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GUARANI

CONTINENTAL

2016

POVOS
GUARANI
NA ARGENTINA,
BOLÍVIA,
BRASIL E
PARAGUAI

Caderno Mapa Guaraní Continental · 2016 1


O Mapa Guarani Continental e o cader-
no que o acompanha são o resultado de um
trabalho coletivo que envolveu pessoas e insti-
tuições em quatro países - Argentina, Bolívia,
Brasil e Paraguai - onde secularmente vivem
os povos Guarani. Participaram mulheres e
homens voluntários, Guarani e não-indíge-
nas, antropólogos e indigenistas, todos com-
prometidos com a vida e o futuro destes povos.
O mapa mostra onde vivem, quantos são, os
nomes de suas aldeias e quais são as ameaças
que levam à destruição dos seus territórios,
tão importantes para a sobrevivência destes
povos originários. O texto, publicado em
espanhol, português e guarani, pretende servir
como guia para o mapa, tornando compreen-
sível o contexto em que vivem essas comu-
nidades, e o caminho contínuo de resistência
para manter seus modos de ser.
Não obstante as violências cíclicas que
desafiam estas centenas de comunidades em
todo o continente, este texto quer fortalecer
a resistência do Povo Guarani e reafirmar a
sua dignidade perante aqueles que querem
os excluir. A cultura e a economia Guarani
são propostas concretas para outro tipo de
sociedade, podendo contribuir na reorienta-
ção da sociedade colonial envolvente, abrindo
caminhos de esperança para todas e todos.
Afinal, os não-guarani também podem viver
um Ñande Reko - um novo modo de ser, mais
justo e igualitário, mais pacífico e livre.

2 Caderno Mapa Guarani Continental · 2016


GUARANI
CONTINENTAL

2016

POVOS
GUARANI
NA ARGENTINA,
BOLÍVIA,
BRASIL E
PARAGUAI

Equipe Mapa Guarani Continental


Campo Grande, MS
2016

Caderno Mapa Guaraní Continental · 2016 3


4 Caderno Mapa Guarani Continental · 2016
CADERNO DO MAPA
6. apresentação

GUARANI
CONTINENTAL
7. QUEM SOMOS?
GUARANI RETÃ | TEKOHÁ GUASÚ, TENTAGUASU
ÑANDÉ REKÓ | ECONOMIA | COSMOVISÃO

2016

POVOS 19. ASSIM VIVEMOS


GUARANI ARGENTINA | BOLÍVIA
NA ARGENTINA, BRASIL | PARAGUAI

BOLÍVIA,
BRASIL E
PARAGUAI
45. E AMANHÃ?
QUAL É O NOSSO FUTURO?

Elaborado pela Equipe Mapa


Guaraní Continental (EMGC),
no âmbito da Campanha Guarani 50. Para saber mais

Caderno Mapa Guaraní Continental · 2016 5


APRESENTAÇÃO

N
o MAPA GUARANI CONTI- de apoio em suas demandas por territórios Não são somente testemunhas de
NENTAL apresentamos uma e políticas públicas que respeitem sua auto- tempos passados, mas, sim, protagonistas
introdução ao território guarani nomia como povos que vivem em diferen- do presente e construtores do futuro. Seus
de hoje, que abrange parte dos países da tes países, unidos por vínculos de língua, caminhos de liberdade nos convidam a
Argentina, da Bolívia, do Brasil e do Para- cosmovisão, história e cultura. entrar num movimento que não é exclusivo
guai. São mais de 280.000 pessoas, unidas De maneira criativa, os Guarani deles, mas é também de todos aqueles que
por uma língua e cultura comuns, distribuí- atualizam e desenvolvem novos modelos não se conformam com o modelo econô-
das em 1.416 comunidades, aldeias, bairros de assentamentos em áreas de seu terri- mico predador que ameaça a terra e destrói
urbanos ou núcleos familiares, desde o tório ancestral, o que lhes permite seguir a convivência entre todos os humanos e ou-
litoral do Atlântico até a região pré andina. reproduzindo suas relações sociais, mesmo tros tipos de seres com os quais dividimos a
Os Guarani constituem um dos povos que em condições, às vezes, extremamente existência na terra. Com eles nos sentimos
indígenas de maior presença territorial no adversas, como no Brasil. Na Bolívia, no mais humanos, que é o significado da pala-
continente americano. Os mapas em anexo entanto, conquistaram o reconhecimento vra ava na sua língua: homem, pessoa.
mostram onde vivem, como se denominam legal da maior parte de seus territórios tra- Aumentar o conhecimento destas
esses lugares, quantos são, e quais são os dicionais. Os conhecimentos sobre o meio situações e dos desafios encontrados para
ecossistemas naturais em que habitam. ambiente e sobre outras populações tão a integração de perspectivas e ações em
Esperamos contribuir para a com- diversas com as quais convivem, permitem comum tem sido o objetivo principal deste
preensão da extraordinária capacidade aos Guarani ampliar sua capacidade de projeto, realizado mediante a construção de
demonstrada pelos vários povos guarani compreender o mundo em sua transforma- uma rede de colaboradores de vários países
para seguir sendo Guarani, depois de ção e encontrar novas perspectivas e desen- e com a participação de organizações in-
cinco séculos de intensa pressão colonial. O volver práticas de atuação de acordo com as dígenas e não-indígenas dos quatro países
Mapa e o Caderno devem ser instrumentos necessidades atuais de suas comunidades. mencionados no estudo.

6 Caderno Mapa Guarani Continental · 2016


QUEM SOMOS?

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8 Caderno Mapa Guarani Continental · 2016
GUARANI RETÃ

O
s Guarani seguem vivendo onde O Artigo 62 da Constituição foi compartilhada com outros povos,
sempre têm vivido, apesar das Nacional da República do Paraguai, diz, em áreas que os Guarani chamam de
inumeráveis pressões, ameaças literalmente: “Esta Constituição reconhece tekohá, as quais equivalem ao “território
e mortes. A existência e a realização do a existência dos povos indígenas, definidos e paisagem guarani”, caracterizado por
modo de ser das populações Guarani como grupos de culturas anteriores à for- ecossistemas de notável equilíbrio, com
é anterior à organização dos Estados mação e organização do Estado paraguaio” terras aptas para os cultivos agrícolas,
nacionais atuais. (tradução livre). base de sua alimentação. Os indígenas
O território dos Guarani – guarani O Artigo 30 da Constituição Guarani habitam, desde há mais de dois
retã - também é anterior à criação e à boliviana, diz: “É nação e povo indígena mil anos, estes vastos territórios, sem
conformação dos atuais países e de suas originário campesino toda coletividade nunca terem provocado a exaustão de
fronteiras, de fato muito recentes. Esta humana que comparta identidade cultural, seus recursos.
pré-existência é reconhecida na Cons- idioma, tradição histórica, instituições, Os Guarani são povos com alta
tituição da República Federativa do territorialidade e cosmovisão, cuja existên- mobilidade, mas isto não quer dizer que
Brasil, de 1988, a Constituição da Re- cia é anterior à invasão colonial espanhola” são nômades sem residência fixa; de fato,
pública do Paraguai, de 1992, a Cons- (tradução livre). vivem em aldeias de diversos tamanhos
tituição da Nação Argentina, de1994, e No mapa, as comunidades apare- e são bons agricultores. Contatados
a Constituição Nacional da Bolívia, de cem dispersas por um território muito pelos invasores europeus desde 1505,
2009. Dois exemplos: extenso, cuja ocupação, historicamente, os Guarani manifestavam uma gran-

Jahecha Olhar desde uma retomada Kaiowa.


Mato Grosso do Sul, Brasil, 2016.
Pablo Albarenga
Caderno Mapa Guaraní Continental · 2016 9
de unidade linguística e cultural. Com talvez, a busca da "terra-sem-mal". São Uma estimativa confiável da população
muita propriedade, lhes deram o nome males, para os Guarani, uma terra es- Guarani nos quatro países, no ano de 2016,
genérico de Guarani, como haviam sido gotada para a agricultura, uma paisagem se apresenta conforme os gráficos a seguir:
conhecidos pelos primeiros europeus desértica, um campo sem árvores ou,
que chegaram à costa do Brasil e do Rio na atualidade, a produção de gado e as Os Guarani na atualidade
da Prata. monoculturas da soja, pinus ou cana de
Estenderam-se por esta ampla açúcar, que ameaçam suas vidas e seus · Mbyá (Argentina, Brasil e Paraguai)
região da América do Sul, em sucessi- territórios.
vas migrações que se prolongaram ao É também “um mal” as muitas · Avá-Guaraní (Paraguai), conhecidos
longo de milhares de anos. Atualmente, doenças e mortes por fome e epidemias; também como Ñandeva, Guaraní
formam alguns grandes conjuntos ou os desentendimentos, desordem e con- ou Chiripá (Brasil e Argentina)
grupos socioculturais, cada um com flitos sociais e políticos entre os mem-
suas formas diferentes de falar o idioma bros e famílias da comunidade. Mas, um · Paĩ-Tavyterã (Paraguai), conhecidos
Guarani. dos maiores males que os Guarani têm como Kaiowá (Brasil)
As migrações geralmente se dão tido que suportar é a invasão e destrui-
quando um grupo dissidente vai para ção de sua terra, a ameaça contra seu · Ava-Guaraní y Isoseño (Bolívia e
outra terra, mas parte da população per- modo de ser, a expulsão, a discriminação Argentina), conhecidos como Guara-
manece no lugar de origem. No entanto, e o desprezo que vieram com a chegada ni Ocidental (Paraguai), e também
a unidade do modo de ser guarani não de “outros”, dos colonos e dos fazendei- como Chiriguanos ou Chahuancos
se desfez e as características específicas ros, sojicultores, usineiros e petroleiros. (Argentina)
de cada lugar não impedem a comu- A violência também é ocasionada
nicação e a relação entre comunidades pelo avanço de várias frentes de ex- · Gwarayú (Bolívia); Sirionó, Mbía
de um amplo território, ainda que este pansão das sociedades nacionais, desde ou Yuki (Bolívia); Guarasug’we
seja cortado pelas fronteiras atuais de os pequenos agricultores até os lati- (Bolívia), Tapieté ou Gua-
diferentes Estados nacionais. fundiários que se regem por sistemas raní-Ñandeva (Bolívia, Argentina e
As migrações se deram por dife- econômicos e culturais contrários ao dos Paraguai); Aché (Paraguai)
rentes motivos: um dos mais fortes foi, Guarani.

