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Viagens na minha terra- Almeida Garret

Contexto
Sobre o autor
Almeida Garrett foi um ativo participante das forças liberais que
combateram o absolutismo em Portugal durante a primeira metade do
século XIX. Depois de algumas experiências no exílio, o escritor assistiu à
vitória do liberalismo em 1834. Com isso, passou para o exercício
administrativo, participando do poder político. De certa forma, o livro
é fruto dessa dupla vivência do escritor.

Importância do livro
A viagem de Lisboa a Santarém serve de inspiração para o
desenvolvimento de uma série de reflexões a respeito de questões
portuguesas que tinham grande importância naquele momento
(meados do século XIX). A inserção de uma novela passional no
interior do relato possui um propósito didático que não era estranho
ao romantismo: a ideia era transmitir uma mensagem de caráter
político utilizando-se de um tipo de narrativa de grande apelo
popular.

Viagens na Minha Terra foi publicado em folhetins antes de virar


livro em 1846. A Revista Universal Lisbonense disponibilizou os
textos entre 1845 e 1846.

Análise
O título do livro de Garrett é bastante revelador. De fato, por que
“viagens”, no plural, se ele empreende uma única excursão de
Lisboa a Santarém? Trata-se de um percurso relativamente curto,
cerca de 80 quilômetros. O que ocorre é que ao longo de suas
andanças, o narrador desenvolve uma série de reflexões a respeito
dos mais variados assuntos. São essas reflexões que podem ser
consideradas viagens mentais, justificando o título.
A imagem de Portugal engendrada pela narrativa é pouco lisonjeira.
Com políticos e administradores incapazes de se dedicar à tarefa
de preservação cultural, monumentos portugueses são relegados
ao mais absoluto abandono. Na verdade, esse retrato serve como
emblema do desprezo da elite política pelos valores morais que
constituíam os fundamentos da causa liberal. O que se tem no
romance, portanto, é o testemunho desencantado de alguém que se
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sente traído por antigos companheiros de bandeiras e de batalhas,


por fim transformados em exploradores do mesmo povo cujos
interesses supostamente deveriam defender.
A nota esperançosa do romance fica por conta da crença manifesta
pelo narrador de que esse mesmo povo conseguiria ser o guardião
de sua própria identidade cultural. Ainda no plano simbólico, o que
se sugere é que o povo lusitano deveria buscar seus caminhos
pelos próprios pés, sem depender de falsos líderes.
Em um primeiro momento, é difícil compreender o papel que a
novela sentimental da “menina dos rouxinóis” exerce nesse livro.
Sua exacerbação sentimental parece entrar em choque com o estilo
mais livre e irônico do relato de viagem, que tanto influenciaria a
literatura realista luso-brasileira.
A novela possui uma dimensão alegórica que é preciso
compreender. A oposição entre Carlos e Frei Dinis figura as
diferenças ideológicas entre liberais e monarquistas que tinham
arrastado o país a uma guerra civil. Frei Dinis representa o Portugal
mais conservador e tradicionalista, arraigado a valores superados.
Carlos encarna o país cuja modernidade acabou descambando
para a retomada de velhos vícios de exploração e autoritarismo.
Joaninha, de sua parte, representa o povo português, abandonado
por um e por outro.
O romance apresenta alguns traços de modernidade e inovação. A
digressão (suspensão da narrativa para o desenvolvimento de
reflexões paralelas a ela), a metalinguagem (reflexão sobre o
próprio fazer artístico) e o frequente diálogo com o leitor seriam
traços que se consolidariam na literatura de língua portuguesa.

Resumo
A narrativa alterna o relato de viagem com a novela sentimental da
“menina dos rouxinóis”. O narrador e seus companheiros de jornada
partem de Lisboa com destino à cidade histórica de Santarém. A
passagem por outros locais importantes é permeada pelo
desenvolvimento de reflexões a respeito dos mais variados temas,
sempre pertinentes à sociedade lusa.
O eixo condutor dessas reflexões é a oposição entre o
espiritualismo e o materialismo. O primeiro teria sido representado
pelo prestígio social da religião durante o absolutismo, enquanto o
segundo caracterizaria o governo dos liberais. O narrador não
pende explicitamente para nenhuma das duas correntes,
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considerando-as igualmente nefastas para o povo português, vítima


de frades e de barões, que são os exploradores que teriam tomado
conta do governo liberal interessados unicamente na obtenção de
lucro. Um dos reflexos dessa situação na cultura seria o abandono
de monumentos históricos, verificado em toda a viagem.

Inserida no relato de viagem, há a história de Joaninha, a “menina


dos rouxinóis”, cuja ação transcorre no Vale de Santarém. Os
primos Carlos e Joaninha se reencontram depois de alguns anos de
separação e confessam seu amor mútuo. No entanto, Carlos se
recusa a rever D. Francisca, a velha cega mantinha laços de
amizade com Frei Dinis, por quem Carlos nutria antipatia desde que
o religioso tentara convencê-lo a mudar de partido, argumentando
que o liberalismo era anticristão. Por suas convicções políticas,
Carlos acabou exilado na Inglaterra.

De volta à pátria durante a guerra civil que opôs liberais e


monarquistas, Carlos colabora para a vitória de seu partido. No
entanto, ferido em combate, fica sob os cuidados de Frei Dinis e de
Georgina, moça inglesa com quem ele manteve um relacionamento
durante seu exílio.

Aos poucos, as revelações em torno do passado de Carlos veem à


tona. Francisca revela que Carlos é filho de Dinis, que tinha mantido
um relacionamento adúltero com a mãe do rapaz. Ao saber da
verdade, Carlos parte, abandonando a prima, para não submetê-la
ao mesmo sofrimento experimentado por outras mulheres que
tinham se apaixonado por ele. Joaninha termina só, enlouquece e
morre.

Carlos se torna barão, espécie de explorador, e enriquece. Sua


trajetória simboliza a derrota moral do liberalismo.

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