Você está na página 1de 140

As mulheres e

a guerra

O novo cenário
mundial
Relações Internacionas em debate:
diálogos e possibilidades

Edição n.3, v.1


Corpo Editorial
RARI – Revista Acadêmica de Relações Internacionais
ISSN 2179-6165 - http://rari.ufsc.br
Volume 1, número 3, Julho/2013.

A RARI, Revista Acadêmica de Relações Internacionais, é uma publicação quadrimestral que tem por
objetivo publicar produções acadêmicas de comprovada relevância científico-profissional nas áreas de
competência das Relações Internacionais, Sociologia, História, Ciência política, Filosofia, Direito,
Economia e demais áreas afins, que tenham como eixo central os temas pertinentes às Relações
Internacionais.

COORDENADOR DIREITOS E PERMISSÃO DE UTILIZAÇÃO


Prof. Dr. Jaime César Coelho (UFSC) Os artigos publicados são de total responsabili-
dade de seus autores. É permitida a publicação
CONSELHO EDITORIAL de trechos e artigos com autorização prévia e
Prof. Dr. Ary Minella (UFSC) identificação da fonte.
Profª. Drª Carla Borba (UNISUL)
Profª. Drª Clarissa Franzoni Dri (UFSC)
Profª. Drª Danielle Annoni (UFSC)
Prof. Dr. Helton Ricardo Ouriques (UFSC)
Prof. Dr. Jaime César Coelho (UFSC)
Profª. Drª. Mónica Salomón (UFSC)
Profª. Drª Mylai Burgos (UNAM, México)
Profª. Drª. Patrícia Ferreira Fonseca Arienti
(UFSC)
Prof. Dr. Paulo Rogério Melo (UNIVALI)
Profª. Drª Renata Peixoto de Oliveira (UNILA)

COMITÊ EDITORIAL
Caroline Lopes
Cristian Sparemberger
Felipe Alessio
Gabriel Piccinini
Guilherme Constantino Silva
Jefferson Pecori Viana
Jorge Henrique Peripolli
Mariana Carioni
Marilia Romão
Paula Prado
Ramonn Guilherme Wilhelm
Rafael Mandagaran Gallo
Vanessa Canei
Vicente Pchara

Edição n.3, v.1 ISSN 2179-6165


Sumário
Editorial 4

Homenagem 5

Entrevista
Entrevista com Samuel Pinheiro Guimarães Neto 6

Artigos
A Predominância Tácita do Tradicionalismo nas Relações Internacionais: o Panorama Brasileiro 12
André Mendes Pini

Os BRICS: Considerações sobre os Novos Atores Globais no Século XXI 21


Rodrigo Cassio Marinho da Silva

Construção e Análise do Regime Ambiental Internacional 36


Lívia Liria Avelhan

Confrontos na Síria: A Teoria Crítica Aplicada ao Conselho de Segurança 46


Luís Fernando Casara Corrêa

O Mecanicismo Explicativo e a Elipse da Vontade: o Conceito de Bipolaridade 58


Luiz Fernando Castelo Branco Rebello Horta

As Mulheres e a Guerra 70
Juliana Graffunder Barbosa

Fuga pela Vida: Os Refugiados Congoleses em Ruanda 76


Maria Clara Kretzer

La Doctrina de Seguridad Nacional de los EE.UU. Y su Influencia en el Régimen Militar Brasileño 91


Leandro Wolpert dos Santos

A Introdução de Gramsci nas Relações Internacionais: Aspectos Metodológicos 109


Ana Saggioro Garcia

Is Flexibility Good for Workers? An Evaluation of Global Value Chains 120


Renata Nunes Duarte

Resumos 135

Comunicações 139

Edição n.3, v.1 ISSN 2179-6165


Editorial
“Somos muy poca cosa cuando estamos Neste contexto, de ampliação significativa dos
aislados, muy fuertes si estamos conectados, asi espaços para o diálogo público por meios digitais,
que la conexíon permanente y ubicua con aos poucos vamos deixando, enquanto sujeito
comunidades cada vez más amplias, la vivencia histórico-social, a passividade característica da
en unos espacios públicos, unas “plazas del sociedade de consumo frente as informações e as
pueblo” renovadas y cada vez más presentes en ideias que até então nos eram transmitidas,
la vida social, cultural y política, nos harán, de unilateralmente, por grandes e poderosos
nuevo, como indivíduos y sociedades, cada vez interlocutores oficiais. Com a emergência das
más libres.” (Dolores Reig) mídias sociais podemos, cada dia mais,
comunicar e sociabilizar aquilo que nos interessa,
Através da observação e análise da vivência discutir publicamente em relação ao que não
acadêmica nos cursos de Relações concordamos, e principalmente, podemos nos
Internacionais, notou-se a ausência de apropriar, ressignificar, e compartilhar aquilo que
publicações conduzidas por acadêmicos que nos é comunicado, tornando-nos também co-
divulgassem os trabalhos científicos das criadores do processo comunicativo social. Como
graduações e pós-graduações, bem como dos já dizia o sábio Paulo Freire, patrono da educação
demais profissionais da área e/ou áreas brasileira: “Os homens se educam entre si,
correlatas. A carência de canais de comunicação mediatizados pelo mundo”.
para incentivar a produção e a publicação de É, pois, um novo mundo que se apresenta
artigos e ensaios escritos contribui para perpetuar diante de nós. As universidades – “templos do
deficiências de formação acadêmico/intelectual saber” – precisam desconstruir os muros que as
desses estudantes, afastando-os dos problemas distanciam e as alienam das sociedades em que
empíricos da sociedade em que vivem e atuam, e estão inseridas, e para isso se faz necessário
com a qual pouco se comunicam. Pois é este lançar-se obstinadamente no desafio de renovar
justamente o propósito da RARI: constituir-se os espaços de diálogo e de construção coletiva do
como espaço ampliado para o diálogo acadêmico saber. Diante desse cenário, a RARI pretende
- e com a sociedade - sobre as Relações ocupar o locus interativo entre pesquisa e
Internacionais. extensão, objetivando consolidar e
Os “monólogos” dos meios de comunicação de
massas e de outras instituições (políticas,
econômicas, de pesquisa, de ensino, e etc.) não
mais são suficientes para dar conta dos desafios
do momento histórico em que vivemos. Um
exemplo contundente disso são os movimentos
sociais que ocuparam as ruas do Brasil nestes
últimos dias – e que explicam-se, em parte, pela
disseminação dos meios de comunicação
baseados na Internet. Os chamados que vêem
das ruas e das Redes Sociais, na sua pluralidade
de vozes e perspectivas, demandam,
objetivamente, por mais envolvimento dos
indivíduos, e das sociedades -- e por que não, das
universidades -- no continuo processo de se
comunicarem e de se auto-organizarem entre sí,
para a construção de um futuro que se quer.

Edição n.3, v.1 4 ISSN 2179-6165


Homenagem
O curso de Relações Internacionais da te conhecesse que não passasse pelo “efeito
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Max”. Você era tão Max que era impossível não se
no dia 4 de abril de 2013, perdeu um de seus sentir ao lado de um amigo de infância, mesmo
entes queridos. Max Luiz Bombazaro, de 22 anos, que tenha te conhecido por apenas alguns
faleceu em um acidente de carro na Beira-Mar minutos. Eu me sentia melhor ao seu lado. Você
Norte, em Florianópolis. Max é natural de Braço fazia bem para as pessoas e elas para você.
do Norte, começou a estudar Relações A maior dor para mim, quando alguém parte, é
Internacionais em 2011 e vivia em Florianópolis não saber se elas estão bem, não poder ligar e
para fazer faculdade. dizer: “só liguei para saber como você está, sinto a
A Revista Acadêmica de Relações sua falta”. Mas eu sei que contigo eu não preciso
Internacionais demonstra seus sentimentos ao me preocupar. Eu sei que você está cercado de
graduando e a família deste, por meio de uma amigos, aonde você for. Todos “embobecidos”
singela homenagem. Assim sendo, a graduanda pelo seu único, “efeito Max”.
Isabel Bastos compilou uma sincera homenagem Não seria você, se não houvesse um pouco de
ao amigo perdido, que descreve parte dos drama “mexicano”.
sentimentos de todos os colegas, amigos e
alunos do Curso de Relações Internacionais da
UFSC.

Eu sempre achei que a gente é mandado para


a Terra para realizar três grandes feitos: aprender
a amar, ensinar a amar, e mudar a vida de alguém.
Talvez a razão de você ter nos deixado tão cedo é
que você veio para cá apenas para realizar duas:
nos ensinar a amar e mudar as nossas vidas.
Você já sabia amar. Você amava as pessoas com
uma intensidade e facilidade sem igual. Você
tinha um sorriso sempre guardado para qualquer
um, independente de como o seu dia estivesse
ruim, era sempre um dia ensolarado como o de
hoje, como os das muitas caminhadas que
fizemos você ouvindo meus problemas e eu os
teus (mesmo que nem sempre você quisesse
desabafar), como das muitas mensagens e
ligações em que você dizia: “eu preciso ver
gente”. Dizem-nos para dançar como se ninguém
estivesse olhando; você não apenas dançava,
você vivia, a vida era uma festa contigo.
Você me ensinou a amar, um amor amigo, que
não julga ninguém, afinal nós todos temos um
lado de loucura. Você me ensinou a lavar a louça,
e tirar de pequenas coisas filosofias para vida.
Você daria sim o melhor marido. Você deixou
todas as suas amigas viúvas antes do tempo.
Você mudou a vida de todos nós, não há quem

Edição n.3, v.1 5 ISSN 2179-6165


Entrevista
‘‘A LEI DE REMESSAS DE LUCROS É UM SPG - São duas instituições diferentes. O
PONTO ESSENCIAL, PORQUE ISSO PASSA A MERCOSUL é uma instituição basicamente
AFETAR TODO O CAPITAL ESTRANGEIRO econômica, que vem se modificando com o
INVESTIDO NO BRASIL’’ tempo, enquanto que a UNASUL não é uma
. instituição econômica, e sim uma instituição
Samuel Pinheiro Guimarães Neto é um voltada principalmente para a cooperação
reconhecido e exitoso diplomata e intelectual política, em vários aspectos; então não há uma
contradição. É como ser membro do MERCOSUL
brasileiro. Foi secretário-geral das Relações
e membro das Nações Unidas; são instituições
Exteriores do Ministério das Relações Exteriores diferentes.
de 9 de janeiro de 2003 até 20 de outubro de 2009.
A partir de 2009, trabalhou como ministro-chefe RARI – Quais os avanços e diferenças na Política
da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Externa de Lula à Dilma?
Presidência da República (SAE), no qual
permaneceu até 31 de dezembro de 2010, no final SPG - Acho que, em primeiro lugar, são duas
do Governo Lula. Em 19 de janeiro de 2011, o pessoas diferentes. O Presidente Lula é uma
embaixador foi designado Alto-Representante pessoa de uma grande tradição na política
Geral do Mercosul tendo como funções a externa, embora as pessoas talvez não
soubessem quando ele começou o governo. Ele
articulação política, formulação de propostas e
quando começou o governo, antes de assumir a
representação das posições comuns do bloco. presidência, já havia realizado cerca de cento e
Como Alto Representante, Samuel Pinheiro doze viagens ao exterior, conhecendo todas as
coordenava a implementação das metas lideranças sindicais dos mais diferentes países,
previstas no Plano de Ação para um Estatuto da tinha organizado o chamado Foro de São Paulo,
Cidadania do Mercosul, aprovado em Foz do era visitado por várias personalidades
Iguaçu em 16 de dezembro de 2010. Renunciou estrangeiras quando vinham ao Brasil, que em
ao cargo, contudo, em 28 de junho de 2012. geral pediam para vê-lo. Então era uma pessoa
que tinha uma convicção muito grande da
RARI - A América Latina para o Brasil... importância da política internacional até como
forma de trazer apoio ao seu governo
SPG - A América Latina, e principalmente a internamente, e ao mesmo tempo tinha uma
América do Sul, é atualmente o centro da política experiência muito grande e uma vocação política
externa brasileira. O Brasil é um país que mantém muito acentuada; enfim, são pessoas muito
relações com países de todos os continentes, diferentes. Agora do ponto de vista prático, com a
mas as relações com os países da América do Sul crise econômica internacional de 2008, ocorreu
são de grande importância, tanto uma mudança de preocupações, as
economicamente quanto do ponto de vista preocupações se tornaram muito internas, para
político. Eu acho que, com a inclusão da enfrentar a crise; então também há esse aspecto.
Venezuela no MERCOSUL, o que ocorreu foi um Agora, em muitas questões importantes, como a
momento de grande importância para o processo questão da Venezuela ou o apoio à autoridade
de integração e o processo político sul americano. palestina, e em várias outras questões, a
Com isso, pode até ter havido certas demoras em presidenta tem se portado de forma firme.
outros temas... mas neste, que é um tema
essencial, talvez o mais importante, a presidenta RARI – Como que o senhor analisa essa nova
agiu com muita firmeza pessoalmente. conformação dos governos ditos progressistas na
América Lática?
RARI – Há um choque entre a UNASUL e o
MERCOSUL? SPG - É importante, pois antes tínhamos uma
série de governos neoliberais, de direita, na

Edição n.3, v.1 6 ISSN 2179-6165


Entrevista
América do Sul e na América Latina. Se tomarmos outros países; terceiro, o julgamento dos lideres
a questão do Brasil, da Argentina, do Uruguai, do militares... algo que não é muito simples de fazer,
Paraguai, do próprio Chile, do Peru com Fujimori, não é verdade? Outro ponto de grande
do Equador, da Bolívia com Sánchez de Lozada, e importancia é a questão da “Lei de Meios”. Além
da própria Venezuela antes do comando de disso, você tem um conjunto de desprivatizações,
Chavez... era todo um grupo de países como os correios e as companhias de águas...
governados por presidentes neoliberais, uns mais Então você tem um processo não só de impedir a
de direita outros menos, uns mais disfarçados... privatização, mas de desprivatização e retomada
que naturalmente cooperavam entre si, e tinham de controle pelo Estado argentino de setores
as mesmas convicções. Então houve uma importantes da economia que haviam sido
mudança muito grande a partir de um certo privatizados.
momento, no Brasil, na Argentina, no próprio
Uruguai, na Bolívia, no Equador, na Venezuela... Digamos então que a cooperação entre os
em que assumiram ao poder -- Estados da América Sul é extremamente
democraticamente, por eleições --, governantes, importante. No caso da América Latina é um
digamos, de esquerda, com algumas diferenças, pouco diferente... porque ai entra o México, país
de discurso, de enfase, mas que de uma certa que tem outra orientação de política econômica e
forma todos foram eleitos democráticamente, política externa, totalmente diferente. Temos
todos têm programas semelhantes. também os países do Caribe, que são países
muito pequenos, e tem a situação de Cuba, que é
RARI – Há semelhanças nas diferenças? uma situação muito diferente.

SPG - Primeiro: a recuperação do papel do RARI - E nessa análise que o senhor fez sobre as
Estado na economia. Segundo: programas relações internacionais dos países da América
sociais importantes. Todos têm também uma Latina, como que o senhor vê essa relação com
maior preocupação com a diminuição da sua os Estados Unidos?
vulnerabilidade externa, com maior e menor êxito,
como os casos do Brasil e da Argentina com o SPG - A relação com os EUA é diferente de país
pagamento de suas dívidas com o Fundo para país. O que existe, na minha opinião, é que
Monetário Internacional, com o Clube de Paris... você tem dois ou três grupos de países: em
tudo isso diminuíu a capacidade de pressão primeiro lugar, os países que fizeram acordo de
externa sobre estes países, sendo que todos eles livre comércio com os EUA (como todos os países
com um compromisso democrático importante e da América Central, mais a Colômbia, Peru e
preocupados na reconstrução da economia, Chile. Estes são países que adotaram uma
inclusive com ênfase importante na área de estratégia de inserção na econômica e na Política
infraestrutura (transporte, energia, e assim por internacional... e eu digo na política porque as
diante); isso é patente na Venezuela, no Equador, pessoas às vezes não levam em conta que este
e na Bolívia. Então são governos semelhantes e tipo de acordo leva ao alinhamento político. Por
que muitas de suas lideranças se conciliam, exemplo, a questão recente da votação da
através até do próprio Fóro de São Paulo, e que palestina como observador da Assembleia Geral
têm cooperado entre si, até porque isso é forma da ONU: a Colômbia, o Chile, o Peru e o México
de pressão externa importante para promover apoiaram Israel e os EUA. Que coincidência...
mudanças de regime. que enorme coincidência... não é verdade? Eu
não quero criticar países, isso não é elegante,
Eu queria mencionar o caso da Argentina... a mas o fato é que estes países fizeram uma opção
Argentina é um exemplo para a América do Sul, de estratégia econômica, como acordos de
primeiro, devido ao processo de renegociação da comércio com os Estados Unidos e com muitos
divida externa; segundo, os programas sociais outros países, abrindo sua econômica totalmente.
que são muito importantes, até mais do que em Agora, você tem um grupo de países entorno do

Edição n.3, v.1 7 ISSN 2179-6165


Entrevista
MERCOSUL -- Brasil, Argentina, Uruguai, RARI – E a Missão de Paz do Brasil no Haiti?
Paraguai --, que são países com uma outra
estratégia de incersão econômica. Aí você tem SPG - Há muita critica, mas pouca compreensão.
ainda outro grupo de países que não estão nem E eu vou dizer o por quê. Primeiro, a criação de
em uma posição nem em outra, como o Equador, uma força de paz para o Haiti foi feita pelo
a Bolívia, e a Venezuela, que já entrou no Conselho de Segurança das Nações Unidades,
MERCOSUL. por unanimidade, com o voto da China da Rússia
e de todos os países, então a criação [da
RARI - Sobre a Militarização norte-americana na MINUSTAH] não dependeu de nós. Segundo, o
América do Sul e a reabertura da quarta frota... Brasil foi convidado a participar, e antes de decidir
que ia participar, foram enviadas missões aos
SPG - Em primeiro lugar, não é nenhuma países do Caribe para saber como estes veriam a
novidade. Que a quarta frota já existia antes, não ação do Brasil na força de paz, e todos foram de
é um novidade, foi uma decisão administrativa, e acordo. Terceiro, o Brasil conseguiu que a força
é até interessante que tenha sido tomada. Para de paz também tivesse um papel de reconstrução
nós foi interessante porque que os navios do país, por ocasião dos furacões e dos
americanos já estavam patrulhando o atlântico terremotos, de um modo tal que eu nunca vi na
sul, com submarinos, e assim por diante. As imprensa nenhuma crítica. Então assemelhar
bases na Colombia também não eram isso com a República Dominicana é um equivoco,
propriamente uma novidade, já existiam bases de algo totalmente diferente. Se houvessem casos
cooperação militar lá há muito tempo. Enfim, na de violência das forças brasileiras, você veria nos
medida em que não há um confronto mais forte jornais imediatamente. Noticias contra o Brasil
com os Estados Unidos, na medida em que as são, em geral, muito bem vindas nos jornais
empresas americanas podem atuar nestas brasileiros... Nunca recebi, durante todos os anos
economias sem maiores problemas, como é o que eu estava no Itamaraty, nenhuma queixa, de
caso aqui [no Brasil], na Argentina, e mesmo em nenhum governo, nem nenhuma denúncia... só
outros lugares... não há nenhuma possibilidade um caso de um assassinato que houve lá, o que é
de confronto, nem há interesse, digamos, desse uma situação complicada pois são tropas de
ângulo. diversos países, e se nós queremos ter um papel
internacional não se pode fugir deste tipo de
Mas se amanhã, vamos supor, devido as situação.
dificuldades na balança de pagamentos,
resolvessem passar uma lei de controle das RARI - Situação de ocupação?
remessas de lucros, ai a situação muda muito.
Enquanto estas coisas não acontecessem, SPG - Não é ocupação. Eu sei que há muitas
enquanto há liberdade de ação para as grandes pessoas que acham que é, até mesmo amigos.
empresas multinacionais, não há um desafio Agora, todas as pessoas que foram lá, os
maior ai, não há problemas. É claro que em parlamentares que foram lá, inclusíve da
relação a Venezuela é um caso específico, e o oposição, voltaram e não disseram nada, ficaram
Equador também, por que houve uma séria de impressionados com o trabalho.
medidas no que diz respeito justamente as
atividades das empresas multinacionais, além de RARI – O que é o subimperialismo brasileiro?
ser revista a dívida externa -- algo que, digamos
assim, em linguagem diplomática: “foi visto com SPG - Para você ter subimperialismo, é preciso
muita preocupação” [risos]... a mesma coisa a primeiro ter uma definição de imperialismo.
Bolívia: a mudança da política boliviana também Imperialismo é o que? É você controlar outro
foi bastante ressentida, sobretudo com a questão país? Controlar o sistema político daquele país?
do narcotráfico e da ação da DEA no País. Imperialismo é isso. É influir sobre o seu processo
político e econômico. Isso é uma coisa. Outra

Edição n.3, v.1 8 ISSN 2179-6165


Entrevista
coisa é você ter empresas brasileiras nesses aborrecimento. Vieram até mesmo com a firme
países. E que, digamos, esses países têm determinação de derrubá-lo, como foi o caso em
autonomia, têm capacidade para fazer sua 2005. Mas não deu certo, porque viram que não
própria legislação, para punir as empresas. Ou teriam apoio para aquela manobra. E agora,
deveriam ter... Dentro do sistema em que nós através do mesmo processo, da ação penal 470 [o
vivemos, como é que o Estado brasileiro pode, chamado “mensalão”], essas classes
fora do seu território, pelo fato de a empresa ser hegemônicas descobriram que podem ter no
brasileira, forçá-la a ter certo comportamento? Até Judiciário um grande aliado. E o Judiciário vem
dentro do próprio território às vezes é difícil [risos]. assumindo funções que não tem. A própria
declaração de que cabe ao judiciário interpretar a
RARI - A alegação é que estas empresas são Constituição... isso não é a tradição do Direito
financiadas pelo BNDES... Público brasileiro. Estão se arrogando de funções
que não têm. Agora, por exemplo, determinaram a
SPG - Sim, mas podem ser financiadas. E as questão do exame dos vetos da lei dos royalties...
outras? E as americanas? Eu acho que, o juiz Luiz Fux decidiu como é o que Congresso
naturalmente, se as empresas brasileiras estão lá deveria se comportar... a partir de uma premissa
adotando práticas que são prejudiciais em termos que o STF é o órgão máximo do sistema político
de direitos trabalhistas ou no meio ambiente, isso brasileiro, o que não é. Basta ler a Constituição.
é deplorável, e eu acho que o governo brasileiro
deveria agir, discretamente, junto a essas RARI – O que diz a Constituição de 1988?
empresas, porque isso, evidentemente, afeta os
interesses do país. SPG - Verificamos que é o Congresso o órgão
máximo do sistema político, que é o Legislativo. O
RARI – E os golpes na América Latina? Judiciário não é o órgão máximo, de forma
alguma. E eles estão se arrogando -- com
SPG - Essa é uma questão interessante... porque fortíssimo apoio da mídia -- essa função de órgão
nós estamos, talvez, entrando em um processo supremo do sistema político brasileiro.
muito semelhante por aqui, com a atuação de um Extremamente perigoso isso. Aliás, os partidos de
poder judiciário que atua fora de sua oposição já deram declarações nesse sentido. Já
competência. Isso ocorreu em Honduras. declararam: nosso objetivo é atingir o Lula e as
Ocorreu também no Paraguai, com o Legislativo e eleições de 2014. Então a campanha, esta
o Judiciário paraguaios. Mas o Brasil teve operação, é contra ele. Não é contra o Waldemar
posições corretas nestes casos. O Brasil foi Costa Neto, nada disso. É uma campanha de
contra o golpe em Honduras, a despeito de toda a desmoralização do Congresso, de
oposição da grande imprensa. Foi também contra desmoralização do Executivo, e de exaltação do
o golpe no Paraguai, e também em outras Judiciário, e do Supremo especificamente...
tentativas semelhantes, como na Bolívia, no porque não dá para exaltar o Judiciário, que é um
Equador... Enfim, a posição que o Brasil teve foi a poder extremamente corrompido, como se sabe.
correta. Mas há uma coisa interessante, sobre a Mas de repente, aqueles 11 indivíduos, que não
qual eu ainda não falei. Se nós fôssemos fazer um têm o voto, que não representam o povo, se
retrospecto histórico, nós temos no caso do Brasil arrogam o poder de representar o povo, e isso é
e de outros países, a dominação por certas um golpe. Há um golpe em curso. Pode ficar certo
classes hegemônicas do sistema econômico e disso.
político, algo que já dura, no caso do Brasil, 502
anos. Total controle do aparato do Estado, da RARI – Um golpe diferente daquele de 1964?
economia, da mídia, e assim por diante... De
repente, em 2002, elege-se um líder, um SPG - O que houve naquela época foi um golpe,
trabalhador, que certamente foi visto pelas obviamente. Hoje em dia não há quem não
classes hegemônicas com um grande reconheça. Até os documentos do Departamento