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População Guarani por país (2015-2016)
85,255
83,019

61,701
54,825

Argentina Bolívia Brasil Paraguai

Esta tabela provém de muitas fontes:


governamentais e não governamentais, ve-
rificadas também por organizações locais.
Não constam neste Mapa outros povos da
família linguística tupi-guarani, que segui-
ram outros caminhos e têm, agora, outra
consciência de seu próprio ser, e deixaram
de chamar-se e sentir-se, especificamente,
Guarani.
Assim como outros povos na Améri-
ca Latina, os Guarani encontram-se num
franco processo de crescimento popula-
cional: altos níveis de fecundidade – maior
número médio de filhos por mulher –,
aliados com a queda dos níveis de mor-
talidade que estão sendo mantidos nos
últimos 20 anos, pelo menos.

Opy Crianças brincam durante construção de uma casa de


reza tradicional Mbya. Tekoha Guyrapaju/Tenondé Porã,
São Paulo, 2015. Luiza Mandetta Calagian
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TEKOHÁ GUASÚ - TENTA GUASU: TERRA E TERRITÓRIO

O
s Guarani costumam afir- bém produz cultura. Tekó significa também significa pátria e aldeia.
mar: "Nós não vivemos para "modo de ser, modo de estar, sistema, As excelentes terras e florestas
comprar terra, nós vivemos lei, cultura, norma, comportamento, dos Guarani têm suscitado a co-
apenas para usá-la de acordo com hábito, condição, costume [...]", como biça de outras populações e, mais
nossos costumes". Para os Guarani se entendia já antes da chegada dos recentemente, de grandes empresá-
a terra significa, em primeiro lugar, espanhóis. O tekohá é o lugar onde rios da agricultura mecanizada, que
espaço de vida, um espaço onde rea- se dão as condições para ser guarani. utilizam os próprios Guarani como
lizam sua maneira de ser. As palavras A terra, concebida como tekohá, é mão de obra barata ou os expulsam
yvy e tekohá podem ser traduzidas também um espaço econômico, mas, quando não os necessitam. O terri-
por terra e território. Obviamente, a em primeiro lugar, um lugar cultural tório guarani, de fato, encontra-se,
terra tem sua importância como meio e sócio-político. O tekohá significa agora, em grande parte destruído ou
de produção, no sentido de poderem e produz, ao mesmo tempo, relações ameaçado pelos cultivos industriais
manter-se como grupo, para assegurar econômicas, relações sociais e orga- de soja, cana de açúcar e também
a existência de todos os familiares, nização político-religiosa essenciais pelo reflorestamento com espécies de
mas não para acumular riquezas. para a vida guarani: sem tekohá não árvores exóticas, como o eucalipto e o
O sentido da palavra tekohá é há teko, sem território não há vida pinus. Da mesma forma, a introdução
“um lugar de costume e de modo de guarani. Entre os Guarani Ociden- de pastos exóticos da África e Ásia,
vida”; é produto da cultura e tam- tais, para tekohá se diz tenta, que como colonião e braquiária, têm sido

12 Caderno Mapa Guarani Continental · 2016


um desastre para a agricultura guara-
ni, invadindo as roças e facilitando a
propagação do fogo.
O colonialismo europeu, tanto
português como espanhol, explorou a
mão de obra guarani, causando morte
e destruição cultural. O neocolonia-
lismo atual é ainda mais agressivo, ao
expulsar aos indígenas de suas terras e
fragmentar seu território.
A “nação guarani”, como a viram
os antigos conquistadores e como a
chamaram os colonos europeus até
o século XIX pelo menos, não de-
sapareceu, pelo contrário, está bem
vigente. O guarani retã não significa
só uma população, um povo ou uma
cidade, mas, sim, uma pátria, um
país, uma nação, ou uma terra. Essa
identidade fundamenta-se no guarani
reko, um modo de ser e de proceder
com características próprias. Todo
o território Guarani, o solo em que
pisam, é um tekohá, o lugar físico, a
terra e o espaço geográfico onde estas
populações indígenas são o que são,
onde existem.

Guachire Indígenas Guarani Kaiowá dançando guachire.


Tekoha Guaiviry, Mato Grosso do Sul, Brasil, 2013.
Ruy Sposati/Cimi
Caderno Mapa Guaraní Continental · 2016 13
ÑANDE REKÓ - IDENTIDADE E MUDANÇAS

A
base da vida social guarani problemas, discutir e consensuar em três
encontra-se na família extensa aspectos principais de sua vida: o organi-
e representa uma cadeia per- zativo, o administrativo e o político. Cada
manente de comunicação e resolução de sessão de uma aty é aberta e encerrada
desafios na vida comunitária. com uma oração – ñembo’e – da qual
A Aty – assembleia e a ñemboaty participam todos os presentes.
- ou “grande fumada”, entre os Guarani Migrações e conflitos, através de
Ocidentais - são instituições políticas uma longa história milenar, têm produ-
de grande importância, mecanismos de zido diferenças segundo os vários luga-
tomada de decisões, espaços de delibera- res habitados, sua peculiar relação com
ção e planejamento de atividades, festas outros povos indígenas, e sua maneira de
religiosas e econômicas, podendo reunir integrar-se ao meio ambiente, usando-o
um número variável de comunidades. sem destruí-lo. A economia da recipro-
Os chefes de família reúnem-se para cidade que adotaram tem configurado
informar-se dos problemas, discuti-los e aspectos fundamentais de sua política e
propor alternativas. Nas grandes reu- cultura. Os Guarani guardam tradições
niões regionais, a aty funciona como uma de tempos muito antigos, delas conser-
instituição recuperada e consolidada, que varam a memória e foram atualizando-as
permite às comunidades falar de seus em seus mitos e ritos.

14 Caderno Mapa Guarani Continental · 2016


O BEM VIVER

A
produção entre os Guarani modo exclusivo. Assegurada a subsis-
busca assegurar a boa e equi- tência familiar, sempre há algo para dar
tativa distribuição de produtos e retribuir. Este é o sentido da festa, do
da agricultura e de outros bens na famí- areté, o “tempo verdadeiro por excelên-
lia nuclear e entre as famílias extensas, cia”, o dia de festa. No verão, quando
dando lugar também a convites e festas. é abundante a colheita do milho, da
A prática de intercâmbio de bens - mandioca (yuca) e de outros produtos,
quanto mais abundante, melhor - marca como a batata, feijões e abóboras, são
a qualidade do bem viver e configura frequentes as festas. Na festa guarani
redes de relações entre as comunidades, consome-se excedentes produzidos para
com base no parentesco, alianças polí- este fim e são renovadas as relações de
ticas e participação em festas e rituais. amizade e de trabalho em comum. Sem
É uma economia solidária que se baseia festas, a produção baixa sensivelmente.
na reciprocidade e intercâmbio de dons. A palavra guarani yopói -jopói-, comum
Não tem incentivo nem espaço para a a todos os povos guarani, significa mão
acumulação. aberta, dar de comer, compartilhar um
A festa e a distribuição da chícha com o outro. Esta é a lei fundamental
– kagut - é outro ato de reciprocidade da economia, a lei do “dar e receber”, na
do qual ninguém deve se apropriar de casa e entre as casas entre si.

Kuña Mulheres Mbya e Ava Guarani na opy.


Tekoha Y'Hovy, Paraná, Brasil. 2016.
Ruy Sposati/CGY
Caderno Mapa Guaraní Continental · 2016 15
COSMOVISÃO

O
ciclo de vida de um Gua- é só religião, mas é, também, filoso- cuidadores da selva ou dos animais
rani, em todos os seus fia, poesia, teologia e fundamento de da floresta. Outros cuidam da ativi-
momentos importantes sua identidade. dade agrícola.
- concepção, nascimento, recepção Os rituais guarani constam, geral- No rito do batismo, por exemplo - na
de nome, iniciação, paternidade e mente, de canto e dança; são orações realidade, a imposição de nome para
maternidade, doenças, chamado espi- dançadas, dança que é oração - ñem- uma criança -, é o líder religioso quem
ritual e mortes - define-se a si mes- bo’e. Por isso são chamados ñembo’e deve encontrar, mediante a inspiração
ma em função de uma “palavra-al- jeroky: reza dança. São ritos religio- recebida de os de Cima e as orações
ma” única e singular. O homem, sos que se relacionam com o divi- que reza, o nome da pessoa, segundo o
ao nascer, orienta-se através de sua no. O ritual é concebido como um lugar espiritual de onde provém. Este
“palavra-alma”, que o coloca em pé e caminho e uma busca espiritual. nome será parte integrante da pessoa.
o levanta até sua estatura plenamente Os Guarani têm, como Deus supre- O Guarani não se chama assim ou
humana. mo, um Pai, um Grande Pai, um Avô assado, ele é o seu nome.
O modo de ver o mundo, de enten- grande primeiro e último. Os Filhos A cosmologia e a experiência religio-
dê-lo, de interpretá-lo e de des- deste pai são outras divindades e sa dos Guarani Ocidentais é algo
crevê-lo, costuma ser chamado de espíritos, com nomes que se dife- diferente. Tũpaete -Tumpa Ete, eles
cosmovisão. Ritos e crenças são a ex- renciam segundo os diversos grupos. costumam dizer - é o deus supremo,
pressão simbólica desse mundo. Não Muitos destes ‘deuses’ são espíritos o dono da vida de todos os seres vi-

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vos, é o pai, aquele que sabe tudo; é um
deus que cuida de todos os seres vivos,
é o grande deus.
Nas aldeias não costuma faltar as “casas
de reza”, mesmo que de forma diferente
em cada um dos povos guarani. Nestas
casas e nos pátios abertos em frente são
realizadas as festas do milho, onde se
canta e se dança durante longas horas.
A religião dos Guarani, em suas diver-
sas modalidades, é bastante conhecida
e praticada pelas comunidades. Mais
vulneráveis são aquelas que têm sido
despejadas de seus tekohá e se encon-
tram dispersas em pequenos grupos,
em lugares inóspitos, nas periferias das
cidades ou mendigando nas ruas.
A educação tradicional dos Guarani
é “para escutar as palavras que cada
um recebe de os de Cima”, geralmente
através do sonho. Os sistemas nacionais
de educação, em vez de usar a sabe-
doria da educação indígena, que tem
conseguido manter a identidade destes
povos, por ignorância e por discrimi-
nação, têm se tornado um perigo para
os povos indígenas.

