embora pessoais, contri- ja amadurecer, levando-a à plena estatura fato, praticar uma atividade a esmo não
buem para o desenvolvimento do corpo de de Cristo. Esses ministérios incrementam a significa exercer um ministério. Para que
Cristo. Evidentemente, não estou alegando estabilidade espiritual da igreja.”7 um serviço seja considerado um ministério
que a igreja necessite abandonar o funcio- Uma das dificuldades existentes quanto legítimo, é necessário que ele seja exerci-
namento de seus ministérios convencio- à implementação de ministérios de acordo do com base nos dons individuais. Muitos
nais, pelo contrário: é necessário torná-los com os dons está relacionada à liderança. ministérios, contudo, poderão ser identi-
cada vez mais funcionais, contando com os Temos a necessidade de que os líderes se- ficados a partir de atividades diárias, ou
dons específicos de cada membro. Se isso lecionados para seus cargos compreendam seja, de algo que estará comumente asso-
não ocorre, todas as possibilidades de en- que as pessoas envolvidas em seus depar- ciado àquilo que é prazeroso ao membro.
gajamento dentro da missão ficam limita- tamentos devem utilizar os dons como res- O dom individual de cada cristão esconde
das e, por consequência, o crescimento da posta ao chamado de Deus. um ministério acalentado em seu coração
igreja é comprometido. Assim, pastores e líderes de uma congre- e necessita ser expresso como serviço para
gação devem ajudar os membros a descobrir o reino de Deus. Por isso, o trabalho não
Liderança e crescimento seus ministérios e, posteriormente, treiná-los pode ser imposto, ou seja, determinado,
Estudos demonstram que as igrejas que a fim de que suas competências sejam colo- sem considerar as aptidões dos membros
experimentam crescimento significativo cadas em prática. Algumas breves sugestões e as necessidades da comunidade local.
de seus membros costumam capacitá-los para isso podem ser enumeradas: Por fim, quando ajudamos outros a des-
a desenvolver seus respectivos ministérios, 1. O planejamento das ações da igreja, cobrir seus dons e aplicá-los em ministérios,
tanto nas atividades eclesiásticas quanto que envolve os membros, deve incluir os não estamos apenas auxiliando-os no cres-
na comunidade em que estão inseridos.2 dons espirituais de cada um deles, quan- cimento espiritual, mas também crescen-
Mike Regele e Mark Schulz enfatizam do possível. do em termos de maturidade cristã.8
que “ao contrário da maioria das institui- 2. Deve-se identificar as necessidades
Referências
ções, a igreja não pode limitar sua aten- locais. É necessário que os líderes tenham
1
 enis Fortin, “The Holy Spirit and the Church”, em
D
ção a certos grupos de pessoas”.3 Por sua conhecimento do ambiente social em que
Ángel Manuel Rodriguez (ed). Message, Mission
vez, Bill Hybels destaca que a razão para a igreja está inserida e, a partir do que pode and Unity of the Church (Hagerstown: Review and
o crescimento da igreja e a manutenção ser realizado por seus membros, buscar Herald Publishing Association, 2013), p. 320, 321
(itálico acrescentado).
de seus membros é justamente a estru- atender positivamente às necessidades da
2
 ddie Gibbs, Para Onde Vai a Igreja? (Curitiba:
E
tura organizada para o desenvolvimento comunidade. Editora Esperança, 2012), p. 23.
de ministérios que facilitem a assimila- 3. Os membros precisam ter um conhe- 3
 ike Regele; Mark Schulz, The Death of the
M
ção de novos crentes. Para ele, é essencial cimento básico, claro e simples a respeito Church (Grand Rapids: Zondervan, 1995), p. 1.
motivar as oportunidades para o discipu- de como utilizar seus dons diariamente, em 4
 ill e Lynne Hybels, Redescobrindo a Igreja (São
B
Paulo: Editora Hagnos, 2003), p. 169.
lado, expandir as opções de serviço e for- conformidade com a experiência da igre-
5
Ibid.
mar novos líderes.4 Dessa forma, segundo ja apostólica.
Hybels, dos sete passos estratégicos que 4. Os líderes necessitam estar conscien-
6
 hristian Schwarz, O Desenvolvimento Natural
C
da Igreja (Curitiba: Editora Evangélica Esperança,
identificam uma igreja que cresce, um de- tes de que não devem trabalhar sozinhos. 1996), p. 22-38.
les corresponde a “realizar os ministérios Eles têm apenas o papel de facilitadores 7
 ssociação Geral da Igreja Adventista do Sétimo
A
de acordo com os dons espirituais”.5 Por para que os membros, sob sua responsabi- Dia, Nisto Cremos (Tatuí, SP: Casa Publicadora
Brasileira, 2015), p. 271.
último, Christian Schwarz também desta- lidade, coloquem em prática o que podem
8
 urtis James, Encountering God by Serving Others.
C
ca os ministérios orientados pelos dons, realizar de melhor para o reino de Deus. Disponível em <npfcc.org>. Acesso em 30/12/2010.

Diga-nos o que achou deste artigo: Escreva para ministerio@cpb.com.br ou visite www.facebook.com/revistaministerio

SET-OUT • 2016 | 19
MISSÃO

A
mod
Ao l
disc
mais
natu
salv
ques
sant
acer
N
veu
tes a
(1Co
fez s
que a

IGREJA
morr
bíbli
nea d
é alg
teólo
que

SEGUNDO
de u
relig
E is
refle

OS DONS
impa
insti
ranç
bele
com
para
N
RA Set2016

a de
com
lizad
fios e
e est
Entender a teologia dos dons pode ajudar você a encontrar de a
34992

seu lugar no corpo de Cristo e a experimentar a satisfação DEFI


Refl
de servir a Deus e ao próximo Adv
Designer espi
setem
Imagem: © tai111 | Fotolia

de c
Editor Texto
Wendel Lima mas
tema
C.Qualidade
Marc
Adve
Depto. Arte

18 R e v i s t a A d v e n t i s t a // Setembro 2016 Revis

34992_RASet16.indd 18 24/08/16 15:54


A
pesar de sua impor- dos dons. Logo no início, ele afi rma para que as utilizemos para sua glória
tância para a unidade, que, se Cristo é o maior presente de em abençoar nossos semelhantes.”
satisfação, eficiência e Deus para a humanidade, o Espírito
crescimento da igreja, Santo é o maior presente de Cristo para VISÃO INTEGRAL
o tema dos dons tem a igreja. É nesse contexto que os dons Entender essa visão integral de Ellen
sido negligenciado espirituais se encaixam como expres- White sobre o serviço a Deus ajuda a
pelos c r ist ãos de sões dessa presença e ação poderosa igreja a desfazer uma das distorções
modo geral, incluindo os adventistas. do Espírito em cada crente e congre- mais recorrentes hoje: de que as coisas
Ao longo da trajetória da igreja, outras gação, o que torna a igreja relevante espirituais se referem somente à igreja
discussões teológicas se mostraram em cada cenário ao longo da história. e que trabalhar para Deus é privilégio
mais urgentes, como questões sobre a Segundo Marcos, apesar de haver somente dos que são remunerados pela
natureza de Cristo, o papel da lei na várias definições e classificações para organização adventista. Ledo engano!
salvação, ataques ao dom profético, os dons espirituais, existe um consenso De acordo com a pioneira, o mecânico,
questionamentos sobre a doutrina do de que eles são habilidades, ministérios o comerciante, o advogado e o agricul-
santuário celestial e interpretações ou pessoas concedidos pelo Espírito tor trabalham para Deus ao introduzir o
acerca do fim do mundo. para a edificação da igreja. A opção de cristianismo nas ocupações comuns da
No entando, o apóstolo Paulo escre- utilizar a palavra “dons” para tradu- vida (Conselhos aos Professores, Pais
veu que não podemos ser ignoran- zir para o português a natureza des- e Estudantes, p. 379).
tes a respeito do assunto dos dons
(1Co 12:1), a mesma advertência que ele
fez sobre a necessidade de conhecer o A teologia dos dons tem que ver com o encontro das
que acontece com o ser humano quando
morre (1Ts 4:13). Além da admoestação habilidades da igreja e as necessidades do mundo
bíblica, o desafio da igreja contemporâ-
nea de compreender e aplicar seus dons ses atributos deriva em grande parte “A obra e as atividades do Espírito
é algo que salta aos olhos. Hoje, muitos do termo grego charisma, empregado Santo não podem estar radicalmente
teólogos, líderes e membros reconhecem por Paulo para se referir a essas habi- limitadas à atividade e existência da
que precisamos redirecionar a igreja lidades. O sentido é que Deus é livre e igreja. O Espírito age onde a presença
de uma cultura de consumo de bens soberano para distribuir essa “graça” física da igreja ainda não é visível (veja,
religiosos para uma cultura de serviço. (charis) como lhe apraz (1Co 12:11). por exemplo, a experiência de Corné-
E isso passa inevitavelmente pela É por isso que valorizar os dons espiri- lio), mas seu objetivo é a formação da
reflexão sobre a teologia dos dons e seu tuais nos lembra que a igreja não está comunidade de fé, levando pessoas
impacto na dinâmica da igreja local e sob o controle humano, mas sob o poder à comunhão com Cristo”, explica o
institucional. Prova disso é que a lide- e a sabedoria do Espírito. Ele é o agente teólogo Denis Fortin, autor do capí-
rança sul-americana adventista esta- divino que guia a igreja. tulo sobre a relação entre o Espírito
beleceu a ênfase nos dons espirituais Como explica Marcos De Benedicto, e a igreja no livro Message, Mission,
como uma das suas quatro prioridades alguns fazem distinção entre talentos and Unity of the Church (Review and
para este quinquênio. e dons. Eles classificam o primeiro Herald, 2013). Segundo ele, no livro de
Neste artigo, a ideia é discorrer sobre como capacidades naturais, herdadas Atos é possível ver que o Espírito atua

RA Set2016
a definição de dom, sua importância, ou desenvolvidas ao longo da vida, na sociedade por meio da igreja e até
como ele pode ser identificado e uti- enquanto os dons seriam habilidades independentemente dela, liderando-a,
lizado, bem como os principais desa- concedidas pelo Espírito após a conver- como na conversão de Paulo (At 9).
fios e conquistas que pastores tiveram são/batismo, para fins eclesiológicos. Portanto, talentos e dons espirituais,
e estão tendo para orientar suas igrejas Contudo, Ellen White parece usar os se é que são coisas distintas, proce-
de acordo com os dons. dois termos com o mesmo sentido, dem do Espírito. A questão é se a pes-