Edição n.3, v.1 9 ISSN 2179-6165


Entrevista
de Estado reconhecem; está tudo escrito, do GATT, mais ou menos ao final da década de
divulgado. Naquela época, de um lado, o governo 1940. Os Acordos de Livre-Comércio... que não
anunciou uma série de medidas, extremamente são acordos somente de comércio, mas são
importantes. Anunciou a reforma urbana, a acordos econômicos muitos mais amplos. Eles
reforma agrária, a lei de controle de remessas de preveem total eliminação das barreiras ao
lucros. Aí, você toca num ponto essencial. A lei de comércio, a livre movimentação de capitais,
remessas de lucros é um ponto essencial porque nenhuma restrição e nenhuma regulamentação
isso passa a afetar todo o capital estrangeiro para os investimentos estrangeiros, acesso total
investido no Brasil. Depois, a Igreja toda, em sua ao mercado de serviços, a compras
enorme e total maioria, apoiava a derrubada de governamentais, propriedade intelectual, e assim
João Goulart, que já vinha sendo atacado desde a por diante. O país ao assinar aquele acordo
época do governo Vargas, desde 1952, 1953, por liberaliza toda a sua economia, e a economia se
aí, quando ele propôs o aumento de 100% do torna aberta ao capital estrangeiro em qualquer
salário mínimo. setor. Esse é o projeto Americano, que antes teve
uma forma multilateral que era a ALCA, e depois
RARI – E a sua passagem como Alto se transformou numa forma bilateral, como EUA-
Representante no Mercosul? América Central, EUA-Chile, EUA-Peru, EUA-
Colômbia...
SPG - O MERCOSUL é um organismo
intergovernamental. Ele não é supranacional. RARI - ...e a aliança do pacífico...
Então, sendo intergovernamental, todas as
decisões do MERCOSUL são decisões SPG - A Aliança do Pacífico é a tentativa
unânimes, consensuais, com o apoio de todos os justamente de agrupar esses países que já
governo. Esse cargo, de Alto Representante, não assinaram acordos bilaterais.
é um cargo supranacional, mas sim um cargo que
precisa representar todos os governos. E quando RARI – Existe um projeto brasileiro?
você não tem o apoio dos governos,
principalmente do seu, que é o maior, o SPG - O projeto brasileiro é o seguinte: nós não
MERCOSUL não funciona. Funciona quando o aceitamos essas questões de regulação de
Brasil quer que funcione, porque é o maior país, investimentos, propriedade intelectual, etc. Nós
de longe. Quanto a minha passagem como Alto não aceitamos uma liberalização total do
Representante, eu até estou satisfeito, pois várias comércio, tanto que persistem o mecanismo de
das coisas que eu propus quando eu fiz meu tarifas e tantos outros. Com a ideia de que isso é
relatório lá, quando eu saí, eu tinha dado grande importante para que o Estado possa promover a
ênfase no ingresso da Bolívia e do Equador, o que política de desenvolvimento econômico usando
agora, na ultima reunião, foi levado adiante. Isso é certos instrumentos. As empresas brasileiras que
uma coisa da maior importância. vão para outros países elas, se estão dentro do
MERCOSUL, não estão sujeitas a nenhuma
RARI - E o projeto dos EUA para a América norma de investimentos, sobre liberdade de
Latina? circulação de capitais, nem sobre serviços, nem
sobre propriedade intelectual. Assim cada país do
SPG - A primeira pergunta é: qual é o projeto Mercosul tem a sua própria legislação. A empresa
americano? O projeto americano não é um projeto vai para lá e obedece a legislação local.
só para a América do Sul, é para o mundo todo...
O projeto americano, desde a 2ª Guerra Mundial, RARI - As empresas brasileiras também?
era um projeto que partiu da seguinte premissa:
que seria interessante para os Estados Unidos SPG - É preciso lebrar o seguinte. Nós estamos
adotar a liberalização do comércio internacional. diante de uma situação, atualmente, em que a
Daí os Estados Unidos terem apoiado a criação economia brasileira está profundamente

Edição n.3, v.1 10 ISSN 2179-6165


Entrevista
penetrada pelo capital estrangeiro, em todos os sendo formado um mercado interno, já que
setores. E não só em relação a produção de bens, pessoas que não tinha poder de compra nenhum,
mas também na área da educação, saúde, ou quase nenhum, passam a ter renda.
escritórios de advocacia... numerosos escritórios
foram vendidos para interesses estrangeiros, Suponhamos que uma empresa tenha
mantndo o nome de brasileiros a frente, mas que capacidade de produzir “100”, mas o mercado
na realidade são escritórios estrangeiros, coisa interno só vai consumir “80”, ela vai procurar
que a legislação brasileira não permite. Até exportar, não é? Portanto é preciso que o
farmácias, como a rede de farmácias Onofre, de mercado interno cresça, e tem crescido muito
São Paulo, está sendo vendida para uma grande muito... e tem se estruturado, com programas
empresa estrangeira... e isso acontece por tudo... educacionais, de saúde... tudo isso estrutura o
você abre o jornal O Valor e toda semana há o mercado de trabalho. Essa é uma questão que
anúncio dessas aquisições, como toda essa parte tem efeitos econômicos e sociais muito
de supermercados, Pão de Açucar e etc... toda importantes. É precisos estruturar o mercado de
essa parte foi vendida. Então, na realidade, não trabalho do ponto de vista da alimentação, da
há a “empresa brasileira”. E são poucas as saúde, da educação... se por exemplo fossem
empresas que do Brasil realizam investimentos melhoradas todas a área de transporte,
em outros países, como a Petrobrás, Vale do Rio transporte urbano, isso seria de grande
doce, Coteminas... tudo modesto... pois a grande importância para a melhoria das condições da
parte da estrutura industrial brasileira hoje em dia mão de obra e do mercado, e dos cidadãos... o
é estrangeira, e ela não investe no exterior. Então que você quiser enfocar. Mas o que acontece é
nós estamos falando de uma coisa muito isso: a empresa, não tendo oportunidade de
interessante, e que tem grande influência sobre investimento no Brasil, e se ela tiver a
vários aspectos da economia, inclusive sobre o oportunidade fora, ela acaba indo.
próprio processo de integração da América
Latina.

Tomemos o exemplo da Vale do Rio doce, que


busca por oportunidades de acesso a recursos
minerais... assim como a Petrobrás, que também
sai em busca de onde tem petróleo ou gás, onde
ela então procura investir. No caso das empresas
manufatureiras brasileiras, uma grande parte
nem participa disso, porque na verdade é
estrangeira. Claro que existe ainda o Banco do
Brasil, que é uma empresa estatal, e as
construtoras... mas as construtoras tem uma
situação diferente: elas fazem obras e depois vão
embora. Fazem uma rodovia e depois vão
embora. Não é um investimento permanente. É
uma operação que termina. Dessa maneira,
quando você tira essas duas ou três grandes
empresas, o que resta são estrangeiras. O que se
tem, ao fim, é uma série de limitações do mercado
interno que são importantes. Por isso que nos
últimos anos se tem procurado ampliar muito o
mercado interno. Com esses programas sociais
(bolsa família, luz para todos), e uma série de
programas na área de transferência de renda, vai

Edição n.3, v.1 11 ISSN 2179-6165


Artigos
A PREDOMINÂNCIA TÁCITA DO to the teaching inside International Relations
TRADICIONALISMO NAS RELAÇÕES courses.
INTERNACIONAIS: O PANORAMA
BRASILEIRO Keywords: International Relations theories,
research in Brazil, positivism, tradicionalism.
THE TACIT PREDOMINANCE OF THE
TRADITIONALISM IN INTERNATIONAL 1. INTRODUÇÃO
RELATIONS: THE BRAZILIAN PANORAMA
As Relações Internacionais (RI), enquanto
André Mendes Pinii disciplina acadêmica, padecem das mesmas
inquietações e desafios naturais às demais
RESUMO ciências humanas, principalmente no que se
refere à definição de questões como seu objeto de
O e s t u d o d a s Te o r i a s d e R e l a ç õ e s estudo, metodologia ou finalidade prática, o que é
Internacionais vem sendo realizado intensificado tendo em vista a relativa juventude
predominantemente pela utilização de narrativas das RI perante às demais ciências humanas.
focadas em paradigmas, correntes, debates e O presente trabalho pretende analisar
escolas. Essa tendência é corroborada ao se brevemente as autoimagens que a disciplina
analisar a estrutura dos cursos de graduação em desenvolveu - ou impôs - ao longo dos anos,
Relações Internacionais do país. A rotulação de debatendo acerca do que se define como
diversos autores em determinadas correntes "correntes" ou "tradições de pesquisa" para,
específicas demonstra-se prejudicial à disciplina posteriormente, avaliar a metodologia de ensino
como um todo, além de legitimar tacitamente o dessas teorias no Brasil, de modo a verificar se
predomínio do tradicionalismo positivista no esses conceitos e nomenclaturas são
campo. No entanto, dados demonstram que no simplesmente impostos e dados como imutáveis
Brasil já há uma consciência crítica acerca da ou se a reflexão e o questionamento são
rejeição do positivismo e da suposta neutralidade incentivados. O argumento sustentado ao longo
perante seu objeto de estudo, o que, todavia, do trabalho é que, embora as últimas décadas
ainda não foi incorporado à sala de aula. tenham incorporado novos temas, agendas,
correntes e debates à disciplina, as visões
P a l a v r a s - c h a v e : Te o r i a s d e r e l a ç õ e s tradicionais ainda se impõem no estudo das RI, o
internacionais, ensino no Brasil, positivismo, que fica evidenciado - ainda que tacitamente - na
tradicionalismo. nomenclatura atribuída às denominadas
"correntes" e "tradições de pesquisa", assim
ABSTRACT como na própria metodologia de ensino dos
cursos de Teoria das Relações Internacionais.
International Relations research has been O primeiro contato que o jovem estudante de
conducted predominantly by the use of narratives relações internacionais tem com as Teorias de
focused on paradigms, debates, and schools. Relações Internacionais (TRI) se dá,
This tendency can be found when analyzing the majoritariamente, nos cursos de graduação. A
structure of international relations courses in metodologia que o docente utiliza no ensino da
Brazil. The labeling of different authors into matéria a seus alunos é fator determinante para a
specific theories becomes harmful to the consolidação e amadurecimento de suas
discipline itself. Besides, it legitimates implicitly percepções e reflexões. Com efeito, a divisão
the predominance of the positivist traditionalism in mais comumente empregada é a didática que
the field. However, data shows that in Brazil there remonta às "correntes": liberalismo, realismo,
is already an awareness regarding the rejection to construtivismo, etc, o que é potencialmente
positivism due to its false premise of being neutral, prejudicial ao desenvolvimento crítico do aluno,
although this awareness hasn't been applied yet que pode ser induzido a tentar enquadrar e limitar

Edição n.3, v.1 12 ISSN 2179-6165


Artigos
seus pensamentos a uma determinada corrente, A s d i v e r s a s Te o r i a s d e R e l a ç õ e s
sem que muitas vezes fique claro a profunda Internacionais sofrem constantemente
heterogeneidade dentro delas. questionamentos acerca de sua coerência e
Utilizar-se-á, ao longo do trabalho, dados constituição. É patente a ausência - e mesmo a
coletados junto a alguns dos principais cursos de necessidade - de um consenso em termos gerais
graduação em relações internacionais do paísii nas RI, seja no seu objeto de estudo, na sua
assim como a alguns acadêmicos e professores metodologia e até nas próprias terminologias dos
da área, que servirão como uma rica fonte de trabalhos em si. Diversos autores, como Walt,
estudos para a definição do panorama da defendem que a disciplina fica melhor quando
disciplina no país. Outro recurso muito útil à composta por um quadro amplo de teorias ao
elaboração do projeto foi o "TRIP Project", que invés de uma teoria ortodoxa universal. (WALT,
realizou o "survey" "TRIP Around the World: 1998). As dificuldades de se harmonizar o campo,
Teaching, Research and Policy Views", concebido ao mesmo tempo que geram preocupações
por Daniel Maliniak, Susan Peterson e Michael J. acerca de seu futuro e seu reconhecimento
Tierney e publicado em 2012 pelo College of enquanto ciência social por parte de alguns
William&Mary, que traça um panorama global do autores mais tradicionais, abrem a possibilidade
ensino, estudo e pesquisa na disciplina de RI, de expansão do leque de temas e agendas a
incluindo o Brasil. serem estudadas, enriquecendo a disciplina e
Ressalta-se que, apesar do embasamento tornando-a mais atraente.
tanto em trabalhos publicados por acadêmicos da A disciplina, historicamente, foi composta por
área quanto em dados brutos, o trabalho, diversos debates- seja entre correntes,
evidentemente, reflete opiniões e ponderações metodologias ou autores - e é comum a
do autor, que não tem a falsa pretensão de divulgação de trabalhos que, ao abordar
manter-se neutro perante seu objeto de estudo, determinado item da agenda de pesquisa das RI,
principalmente devido à necessidade de análise visam estruturar seus argumentos de maneira a
de dados quantitativos. Não é objetivo do trabalho deslegitimar as demais correntes, o que,
apresentar soluções ou criticar cegamente a geralmente, suscita em réplicas e tréplicas,
forma de se estudar RI nas graduações do Brasil. gerando debates nos quais, muitas vezes, cada
O que o trabalho almeja é denunciar as parte mantém-se introspectiva, seleciona
consequências que a metodologia atualmente convenientemente as críticas às quais quer
aplicada gera no pensamento crítico dos jovens rebater, e pouco dialoga com seus pares, sendo o
estudantes do país. resultado final, preponderantemente, pouco
produtivo. Nesse sentido, há a percepção que, de
2. A PASSIONALIDADE NAS TEORIAS DE fato, a disciplina revestiu-se de certa
RELAÇÕES INTERNACIONAIS passionalidade na elaboração de seus discursos,
segregada em guetos científicos e em "ismos"
Estudos sobre as Teorias de Relações ideológicos que se veem como concorrentes.
Internacionais são caracterizados, David Lake exemplifica bem esse argumento:
majoritariamente, dentro de "paradigmas", ou
"tradições de pesquisa", consoante a definição de We organize ourselves into academic "sects" that
autores como Laudan, Kuhn , Sil e Katzenstein. O engage in self-affirming research and then wage
enquadramento de autores e acadêmicos em theological debates between academic religions.
Realistas, Liberais, Marxistas, Construtivistas, This occur at both the level of theory and
Pós-modernos ou Feministas presume a epistemology.(...) Rather, we have produced a
existência de uma homogeneidade naturalmente clash of competing theologies each claiming its
inerente a cada corrente. (LAKE, 2011). No own explanatory "miracles" and asserting its
entanto, é crescente a contestação acerca do universal truth and virtue. (LAKE, 2011).
enquadramento sistemático de determinados
autores em correntes específicas. A impossibilidade - e até inconveniência - de se

Edição n.3, v.1 13 ISSN 2179-6165


Artigos
atingir uma teoria unificada universal já é patente heroic post-hoc representation by the self-
nas RI. Existem, no entanto, propostas diversas proclamed realists" (WAEVER, 20005). A própria
para a superação do atual panorama de construção da ideia de um debate, por natureza,
rivalidades passionais constituído na disciplina, gera a necessidade de se obter um "vencedor", o
que serão apresentadas no decorrer do projeto. que se torna extremamente conveniente quando
No entanto, o presente trabalho não se alongará se está munido da perspectiva histórica. O
na discussão acerca dessas alternativas, realismo se legitimava como a corrente que
focando, majoritariamente, na argumentação e enxergava a "realidade" do sistema internacional,
demonstração de que há ainda um forte alcunhando seus "adversários" como meramente
predomínio da abordagem tradicional nas RI, idealistas ou utópicos, ou seja, as RI já nascem
explícito na própria metodologia de ensino da com nomenclaturas enviesadas determinadas
disciplina. pelas estruturas dominantes.
Nota-se, portanto, que as TRI, em sua origem,
3 . A P R E D O M I N Â N C I A T Á C I TA D O já foram rotuladas em correntes e paradigmas.
TRADICIONALISMO Apesar da diversidade de ideias entre os autores
denominados "realistas", todos mantinham um
Em que pese o florescimento de novas eixo central de argumentação, que era a negação
correntes e autores nas últimas décadas, sejam dos princípios liberais como a maneira mais
eles considerados construtivistas, pós-modernos eficiente de se atingir o progresso e evitar-se
ou pós-estruturalistas, ainda é patente o conflitos de larga escala (WAEVER, 2005.), ou
protagonismo das tradições realista e liberal seja, as primeiras identidades das RI foram
quando se aborda as teorias de relações criadas pela negação das demais ideias,
internacionais. Dados do "TRIP Project" agrupando autores em determinados grupos que
demonstram que, apesar de mais de 69% dos compartilhavam das mesmas críticas, tornando
pesquisadores e acadêmicos ao redor do globo prática comum na disciplina a busca de
não se enquadrarem/identificarem nem como legitimação pela construção de dicotomias. Nas
realistas nem como liberais, em seus cursos de palavras de Ole Waever:
teoria de relações internacionais 45% do material
de leitura ainda advém de autores identificados e Realism is not a school because of any objective
enquadrados nessas correntes. proximity of its members or any uniformity of their
Para a melhor compreensão acerca do positions, but is unified in and by contrast to
argumento que denuncia a latente presença do idealism and in particular by the form of this
tradicionalismo na estrutura geral da disciplina de opposition: denying progress or domestic
TRI, considera-se importante uma breve análise spillover while competing to claim the moral high
histórica que conduza ao contexto central do ground for amorality(...) It has often been noticed
capítulo, tendo em mente a noção foucaultiana, that the labels "realist" and "idealist" were terribly
explorada por Steve Smith, de que a história é self-serving and biased. Combined with the fact
uma série de dominações, marcadas por relações that in the first debate realism was the clear
de força. Com efeito, os saberes, discursos e winner, this led to the situation where no one read
teorias são essenciais nesse processo, pois the interwar idealists any more. They were known
espelham, consolidam e legitimam essas only through the parodies by their critics
relações de força (SMITH, 1995). (WAEVER, 2005).
Nota-se que o "primeiro debate" da disciplina,
no florescer do século XX, já se inicia A situação contemporânea, vale o ensejo,
tendencioso, confrontando o denominado remonta ao rótulo de "realista" como algo
"idealismo" contra o autoproclamado vencedor, negativo, que poucos autores estão dispostos a
"realismo". O debate, identificado por E.H. Carr atribuírem-se, mas que continua dominante nos
em seu livro "Vinte Anos de Crise", foi definido por debates. Nesse sentido, percebe-se que o
Ole Waever como "not so much a discussion as a Realismo, hodiernamente, é o grande alvo de

Edição n.3, v.1 14 ISSN 2179-6165


Artigos
críticas e questionamentos na disciplina, o que, pelos círculos acadêmicos tradicionais que
contraditoriamente, mantém-no como a corrente tentaram incorporar suas vertentes menos
"em evidência", e, ironicamente, vem tornando-o radicais a seu leque conceitual, como exemplifica
conhecido também somente pela paródia de seus a divisão que Katzenstein, Krasner e Keohane
críticos. (WAEVER, 2008) David Lake, ao abordar fizeram da disciplina - entre racionalistas e
o tema, sugere que existem patologias inerentes construtivistas - referindo-se, todavia, somente ao
ao campo das RI que acabam por "reificar" e construtivismo de Wendt, que estabelecia ainda
recompensar as tradições de pesquisa que se algumas pontes com o positivismo. Há, ainda
demonstram mais radicais, como o realismo hoje, quem negue a existência do denominado
frequentemente é. (LAKE, 2011). "quarto debate", de modo a deslegitimar a
Retomando a digressão histórica; nos anos de ascensão das correntes críticas, enquadrando-as
1970, ao aceitar premissas equivalentes, fora do escopo das RI (WAEVER, 2005). Apesar
constituintes do mesmo "núcleo duro" e ao do ascendente protagonismo que as teorias pós-
fazerem parte de um mesmo "programa de positivistas alcançaram nas últimas décadas, a
pesquisa", neorrealismo e neoliberalismo rotulação de uma gama de autores, muitas vezes
finalmente tornam as TRI menos introspectivas, divergentes entre si, em correntes específicas,
abrindo espaço a debates interparadigmáticos, sejam Construtivistas ou Pós-Modernas, ainda
podendo ser comparadas e confrontadas, soa como uma roupagem científica a essas
empiricamente, entre si. Com efeito, torna-se teorias que são agrupadas e racionalizadas,
relevante a discussão entre a natureza e as tendo suas premissas e bases teóricas
consequências da anarquia internacional, as homogeneizadas, o que soa praticamente como
diferentes vertentes da cooperação, a lógica das uma ironia metalinguística.
tomadas de decisões, a especialização temática Um exemplo paradigmático é a reunião de
e o papel das instituições. autores como Onuf, Kratochwil e Wendt em uma
Esse ensejo neopositivista revigorado mesma corrente, dita Construtivista, apesar de
presumiu-se a pauta dominante que consolidaria suas diferentes visões acerca tanto da relevância
os estudos das RI. Porém, o que a década de da virada linguística quanto da pertinência da
1980 vislumbrou foi justamente o questionamento análise de fenômenos identitários e até da
de toda metodologia científica moderna nas diferente aceitação de algumas premissas
ciências humanas como um todo o que, positivistas, como a anarquia, permite-nos inferir
invariavelmente, chegou às RI - em que pese sua que, hodiernamente, as teorias tradicionais ainda
constante busca de autonomia perante as são preponderantes no estudo das RI e na
ciências humanas de modo geral. Nesse sentido, definição de suas correntes e debates. A partir
autores como Kuhn, Lakatos e Musgrave dessa análise pode-se compreender o motivo
passaram a ser valorizados e passou-se a pelo qual autores enquadrados como pós-
questionar a suposta "neutralidade científica" modernos e construtivistas, muitas vezes
positivista, incorporando às RI debates sobre preocupados com as análises dos discursos que
"epistemologia" e "ontologia". (WAEVER. 2005). legitimam práticas e ações, refutam fazer parte de
O positivismo e sua suposta neutralidade já uma suposta corrente homogênea e concisa, pois
vinham sendo questionadas desde a Escola de isso é incoerente com sua própria metodologia.
Frankfurt do início do século XX e novos Ressalta-se, no entanto, que a incoerência em
autores,classificados em novas "correntes" e se agrupar diversos autores em uma mesma
tradições de pensamento, como a Teoria Crítica, o corrente não se restringe somente às
Construtivismo Social e o Pós-Modernismo, perspectivas pós-positivistas. Dentro da "grande
incorporaram suas premissas e alocaram-nas corrente Realista" em si, há uma série de
aos estudos das RI, questionando as abordagens divergências e subdivisões, explícitas já quando
tradicionais da disciplina e iniciando debates se fala em Realismo, nos termos de Morgenthau,
metateóricos. e no Neorrealismo de Waltz, e que se aprofunda
O pós-positivismo foi recebido com apreensão na medida em que se percebe as diferenças entre

