Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Publicado em 04/2012.
Elaborado em 03/2012
Recente relatório do Ministério da Previdência Social revelou que a cada três horas, uma pessoa
é afastada do trabalho para tratar a dependência química no País. No ano de 2008 foram
concedidas 31.721 licenças, acima de 15 dias, para viciados em álcool, maconha, cocaína e
anfetamina. Em 2007 foram 27.517 licenças, o que indica um aumento de 15%, indicador sem
dúvida já superado.
O número reflete apenas uma das faces da influência das drogas no mercado de trabalho, já que
expressa o problema só entre os que têm carteira assinada no Brasil. Os dados mostram ainda
que a dependência está em alta entre empreendedores, médicos, advogados, economistas,
lixeiros, professores, funcionários públicos, todos do grupo cada vez mais amplificado nas
estatísticas de transtornos de saúde desencadeados pelo uso de entorpecentes.[1]
Evidente que o debate envolve aspectos não só trabalhistas, mas também médicos, sociais e
políticos, merecendo uma abordagem ampla e multidisciplinar que abranja toda a sociedade.
O caráter educativo destas iniciativas, bem como o envolvimento da família, são essenciais para
a sua eficácia em longo prazo. Deve-se considerar ainda que os efeitos da dependência química
recaem não só sobre o indivíduo, mas também sobre toda a sociedade, sendo responsabilidade
de todos.
Muitas empresas, contudo, não estão aptas a identificar os sinais de alerta que possam estar
ligados à dependência, tais como:[2]
Absenteísmo: podem ocorrer também faltas não autorizadas, licenças excessivas por
doenças, faltas com ou sem comprovação médica e usualmente nas segundas ou sextas-
feiras ou dias que antecedem ou sucedem feriados, faltas sucessivas por doenças vagas
como resfriados, gripes, enxaquecas e etc.;
Hábitos pessoais: mudanças nos hábitos cotidianos como descuido com a higiene e
aparência pessoal, apresentar-se bêbado ou cheirando a álcool logo pela manhã,
mudança de comportamento ou confuso após o almoço.
Uma vez identificados estes sinais suspeitos, cabe ao empregador encaminhar o funionário para
o médico do trabalho ou assistente social e, no contexto organizacional, oferecer ajuda.
A Consolidação das Leis do Trabalho prevê, na alínea “f”, do artigo 482, a embriaguez (habitual
ou em serviço) como falta grave por parte do empregado ensejadora da extinção do contrato
de trabalho por justa causa. Esse dispositivo obviamente alcança o uso de outras drogas além
do álcool, todavia, é comum encontrarmos decisões em que a dispensa por justa causa com
fundamento na embriaguez é descaracterizada, condenando a empresa reclamada no
pagamento de verbas decorrentes de uma dispensa imotivada e até mesmo à reintegração do
funcionário.
Oportuno esclarecer que a embriaguez pode ser dividida em habitual (crônica) ou embriaguez
"no trabalho" (ocasional). A embriagues crônica é considerada uma enfermidade pela
Organização Mundial da Saúde e, segundo entendimento majoritário dos Tribunais, deve ser
tratada antes da extinção do contrato de trabalho, ou seja, entende-se que a empresa deve
tentar reabilitar o funcionário antes de desligá-lo.
A legislação brasileira dispõe que o empregado que possuir dependência química deve ser
afastado do trabalho por motivo de doença – e não por qualquer forma punitiva – devendo
receber do empregador o pagamento dos 15 primeiros dias decorrentes do afastamento. A
partir desse momento, o trabalhador passará a gozar do benefício previdenciário, ficando a
recuperação a cargo do sistema de saúde pública.
O juiz José Carlos Rizk, do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, em acórdão publicado
em 06.05.2008[3], ao deferir a reintegração de um dependente químico demitido durante
tratamento médico, argumentou que a função social do contrato consiste em cláusula geral, ou
seja, norma que apenas descreve valores, sem enunciar preceito ou sanção, permitindo que o
magistrado a aplique a cada caso concreto, buscando valores nos direitos fundamentais
previstos na Constituição da República.
Seguiu defendendo que a função social do contrato está diretamente ligada ao conceito social
da propriedade, haja vista que o contrato consiste no maior instrumento de circulação de
riquezas, eis que a valorização do trabalho humano constitui pilar da ordem econômica,
fundamentando-se, dentre outros princípios na função social da propriedade, insculpida na
Carta Magna, em seus arts. 5°, inciso XXIII, e 170, inciso III, o qual abrange não somente os bens
corpóreos como também os incorpóreos aplicando-se, portanto à empresa.
Conclui, portanto, que o direito do trabalho busca a realização da função social da empresa, pois
com a valorização do trabalho o indivíduo desenvolve plenamente a sua personalidade,
promovendo a busca do pleno emprego (art.170, inciso VIII), a redução das desigualdades e
sociais (art.170, inciso VII) e a dignidade da pessoa humana (art.1°, inciso III).
Neste contexto, advoga que o empregador não pode utilizar o seu direito potestativo de resilição
do contrato de trabalho para dispensar o reclamante, dependente químico, durante tratamento
médico, em razão da função social que desempenha e em observância, aos princípios
constitucionais.
Ressalta que não se está minimizando a importância do lucro, mas sim constatando que a
sobrevida da empresa está colocada acima disso, numa tentativa de tornar capital e trabalho
partes integrantes de uma relação simbiótica. A empresa não sobrevive sem o lucro e a
tendência é a de que, com o amadurecimento da sociedade, o lucro não sobreviva em uma
empresa que não exerce a sua função social.
A desembargadora concluiu que "Não basta mais aos empregadores simplesmente cumprir suas
obrigações legais. É preciso que os detentores dos meios de produção e geradores de empregos
se conscientizem de seu papel na sociedade, atuando em prol da comunidade sempre que
possível, principalmente quando a ajuda reverterá em benefício a alguém que um dia já
contribuiu para o aumento de seu próprio lucro."
O Direito do Trabalho busca, outrossim, a realização da função social da empresa, pois com a
valorização do trabalho o indivíduo desenvolve plenamente sua personalidade, promovendo a
busca do pleno emprego (art. 170, VIII), a redução das desigualdades regionais e sociais (art.
170, VII) e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III).
Trata-se, contudo, de uma questão de saúde pública cuja responsabilidade não pode ser
transferida ao empregador, cabe sim a este adotar medidas educativas e incentivar o
tratamento médico, todavia, não surtindo efeito, não deve ser questionada a decisão de
rescindir o contrato de trabalho do funionário dependente químico, observado o período de
estabilidade provisória.
Notas
[1]
Fonte: Agência Estado
[2]
Grupo de Gestão de Pessoas de Manaus - http://www.grupos.com.br/blog/ggpm/
[3]
Acórdão nº 00401.2003.181.17.00.0