34992
especialmente em sua citação clássica soa presenteada com essas habilidades
DEFINIÇÕES em Parábolas de Jesus, p. 328: “Os dons as utiliza para a exaltação própria ou
Refletindo a nova ênfase da Igreja especiais do Espírito não são os únicos para a glorificação de Deus.
Adventista sul-americana nos dons talentos representados na parábola. Esta Outra falsa dicotômia que a teologia
espirituais, a revista Ministério de inclui todos os dons e dotes, originais dos dons ajuda a desfazer é a separação Designer

setembro-outubro dedica sua matéria ou adquiridos, naturais ou espirituais. entre clero e laicato ou pastores e mem-
de capa, a entrevista principal e algu- Todos devem ser empregados no ser- bros. De acordo ainda com Fortin, “a Editor Texto

mas matérias secundárias para esse viço de Cristo. Tornando-nos discípulos Bíblia deixa claro que o Espírito é dado
Imagem: Fotolia

tema. O artigo de capa, assinado por seus, rendemo-nos a Ele com tudo que a todos os membros da comunidade,
C.Qualidade
Marcos De Benedicto, editor da Revista somos e temos. Então, Ele nos devolve e não apenas aos líderes ou pastores.
Adventista, introduz o leitor à teologia essas dádivas purificadas e enobrecidas O dom do Espírito Santo é concedido
Depto. Arte

o 2016 R e v i s t a A d v e n t i s t a // Setembro 2016 19

34992_RASet16.indd 19 24/08/16 14:24


como uma consequência natural de E aqui está um aspecto interessante pequenos grupos, como espaços pri-
crer em Cristo como Senhor e Sal- da teologia dos dons: um ministério vilegiados para o pastoreio mútuo e
vador e/ou do batismo (At 2:38; 9:17; surge quando há o encontro de uma experimentação dos dons, e o resgate
10:44; 19:6)”. E, segundo ele, é dentro necessidade com um grupo que esteja do papel do pastor como treinador da
dessa comunidade de fiéis que os dons disposto e habilitado pelo Espírito a igreja. Segundo Ellen White, esse foi
são concedidos para equipar os mem- atender essa demanda. Como pontu- um dos principais fatores de sucesso
bros dela para o bem comum e a edi- aram Daniel e Isabel Rode no livro do ministério de plantio de igrejas de
ficação do corpo de Cristo (Ef 4:12). Crescimento: Chaves Para Revolucio- Paulo e Barnabé (Atos dos Apóstolos,
Portanto, a limitação da obra do nar sua Igreja (Unaspress, 2007): “Para p. 187; ver At 15:35, 36).
Espírito Santo ao clero e à igreja é um um mundo com múltiplas necessida- “Não há nenhum texto na Bíblia
desenvolvimento posterior ao Novo des, precisamos ser dispenseiros da que mencione que devamos contratar
Testamento. Quem explica com mais multiforme graça de Deus”. alguém para cuidar dos membros. Esse
detalhes as implicações desse processo Tendo isso em mente, um cristão que não é o trabalho do pastor. No entanto,
é o teólogo Darius Jankiewicz, num deseje descobrir seu papel no corpo de o Novo Testamento é claro sobre a
capítulo sobre as raízes protestantes Cristo precisa primeiramente estar dis- maneira pela qual os fiéis devem ser
da eclesiologia adventista no mesmo posto a usar suas habilidades para suprir pastoreados: 75 versos afi rmam que
livro Message, Mission, and Unity of necessidades. Para ajudar a igreja nesse o cuidado dos membros é tarefa de
the Church, que será lançado em portu- processo de identificação, ganharam todos os crentes”, defende Burrill, na
guês pela Casa Publicadora Brasileira. popularidade no meio evangélico em revista Ministério, argumentando que,
Ele mostra que o adventismo herdou geral o uso de testes ou inventários de dessa forma, o pastor teria tempo e
os pontos da eclesiologia bíblica res- dons e os seminários de treinamento. energia para plantar igrejas e capaci-
gatados pelos reformadores a partir do Os teólogos Peter Wagner e Christian tar os membros para que façam o tra-
século 16, como o sacerdócio de todos Schwarz são referências na elaboração balho local. Como tudo isso envolve
os crentes, mas rejeitou a visão protes- e aplicação dessas ferramentas (veja o mudança de cultura, Burrill, que está
tante sobre os sacramentos, que ainda quadro “Identificação dos dons”). aposentado desde 2007 e já escreveu
refletia o modelo católico de igreja. Contudo, em entrevista à revista 13 livros (incluindo Como Reavivar a
Logo, como adventistas, entendemos Ministério de setembro-outubro, Rus- Igreja do Século 21 e Discípulos Moder-
que entre os desvios doutrinários sell Burrill diz que os seminários e nos, ambos publicados pela CPB), sabe
institucionalizados pelo catolicismo testes não são os recursos mais impor- que transições como essa levam tempo.
esteja seu modo de ser igreja. E “sair tantes na implantação de ministérios Obviamente, a cultura atual é diferente
de Babilônia”, como sugere Russell segundo os dons. Isso porque, de acordo da cultura do 1º século e do início do
Burrill, teólogo adventista que por com ele, os seminários tendem a cansar adventismo, e todas as implicações
muitos anos atuou como evangelista a igreja e a ser pouco produtivos, e os devem ser avaliadas.
e professor nos Estados Unidos, passa testes são eficientes se forem simples e
pela crença e prática do sacerdócio de rápidos. “Não bastam treinamentos; é DESAFIO DA MUDANÇA
todos os crentes. preciso criar uma consciência de mis- Que as coisas não mudam da noite para
são. Quando a maioria dos membros o dia é fato. O ponto, porém, é que já
IDENTIFICAÇÃO entende que a missão é a razão pela existem congregações adventistas no
O apóstolo Paulo apresenta três lis- qual a igreja existe, então a execução Brasil que iniciaram a caminhada de
RA Set2016

tas de dons (Rm 12:6-8; 1Co 12:6-8, é possível”, pontua. implantação de ministérios segundo
28-30; Ef 4:11), mas há o consenso de Para Burrill, tão importante quanto os dons. Conversamos com três pas-
que a capacitação do Espírito não está identificar os dons dos membros é levá- tores que lideraram esse processo:
restrita a essas habilidades. Apesar de los a experimentar uma paixão pela Valdomiro Alves, Geraldo Beulke e
valorizar o amor como dom supremo missão e canalizar essa força para o Tomaz Edison.
(1Co 13:13), em Efésios 4:11 Paulo serviço. Na opinião dele, “todos os Valdomiro, por exemplo, hoje secre-
34992

apontou os dons que são a espinha ministérios podem usar todos os dons”. tário da sede da igreja para o leste de
dorsal da igreja, sem os quais ela difi- Em resumo, as pessoas escolhem ser- Minas Gerais, escolheu a Igreja do
cilmente poderia ser organizada: apos- vir com base nas suas paixões e nas Belém, em São Paulo, como estudo de cent
tolado, profecia, evangelismo, pasto- necessidades da igreja. Nessa linha, caso da sua dissertação de mestrado em tual
Designer reio e ensino. Esses são especialmente mais importante do que ouvir sobre Liderança na Universidade Andrews tos i
importantes para o aperfeiçoamento os dons é descobri-los por meio do (EUA), em parceria com o Unasp. Ele os d
Imagem: © tai111 | Fotolia

Editor Texto
dos santos e a edificação do corpo de envolvimento na missão. conta que os líderes da congregação cinc
Cristo (v. 12). Ou seja, eles servem É nesse contexto que Burrill toca na época chegaram à conclusão de que O
de base para liderar e liberar pessoas em duas questões que são grandes precisavam de um modelo de atuação res d
C.Qualidade
que tenham outros dons para servir em desafios para nosso modus operandi da igreja que não estivesse limitado a Ele a
diversas áreas. eclesiológico atual: a estruturação em programas, calendários e agendas, mas side
Depto. Arte

20 R e v i s t a A d v e n t i s t a // Setembro 2016 Revis

34992_RASet16.indd 20 25/08/16 08:01


pri- consumidores de progra- de um líder por causa de desgaste na
uo e mas religiosos, porque se função ou por algum outro motivo era
sgate limitam a frequentar o tem- feita a qualquer momento do ano, pro-
or da plo e contribuir com seus videnciando assim um novo membro
e foi dízimos. “Isto é assusta- da equipe para estar à frente do grupo.
esso IDENTIFICAÇÃO DOS DONS dor, mas é verdade: muitos
Alguns testes e inventários são aplica-
as de nunca foram discipulados! NOVA ABORDAGEM
dos há décadas nas igrejas cristãs para
olos, Hoje, nossa maior neces- O pastor Geraldo Beulke está tendo
a identificação dos dons. No entanto,
sidade não é de dinheiro, uma oportunidade diferente. Em vez
para descobrir seu papel no reino de
blia templos nem mesmo de de trabalhar na adaptação de uma igreja
Deus, alguns passos gerais são impor-
ratar membros, mas de pessoas com base em departamentos, ele está
tantes. Christian Schwarz sugere sete:
Esse que usem seus dons espi- plantando uma comunidade em que
anto, rituais nos escritórios, nas a cultura dos ministérios segundo os

1
Ore pedindo
re a orientação de
oficinas, nas fábricas, no dons já é um dos pilares do processo.
m ser Deus. comércio, no lar e, se hou- Ele diz que tratou com o núcleo forma-
que ver tempo, também no tem- dor a revisão de conceitos sobre igreja,
a de plo”, contrasta. missão, adoração e serviço.