Edição n.3, v.1 15 ISSN 2179-6165


Artigos
"Neorrealistas ofensivos", "defensivos" e etc, neutralidade que as teorias tradicionais
evidenciada nos trabalhos de autores como presumem, denunciando-as enquanto
Jervis, Quester e Mearsheimer. instrumento de legitimação das práticas e
Tendo em vista esses argumentos, surge a políticas dos países centrais. Ele defende o fim do
necessidade de ponderação acerca da existência ensino de Teorias de Relações Internacionais no
de alternativas à esse panorama e da avaliação país, e a substituição pelo uso de Conceitos que
do processo de aprendizagem e ensino das se enquadrariam melhor à realidade nacional
teorias de RI no país, pois, de acordo com a (CERVO, 2008).
metodologia de ensino utilizada, corroborar-se-á O livro "The Future of International Relations:
tacitamente o predomínio das agendas de Masters in the Making" organizado por Iver B.
pesquisa tradicionais. Neumann e Ole Waever é, também, um bom
exemplo dessas iniciativas alternativas, sendo
4. PERSPECTIVAS ALTERNATIVAS E SUAS uma tentativa de "intervenção nos debates acerca
CONTRIBUIÇÕES da maneira de ler a disciplina" (WAEVER, 2005).
Organizado de acordo com autores, e não
Conquanto as RI mantenham seu caráter correntes ou debates, o livro se propõe a
tradicional, corroborado pela divisão em apresentar o pensamento de 12 autores, dos
correntes ou paradigmas supostamente clássicos aos contemporâneos, preocupando-se
homogêneas, há, hodiernamente, propostas em não emoldurá-los em correntes de
alternativas de estudo de TRI que visam romper pensamento específicas. Waever deixa claro que,
com o procedimento tradicional dominante no muitas vezes, a busca pela rotulação de
campo, oferecendo abordagens e perspectivas determinados autores acaba por desagregar a
alternativas. Embora o trabalho não objetive complexidade de seus trabalhos, o que acaba,
analisar essas ideias, torna-se conveniente sua por vezes, fragmentando suas obras e não
exposição, pois demonstra que o argumento expressando, de fato, sua originalidade. A
central do projeto não é uma voz singular no seleção dos 12 "masters in the making", inclusive,
questionamento ao status quo. segundo o autor, reflete a escolha por autores
Algumas ideias para a superação do complexos e difíceis de serem enquadrados em
tradicionalismo no estudo das RI advém de "caixas", como Alker, Onuf e Walker (WAEVER,
autores como David Lake, Friedrichs e 2005).
Kratochwil, que propõem metodologias Outros esforços interessante nessa busca pelo
diferenciadas na compreensão dos fenômenos rompimento do tradicionalismo nas RI são os
internacionais. David Lake sugere a superação trabalhos que buscam identificar o estudo das RI
dos "ismos" pela desagregação das teorias em fora do eixo ocidental. A obra de Amitav Acharya e
conceitos comuns baseados em interesses, Barry Buzan, "Why is there non-Western
interações, e instituições (LAKE, 2011). A outra International Theory", foca-se nas Teorias de RI
proposta advém conjuntamente de Friedrichs e advindas, majoritariamente, da Ásia e demonstra
Kratochwil que propõem uma abordagem que, muitas vezes, os temas centrais das
pragmática para a superação dos entraves da agendas de pesquisa dos autores asiáticos pouco
disciplina - pelo reconhecimento da geração de incorporam temas tradicionais às RI Ocidentais.
conhecimento como uma atividade social e Exemplo disso, abordado no trabalho, é o foco
discursiva, focando-se, portanto, na geração de das teorias chinesas que buscam legitimar seu
conhecimento prático (FRIEDRICHS, crescimento econômico e político ao mesmo
KRATOCHWIL, 2009). tempo que renegam teorias realistas que os
No Brasil, Amado Cervo é o grande enquadrariam como uma virtual ameaça. Há
representante do questionamento ao ensino das também o caso do Japão, que busca ser uma
Teorias de Relações Internacionais. Inspirado "potência civil" no Sistema Internacional,
pela premissa de Cox que "toda teoria serve para renegando também as expectativas realistas.
algo e para alguém", ele questiona a suposta (BUZAN, 2007).

Edição n.3, v.1 16 ISSN 2179-6165


Artigos
5. O PANORAMA BRASILEIRO preponderantes nos principais cursos de RI do
país até o início dos anos 2000 - restritos a leituras
O presente capítulo tem o intuito de fornecer complementares de cunho didático; e a utilização
um panorama geral do ensino e do estudo das preponderante de textos originais, tanto em inglês
Teorias de Relações Internacionais no país, tendo quanto em português, de autores considerados
como um dos fundamentos o "TRIP Project", que baluartes das correntes e tradições de
realizou em 2011 o "survey" "TRIP Around the pensamento - o que foi facilitado, evidentemente,
World: Teaching, Research and Policy Views. pela difusão do acesso à informação
Essa pesquisa fornece dados quantitativos proporcionado pela internet. As vantagens e a
relativos a 20 países ao redor do mundo, importância do uso de textos originais é
possibilitando que se estabeleçam comparações amplamente reconhecida, sendo especialmente
acerca do ensino de RI no Brasil frente a outros cara aos argumentos do presente trabalho. O
países. Utiliza-se também, ao longo do capítulo, estudo por manuais de relações internacionais é
dados obtidos junto a alguns dos principais cursos altamente prejudicial ao desenvolvimento crítico
de graduação em relações internacionais do país dos alunos, que absorvem informações já
- UnB, USP, PUC- RJ, PUC-GO, FACAMP, p r e v i a m e n te fi l t r a d a s , e , m u i t a s v e z e s ,
UNESP - que tiveram as ementas de suas erroneamente classificadas. Um dos manuais
disciplinas voltadas às TRI analisadas de forma a mais utilizados no Brasil, por exemplo, encaixa a
obter-se um cenário nacional mais aprofundado. Escola Inglesa como uma mera vertente do
A análise dos cursos de TRI no país corrobora Realismo o que, por si só, já corrobora o
os argumentos principais do presente trabalho. A argumento acima.
metodologia de ensino em quase todos os cursos O "TRIP Project" demonstra que, globalmente,
de Graduação das universidades brasileiras textos produzidos nos EUA correspondem a 58%
ocorre ainda da forma tradicional, dividindo-se e das leituras que os estudantes realizam nos seus
rotulando-se as correntes e paradigmas à medida cursos de introdução às RI. No Brasil, essa
que o estudo avança. A criticidade que cada porcentagem diminui para 43%,
professor atribui nas aulas e discussões ao longo concomitantemente aos 44% representados por
do curso é impossível de ser avaliada, no entanto, leituras brasileiras e latino-americanas. Percebe-
o que as ementas das disciplinas demonstram é o se que o Brasil mantém-se abaixo da média
inegável predomínio da análise paradigmática. global, o que pode ser justificado devido a outro
Exceções a essa constatação são a USP e a UnB. dado do survey, que demonstra o interesse
A Universidade de São Paulo organiza o ensino brasileiro nos estudos acerca da região latino-
de TRI entre autores - em uma metodologia americana. No entanto, os dados são positivos,
alinhada à proposta de Waever - desde os na medida que refletem o uso de textos originais
clássicos até os contemporâneos, iniciativa essa nas salas de aula.
que, apesar de isolada, ainda, no Brasil, converge No que se refere ao foco nas "correntes e
com alguns cenários internacionais, como o paradigmas" estudados nos cursos de Introdução
proposto por Waever. A Universidade de Brasília às RI em nível de graduação globalmente, ainda
vem, recentemente, incluindo discussões acerca se percebe a predominância das teorias
das autoimagens e do Estado da Arte na tradicionais, com Realismo e Liberalismo
disciplina, incorporando à estrutura de seu curso ocupando 45% da estrutura dos cursos. O Brasil
discussões metalinguísticas acerca da própria possui médias maiores que as globais, com 49%.
utilização de paradigmas ou autores nos estudos Dados interessantes, no entanto, apontam que
das RI sem, no entanto, deixar de utilizar as 18% dos acadêmicos mundialmente trabalham
nomenclaturas tradicionais. O presente trabalho é com abordagens não paradigmáticas, e o "TRIP
fruto dessa metodologia. Project" aponta que essa tendência já vem sendo
Um dado positivo, entretanto, é a baixíssima seguida no Brasil, onde 16% do universo de 193
utilização, como fonte principal dos estudos, de acadêmicos entrevistados também afirmaram
Manuais de Teorias de Relações Internacionais - utilizarem-se dessa metodologia. No entanto, ao

Edição n.3, v.1 17 ISSN 2179-6165


Artigos
se analisar as ementas das disciplinas de análises que se supõem neutras perante seu
Introdução às RI no país, percebe-se que, até o objeto de estudo. No entanto, apesar da minoria
momento da conclusão deste trabalho - segundo dos acadêmicos brasileiros considerarem-se
semestre de 2012 - apenas a Universidade de positivistas, isso ainda não se reflete nos cursos
São Paulo não estruturou seu curso com base em de RI do país, que ainda preconizam o estudo das
paradigmas, focando nos autores. teorias de forma tradicional, com o positivismo
No que se refere ao trabalho dos acadêmicos implícito na rotulação de diversos autores em
entrevistados, o Brasil se divide quase igualmente correntes específicas, como defendido ao longo
entre profissionais que usam abordagens do trabalho.
racionalistas - rational choice framework - sem
restringirem-se, todavia, à essa metodologia 6. CONCLUSÃO
(44%) e outros que não presumem a
racionalidade dos atores (41%). Apesar de esse O e s t u d o d a s Te o r i a s d a s R e l a ç õ e s
padrão seguir a tendência global, ressalta-se que Internacionais tem sido conduzido,
a porcentagem brasileira que restringe seu tradicionalmente, por meio de narrativas
trabalho às abordagens racionais ainda é mais centradas em debates entre correntes e
que o dobro da global (16% no Brasil, frente a 7% paradigmas que aglomeram autores em escolas
no mundo) o que demonstra ainda certo de pensamento supostamente homogêneas, o
conservadorismo no país. que não reflete, de fato, a diversidade e
Quando questionados acerca do complexidade que as RI vem adquirindo nas
enquadramento de suas próprias abordagens no últimas décadas. Muitas vezes, determinados
estudo das RI, percebe-se uma mudança em autores tem a compreensão abrangente de suas
relação às últimas décadas. Em 1998, Ole obras comprometida devido às tentativas de
Waever atestava que os EUA ainda eram enquadrá-los e fragmentá-los em uma
influenciados majoritariamente por teorias determinada corrente, e, assim, as RI correm o
positivistas, enquanto a Europa Ocidental risco de se tornarem estéreis e sem criticidade, à
despontava como reflexivista em sua maioria. medida em que não são mais os autores que
(WAEVER, 1998). No entanto, o "TRIP Project" modelam os paradigmas da disciplina, mas os
demonstra que essa distinção encontra-se paradigmas que definem os autores.
atenuada hodiernamente. O survey também Os debates contemporâneos da área vem
demonstra que, dentre as correntes pré- incorporando questões epistemológicas e
estabelecidas, o construtivismo globalmente é a relacionadas à filosofia da ciência, o que
com maior número de autores (22%). Contudo, vislumbra a busca pela superação dos "ismos" e
essa porcentagem é igualada por autores que não das questões epistemológicas no campo, em
se enquadram e não usam a análise favor de abordagens mais pragmáticas. (LAKE
paradigmática. O Brasil reflete esse padrão com 2011; KRATOCHWIL, 2009).
20% dedicado ao Construtivismo e 19% que Concomitantemente, questiona-se os
refutam sua inclusão em uma corrente específica. pressupostos universalistas do estudo das
Um dos dados que mais chama a atenção Teorias de RI em favor da reflexão sobre sua
quando comparado às estruturas dos cursos de epistemologia, ontologia e metodologia. Isso já se
TRI no país é a caracterização dos trabalhos em reflete em trabalhos acadêmicos, livros e artigos,
termos epistemológicos. Enquanto, no mundo, como "The Future of International Relations:
47% dos acadêmicos e pesquisadores Masters in the Making" organizado por Iver B.
consideram-se positivistas, 28% não positivistas Neumann e Ole Waever; no entanto, essa
e 26% pós-positivistas, o Brasil vai na contramão reflexão ainda não foi incorporada plenamente à
dessa tendência, apresentando apenas 28% de sala de aula.
positivistas, 44% de não positivistas e 29% de Apesar da constante crítica acerca da
pós-positivistas, o que demonstra que, no país, metodologia tradicional que ainda permeia o
majoritariamente, não é dado tanto crédito a ensino das Teorias de RI no país, é importante

Edição n.3, v.1 18 ISSN 2179-6165


Artigos
salientar que o presente trabalho não vislumbra Internacional, No 51, 2008.
um cenário em que as nomenclaturas "Realismo" ACHARYA, Amitav; BUZAN, Barry. Why is there
ou "Construtivismo" sejam completamente no non-Western international relations theory?,
inutilizadas, nem que as TRI sejam excluídas dos 2007.
cursos de RI, como defende Amado Cervo. Seus FRIEDRICHS, Jörg; KRATOCHWIL, Friedrich.
aspectos didáticos ainda são importantes para On Acting and knowing: How can pragmatism can
uma compreensão inicial e geral da disciplina. advance international relations research and
Todavia, elas não deveriam ser entendidas como methodology. International Organization, No. 63,
correntes e paradigmas sólidas e impermeáveis e 2009.
principalmente seu aspecto meramente didático HOUGHTON, David Patrick. Positivism 'vs'
deveria ser mais explícito na organização dos Postmodernism: Does Epistemology Make a
cursos no Brasil. A metodologia vanguardista Difference?, 2008.
utilizada tanto na UnB quanto na USP são LAKE, David A. "Why ''isms'' Are Evil: Theory,
exemplos de que é possível incorporar essas E p i s t e m o l o g y, a n d A c a d e m i c S e c t s a s
discussões já à graduação. Impediments to Understanding and Progress",
Os dados obtidos pelo "TRIP Project" International Studies Quarterly, 2011.
demonstram que a academia brasileira NOGUEIRA, João; MESSARI, Nizar. Teoria das
majoritariamente não se classifica como Relações Internacionais: correntes e debates,
positivista, questiona supostas neutralidades 2005.
perante seu objeto de estudo, valoriza SMITH, Steve. “The Self images of a Discipline: a
abordagens críticas nos estudos das RI e já se Genealogy of International Relations Theory”.
preocupa em não se rotular dentro de International Theory: Positivism and Beyond,
paradigmas. Entretanto, isso não é refletido nos 1995.
cursos de graduação do país, que ainda priorizam SNYDER, Jack. "One world, rival theories".
o estudo das teorias de forma tradicional, Foreign Policy, No. 145.2004. Disponível em:
utilizando leituras sobre Realismo e Liberalismo [http://www.jstor.org/stable/4152944] Acesso em:
prioritariamente e organizando suas ementas 23/05/2012.
pelo rótulo dos paradigmas - o que valoriza, ainda WALT, Stephen M. "International Relations: One
que tacitamente, o positivismo. World, Many Theories". Foreign Policy, No. 110,
À guisa de conclusão, deve-se ressaltar que as Special Edition: Frontiers of Knowledge, 1998.
condições para uma mudança na metodologia de D i s p o n í v e l e m
ensino de TRI no Brasil já estão consolidadas, [http://www.jstor.org/stable/1149275]. Acesso em:
havendo grande lucidez na academia brasileira, 25/05/2012.
que se destaca por já refutar o positivismo, WÆVER, Ole. "Figures of International Thought:
diferentemente do que ocorre Introducing Persons Instead of Paradigms", The
internacionalmente. O que ainda não ocorre é a Future of International Relations, 2005.
incorporação desse pensamento na estrutura dos Fontes Primárias:
cursos de RI no país, o que é de suma importância Ementas das disciplinas de Teorias das Relações
para o desenvolvimento de gerações de Internacionais dos cursos de graduação da UnB,
internacionalistas comprometidos com a USP, PUC-GO, PUC-RJ, UNESP, FACAMP.
criticidade e a rejeição do status quo imposto por Pesquisa "TRIP Around the World: Teaching,
tradições supostamente dominantes advindas de Research, and Policy views of International
centros hegemônicos globais. Relations Faculty in 20 Countries", College of
William&Mary, Williamsburg, Virginia, 2012.
BIBLIOGRAFIA
______________________________________
Livros e Artigos:
iEspecialista
CERVO, Amado L. Conceitos em Relações em Relações Internacionais pela
Internacionais. Revista Brasileira de Política Universidade de Brasília, bolsista da CAPES e

Edição n.3, v.1 19 ISSN 2179-6165


Artigos
Mestrando em Relações Internacionais pela
Universidade de Brasília. Email:
andrempini@gmail.com
iiUtilizar-se-á como base a UnB, USP, PUC-GO,

PUC-RJ, UNESP e FACAMP, tendo em vista que


foram os cursos aos quais houve acesso às
ementas das disciplinas de Teorias das Relações
Internacionais dos cursos de graduação.

Edição n.3, v.1 20 ISSN 2179-6165


Artigos
OS BRICS: CONSIDERAÇÕES SOBRE OS Alexander Wendt, developed in the early 90s, with
NOVOS ATORES GLOBAIS NO SÉCULO XXI the plea that the international system is built
steadily since actors involved with their actions
THE BRICS: CONSIDERATIONS ON THE make the world a pillar to be built systematically.
NEW GLOBAL ACTORS IN XXI CENTURY Keywords: BRICS, Emergent countries,
regionalism.
Rodrigo Cassio Marinho da Silva
1. INTRODUÇÃO
RESUMO
Este trabalho tratará dos antecedentes do
O presente artigo busca analisar, os chamados surgimento dos BRICS no pós - Guerra Fria,
“países emergentes”, denominados como BRICS seguido da relevância do grupo, seus princípios
- Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – e o norteadores definidos a partir do Consenso de
desenvolvimento de uma perspectiva que visa Brasília e Moscou, a “desigualdade” existente
traçar um perfil político de diversidade regional entre os chamados “países ricos” e os
mediante seu grau de inserção no cenário “emergentes” na conjuntura internacional das
internacional do século XXI. O grupo de “países grandes cúpulas, alianças e fóruns, os desafios
emergentes” pode ser considerado inserido na enfrentados por cada membro e, por fim, a
comunidade internacional com êxito e despontar inserção da África do Sul e o debate que se
como uma “alternativa viável” ao vácuo de poder formou sobre qual país melhor “representaria” o
existente no sistema internacional nas primeiras Continente Africano como membro efetivo a partir
décadas deste século? das diretrizes do próprio criador do acrônimo Jim
Abordando uma perspectiva teórica baseada O'Neil, economista-chefe do banco de
no Construtivismo de Nicholas Onuf e Alexander investimentos Goldman Sachs.
Wendt, desenvolvida no começo da década de A metodologia tem como base um caráter
90, com o fundamento de que o sistema dedutivo, uma vez que o enfraquecimento das
internacional é construído de forma constante, “potências tradicionais”, a ascensão dos “países
uma vez que atores envolvidos com suas ações emergentes”, leva a um cenário distinto para esse
tornam o mundo um pilar a ser construído começo de século, em que a pujança econômica
sistematicamente. frente aos processos recessivos dos “países
ricos” torna viável a perspectiva de liderança dos
Palavras-chave: BRICS, Países emergentes, BRICS, aplicada a uma pesquisa bibliográfica, à
novo regionalismo. medida que se baseia em material já publicado
como livros, artigos, periódicos especializados e
ABSTRACT sites de internet.

This article seeks to analyze the so-called 2. ANTECEDENTES DO SURGIMENTO DOS


"emerging countries", as called BRICS - Brazil, BRICS
Russia, India, China and South Africa - and the
development of a perspective that seeks to chart a Toda análise do sistema internacional supõe
political profile of regional diversity by their degree alguma visão teórica a respeito do tempo, do
of integration in the XXI century. Can the group of espaço e do movimento da sua “massa histórica”.
"emerging" countries be considered successfully Sem a teoria é impossível interpretar a conjuntura
embedded in the international community and e identificar os movimentos cíclicos e as “longas
emerge as a "viable alternative" to the power durações” estruturais que se escondem e
vacuum existing in the international system in the desvelam, ao mesmo tempo, através dos
early decades of this century? acontecimentos imediatos do sistema mundial.
Addressing a theoretical perspective based on Só tem sentido falar de “grandes crises”,
the Constructivism of Nicholas Onuf and “inflexões” e “tendências” a partir de uma teoria

Edição n.3, v.1 21 ISSN 2179-6165


Artigos
que relacione e hierarquize fatos e conflitos que agora tomavam seu lugar?) (HOBSBAWM,
locais, regionais e globais, dentro de um mesmo 1995, p. 537-538).
esquema de interpretação. Além disso, é a teoria De acordo com Fonseca Junior (2011: p. 15-
que define o “foco central” da análise e a sua 16):
“linha do tempo”. Por exemplo, com relação às Essa descrição beira o caricatural: afinal, os
transformações mundiais das últimas décadas, é anos 1990 também se caracterizaram por
muito comum falar de uma “crise da hegemonia episódios que frustram dramaticamente aquele
americana”, na década de 1970, e reconhecer otimismo, tanto do lado das crises financeiras
que, depois disso, houve duas inflexões históricas quanto do lado das tragédias humanitárias.
muito importantes, em 1991 e 2001. Mas, por trás Entretanto, a caricatura serve para marcar, do
deste consenso aparente, podem esconder-se ângulo da ordem internacional, o enorme
interpretações completamente diferentes, contraste com o início do século XXI, que elimina
dependendo do ponto de partida teórico de cada boa parte do otimismo e da esperança do fim da
analista. Portanto, essa análise da conjuntura Guerra Fria. Verifica-se, em pouco tempo, que, se
internacional começa expondo, de forma o ideal da “ordem multilateral” não é viável, o de
sintética, o seu foco de observação, a sua tese uma ordem unilateral, comandada pelos EUA não
central e suas principais premissas teóricas, para é a melhor alternativa também. A solução
só depois analisar as mudanças recentes do multilateral beirava a utopia (e faltaram os
sistema mundial e discutir o novo lugar de China, “agentes sociais” que a levassem adiante); a
Rússia, Índia, Brasil e África do Sul. (FIORI, 2007, unilateral representaria a negação do próprio
p.78) sentido da ordem internacional, que supõe a
O breve século XX acabou em problemas para articulação combinada de “vontades soberanas e
os quais ninguém tinha, nem dizia ter, soluções. diferentes”. Aliás, os próprios EUA perceberam,
Enquanto tateavam o caminho para o terceiro de maneira contundente, pelas dificuldades que
milênio em meio ao nevoeiro global que os enfrentam no Afeganistão e no Iraque, que algum
cercava, os cidadãos do fin-de-siècle só sabiam recurso ao multilateralismo era necessário ainda
ao certo que acabara uma era da história. E muito que fosse para completar e respaldar as medidas
pouco mais. inspiradas pelo unilateralismo. Para simplificar,
Assim, pela primeira vez em dois séculos, desde o fim da Guerra Fria, mas especialmente
faltava inteiramente ao mundo da década de na entrada do século XXI, existe uma demanda de
1990, qualquer sistema ou estrutura ordem e não está claro quem vai produzir a oferta.
internacional. O fato mesmo de terem surgido, A ideia de um mundo sem rumo, à deriva,
depois de 1989, dezenas de Estados territoriais marcado por impasses, sem perspectivas claras,
sem qualquer mecanismo independente para se espalha.
determinar suas fronteiras – nem sequer terceiras Essa demanda, se corresponder à
partes aceitas como suficientemente imparciais incapacidade das potências tradicionais de gerar
para servir de mediadoras gerais – já fala por si. novos paradigmas de ordem, corresponde quase
Onde estava o consórcio de grandes potências automaticamente à abertura para que países (e
que antes estabelecia, ou pelo menos ratificava grupos) que emergem naquele momento
fronteiras contestadas? Onde estavam os busquem espaço próprio para “auxiliar”, com
vencedores da Primeira Guerra Mundial que interesses e ideias, modos de desenhar
supervisionavam o novo desenho do mapa da perspectivas de ordem. Diga-se, desde já, que
Europa e do mundo, fixando uma linha de não existe, do lado dos emergentes, nada de
fronteira aqui, insistindo num plebiscito ali? radical, nada de revolucionário (para lembrar as
(Onde, na verdade, estavam aquelas categorias de Kissinger, querem “melhorar” as
conferências internacionais de trabalho tão condições de legitimidade, não criar alternativas
conhecidas dos diplomatas do passado, tão às que existem).
diferentes das breves conferências de cúpula Apesar do notável peso desses países, seria
para fins de relações públicas e sessões de fotos difícil conceber, na década de 1990, a formação