Ñanderu Ñanderu rezando em uma Aty Guasu.


Tekoha Kurusu Ambá, Mato Grosso do Sul,
Brasil, 2014. Ruy Sposati/Cimi
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18 Caderno Mapa Guarani Continental · 2016
ASSIM VIVEMOS

Mitã pepy Fiesta de iniciação de meninos


Paĩ-Tavyterã, Tavamboae, Dep. Amambay,
Paraguai, 1988. Fritz Ruprechter
Caderno Mapa Guaraní Continental · 2016 19
Na Argentina

A
política de reconhecimento dos povos guarani na Argentina baseia-se
na Reforma Constitucional, do ano 1994, que admite e reconhece que
os povos indígenas são pré-existentes étnica e culturalmente à Nação
Argentina (Artigo 75, Inc.17), substituindo, assim, a anterior referência consti-
tucional que promovia “o trato pacífico com os índios e sua conversão ao catoli-
cismo”.
Outro passo fundamental foi a aprovação do Convênio 169 sobre Povos
Indígenas, da Organização Internacional do Trabalho, vigente na Argentina
desde o ano 2001. No entanto, observamos que as políticas de reconhecimento
não têm dado lugar, ainda, a políticas de garantia efetiva de direitos.
No ano de 2006 foi promulgada a Lei Nacional 26.160 de “Emergência
Territorial Indígena”, que regulariza o levantamento dos territórios de uso das
Comunidades e suspende os despejos. No entanto, até a presente data, na pro-
víncia de Missiones, do total de 120 comunidades, só foi finalizado o levanta-
mento em 45 delas (37,5%).
A atual população guarani, também nas fazendas de plantação de há algumas situações mais favoráveis,
que habita nas províncias de Salta e bananas e cítricos e nas serrarias. como o caso da comunidade de São
Jujuy, soma uns 45.000 habitantes, Assentaram-se em torno das José de Yacuy, onde contam com um
descendentes de migrantes da região fontes de trabalho, constituindo bair- território mais amplo (4.000 hectares)
pré-andina da Bolívia oriental vizi- ros e comunidades, como na periferia que lhes permite praticar seus cultivos
nha. As migrações foram originadas das cidades de Tartagal, Embarcación tradicionais de subsistência e destinar
pelos conflitos bélicos com o Estado e Orán, com características similares outra parte dos produtos ao comér-
boliviano e pela ocupação de suas às das suas comunidades de origem, cio. Apesar da grande diversidade nas
terras entregues aos fazendeiros que organizadas a partir da família extensa. formas de posse da terra, são registra-
se estabeleceram em seu território na Atualmente, encontram-se das altas taxas de desmatamento, pelos
segunda metade do século 19. Esta organizadas em torno da “Asamblea processos de expansão da fronteira
guerra de resistência culminou com del Pueblo Guaraní Argentina” (APG agropecuária e pelos conflitos com
a derrota dos Guarani na batalha de Argentina), criada por influência empresas petrolíferas.
Kuruyuky, em 1892. da APG boliviana e, recentemente, Com relação à educação escolar, o
Quarenta anos mais tarde, os reconhecida pelo Estado argentino. Estado argentino reconhece o direito a
Guarani, que haviam conseguido A APG tem sua estrutura própria, uma Educação Intercultural Bilíngue
fugir para os campos próximos ao sendo sua primeira autoridade uma (EIB) para os povos indígenas, esta-
Pilcomayo, foram surpreendidos pela mulher - kuñakampinta -; no caso de belecendo, no ano 2006, a educação
revolta entre paraguaios e bolivianos ser homem é Mburubicha ou Capi- bilíngue como modalidade do sistema
na Guerra do Chaco, que, na reali- tão. Tradicionalmente são eleitos por educativo. Em Salta existe, desde os
dade, era uma Guerra pelo petróleo unanimidade. anos 1980, o cargo de Auxiliar Bilín-
provocada por empresas estrangeiras As formas de posse da terra dos gue e, em Jujuy, recentemente foi
(1931-1935). Muitos deles tiveram Guarani na região são variadas. A incorporada a figura de pessoa “idô-
que buscar refúgio nas terras do norte maioria possui somente as terras que nea” para o ensino em língua guarani.
argentino, principalmente nas pro- ocupa, mas carecem de territórios ap- Somente funciona para o nível primá-
víncias de Salta e Jujuy e empregar-se tos e suficientes que permitam sua re- rio e está concentrado na zona rural.
na safra nos engenhos açucareiros e produção social e cultural. No entanto, Na Província de Missiones,

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22 Caderno Mapa Guarani Continental · 2016
Argentina, a população guarani supera provinciais na Argentina.
os 10.000 habitantes, distribuídos em A resistência tem como ponto
120 Tekoá ou Comunidades, sendo a de partida as organizações próprias da
grande maioria composta por Mbyá- sociedade guarani. A de maior rele-
-Guarani e com relações próximas vância e que tem tido continuidade é
com os Mbyá do Paraguai e do Brasil. a Aty Ñeichyrõ – Assembleia Tradi-
Do total da população guarani em cional dos Mburuvichá (Caciques) -,
Missiones, 78,8% tem menos de 30 mediante a qual buscam afirmar-se
anos de idade. diante do Estado Provincial e Nacio-
Das 120 comunidades, somen- nal, como também frente às pessoas
te 14 superam os 150 habitantes (e vizinhas e às empresas. Estes espaços
somente uma tem mais de 1.000 caracterizam-se pela força da própria
pessoas). Do conjunto de comunidades espiritualidade, na qual se concede um
identificadas, 75 destas têm reconheci- lugar de destaque à palavra sábia dos
das as terras em nome de pessoa jurí- anciãos e anciãs.
dica, que é condição fundamental para Para além das fronteiras políti-
ter acesso à titularidade dos territórios cas nacionais, recorrem ao Concelho
- das que ainda carecem – e a outros Continental da Nação Guarani (CC-
benefícios outorgados pelo Estado. NAGUA), com uma ativa participa-
Uma parte considerável da ção de seus representantes.
população não-indígena discrimina, A luta pelo reconhecimento dos
explora e desconhece os direitos dos Direitos Indígenas e de Consulta que
Guarani. Na Constituição Provincial mantêm ordinariamente, é constan-
de Missiones ainda não foram incor- te e incansável, tornando-os, assim,
porados os Direitos Indígenas, como visíveis frente a uma sociedade que
consta na Constituição Nacional e pretende ignorá-los. As reivindicações
na maioria das outras Constituições pela recuperação de territórios se faz

Kuña Karai Indígenas Mbya. Tekoa Yvoty Mburuvicha Guachu Palavras espirituais no IV
Okara. Misiones, Argentina. 2015. Encontro Continental da Nação Guarani. Tekoa Ka'a
ENDEPA Kupe, Misiones, Argentina, 2015. ENDEPA
Caderno Mapa Guaraní Continental · 2016 23
sentir de forma permanente, devido à
grave situação ambiental e social a que
têm sido relegados, convertendo-os,
em alguns casos, em comunidades
periféricas das cidades, em que alguns
jovens e crianças se veem obrigados a
apelar à mendicância.
O não cumprimento oficial em
relação a seus direitos territoriais e
sociais provoca diversos problemas
difíceis de resolver. Sua postura deci-
dida em defesa do ambiente deve-se
à convicção de que a falta de floresta
traz consigo carências alimentares,
dificulta as práticas religiosas, impos-
sibilita a sustentabilidade e provoca
enfraquecimento cultural; o abandono
da medicina tradicional traz graves
consequências para sua saúde.
A ruptura do equilíbrio ecoló-
gico em que viviam produz-lhes uma
maior dependência do sistema de
saúde estatal e mudança nos hábitos
alimentares. Somam-se a isto, as polí-
ticas estatais de caráter assistencialista
que não fortalecem a autodetermina-
ção destas populações.

Mbya reko Meninos Mbya em interação com


a natureza. Tekoa Ka'a Kupe. Misiones,
Argentina, 2016. ENDEPA
24 Caderno Mapa Guarani Continental · 2016
Cada vez mais, crianças e jo-
vens indígenas ingressam no sistema
educativo oficial, buscando encontrar
soluções para as dificuldades que
sofrem. Mas, até agora, a escola mais
colabora com a fragilização do sistema
em vez de favorecê-lo, ao não dar-lhes
espaços de participação na elaboração
dos Planos de Ensino que efetiva-
mente contemplem metodologias
e conteúdos de acordo com a visão
guarani-mbyá, que é a sua.
Os adultos e suas organizações
próprias veem com preocupação a
nova situação dos estudantes, que são
animados a seguir sua formação, mas,
por outro lado, os distancia de seu
centro vital e de sua vida comunitária.
Quanto às manifestações religio-
sas, apesar das repetidas tentativas de
diferentes igrejas para que se somem
a elas, o Povo Mbyá resiste ao avanço
de outras formas de fé que não lhes
são próprias, mantendo, assim, suas
práticas espirituais e religiosas tradi-
cionais - a base e fundamento de sua
vida cotidiana.