2
Esteja disposto a
l, na colocar seus dons Após cinco anos de sua “Nutrir uma comunidade discipula-
que, em prática. transferência de São Paulo dora em crescente intimidade com Deus
po e para Governador Valadares e que se doe em serviço” é o propósito

3
paci- Informe-se a (MG), ele diz que a Igreja dessa nova igreja, em Itabuna, no sul
tra- respeito dos dons do Belém continua com os da Bahia. Sobre os desafios, o ministro
olve espirituais. ministérios. Um voltado tem facilidade de elencar alguns. Um
está para adultos solteiros, viú- dos principais é que a cultura atual da

4
eveu Descubra o que vos e divorciados deixou de igreja favorece as ações pontuais em
var a lhe dá satisfação existir porque perdeu seus detrimento do processo, do discipulado.
oder- no serviço. líderes, enquanto outros “Na cultura de eventos temos muito
sabe foram aperfeiçoados, como mais espectadores do que participan-
mpo. os ministérios do ensino tes, muito auditório e pouco corpo de
5
Experimente
ente o máximo que e discipulado. “O pastor Cristo. É por isso que algumas pessoas
o do puder. que me sucedeu abraçou às vezes ficam chocadas quando quere-
ções a visão e, com excelente mos envolvê-las em algo que dure mais
capacidade de relaciona- que uma semana”, exemplifica. “Outro

6
Avalie de maneira
honesta sua mento, administra o pro- desafio é ampliar nossa visão de minis-
eficiência. cesso ainda melhor do que térios. Entender que podemos exercer os
para eu”, reconhece. dons muito além das paredes do local
ue já Valdomiro acrescenta de adoração”, acrescenta.
7
Procure a
s no opinião de que orientar a igreja de Ele defende que não adianta mudar
a de outras pessoas. acordo com os dons exige o nome de departamento para minis-

RA Set2016
undo mudança na agenda do pas- tério; é preciso incorporar uma visão
pas- Fonte: O Teste dos Dons (Esperança, 1999) tor e na maneira de se esco- nova que valorize a participação do
sso: lher os líderes e realizar os máximo de pessoas, contemple as
ke e treinamentos. Para ele, se paixões e habilidades dos membros
um ministro quiser reali- e que tenha o foco na missão. “Algo
ecre- zar mudanças significati- que tem nos ajudado é o critério de só

34992
e de vas e duradouras, precisará criarmos um ministério quando per-
a do investir mais no ensino e cebemos uma necessidade real. Há
o de centralizado no crescimento espiri- treinamento do que nos sermões. Essa comissões que gastam tempo ‘caçando’
o em tual. A proposta foi implementar cul- postura também foi defendida por Ellen pessoas para liderar ministérios que
rews tos inspiradores, ministérios segundo White (Obreiros Evangélicos, p. 76, 196). ainda nem são necessários em sua Designer

. Ele os dons e pequenos grupos. E ele teve Quanto à nomeação dos líderes, ele comunidade”, justifica. Geraldo,
Imagem: © tai111 | Fotolia

ação cinco anos para isso. conta que a eleição para os departa- que escolheu sua igreja como objeto Editor Texto

e que O pastor relata que um de seus maio- mentos ocorria da forma tradicional, de estudo em sua tese doutoral no pro-
ação res desafios foi reeducar os membros. enquanto para os ministérios o líder grama de Teologia do Unasp, conclui
C.Qualidade
do a Ele avalia que muitos adventistas con- era escolhido pela própria equipe que, nesse processo, nada substitui a
mas siderados “regulares” são, na verdade, daquele ministério. E a substituição oração, o ensino das verdades bíblicas
Depto. Arte

o 2016 R e v i s t a A d v e n t i s t a // Setembro 2016 21

34992_RASet16.indd 21 24/08/16 15:54


e a experiência marcante de servir a à visão sobre os dons espirituais no Bra- hobby ou profissão para servir e salvar.
Deus e ao próximo. sil, tema esquecido por décadas. “Em Cada um pode usar o que o Espírito deu,
vários lugares têm se levantado pasto- o que tem, o que sabe e o que gosta para
ENVOLVIMENTO res e líderes para estudar o assunto com ser uma testemunha intencional de Cristo.
No interior do Paraná também ocorreu mais profundidade. No entanto, ainda A ideia é ajudar as pessoas a liberar seu
uma experiência interessante. O pastor faltam casos efetivos de implementação potencial, levando-as a entender que isso
Tomaz Edison, que está concluindo seu de ministérios orientados por dons. Já é simples e eficaz”, diz o pastor Everon
doutorado em Ministério na Universi- está na hora de passar da teoria para a Donato, sintetizando o mote da campanha.
dade Andrews (EUA), deve defender prática”, avalia. Ele acredita que a ênfase Na opinião de Everon, líder do Minis-
ainda neste ano sua tese sobre a aplica- renovada da sede sul-americana na ques- tério Pessoal da Divisão Sul-Americana,
ção de um plano de crescimento estra- tão dos dons sinalize novos tempos. a ideia de ministérios segundo os dons
tégico para a Igreja Central de Ponta Porém, o pastor considera que os não conflita com a estrutura de depar-
Grossa. Agora trabalhando em Santa maiores desafios estejam na igreja local. tamentos historicamente adotada pela
Catarina, ele liderou a igreja parana- Falta de tempo dos membros, acúmulo denominação. “Ambos são complemen-
ense por quatro anos, período em que de atividades do pastor, treinamentos tares, porque os departamentos da igreja
implementou 18 ministérios e os líde-
res foram escolhidos pela equipe de
trabalho e engajados no dispulado
sem continuidade e materias nem sem-
pre adequados conspiram contra a imple-
mentação de ministérios leigos eficazes.
poderão abrigar vários ministérios e o
uso dos dons tornará os departamentos
mais assertivos e relevantes”, acrescenta.
DI
POR
de novas lideranças. Por pesquisa Donato reconhece também que nem
ALI
bibliográfica e experiência pessoal, MEU TALENTO, MEU MINISTÉRIO todos os projetos e materiais concebi-
ele sabe que, quanto maior é o envol- Ciente desses desafios, uma das palavras dos pela igreja atendem à realidade da Em L
vimento dos membros nos serviços da de ordem na sede sul-americana da igreja congregação local, pois há contextos “imu
igreja, maior é o crescimento da con- é simplificar. E, para que centenas de diferentes; por isso, ele prevê mudanças não
gregação. E isso ocorre idealmente por milhares de adventistas entendam essa institucionais. “Possivelmente o diretor N
meio de ministérios segundo os dons. mensagem sobre os dons, os líderes têm de departamento nas sedes administra- era q
Tomaz acredita que estejamos diante usado o slogan “meu talento, meu minis- tivas da igreja tenha que ampliar sua cons
de uma mudança de paradigma quanto tério”. “Todos podem usar seu talento, atuação, não apenas promovendo, mas dilú
sendo intencional na capacitação das mor
pessoas que ele mobiliza, ajudando-as com
a desenvolver e usar suas habilidades inclu
para o reino de Deus. Creio que tere- M
mos que pensar mais em processos e quer
menos em ações pontuais. Ações pon- mais
tuais geram motivação, processos geram imp
ORGANIZAÇÃO DOS MINISTÉRIOS mudança de mentalidade.” (e ta
Para a implementação de ministérios de acordo com os Ao se voltar para as Escrituras em mais
dons na igreja, o teólogo adventista James Zackrison busca de aprofundamento na teologia dilu
aponta os seguintes passos: dos dons e ao se lançar ao mundo com N
1 Defina as necessidades da sua igreja.
o intuito de ser bênção, os adventistas riam
RA Set2016

têm a oportunidade de redescobrir o dida


2 Especifique o ministério. papel do Espírito Santo, que “em toda
a Bíblia está ligado aos grandes feitos
bovi
mais
3 Organize uma equipe. da missão de Deus”, como pontuou que t
Marcos De Benedicto num capítulo do E da
4 Desenhe um plano de ação. livro Teologia e Metodologia da Missão com
34992

Desenvolva um ministério que se relacione com (Ceplib, 2011). “Alguns têm tentado 19).
5 a estratégia total de evangelismo da igreja. realizar a missão sem o Espírito, mas infe
chegou a hora de descobrir o Espírito da vora
Fonte: From Spectators to Disciples: A Biblical Strategy for
Church Growth (AdventSource, 1997) missão e a missão do Espírito”, lembra de g
o autor. E isso passa, inevitavelmente, quad
Foto: © Zacarias da Mata | Fotolia

Designer

pela compreensão e aplicação da teo- Dos


Imagem: © tai111 | Fotolia

Editor Texto
logia dos dons. Uma igreja segundo os les c
dons é uma igreja segundo o Espírito. com
algu
C.Qualidade
WENDEL LIMA é editor associado da Revista 22).
Adventista não
Depto. Arte

22 R e v i s t a A d v e n t i s t a // Setembro 2016 Revis

34992_RASet16.indd 22 24/08/16 15:54


EVANGELISMO
Joabe Soares

Esperança para
as grandes
C
omo pastor na região Norte do Brasil, tenho o privilé-
gio de acompanhar de perto os desafios da evangeliza-

cidades
ção na selva amazônica, onde é preciso viajar muitas ho-
ras para chegar a um povoado. Ali ainda há centenas de
etnias indígenas, com dialetos peculiares, inalcançadas
pelo evangelho. Como vamos conseguir cumprir a missão na selva?
No entanto, quando olhamos para as grandes cidades, identificamos verda-
deiras selvas de pedra, que igualmente representam dificuldades significati-
vas para a proclamação da nossa mensagem. Metrópoles brasileiras como Rio
de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Brasília, dentre tantas outras, constituem um
desafio de proporções gigantescas para a proclamação do evangelho eterno.
Vida noturna, congestionamentos infindos, centros comerciais abarrota-
dos de consumidores, diversidade cultural, pluralidade religiosa, presença das
chamadas tribos urbanas (emos, punks, hippies, etc.), um corre-corre frenético
em busca do sustento e bens materiais. Essa é a vida numa metrópole. Somos
quase engolidos por essa realidade. Como parte de tudo isso, vemos a prolifera-
ção da maldade, o crescimento da imoralidade e o desinteresse cada vez maior
por uma religião que promova mudanças, ou que pregue coisas futuras. O in-
teresse da maioria das pessoas se concentra no “aqui” e no “agora”.
A Igreja Adventista do Sétimo Dia possui diversas frentes missionárias para
impactar os moradores das grandes cidades com a mensagem de salvação.