Edição n.3, v.1 22 ISSN 2179-6165


Artigos
de um agrupamento como os BRICS de hoje, não objetivos da política macroeconômica dos
apenas porque cada país enfrentava dificuldades Estados Unidos, legitimados por seu poderio
internas, de ordem política ou econômica, mas militar. É apontado por Franklin Serrano
também porque o G7 (agrupamento formado por (SERRANO, 2004) como sendo a ofensiva
Canadá, França, Itália, Alemanha, EUA, Japão e conservadora interna com priorização do controle
Reino da inflação e resolução do conflito distributivo
Unido) representava, então, o núcleo duro do interno a favor das classes proprietárias, as
poder econômico. Contudo, o cenário político e políticas de controle inflacionárias impostas por
econômico mudou significativamente desde Reagan ao final da década de 1970.
então. Até então, os Estados Unidos operavam em
Nos primeiros anos do século XXI, a China termos da manutenção de altas taxas de
ascendeu ao posto de segunda economia do crescimento, sendo que entre 1947 e 1968 o
mundo e de maior exportadora global (2010); o compromisso se dava por conta da ameaça
Brasil passou à posição de sexta maior economia soviética o que justificava suporte incondicional
do planeta (2011); a Índia mantém elevadas taxas aos países aliados. Após 1968 – até 1979 –
de crescimento anual, sendo a nona maior persistiu a tentativa de manutenção de altos
economia; a Rússia recuperou sua autoestima níveis de emprego interno, ainda que à custa do
com base na estabilidade econômica, situando- abandono de Bretton Woods e com grande
se como a décima primeira maior economia; e a prejuízo do ganho financeiro nos EUA, pois as
África do Sul apresenta-se ao mundo baixas taxas de juros não permitiam elevados
reconstruído em sua dignidade nacional com o fim rendimentos, o que também consolidou a
do regime do Apartheid e com o fortalecimento formação do mercado de eurodólares com a
de sua democracia e de sua economia. (REIS, migração destes capitais. (VIEIRA, 2011, p.7).
2011, p. 34) Mas logo depois, no início do século XXI, esse
Algumas questões devem ser colocadas a fim projeto imperial começou a apresentar algumas
de que possamos entender este fenômeno que dificuldades, apesar de sua estrutura de poder
reflete, em alguma medida, uma das derradeiras global. Depois de vencer a Guerra do
possibilidades de expansão territorial do sistema Afeganistão, os Estados Unidos lideraram e
capitalista – a inclusão da África no capitalismo venceram a Guerra do Iraque, em 2003,
moderno. A primeira delas seria em relação à conquistando Bagdá, destruindo as forças
compreensão do processo que alterou as militares iraquianas e destituindo o presidente
dinâmicas do sistema monetário internacional e Saddam Hussein. Após suas duas vitórias,
as razões de sua ocorrência. A segunda, os entretanto, as forças norte-americanas não
impactos resultantes da nova configuração no conseguiram reconstruir os dois países, nem
panorama econômico dos países emergentes e a conseguiram definir com precisão seus objetivos
reação dos mesmos frente às novas de longo prazo, depois da constituição de
possibilidades dadas pelo fim de suas restrições governos locais tutelados. Mas estes foram
financeiras, atávicas até então. E, em terceiro apenas os dois últimos episódios de uma
lugar, deve ser evidenciada a incógnita em experiência política e militar imperial que não tem
relação às possíveis ações por parte dos países sido bem sucedida do ponto de vista dos objetivos
desenvolvidos no sentido de reverter este quadro imediatos dos Estados Unidos. Suas
e o despontamento do que pode ser a tendência intervenções militares não expandiram a
ao desmantelamento da atual configuração, democracia nem os mercados livres; as guerras
sistematizada na hipótese da existência de um aéreas não foram suficientes sem a conquista
arranjo Bretton Woods 2 (BW2). (VIEIRA, 2011, p. territorial; e a vitória militar não conseguiu dar
6-7) conta do controle territorial e da reconstrução
Em relação à primeira das questões nacional dos países derrotados. Com certeza,
apontadas, a construção do sistema monetário não se trata de uma “crise final” do poder
internacional esteve constantemente ligada aos americano, nem do apocalipse do sistema

Edição n.3, v.1 23 ISSN 2179-6165


Artigos
mundial. O que está acontecendo é que o projeto internacional, o surgimento de um ambiente
imperial dos Estados Unidos alcançou seu limite. propício, uma vez superadas as condições que
Por duas razões fundamentais: em primeiro lugar, impediam a ascensão desses países a exemplo
parece impossível sustentar um império global dos BRICS tornou-se viável, mediante a
sem colônias, só com bases militares - e os impossibilidade dos países desenvolvidos em
Estados Unidos não têm disposição nacional de reverter essa nova configuração neste contexto
arcar com os custos de um sistema colonial; em internacional.·.
segundo lugar, uma vez mais, o sucesso da
estratégia “asiática” dos Estados Unidos, dos 3. A RELEVÂNCIA ESTRATÉGICA DOS BRICS
anos 1970, já gerou uma nova realidade que lhes NO CENÁRIO INTERNACIONAL E SEUS
escapa ao controle e, hoje, os Estados Unidos PRINCÍPIOS NORTEADORES: O CONSENSO
não têm mais como frear a expansão econômica DE BRASÍLIA E MOSCOU
da China, nem teriam mais como conceber um
império mundial que não contasse pelo menos Grupos e organizações, em geral, são
com uma parceira chinesa. (FIORI, 2007, p. 88- formados por estados a partir de interesses
89) comuns, laços históricos, culturais ou geográficos
As chamadas “crises da hegemonia (Barbosa, 2009, p. 99). No caso dos BRICs, a
americana”, evidenciadas durante os anos 1970, iniciativa começou com o conceito elaborado no
seguidas pelo fim da União Soviética em 1991 e relatório de 2001, intitulado Bulding Better Global
pelos ataques de 11 de Setembro em 2001, Economic BRIC, de autoria do economista-chefe
mostram dois momentos distintos que colocaram da Goldman Sachs, Jim O'Neill (2001). O estudo
em evidência o papel desempenhado pelos analisava as perspectivas de crescimento
Estados Unidos como superpotência, as econômico do Brasil, Rússia, Índia e China. O
interpretações que se seguiram de diversos tema teve como base dois elementos: o ritmo de
analistas e as mudanças que se produziram no crescimento econômico de cada país estudado e
sistema mundial trazendo para a discussão o a grande população. O documento prognosticava
grupo de “países emergentes”. que os países dos BRICs (África do Sul não fazia
As altas taxas de crescimento econômico dos parte) se firmariam entre as maiores economias
Estados Unidos durante os anos do pós-guerra, do mundo em pouco tempo. Tais análises, na
no auge da Guerra Fria, e em seus momentos época, levaram os especialistas de diversas
mais críticos, apesar de no período conhecido áreas, como economia e política, a indagarem de
como “distensão” ou “Détente”, em princípios dos forma cética e perplexa sobre as grandes
anos 1980, ficou claro que a manutenção do pleno diferenças desses países: afinal, como países tão
emprego seria uma decisão arriscada em virtude heterogêneos podem ter algo em comum?
do fim do sistema Bretton Woods, idealizado (OLIVEIRA, 2012, p.4)
pelos Estados Unidos na condição de potência É patente, na atualidade, a prosperidade que
vencedora. usufruem as economias emergentes em
As fórmulas político-diplomáticas tão utilizadas detrimento dos processos recessivos em
ao longo do século passado, nos modelos andamento nas economias avançadas. Em
adotados pelas “potências tradicionais” na forma grande parte, a boa maré pode ser atribuída aos
de “plebiscitos”, “mediação de fronteiras grandes fluxos de investimento que estas
contestadas”, e “conferências internacionais” não economias vêm recebendo desde meados da
faziam mais sentido e passaram a ter sua década de 1990. A capacidade de acúmulo de
eficiência questionada com o passar das décadas divisas estrangeiras vem possibilitando que os
e com as mudanças de paradigmas no contexto países incluídos no processo possam, inclusive,
internacional. valerem-se de hard politics, tal qual tradicionais
Por fim, as novas fronteiras do sistema colonizadores, utilizando seus novos abundantes
capitalista, a inclusão de continentes e países até capitais para exercer certa dose de poder real
então marginais dentro da economia política junto a economias menos desenvolvidas - a

Edição n.3, v.1 24 ISSN 2179-6165


Artigos
exemplo das antigas potências europeias em mudança à medida que os atores agem; o mundo
relação às antigas colônias africanas. é um construto social.
Atualmente, os BRICS representam 43,03% da Do mesmo modo, aproveita-se de outra
população mundial, 18% do Produto Interno Bruto premissa, advinda das Ciências Sociais: o debate
(PIB) nominal mundial (25% do PIB per capita), agente-estrutura. Para os construtivistas, o
25,91% da área terrestre do planeta e 46,3% do agente não precede a estrutura nem vice-versa,
crescimento econômico global de 2000 a 2008. ambos são co-construídos. Isso significa que os
Ademais, de acordo com a previsão divulgada agentes não moldam a estrutura de acordo com
pelo FMI em 24 de janeiro de 2012, os países do os seus interesses, bem como a estrutura não é
grupo deverão contribuir com 56% do capaz de constranger os agentes, limitando suas
crescimento do PIB mundial em 2012. A ações. Um influencia o outro da mesma maneira e
contribuição do G7 para o crescimento da com mesma intensidade.
economia mundial será de 9%, menor que a da Outro pressuposto teórico construtivista diz
América Latina (9,5%). Sobressaem, ainda, respeito à relação entre idealismo e materialismo.
diversas outras características dos membros do Nogueira e Messari (2005, p. 167) esclarecem
agrupamento. Brasil, Rússia, Índia e China são os que:
únicos países – além dos EUA – que possuem ao
mesmo tempo (a) área territorial acima de dois Se, por um lado, os construtivistas não descartam
milhões de quilômetros quadrados, (b) população as causas materiais, por outro, consideram que
acima de 100 milhões de pessoas e (c) PIB as idéias e valores que informam a relação do
nominal acima de US$ 1 trilhão. A título de agente com o mundo material desempenham
comparação, Austrália e Canadá compartilham uma função central na formulação do
área territorial extensa e grande PIB, mas têm conhecimento sobre este mesmo mundo.
população menor que 100 milhões de habitantes.
Japão e México, por sua vez, têm PIB acima de Essas três premissas são válidas para todos os
US$ 1 trilhão e mais de 100 milhões de construtivistas. No entanto, há outras que são
habitantes, mas contam com territórios menores aceitas por quase todos os teóricos desta
que dois milhões de quilômetros quadrados. perspectiva. São elas: a anarquia não é uma
(REIS, 2011, p. 34) estrutura que define a disciplina das Relações
Gonçalves (2009, p.89) analisou a grande Internacionais, mas há um conjunto de normas
invenção do economista da Goldman Sachs, que organizam as relações internacionais, sendo
dizendo: “muito se tem escrito sobre esta bem essas regras objeto de uma disciplina específica.
sucedida invenção que ao agrupar grandes A anarquia internacional é socialmente
países em um só bloco, gerou um espetacular fato construída, logo, há conflito nas relações
político no cenário da governança global, cujos internacionais porque a natureza da anarquia não
efeitos parecem não se ter ainda esgotado”. é determinada, está sempre sendo construída e
Os países do arranjo têm em comum a reconstruída, havendo, então, períodos de
imensidão geográfica e populacional. Mas, sobre cooperação e de confronto. (apud MAIA, RARI,
a importância dessa dupla dimensão: “será que p.15-16)
por si só garante permanência e vida longa a tal O ponto pitoresco dessa situação reside em
heterogêneo grupo de países?” Questionou o que o potencial apropriado por países
autor. (apud OLIVEIRA, 2012. p. 5) emergentes como os BRICS para o exercício
Nogueira e Messari (2005) e Sarfati (2005) efetivo de influência política, econômica e militar
explicam que o Construtivismo se desenvolveu no em terceiros Estados pode ser atribuído a
começo da década de 90, a partir das obras de mudanças no mecanismo do sistema monetário
Nicholas Onuf e Alexander Wendt. internacional que pareceram bastante vantajosas
O pressuposto básico do Construtivismo é que aos países desenvolvidos na década de 1970, em
o mundo é constantemente construído, ou seja, o termos de resolução de seus conflitos internos,
mundo não é predeterminado, sendo passível de mas que acabaram por gerar mudanças

Edição n.3, v.1 25 ISSN 2179-6165


Artigos
estruturais que os desfavoreceram. O ponto 13-14)
preocupante que subjaz nessa abordagem trata Há, contudo, outras siglas criadas por
dos movimentos recentes realizados de modo instituições financeiras que são bem-sucedidas
unilateral pelos Estados Unidos na forma de no que diz respeito à atração de investimentos.
ajustes macroeconômicos que podem colocar em Menciono os acrônimos N-11 (Next Eleven),
derrocada o atual sistema. (VIEIRA, 2011, p. 6-7) também cunhado pela Goldman Sachs (incluindo
Os números são bem conhecidos e, salvo Indonésia, Bangladesh, Egito, Irã, México,
poucos anos de dificuldade para a Rússia e o Nigéria, Paquistão, Filipinas, Coreia do Sul,
Brasil, os BRICS são hoje mais relevantes para a Turquia e Vietnã); CIVETS (Colômbia, Indonésia,
economia global do que eram há dez anos atrás. Vietnã, Egito, Turquia e África do Sul), concebido
É evidente que a atenção que os cinco países pelo HSBC; e VISTA (Vietnã, Indonésia, África do
merecem dos analistas econômicos e dos meios Sul, Turquia e Argentina), criado por instituições
de comunicação existiria ainda que a sigla não japonesas. Caso os BRICS não tivessem se
existisse. São importantes, cada um, por motivos estabelecido como mecanismo político
próprios, econômicos, políticos ou estratégicos. diplomático, possivelmente o acrônimo tivesse
Para citar pouquíssimos exemplos: a China é hoje hoje status semelhante ao dessas outras siglas.
um dos motores da economia internacional; a (REIS, 2011, p. 32-33)
Rússia tem peso próprio em matéria de A primeira reunião formal de chanceleres
segurança, dada à dimensão de seu arsenal realiza-se já no ano seguinte, em 18 de maio de
nuclear e relevância no mercado de energia; a 2008, em Ecaterimburgo, marcando o momento
Índia vale pelo peso demográfico e pela influência em que BRICs deixou de ser uma sigla que
regional, além de ser a maior democracia “real” do identificava quatro países ascendentes na ordem
mundo; a África do Sul é ator estratégico em uma econômica internacional para se tornar uma
área crescentemente importante como produtora entidade político-diplomática. É importante
de commodities; e o Brasil é ator fundamental em registrar que o nascimento dessa entidade não se
negociações sobre desenvolvimento sustentável dá por recomendação de Ministros das Finanças,
ou comércio. É impossível imaginar que algum mas a partir da iniciativa de dois experientes e
regime internacional, seja na área da segurança, brilhantes diplomatas, especialistas em relações
da economia ou dos valores, se articule e se internacionais: o então Ministro das Relações
consolide sem que deles os BRICS participem Exteriores do Brasil, Embaixador Celso Amorim, e
ativamente. Como disse Andrew Hurrell,“[...] são o Chanceler da Rússia, Embaixador Sergey
países [...] com alguma capacidade de contribuir Lavrov. No Comunicado Conjunto acordado em
para a gestão da ordem internacional em termos Ecaterimburgo, Brasil, Rússia, Índia e China
globais ou regionais” (HURRELL, 2009, p.10 destacam os seguintes pontos de consenso:
apud FONSECA JUNIOR, 2011, p. 14)
Por que a marca se fixa? Penso que em função ▪ Fortalecimento da segurança e da estabilidade
de algo simples que poderia ser tirado de internacionais;
qualquer livro de geografia: Brasil, China, Índia e ▪ Necessidade de assegurar oportunidades iguais
Rússia são países de grande extensão territorial, para o desenvolvimento de todos os países;
com grandes populações, economias ▪ Fortalecimento do multilateralismo, com a ONU
diversificadas e no topo das taxas de crescimento desempenhando papel central;
das economias emergentes (GALVÃO, 2010, ▪ Necessidade de reforma da ONU e de seu
p.13). Ou seja, a sigla revela semelhanças entre Conselho de Segurança, de modo a torná-lo mais
países obviamente muito diversos, situados em representativo, legítimo e eficaz;
continentes diferentes e que mantinham, entre ▪ China e Rússia registraram apoio às aspirações
eles, relações extremamente variadas (Índia e do Brasil e Índia de desempenhar maior papel nas
China se enfrentaram em uma guerra nos anos Nações Unidas;
1960; China e Rússia foram aliadas e depois ▪ Apoio à solução de disputas por meios políticos e
rivais etc.). (apud FONSECA JUNIOR, 2011, p. diplomáticos;

Edição n.3, v.1 26 ISSN 2179-6165


Artigos
▪ Favorecimento do desarmamento e da não ambos, as ameaças ainda que veladas por parte
proliferação; do Brasil sobre seus “sócios” do Mercosul devido
▪ Condenação ao terrorismo em todas as suas ao seu poder econômico por meio de “ajudas” ou
formas e manifestações; sanções econômicas como meio de coagir ou
▪ Reconhecimento da importância da cooperação induzir um determinado país ou grupo de países
internacional para o enfrentamento dos efeitos da (Uruguai e Argentina), como no caso da exclusão
mudança do clima; Paraguai, e a “adesão” da Venezuela ao bloco sul-
▪ Reiteração do compromisso de contribuir para o americano, etc.
cumprimento das Metas de Desenvolvimento do Por fim, os pontos definidos pelos BRICS na
Milênio e o apoio aos esforços internacionais de forma de “consenso” entre os tomadores de
combate à fome e à pobreza; e decisão, são necessários apontar que dois pontos
▪ Acolhimento da sugestão do Brasil de organizar podem ser considerados decisivos para a
reunião de Ministros das Finanças dos BRICS efetivação desses países como bloco e
para discutir temas econômicos e financeiros. organização multilateral viável, com os seguintes
Desde então, as reuniões têm sido pelo menos destaques: reforma no Conselho de Segurança
anuais. (REIS, 2011, p. 36-37) da ONU e o apoio às aspirações de Índia e Brasil a
membros plenos por parte da Rússia e China.
As mudanças ao longo do século XXI e nas
suas primeiras décadas têm mostrado e dado 4. A DESIGUALDADE ENTRE OS “PAÍSES
provas de que a formação de blocos de países RICOS” E OS BRICS NO CENÁRIO
dispensa as pré-condições relacionadas a INTERNACIONAL: UMA MUDANÇA DE
interesses comuns, laços históricos, culturais ou PARADIGMA A RESPEITO DE ALIANÇAS NAS
geográficos, pois, não há uma linha tênue que os CÚPULAS E FÓRUNS INTERNACIONAIS
ligue ou os separe dentro desse novo contexto.
As bases usadas pelo criador do acrônimo A despeito de suas credenciais, Brasil, Índia,
BRICS para que esses países ganhassem tal China e África do Sul não eram, até
destaque relacionado ao crescimento econômico recentemente, chamados a participar do principal
e a população de cada país tem sido o catalizador diretório econômico mundial: o G8 (agrupamento
e ao mesmo tempo os pilares fundamentais que formado pelos países do G7, com participação
fixam os “emergentes” como atores com grande adicional da Rússia). Quando essa realidade
capacidade de se firmarem como as maiores tornava-se tão constrangedora quanto
potências deste século. insustentável, esses Estados, juntamente com o
No que diz respeito à pujança das econômicas México, passaram a ser convidados a “tomar o
dos “países emergentes”, os números registrados café” após o banquete do G8, no chamado
ao longo da década de 2000 no que diz respeito processo de “outreach G8+5”, iniciado em
ao crescimento econômico conjunto do grupo, Gleneagles (Escócia), durante a presidência
seguido do papel desempenhado no que diz britânica do G8 (2005). Talvez para não configurar
respeito à contribuição desses países no uma incorporação desses cinco países ao G8,
crescimento econômico mundial durante o outros parceiros eram circunstancialmente
mesmo período. convidados para as reuniões de Cúpula,
O uso das chamadas “hard politics” pelos conforme o interesse do país anfitrião. Por
BRICS se tornou uma realidade, à medida que o exemplo, a Coreia do Sul esteve em Hokkaido
acúmulo de divisas em dólares, possibilitou-lhes (Japão, 2008); e o Egito, em L'Aquilla (Itália,
um poder de intervenção até então impensável 2009). É importante notar que esse “tomar o café”
para os analistas de relações internacionais. A significava ser informado das decisões adotadas
exemplo temos a intervenção Russa na Ossetia – os cinco países do outreach não participavam
do Sul em 2008, a disputa Indiana pela Caxemira do debate sobre os rumos da economia mundial.
contra o Paquistão, e a ameaça de Isso traduzia a percepção do G8 de que países
desencadeamento de um conflito nuclear entre como Itália e Canadá tinham papel mais

