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Rosh Hashaná - Ano novo Cabalístico e Judáico

Rosh Hashaná, comemorado no primeiro e segundo dias do mês hebraico de


Tishrei, é diferente de todas as outras festividades judaicas. Todas as demais
marcam uma experiência significativa na história de nosso povo, enquanto que
Rosh Hashaná celebra um evento universal: a criação do primeiro homem e da
primeira mulher. Rosh Hashaná não é, portanto, apenas uma data sagrada para o
judaísmo, mas uma celebração universal, que enfatiza a necessidade de que cada
ser humano tenha plena consciência de sua missão nesta vida.

O Zohar, obra em que se alicerça a Cabalá, ensina que quando o primeiro


homem foi criado, D'us imediatamente o informou acerca de seus poderes,
revelando-lhe sua missão de vida: "...Frutificai-vos e multiplicai-vos e enchei a
terra, subjugando-a e dominando os peixes do mar e as aves dos céus, bem como
todo ser que se arrasta pela terra" (Gênese 1:28). O Criador ordenava, pois, aos
primeiros homem e mulher criados que conquistassem e governassem o mundo
todo.

Nossos sábios revelam o verdadeiro significado dessa missão atribuída ao


homem de "conquistar o mundo". Explicam-nos que quando D'us criou Adão, sua
Divina Alma permeou e irradiou-se por todo o seu ser, dando-lhe, assim, o poder
de dominar os outros seres. Mas que quando as demais criaturas chegaram-se a
Adão para coroá-lo como seu criador, ele lhes apontou o engano, dizendo:
"Reunamo-nos e juntos exaltemos a D'us, nosso Criador"!

A missão de "subjugar o mundo" significa que o propósito do homem, nesta


vida, é santificá-la, a começar por ele e os que o cercam, para que todos os seres
vivos saibam que D'us é nosso Criador. D'us criou apenas um homem – dele
criando a mulher – e impôs a ambos esta tarefa. O Talmud explica que uma das
razões para que D'us criasse apenas um ser humano foi transmitir o ensinamento
de que cada um de nós é um microcosmo do universo todo. Nossos sábios dizem
que cada ser humano deve habituar-se a dizer "o mundo todo foi criado apenas
por minha causa". Não se trata de uma afirmação de egocentrismo ou egoísmo.
Bem ao contrário, significa que cada pessoa tem sobre si a responsabilidade por
todo o restante do mundo. Como cada um de nós representa Adão, cada um de
nós herda e carrega a missão ordenada pelo Criador à primeira criatura humana
em quem Ele insuflou vida. Assim sendo, qualquer um de nós tem a capacidade
de "subjugar o mundo". Se a pessoa não cumpre essa tarefa e não utiliza os seus
inestimáveis poderes divinos da forma mais plena possível, terá falhado não
apenas ele, mas sua falha afetará o bem-estar e o destino do mundo inteiro. Esta
conscientização de maior poder do indivíduo e de responsabilidade coletiva e as
subseqüentes decisões e ações que tal conscientização enseja são dos principais
temas dos dias sagrados de Rosh Hashaná.

Aniversário da Criação

Na liturgia de Rosh Hashaná, proclamamos: "Hoje é o dia do nascimento do


mundo, do início da Obra de Tuas mãos...". Mas, por que Rosh Hashaná é
chamado de "início da Obra Divina" se a Criação do mundo se iniciou cinco dias
antes de Adão ser formado? Por que seria este o dia chamado de "primeiro"
quando, conforme revela a Torá, era, de fato, o sexto dia?

Uma das respostas a estas perguntas é que no sexto dia da Criação – o


primeiro dia do mês hebraico de Tishrei – a existência teve conteúdo e sentido
com a criação de Adão e Eva. O aniversário do mundo não é computado a partir
da criação das galáxias, plantas ou animais, que não possuem o livre arbítrio; nem
tampouco é calculada a partir da criação dos anjos, que cega e infalivelmente
seguem todas as ordens e diretivas Divinas. Mais precisamente, o propósito do
universo se concentra na força interna do ser humano de escolher entre o bem e o
mal, de viver consoante com a vontade de Seu Criador ou não. No sexto dia da
Criação, quando Adão e Eva abriram seus olhos e contemplaram o mundo Divino,
foram agraciados com a opção de a Ele atender ou a Ele se opor. O ser humano é o
protagonista da história ininterrupta do universo e, portanto, a sua criação foi o
que determinou o primeiro dia do mundo.