Peshkova e Spectral-Design / Fotolia

Nossas estratégias
evangelísticas, por mais
criativas e ousadas que sejam,
perderão força, se não houver
missionários urbanos

16 Revista Adventista I maio • 2013


Destacamos nossos hospitais e escolas movimento adventista, além de cum- manência nas grandes cidades, nos últi-
adventistas, a TV Novo Tempo, as igre- prir uma ordem divina. Entretanto, se mos dias da história humana. O princí-
jas étnicas, o plantio de igrejas em áreas focarmos apenas no exemplo desses pio adotado por Ellen G. White era [em
nobres, os centros de influência, que são heróis da fé na atualidade, seremos in- 1903] o seguinte: “Que nosso povo se lo-
algumas iniciativas, dentre outras. To- conscientemente induzidos a imaginar calize fora das cidades e, destes centros
davia, nossas estratégias evangelísticas, que ser missionário é cumprir a missão avançados, advirta as cidades e ergam
por mais criativas e ousadas que sejam, num lugar distante da nossa terra na- nelas memoriais para o Senhor” (Evan-
perderão sua força se não houver mis- tal. É importante lembrar que é possí- gelismo, p. 76). Tal princípio segue como
sionários urbanos. Homens e mulheres vel ser um missionário, mesmo no lu- orientação geral para instituições e mem-
consagrados a Deus, que saibam encon- gar em que moramos. bros da igreja. Entretanto, diante da rea-
trar poder na devoção, temperantes e lidade da missão, Ellen G. White estava
puros, dispostos a usar seus dons para 2. Sacerdócio de todos os crentes consciente das limitações práticas desse
levar esperança. Pessoas que, movidas – O segundo aspecto é a falha na com- conselho para algumas situações. Alguns
pelo Espírito Santo, demonstrem amor preensão do sacerdócio de todos os cren- anos depois, ela escreveu: “Há ao nosso
aos seus semelhantes, reproduzindo as- tes. Sabemos que a igreja, enquanto ins- redor cidades e vilas onde não se está fa-
sim as obras de Cristo em nossos dias. tituição, possui um corpo de obreiros e zendo esforço algum para salvar almas.
Cada oportunidade precisa ser aprovei- funcionários remunerados, que desfruta Por que não haveriam de se estabelecer
tada. No local de trabalho, na faculdade, da alegria de viver para o cumprimento nesses lugares famílias conhecedoras da
na vizinhança, na escola, Deus convoca da missão e desenvolvimento das ativi- verdade presente, para aí hastear a ban-
missionários urbanos para impactar as dades eclesiásticas. Entre eles estão pas- deira de Cristo, trabalhando com humil-
metrópoles com mensagens de espe- tores, médicos, administradores, obrei- dade, não em sua própria maneira, mas
rança e alento. ros bíblicos. Diante disso, surge uma vi- segundo a maneira de Deus, para pro-
Um cristão sincero, que mora numa são equivocada do papel dos membros porcionar a luz àqueles que dela não têm
área densamente povoada e convive no que diz respeito à missão. No entanto, conhecimento?” (Serviço Cristão, p. 180)
com a constante tensão da cidade, pode todos os membros são convocados para Sobre o mesmo tema, a mesma autora
muito bem se perguntar: “Como posso testemunhar em favor de Cristo e advo- ainda disse: “O Senhor me apresentou
ser um missionário morando numa ci- gar em prol de Sua causa. Para a Igreja a obra que tem que ser feita em nossas
dade grande?” Adventista do Sétimo Dia, não existe cidades. Os crentes aí devem trabalhar
Para tentar responder a essa pergunta, clero e laicato. Embora os pastores te- para Deus nas vizinhanças de sua casa”
é importante ressaltar que o problema de nham que ser exemplo para o seu reba- (Testemunhos Para a Igreja, v. 9, p. 128).
Deus não é com as cidades. A história do nho (cf 1Pe 5:3), precisamos lembrar que “Conquanto esteja no plano de Deus que
nosso planeta começa num jardim, mas a santidade é individual, e o ministério obreiros escolhidos, de consagração e
termina numa cidade. Deus ama as ci- pertence a todos os cristãos mediante o talento, sejam estacionados em impor-
dades porque é ali que as pessoas estão. batismo (cf 1Co 12:13; 1Pe 2:9). tantes centros de população para rea-
Sua ira é contra o pecado. O Senhor tem Dessa forma, o serviço missionário lizar conferências públicas, é também
pressa na evangelização dos grandes cen- não deve ficar ao encargo de um pe- Seu propósito que os membros da igreja
tros, e Ele nos confiou essa tarefa. queno grupo de pessoas, em algumas que vivem nessas cidades usem os ta-
Desejo mencionar três fatores que áreas específicas. Antes, deve ser um pri- lentos que Deus lhes deu trabalhando
contribuem para o enfraquecimento da vilégio e um dever para todo professo em favor das almas” (Atos dos Apóstolos,
atividade missionária na experiência da- cristão dentro de sua esfera de ação. Há p. 158). Sendo assim, as pessoas que es-
queles que vivem nas grandes cidades. mil e uma maneiras de colaborar com tão dentro da nossa esfera de atuação,
o cumprimento da missão, sobretudo, precisam ser influenciadas por nós por
1. Conceito unilateral – O pri- por meio de uma vida consagrada, tes- meio da nossa consagração e fiel uso dos
meiro fator é o entendimento estreito temunho pessoal e uso dos dons espi- nossos talentos.
da expressão missionário. Isso acontece rituais. “Cristo confia a Seus seguido- Dessa maneira, entendemos que
quando damos ênfase exclusiva aos mis- res uma obra individual – uma obra que morar nas grandes cidades não consti-
sionários além-mar ou além-rio. Esse não pode ser feita por procuração. O ser- tui um pecado ou ato de desaprovação
grupo é composto por pessoas que se viço aos pobres e enfermos, o anunciar aos olhos de Deus, mas devemos tam-
dispõem a enfrentar corajosamente as o evangelho aos perdidos, não deve ser bém ser honestos em reconhecer os ris-
agruras de uma terra desconhecida e deixado a comissões ou caridade orga- cos a que estamos expostos nas gran-
distante. Sacrifícios indescritíveis são nizada. Responsabilidade individual, in- des concentrações urbanas. A pergunta
feitos, e alguns chegam até a perder a dividual esforço e sacrifício pessoal são agora é: “Como desfrutar de um estilo
própria vida. É louvável e até mesmo ne- exigências evangélicas” (Ellen G. White, de vida cristão em meio à corrupção das
cessário que uma classe tão esmerada A Ciência do Bom Viver, p. 147). metrópoles?”
receba solenes homenagens, pois seus O relato inspirado está repleto de
esforços sobrecomuns remontam à ex- 3. Visão equivocada – Há pessoas exemplos de indivíduos que foram ins-
periência apostólica da igreja primitiva, que têm uma visão distorcida dos escri- talados pela providência divina no cora-
bem como à história dos pioneiros do tos de Ellen G. White sobre a não per- ção das principais potências mundiais
Revista Adventista I maio • 2013 17
da antiguidade. Vou citar a experiência cidade, bem como a amplitude da atua- rariam a Deus com prejuízo de tudo para
de alguns desses heróis da fé, com o in- ção missionária urbana. si” (Ibid., p. 479). “Os jovens de hoje po-
tuito de extrair princípios de vida nor- Temperança. Sabemos que Daniel e dem ter o espírito de que estava possuído
teadores para os cristãos da atualidade seus amigos rejeitaram as iguarias do rei Daniel. [...] Embora assediados por tenta-
que vivem em cidades grandes. porque essas eram oferecidas aos deuses ções [...] especialmente em nossas gran-
1. O primeiro deles é José, um jovem de Babilônia. No entanto, vemos aqui des cidades. [...] Mediante forte resolução
que foi vendido como escravo aos isma- uma demonstração de cuidado com e atenta vigilância podem resistir a cada
elitas (cf Gn 37:28) e foi parar no Egito, a aquilo que iriam ingerir. Certamente ha- tentação que assalta a alma. Mas a vitória
nação mais poderosa do mundo naque- via alimentos e bebidas impróprios entre será ganha unicamente por aquele que se
les dias. Salientamos os seguintes aspec- tais iguarias. A atitude temperante man- determina fazer o que é direito só por-
tos de sua história: teve a sobriedade daqueles servos do Se- que é direito” (Ibid., p. 489, 490).
Pureza sexual. Diante da tentação, nhor. “O primeiro passo errado os teria Dedicação às suas habilidades.
José permaneceu firme pelo que era cor- levado a outros, de maneira que, cortada Em Babilônia, centro do conheci-
reto. Ele poderia ter racionalizado, mas o sua ligação com o Céu, eles seriam varri- mento e tecnologia da época, aqueles
constante senso da presença divina não dos pela tentação” (Ellen G. White, Pro- quatro rapazes aproveitaram cada mí-
permitiu que ele fizesse isso. No con- fetas e Reis, p. 483). A temperança está nima chance de aprender coisas novas
texto atual de pornografia, sensualidade diretamente relacionada ao domínio e exercitar suas faculdades. O sucesso
e promiscuidade, onde se multiplicam próprio, o bom-senso e o controle so- não veio por acaso, mas como recom-
os casos de adultério, fornicação e imo- bre as paixões. Num contexto de tanto pensa da fé, prudência, virtude e perse-
ralidade que destroem famílias e alte- relativismo, seria interessante refletir- verança. A ociosidade cultivada por al-
ram o destino de muitas vidas, a deter- mos sobre o assunto da temperança. guns cristãos tanto em sua vida profis-
minação de José em manter-se puro mo- Vida de constante oração. “O teu sional quanto na obra de Deus constitui
ralmente surge como uma motivação Deus, a quem tu continuamente serves” um exemplo negativo para aqueles que
sublime para os cristãos urbanos. (Dn 6:16), esse foi o testemunho do rei ainda não são cristãos e naturalmente
Utilização dos dons. Além de seu Dario a respeito de Daniel. Só uma vida estão nos observando.
destacado dom de interpretar sonhos, de oração capacitava esses homens para Caminhando pelas ruas de uma
José era um rapaz puro, ativo, alegre, gen- a vitória contra as tentações e provações. grande cidade, li um anúncio num
til, fiel e verdadeiro (cf Patriarcas e Profe- “Orando constantemente, estudando outdoor, que trazia a seguinte frase: “Um
tas, p. 209). Todas as oportunidades que conscienciosamente e mantendo-se mundo plural precisa de pessoas singu-
se lhe abriram no Egito, ocorreram por em contato com o Invisível, andavam lares.” Reconheço que tal sentença se re-
causa do fiel uso que ele fez de suas habi- com Deus como andou Enoque” (Ellen portava aos aspectos da vida profissio-
lidades. Mesmo em face das dificuldades, G. White, Profetas e Reis, p. 486). A vida nal, mas naquele momento não pude
não negligenciou os dons que o Senhor corrida de hoje nos empurra para longe deixar de olhar para essas palavras, par-
lhe concedera. Mais do que em qualquer da comunhão pessoal e pode esfriar tindo de outra perspectiva. Refleti que,
outro momento de sua história, a igreja completamente nossa vida espiritual. num mundo pluralista como o nosso, so-
carece que seus membros arregacem as Não precisaríamos orar mais que Daniel mente cristãos singulares poderão fazer
mangas para o serviço, mediante a utili- e seus amigos o faziam em Babilônia? a diferença. Apenas discípulos imbuídos
zação dos talentos que possuem. Adoração exclusiva. Na sociedade do Espírito Santo produzirão novos dis-
Urgência e sabedoria. José man- babilônica extremamente idólatra e plu- cípulos. É a vida desses homens e mulhe-
tinha aguçada percepção de que cada ralista, Daniel e seus três amigos prova- res que, à semelhança de tantos exem-
oportunidade era única. Diante de Po- ram que é possível manter acesa a chama plos bíblicos, causará impacto inigualá-
tifar e sua esposa, do carcereiro e de- do evangelho e intacta a genuína adora- vel às metrópoles. O mundo atual precisa
mais presos, do padeiro e do copeiro, ou ção ao Deus Criador. Nos últimos dias de cristãos singulares, missionários ur-
mesmo de Faraó, em cada ocasião havia da história humana, o grande conflito banos, que sejam verdadeiramente o “sal
uma chance de testemunhar a respeito entre o bem e o mal se acentuará, e o da terra” e a “luz do mundo” (Mt 5:13-16).
do Deus todo-poderoso. Em nossos dias, tema da adoração ocupará lugar central Caro leitor, decida hoje ser um ge-
esse é um princípio relevante. Devemos na vida de cada pessoa. Sobre o episó- nuíno cristão, alguém que faça a di-
nos portar “com sabedoria para com os dio da fornalha ardente Ellen G. White ferença. Se você mora numa cidade
que são de fora; [aproveitando] as opor- escreve que: “Mediante a fidelidade de grande, reflita que Deus o está convo-
tunidades” (cf. Cl 4:5, 6). Seus filhos, Deus fora glorificado em cando para cumprir uma missão. Agora
Outro exemplo bíblico marcante é o toda a Terra” (Profetas e Reis, p. 512). é o momento de agir e ser um missioná-
de Daniel, seguido por seus amigos. A Firmeza de propósitos. Desde a che- rio urbano levando esperança para as
vida desses jovens em Babilônia cons- gada à corte babilônica, até as mais seve- grandes cidades.
titui um dos mais consideráveis expo- ras provas, como a fornalha ardente ou a
entes em todas as Escrituras Sagradas cova dos leões, esses jovens não se cor- JOABE SOARES é pastor distrital
quanto ao impacto positivo causado por romperam. Eram “homens [...] tão fiéis ao em Manaus, AM, e mestrando em
Missão Urbana pelo SALT-IAENE, em
alguém que se coloca completamente princípio como o aço, e que se não deixa-
Cachoeira, BA.
nas mãos de Deus, mesmo numa grande riam corromper pelo egoísmo, mas hon-
18 Revista Adventista I maio • 2013
Reflexões Diogo Cavalcanti