Edição n.3, v.1 27 ISSN 2179-6165


Artigos
importante nas decisões sobre a economia global exclusivamente da reforma do Conselho de
do que China, Brasil e Índia. Esse mesmo tipo de Segurança das Nações Unidas; o BASIC, que
percepção se refletia em outros foros reúne Brasil, África do Sul, Índia e China nas
internacionais. (REIS, 2011, p. 35) negociações sobre mudança do clima; ou o G20,
No período de construção de uma nova ordem centrado na agenda econômica global. A
econômica internacional, no segundo pós-guerra, conformação dos BRICS é posterior à formação
tanto a URSS como a China, se auto-excluíram do IBAS, da ASA e da ASPA, mas segue os
das instituições típicas do sistema mundial mesmos princípios. Surge antes para
capitalista – FMI, BIRD, GATT – enquanto o Brasil complementar a governança global do que para
e a Índia aderiam de modo relutante, e marginal, a com ela competir. Iniciou-se de maneira informal
essas entidades “capitalistas”. O Brasil foi ativo em 2006, com almoço de trabalho, à margem da
nesses órgãos da interdependência capitalista, Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU),
mais como “cliente” do que como responsável por coordenado pelo lado russo. Em 2007, o Brasil
processos decisórios que, até há pouco, assumiu a organização do referido almoço à
passaram ao largo de sua capacidade de margem da AGNU e, nessa ocasião, constatou-se
atuação. Mais do que qualquer outro país dentre que o interesse em aprofundar o diálogo merecia
os BRICS, ele preservou estruturas de mercado e a organização de reunião específica de
um estilo capitalista de gestão econômica em chanceleres dos BRICs. (REIS, 2011, p. 36)
sintonia com o padrão formal de organização E para onde caminham os BRICS nas
econômica do capitalismo. O outro BRICS próximas décadas? Certamente não em direção
capitalista do período da Guerra Fria, a Índia, foi ao mesmo destino, ainda que o traço comum de
muito mais estatizante, burocratizado e atrasado suas trajetórias seja uma crescente adesão,
do que o Brasil e seu recente impulso incontornável, à economia mundial. O estudo da
modernizador se deve mais à diáspora Goldman Sachs aposta que esse G4 ultrapassará
econômica nos EUA do que a transformações conjuntamente o PIB do atual G7 em 2035, sendo
internas da própria Índia. (ALMEIDA, 2009, p. 58) que a China ultrapassará a todos,
O início do século XXI passou a explicitar de individualmente, até 2040. Os componentes
modo contundente o que o Brasil (e outros países) dessa ultrapassagem são muito diversos, com
apontava há décadas – a falta de uma provável “explosão” tecnológica da China,
representatividade e, portanto, de legitimidade uma continuidade “extrativa” no caso da Rússia,
das instituições internacionais gestadas no pós- uma enorme competitividade agrícola para o
guerra. Essa circunstância abriu espaço para a Brasil e de serviços de internet e de tecnologia da
conformação de novas instâncias de articulação e informação para a Índia, o que já ocorre
de coordenação envolvendo países em atualmente. Ainda que a “massa atômica”
desenvolvimento. É nesse contexto, e com esse conjunta dos BRICS possa superar o peso do
espírito, que se constituíram, em 2003, o fórum atual G7, eles permanecerão, em termos per
Índia-Brasil-África do Sul (IBAS), sem qualquer capita, abaixo dos indicadores atuais de bem
prognóstico de instituições econômicas, e as estar e de produtividade dos países avançados.
Cúpulas birregionais ASA (América do Sul-África) (ALMEIDA, 2009, p. 59)
e ASPA (América do Sul-Países Árabes). Esses Levando em consideração as ações tomadas
mecanismos diferem dos blocos de integração pelos “países ricos” no que diz respeito ao caráter
regional, formados com base em contiguidade decisório dos rumos que deve seguir a economia
territorial ou relações de vizinhança mundial e o trato dispensado a países que
(MERCOSUL, UNASUL e Comunidade de possuem uma influência crescente como “sócio
Estados Latino-Americanos e Caribenhos – efetivo” no processo de decisões e não mais de
CALC/CELAC). Pela abrangência de suas “meros expectadores”.
agendas, diferenciam-se também de outros A adesão ainda que relutante do Brasil e da
grupos dos quais o Brasil faz parte, como o G4 Índia a instituições de interdependência do
(Brasil, Índia, Japão e Alemanha) que trata sistema mundial capitalista a exemplo do GATT,

Edição n.3, v.1 28 ISSN 2179-6165


Artigos
FMI e BIRD, por exemplo, se deve mais a fatores essa altura, não se cogitava inserir nenhum país
internos do que externos propriamente, uma vez da África em um contexto de integração de países
que o Brasil estava por iniciar seu processo de emergentes dentro do acrônimo criado por Jim
internacionalização econômico em idos da O'Neill, dando o seguinte destaque:
década de 1950, e a Índia experimentava os Transformações econômicas são sempre o
reflexos do seu processo de pós-independência e resultado de uma combinação de fatores, alguns
os “resquícios” colonialistas deixados pela estruturais, outros derivados de decisões
potência colonial Britânica. Enquanto no políticas. A Rússia e a China afundaram no caos
caso Russo e Chinês, a questão se devia a fatores destruidor de suas economias socialistas pela
externos e internos propriamente, uma vez que força carismática de líderes eficientes na
estes países despontavam como líderes no organização partidária, mas ineptos na
chamado “Segundo Mundo”, foram aliados e capacidade de aprender o modo de
depois romperam relações, no plano interno a funcionamento de uma moderna economia de
China e o “Grande Salto para frente”, que buscava mercado. No primeiro caso, a transição ao
um processo acelerado de “coletivização” capitalismo continuou errática, mas a China
agrícola e industrialização resultou em um conheceu uma combinação de autoritarismo
fracasso, uma vez que as relações bilaterais com político e de firme condução para um regime de
a ex-URSS foram rompidas, já do lado Russo, mercado, vindo a constituir um exemplo único na
período de “coexistência pacífica” o que incluía história mundial de crescimento sustentado, com
seu caráter fortemente orientado a transformações estruturais de enorme impacto
“Desistalinização” e de aproximação com os social. No caso do Brasil e da Índia, as
Estados Unidos resultou nesse processo de não transformações foram menos o resultado de
adesão a organizações econômicas de outrora, processos dirigidos de “retorno aos mercados”,
enquanto que o caso Sul-Africano se deve a ou de “revoluções pelo alto”, e bem mais a ação
consequências combinadas de um pós- das “forças profundas” de regimes semi-
independência e seus “resquícios” coloniais e capitalistas finalmente liberados em suas
embargos internacionais em virtude de sua energias criadoras pela abertura econômica e a
política de segregação racial, o que resultou em liberalização comercial. O problema básico do
um impacto negativo no quesito “inserção Brasil era o de romper com a retro-alimentação
econômica-internacional”, uma vez que a inflacionária e o estrangulamento cambial,
sucessão de boicotes e embargos internacionais processo conduzido a termo mesmo em meio a
prejudicou de forma significativa sua turbulências financeiras que ameaçaram o êxito
internacionalização econômica. do ajuste entre a segunda metade dos anos 1990
Por fim, a questionável legitimidade das e o início dos 2000. No caso da Índia, se tratava de
instituições internacionais surgidas no pós- romper com o perfil estatal da economia
guerra, à medida que surgem nos últimos tempos planejada e do protecionismo exacerbado, o que
novas formas de articulação entre países em foi feito de modo tardio, mas facilitado pela
desenvolvimento que não combinam entre si existência de uma “diáspora” econômica de alta
proximidade geográfica, afinidade cultural e o qualidade nas principais economias
principal: possuem o diferencial dos arranjos desenvolvidas, diáspora que também existe,
tradicionais de blocos regionais. embora com outras características, na
experiência histórica chinesa.
4.1 DESAFIOS ENFRENTADOS PELOS BRICS: Ao encarar com reservas o papel
T R A J E T Ó R I A S E E N T R AV E S PA R A O desempenhado pelos demais emergentes, a
DESENVOLVIMENT China é vista com algum tipo de “vantagem” no
quesito desenvolvimento de acordo com Almeida
Almeida (2009, p.60) faz um destaque das (2009, p.61):
“principais trajetórias” econômicas trilhadas pelos A rigor, a China parece reproduzir, com maior
“BRICs”, sem citar o caso Sul-Africano, já que a velocidade adaptativa e uma imensa ambição de

Edição n.3, v.1 29 ISSN 2179-6165


Artigos
recuperar rapidamente as décadas perdidas de alcancem o nível de excelência tecnológico já
anos de socialismo, a experiência japonesa da logrado por quase todos os países do bloco
Revolução Meiji – mandar seus filhos aprender avançado do capitalismo mundial. A exceção,
com os líderes científicos e tecnológicos do mais uma vez, deve ser a China, que reproduzirá
capitalismo avançado – e, sobretudo, o milagre o desempenho tecnológico de Taiwan e da Coréia
japonês do pós-Segunda Guerra, com muita do Sul com rapidez surpreendente.
cópia e adaptação do “know-how” ocidental e um As considerações feitas pelo autor e diplomata
cuidado extremo em fabricar os mesmos produtos Paulo Roberto de Almeida no que diz respeito às
com novos desenhos e marcas próprias. De todos trajetórias dos BRICs, sem levar em consideração
os BRICS, é a única economia emergente que a África do Sul que não integrava o grupo até o
parece destinada a converter-se, efetivamente, ano de 2010 são genéricas, à medida que visa
em economia dominante, ademais de potência uma análise a respeito do histórico de cada país
tecnológica e militar, muito embora ela ainda em termos mais políticos do que propriamente
esteja muito longe de igualar, para os seus econômicos em relação à China e à Rússia
cidadãos – muitos deles ainda súditos de um devido ao seu passado totalitário ao longo século
regime autoritário –, os níveis de bem-estar passado.
individual das populações dos países do O desmantelamento dos países da “cortina de
capitalismo avançado. ferro”, a transição de um modelo “econômico
A Rússia, amputada de territórios, recursos planificado” adotado pelos russos durante setenta
naturais e humanos em dimensões importantes, e quatro anos (1917-1991), para uma “economia
não parece próxima de recuperar a relevância de mercado” em idos da década de noventa,
estratégica e política alcançada no ponto máximo seguido das sucessivas crises devido à inflação,
de sua “expansão” geopolítica do final dos anos desemprego, queda de preços das commodities e
1970. Ainda que detentora de formidável arsenal crescimento econômico baixo como responsável
nuclear e de certa capacidade de projeção militar, direto pela moratória decretada em 1998 como
ela não terá condições de desafiar efetivamente consequência direta desse processo mal
os dois gigantes da economia mundial de meados sucedido de mudança de “paradigma econômico”
do presente século. empregados pelos tomadores de decisão russos.
Ela depende de recursos finitos e mesmo sua O caso Chinês embora visto como “bem-
demografia é declinante. sucedido”, não leva em consideração o “ponto
No que se refere à Índia, ela pode dominar com sensível” no que diz respeito crescimento
competência os serviços eletrônicos que ela já econômico sem distribuição de renda, o que torna
oferece de maneira competitiva, mas terá de a médio e longo prazo considerar como
absorver na economia de mercado centenas de questionável a sustentabilidade desse modelo
milhões de camponeses que ainda vegetam adotado, uma vez que a carência em recursos
numa economia ancestral. O Brasil tem pela naturais passa a ser um atenuante no chamado
frente, durante uma geração aproximadamente, a “socialismo com características chinesas”, ou
chance de beneficiar-se do chamado “bônus “socialismo de mercado” conforme empregado no
demográfico” – ou seja, a melhor relação possível jargão político-econômico.
entre população ativa e dependente econômica –, Por fim, a questão que envolve mudanças
oportunidade que será provavelmente perdida, econômicas na Índia e no Brasil está relacionada
em grande medida devido à baixa qualificação à orientação a uma “economia de mercado” tardia
técnica e educacional da população, o que reduz que resultou de forma ainda que relutante por
bastante os ganhos de produtividade. parte dos líderes desses países em
Essas deficiências não devem impedir os transformações que romperam com os ciclos
BRICS de se tornarem relevantes: eles o serão apontados como responsáveis pelo desempenho
pelo grande peso demográfico e enquanto mal logrado ao longo das suas trajetórias
mercados de consumo em expansão – com econômicas, uma vez que suas economias
exceção da Rússia –, mas não é provável que podem ser apontadas como capitalistas devido ao

Edição n.3, v.1 30 ISSN 2179-6165


Artigos
seu grau de internacionalização, embora tenham na Somália, em 1993, o presidente Clinton visitou
um grau pouco diversificado quando comparadas o continente africano, em 1998, e definiu a
com as economias dos países centrais. estratégia americana – de “baixo teor” – para o
continente negro: paz e crescimento econômico,
5. ÁFRICA DO SUL OU NIGÉRIA: QUAL O através dos mercados, da globalização e da
LUGAR DA ÁFRICA NOS BRIC? democracia. Poucos anos depois, durante o
primeiro governo republicano de George W. Bush,
O cenário de reorganização sistêmica no os Estados Unidos participaram de várias
século XXI tem proporcionado oportunidades e negociações e forças de paz e se envolveram no
desafios tanto para a África quanto para os controle dos processos eleitorais de novas
BRICs. Para o continente africano, após a década democracias como Libéria, Serra Leoa, Congo,
da descolonização (1960), a década das Burundi e Sudão.
revoluções (1970), a “década perdida” dos Mas de fato, a preocupação dos Estados
ajustes econômicos (1980) e a marginalização do Unidos com a África se restringe hoje, quase
continente nos assuntos internacionais (1990), a exclusivamente, à disputa das regiões
África tem apresentado uma trajetória de petrolíferas e ao controle e repressão das forças
recuperação e desenvolvimento ligada à islâmicas e dos grupos terroristas do Chifre da
construção dos modernos Estados nacionais. É África. Nesse sentido, apesar dos gestos de boa
frágil o recorrente argumento de que a África é um vontade, tudo indica que a velha Europa não tem
continente voltado ao passado, imerso em mais “fôlego” e os Estados Unidos não têm
conflitos insolúveis e irracionais; ao contrário, “capacidade instalada” suficiente, ou mesmo
percebe-se um “renascimento africano” em meio disposição, para cuidarem do projeto de
à complexa herança de uma descolonização “renascimento africano” proposto pelo presidente
peculiar e tardia (VESENTINI, 2007 apud Mandela na década de 1990. Assim, para além
PAUTASSO, 2010, p. 55). das lutas tribais, não é improvável que, neste
Durante a década de 1990, generalizou-se a vácuo, acabe surgindo uma luta hegemônica
convicção de que a África seria um continente local, ou que a nova presença econômica
“inviável” e marginal dentro do processo vitorioso massiva da China e da Índia acabe se
da globalização econômica. Tratava-se de um transformando num fator político importante
continente que não interessaria às Grandes dentro da região. (FIORI, 2007, p. 92-93)
Potências, nem as suas corporações e bancos Desde a entrada da África do Sul, oficializada
privados. Mas a África não é tão simples nem na cúpula do BRICs (Brasil, Rússia, Índia e
homogênea, com seus 53 estados, cinco grandes China), em 2010, analistas de mercado,
regiões e seus quase 800 milhões de habitantes. economistas e até o próprio criador da sigla,
Um mosaico gigantesco e fragmentado de passaram a criticar a participação do país.
estados, onde não existe um verdadeiro sistema Quando o enfoque é demografia e crescimento
estatal competitivo, nem tampouco se pode falar econômico, o candidato preferido teria sido a
de uma economia regional integrada. Nigéria, grande produtor petróleo. No entanto,
De fato, o atual sistema estatal africano foi criado apesar da descrença, e tendo a China como
pelas potências coloniais europeias e só se guardiã, o país se esforça para aproveitar o lugar
manteve “integrado”, até 1991, graças à Guerra no time de potências mundiais e provar que é
Fria e sua disputa bipolar, que atingiu a África digna da nomeação.
Setentrional, depois da crise do Canal de Suez “Ser parte do maior grupo político e econômico
em 1956, a África Central, depois do início da luta pode beneficiar o desenvolvimento interno”,
pela independência do Congo, na década de salientou o vice-ministro sul-africano de Relações
1960, e finalmente, a África Austral, depois da Exteriores Ebrahim Ebrahim. “Nossos parceiros
independência de Angola e Moçambique, em dos BRICS entendem e compartilham de nossas
1975. Depois da Guerra Fria e depois do fracasso aspirações por crescer, assim como desenvolver
da “intervenção humanitária” dos Estados Unidos o resto da África”, afirmou o sul-africano, que

Edição n.3, v.1 31 ISSN 2179-6165


Artigos
anunciou o interesse de seu país de sediar um contribui cada vez mais para a importância
possível banco do grupo. Os BRICS propõem a político-econômica do bloco. A China sozinha
criação de uma instituição para financiar projetos lidera mais de 12% desse volume. Se avaliarmos
de infraestrutura e desenvolvimento em seus os índices de desemprego dos países membros,
países. (Opera Mundi 02/11/2012 – 08:00) a África do Sul registra 24%. (Opera Mundi
Nas considerações de Fonseca Junior (2012, p 02/11/2012 – 08:00)
13): Do ponto de vista econômico, a África do Sul é,
de longe, o menor membro do BRICS. Embora
Ao ser lançada em 2001 a noção de BRICS se tenha o maior PIB da África, não faz parte das
sustentava em uma previsão que, à diferença de vinte maiores economias do mundo e sua posição
tantas outras sugeridas por economistas, deu como membro do G20 serve essencialmente para
certo: as economias dos quatro países (Brasil, aumentar a representação regional e a
Rússia, Índia e China, e o que se agregou legitimidade global do grupo. Além disso, não
recentemente, a África do Sul) cresceriam a sua existe grande razão de se acreditar que a África
participação no produto mundial, à medida que se do Sul subirá na classificação. Se continuarem as
tornaria mais expressiva e, consequentemente, atuais tendências, a Nigéria – e, algum dia, o Egito
se tornariam espaços propícios ao investimento e a Etiópia – desafiarão e ultrapassarão o líder do
estrangeiro. É natural que, como casa bancária, o continente, e a África do Sul pode perfeitamente
foco da reflexão da Goldman Sachs fosse o sair da lista de trinta maiores economias
interesse dos seus clientes. Criar o acrônimo era mundiais. (Post-Western World 12/09/2012)
uma solução rápida e eficaz para lembrar onde Já na análise demográfica, a África do Sul
estariam, em médios e longos prazos, boas também possui a menor população na
oportunidades. comparação com Brasil, Rússia, Índia e China,
com seus quase 50 milhões de habitantes. Mas,
Assim, o que causa espanto, perplexidade, apresenta grande taxa de crescimento
ceticismo, admiração, receio populacional, similares ao Brasil e Índia.
ou esperança não é o conceito destinado a Para a doutora em Relações Internacionais e
identificar economias com imenso potencial de pesquisadora visitante da organização BRICS
crescimento nas próximas décadas, mas sim o Policy Center, Alessandra Arkhangelskaya, a
surgimento dos BRICS como mecanismo político- inclusão da África do Sul no bloco foi muito
diplomático que se constitui em um momento de relevante para o continente e não deve ser
redesenho da governança global, em que se torna analisada isoladamente. “A África e sua agenda
cada vez mais aguda a percepção do déficit de estão incluídas nas estruturas principais dos
representatividade e, portanto, de legitimidade, BRICS. A África do Sul se posiciona como uma
das estruturas gestadas no pós-guerra. (REIS, potência regional, assim como uma porta para
2011, p. 31-32) todo o continente. Mesmo com todos os desafios
Sob uma perspectiva econômica, quando a socioeconômicos, não há dúvidas sobre sua
África do Sul é comparada com Brasil, China, liderança regional e seu papel deve ser
Índia, os números estão aquém de uma potência reconhecido internacionalmente.”, revela. (Opera
emergente. De acordo com o FMI, o PIB (Produto Mundi 02/11/2012 – 08:00)
Interno Bruto) da África do Sul foi revisado para Nesse contexto, analistas e formuladores de
menos - de 3.2% para 2.7% - em 2012 e a meta políticas da África do Sul articularam a 'narrativa
será atingir 3.6% em 2013 e 4.2% em 2014. da entrada': devido a sua posição de liderança no
Enquanto isso, os outros países da África continente, esse país representa um ponto de
esperam crescer em torno de 7% a médio e curto entrada na África, e, portanto não representa
prazo. Já China e Índia, por outro lado, apostam apenas ele mesmo, tanto no BRICS quanto no
no crescimento entre 7% e 10%. G20, e sim o continente africano emergente como
Os países dos Brics juntos equivalem a 15.17% um todo (cujas cifras de crescimento, em sua
do volume das exportações globais, o que totalidade, realmente o fazem ser membro do

Edição n.3, v.1 32 ISSN 2179-6165


Artigos
BRICS). Conforme enfatiza um formulador de petróleo a taxas “exorbitantes”, como no caso de
política sul-africano, “o destino da África do Sul é Angola, 16,9%, Sudão, 11,8% e Mauritânia,
ligado ao destino da África”. Não se trata de mera 17,9%. (FIORI, 2007, p. 98-99)
retórica: ao contrário do que acontecem com os “A Nigéria seria uma escolha por ser uma das
outros membros dos BRICS, que não têm a maiores economias africanas. Porém, em 2010, a
pretensão de representar suas regiões, os África do Sul também figurava em outros blocos
formuladores de políticas chegam até a consultar econômicos juntamente com alguns membros do
os seus vizinhos africanos antes de articularem BRIC e já era porta-voz do continente em fóruns
sua estratégia nas cúpulas do BRICS e do G20. internacionais. Também é inegável que o sistema
(Post-Western World 12/09/2012) financeiro e de telecomunicações sul-africano
No caso da África também ocorreu algo estão mais desenvolvido do que em outras
análogo. Na década de 1990, depois da Guerra nações, além de possuir melhor infraestrutura”,
Fria e no auge da globalização financeira, o comenta Lucy Corkin, doutora em Ciência Política
continente africano ficou praticamente à margem e pesquisadora visitante do BRICS Policy Center.
dos novos fluxos de comércio e de investimento, Diante do pequeno desenvolvimento
reforçando a imagem muito difundida de um econômico sul-africano, os investidores
continente inviável. Com “estados falidos”, internacionais estão voltando seus olhares para
“guerras civis”, “genocídios” e grandes países como Nigéria, Angola e Moçambique, que
epidemias, mas, além disto, com apenas 1% do mostram taxas de crescimento expressivas. “Os
PIB mundial, 2% das transações comerciais investidores reconhecem os problemas internos
globais e menos de 2% do investimento direto desses países, mas ficam animados com as
estrangeiro em todo o mundo. Assim mesmo, nas perspectivas econômicas dessas nações e
primeiras décadas da independência, alguns dos projetam maior retorno dos investimentos.
novos estados africanos tiveram forte Enquanto isso, a África do Sul está perdendo
crescimento econômico, como economias oportunidades”, relata Lucy Corkin. (Opera Mundi
“primário-exportadoras”. Este sucesso inicial, 02/11/2012 – 08:00)
entretanto, foi atropelado por sucessivas crises As novas perspectivas que permeiam o
políticas, pela crise econômica dos anos 1970 e continente africano são otimistas, à medida que o
pela mudança de rumo do sistema econômico breve histórico relacionado ao processo de
mundial. A partir dos 1970-80, a economia descolonização tão recente, revoluções, “ajustes
africana experimentou um declínio contínuo, até econômicos” traumáticos e a marginalização do
alcançar os níveis muito baixos da década de continente em assuntos internacionais ficou no
1990. No longo prazo, entretanto, como na passado, tornando o continente um polo de
maioria dos países latino-americanos, as atração de investimento estrangeiro à luz deste
economias africanas dependem das suas novo século.
exportações de matérias-primas, e o seu Os anos 1990 despontaram com a convicção
desempenho acompanha os ciclos da economia equivocada de que a África jamais seria capaz de
internacional. E é isto o que vem ocorrendo, uma ser inserida no processo de globalização
vez mais. Desde o final da década de 1990, pelo desenvolvido com afinco ao longo daqueles anos
menos, está em curso uma nova mudança do de certeza de que o triunfo do capitalismo fora
panorama econômico africano, em particular na inevitável naquela conjuntura.
África Subsaariana. O crescimento econômico A orientação da política-externa americana
médio, que era de 2,4% em 1990, passou para durante os anos Clinton (1993-2001) e George W.
4,5, %, entre 2000 e 2005, alcançando a taxa de Bush (2001-2009) quanto à África com um
5,3% em 2006, com uma previsão de que chegue objetivo visando uma agenda “humanitária” para
a 5,5% em 2007 e 2008. Desde a metade da a crise que assolava o continente ficou aquém do
década de 1990, 16 países da região, onde vivem desejado pelos seus próprios formuladores, o
35% da sua população, vêm crescendo a taxas revés sofrido na Somália junto a uma orientação
superiores a 5,5% e alguns países produtores de visando a aplicação da conhecida fórmula