Petỹgua Jovem líder Mbya fumando cachimbo


tradicional em um ritual religioso. Tekoa Ka'a
Kupe, Misiones, Argentina, 2016. ENDEPA
Caderno Mapa Guaraní Continental · 2016 25
Na Bolívia

OS
Guarani da Bolívia foram, geralmente, conhecidos como
Chiriguanos, mas hoje preferem a autodenominação de Ava
Guarani e Isoseño. No entanto, não pode ser ignorado que
existem outros povos Guarani diferentes em muitos aspectos; são os Gwarayú
(Guarayos), Sirionó (Mbia e Yuki), Tapieté e Guarasug'we.
Perante tal diversidade, foi notável o esforço por "normalizar a língua gua-
rani", o que permitiu o desenvolvimento de materiais para o ensino da língua
nos processos de Educação Intercultural Bilíngue na década de 1990, conso-
lidada no ano de 2011, com o documento chamado Ñeesimbika yambaekuatia
vaerã ("Para escrever a língua Guarani").
Vindo do leste sul-americano, antes da invasão europeia, os Guarani ocu-
param as melhores terras desde o sopé dos Andes até as planícies; terras espe-
cialmente adequadas para o cultivo de milho, mandioca, vários tipos de feijão,
abóbora, batata-doce e amendoim.
Os povos Ava Guarani e Iso- avanço da pecuária extensiva, fato que uma organização nacional que possi-
seño incluem, atualmente, mais de obrigou os Guarani a abandonar seus bilita expressar suas vozes, reivindicar
220 comunidades em 25 áreas, ou espaços territoriais e se refugiar em seus direitos socioculturais e territo-
Tentaguasu, com um total de 65.000 lugares afastados, em terras marginais riais e trabalhar pela sua autodeter-
habitantes. Um dos valores funda- e bastante inóspitas. minação, propondo-se, entre outras
mentais do teko, ou modo de ser Durante a Guerra do Chaco, demandas, à reconstituição da Nação
guarani, é ser autônomo, viver livre, entre Bolívia e Paraguai (1931-1935), Guarani.
ijamba’e; ou seja, sem dono. O tenta foram novamente atingidos por O estatus jurídico das comu-
seria o tekohá dos Guarani orientais, ambos os exércitos e algumas co- nidades e capitanias Guarani é a
que também significa pátria. Para munidades se refugiaram na vizinha "organização comunitária" e, sob essa
entender a cosmovisão Guarani é Argentina e outras no Paraguai, onde figura legal, o Estado outorga a pessoa
necessário considerar três elementos: ficaram conhecidos como Guarayos e jurídica e a titulação de terras como
o ñande reko (nosso modo de ser), o agora são chamados de Guarani Oci- Terras Comunitárias de Origem.
arakuaa (a sabedoria) e o ñe’ẽ (a pa- dentais. A Reforma Agrária de 1953, Muitas das capitanias obtiveram suas
lavra). De acordo com uma expressão um acontecimento jurídico e político terras mediante a compra, através de
que é típica entre os Guarani atuais, transcendental na Bolívia, serviu para gestões por parte da Igreja Católica
sua terra é um território, é um tekohá legalizar o espólio e a usurpação das e da cooperação internacional e, em
ou um tenta. terras e do território tradicional do outros casos, através de processos de
A história do povo Guarani na povo Guarani. expropriação amparados nas leis e
Bolívia está fortemente ligada à terra Apesar desta situação, os povos procedimentos realizados por meio
e ao território e responde a uma dinâ- Guarani, como outros povos indíge- do Instituto Nacional de Reforma
mica de processos de ocupação, avas- nas na Bolívia, nunca renunciaram ao Agrária (INRA).
salamento e expropriação, que teve sua direito de posse sobre o seu território, A cultura organizacional guarani
maior crise após a histórica batalha bem como à sua autonomia. Qua- na Bolívia se localiza na comunidade,
de Kuruyuki. A derrota militar dos se um século depois da batalha de a partir da família, como um grupo
Guarani foi no ano de 1892, pelo Kuruyuki, foi estabelecida, em 1987, a de parentesco extenso. O Ñemboaty
Exército boliviano, seguido do lento Assembleia do Povo Guarani (APG), é o espaço formal das deliberações e

Caderno Mapa Guaraní Continental · 2016 27


decisões. Esta instituição foi recupe- de mais de 60% das terras comunais res bilíngues em Guarani e Castelha-
rada e consolidada com a fundação guarani. no. Em várias comunidades existem
da APG, em 1987. Esse Ñemboati Em vários casos, a titulação das núcleos educativos e cada núcleo
é a instituição que permite às comu- TCO foi um marco importante para conta com uma Unidade Educativa de
nidades (tenta) deliberar, através de as comunidades Guarani assumirem nível secundário.
consenso, em, basicamente, três aspec- a responsabilidade de começar um Há uma Universidade Nacional
tos: organizacional, administrativo e processo de desenvolvimento autôno- Indígena Boliviana Guarani Apia-
político. Os Guarani Isoseños têm, mo. Um dos obstáculos encontrados guayqui Tumpa (UNIBOL Guarani),
no grande fumar, de caráter eminen- com frequência é o potencial limitado que oferece formação profissional em
temente religioso, uma instituição das terras para desenvolver atividades diferentes disciplinas, adequadas ao
similar, mas também conhecem outros produtivas. habitat, às necessidades e à realidade
mecanismos de tomada de decisão. No âmbito da educação escolar, local dos povos indígenas aos quais
É a instância na qual é escolhido o os avanços para o povo guarani têm se orienta. Ela oferece um serviço de
Mburuvicha e os responsáveis por sido significativos, inicialmente, com formação integral (técnico, cultural
cada uma das secretarias da estrutura o fortalecimento da Escola Normal de e ecológico) para jovens indígenas
organizativa, em qualquer nível, desde Formação de Professores Pluri-étnica bolsistas indicados pelas comunidades
o comunal até o nacional. de Oriente e Chaco (ENFP-POC), e capitanias. Também está incluída
Uma vez reconhecida a democra- elevada ao statust de universidade. a medicina tradicional, bem como a
cia comunitária pela Constituição de Através dela os professores se formam soma de conhecimentos utilizados
2009, o povo guarani consolidou este com o nível de licenciatura, o que para o diagnóstico, prevenção e trata-
espaço. A Lei do INRA reconhece o garante a igualdade de condições dos mento de distúrbios físicos, mentais
direito dos povos indígenas e origi- Guarani dentro da sociedade nacio- ou sociais, com base na experiência e
nários a obter a titulação das Terras nal, com um esquema de revalorização na observação, transmitidas de uma
Comunitárias de Origem (TCO) e dos seus saberes ancestrais e próprios geração à outra.
de Territórios Indígenas Originários de sua cultura. O povo Guarasug'we tem uma
Camponeses (TIOC). Também, atra- Atualmente, cada comunidade população de 400 habitantes, assenta-
vés desta lei, procedeu-se a titulação conta com uma escola, com professo- dos na comunidade Porvenir, localiza-

Auto-governo Posse de autoridades do


Governo Guarani Charagua Iyambae. Bolivia,
2015. CIPCA
28 Caderno Mapa Guarani Continental · 2016
Caderno Mapa Guaraní Continental · 2016 29
da nos limites entre os departamentos
de Santa Cruz e Beni, na Amazônia
boliviana. Eles viviam da caça, da
pesca, da coleta e do cultivo de man-
dioca e milho, mas, atualmente, estão
em um processo de reorientação sob
pressão da população regional.
Os indígenas Gwarayú ou Gua-
rayos contam com uma população de
15.000 habitantes e com uma cultura
fortemente agrícola de características
guarani. Existe, na atualidade, uma
forte organização com status jurídico
reconhecido, chamada COPNAG
(Central de Organização dos Povos
Nativos Guarayos). Os Guarayos
têm uma longa história de vinculação
com o Estado, desde o surgimento
da Missão Franciscana até o perí-
odo posterior à Reforma Agrária,
que impulsionou sua submissão aos
"brancos" ou caraí, através do estabe-
lecimento de fazendas. Nas últimas
décadas do século 20, as antigas mis-
sões tornaram-se as atuais comunida-
des, quando foi alcançada a consoli-
dação territorial nos TCO. Adotaram

Mel Venda de produtos Ava Guarani.


Camiri, Bolivia, 2013.
CIPCA
30 Caderno Mapa Guarani Continental · 2016
o conselho indígena, de acordo com dos Yuqui se concentra na caça, na
a herança do sistema das Missões ou pesca, na coleta e no artesanato.
redutos antigos, como sua organização A população Tapiete do Cha-
originária. co boliviano é de 205 habitantes. O
Durante a georeferência e território Tapiete, atualmente TOC
identificação recente de comunida- do Povo Tapiete de Samaihuate, está
des Sirionó (Mbia) foi identificada localizado na margem esquerda do
uma população de 1.340 habitantes, rio Pilcomayo, localizado no departa-
que têm um território demarcado mento de Tarija, com 24.840 hectares.
de 52.206 hectares, a TCO Sirionó É importante salientar que o Povo
SANTCO. A organização social dos Tapiete foi o primeiro a consoli-
Sirionó tem como referência principal dar uma TCO indígena no país. Os
a família nuclear, totalmente funcional Tapieté de Samayhuate atualmente
às atividades produtivas e operativas falam uma língua muito próxima à
para os deslocamentos de caça, ainda língua dos Guarani da Bolívia e têm
que permaneça em pleno vigor a usos e costumes compartilhados com
família extensa. As principais ativi- eles. A Assembleia do Povo Indígena
dades produtivas são a caça, a pesca Tapiete (APIT) é a instancia superior
e a coleta, sendo a caça a que fornece que toma decisões e elege autoridades.
mais prestígio. É instalada para resolver quaisquer
Os Yuqui, parentes próximos dos situações ou conflitos, para tomar de-
Sirionó, são 1.040 habitantes na sua cisões que dizem respeito à população
Terra-Território do TCO Mbya Re- e, a cada dois anos, para a eleição de
cuaté Yuqui Chipiriri - Chapare, que autoridades superiores, com a presen-
tem 115.000 hectares. Eles estão em ça de toda a comunidade que, através
uma condição de extrema vulnerabili- do voto democrático, escolhe os seus
dade. A precária atividade econômica representantes.

Café Mulher Ava guarani mostra pé de café.