Cristãos 4:9?

William de Moraes
Nos primeiros capítulos do Gênesis, duas família, manifestamos o chamado “es-
grandes perguntas de Deus revelam Sua busca pírito de manada”. Quando o predador
pelos seres humanos perdidos. Em 3:9, a pergunta se aproxima do membro mais fraco
do grupo, todos se voltam para pro-
é por Adão, que se escondia de seu Benfeitor. tegê-lo. Manifestamos ciúme prote-
No mesmo verso do capítulo seguinte, Deus tor pelo irmão. Essa atitude também é
perguntou a Caim por um terceiro: Abel, um mandamento apostólico recebido
do próprio Cristo e manifesto em de-
seu irmão. Em ambas as perguntas, notamos zenas de “uns aos outros” no Novo Tes-
indiretamente os efeitos do pecado: em 3:9, a tamento. Devemos exortar, bem como
separação entre o ser humano e seu Criador; edificar (1Ts 5:11), consolar (1Ts 4:18),
em 4:9, uma crise familiar: metástase no perdoar (Ef 4:32), servir (Gl 5:13), su-
jeitar-nos e, acima de tudo, amar-nos
primeiro núcleo social da História. uns aos outros (Jo 15:17). E Pedro acres-
“Onde está seu irmão?” – foi a pergunta de Deus centa: “ardentemente” (1Pe 1:22).
a Caim. Em sua resposta, o primogênito de Eva não Quando a igreja é zelada por todos, ela avança,
apenas mentiu, mas omitiu a morte do irmão e ape- mesmo que imperfeitamente. Pastores e demais lí-
lou à ironia. Retrucou com outra pergunta: “Sou eu deres não são sobrecarregados pelas minúcias, pois
o responsável por meu irmão?” (Gn 4:9, NVI). Per- cada um faz sua parte. Isso não é uma fórmula arti-
cebemos nas entrelinhas uma repreensão à “incon- ficial, a última moda nas livrarias cristãs, mas sem-
veniente” intromissão de Deus. pre foi o plano de Deus para Seu povo. Foi por isso
Apesar de condenarmos a rebeldia de Caim, fre- que Ele instruiu Moisés a ter tanto os chefes de mil
quentemente manifestamos seu espírito. Deus tam- como os de dez, pois “as coisas simples, estes resol-
bém nos pergunta: “Onde está seu irmão?” Qual viam” (Êx 18:26). Mais do que uma lição de amor,
tem sido a resposta? Cidadãos não fazem mais que isso é um segredo da liderança.
culpar seus políticos, membros de igrejas criticam Um dos grandes méritos da Reforma Protestante
seus pastores e pais cobram dos professores algo foi o de resgatar o ensino do sacerdócio de todos
que, muitas vezes, eles deveriam ter feito. O cuidado os crentes, em oposição ao clericalismo da Igreja
Católica, que segregava sacerdotes e leigos.
Se temos um sumo sacerdote no Céu, Somente os primeiros tinham certos privi-
Deus tem incontáveis sacerdotes e légios litúrgicos e espirituais. Lutero apon-
embaixadores na Terra tou para 1 Pedro 2:9, mostrando que todos
têm não só o direito mas o dever de estudar
pelos círculos sociais dos quais fazemos parte não a Bíblia, louvar a Deus na própria língua, pregar e
é uma tarefa apenas dos líderes ou dos outros, mas zelar pelos demais membros da igreja. Se temos um
de todos. Somos todos responsáveis. sumo sacerdote no Céu, Ele tem incontáveis sacer-
É por isso que, em certo sentido, todos devem dotes e embaixadores na Terra, “como se Deus por
pastorear a igreja de Deus. E o verbo pastorear en- nós rogasse” (2Co 5:20, RC). Portanto, não apenas
volve pelo menos quatro sentidos: guiar, proteger, os pastores O representam, mas cada órgão e pe-
alimentar e manter o rebanho unido. Como mem- quenina célula do corpo de Cristo (1Co 12:23-25).
bros da igreja de Deus, mesmo aqueles que não são “Irmãos e irmãs na fé, porventura surge em seu
ministros em tempo integral, podem exercer es- coração a pergunta: ‘Sou eu guardador do meu ir-
DIOGO
sas funções. Nossas palavras e ações devem aben- mão?’ Gn. 4:9. Se vocês alegam ser filhos de Deus,
CAVALCANTI é
editor associado
çoar as pessoas, pertençam elas à família de sangue, são guardadores de seu irmão. O Senhor considera a
do Comentário congregação, comunidade, ou à família humana, igreja responsável por aqueles para cuja salvação eles
Bíblico Adventista como círculo último. O samaritano da parábola le- poderiam servir de instrumento” (Ellen G. White,
do Sétimo Dia vou em conta esse círculo, ao cuidar de um estranho Serviço Cristão, p. 13). Deus nos convida a abando-
e da revista (Lc 10:30-36). Como bom pastor, salvou a ovelha ferida. nar o individualismo, ajudar a pastorear a igreja e
Conexão JA. Se enxergamos o grupo de crentes como uma buscar seu bem.
42 Revista Adventista I junho • 2011
Reavivamento e reforma no
evangelismo: em busca de
uma igreja discipuladora

Roberto Pereyra Suárez1

Não há nada no serviço prático cristão, dentro do contexto do grande con-


flito cósmico e da missão confiada à igreja, que seja de maior importância que o
evangelismo. Ele é o verdadeiro coração de uma igreja discipuladora, chamada a
proclamar a última mensagem de admoestação divina a um mundo que perece
em ignorância. Partindo dessa pressuposição, o presente capítulo tem como obje-
tivo proporcionar análise e reflexão, para a projeção de atividades evangelísticas
integradas e intencionadas que, pela graça de Deus, conduza ao discipulamento
de membros estáveis, responsáveis e discipuladores no cumprimento da grande
comissão evangélica deixada por Cristo. 2

1 Doutor em teologia. Diretor de pós-graduação do Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia.


Professor de teologia no Unasp.
2 O padrão referencial desta apresentação é o documento votado o dia 11 de outubro de 2010 no Concílio da
Associação Geral, cujo título é “Apelo Urgente por Reavivamento, Reforma, Discipulado e Evangelismo”.
SOCIOLOGIA E ADVENTISMO

Uma comissão paradoxalmente complementar


As Escrituras apresentam à igreja duas responsabilidades evangelizadoras. Uma
se encontra em Mateus 28:19-20, que diz: “Indo, portanto, fazei discípulos de todas as
nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a
guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias
até à consumação do século.” A outra está em Lucas 24:49, que diz: “Permanecei, pois,
na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder.”
Aparentemente, temos aqui dois mandamentos missionários contrários. O pri-
meiro é ir, batizar, ensinar e “fazer discípulos de todas as nações”. De forma oposta, é
dito que devemos permanecer “até que do alto sejais revestidos de poder”. Obviamente,
não queremos a acusação de que não somos “revestidos de poder”, e Deus tem-nos
prometido que, se nos consagramos totalmente a Ele, não viveremos dessa forma. Sen-
do assim, essas comissões aparentemente separadas, em contraste e possível tensão,
são, na verdade, complementares. Aqui temos apenas uma mensagem. Afinal, não é
possível “fazer” sem “permanecer” revestidos de poder! Sobre isso, temos a seguinte
diretriz: “Quando tivermos sincera e inteira consagração ao serviço de Cristo, Deus
reconhecerá esse fato mediante um derramamento de seu Espírito sem medida; isto,
64
porém, não terá lugar enquanto a maior parte da igreja não estiver colaborando com
Deus” (WHITE, 1997, p. 699; 1896, p. 449).
Portanto, como igreja sensível aos planos de Deus, é necessário pensar e refletir
em uma atuação que envolva intencionalmente cada membro, em comunhão com
Cristo, através de um serviço total e constantemente consagrado a Ele. Acima de
tudo, o alvo do evangelismo deve ser transformar a impressionante cena relatada por
Ellen G. White em uma realidade presente:

Vi raios de luz provindo de cidades e vilas, dos lugares altos e baixos da Terra. A Pala-
vra de Deus era obedecida e, em resultado, havia em cada vila e cidade monumentos
seus. Sua verdade era proclamada por todo o mundo (WHITE, 1985, v. 3, p. 296-297).

Viam-se centenas e milhares visitando famílias e abrindo perante elas a Palavra


de Deus. Os corações eram convencidos pelo poder do Espírito Santo, e mani-
festava-se um espírito de genuína conversão. Portas se abriam por toda parte à
proclamação da verdade. O mundo parecia iluminado pela influência celestial
(WHITE, 2006, p. 126).