Edição n.3, v.1 33 ISSN 2179-6165


Artigos
baseada na crença da “invencibilidade” dos livres especialistas e analistas como um “equivoco”, já
mercados e na democracia como o único modelo que dentro do “encaixe” de um país do Continente
viável para a solução de todas as questões que Africano dentro dos paradigmas delineados pelo
assolam o continente se mostraram equivocadas criador do acrônimo “BRIC”, Jim O'Neil, o
à medida que não levava em consideração a “candidato ideal” seria a Nigéria, devido a sua
complexidade das questões que envolvem África população e crescimento econômico, mas, não
e seus estados-nacionais. há dúvidas de que a escolha devido ao nível
Por fim, o ingresso da África do Sul deu um reconhecido de “interlocutor privilegiado” dentro
novo direcionamento regional aos BRICS que do Continente Africano e ator de relevância
antes contavam com a seguinte distribuição: estratégica, faz com que a África do Sul tenha
Rússia como Estado-parte da Eurásia, China vantagem maior do que a da Nigéria em sua
como Estado-parte da Ásia Oriental que inserção dentro do grupo de países emergentes,
despontam junto com países como Japão e já que consulta seus pares visando sua atuação
Coréia do Sul como uma das maiores economias em fóruns internacionais e tem atuação como
daquela região, junto às “regiões administrativas “porta-voz” ativa da África em negociações
especiais” da própria China a exemplo, Hong multilaterais.
Kong e Macau, ainda na Ásia em sua parte Por fim, é necessário salientar que o papel da
Meridional, a Índia despontando como ator China dentro do grupo de países emergentes de
relevante, enquanto o Brasil detentor da maior alguma forma faz com que ela se sobressaia em
economia da América do Sul completa esse novo diversas matérias e até mesmo entre seus
quadro regional de países sem relações de “sócios”, o que faz com que esse país tenha um
vizinhança geográfica que marcam um novo tipo papel relevante fazendo com que a inserção dos
de regionalismo nessa primeira metade do século BRICS no cenário internacional se torne uma
XXI. realidade, ao contrário das demais siglas como N-
11, VISTA e CIVETS, embora apresentem as
6. CONCLUSÃO mesmas características que os BRICS no que diz
respeito a configurar entre as maiores economias
As mudanças ocorridas ao longo da década de mundiais no século XXI.
1990, desde o fim da Guerra Fria e a capacidade
de manutenção dessas estruturas pelas BIBLIOGRAFIA
“potências tradicionais” que a mantinham intacta
no arranjo do pós-guerra, mostram um tipo de ALMEIDA, Paulo Roberto In: Cebri-Icone-
desgaste que resultou na emergência de novos Embaixada Britânica Brasília:
atores dentro do cenário internacional outrora Comércio e Negociações Internacionais para
dominado por esse grupo que tinha os Estados Jornalistas Rio de Janeiro 2009, p.57-65
Unidos como principal protagonista. BARBOSA, Rubens. A cúpula do Bric. Revista
A emergência de novos atores como os BRICS, Política Externa, vol. 18 n 2 set-out-nov., 2009,
nesse “rearranjo” se tornou concreta, já que em p.99-102.
um ambiente internacional anárquico de crises FIORI, José Luís. A nova geopolítica das nações e
sucessivas das “potências tradicionais” colocou o lugar da Rússia, China, Índia, Brasil e África do
em evidência um grupo que possui previsões Sul, Revista de Economia Heterodoxa - Oikos nº
favoráveis em seu favor, que tem se confirmado 8, ano, ano VI. 2007 ISSN 1808-0235
de forma rápida, à medida que o crescimento e a FUNAG, O Brasil, os BRICS e a Agenda
pujança de suas economias são uma realidade Internacional, In JUNIOR, Gelson Fonseca,
frente aos processos recessivos enfrentados BRICS: notas e questões. Editora: FUNAG, 2011.
pelos países ditos desenvolvidos. ________. In REIS, Maria Edileusa Fontenele,
Contudo, a necessidade de lidar com desafios BRICS: surgimento e evolução. Editora: FUNAG,
tão particulares por cada país membro dos BRICS 2011
e a inserção da África do Sul encarada por GALVÃO, Marcos, Brand BRIC brings changes,

Edição n.3, v.1 34 ISSN 2179-6165


Artigos
WorldToday.org, ago./set. 2010, p. 13. Conjuntura Austral | ISSN: 2178-8839 | Vol. 2, nº.
GONÇALVES, José Botafogo. BRIC: sigla 8 | Out.Nov 2011
contigente ou permanente, Revista de Política
Externa, vol. 18 n 2 set-oct-nov., 2009, p 89-97 ______________________________________
HOBSBAWM, Eric J Era dos Extremos: o breve
século XX: 1914-1991 São Paulo: Companhia iBacharel e Licenciado em Ciências Sociais pela
das Letras, 1995, p. 537-538 Universidade do Estado do Rio de Janeiro, autor
HURELL, A. “Hegemonia, liberalismo e ordem do livro “O Mercosul em foco e sua organização
global”. In: HURREL, A. et alii. Os BRICS e a jurídico-institucional em seu processo de
ordem global. Rio de Janeiro: FGV, 2009, p. 10. formação” pela Editora Multifoco 2011e-mail:
LIMA, Gleyma; ROCHA Polyanna: Vista como rodrigocassiomarinho@gmail.com
iiDados de 2010 para PIB nominal. Disponível em:
irmã bastarda, África do Sul aposta nos Brics para
se desenvolver. Opera Mundi, Maputo e Cidade <http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MK
do Cabo 2 nov. 2012. Acesso: 2 nov. 2012 TP.CD/countries?order=wbapi_data_value_2010
MAIA, Cibele Leandro da Silva, Adoção %20wbapi_data_value%20wbapi_data_value
Internacional: Alternativa viável ou exportação de last&sort=desc&display=default>.
iiiDados disponíveis em:
problemas? – Uma interpretação do Caso do Haiti
no Pós-Terremoto, Revista Acadêmica de <http://www.economist.com/blogs/graphicdetail/
Relações Internacionais, v.1, n.2, nov/fev. 2011 2 0 1 2 / 0 1 / d a i l y - c h a r t - 1 0 > e
NOGUEIRA, João Pontes. MESSARI, Nizar. <http://www.imf.org/external/pubs/ft/survey/so/2
Teorias de Relações Internacionais: Correntes e 012/NEW012412A.htm>.
ivO termo empregado “Socialismo de mercado” ou
Debates.Rio de Janeiro: Elsevier, 2005
OLIVEIRA, Maria Aparecida Carneiro de, Ações “socialismo com características chinesas” foi
políticas dos BRICS: Agenda Convergente? criado por Deng Xiaping no auge das reformas
[Trabalho de conclusão de curso] Brasília: empreendidas ao longo da década de 80 do
Universidade de Brasília. Especialização em século XX por esse dirigente do Partido
Relações Internacionais. Instituto de Relações Comunista Chinês
Internacionais –IREL; 2012
PAUTASSO, Diego.A África no Comércio
Internacional do Grupo BRICMeridiano 47 (UnB),
vol 11, n 120, jul.-ago 2010 (p.54 a 59)
SARFATI, Gilberto. Teoria das Relações
Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005.
SERRANO, Franklin Relações de Poder e a
Política Econômica Norte-Americana, de Bretton
Woods ao Padrão Dólar Flexível. In FIORI, J. L. O
Poder Americano. Petrópolis: Editora Vozes,
2004.
STUNKEL, Oliver O “S” em BRICS: A África do Sul
pode representar um continente? Post-Western
World 12/09/2012 Acesso: 12/09/2012
VISENTINI, Paulo. A África frente à globalização.
In: VISENTINI, Paulo; RIBEIRO, Dario;
PEREIRA, Ana. Breve história da África. Porto
Alegre: Leitura XXI, 2007, PP. 141-168.
VIEIRA, Maíra Baé Baladão Estamos ricos, mas
pode não sair barato: intersecções entre a recente
evolução do sistema monetário internacional e o
atual protagonismo dos BRICS Revista

Edição n.3, v.1 35 ISSN 2179-6165


Artigos
CONSTRUÇÃO E ANÁLISE DO REGIME Nations Framework Convention on Climate
AMBIENTAL INTERNACIONAL Change (UNFCCC). First, there is a review of the
theoretical concepts about the international
BUILDING AND ANALYSIS OF THE regimes, highlighting the contributions of
INTERNATIONAL ENVIRONMENTAL REGIME Keohane and Krasner, as well as a historic of the
building process of the regime. After this, an
Lívia Liria Avelhani analyses is carried on some properties of
international environmental regime and its
RESUMO implications for the configuration of the regime.
These characteristics relate to the multilateral
Este artigo pretende fazer um breve estudo character, the presence of a large number of
sobre o regime ambiental internacional e, mais members, the atmosphere of uncertainty, the lack
especificamente, sobre o regime de mudanças of adequate mechanisms of sanction, and the
climáticas, o Protocolo de Kyoto e a Conferência problems of collaboration, persuasion, and
das Partes (COP) que ocorre no âmbito da legitimation. It is essential that the member states
Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a of the international environmental regime work
Mudança Climática (UNFCCC). Primeiramente, together to mitigate the consequences of climate
faz-se uma revisão de conceitos teóricos sobre os change already evident, as well as those yet to
regimes internacionais, destacando as come. So, they should focus on solving the
contribuições de Keohane e Krasner, bem como regime's problems.
um histórico do processo de construção do
regime em questão. Posteriormente, são feitas Key-words: international environmental regime;
análises sobre algumas propriedades do regime climate changing regime; COP; Kyoto Protocol.
ambiental internacional e as suas implicações
p a r a a c o n fi g u r a ç ã o d o r e g i m e . Ta i s 1. INTRODUÇÃO
características dizem respeito ao caráter
multilateral do regime ambiental internacional, à Desde o início do século XX, a temática
presença de um grande número de participantes, ambiental esteve presente nas agendas de
ao ambiente de incerteza, à ausência de discussão entre os Estados. No entanto, a partir
mecanismos satisfatórios de sanção e aos dos anos 90 as negociações nesse quesito
problemas de colaboração, de persuasão e de ganharam maiores proporções e colaboraram
legitimação. É essencial que os países membros imensamente para a formação do regime
do regime trabalhem conjuntamente para mitigar ambiental internacional e, mais especificamente,
as consequências já evidentes das mudanças o regime das mudanças climáticas, os quais ainda
climáticas, assim como as que ainda estão por vir. estão em processo de construção.
Para isso, devem concentrar-se na solução dos O objetivo do regime de mudanças climáticas é
problemas que o regime possui. promover a ação conjunta dos Estados para
enfrentar o aquecimento global, através de
Palavras-chave: regime internacional ambiental; medidas de mitigação e adaptação as suas
regime de mudanças climáticas; COP; Protocolo consequências. Nesse sentido, as ações para
de Kyoto. reduzir as emissões de gases de efeito estufa
(GEE) têm papel central e representam um dos
ABSTRACT maiores desafios ao regime, já que dependem da
realização de mudanças substantivas nas
This article intends to do a brief study about the tecnologias em uso e alteração das fontes de
international environmental regime and, more energia fósseis, medidas que interferem em uma
specifically, about the climate changing regime, das áreas mais sensíveis e dificultosas para as
the Kyoto Protocol and the Conferences of the negociações: a economia.
Parties (COP), which occurs under the United A natureza pouco cooperativa do regime é um

Edição n.3, v.1 36 ISSN 2179-6165


Artigos
dos maiores desafios para o sucesso da regimes é coordenar o comportamento dos
aplicação das normas do regime ambiental e Estados para que se alcance os objetivos
climático. Apesar de o problema ambiental ser de desejados em uma determinada temática. No
natureza global, o regime funciona com base na entanto, é dito que os regimes não são úteis para
ideia de responsabilidades distintas entre os situações em que os Estados agem somente para
Estados. Isso faz com que os conflitos entre os maximizar seus ganhos (jogos de soma-zero).
países emerjam, dificultando a cooperação. Já a abordagem de Keohane, apesar de
Este artigo intenciona fazer um estudo inicial também considerar que os regimes são
sobre o regime ambiental, notadamente o regime constituídos pelos mesmos quatro componentes
de mudanças climáticas, através de um histórico apontados por Krasner (princípios, normas,
da construção e encaminhamento de suas regras e procedimentos de tomada de decisão),
instituições, além da análise de alguns pontos enfatiza que o interesse próprio é uma
relevantes sobre o assunto. característica inerente aos regimes. Além disso,
Keohane tem concepções diferentes das de
2. O CONCEITO DE REGIMES Krasner sobre os quatro componentes citados
acima. Para o autor, a descrição de Krasner para
Esta seção objetiva fazer uma revisão teórica 'normas' é ambígua. Não obstante, ele concorde
básica sobre os regimes internacionais. As que é importante definir 'normas' como padrões
informações são baseadas nas ideias de Krasner de comportamento definidos em termos de
(1982) e Keohane (1984), contidas, direitos e deveres, indica que distinguir normas e
respectivamente, nos livros International regras é necessário para que os dois termos
Regimes e After Hegemony. Dessa forma, a sejam melhor entendidos. Nesse sentido, diz que
compreensão e a posterior análise do regime das “os participantes de um sistema social vêm as
mudanças climáticas serão facilitadas. normas (mas não as regras e princípios) como
Krasner define regimes internacionais como moralmente obrigatórias, independentemente de
“regras, normas, princípios e procedimentos de considerações sobre a definição de interesse
decisão, em torno dos quais as expectativas dos próprio” (KEOHANE, p. 57, 1984). Sendo assim, o
atores convergem sobre determinado tema” autor mantém a definição de regras como
(KRASNER, p. 1, 1982, tradução nossa). Essas padrões de comportamento, sejam eles adotados
normas, regras, princípios e procedimentos de tendo em vista interesses próprios ou outros
tomada de decisão podem ser explícitos ou interesses. Os princípios dos regimes, por sua
implícitos. Princípios são crenças sobre fatos; vez, definem, em geral, os objetivos que seus
normas são padrões de comportamento definidos membros pretendem alcançar. Ademais,
em termos de direitos e obrigações; regras são Keohane considera que é difícil distinguir as
prescrições específicas e os procedimentos de normas e as regras de um regime, pois elas se
tomada de decisão são as práticas prevalentes de fundem. As regras indicam mais detalhadamente
decisão e implementação de escolhas coletivas as obrigações e direitos específicos dos membros
(KRASNER, p.2, 1982). São os princípios e as e podem ser alteradas mais facilmente do que os
normas que fornecem as características princípios e as normas, desde que haja vários
definidoras de um regime, mas devem existir conjuntos de regras que possam atingir uma série
regras e procedimentos de tomada de decisão de objetivos. Por fim, diz-se que os
que sejam consistentes com os princípios e procedimentos de tomada de decisão estão no
normas. Modificações nos princípios e regras mesmo nível de especificidade que as regras,
causam, necessariamente, modificações nos mas se referem-se mais a processos do que a
regimes e quanto menos coerentes forem os significados, oferecendo meios de implementar
princípios, normas, regras e procedimentos, ou se os princípios e alterar as regras. Os quatro
as práticas são inconsistentes, mais fraco é o elementos dos regimes podem tanto fornecer
regime. Krasner argumenta que, em um mundo ordens expressas quanto sugerir ações.
de Estados soberanos, a função básica dos Dadas as definições dos quatro componentes,

Edição n.3, v.1 37 ISSN 2179-6165


Artigos
observa-se que o conceito de regime contato, à redução de incertezas e à diminuição
internacional é complexo. Considerando que dos custos das transações.
regras, normas e princípios estão fortemente
interligados, o entendimento sobre se mudanças 3. A CONSTRUÇÃO DO REGIME AMBIENTAL
nas regras constituem mudanças nos regimes ou INTERNACIONAL
simplesmente mudanças dentro do regime
necessariamente contém elementos arbitrários e O regime ambiental é um dos mais complexos
tendenciosos. e relevantes regimes internacionais, pois envolve
Outra consideração importante de Keohane é profundas inter-relações entre economia e meio
que os regimes internacionais não devem ser ambiente. Ademais, envolve um problema
interpretados como elementos de uma nova considerado “preocupação comum da
ordem internacional “além do Estado-nação”. humanidade”, já que as mudanças climáticas
Eles devem ser compreendidos principalmente afetam o mundo como um todo,
como arranjos motivados pelo interesse próprio, independentemente do lugar onde a natureza
ou seja, como componentes de sistemas nos tenha sofrido maiores danos. A Convenção
quais a soberania continua sendo o princípio Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança
constitutivo. Em outras palavras, os regimes são Climática e o Protocolo de Kyoto podem ser
extensamente definidos pelos seus membros considerados os principais instrumentos do
mais poderosos e seus interesses. regime em questão. Ambos serão explanados ao
Mas é importante ressaltar que, apesar da final desta seção.
existência desses interesses egoístas, Keohane A ocorrência de graves fenômenos climáticos
não descarta a ocorrência da cooperação que em várias regiões do mundo chama a atenção da
ocorre devido à facilitação dos acordos no âmbito comunidade internacional para o perigo da falta
dos regimes e suas instituições. A cooperação de cuidado com a natureza. Mais recentemente, a
internacional refere-se ao ajuste de repercussão de catástrofes climáticas parece ter
comportamentos, por parte dos atores, às aumentado significativamente, seja devido à
preferências reais ou esperadas de outros atores, maior rapidez e alcance da comunicação entre
por meio de um processo de coordenação de Estados e da mídia, seja porque os fenômenos
políticas. Uma das condições necessárias para climáticos inesperados parecem ter aumentado
que haja cooperação é a existência de interesses sua frequência e intensidade. Segundo muitos
compartilhados. Essa condição, entretanto, não é cientistas, isso se deve, em grande medida, ao
suficiente, porque mesmo em situações nas quais processo de intensificação do aquecimento
os atores compartilham interesses, pode não global.
haver ajuste de políticas, o que levaria à discórdia De acordo com o UNFCCC, sigla em inglês
e não à cooperação. para a Convenção Quadro das Nações Unidas
As instituições, por sua vez, são os Sobre a Mudança Climática, a temperatura média
mecanismos criados pelos regimes para que as da superfície terrestre subiu mais de 0,6°C desde
normas, regras, princípios e tomadas de decisão os últimos anos do século XIX e há previsões de
sejam postos em prática. Pode-se dizer que são que aumente de novo entre 1,4°C e 5,8°C para o
as instituições que regulam os regimes. No caso ano de 2100. Mesmo que o aumento real seja o
do regime ambiental, podem ser citados como mínimo previsto, será maior do que em qualquer
instituições as várias organizações, acordos e século dos últimos 10.000 anos.
tratados criados sobre esse tema. As instituições A razão principal do aumento da temperatura é
têm um papel importante para a realização da um processo de industrialização iniciado há um
cooperação no sentido de que é através delas que século e meio e, em particular, a combustão de
a cooperação se torna viável, devido à quantidades cada vez maiores de petróleo,
possibilidade de diminuir as assimetrias de gasolina e carbono, a queima de florestas e
informação existentes entre os atores do sistema alguns métodos de exploração agrícola. Essas
internacional, ao aumento da comunicação e do atividades têm aumentado o volume de “gases

Edição n.3, v.1 38 ISSN 2179-6165


Artigos
estufa” na atmosfera, sobretudo de dióxido de os assuntos abordados no encontro, constava a
carbono, metano e óxido nitroso. Esses gases, preocupação com a interdependência dos
produzidos naturalmente, impedem que parte do recursos naturais, as carências críticas de
calor solar regresse ao espaço, logo, são alimentos, florestas, animais e combustíveis. Não
fundamentais para a vida na Terra. Mas quando o foram elaboradas exigências aos países-
volume desses gases é consideravelmente membros da ONU, pois a intenção era apenas
excessivo e cresce incessantemente, provoca criar um ambiente de discussão acadêmica que
temperaturas artificialmente elevadas e modifica apontasse soluções para problemas dos recursos
o clima. Ainda de acordo com a UNFCCC, a naturais, que é uma das importantes funções dos
década de 1990 é indicada como a mais quente encontros entre nações. Passadas quase duas
do último milênio. Se essas tendências de décadas, em 1968, em Paris, ocorreu a
aumento da temperatura forem mantidas, muitas Conferência da Biosfera. Sessenta e quatro
espécies animais e vegetais serão extintas, o países, 14 organizações intergovernamentais e
regime dos rios sofrerá modificações, 13 ONGs (Organizações Não-Governamentais)
favorecendo a ocorrência de tempestades e estiveram presentes (RIBEIRO, p. 63, 2001). O
secas; o nível do mar aumentará ainda mais foco dessa conferência foi, também, o estudo dos
(segundo a UNFCCC, esse nível subiu de 10 a 20 impactos da ação humana sobre os recursos
centímetros durante o século XX), podendo naturais.
provocar a invasão, pela água, de áreas Pode-se considerar que a evolução dos
litorâneas bastante povoadas, tsunamis e etc. encontros multilaterais ocorreu na década de
Para que se possa lidar com essa situação, que 1970. Passou-se de uma abordagem que incluía
afeta a humanidade como um todo, as nações, apenas intenções de estudo do meio ambiente e
através de fóruns multilaterais, procuram dos impactos sobre ele para intenções de controle
estabelecer mecanismos e acordos que possam sobre problemas ambientais, como a poluição
amenizar ou solucionar muitos dos problemas atmosférica e o crescimento populacional,
ambientais. Apesar de a questão climática ter especialmente nos países periféricos. Nesse
recebido maior atenção somente nas últimas sentido, realizou-se, em 1972, a Conferência de
décadas, há muito tempo os países vêm Estocolmo. Dentre as ideias discutidas em
abordando o assunto, ainda que de forma lenta e Estocolmo, merece destaque a proposta de
dificultosa. A seguir, faz-se uma descrição do estabelecimento de medidas diferentes para
processo de construção do regime ambiental países centrais e periféricos, tema que até os dias
internacional, procurando destacar os pontos atuais continua em pauta, como será visto mais
principais dos encontros multilaterais mais adiante. Além da poluição atmosférica, foram
relevantes na estruturação do regime climático. debatidas as questões de poluição da água e do
Segundo Ribeiro (2001), pode-se considerar solo, as chuvas ácidas, a pressão do crescimento
que os primeiros acordos sobre temas ambientais populacional sobre os recursos naturais e a
remetem à primeira metade do século XX. Em possibilidade de término das reservas de petróleo
1902, houve um acordo entre 12 países europeus (RIBEIRO, p. 74, 2001). Ainda de acordo com o
que intencionava proteger alguns pássaros da autor, após a Conferência, as ONGs passaram a
prática da caça. Como os resultados não foram exercer uma ação mais contundente e a mobilizar
satisfatórios, em 1933 ocorreu um novo encontro a opinião pública internacional. Também em
entre os países que mantinham colônias na África 1972, foi criado o PNUMA (Programa das Nações
e conseguiu-se, pela primeira vez, elaborar um Unidas sobre o Meio Ambiente), o qual entrou em
documento que objetivava preservar não funcionamento em 1973, com o fim de coordenar
somente os animais, mas a fauna e a flora como as ações internacionais de proteção ao meio
um todo. Em 1949, já no âmbito da ONU ambiente e promover a ideia de desenvolvimento
(Organização das Nações Unidas), realizou-se a sustentável. Segundo Ribeiro (p. 82, 2001), a
Conferência das Nações Unidas para a criação do PNUMA aconteceu com dificuldades.
Conservação e Utilização dos Recursos. Dentre Os países menos desenvolvidos, em geral, eram