A cada Rosh Hashaná, repetimos o apelo de Adão a todas as criaturas vivas:


"Vinde, para que juntos louvemos e nos curvemos, ajoelhando-nos diante de D'us,
nosso Criador". Durante os dois dias dessa festividade, intensificamos a nossa
conscientização da presença do Criador, comprometendo-nos a aumentar nossa
percepção de Sua Majestade e de Seu domínio sobre nossas vidas. Por esta razão,
proclamamos em nossas preces de Rosh Hashaná: "Nosso D'us e D'us de nossos
pais, reina sobre todo o universo com Tua glória, eleva-Te sobre toda a terra, na
Tua magnificência, e manifesta-Te no esplendor da majestade do teu poder a
todos os habitantes do Teu universo". "E saberá todo ser vivo que Tu o fizeste, e
toda criatura que Tu a criaste, e todo aquele em quem insuflaste uma alma viva
proclamará: "O Eterno, D'us de Israel, é Rei Majestoso e Seu Reino a tudo
domina".
O Talmud (Rosh Hashaná 10b-11a) conta que além da criação de Adão, outros
inícios significativos ocorreram em Rosh Hashaná. Os Patriarcas Abraham e
Jacob nasceram nesse dia. Abraham representou um novo despertar para toda a
humanidade após Adão e Noé não terem conseguido disseminar o monoteísmo e
a moralidade pelo mundo. Jacob foi um recomeço para o povo judeu, pois por seu
intermédio os judeus se tornaram uma família que, a partir de então,
desenvolveu-se em uma nação. E foi também em Rosh Hashaná que o povo judeu,
no Egito, foi dispensado do trabalho escravo, marcando o início de sua libertação
que culminaria no Monte Sinai, onde receberam a Torá, tornando-se, a partir de
então, um povo amadurecido a ponto de constituir uma verdadeira nação.

Por que dois dias? A explicação cabalista

O fato de Rosh Hashaná marcar o aniversário da Criação é exatamente a razão


que faz dessa data o Dia do Julgamento. Qualquer plano deve ser avaliado, de
tempos em tempos, para ver o seu andamento, se atingiu seus objetivos e
propósitos. Como Rosh Hashaná foi o primeiro dia em que um ser com um
propósito determinado passou a fazer parte deste mundo que conhecemos, D'us
escolheu esse dia para a avaliação anual de Seu universo e do quanto os seres
humanos tinham alcançado em levá-lo à perfeição. Nós, judeus, o Povo Eleito,
recebemos D'Ele a ordem de cumprir todos os mandamentos de Sua Torá. Os não
judeus têm a obrigação de cumprir as Sete Leis de Noé, que proíbem idolatria,
blasfêmia, assassinato, imoralidade sexual, roubo, ingestão de qualquer parte de
um animal vivo e a corrupção da justiça. Os não judeus também têm a obrigação
de praticar caridade, atos de bondade e zelar pela eficiência e justiça de seus
tribunais civis.

Nos Dois Dias do Juízo, D'us julga judeus e não judeus, indistintamente, bem
como todos os outros seres vivos. Pois está escrito: "Em Rosh Hashaná, o Dia do
Ano Novo, será inscrito e no Yom Kipur, o dia de jejum da Expiação, será
confirmado: quantos terão de sair do convívio humano e quantos terão que nele
entrar; quem viverá e quem morrerá - quem em sossego e quem em meio a
tumulto - quem em pobreza e quem em abundância; quem será elevado e quem
humilhado será". Enquanto, por assim dizer, D'us está em Seu Trono Celestial,
julgando-nos, nós oramos implorando pela vida, saúde e sustento para o ano
vindouro, pois que em Rosh Hashaná os atos de cada indivíduo são
minuciosamente examinados; durante esses dois dias, estão sendo julgados, pelo
Juiz e Provedor Celestial, o destino e o sustento, no ano por vir, de cada um dos
seres vivos sobre a terra. Os estudiosos místicos ensinam que o comportamento
do povo judeu afeta não apenas a sua própria sentença, a ser proferida em Rosh
Hashaná, mas também a do mundo e daqueles que nele habitam.

Durante o ano, as comunidades que vivem fora de Israel celebram as festas


judaicas durante um dia a mais do que aqueles que habitam a Terra Santa. No
entanto, mesmo os que residem em Israel têm que guardar a data sagrada de
Rosh Hashaná por dois dias – no primeiro e segundo dias do mês de Tishrei. O
Livro do Zohar, escrito pelo grande místico e mestre da Torá, Rabi Shimon bar
Yochai, explica o porquê: Rosh Hashaná, o Dia do Julgamento, representa o
atributo Divino da Guevurá – justiça e disciplina severas. E, como todas as
criaturas vivas estão sendo julgadas em Rosh Hashaná e não suportariam a
aplicação da severa sentença Divina, acrescenta-se um segundo dia à celebração.
Esse segundo dia é principalmente governado pelo atributo de Malchut – que,
sendo o atributo Divino que permeia o Shabat, é um atributo de julgamento
clemente e misericordioso.