Sim, foi-nos revelado que o Espírito de Deus voltará com grande poder. Acre-
dito, porém, que nada disso será possível enquanto uma porcentagem tão grande
Reavivamento e reforma no evangelismo: em busca de uma igreja discipuladora

da igreja não estiver trabalhando com Deus. Como lideres, é nosso dever motivar a
igreja a uma ação unida, para encontrarmos uma maneira por meio da qual as capa-
cidades, os talentos e os interesses de cada membro individual, possam ser utilizados
para o avanço da obra de Deus.
Segundo os arquivos estatísticos da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD),3
a tabela a seguir apresenta a situação atual do crescimento evangelístico mundial na
igreja entre os anos 2000-2010, pelo conceito de adição4 e subtração.5

TAXA DE CRESCIMENTO EVANGELÍSTICO DA IASD MUNDIAL


(General Conference Annual Statistical Reports 2000 – 2010)
Relação de
Permanência
Membros número de Total de
equivalente
Ano adicionados na membros por membros na
de membros
eclesiástico IASD mundial uma pessoa IASD Mundial
adicionados no
no período adicionada no no período
período6
período
2000 1.043.843 748.057 11,19 x 1 11.687.239
2001 961.542 633.605 12,81 x 1 12.320.844
2002 980.020 573.171 13,15 x 1 12.894.015 65
2003 991.717 512.539 13,51 x 1 13.406.554
2004 1.071.135 530.378 13,01 x 1 13.936.932
2005 1.057.852 462.140 13,61 x 1 14.399.072
2006 1.107.425 716.734 13,68 x 1 15.115.806
2007 1.040.642 544.541 15,04 x 1 15.660.347
2008 1.033.534 261.061 15,40 x 1 15.921.408
2009 1.055.312 386.472 15,45 x 1 16.307.880
2010 1.050.785 615.359 16,10 x 1 16.923.239
2000-2010 11.393.818 5.984.057 --- 16.923.239

Na quarta coluna, percebem-se quantos membros, estatisticamente falando, fo-


ram necessários para a adição de apenas uma pessoa no ano eclesiástico respectivo. O
número vai crescendo em forma preocupante, de 11,19 (2000) até 16,10 (2010), o que

3 Os arquivos estatísticos da IASD estão disponíveis online em <www.adventiststatistics.org>.


4 Adição por batismo e profissão de fé.
5 Subtração por transferência, morte, remoção, desaparecimentos e ajustes.
6 É a resultante entre adição e subtração
SOCIOLOGIA E ADVENTISMO

pode indicar um menor grau de participação dos membros no evangelismo. O núme-


ro de adicionados pode parecer constante, totalizando 11.393.818 adições no período.
Contudo, os dados mostram que foram apenas 5.984.057 os que permaneceram e que
aproximadamente 47% de todos os adventistas batizados no território mundial foi
subtraído da igreja por diversos motivos. A tabela abaixo apresenta o mesmo quadro,
mas agora no território da Divisão Sul-Americana (a região administrativa da Igreja
Adventista para a América do Sul; sigla: DSA).

TAXA DE CRESCIMENTO EVANGELÍSTICO IASD – DSA


(General Conference Annual Statistical Reports 2000 – 2010)
Relação de
Permanência
Membros número de Total de
equivalente
Ano adicionados na membros por membros na
de membros
eclesiástico IASD mundial uma pessoa IASD mundial
adicionados no
no período adicionada no no período
período
período
2000 189.001 115.989 9,61 x 1 1.817.606
2001 196.667 104.767 9,77 x 1 1.922.373
66 2002 221.947 157.778 9,37 x 1 2.080.151
2003 264.130 193.065 8,60 x 1 2.273.215
2004 217.586 142.231 11,10 x 1 2.415.446
2005 240.563 159.695 10,70 x 1 2.575.141
2006 222.585 73.461 11,89 x 1 2.648.602
2007 226.932 - 30.896 11,53 x 1 2.617.706
2008 213.265 - 367.186 10,55 x 1 2.250.520
2009 220.379 - 234.610 9,14 x 1 2.015.910
2010 209.452 48.833 9,85 x 1 2.064.743
2000-2010 2.422.507 363.127 --- 2.064.743

Iniciou-se a primeira década do século 21 (2000) com um total de 1.817.606


membros e a segunda (2010) com 2.064.743 membros no território da DSA. Entretanto,
pode-se perceber que um maior número de membros não implica necessariamente em
uma adição maior de novos conversos, pois o número anual de adições aparece como
uma média constante. Em termos estatísticos, a diferença no rol de membros no início
da primeira (2000) e segunda década (2010) não parece ser significativa.
Possivelmente, a retenção de membros no período tenha a ver com a di-
ferença, o que merece uma atenção mais detalhada e maior tempo de análise. Se
Reavivamento e reforma no evangelismo: em busca de uma igreja discipuladora

interpretarmos corretamente os dados, aproximadamente 85% de todos os adven-


tistas batizados no território da DSA foi subtraído da igreja. Foram adicionados
2.422.507 membros no período e 2.059.380 foram subtraídos. Permaneceram 363.127
membros, ou seja, apenas 15% dos adicionados, o que é extremamente preocupante.
É certo que, por três anos consecutivos (2007-2009), a DSA fez uma revisão de suas
listas de membros, o que impactou sua taxa de crescimento e, consequentemente, a
da igreja mundial. Em 2010, apesar da perda de 234.610 membros no ano anterior,
obteve-se uma diminuição líquida de 48.833.
Obviamente, uma análise dessa informação estatística deveria originar vários
estudos sobre as razões dessa significativa fuga de membros no território da DSA. To-
davia, segundo o que é dito no relatório estatístico da Associação Geral de 2010 para
o território mundial da IASD, nos próximos anos se espera uma taxa ainda menor de
crescimento em razão da evasão de membros.
Parece claro que essa preocupante e significativa redução na taxa de crescimento da
igreja não deve ser interpretada como um sinal de que Deus não mais a está abençoando,
mas como um indicativo da necessidade de se buscar o verdadeiro reavivamento e reforma,
que pode ser a base para uma poderosa proclamação da mensagem do evangelho.
O documento Apelo urgente, produzido pela Associação Geral da IASD, apre-
67
senta uma clara e honesta avaliação da realidade evangelizadora contemporânea da
igreja. Note bem o que diz no início:

Deus chamou, de forma singular, a Igreja Adventista do Sétimo Dia para viver e
proclamar sua mensagem de amor e verdade para os últimos dias do mundo (Ap
14:6-12). O desafio de alcançar os mais de seis bilhões de pessoas no planeta Terra
com sua mensagem para o tempo do fim parece impossível. A tarefa é esmagadora.
De uma perspectiva humana, o rápido cumprimento da Grande Comissão de Cristo,
em algum momento próximo, parece improvável (Mt 28:19-20). A taxa de cresci-
mento da igreja simplesmente não está acompanhando o crescimento da população
mundial. Uma avaliação honesta de nosso impacto evangelístico atual no mundo
leva à conclusão de que, a não ser que haja uma mudança dramática, não concluire-
mos a comissão celestial nesta geração. A despeito de nossos melhores esforços, to-
dos os nossos planos, estratégias e recursos são incapazes de concluir a missão dada
por Deus para sua glória na Terra (IASD, 2011).

Após a leitura dos primeiros dos parágrafos do documento, fica claro que
para concluir a comissão celestial ainda nesta geração, é necessário uma “mudança
dramática”, uma alteração nas ideias e práticas. Para uma reflexão sobre isso, veja
algumas declarações do documento.
SOCIOLOGIA E ADVENTISMO

Deus chamou, de forma singular, a Igreja Adventista do Sétimo Dia para viver e proc-
lamar sua mensagem de amor e verdade para os últimos dias do mundo (Ap 14:6-12).

Aqui cabem algumas questões: o que significa “viver” e “proclamar”? Dessas


duas ações verbais, qual parece ser a prioritária na missão evangelizadora? Por quê? À
luz dos dados estatísticos acima mencionados, o que mais fizemos neste período: “vi-
vemos” ou “proclamamos”? Onde esteve a ênfase empregada pela igreja?

O desafio de alcançar os mais de seis bilhões de pessoas no planeta Terra com sua
mensagem para o tempo do fim parece impossível. A tarefa é esmagadora. De uma
perspectiva humana, o rápido cumprimento da Grande Comissão de Cristo, em
algum momento próximo, parece improvável (Mt 28:19-20).

Outras perguntas importantes devem ser levantadas neste momento: o que “pa-
rece impossível”? O que é “esmagador”? O que “parece improvável? Por que é “impos-
sível”? Por que “esmagador”? Por que “improvável”?

A taxa de crescimento da igreja simplesmente não está acompanhando o


68
crescimento da população mundial.

E uma das perguntas fundamentais que podemos extrair dessa introdução, prin-
cipalmente do fragmento citado acima, é buscar entender os porquês de a igreja não
estar “acompanhando o crescimento da população mundial”. Quais seriam essas ra-
zões? O fato é que no ano de 2010 a IASD mundial teve um crescimento anual de
1.050.785 membros, o que é equivalente, aproximadamente, ao número de crianças
nascidas em dois dias e meio no crescimento da população mundial. No mesmo perío-
do, a DSA teve uma adição anual de 209.452 membros, que equivale aproximadamente,
ao número de crianças que nascem em 13 horas.7 Segundo o site da PRB, em julho de
2010 estima-se que o nascimento de crianças tenha sido de 140.213.443. Nesse mesmo
período, a IASD mundial teve uma adição, em comparação com o crescimento popu-
lacional mundial, equivalente a 0,74% (1.050.785 membros).

A despeito de nossos melhores esforços, todos os nossos planos, estratégias e recur-


sos são incapazes de concluir a missão dada por Deus para sua glória na Terra.

7 Para uma referência de dados próxima a data do documento da Associação Geral, ver: <http://bit.
ly/1Cy9Mii>.
Reavivamento e reforma no evangelismo: em busca de uma igreja discipuladora

Note algo na citação acima: o que é disposto como sendo incapaz “de concluir a
missão dada por Deus para sua glória na Terra”? A atenção está toda no uso pro-
nominal e adjetival do parágrafo. Está nos “esforços” e nos “planos, estratégias e
recursos”. Sendo assim, para concluirmos a comissão celestial nesta geração, será
preciso uma “mudança dramática”, e o documento citado se refere a ela de maneira
especial. Nesse sentindo, uma pergunta deve ser feita: onde deve se ancorar a ênfase
de nossa visão da missão evangelizadora?