Edição n.3, v.1 39 ISSN 2179-6165


Artigos
contra, pois acreditavam que o Programa seria meio ambiente, a CNUMAD (Conferência das
um instrumento para dificultar seu Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente e
desenvolvimento, já que impunha normas de Desenvolvimento), também conhecida como
controle ambiental adotadas pelos países “Cúpula da Terra” ou “Eco-92”. Participaram da
centrais, os quais já haviam passado por Conferência 178 Estados. Como resultado da
processos de crescimento econômico baseado, CNUMAD, foram redigidos alguns documentos
em grande medida, na agressão à natureza. importantes, tais como a Agenda XXI, a
Apesar dos problemas iniciais, o PNUMA Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e
conseguiu, aos poucos, destacar-se no cenário Desenvolvimento, os Princípios para a
internacional, através da realização de vários Administração Sustentável das Florestas, a
encontros. Com a criação do Programa, Convenção da Biodiversidade e a Convenção
considera-se que houve um incremento na ordem sobre Mudança do Clima. A Agenda XXI é
ambiental internacional, com o desenvolvimento considerada o documento mais importante da
da abordagem de temas ambientais e inclusão de Eco-92. É um plano de ação abrangente, a ser
recomendações aos Estados. Além disso, o implementado pelos governos, agências de
crescimento da importância do PNUMA também desenvolvimento, organizações das Nações
se deveu a outros fatores, como o aumento do Unidas e grupos setoriais independentes em cada
conhecimento científico sobre as alterações área onde a atividade humana afeta o meio
climáticas na atmosfera, em especial sobre a ambiente. Prevê-se a execução do programa
camada de ozônio. levando em conta as diferentes situações e
Na primeira metade dos anos 80, houve certo condições dos países e regiões e a plena
enfraquecimento do meio ambiente como observância de todos os princípios contidos na
elemento catalisador dos interesses mundiais, Declaração do Rio Sobre Meio Ambiente e
mas prosseguiram-se as conversas relativas ao Desenvolvimento. Trata-se de uma pauta de
clima mundial, camada de ozônio, florestas ações a longo prazo, estabelecendo os temas,
tropicais, etc. Segundo Milani (p. 314, 1998), a projetos, objetivos, metas, planos e mecanismos
perda de força da temática ambiental ocorreu por de execução. A Agenda XXI totaliza
causa da retomada das tensões da Guerra Fria. aproximadamente 2.500 ações a serem
Ainda segundo o autor, apesar da assinatura de implementadas. A Declaração do Rio sobre Meio
acordos internacionais, o início dos anos 80 foi Ambiente e Desenvolvimento objetivou
marcado por um recuo da abordagem do estabelecer um novo estilo de vida, um novo tipo
problema ecológico em relação à década de presença do homem na Terra, através da
precedente, principalmente em termos de proteção dos recursos naturais, da busca do
produção de normas. Por outro lado, o tratamento desenvolvimento sustentável e de melhores
regional da temática ambiental ganhou atenção condições de vida para todos os povos. Por sua
com a inclusão de capítulos dedicados ao meio vez, os Princípios para a Administração
ambiente nos tratados regionais. Um exemplo é a Sustentável das Florestas visaram um consenso
Comunidade Europeia, cuja legislação em global sobre o manejo, conservação e
matéria ecológica tornou-se abundante durante a desenvolvimento sustentável de todos os tipos de
década de 1980. A partir de 1985, há a reinserção florestas. Foi o primeiro tratado a versar sobre a
do meio ambiente na agenda mundial, devido à questão das florestas de forma universal. A
distensão ideológica da Guerra Fria, ao avanço Convenção da Biodiversidade focou na divisão
da consciência planetária, no qual a mídia tem equitativa dos benefícios gerados com a
papel importante, e à maior visibilidade de utilização de recursos genéticos, através do
fenômenos ecológicos globais (chuva ácida, acesso apropriado a referidos recursos e da
desertificação, redução da camada de ozônio e transferência apropriada de tecnologia. Por fim, a
catástrofes ambientais). Convenção sobre Mudança do Clima concentra-
Em 1992, ocorreu, no Rio de Janeiro, a se na preocupação com o efeito de aquecimento
segunda grande conferência da ONU sobre o global causado pela emissão exagerada de gases

Edição n.3, v.1 40 ISSN 2179-6165


Artigos
de efeito estufa. Seus objetivos principais são: carbono. Entre a Segunda e a Terceira COP,
estabilizar a concentração de gases de efeito realizaram-se movimentos para a formulação do
estufa a um nível que evite uma interferência protocolo que é considerado o principal no âmbito
perigosa no sistema climático, assegurar que a do regime das mudanças climáticas: o Protocolo
produção alimentar não seja ameaçada e de Kyoto. Esse Protocolo foi assinado em
possibilitar que o desenvolvimento econômico dezembro de 1997, durante a Terceira COP, em
seja alcançado de forma sustentável Kyoto, no Japão. Ficou estabelecido que o
(FELDMANN, 1997). conjunto dos países do Anexo I deve reduzir suas
Em 1994, entrou em vigor a Convenção emissões em 5,2% com relação ao ano de 1990,
Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança já os países em desenvolvimento podem emitir
Climática (UNFCC, sigla em inglês). A Convenção GEE acima dos níveis identificados em 1990
é um tratado resultante da CNUMAD. A UNFCCC (DOMINGOS, 2007). A posição dos EUA era
organiza-se por meio de reuniões anuais, pautada por três medidas principais: “o
denominadas Conferências das Partes (COP). estabelecimento de metas baixas (menos de 5%)
Cabe destacar que a Convenção Quadro dividiu de redução de emissões até 2010, tendo como
os países-membros do tratado em grupos ano base 1990; o estabelecimento de metas de
distintos. As nações pertencentes ao chamado redução da taxa de crescimento das emissões por
Anexo I são aquelas consideradas parte dos países emergentes; e o
industrializadas e as de economia em transição estabelecimento de mecanismos de mercado que
(notadamente os países do Leste Europeu) e, flexibilizassem as metas, particularmente as
devido a essas características, existem metas cotas comercializáveis de emissão entre os
obrigatórias de redução da emissão de gases de países do Anexo Um” (VIOLA, p. 6, 2002). Os
efeito estufa (GEE) para os pertencentes ao EUA não assinaram o Protocolo, alegando que
Anexo I. Por outro lado, os países em não concordavam com o fato de que os países
desenvolvimento não tiveram metas emergentes não teriam metas de redução de
estabelecidas (SIQUEIRA, p. 52, 2010). Assim, é gases de efeito estufa. Ainda que assinado em
notável a utilização do critério histórico de 1997, o Protocolo de Kyoto permaneceu com
emissões como forma de diferenciar os graus de pontos indefinidos e sujeito a negociações
responsabilidade pelo aumento das emissões de futuras. Questões como sanções àqueles que
GEE. Os países mais desenvolvidos são não cumprem os mecanismos ficaram em aberto.
considerados os maiores responsáveis, visto que Para a sua entrada em vigor, ficou estabelecido
sua industrialização foi facilitada devido à que seria necessária a adesão de um somatório
utilização de fontes de energia que emitem muitos de países que, conjuntamente, emitissem pelo
GEEs. menos 55% do total das emissões mundiais de
A Primeira Conferência das Partes aconteceu GEE (DOMINGOS, 2007). Ainda em 1997, o
em Berlim, em março de 1995. Nessa ocasião, foi Brasil propôs a criação de um Fundo de
reafirmada a ideia de que os países em Desenvolvimento Limpo (FDL), que aplicaria
desenvolvimento não deveriam ter metas pré- multas aos países desenvolvidos que não
estabelecidas de redução, ainda que os Estados cumprissem as metas de redução. Dada a
Unidos (EUA) se posicionassem contrariamente, rejeição dessa proposta, os EUA e o Brasil
baseados no argumento de que eram articularam outra opção, o Mecanismo de
necessárias mais evidências científicas. Além Desenvolvimento Limpo (MDL), o qual criou a
disso, os EUA estavam concentrados na possibilidade de os países desenvolvidos
implantação dos sumidouros de carbono cumprirem parte de suas metas através do
(plantação maciça de florestas). Sobre a Segunda financiamento de projetos de desenvolvimento
COP, merece destaque a negociação das metas sustentável a serem aplicados em países em
obrigatórias de redução de emissões de efeito desenvolvimento (VIOLA, 2002).
estufa e a introdução, pela primeira vez, da ideia Na COP 6, realizada em 2000, houve certo
de cotas comercializáveis de emissões de consenso nas propostas relativas a

Edição n.3, v.1 41 ISSN 2179-6165


Artigos
compromissos voluntários, ao regime de sanções investimento em tecnologias não intensivas em
e à transferência de tecnologia. Mas houve carbono (VIOLA, 2002).
fracasso das negociações em relação ao o teto
para a contabilidade dos sumidouros de carbono 4. ANÁLISE
como deduções das emissões dos países do
Anexo Um. Não houve acordo sobre a magnitude O histórico contido na seção anterior sobre a
do teto: a União Europeia, ao contrário do grupo construção do regime ambiental serve de base
Guarda-Chuva (EUA, Japão e Rússia), só para que seja possível fazer algumas análises de
aceitaria os sumidouros com teto bastante determinados pontos-chave. Antes disso, é válido
reduzido (VIOLA, 2002). Na COP 7, as destacar algumas características do regime em
discussões foram retomadas, porém, com a saída questão: seu caráter multilateral, a presença de
dos Estados Unidos do processo de negociação um grande número de participantes, ambiente de
do Protocolo de Kyoto, sob a alegação de que os incerteza, ausência de mecanismos satisfatórios
custos para a redução de emissões seriam muito de sanção, problemas de colaboração,
elevados para a economia americana, bem como problemas de persuasão e de legitimação.
a contestação sobre a inexistência de metas para Sabe-se que o regime do meio ambiente é
os países emergentes. Após a saída norte- marcado por debates multilaterais, e não poderia
americana, a União Europeia tomou a frente das ser diferente, dada a dimensão global dos
tratativas sobre Kyoto. Na COP 7 ainda foram problemas climáticos. Apesar disso, a origem do
relaxadas as metas de emissão para o Japão, problema não necessariamente coincide com o
Rússia e Canadá (BABIKER et al., 2002). local de seus efeitos. Esse aspecto leva a
Em 2005, o Protocolo de Kyoto entrou em vigor, conflitos de interesse ocasionados pelas
após a adesão da Rússia, completando o número diferentes intenções e objetivos dos vários atores
de países emissores de 55% do total mundial. Na envolvidos. Especificamente em relação ao
COP 15, tentou-se buscar consenso em torno do Protocolo de Kyoto, é possível identificar a
chamado Acordo de Copenhagen (AC). Tal existência de dois grupos divergentes: Estados
acordo, contudo, não foi aprovado pela totalidade que fazem parte do Anexo I e, logo, devem
dos 192 países membros da Convenção. Apesar cumprir metas de redução da emissão de gases
de ser politicamente frágil, o AC representou um de efeito estufa, e aqueles não pertencentes ao
grande avanço no sentido de reconhecer a Anexo I, que, portanto, não têm o dever de
promoção de reduções de emissões resultantes redução através de metas.
de desmatamento e degradação florestal como É nessa relevante diferença entre as
medida crucial para mitigar os efeitos das percepções de ambos os grupos que reside o
mudanças climáticas (FELDMANN, 1997). principal desafio para o futuro do regime, pois se
Em seu sentido mais amplo, o regime não for possível chegar a um acordo sobre a
ambiental internacional pode ser considerado um aplicação concreta do conceito de
sistema de regras, explicitadas em tratados responsabilidades comuns, porém diferenciadas,
internacionais, que regulam as ações de diversos a confiança entre os atores, requisito fundamental
atores sobre o assunto. Mais do que isso, uma para que se obtenha cooperação, será minada.
visão ampliada também considera esse regime Caso isso ocorra, é possível que o regime se
um vetor tecnológico e cultural em transforme em um “Dilema do Prisioneiro”,
desenvolvimento no sentido de favorecer a situação que prevê que, em um ambiente de
proteção de um bem coletivo da humanidade: a informação imperfeita e falta de confiança entre
natureza. Ou seja, o regime de mudança climática os atores (principalmente entre o Anexo I e os
não se restringe aos acordos estabelecidos na demais), há tendência no sentido da não
Eco 92 e no Protocolo de Kyoto, mas prevê cooperação, o que coloca os atores em situação
conjuntamente a necessidade de uma pior do que poderiam estar caso a cooperação
consciência pública favorável a estabilizar o clima existisse (MARTIN, 1992). É importante destacar
e de um vetor tecnológico que favoreça o que essa situação pior pode significar até a

Edição n.3, v.1 42 ISSN 2179-6165


Artigos
extinção de alguns países como Tuvalu, uma climáticas. Essa posição é justificada pela
pequena ilha no Pacífico, ou então quadros ainda observação de que as características definidoras
piores de enchentes, secas e escassez de do regime, notadamente seu âmbito global e a
alimentos. necessidade de ações em todos os países, não
Ademais, por se tratar de um grupo muito são, em certos aspectos, sustentadas por
grande de atores, há tendência para a não algumas de suas regras e procedimentos de
cooperação, porque a certeza sobre as intenções tomada de decisão, quais sejam, por exemplo, a
de cada Estado se torna mais difícil, assim como a criação de metas específicas apenas para os
identificação de desertores e o foco nas países desenvolvidos e a lentidão na tomada de
retaliações. Quando há um número elevado de decisões nos vários encontros entre os países
participantes, é mais complicado identificar a membros, visto que as reuniões da COP são
defecção, os atores tendem a não estarem anuais e muitas delas não resultaram em
dispostos a assumir o papel de “polícia” e há sucessos muito relevantes para a solução de
tendência também para o “problema do carona”, problemas que exigem ações imediatas.
situação que ocorre quando se incentiva a A ausência de mecanismos de sanção também
punição, mas não há esforço efetivo para que ela prejudica a eficiência do regime ambiental.
se realize (AXELROD, KEOHANE, 1985). Sendo Apesar de avanços estarem sendo desenvolvidos
assim, as ações dos Estados demonstram certa nesse campo, ainda não há aplicação de medidas
necessidade de recompensa para incentivar a de punição, tais como multas e perdas de direitos
cooperação. de votação em reuniões. Esse tipo de mecanismo
O ideal seria que a consciência da necessidade teria a capacidade de produzir uma tendência de
de preservação do Planeta fosse suficiente para que as regras fossem seguidas, pois, caso
incentivar a cooperação, mas, devido à grande contrário, os países teriam custos relevantes,
dificuldade de conseguir agir no presente para se tanto financeiros quanto políticos, por não
evitar uma catástrofe de proporções em um futuro obedeceram ao que foi acordado.
bastante distante faz com que o “salvamento da Outro ponto que merece destaque é o
Terra” não seja visto como recompensa suficiente problema de colaboração. No caso do regime de
no momento presente das ações dos países. mudanças climáticas, há necessidade de
Dessa forma, a presença de mecanismos de mecanismos de flexibilização e monitoramento
recompensa como a venda de créditos de das taxas de emissões. Mas o Protocolo de Kyoto
carbono pode ser considerada uma alternativa não possui mecanismos suficientes para
nesse sentido, já que oferece estímulo financeiro constranger o comportamento dos Estados. A
em troca da colaboração para a diminuição do existência de regras, normas e princípios não
lançamento de GEE. coage os atores, pois existem vários interesses
Além disso, outro aspecto ligado ao 'estímulo' é presentes, principalmente econômicos, que
a obrigatoriedade e não obrigatoriedade de atingir impedem ou dificultam seu funcionamento e/ou
metas de diminuição da emissão de GEE. Nesse criação. Durante as COPs, as partes tentaram
caso, a obrigatoriedade funciona como estímulo estabelecer mecanismos que criassem essa
para a cooperação. Entretanto, como existem noção de obrigatoriedade para o cumprimento
países que não possuem esse dever, o mercado das metas de redução de emissão,
de créditos de carbono e a criação de projetos de estabelecendo penalidades para os membros do
MDL são mecanismos que também podem ser Anexo I que não atingissem suas metas. No
eficientes nesse sentido. entanto, esses mecanismos não são
No que concerne à consistência entre, por um implementados e monitorados por uma
lado, os princípios e normas e, por outro, regras e organização formal centralizadora (HENRIQUE,
procedimentos de tomada de decisão, é possível 2009).
considerar que, em grande medida, isso não se Ademais, existem as questões de persuasão,
verifica no caso dos regimes ambientais, as quais estão ligadas principalmente ao
especialmente no regime de mudanças comportamento dos EUA no âmbito do regime. A

Edição n.3, v.1 43 ISSN 2179-6165


Artigos
existência de diversas propostas do país custos de transação, são um meio de diminuir
acatadas no Protocolo, aliada à posterior não assimetrias de informação e permite um maior
ratificação do documento pode, segundo contato entre os países, facilitando a emergência
Henrique (2009), ser vista como uma estratégia de ideias sobre o tema.
de ameaça, a qual, entretanto, não foi bem No entanto, percebe-se que o avanço no
sucedida, dada a continuação da implementação funcionamento do regime é limitado, em grande
do Protocolo, agora instigada pelos países da medida, pela primazia dos assuntos econômicos
União Europeia. frente às questões ambientais, já que aqueles têm
Não obstante, é evidente que a ausência dos um impacto mais imediato e incisivo. Nesse
EUA no Protocolo considerado um dos principais sentido, a instituição do “mercado do carbono” é
instrumentos do regime prejudicou sua uma medida que intenciona concatenar ações
legitimidade e o desorientou temporariamente. positivas para o desenvolvimento do regime
Isso porque os EUA são um dos principais atores ambiental internacional a ganhos econômicos.
do cenário internacional e têm, portanto, grande Outro fator que dificulta a eficiência do regime é a
capacidade de influência sobre os demais ausência dos Estados Unidos em um de seus
Estados. Outra justificativa para o clima foros mais importantes: o Protocolo de Kyoto.
pessimista instaurado após a não adesão é que o Sendo assim, é de suma importância que os
país é um dos maiores emissores de gases de países trabalhem conjuntamente da melhor
efeito estufa do mundo, logo, seu não maneira possível a fim de mitigar as
comprometimento com as metas de redução consequências já evidentes das mudanças
prejudicam enormemente os incentivos que os climáticas e as que ainda estão por vir. Para isso,
demais países têm para reduzir a emissão dos devem concentrar-se na solução dos problemas
gases. Afinal, é mais fácil e mais barato continuar que o regime possui, como a aplicação de suas
a desenvolver um país sem a necessidade de regras e a tendência à priorização de interesses
mudanças proporcionais às dos demais países particulares dos Estados, principalmente de
em sua estrutura energética. ordem econômica. Ainda que a existência do auto
interesse não seja letal para a aplicação dos
5. CONCLUSÃO princípios, na medida do possível, devem ser
encontradas formas de mitigá-lo.
Tendo em vista os aspectos ressaltados, pode-
se dizer que a importância do regime ambiental BIBLIOGRAFIA
internacional é evidente. Ao contrário da maioria
dos regimes, aquele que é alvo do estudo AXELROD, R.; KEOHANE, R. O. Achieving
apresentado neste artigo lida com pontos Cooperation under Anarchy: Strategies and
especialmente relevantes devido à sua Institutions. In: World Politics, Vol. 38, n. 1 (Oct.,
abordagem de políticas cruciais para a 1985), pp. 226-254. Disponível em:
continuidade da existência de vida na Terra da <http://www.jstor.org/stable/2010357>. Acesso
forma como a conhecemos. em: 15 nov. 2011.
Por si só, a existência do regime ambiental BABIKER, Mustafa H, et. al. The evolution of a
significa um avanço no tratamento do tema. Além climate regime: Kyoto to Marrakech and beyond.
disso, ele possui vários aspectos positivos, como Environmental Science & Policy, Vol 5 (3), 2002,
a criação de diversos tratados e convenções pp. 195–206. Disponível em:
internacionais, com destaque para a UNFCCC, <http://web.mit.edu/globalchange/www/MITJPS
juntamente com as COPs, políticas coordenadas PGC_Reprint02-5.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2011.
de ações de preservação do meio ambiente e a BARBOSA, Henrique Fialho. A COP 15 e o futuro
criação do “mercado do carbono”. Os canais de do regime de mudanças climáticas. Mundorama
comunicação criados entre os Estados membros O n l i n e . D i s p o n í v e l e m <
são essenciais para o bom funcionamento das http://mundorama.net/2010/05/18/a-cop-15-e-o-
instituições do regime, pois, além de diminuir os futuro-do-regime-de/>. Acesso em 17 nov. 2011.

Edição n.3, v.1 44 ISSN 2179-6165


Artigos
DOMINGOS, N. P. O Protocolo de Kyoto: a União RIBEIRO, Wagner Costa. A Ordem Ambiental
Europeia na Liderança do Regime de Mudanças Internacional. São Paulo: Contexto, 2001.
Climáticas. 2007. 136 f. Dissertação (Pós- SIQUEIRA, C. D. Segurança Energética e
Graduação em Relações Internacionais) - Regime Internacional de Mudanças Climáticas: o
Programa San Tiago Dantas de Pós-Graduação Papel da Burocracia Pública Brasileira na
em Relações Internacionais- PUC- Elaboração de Diretrizes Políticas. 2010. 137 f.
SP/UNESP/UNICAMP. PUC-SP, São Paulo, Dissertação (Pós-Graduação em Relações
2007. Internacionais) – Pontifícia Universidade Católica
FELDMANN, Fabio (Coord.) Tratados e de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010.
organizações internacionais em matéria de meio VIOLA, Eduardo. O Regime Internacional de
ambiente. Série Entendendo o Meio Ambiente, Mudança Climática e o Brasil. Revista Brasileira
vol. I. 2. ed. São Paulo: Secretaria de Estado do de Ciências Sociais, São Paulo, vol.17, n.50, Oct.
Meio Ambiente, 1997. Disponível em: 2 0 0 2 . D i s p o n í v e l e m :
<http://www.ambiente.sp.gov.br/cea/automatico/ <http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v17n50/a03v17
entendendo-o-meio-ambiente-tratados-e- 50.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2011.
organizacoes-internacionais-sobre-meio-
ambiente-2%C2%AA-edicao-1997/>. Acesso em ______________________________________
20 nov. 2011.
iLíviaLiria Avelhan é graduanda em Relações
HENRIQUE, Renata Tavares. A Cooperação no
Regime de Mudanças Climáticas. Revista Internacionais pela Universidade Federal de
Debates, Porto Alegre, Vol.3, n.2 (jul - dez 2009), Santa Catarina. E-mail: livia.liria@gmail.com
pp. 155-182. Disponível em:
<http://seer.ufrgs.br/debates/article/view/8304/6
853>. Acesso em: 18 nov. 2011.
KEOHANE, O. R. After Hegemony – Cooperation
and Discord in the World Politcal Economy.
Princeton: Princeton University Press, 1984.
KRASNER, Stephen D. (org). International
Regimes. Ithaca: Cornell University Press, 1982.
KYOTO PROTOCOL. Disponível em
<h p://unfccc.int/kyoto_protocol/items/2830.php>.
Acesso em: 20 nov. 2011.
M A RT I N , L i s a L . I n t e r e s t s , P o w e r a n d
Multilateralism. International Organization, Vol.
46, No. 4 (outono de 1992), pp. 765-792.
Cambridge: MIT Press. Disponível em: <
h t t p : / / j o u r n a l s - c a m b r i d g e -
org.ez46.periodicos.capes.gov.br/article_S0020
818300033245>. Acesso em: 19 nov. 2011.
MILANI, Carlos. O Meio Ambiente e a Regulação
da Ordem Mundial. Revista Contexto
Internacional, vol. 20, nº 2, julho/dezembro de 98,
pp. 303-347. Disponível em:
<http://contextointernacional.iri.puc-
rio.br/media/Milani_vol20n2.pdf>. Acesso em: 16
nov. 2011.
PNUMA – ONU Brasil. Disponível em: <
http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/pnuma/>.
Acesso em: 21 nov. 2011.

Edição n.3, v.1 45 ISSN 2179-6165


Artigos
CONFRONTOS NA SÍRIA: A TEORIA unique and unchanging. We search to understand
CRÍTICA APLICADA AO CONSELHO DE why the Security Council was not able to establish
SEGURANÇA a consensus on what should be the best decision
to be made in the case of Syria, and how,
CONFRONTATIONS IN SYRIA: THE especially based on Gramisci's concept of
CRITICAL THEORY APPLIED TO THE hegemony, the study of Critical Theory can bring
SECURITY COUNCIL explanatory contributions to renew the theoretical
field of International Relations.
Luís Fernando Casara Corrêa
Keywords: Syria, Security Council, Critical
RESUMO Theory, Hegemony.