Comunidad Isipotindi, Bolivia, 2016
CIPCA
Caderno Mapa Guaraní Continental · 2016 31
No Brasil

Ao
longo dos séculos de colonização, diversas denomina-
ções foram atribuídas aos coletivos guarani presentes
em um extenso território ao qual se sobrepuseram as
fronteiras dos Estados nacionais.
A sua concentração e dispersão espacial, de acordo com a nomenclatu-
ra vigente, está representada no Mapa Guarani Continental. No contexto
brasileiro, em razão das múltiplas interações e similaridades históricas,
optamos por empregar o nome geral Guarani, sem especificar os etnômios
Kaiowá, Nhandeva (Ava Guarani, Tupi Guarani, Xiripá) e Mbyá, referi-
dos na literatura atual.
A população Guarani em terras indígenas, reservas, áreas dominiais,
acampamentos e situações urbanas, entre os anos de 2012 e 2015, foi es-
timada, segundo dados oficiais do Estado e da equipe do Mapa Guarani
Continental, em 85.255 pessoas, espalhadas por onze estados nas cinco
regiões brasileiras.
Considerando dificuldades no re- de soja, milho e trigo e, nos anos 1980, o informais na construção civil e nas obras
censeamento guarani, atribuídas, entre plantio de cana de açúcar. de urbanização, que resultaram na degra-
outras causas, à mobilidade em suas nu- Como efeito cumulativo do avan- dação e diminuição da Mata Atlântica
merosas aldeias, calcula-se que este con- ço das frentes de expansão, as terras e destruição de caminhos e aldeias cujas
tingente está assim distribuído: 64.455 de ocupação tradicional guarani foram áreas passaram a ser alvo de interesses
na região Centro-Oeste, estado de Mato gradativamente expropriadas, as matas financeiros.
Grosso do Sul (MS); 300 nos estados de derrubadas e os indígenas relegados à Em pequenas áreas nas regiões
Mato Grosso (MT), Tocantins (TO), condição de mão-de-obra barata, similar Norte e Nordeste e no Mato Grosso
Pará (PA), Maranhão (MA); 20.500 nas à escravidão. O desmatamento compro- (MT), núcleos familiares guarani vivem
regiões Sul e Sudeste, estados do Rio meteu a biodiversidade, substituindo as em aldeias próprias ou, como minoria,
Grande do Sul (RS), Santa Catarina matas, capoeiras e campos pelas mono- em terras de outros povos indígenas. No
(SC), Paraná (PR), São Paulo (SP), Rio culturas. município de Nova Jacundá (PA), desde
de Janeiro (RJ) e Espírito Santo (ES). Até a década de 1980, no litoral do 1997 o Governo Federal homologou
Em MS e PR, a situação dos Gua- Sul e Sudeste, os Guarani eram equi- uma área dominial de 424 hectares para
rani sofreu profundas alterações logo vocadamente considerados nômades, os Guarani. Todos descendem de um
após a Guerra da Tríplice Aliança (1864- aculturados ou estrangeiros e, à revelia mesmo grande grupo que, após a Guerra
1870), cujos efeitos se estenderam às da legislação vigente, não lhes eram do Paraguai, partiu rumo ao norte do
aldeias das demais regiões que abrigavam garantidos direitos sobre as terras que Brasil, visando chegar ao “mar de Belém”,
famílias indígenas em busca de refúgio. ocupavam. e se separaram durante seus trajetos.
O final da guerra consolidou a Durante a década de 1980, proje-
ocupação continuada no interior do tos econômicos se intensificaram com A exploração econômica no Mato
país por sucessivas frentes de exploração a construção de complexos turísticos e Grosso do Sul e Paraná e o processo
econômica, como a extração da erva- rodovias litorâneas. Rapidamente, a espe- de expulsão dos Guarani de suas terras
-mate nativa, projetos agropecuários e culação imobiliária gerou desordenada e tradicionais - de 1880 a 1980
de colonização, cujos ritmos passaram a progressiva ocupação humana. Além de
marcar a vida dos Guarani. Na década de turistas, trabalhadores migraram de várias A instalação da Companhia Mat-
1970 introduziu-se o cultivo mecanizado regiões do país, atraídos por empregos te Laranjeira em 1882, no sul do MS e

Caderno Mapa Guaraní Continental · 2016 33


oeste do PR, foi responsável pela disse- Itaipu, em 1980. Memória da extrema Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e da
minação de várias doenças e diminuição violência a que foram submetidos, ainda Fundação Nacional do Índio (FUNAI)
da população indígena. segue viva naqueles que tiveram numero- Entre os anos de 1915 e 1928, o
Paralelamente, beneficiando-se da sos tekohá, áreas de uso e locais sagrados Serviço de Proteção aos Índios (SPI)
infraestrutura que a Companhia trouxe inundados e que persistiram em perma- demarcou, em Mato Grosso do Sul, oito
para a região, instalaram-se as primeiras necer na região. Reservas com superfície total de 18.124
fazendas de gado. Neste início de nova Tanto as frentes colonizadoras hectares, com o objetivo de confinar os
colonização, o processo de expulsão não como a instalação de Itaipu impuseram núcleos guarani dispersos na região.
afetava toda as aldeias guarani na mes- a fuga para locais de difícil acesso em A intenção era liberar terras para
ma intensidade, uma vez que parte das fragmentos de matas, no Brasil, Para- a colonização e submeter os indígenas à
aldeias se localizam em lugares de difícil guai e Argentina, ou a transferência para lógica econômica de mercado. Somen-
acesso, em matas fechadas e altiplanos. Reservas Indígenas no MS, PR e SC. te a partir do final da década de 1980,
Na virada do século XIX para o Posteriormente, várias famílias volta- apoiando-se nos preceitos da Constitui-
século XX, inicia-se a extração de madeira, ram à região dos municípios de Foz de ção Federal (CF) de 1988 e em setores
levada aos mercados do Prata via rio Para- Iguaçu, Guaíra e Terra Roxa, no oeste do da sociedade civil, comunidades guarani
ná, e na metade do século XX, a extração Paraná. recuperam a posse de 11 terras de antigas
da madeira é direcionada para MS. A partir da segunda metade do aldeias que, juntas, somam um total de
Em Mato Grosso do Sul, a criação século XX ocorreram movimentos de 22.450 hectares.
da Colônia Agrícola Nacional de Dou- fuga para aldeias no litoral Sul e Sudes- Entretanto, ações judiciais contes-
rados (CAND), em l943, promoveu a te e a criação de novas aldeias, onde os tando os direitos dos Guarani impe-
instalação de milhares de colonos, com Guarani pretendiam viver com liberdade, dem a finalização desses procedimentos
titulação de terras e implantação de escapando dos maus tratos e do regi- demarcatórios. A partir dos anos 1990,
empreendimentos agropecuários sobre os me de trabalho e moradia imposto nas novas reivindicações de demarcações
territórios indígenas. Reservas Indígenas, alheios ao seu modo foram encaminhadas ao Governo, mas os
No oeste do PR, o processo de de ser, tekó. procedimentos não seguiram seu curso,
expulsão dos Guarani foi agravado com O reconhecimento dos direitos agravando-se os conflitos fundiários. Em
a construção da Usina Hidrelétrica de territoriais dos Guarani no período do 2008, a FUNAI constituiu 6 Grupos

34 Caderno Mapa Guarani Continental · 2016


Técnicos para realização de estudos de
Identificação e Delimitação de Terras
Guarani no MS, porém não foram fina-
lizados.
A maior parte da população in-
dígena, cerca de 80%, vive concentrada
nas oito Reservas demarcadas pelo SPI
ou em acampamentos às margens das
rodovias e em áreas tituladas em nome de
particulares. A violência contra os indíge-
nas e os conflitos fundiários com o setor
ruralista prolongam-se indefinidamente e
assumem um caráter dramático.
No Sul e Sudeste, os Guarani utili-
zam o conceito de yvyrupá, que, cosmo-
logicamente, fundamenta o sentido de
mundo em toda a sua extensão terrestre,
para designar politicamente o território
sem fronteiras onde distribuem seus
tekoá. Nos estados de RS, SC, PR, SP,
RJ e ES, os Guarani ocupam 153 Terras
Indígenas (136 exclusivamente Guarani
e 17 compartilhadas com outros povos).
Registrou-se também 105 locais de
antigas aldeias, desocupados em decor-
rência de pressões fundiárias, esbulhos,
descaracterização ambiental, etc. Ao

Ñanderu Rezador kaiowá em uma fazenda retomada.


Tekoha Tey'ikue, Mato Grosso do Sul, Brasil, 2013.
Paulo Siqueira
Caderno Mapa Guaraní Continental · 2016 35
todo, 258 áreas foram contabilizadas a
partir dos anos 1980, conforme o Atlas
das Terras Guarani no Sul e Sudeste do
Brasil, do Centro de Trabalho Indigenis-
ta (CTI – 2015).
Destas, em todos os seis estados
federativos, apenas 17 áreas tiveram o
procedimento de demarcação plena-
mente concluído antes dos anos 2000,
somando um total aproximado de 25.000
hectares; cerca de 60 estão com os proce-
dimentos em curso ou paralisados; e 70
sem providência administrativa. Alguns
avanços ocorreram a partir de 2008, com
o início de vários estudos de identificação
e atualização de limites que se encontram
em diversas etapas, sem conclusão. Em
Guaíra e Terra Roxa, PR, os procedimen-
tos para demarcação, iniciados em 2013,
estão paralisados. Nota-se que, mesmo
regularizando todas as terras reivindica-
das pelos Guarani, estas não superariam
1% do território desses estados.
Há ainda ações judiciais movidas
por órgãos governamentais em SC, PR
e SP, devido à incidência de Unidades
de Conservação em Terras Indígenas

Ñandesy Mulheres Kaiowa com takuara.