Reavivamento e reforma no evangelismo


Considerando que as Escrituras apresentam à igreja uma comissão missionária
em um paradoxo complementar: “fazer discípulos” (Mt 28:19-20) e “permanecer [...]
até [...] ser revestidos de poder” (Lc 24:49), em quê sentido missionário, ou sentidos,
se deveria dar tal “mudança dramática”? Nestes últimos anos, a IASD fez discípulos,
“indo, batizando e ensinando”? Permaneceu na cidade “até [...] ser revestida de poder”?
De que natureza é essa mudança? No evangelismo, reavivamento e reforma do quê?
No “fazer discípulos”? E o que deve ser mudado nesse “fazer”? A mudança se relaciona
69
com o “ir”? Com o “batizar”? Com o “ensinar”? Ou tem a ver com o “permanecer”? Ou
parece ser um todo integrado? Mudança “dramática” no quê?
Note as seguintes citações de Ellen G. White, escritas em um período de 15 anos,
entre 1887 e 1902: “Um reavivamento da verdadeira piedade entre nós é a maior e a
mais urgente de todas as nossas necessidades. Buscá-lo, deve ser nossa primeira ocu-
pação” (WHITE, 1887, p. 177). O primeiro apelo urgente a um reavivamento como
sendo uma “grande necessidade” foi apresentado por Ellen G. White depois de apenas
24 anos da organização oficial da igreja. Parece evidente que a prioridade na época era
“permanecer [...] até [...] ser revestidos de poder”. Mas por que seria assim? Pois

muitos apresentam as doutrinas e teorias de nossa fé; sua apresentação, porém,


é como o sal que não tem sabor, pois o Espírito Santo não está operando em seu
ministério destituído de fé. Eles não abriram o coração para receber a graça de Cris-
to; desconhecem a operação do Espírito; são como a farinha sem levedo. Pois não
há um princípio a atuar em todo o seu labor, e deixam de ganhar almas para Cristo.
Não se apoderam da justiça de Cristo; esta é uma veste não usada por eles, uma
desconhecida plenitude, uma fonte intacta (WHITE, 1892, p. 739).
SOCIOLOGIA E ADVENTISMO

Portanto,

precisa haver um reavivamento e uma reforma, sob a ministração do Espírito Santo.


Reavivamento e reforma são duas coisas diferentes. Reavivamento significa reno-
vação da vida espiritual, um avivamento das faculdades da mente e do coração, uma
ressurreição da morte espiritual. Reforma significa uma reorganização, uma mu-
dança nas ideias e teorias, hábitos e práticas (WHITE, 1902).

Nesse contexto, Ellen G. White apresenta o segundo apelo urgente ao “reaviva-


mento”, agora complementado com a necessidade de “reforma”. Aqui é importante
perceber qual o entendimento dela acerca do reavivamento e reforma. Reavivamento
é “renovação”, “avivamento”, “ressurreição”. Mas de quê? Reforma significa “reorga-
nização”, “mudança”. Assim também perguntamos, mas de quê? O que “reavivar” e
o que “reformar” no evangelismo? Qual é a mudança que pode ser “a grande espe-
rança” evangelizadora para uma igreja discipuladora no século 21? Permita-me lhe
sugerir duas possíveis propostas.
A primeira proposta é a de que a igreja necessita, com urgência, “permanecer até
[...] ser revestida de poder” e passar pela experiência do Pentecostes (At 1-3). A “chuva
70
temporã”, a direção do Espírito, mais que a liderança meramente humana. Precisa da
ação soberana do Espírito, em vez de um ministério humano destituído de fé. Buscá-lo
deve ser nosso primeiro trabalho. Veja a descrição que Ellen White faz:

Ao chegar o tempo para que ela [a mensagem do terceiro anjo] seja dada com o
máximo poder, o Senhor operará por meio de humildes instrumentos, dirigindo
a mente dos que se consagram ao seu serviço. Os obreiros serão antes qualificados
pela unção de seu Espírito do que pelo preparo das instituições de ensino. Homens
de fé e oração serão constrangidos a sair com zelo santo, declarando as palavras que
Deus lhes dá. Os pecados de Babilônia serão revelados. Os terríveis resultados da
imposição das observâncias da igreja pela autoridade civil, as incursões do espir-
itualismo, os furtivos mais rápidos progressos do poder papal – tudo será desmas-
carado. Por meio destes solenes avisos o povo será comovido. Milhares de milhares
que nunca ouviram palavras como essas, escutá-las-ão (WHITE, 2008, p. 606).

Em segundo lugar, a igreja necessita com urgência dar maior atenção ao mo-
delo bíblico de evangelização, assinalado pelo mesmo Espírito, que se registra nas
Escrituras. Pode ser encontrado, em algumas ênfases da missão adventista, certo
exagero pragmático que tem levado a certo declínio da teologia (e prática) bíblica.
Poucos, no processo evangelizador, são capazes de articular as grandes verdades das
Reavivamento e reforma no evangelismo: em busca de uma igreja discipuladora

Escrituras em seu correto marco literário, histórico e teológico. Assim, conceitos


como a perversão da natureza humana, a justificação pela fé e o papel do Espírito
Santo na santificação por fé, o sacerdócio expiatório de Jesus Cristo no marco do
grande conflito cósmico, onde Deus age pessoal e historicamente para a salvação,
não são bem conhecidos pelos evangelizados.
Para muitos ouvintes, aceitar o evangelho parece ser uma decisão mental ape-
nas de natureza relacional, não compromissada com a pessoa e obra de Cristo, em
vez do verdadeiro arrependimento do pecado e uma dedicação total Àquele que
morreu na cruz e que agora intercede, por eles, “diante de Deus” (Hb 9:24). Não é
de surpreender, então, a significativa porcentagem de evasão de membros nos últi-
mos anos dentro do processo evangelizador adventista, somado à aparente perda da
identidade denominacional, ao analisarmos o perfil dos novos adicionados. Apa-
rentemente, esses membros nunca possuíram uma experiência salvívica e missional.
Apenas passaram pelo batismo, mas a poderosa mensagem não passou por eles. É
tempo de reavivamento e reforma no processo evangelizador! É hora de retornarmos
à prática do evangelismo bíblico, na esperança de que conversões reais resultarão
num reavivamento e reforma na igreja.
Na história da IASD, o Senhor teve evangelistas que foram modelos de evan-
71
gelismo com integridade. Essas pessoas, ministros de Deus, não foram sem pecado,
naturalmente, mas ainda assim foram exemplos contagiantes para suas próprias gera-
ções. Eles mostraram como o evangelismo, tanto pessoal quanto público, pode ser fei-
to no marco bíblico, ao basearam seus serviços ministeriais no convite de Cristo para
“fazer discípulos”. Hoje, somos desafiados a nos contentar com nada menos do que
aquilo que Deus tem nos indicado a fazer para compartilhar o evangelho ao mundo.
O que significa o “evangelismo bíblico”, que gera discípulos estáveis, res-
ponsáveis e reprodutivos? É simplesmente o fato de que todo pastor-evangelista
assuma, como própria, a função docente e a responsabilidade discipuladora da
estrutura ministerial carismática. 8 É centrar o ministério na igreja local e em suas
necessidades, desenvolvendo em plenitude o plano que o Espírito Santo inspirou a
Paulo registrar em Efésios 4:11-16.

8 Pode-se definir a estrutura ministerial carismática como o serviço que cada membro de igreja desenvolve
de acordo com os dons concedidos pelo Espírito Santo, e que a comunidade eclesial reconhece como tal. A
mencionada estrutura ministerial nas origens das igrejas do Novo Testamento (NT) não foi uma realidade
puramente humana, mas um dom característico proveniente de Deus que, por meio de seu Espírito, edifi-
cou sua igreja. Deste modo, a igreja de Deus em Cristo se constitui dos que foram capacitados e habilitados
para funções diferentes, e que não são exercidas isolada e independentemente do corpo, mas no corpo, para
nutri-lo, desenvolvê-lo, uni-lo e aperfeiçoá-lo em sua missão. É o ministério “comum de todos” os crentes.
SOCIOLOGIA E ADVENTISMO

O apóstolo parece sugerir que a estrutura presbiteral9 foi um dom de Cristo para
“discipular” a igreja que estava sendo administrada espontaneamente pela estrutura
carismática “dos santos”. O texto de Efésios 4:11-16 enfatiza dois claros conceitos. Pri-
meiro, Cristo designa o que a igreja necessita para crescer de forma integral, coerente e
solidária, como apóstolos, profetas,10 evangelistas e pastores-mestres.11 Segundo, Pau-