Nos dias que antecedem Rosh Hashaná, reunimo-nos nas sinagogas para
recitar as preces de Selichot – pedidos de perdão Divino. O Zohar revela a
importância da confissão dos pecados diante do Criador: "Aquele que encobre
suas transgressões, jamais prosperará; mas quem as confessa e abandona, obterá
a misericórdia" (Provérbios 28:13) do Santo, Bendito Seja Ele. Rosh Hashaná,
portanto, não é apenas um dia de julgamento, mas especialmente de auto-análise
e julgamento de nossos próprios atos.

Diariamente, mas em especial durante a festividade de Rosh Hashaná e nos


dias que a antecedem e sucedem, cada um de nós deve indagar a si próprio quanto
de seus propósitos conseguiu realizar e a que novas determinações de crescimento
e aperfeiçoamento pessoal se propôs para o ano que está por iniciar. Cada um de
nós, judeus, deve refletir sobre o fato de ter a responsabilidade de "subjugar e
conquistar o mundo", cumprindo as instruções do Criador do Mundo, por Ele
entregues a nós em Sua Torá. Em Rosh Hashaná, somos responsabilizados não
apenas pelo que fizemos, mas também pelas boas ações que poderíamos ter
realizado – e não o fizemos. Fomos bondosos e generosos com os menos
favorecidos? Mantivemos nossa fé e elevada moral mesmo diante de provações e
atribulações? Oramos com sinceridade e cumprimos os mandamentos de D'us
com seriedade de intenção e total entrega? Conseguimos elevar-nos e santificar o
mundo através do estudo da Torá – com a plenitude que estava a nosso alcance?
O julgamento de Rosh Hashaná requer que pesemos as mínimas e infinitas
possibilidades e oportunidades que são colocadas diante de nossos olhos,
diariamente.

Ano após ano, nos dois dias de Rosh Hashaná, D'us determina se cada um de
nós está desempenhando sua missão de vida em toda a sua plenitude – para
assim santificar a si próprio e a todo o mundo, através da proclamação da
Majestade do Criador e de ações consoantes com as Suas determinações. Então,
enquanto "...todos os habitantes do mundo desfilam diante D'Ele feito um
rebanho"..., e Ele, como um pastor, vistoria as suas ovelhas, determinando "o
destino de cada criatura e anotando a sua sentença: ...quem viverá e quem
morrerá..., quem em pobreza e quem em abundância, quem será humilhado e
quem será elevado"...eis que, repentinamente, um som penetrante eleva-se da
Terra e reverbera, em sua magnitude, pelos Céus. É o chamado do shofar, o
simples toque de uma trombeta que anuncia que o Povo Eleito por D'us está
coroando-O como seu Rei, anunciando a todos os seres vivos que: "O Eterno, D'us
de Israel, é Rei Majestoso e Seu Reino a tudo domina".

Proclamando mensagens com uma eloqüência que as palavras jamais seriam


capazes de transmitir, o simples chamado do shofar desperta a consciência do
homem para um compromisso renovado e mais profundo com seus atos e missão
de vida.

E D'us Misericordioso, Aquele que penetra nas profundezas do coração de


cada um de nós, irá certamente responder a nosso propósito de tomar boas
resoluções, enviando as Suas bênçãos para que as mesmas se realizem em sua
plenitude.

Que neste Rosh Hashaná que se avizinha, – um dia de misericórdia e favor


Divinos – possa Aquele que está nas Alturas Celestiais "erguer-se do Trono do
Julgamento e sentar-se no Trono da Misericórdia", para desta forma inscrever
todos os Seus filhos no Livro da Vida, abençoando-os com um ano de paz, saúde,
júbilo e tranqüilidade material e espiritual.

(cf. Revita Morashá, ed. 42, setembro de 2003)

Em 2006, Rosh HaShaná (novo ano de 5767) terá inicio ao entardecer do dia
22 de setembro (sexta feira) e Yom Kippur ao entardecer do dia 1º. de outubro
(domingo).

Bibliografia:
• Commitment, Memory and Deed:
www.chabad.org/holidays/JewishNewYear/

• The Neurology of Time; ibid

• The Man in Man; ibid

• To Will a World; ibid

• Rebbe's Message – 25th of Elul, 5719 – Rabbi Menachem Mendel


Schneerson, Z.T.K.L.

• Rosh Hashana Machzor – Artscroll Mesorah – Rabbi Nosson Scherman,


Rabbi Meir Zlotowitz, Rabbi Avie Gold

• The Wisdom of the Zohar – Isaiah Tishby (Editor), David Goldstein


(Translator)

Laer R. Passerini

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