Tekoha Kurusu Amba, Mato Grosso
do Sul, Brasil, 2015. Yann Gross
36 Caderno Mapa Guarani Continental · 2016
situadas na Mata Atlântica do litoral, O confinamento guarani: expro- des, em situação precária, em busca de
visando à expulsão da população guarani priação territorial, etnocídio silencioso trabalho assalariado e, em sua maioria,
das áreas de sobreposição. e continuado não alcançados pelas leis trabalhistas. As
Apesar da exiguidade das áreas plei- condições a que os Guarani têm sido
teadas pelos Guarani para o conjunto de O processo de expropriação e con- submetidos caracteriza um processo de
seu povo, diversos entraves têm impedido finamento de contingentes populacionais etnocídio silencioso e contínuo. Ainda
sua regularização. Os processos judiciais muito superior aos padrões historica- hoje, são inúmeras as iniciativas políticas
contra a demarcação de suas terras obs- mente vivenciados pelos Guarani, em impositivas que buscam “integrá-los” à
taculizam os encaminhamentos admi- espaços extremamente exíguos, impôs sociedade envolvente, como estratégia, não
nistrativos. Avanços conquistados estão profundas limitações à sua economia, só de espoliação de seus territórios, mas da
ameaçados com ações judiciais visando inviabilizando a itinerância e causando o extinção efetiva de seus modos de vida.
anular procedimentos que se encontram esgotamento de recursos necessários para Segundo o senso comum da po-
nas etapas finais, no RS, SC, SP e MS. a vida nas aldeias. pulação local não indígena, o “problema
Em vários casos, o próprio judiciá- O confinamento trouxe, ainda, o indígena” deixará de existir quando os
rio emite ações de despejos, cumpridas desafio de adequar a organização social Guarani deixarem de ser Guarani, seja
por forças policias. A defesa jurídica das à sobreposição de espaços familiares. pela eliminação física, seja pelo abandono
comunidades tem se empenhado em Nas Reservas, segundo a percepção dos de seu modo próprio de ser. Os relatórios
manter as comunidades nas áreas en- Guarani, restringem-se drasticamente as de violência contra os povos indígenas no
quanto os processos seguem seu curso. possibilidades de reprodução dos modos Brasil, elaborados pelo Conselho Indi-
Entretanto, em muitas situações de ser guarani e são impostos padrões genista Missionário (CIMI), expressam
ocorrem remoções forçadas dos indíge- culturais não indígenas. Este processo é a a gravidade da situação. Dentre os anos
nas por fazendeiros que formam mi- raiz dos principais problemas sociais que de 2003 e 2015 ocorreram no Brasil, pelo
lícias armadas ou contratam empresas assolam as comunidades. menos, 891 assassinatos de pessoas indí-
de segurança, revelando não somente a Em razão das dificuldades viven- genas; destes, 426 (47%) foram no MS.
articulação entre os fazendeiros, mas um ciadas nas Reservas em Mato Grosso Significa dizer que houve um assassinato
modus operandi na escalada dos ataques do Sul, vários grupos familiares vão se a cada 11 dias neste Estado. Entre estes
às comunidades indígenas. estabelecendo nas periferias de cida- assassinatos, encontram-se, pelo menos,

Caderno Mapa Guaraní Continental · 2016 37


16 casos de lideranças indígenas, as quais, de Campinas (Unicamp), apontam que dades, Genocídio ou Contra a Humani-
segundo inquéritos e denúncias do Minis- algumas comunidades Guarani no MS dade. Seguindo esta metodologia, uma
tério Público Federal (MPF) foram assassi- registram 42% de desnutrição crônica, pesquisa preliminar da Universidade do
nadas a mando de fazendeiros da região. situação que, além de matar, impede que Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) aponta
Conforme investigações da Polícia as crianças desenvolvam todas as suas que a situação dos Guarani no MS se
Federal e do MPF, estes crimes estão capacidades motoras e de crescimento enquadra em todos os 14 fatores de risco
vinculados diretamente à luta pela terra, saudável, desde a sua gestação, uma vez (8 comuns e 6 específicos).
intensificada nos últimos anos devido à que as mães também apresentam quadro A dimensão e a gravidade do confi-
crise humanitária que vivem as comuni- desnutricional grave. namento extremo imposto aos Guarani
dades. Segundo estes órgãos, nos últimos Para o assessor especial para a é visível, especialmente nas reservas de
5 anos se conformou, em Mato Grosso prevenção de Genocídio, do Secretário Dourados, Amambai e Caarapó (MS),
do Sul, uma milícia privada armada para Geral das Nações Unidas, Adama Dieng, que somam 9.498 hectares e abrigam
atacar comunidades indígenas. Recen- Genocídio é “quando se é morto, não cerca de 26 mil pessoas; em Guaíra e
temente, o MPF denunciou 12 pessoas pelo que se fez, mas sim por quem se é” Terra Roxa, no PR, onde cerca de 3.500
ligadas ao agronegócio, por formação de e “tudo começa com a desumanização de pessoas vivem em pequenas áreas sem re-
milícia armada. um grupo específico”. gularização e disputadas pelos ruralistas;
Durante o período de 2000 a 2015, Este escritório da ONU tem tra- e na TI Jaraguá, em SP, com apenas 1,7
ocorreram, entre os Guarani no Mato balhado com novas afirmações e ins- hectares demarcados, com uma popula-
Grosso do Sul, pelo menos 752 casos trumentos de risco que permitem que a ção de mil habitantes.
de suicídio, dos quais 70% eram jovens situação vivida por comunidades guarani Observe no mapa ao lado a distri-
entre 15 e 25 anos. Em outras palavras, receba o enquadramento jurídico político buição populacional dos povos Guarani
houve um caso de suicídio por semana, de genocídio, no Direito internacional. nas fronteiras Brasil, Paraguai e Argen-
nos últimos 16 anos. Por fim, diagnóstico É o caso da “Framework of Analysis tina. As 8 reservas Guarani Kaiowá em
nutricional e alimentar realizado pela for Atrocity Crimes”, marco elaborado MS, aglomeram cerca de 40 mil pessoas,
sessão Brasil da Foodfirst Information & pelo escritório de prevenção das Nações destoando drasticamente da demografia
Action Network (Fian), em parceria com Unidas, que analisa preventivamente guarani no restante da região.
pesquisadores da Universidade Estadual fatores de riscos para Crimes de Atroci- Procedimento para atualização dos

38 Caderno Mapa Guarani Continental · 2016


Caderno Mapa Guaraní Continental · 2016 39
40 Caderno Mapa Guarani Continental · 2016
limites da Terra Indígena (TI) Jaraguá, junho 2016, amplamente noticiado na dicações de direitos sócio-territoriais.
SP, teve início em 2008, comprovando imprensa. Contrapondo-se a um con- As conquistas, no reconhecimen-
uma área de ocupação tradicional de texto extremamente difícil, os Guarani to e garantia dos territórios indígenas,
532 hectares, cerceados aos Guarani por passaram a renovar a construção de redes devem-se às mobilizações estratégicas
diversas ações judiciais. de alianças entre lideranças, comunida- e articulações dos Guarani, na defesa
des e o movimento indígena nacional e intransigente de seus direitos constitu-
A luta incansável pela terra - ar- internacional, bem como ampliaram suas cionais e em tratados e convenções inter-
ticulações e mobilizações nacionais e conexões com organizações de apoio aos nacionais. Nos últimos anos, os Guarani
internacionais direitos humanos e movimentos sociais. têm garantido maior visibilidade da
Com forte articulação, os Guarani grave situação a qual estão submetidos,
O processo de redemocratização da no Sul e Sudeste formalizaram, em 2006, acionando diversos mecanismos com o
sociedade brasileira, com a CF de 1988, a Comissão Guarani Yvyrupá. O nome objetivo de forçar o Estado brasileiro a
abriu novas possibilidades para o reco- desta organização política define sua cumprir com suas obrigações legais.
nhecimento dos direitos indígenas e o esfera de ação diante dos problemas e É o caso das recomendações da
protagonismo destes povos. Articuladas conflitos territoriais nas diversas regiões, relatora especial para povos indígenas da
em torno de sua grande assembleia, a assim como a atuação conjunta, no plano ONU, Victória Tauli-Corpuz, após visita
Aty Guasu, ainda nos anos 1980, várias das políticas públicas, com movimentos ao Brasil; também as preocupações mani-
comunidades em MS retomaram parte indígenas nacionais, como a Articulação festadas pelo Alto Comissário para os Di-
de suas terras tradicionais. dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), e reitos Humanos da ONU, em relação aos
Da mesma forma, nos últimos anos, regionais, como a Nhemongueta, cons- assassinatos e à impunidade que se arrasta
os Guarani praticamente triplicaram a tituída por um Conselho de lideranças por décadas no MS; as manifestações e
posse efetiva de suas terras, através de guarani em Santa Catarina. As lideranças pedidos de esclarecimentos por parte da
ações de retomadas (de terra). As rea- dessas organizações não abdicaram da Comissão Interamericana de Direitos
ções de setores do agronegócio geraram orientação dos xe ramõi e xe jarýi - avós, Humanos ao Brasil; e, recentemente, a
conflitos fundiários, causando grande sábios (literalmente, “meu avô”, “minha emissão de uma Resolução de Urgência
número de mortos e feridos, como o caso avó”) - que participam de encontros e re- do Parlamento Europeu, face à escalada
do Massacre de Caarapó, ocorrido em uniões em que são encaminhadas reivin- da violência contra os Guarani no MS.

Mboraí Coral Guarani Mbya canta sob a cruz


onde foi massacrado o exército de Sepé Tiaraju.
Rio Grande do Sul, Brasil, 2016. Ruy Sposati/Cimi
Caderno Mapa Guaraní Continental · 2016 41
No Paraguai