9 Paulo também sustentou que certos crentes da estrutura ministerial carismática foram chamados e de-
signados divinamente para desenvolver outro tipo de liderança na igreja. Assim, a concepção de que todo
cristão recebe o Espírito e dons, passa a um segundo plano para dar lugar a uma teologia do ministério
presbiteral característico “de uns poucos.” Lucas registra que Paulo designava “presbíteros” em cada
igreja fundada por ele (At 14:23), estendendo assim às comunidades eclesiásticas helênicas a mesma
estrutura presbiteral que se desenvolvia na igreja de Jerusalém (At 11:30). A linguagem do livro de Atos
sugere que os “presbíteros” (At 20:17), também eram chamados “bispos” (epíscopos, Atos 20:28). Esse é
o ministério “de uns poucos”, a favor “dos todos”, os crentes (carismáticos).
10 Os apóstolos e os profetas constituem “o fundamento [...], sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular”
(Ef 2:20; 3:5). Segundo os evangelhos e outras fontes, os apóstolos são os doze principais discípulos de
Cristo (Mt 10:2; Lc 22:14; At 1:2). Os profetas são os do NT, possivelmente os mencionados em 1Co 11 e 14 e
cujas atividades são referidas em Rm 12:6; 1Tes 5:20; At 11:27; 13:1, 2; 15:32; 19:6; 21:9, 10; Ap 1:3; 10:11; 16:6;
18:20, 24; 19:10; 22:6-10, 18, 19. Os apóstolos e profetas formaram o fundamento no sentido de serem reci-
pientes primários e autoritativos da revelação. Os apóstolos receberam poder e autoridade de seu Senhor
ressuscitado, enquanto que os profetas receberam autoridade carismática. Os apóstolos formaram um elo
72 fundamental com o Cristo ressuscitado e, junto aos profetas, deram interpretação básica ao que Deus havia
feito em Cristo pela edificação da igreja. Paulo sustentava que os apóstolos e profetas (Ef 3:5), incluindo
ele mesmo (Ef 3:3), tiveram uma base fundamental ao ser revelado pelo Espírito o mistério de Cristo, que
haveria de ser pregado posteriormente aos gentios. Assim, Paulo vê essas referências iniciais como ação e
norma do passado para os apóstolos, missionários divinamente comissionados e fundadores de igrejas; e
para os profetas, comunicadores do mistério da revelação divina, o Messias.
11 No período pós-apostólico o evangelista era quem continuava as muitas atividades desenvolvidas pelos
apóstolos; e o pastor era quem exercia a liderança na congregação local. Como o próprio nome sugere, os
evangelistas estavam envolvidos na proclamação do evangelho. É possível que estivessem comprometi-
dos no processo de plantio de novas igrejas, além de ter outras responsabilidades a mais do que apenas a
congregação local. Lucas usa o mesmo termo para fazer referência a Felipe em Atos 21:8, e Paulo aplica a
expressão a Timóteo, indicando a obra de um líder de igreja (2Tm 4:5). Embora Cristo mesmo use o nome
pastor para se auto-designar (Jo 10:11, 14) e Paulo, assim como Pedro, a utilizem em relação a Cristo (Hb
13:20; 1Pe 2:25), o NT o emprega para se referir aos líderes de congregações locais somente em Efésios 4:11.
Lucas e Pedro utilizam o verbo “apascentar” para descrever a função pastoral (At 20:28; 1Pe 5:1-4) como
Jesus fez para designar a atividade confiada a Pedro (Jo 21:16). Estes antecedentes sugerem o exercício de
uma liderança que alimenta, cuida e guia o rebanho. É significativo que esta classe de liderança pastoral
se associe nas Escrituras com a do bispo ou ancião (Jr 23:2; Ez 34:10-11, Zc 11:16; At 20:28; 1Pe 2:25; 5:2).
É provável que os pastores de Efésios 4:11 desenvolvessem as funções indicadas nos escritos de Paulo pelo
verbo proistemi (“governar”, “presidir”, “administrar”; 1Tes 5:12; Rm 12:8); e pelo nome epíscopos (“bispo”;
Fp 1:1), palavra equivalente a presbyteros (“presbítero”; At 14:23; 20:17; 1Tm 4:14; 5:17, 19; Tt 1:5; 1Pe 5:1, 5;
Tg 5:14). Em outras palavras, Paulo estaria se referindo aos “presbíteros” (presbyteros: At 20:17, 1Pe 5:1) e
“bispos” (epíscopos: Atos 20:28) com a expressão pastores e mestres em Efésios 4:11, que eram os líderes das
congregações locais do período apostólico e pós-apostólico. O artigo definido que Paulo usa em cada uma
das três categorias ministeriais no verso 11 e que repete junto com a expressão pastores, mas omite junto a
mestres sugere que os dois grupos haviam sido considerados por Paulo como idênticos, descrevendo um
único ministério, o do ancião-pastor-mestre. Por outro lado, a conjunção ilativa grega kai (“e”) parece ter
uma função epexegética na frase pastores e mestres, definindo o termo “pastor”. É como se dissesse, “o
Reavivamento e reforma no evangelismo: em busca de uma igreja discipuladora

lo explica a finalidade imediata dessa designação: “a fim de aperfeiçoar aos santos para
a obra do ministério, para a edificação do corpo de Cristo” (Ef 4:12).
Embora a palavra katartismós ocorra somente neste texto do Novo Testamento e
se traduza pela expressão “aperfeiçoar”, o verbo katartizō se encontra várias vezes em
Paulo, com uma relação de significados que incluem a ideia de “preparar” (Rm 9:22),
“aperfeiçoar” (Hb 13:21), “formar” (Hb 11:3), “corrigir” (Gl 6:1) e “completar” (1Ts 3:10;
1Co 1:10). Esse verbo era usado no mundo grego para descrever o trabalho do filóso-
fo ou educador com o significado de “preparar”, “dispor”, “pôr em ordem”, “ajustar”,
“restaurar”, “reparar”, “compor”, “corrigir” etc.
Com o uso dessa expressão verbal, Paulo parece sugerir que cada crente caris-
mático deve ser levado a um estado de “ajuste”, de “preparação” em seu serviço para a
edificação do corpo de Cristo. É precisamente com esse propósito que Cristo planeja
e concede a estrutura presbiteral. O ancião-pastor-mestre possui um dom de Cristo
para a estrutura carismática, já que tem a nobre função de “ordenar” os carismáticos
em sua missão, de “confirmá-los” em sua experiência de fé, de “motivá-los” na unidade
eclesiástica ou de “restaurar” ao que estivesse em falta. Além disso, dando à palavra
diakonía (“ministério”) o sentido amplo de “serviço” que caracteriza a estrutura ca-
rismática eclesiástica, o verso 12 poderia ser traduzido assim: “A fim de aperfeiçoar
73
[capacitar] os santos no serviço [ministério] ativo para a edificação do corpo de Cristo.”
De acordo com essa leitura, então, Cristo não facultaria ao ancião-pastor-
-mestre eximir o crente de suas responsabilidades carismáticas. A comissão que
Cristo confiou ao ancião-pastor-mestre é a de “aperfeiçoar os santos” para o seu
serviço (Ef 4:12), o que faz possível a comissão discipuladora indicada pelo mesmo
Senhor aos discípulos e a igreja (Mt 28:19).
Paulo expressa a meta desse ancião, na função discipuladora deste: “Até que
todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, a
varão perfeito, à medida da estatura da plenitude [completa] de Cristo” (Ef 4:13). O
ancião-pastor-mestre poderia alcançar essa meta docente, ao planejar e organizar
“a justa operação de cada parte” de modo que estes possam crescer “em tudo naque-
le que é a cabeça, Cristo” (Ef 4:15).
No quadro a seguir se apresenta o modelo bíblico de evangelização do ancião-
-pastor-mestre. O modelo se inicia com o processo discipulador da igreja, estrutu-
ra carismática, segundo as competências outorgadas pelo Espírito. Essa estrutura

pastor que é mestre.” Esta construção epexegética, então, pode também sugerir que Paulo estava indicando
duas fases de um mesmo serviço ministerial. A função de pastorear ou supervisionar o rebanho (At 20:28-
29; 1Pe 5:2-3) e a de ensinar o rebanho (At 13:1; Rm 12:7; 1Tm 3:2), assim como o mesmo Paulo concebe seu
próprio serviço ministerial (1Tm 2:7; 2Tm 1:11).
SOCIOLOGIA E ADVENTISMO

ministerial em processo de discipulamento evangeliza e impacta a comunidade secu-


lar, sendo o ancião-pastor-mestre um agente evangelizador junto à estrutura carismá-
tica. É assim que o Deus triúno planejou instrumentar a missão.

74

Veja a estratégia divina claramente expressa em 1 Coríntios 12:4-6: “Ora, os


dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo. E também há diversidade nos servi-
ços, mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade nas realizações, mas o mesmo Deus
é quem opera tudo em todos.”
Em outras palavras, o Espírito outorga dons “como Ele quer”, “visando [a]
um serviço útil” (1Co 12:7) em função do que o mesmo Senhor Jesus Cristo prevê
na estrutura missionária da igreja. É Ele quem lhe dá direção, vida e dinamismo
como cabeça dela (Ef 4:15-16). Porém, Deus, o Pai, operando em todos, é quem
produz os resultados (1Co 12:6).
O que gera em nós, anciões-pastores-mestres, líderes de congregações locais, se-
melhante estratégia? O reavivamento e a reforma no evangelismo passam por aqui.
Simplesmente obedecer e instrumentar o plano de Deus. Sob a direção do Espírito, o
ancião-pastor-mestre instrumenta a estratégia ao trabalhar com os membros dormen-
tes (indiferentes e formais), marginais (rebeldes e retraídos), modelos (responsáveis e
Reavivamento e reforma no evangelismo: em busca de uma igreja discipuladora

diligentes) e nucleares (discipuladores e reprodutores exemplares) da estrutura caris-


mática, para com eles evangelizar e impactar a comunidade secular.
O que você acha? Seria possível alcançar tal estrutura em sua igreja? Esse é o
único plano revelado por de Deus para um processo evangelizador de sucesso. Não há
outro! Se houver, é apenas uma distração de origem humana que nada tem a ver com
o modelo estabelecido e indicado pela revelação.

Considerações finais
Não há dúvidas de que o ministério carismático comum a todo crente é uma es-
tratégia divina que deveria ser aceita como revelada pelo grande Capacitador da igreja,
o Espírito Santo. No entanto, o poder para o serviço não surgirá, a menos que seja
conscientemente e deliberadamente estimulado, e isso não acontecerá a menos que
haja líderes e anciãos-pastores-mestres chamados a executar esta tarefa libertadora.
O ancião-pastor-mestre que centra seu ministério na estrutura carismática da
igreja local, e a igreja que ajuda seus membros a descobrirem e a viverem o chamado
de Deus para o ministério confiado a eles, se transformam, pela graça de Deus, em
75
uma comunidade discipuladora de membros estáveis, responsáveis e reprodutivos
para a glória de Deus. Estes cumprem com a Grande Comissão evangélica deixada
por Jesus (Mt 28:19-20; Lc 24:49). Se os anciãos-pastores-mestres tomarem a sério
os dons dos cristãos individualmente, os descobrirem, os fomentarem e os desen-
volverem para serem utilizados visando ao avanço da obra de Deus, que dinamismo,
que movimento e que vida a igreja teria sob a ministração do Espírito Santo! Isto é
reavivamento e reforma no evangelismo.

Referências
IASD. Apelo urgente por reavivamento, reforma, discipulado e evangelismo. Adventist
World, 2011. Disponível em <http://bit.ly/1BJ55Rh>. Acesso em: 28 fev. 2012.

WHITE, E. G. Evangelismo. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1997.

     . Testemunhos Seletos. Santo André: Casa Publicadora Brasileira, 1985. v. 3.

     . Testemunhos para a igreja. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2006. v. 9.


SOCIOLOGIA E ADVENTISMO

     . O Grande Conflito. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2008.

     . Why the Lord waits. Review and Herald, v. 73, n. 29, p. 449, 21 jul. 1896.
Disponível em: <http://bit.ly/18R8baU>. Acesso em: 28 fev. 2012.

     . The church’s great need. Review and Herald, v. 64, n. 12, p. 177, 22 mar.
1887. Disponível em: <http://bit.ly/18kE76l>. Acesso em: 28 fev. 2012.

     . The perils and privileges of the last days. Review and Herald, v. 69, n. 47,
p. 739, 29 nov.1892. Disponível em: <http://bit.ly/1EOs4eJ>. Acesso em: 28 fev. 2012.

     . The need of revival and reformation. Review and Herald, v. 79, n. 8, 25
fev. 1902. Disponível em: <http://bit.ly/1wIFJ5J>. Acesso em: 28 fev. 2012.

76

Você também pode gostar