O
Paraguai tem, atualmente, uma população de 62.000 pessoas Guarani. O
número de aldeias ou comunidades na região oriental do Paraguai é muito
alto: 124 pertencem ao grupo Ava-Guarani; 170 aos Mbyá, e 62 aos Paĩ-Tavy-
terã. Essa fragmentação e atomização provavelmente respondem à destruição de muitos
tekohá que hoje são apenas enclaves dentro do que foi o seu território. Os Aché foram
reduzidos a 6 comunidades. A maior concentração está entre os Guarani Ocidentais do
Chaco, com apenas 6 grandes unidades, na forma de bairros de pequenas cidades, e os
Guarani Ñandéva, com 4 comunidades semelhantes.
Para todos os Guarani, a terra não é propriamente uma superfície de terra que pode
ser medida, fragmentada e vendida, mas um espaço onde se vive o modo de ser guarani,
o tekó. No Paraguai, os Guarani, especialmente após o Tratado de Itaipú e a construção
da hidrelétrica binacional, tiveram os seus tekohá profundamente transformados. Todo
o território guarani tem sido afetado por mudanças que parecem irreversíveis, devido às
tentativas e pressões de forçar os Guarani a abandonar seu sistema de vida cultural, reli-
gioso e econômico.
As características destas transfor- mento de terras indígenas por parte departamentos de Canindeyú, Alto
mações e substituições têm sido cau- do Estado, com a conivência de alguns Paraná, Caaguazú e Caazapá, 16.479 são
sadas, principalmente, pelos seguintes caciques, marcam a atual política contra alugados.
fatores: os Guarani. Nenhum aspecto legal ou A legislação a respeito dos ter-
A entrada de um novo contingente autoridade política pode justificar a en- ritórios indígenas e a demarcação de
populacional brasileiro, os chamados trega dessas terras aos arrendatários, que terras tiveram um grande avanço ao
brasiguaios, que ocupam grande parte deixam as comunidades em situação de ser promulgada a Lei 904/81, que dá
dos territórios tradicionais guarani, e extrema pobreza e expostas ao despejo. origem ao INDI que, no art. 1, define
de outros proprietários de terras que se É uma prática inconstitucional que se a sua origem e seu objetivo: menciona
dedicam ao agronegócio, com o cultivo tornou habitual e, em alguns casos, se explicitamente a defesa do patrimônio
de soja mecanizada e fazendas de gado, apresenta hipocritamente como "ajuda". e, implicitamente, refere-se aos aspectos
que atingem dezenas de milhares de A extensão do contrato de arren- tangíveis e intangíveis de seus espaços
hectares. De fato, estes cultivos obrigam damento das terras apresenta caracte- comunitários. Em seu art. 17 menciona:
ao desmatamento completo da área, rísticas alarmantes. As comunidades A concessão de terras fiscais para as
acompanhado da expulsão de seus habi- Guarani que alugam suas terras, total comunidades indígenas será realizada
tantes tradicionais. Assim, o tekohá dos ou parcialmente, são 148, das quais, 95 de forma gratuita e indivisível. A fração
Guarani foi destruído definitivamente. comunidades as alugam para colonos não poderá ser embargada, alienada,
A expulsão e o abandono dos paraguaios, 70 para brasileiros, 11 para arrendada a terceiros, prescrita nem
tekohá, pela destruição de suas florestas, menonitas e 10 para alemães. comprometida para garantir qualquer
pelos agrotóxicos que envenenam as O povo Avá-Guarani é, talvez, crédito, no todo ou em parte.
águas e o ar e pelo não reconhecimento o mais afetado, por uma situação em A Constituição Nacional do Pa-
de suas terras por parte do Estado são que se combinam o assédio e a pres- raguai, de 1992, foi elaborada em um
os principais ataques e a maior injustiça são dos colonos do agronegócio, com a momento de grande euforia política,
que os povos guarani sofrem na região inatividade de lideranças comunitárias. quando acabava a ditadura do general
leste do país, atualmente. Seguem os Mbyá, os Aché e, em menor Alfredo Stroessner e o país esperava
A permissão, o incentivo e a medida, os Paĩ-Tavyterã. Dos 34.320 uma autêntica transição democrática.
proteção dos contratos de arrenda- hectares que os Guarani possuem nos Embora os povos indígenas não tives-

Caderno Mapa Guaraní Continental · 2016 43


sem representantes como membros expresso dos mesmos. a declarada e manifesta injustiça contra
constituintes, houve um sólido grupo A clara vontade política atual os indígenas, que também vai contra o
de intelectuais, indígenas e juristas que contra os povos guarani e o desamparo país.
souberam construir um bom texto sobre jurídico em que se encontram os seus A estrutura fundamental da família
direitos indígenas, como foi definido no tekohá, terras e territórios, são o maior extensa, vivida de várias maneiras pelos
Capítulo V: risco que ameaça todos os Guarani do diferentes grupos, ainda é uma das bases
Artigo 62 - Dos povos indígenas e Paraguai. O poder executivo, aliado com mais sólidas para manter o tekó guarani.
grupos étnicos o legislativo e o judiciário, está dispos- A aty ou assembleia, como expressão
Esta Constituição reconhece a to a oferecer alguns benefícios para os política comunitária, regional e nacional,
existência dos povos indígenas, defini- Guarani - casas, água corrente, escolas ainda é um dos suportes mais importan-
dos como grupos de cultura anteriores -, exceto a defesa e o reconhecimento tes para a persistência e resistência das
à formação e organização do Estado de suas terras e territórios, muito menos comunidades guarani.
paraguaio. defender seu modo de ser, o seu tekó. A aty é uma forma de política
Artigo 64 - Da propriedade A isso junta-se o tratamento racista guarani muito forte e ordinária, espe-
comunitária. Os povos indígenas têm e discriminatório contra a população cialmente entre os Paĩ-Tavyterã. A
o direito à propriedade comunitária da originária, privada de seus direitos assembleia, no entanto, em algumas co-
terra, em extensão e qualidade suficien- humanos fundamentais. Além da ex- munidades ou regiões, perdeu muito de
tes para a conservação e desenvolvimen- pulsão de seus territórios, os Guarani sua força devido aos interesses criados
to dos seus modos particulares de vida. são ameaçados e criminalizados quando por grupos e até mesmo famílias exten-
O Estado fornecerá gratuitamente estas exigem seus direitos reconhecidos pela sas, que se atribuem privilégios privados,
terras, as quais serão não embargáveis, Constituição do Paraguai de 1992 e em detrimento da comunidade. Aqui,
indivisíveis, intransferíveis, imprescri- pelos vários documentos dos organismos novamente, o arrendamento de terras
tíveis, não suscetíveis de garantir obri- internacionais, como a Declaração das tem facilitado a desigualdade na distri-
gações contratuais nem para locação; Nações Unidas sobre os Direitos dos buição equitativa dos recursos e bens.
igualmente estarão isentas de imposto. povos indígenas (10-12-2007), que o A economia, que repousava em
Proíbe-se a remoção ou transferência Estado paraguaio subscreveu. No Para- uma forma de trabalho comunitário
do seu habitat sem o consentimento guai não é apenas a falta de justiça, mas e distribuição equitativa dos bens, foi

44 Caderno Mapa Guarani Continental · 2016


profundamente transformada. A pro- jovens, não só pela sua falta de efetivida-
dução interna diminuiu. A dependência de no ensino do conhecimento necessá-
de salários externos, que beneficiam os rio e adequado à atual situação colonial
professores nas escolas para indígenas, mas, por outro lado, porque traz consigo
bem como os agentes de saúde, criou a propaganda implícita de outro modo
um desequilíbrio significativo na vida da de ser.
comunidade, onde se insinua a distinção No entanto, através de maior
entre Guarani ricos e Guarani pobres. formação de alguns professores, mesmo
Não desapareceu, no entanto, a dentro do sistema escolar nacional, e
festa - arete – e, nas famílias mais tradi- com a melhor preparação de algumas
cionais ainda se mantém o dom - jopói, lideranças, aparece uma consciência
'mãos abertas uns para os outros' -, que mais crítica sobre sua situação atual e a
atinge a todos por igual. No regime de maneira de enfrentá-la. Por enquanto,
transformações que o Estado preten- ainda não tem sido possível um modelo
de impor, apesar das distorções que se de escola indígena para reforçar, e não
fazem sentir com muita força, permane- substituir, a educação tradicional, cujo
ce, no entanto, em muitas comunidades, sucesso é fazer de um Guarani um bom
a prática comum da dança ritual e a Guarani.
palavra dos líderes religiosos no jeroky A religião, com suas crenças e ri-
ñembo’e. tuais, é mantida e praticada por grandes
Contra o tekó guarani no Para- setores das comunidades guarani. Aqui
guai, a generalização de uma espécie serão considerados apenas alguns traços
de escola "nacional", não deixa de ser específicos de sua vivência e prática no
um instrumento chave e nefasto para a Paraguai. Os rituais comuns e específi-
desintegração do tekó, que, mesmo com cos, de grande valor simbólico e educa-
professores indígenas, representa um tivo são o jeroky e o ñembo'e. Os locais
grave perigo para a educação dos mais designados para esses rituais são clara-

Kuña Mulher com cesto tradicional Paĩ-Tavyterã.


Dep. Amambay, Paraguai, 1975.
Bartomeu Melià sj
Caderno Mapa Guaraní Continental · 2016 45
mente visíveis nas aldeias e comunida- através do Chaco, inclusive antes da
des guarani na Argentina e no Brasil, chegada dos espanhóis, e continuaram a
mas, especialmente no Paraguai, ainda migrar nos primeiros tempos da colô-
se encontra o mba'e marangatu - lugar nia, especialmente entre os anos 1530
do sagrado -, nas grandes casas dos Paĩ- a 1550. Estabelecidos no Chaco boli-
-Tavyterã; o yvyra ña'ẽ, o cocho para a viano, impuseram o seu domínio sobre
chícha dos Ava-Guarani; e a opy – casa os povos Chané, que adotaram a língua
ritual dos Mbya – raramente aberta aos Guarani.
não indígenas. Seguiram anos de acomodação com
Entre os grandes rituais do ava- os colonos espanhóis e missionários,
tikyry, a festa do milho novo é um ato mas sem deixar de reivindicar seus direi-
significativo da força social, econômica e tos territoriais e sua liberdade. Guerras
religiosa de uma comunidade ou de um e conflitos foram frequentes; perderam
conjunto delas. Devemos destacar que muito da sua autonomia e vastos terri-
são os Paĩ-Tavyterã, no Paraguai, junto tórios passaram para mãos de grandes
com os Simba, na Bolívia, que, entre to- pecuaristas latifundiários.
dos os Guarani, ainda mantêm o ritual Durante a Guerra do Chaco
do lábio perfurado, como um sinal de (1932-1938), algumas parcialidades des-
identidade tradicional. te povo apoiaram o exército paraguaio.
Para os Guarani no Paraguai, a de- Com a vitória do Paraguai e a definição
fesa do seu modo de ser e a persistência da nova fronteira com a Bolívia, algumas
em seu tekó ainda são a melhor garantia centenas desses Guarani 'bolivianos' se
do seu futuro. encontraram em território paraguaio; o
Os indígenas Guarani Ociden- governo prometeu títulos de proprieda-
tais no Paraguai, que durante séculos de das terras e uma vaca leiteira.
foram chamados Chiriguanos, haviam De acordo com o desejo e pedi-
migrado da região oriental do Paraguai, do dos Guarani, a Congregação dos

Mitã pepy
Tekoha Paĩ-Tavyterã Cerro Akãngue.
Dep. Amambay, Paraguay. Grupo Sunu
46 Caderno Mapa Guarani Continental · 2016
Oblatos de Maria Imaculada fundou as
missões de Guachalla e de Santa Tere-
sita, localizadas na cidade de Mariscal
Estigarribia.
No Paraguai, são 4.605 Guara-
ni Ocidentais, todos eles vivendo no
departamento de Boquerón no Chaco,
além de alguns na região leste. Do ponto
de vista sociocultural, eles seguem, em
geral, as normas e práticas dos Guarani
que estão na Bolívia.
Também no Paraguai, o arete guasu
ou carnaval, é uma comemoração de tra-
dição forte e constante. A língua Gua-
rani tende, porém, a adotar as particu-
laridades e usos do Guarani paraguaio.
A escolarização nacional alcança entre
eles as mais altas taxas, em comparação
com outros Guarani. O pertencimento
à Igreja Católica é também uma carac-
terística distintiva.
Os Guarani-Ñandéva do Chaco
são o mesmo povo que os Tapieté da
Bolívia e Argentina e reúnem mais de
1.500 pessoas. Habitam, principalmente,
em quatro comunidades, que têm suas
terras legalmente reconhecidas.

Chicha Mulher Paĩ-Tavyterã tomando


chicha (de milho). Paraguai, 2015.
Claudia Caceres
Caderno Mapa Guaraní Continental · 2016 47
48 Caderno Mapa Guarani Continental · 2016
E AMANHÃ?

Ñandesy Ñandesy guarani kaiowá pinta rosto de


crianças com urucum.Tekoha Laranjeira Ñanderu,
Mato Grosso do Sul, Brasil, 2012. Phil Clarke Hill
Caderno Mapa Guaraní Continental · 2016 49
QUAL É O NOSSO FUTURO?

A história recente trouxe uma famílias de outras comunidades, com culados à mata, que não é apenas um
enorme destruição para os Guarani, as quais, muitas vezes, houve relações lugar de fauna e flora, mas um espaço
com impactos que já causaram neles de conflito. de seres sociais espirituais, guardiões
uma grande tragédia humana: A partir de 1960 até 1990, pra- de animais e plantas, com os que os
Foram expulsos de suas terras em ticamente todo o sul do Mato Grosso Guarani se relacionam e dos que de-
ações rápidas e, em muitos casos, vio- do Sul, no Brasil, foi desmatado e essa pendem para reproduzir o seu próprio
lentas, sem ter a possibilidade de voltar destruição massiva se expandiu pelo sistema social.
aos seus assentamentos e sem poder Paraguai, onde toda a faixa do rio Os Guarani, agora despojados
buscar terras novas para se assentar Paraná tornou-se um grande campo dos seus cultivos, têm que comprar
de acordo com as suas necessidades. de soja e outras monoculturas análo- seus alimentos nos armazéns ou dos
Tiveram que viver forçadamente em gas. Para os Guarani, isto significa a vendedores ambulantes.
"Colônias" ou "Reservas" indígenas destruição do seu mundo. Habitantes Estas mudanças tão rápidas e
que, na realidade, eram e continuam da floresta, por excelência, sempre profundas causaram nas populações
a ser campos de refugiados. Muitas moraram e tiraram sua sobrevivência Guarani desequilíbrio e desespero, que
aldeias são áreas de confinamento. Não da floresta. Todos os seus conhecimen- se manifestam em vários problemas
havia espaço suficiente para cultivar o tos, desde níveis muito práticos, sobre sociais e de saúde:
necessário para sobreviver. Esta situa- plantas e animais, até sua cosmovisão e - Aumento de suicídios, especial-
ção significava ter que viver junto com sua espiritualidade, até hoje estão vin- mente desde a década de 1990, com

50 Caderno Mapa Guarani Continental · 2016


uma das mais altas taxas do mundo; Nestas condições, o que pode
- Aumento dos conflitos de terra; ser feito? Existem muitos povos no
- Dependência crescente de go- mundo que experimentaram situações
vernos e agências não-governamentais, parecidas, na maior parte dos casos
geralmente de forma aberta e descara- provocados por uma guerra e, muitas
damente assistencialistas; vezes, também por despejos violen-
- Aumento dos níveis de urbani- tos, migrações forçadas e perseguição
zação precária. religiosa.
Entretanto, quando encontraram
Um sintoma da deterioração da um lugar para viver e para se organizar
qualidade de vida dos Guarani tam- de novo, em plena liberdade, não só
bém é visto no aumento do estabele- se recuperaram em um tempo rela-
cimento de grupos familiares muito tivamente curto, mas foram capazes
pequenos, em moradias precárias, de desenvolver novas formas de vida,
isoladas, geralmente construídas com adequadas às novas circunstâncias.
materiais descartados, na beira das As maiores ameaças para o futuro
estradas e nas periferias das cidades e não só afetam aos Guarani, mas, tam-
aldeias, onde as crianças, muitas vezes, bém, a todos os habitantes da "nação
têm de procurar no lixo alguma coisa guarani", perante a destruição massiva
para comer. do meio ambiente e da exclusão social
Na Bolívia, pelo contrário, a e econômica de tantos concidadãos.
presença do povo Guarani, em nível Apoiando os Guarani em sua luta por
nacional, atingiu um auge, tornando- um espaço de vida e defesa dos seus
-os atores políticos importantes. Sua direitos, estamos fortalecendo a "nossa
contribuição para o desenvolvimento casa comum" e nosso próprio futuro.
humano e sustentável do leste da Bolí- Assim, podemos afirmar que "somos
via é evidente. todos Guarani".

Kuña Mulher Paĩ-Tavyterã fiando algodão. Ita-


guasu, Dep. Amambay, Paraguai.
Grupo Sunu
Caderno Mapa Guaraní Continental · 2016 51
Para saber mais BULIUBASICH, Catalina y Ana GON-
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Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo. (Brasil) Survival International –
www.trabalhoindigenista.org.br www.survivalinternational.org

Visite o Mapa Guarani Continental


Digital: http://guarani.map.as Guarani Renda – El Guarani paraguayo Anistia Internacional -
www.guaranirenda.com www.amnesty.org

Caderno Mapa Guaraní Continental · 2016 53


Realização
Mapa Guaraní Continental 2016
Argentina

Equipes dos países


Argentina Maria Josefa "Kiki" Ramírez, Vasco Baigorri, Carlos Salamanca,
Catalina Buliubasich, Flora Cruz, Lautaro Sosa e Luis Maria de la Cruz
Bolívia
Bolívia Guido Vega Marquez, Silbert Siles, Ángelo Lozano, Ricardo
Paita, Wilson Duran e Cornélio Robles Pancho
Brasil Levi M. Pereira, Rosa Colman, Flávio V. Machado, Lauriene
Seraguza, Maria Inês Ladeira, Clóvis Antonio Brighenti, Celso Aoki,
Daniel Pierri e Camila Salles Dados internacionais de catalogação da publicação (CIP)
Brasil Paraguai Enrique Gaska, Bartomeu Melià, Filemon Torres,
EMGC, Equipe Mapa Guarani Continental.
Claúdia Caceres e Jorge Acuña
Caderno Mapa Guarani Continental: povos Guarani
na Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai. / Equipe Mapa
Coordenação internacional Georg Grünberg Guarani Continental - EMGC. Campo Grande, MS.
Cimi, 2016.

Coordenação geral e admnistrativa Levi M. Pereira, Rosa Colman


52p. ISBN 978-85-87433-09-1
e Flávio V. Machado

Paraguai 1. Povos Guarani. 2. Mapa Guarani. 3. Direitos dos


Edição e texto Bartomeu Melià Povos Indígenas. 4. Direitos Humanos. 5. Territorialidade
Guarani. 6. Campanha Guarani. I. Título.

Colaboração e revisão de texto Equipes dos países

Regional
Mapas Alicia Rolla, Camila Salles e Wolfgang Grünberg

Projeto gráfico e Diagramação Ruy Sposati

Capa Ruy Sposati/Cimi, 2013


Apoio
Contracapa Pablo Albarenga/Cimi, 2016

54 Caderno Mapa Guarani Continental · 2016


...e então
Nós temos que fazer a dança para podermos
plantar de novo.
Temos que plantar milho branco, temos que
plantar batata doce, feijão.
Também temos que plantar banana, cana e da
cana nós temos que fazer a bebida fermentada.
E, assim, nós temos que nos voltar para os nossos antepassados, que há tempos nós não saudamos.
Então...
Nós temos que levantar de novo o nosso altar, o marangatu e dançar do jeito mais sagrado.
E nós temos que transmitir para os nossos filhos essas palavras perfeitas.

Devo fazer com que desabroche, como flor,


as crianças.
Hei de fazer que desabrochem as mais belas crianças.
Hei de contar-te do dizer do takua da nossa avó
no passado.
Até então meu antigo dizer
Até então o meu antigo dizer do meu maracá
Até então o antigo brilho da minha cruz que é abençoada ali no novo broto da antiga terra perfeita.
Então haverá dança e caminhada ritual até o lugar onde vai renascer a nossa terra.
Ali estaremos juntos novamente. Vamos dançar e serão arrumadas as casas.
Depois que esfriarmos, os Nhanderus vão trazer de volta os nossos animais de caça.
Então haverá de novo o Nhanderu, os nossos enfeites.
Haverá de novo o batismo da criança, o enfeite das crianças e a celebração do tembekua, a cerimônia
de perfuração do lábio do menino.
Haverá a dança, o canto longo para celebrar novamente a colheita do milho verde.
Vão ser abençoados os canaviais, os mandiocais.
Vai ter tudo... Lá vai ter tudo de novo...

Atanásio Teixeira, Tekoharuvicha Kaiowá

Caderno Mapa Guaraní Continental · 2016 55


Realiza’ção
Argentina: Endepa e Unsa
Bolívia: APG, Cipca, Cerdet e Ilc
Brasil: Aty Guasu, Yvy Rupa, Cimi
Cti, Isa, Faind, Unila e Funai
Paraguai: Conapi
Continental: Ccnagua

Apoio
Emb. Noruega, Misereor e DKA

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