Este artigo é um estudo sobre o processo 1. INTRODUÇÃO


revolucionário na Síria, em que se buscou
abordar de forma sucinta a relação entre o conflito Vivemos em um mundo em que o conflito ainda
e as ações do Conselho de Segurança para a é fator político determinante para a resolução dos
resolução do problema. Para tanto, foi feita uma problemas do sistema internacional. O que
breve análise do posicionamento do Conselho de diferencia o conflito de hoje dos conflitos de
Segurança à luz da Teoria Crítica das Relações tempos passados é a capacidade de negociação
Internacionais, principalmente a visão de Robert e o uso de uma certa “coerção” do próprio sistema
W. Cox, de matriz neo-gramsciana, mostrando a internacional para limitar o conflito a sua
manutenção de uma ordem internacional que, resolução por vias pacíficas. A coerção é feita em
vista a partir das teorias tradicionais das Relações grande parte pelo Conselho de Segurança da
Internacionais, tende ser única e imutável. ONU (CS) que, desde sua criação, age de forma a
Buscou-se entender porque o Conselho de amenizar os conflitos internos e externos dos
Segurança não conseguiu até o momento Estados.
estabelecer um consenso sobre qual seria a Porém alguns conflitos do sistema
melhor decisão a ser tomada no caso sírio e de internacional propõe um desafio maior ao
que forma, principalmente a partir do conceito de Conselho de Segurança. Tais conflitos expõe uma
hegemonia, o estudo da Teoria Crítica, pode dificuldade “genética” do CS, explícita na disputa
trazer contribuições explicativas para renovar o por necessidades individuais atreladas aos
campo teórico das Relações Internacionais. conflitos quando estes envolvem, por exemplo,
aliados e parceiros econômicos. Analisando
Palavras-chave: Síria, Conselho de Segurança, dessa perspectiva, em que os membros do CS
Teoria Crítica, Hegemonia. atrelam interesses particulares à resolução dos
conflitos, fica duvidosa a atuação do CS em sua
ABSTRACT tarefa e, traz o questionamento quanto à
legitimidade que alguns Estados tem para
This article is a study of the revolutionary controlar o destino do sistema Internacional.
process in Syria, and it tries to approach the Os conflitos sírios mostraram que alguns
relations between the conflict and the actions of assuntos do sistema internacional são mais
the Security Council to resolve the problem. To complexos do que parecem ser e colocaram em
that end, it presents a brief analysis of the position xeque a capacidade do Conselho de Segurança
of the Security Council in the light of the Critical em lidar com problemas de natureza conflituosa.
Theory of International Relations, especially the Expuseram a dificuldade em alinhar interesses e
vision of Robert W. Cox, neo-Gramscian school of utilizar o aparato das Nações Unidas para trazer
thought, showing the maintenance of an estabilidade ao sistema internacional.
international order, that seen by the traditional Transpondo a questão do Conselho de
theories of International Relations, tends to be Segurança para o campo teórico das Relações

Edição n.3, v.1 46 ISSN 2179-6165


Artigos
Internacionais, pode-se perceber que o caso sírio mudança significativa para toda a população,
está sendo abordado com as mesmas tanto na esfera social quanto política. A revolta
condicionantes presentes durante a Guerra Fria. social nesses países é o resultado de anos de
Parece existir um posicionamento de atraso democrático e social, condicionados a
manutenção de uma ordem estabelecida no pós- governantes que se mantêm e mantiveram no
Segunda Guerra Mundial que se desloca poder por décadas.
diretamente para o período hoje vivenciado, sem O início das revoluções na Síria, em 15 de
considerar as modificações atuais do cenário março de 2011, provenientes de um processo
internacional. sócio revolucionário em todo oriente médio, não
Para obter um outro olhar sobre o problema foi diferente. Inicialmente, ocorreram grandes
sírio, a visão da Teoria Crítica, abordada por manifestações nas ruas, rapidamente
Robert Cox, tenta expandir o debate existente nas repreendidas. O governo do Presidente Bashar Al
Relações Internacionais, para além das correntes Assad, usou de força para conter os
teóricas tradicionais que atuaram e ainda atuam, manifestantes, criando um ambiente de tensão
como modelo teórico explicativo das Relações interna e externa. Com a chegada de forças
Internacionais. Tendo em vista as limitações do rebeldes à capital Damasco, os conflitos entre
uso, em sua forma pura, de modelos teóricos oposição e governo se intensificaram.
tradicionais, como o Realismo, novas abordagens Inicialmente a oposição reivindicou uma maior
teóricas, como as da Teoria Crítica, tornam-se abertura democrática, fazendo com que Assad
imprescindíveis. decretasse o fim do estado de emergência e a
No que concerne este artigo, foi abordada a aprovação de uma nova constituição. Porém, a
Teoria Crítica, também chamada de neo- oposição mudou seu discurso, pedindo
gramsciana, pois busca, embasada nas diretamente a saída de Assad do poder. Assad
concepções do teórico italiano Antonio Gramsci, deixou claro seu posicionamento com relação ao
uma explicação mais ampla sobre os problemas pedido de renúncia, segundo ele: "Não sou um
enfrentados no atual sistema internacional. fantoche. Eu não fui feito para que os ocidentais
Robert Cox faz uma leitura importante de me digam que eu devo ir ao Ocidente ou qualquer
Gramsci, baseada na concepção gramsciana de outro país. Eu sou um sírio. Fui feito na Síria e
materialismo histórico, deslocando conceitos para viver e morrer na Síria."
como hegemonia, bloco histórico, sociedade civil, O caso sírio se torna mais complexo quando
entre outros, para serem analisados à luz da atual tratado na esfera do Conselho de Segurança da
configuração do sistema internacional, torna os ONU. Com posicionamentos adversos, os cinco
conceitos gramscianos atuais, servindo de permanentes (China, Estados Unidos, França,
importante aporte teórico para as Relações Grã Bretanha e Rússia) não conseguem
Internacionais do século XXI. estabelecer coesão sobre o que deve ser feito
para amenizar as questões enfrentadas na Síria.
2. CONTEXTUALIZAÇÃO Se, por um lado, EUA, França e Grã Bretanha
apoiam uma intervenção humanitária, de outro,
As revoluções sociais no Oriente Médio, Rússia e China pregam a não interferência
também conhecidas como “Primavera Árabe”, externa, sobretudo devido ao recente caso líbio.
tiveram início no final de 2010. O estopim para o Para tanto, o Conselho de Segurança possui
início de um movimento revolucionário em todo uma tarefa difícil de ser resolvida. O constante
Oriente Médio se deu quando, na Tunísia, veto de Rússia e China descarta qualquer diálogo
Mohammed Bouazizi, vendedor ambulante ilegal para a aplicação de uma resolução. O governo
de 26 anos, ateou fogo em si mesmo após um russo já deixou claro que não permitirá, em
policial confiscar suas mercadorias. A partir desse nenhuma hipótese, a ação externa na Síria. Assim
fato, países como Egito, Iêmen, Bahrein, Líbia, como declarou o Ministro das Relações
Síria, Marrocos e Argélia, enfrentaram, e ainda Exteriores Russo, Sergey Lavrov: “Se alguém
enfrentam, revoltas sociais que buscam uma tiver a intenção de usar a força a qualquer preço -

Edição n.3, v.1 47 ISSN 2179-6165


Artigos
ouvi pedidos para o envio de tropas árabes à Síria território representantes da oposição e do
- dificilmente poderemos impedir, mas não governo. Para a Rússia, a negociação deve ter
receberá nenhuma ordem do Conselho de como resultado a transição negociada do atual
Segurança.” governo para um governo plural e democrático
Os outros três permanentes - Estados Unidos, que seja representado pela vontade do povo sírio.
Grã Bretanha e França - por diversas vezes Para o Ministro das Relações Exteriores Russo,
tentaram, através da união com membros Sergey Lavrov,
rotatórios do Conselho de Segurança, propor uma [...] a Rússia é a favor de um cessar-fogo
resolução para a Síria, sem sucesso. Esse imediato e coordenado entre todas as partes do
impasse trouxe a público discursos impacientes conflito, com monitoramento internacional
de representantes destes países, que imparcial, além do acesso da ajuda humanitária
condenaram duramente o posicionamento russo aos civis e o início de um diálogo entre as partes
de veto às resoluções propostas. Segundo Hillary sírias sem condições prévias.
Clinton, Secretária de Estado dos Estados Em outra tentativa recente para negociação do
Unidos, o posicionamento russo, estaria conflito sírio, foi dada a tarefa a Kofi Annan, ex-
contribuindo para a guerra civil na Síria. Secretário Geral das Nações Unidas, de mediar
Quando analisamos os discursos de uma transição pacífica e o diálogo entre governo e
representantes dos governos envolvidos, oposição. A escolha de Annan deve-se pela
percebemos que o jogo de poder existente capacidade de negociação e de anos de
atrapalha as negociações para ambas as partes. experiência como Secretario Geral. Além de
Por diversas vezes a Secretária de Estado dos Secretario Geral, ocupou cargos como
Estados Unidos, Hillary Clinton, demonstrou em Representante Especial do Secretário-Geral na
seu discurso tom ameaçador, deixando a questão antiga Iugoslávia e Enviado Especial da
diplomática um pouco de lado. Em uma das Organização do Tratado do Atlântico Norte
reuniões para tentativa de resolução do problema (Otan). Antes de desempenhar estas funções,
sírio, Hillary deixou claro que tanto para Rússia, Annan serviu às Nações Unidas em outros postos
quanto para a China, o impasse na aprovação de e dedicou mais de 30 anos de sua vida às Nações
uma resolução contra a Síria pelo Conselho de Unidas, trabalhando em lugares tão diferentes
Segurança traria responsabilidades a serem como Adis Abeba, Cairo, Genebra, Ismailia
cobradas. Em suas palavras: "Não basta vir a uma (Egito) e Nova York. Não se trata portanto de um
reunião dos Amigos da Síria. A única forma de político ou representante de algum Estado
obter resultados é que cada país representado membro do Conselho de Segurança, mas sim de
aqui faça Rússia e China compreender que há um uma pessoa altamente preparada que vai além
preço a pagar". O Presidente dos Estados Unidos, dos interesses particulares dos membros do
Barack Obama, também se posicionou com Conselho de Segurança.
relação à situação síria, principalmente devido Nem mesmo a ONU via como tarefa fácil
aos protestos em frente à embaixada norte- negociar uma solução para o conflito mediante
americana em Damasco. Obama disse em tantas interferências externas. Koffi Annan
entrevista que estamos assistindo o presidente reuniu-se com representantes de ambas as
Assad perder legitimidade frente a seu povo. E partes e buscou apoio tanto do bloco liderado por
completou: “Ele perdeu oportunidade atrás de Estados Unidos, Grã Bretanha e França, como do
oportunidade para apresentar uma agenda de bloco Rússia e China. Sua função era negociar a
reformas genuínas. E é por isso que temos resolução pacífica da crise. Tinha o mesmo
trabalhado em nível internacional para nos pensamento de Rússia e China: “Acho que
certificar que a pressão mantenha-se alta.” qualquer aumento das operações militares
Em contrapartida, tanto Rússia quanto China causaria uma deterioração da situação”. Mesmo
mantiveram seu posicionamento contra qualquer após negociar com ambas as partes, percebeu
interferência externa na Síria. A Rússia contribui que os interesses, ainda que permeados pela
ao seu modo quando trouxe para negociar em seu questão humanitária, permaneciam conflitantes.

Edição n.3, v.1 48 ISSN 2179-6165


Artigos
A própria ONU se viu presa aos interesses do como de seu Conselho de Segurança, em propor
Conselho de Segurança, mantendo a situação soluções coesas em casos como o ocorrido na
estática mesmo com a participação de Koffi Síria.
Annan. Enquanto tentava trabalhar no cerne do Passados mais de doze meses do início dos
conceito da ONU de resolução de conflitos, em confrontos na Síria, percebe-se a dificuldade em,
que a negociação é o meio mais adequado, o como já mencionado, estabelecer a transição de
Conselho de Segurança, representado por governos ditatoriais, como é o caso de Assad na
Estados Unidos, Grã Bretanha e França, Síria, para regimes plurais e democráticos.
mantinha o pensamento de intervenção. Diversos fatores contribuem para a não resolução
O que torna o caso sírio ambíguo é que, para a do problema. Primeiro, as potências não têm
ONU, a interferência externa direta, militar ou não, coesão sobre o que deve ser feito, divergências
só é necessária quando o problema pode causar de cunho politico e econômico destoam o foco
danos sistêmicos, ou seja, uma situação que principal - trabalhar em um projeto pró Síria.
possa vir a se transformar em um conflito Segundo, a falta de diálogo entre oposição e
internacional. Entretanto, no caso sírio a questão governo na Síria, somada ao apoio ocidental dado
só se tornaria propícia à intervenção havendo a à oposição, contribui para o afastamento do
ingerência (ou intervenção) externa e não na diálogo e, cada vez mais, para o isolamento do
situação que o país apresentava naquele governo de Assad no cenário internacional. Outro
momento - argumento também sustentado por fator que perpetuou a situação síria, tanto por
Rússia e China. O perigo da interferência externa questões de interesse russo quanto em defesa de
gerariam condições que até então não se seu aliado estratégico, foi o uso do veto dentro do
observava. conselho de segurança.
Para Kofi Annan ficou claro que os interesses O presidente da Federação russa, Vladmir
eram conflitantes e que não seria possível Putin, deixa claro seu posicionamento quanto ao
estabelecer um denominador comum para a veto. Para ele: “o veto não é um capricho, mas
situação. Em suas palavras: uma parte integrante do sistema mundial, como
A crescente militarização em terra e a evidente consagrado na Carta das Nações Unidas, a
falta de unidade no Conselho de Segurança, propósito, por insistência dos Estados Unidos.”
mudaram fundamentalmente as circunstâncias Para Putin, o veto ao posicionamento dos demais
para o exercício da minha função […] Em um países do Conselho de Segurança significa não
momento que precisamos – quando o povo sírio repetir os mesmos erros ocorridos com
precisa desesperadamente de ação – continuam intervenções passadas que, como no caso do
existindo acusações e xingamentos no Conselho Iraque, não garantiram a democracia anunciada.
de Segurança […] Sem uma pressão Segundo Putin:
internacional unida, significativa e séria, inclusive Em geral, o que está acontecendo no mundo
dos poderes regionais, é impossível para mim ou árabe é muito instrutivo. Acontecimentos
qualquer um, compelir o governo sírio, em mostraram que o desejo de introduzir a
primeiro lugar, e também a oposição, a tomar democracia por métodos de força pode - e muitas
medidas necessárias para começar um processo vezes leva – a um efeito completamente oposto.
político. Desde março de 2011, cerca de 36 mil pessoas
Com a saída de Annan como mediador, um ano já morreram na Síria. Esse dado deteriora cada
após o início dos confrontos na Síria, a ONU vez mais a situação política no país, fazendo com
perde mais uma batalha na questão. Não apenas que o argumento russo de não intervenção torne-
por ter perdido um “homem de grandes se cada vez mais difícil. No entanto, até agora não
qualidades, um brilhante diplomata e uma pessoa pôde ser observada nenhuma tentativa de romper
muito honesta” como citou o Presidente Russo, os discursos e intervir passando por cima dos
Vladimir Putin, mais ainda, por demonstrar sua interesses particulares.
ineficácia em resolver os problemas de ordem
internacional, motivo pelo qual foi criada, bem 3. TEORIA CRÍTICA x TEORIA DE

Edição n.3, v.1 49 ISSN 2179-6165


Artigos
RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS International Relations Theory, Robert Cox
estabelece a distinção entre Teoria Crítica e,
Para explicar o caso concreto – questão síria principalmente, entre a corrente Realista e sua
aqui levantada –, buscou-se estabelecer contato versão mais recente, o Neo-Realismo. Para ele, a
com uma corrente teórica pouco debatida no meio Teoria da Resolução de Problemas seria um guia
acadêmico, principalmente no meio acadêmico para ajudar a resolver os problemas colocados
brasileiro. A Teoria Crítica, aqui aplicada, aparece dentro dos termos da perspectiva particular. Seu
como uma corrente teórica de possibilidades, objetivo geral é fazer com que as instituições de
frente à imobilidade teórica das Relações dominação existentes funcionem sem problemas
Internacionais (RI). Sua abordagem é por meio do enfoque fechado da origem de
comumente vista com maus olhos pelas demais problemas específicos (COX, 1981, p. 129). Cox
correntes teóricas que não se interessam por uma segue:
mudança normativa mais profunda. Portanto, “os A teoria de resolução de problemas pode ser
demais modos de pensamento censuram-se representada, numa perspectiva mais ampla da
como inadequados e incompreensíveis em seus teoria crítica, servindo determinados interesses
próprios termos (o que impede esclarecer, por nacionais, setoriais, ou de classes confortáveis
exemplo, o surgimento de um fenômeno como o dentro da ordem dada. Na verdade, o objetivo da
fundamentalismo islâmico, em assuntos teoria de resolução de problemas é conservador,
internacionais)” (COX, 1981, p. 132). “Uma teoria uma vez que tem como meta resolver problemas
sempre serve a alguém e a algum propósito” surgidos em várias partes de um conjunto
(COX, 1981, p. 128), portanto todas as lentes até complexo, de modo a suavizar o funcionamento
agora usadas nas RI tiveram um propósito: a do conjunto. (COX, 1981, p. 129)
manutenção de uma ordem sistêmica que prevê A crítica de Cox à Teoria de Resolução de
poucas possibilidades de modificação integral. Problemas dá-se, pois, defende a ideia que tanto
Cox, e a própria Teoria Crítica, trazem essa as relações sociais quanto as políticas não são
possibilidade, abrindo uma nova janela ao estáticas; elas permanecem em contínuo
pensamento das RI's, dentro de um cenário pré- processo de mudança. Percebe-se aqui a função
estabelecido. do historicismo (e da própria dialética), muito
Quando abordamos uma teoria, podemos, considerado em suas análises.
dentre outras possibilidades, saber se ela tem Para avaliar as esferas humanas particulares
como objetivo manter a ordem existente ou mudá- dentro de um processo histórico, Cox sugere a
la. Robert Cox vai abordar esse tema, adoção de métodos das estruturas históricas, no
identificando os problemas das demais teorias em qual são investigadas três esferas sociais de
realizar ajustes à ordem já estabelecida, e abrir o atividades: as forças sociais, construídas pelo
diálogo com a Teoria Crítica, fugindo do processo de produção; a forma de Estado,
convencional teórico de manutenção do status derivada do estudo dos complexos sociais e
quo existente. Para isso, vai distinguir a Teoria estatais; e as ordens mundiais, que são as
Crítica, fundada na tentativa de modificação de configurações de forças que continuamente
ordens que tendem à dominação, e a teoria de definem as relações de paz e guerra entre os
resolução de problemas, que poderia ser Estados. Essas três esferas seriam inter-
entendida como sendo as demais teorias das RI's relacionadas à medida que, por exemplo, as
(principalmente o Realismo e o Neo-Realismo), mudanças na forma de produção gerariam novas
que tendem apenas a ajustar o modelo estrutural forças sociais que, por sua vez, modificariam as
já existente. estruturas do Estado e levariam a alterações das
Para Cox, Problem-solving Theory - ou Teoria ordens mundiais. (SARFATI, 2005, p. 254)
de Resolução de Problemas - tende a corrigir as Modificação talvez seja, epistemologicamente,
disfunções do sistema, analisando os problemas a própria centralidade da teoria crítica. A teoria
separados do contexto total. Em seu trabalho alocaria o cerne da possibilidade de alteração de
Social Forces, States and World Orders: Beyond um sistema pré-concebido, tendo a

Edição n.3, v.1 50 ISSN 2179-6165


Artigos
funcionalidade de aproximar a realidade à estão muito ligadas ao momento histórico por ele
modificação. “A teoria crítica é dirigida ao vivido, momento de ascensão de Mussolini na
complexo social e politico como um todo e não Itália, onde é preso (1926 a 1937) e começa a
para as partes separadas” (COX, 1981, p. 129). desenvolver suas premissas teóricas. Cox, ao ler
Irá questionar não apenas a ordem atual Gramsci, usa conceitos que se adaptaram muito
existente, como também seu surgimento e como bem para explicar a ordem predominante em
se dá a sua manutenção. Esse questionamento é determinados momentos históricos, podendo
imprescindível dado o alinhamento das demais assim trazer Gramsci para a atualidade do
teorias com o processo de formação e de pensamento das Relações Internacionais
manutenção do sistema internacional. Assim (MEZZAROBA, 2005, p. 9).
segue: Talvez, o conceito mais importante dentre os
A teoria crítica, é claro, não é indiferente com os usados por Cox, seja o de hegemonia. Este
problemas do mundo real. Os seus objetivos são conceito possui uma pluralidade de análises que,
tão práticos quanto os da teoria de resolução de por si só, já bastariam para atualizar o
problemas, mas aborda a prática de uma pensamento das RI. Ao considerar a sociedade
perspectiva que transcende a da ordem existente civil e política como entes modificadores e de
que a teoria de resolução de problemas toma manutenção da ordem, introduz uma
como ponto de partida. (COX, 1981, p. 130) representatividade importante que perpassa a
Robert Cox deixa claro em seus estudos a importância do núcleo duro do Estado e das
necessidade de se estabelecer a aplicabilidade relações de poder, principalmente de vertente
da teoria com o campo das relações Realista. Cox não desconsidera o Estado, pelo
internacionais, uma vez que,trabalhar com contrário, para ele o Estado continua sendo o
diversas alternativas tenderiam a deixar a teoria principal ator das Relações Internacionais.
utópica. Porém, apesar de reconhecer esse Cintudo, tem como ponto principal de sua análise
elemento de utopia, vai além, explicando que a as relações sociais e políticas da formação dos
utopia de sua teoria pode ser representada como Estados e da participação desses no cenário
uma imagem coerente de uma ordem alternativa, internacional.
condicionada à compreensão dos processos A concepção de hegemonia que Cox trabalha é
históricos, a fim de propor as modificações derivada da concepção gramsciana de
necessárias para a formação de um novo bloco hegemonia. Desta forma, pode-se dizer que
histórico. hegemonia significa conhecimento além de ação
Portanto, o primeiro passo para distinguirmos a e, por isso, é a conquista de um novo nível
teoria crítica das demais teorias usadas nas RI é cultural, a descoberta de coisas que não se
diferenciar a teoria crítica, fundada numa conhecia. (MEZZAROBA, 2005, p. 9). A
possibilidade de modificação que mesmo hoje hegemonia no sentido gramsciano está ligada
torna-se cada vez mais atual, de um apanhado também às questões de poder, à dispersão social
teórico que funcionou como alternativa de reparo de um pensamento hegemônico legítimo.
em um sistema que encontra-se em constante Vinculada às ações derivadas desse
modificação. pensamento, dará ao grupo dominante o real
poder hegemônico. Cita Mezzaroba:
4. DA TEORIA PARA O CONSELHO DE O grupo pode ficar hegemônico mesmo antes
SEGURANÇA de conquistar o poder, para isso basta que
consiga difundir entre todos os seus membros a
Robert Cox foi bem sucedido ao trazer para o sua identidade político-cultural. Quando o grupo
campo das Relações Internacionais os conceitos passa a exercer o poder, ele se torna dominante,
gramscianos. Bem sucedido, pois Antonio mas isso não basta, acima de tudo ele deve ser
Gramsci desenvolveu seu pensamento para dirigente. (MEZZAROBA, 2005, p. 9)
questões internas do Estado. Suas concepções Cox, transpõe essa ideia para o nível
elaboradas sobretudo em Cadernos do Cárcere internacional e inclui as instituições para legitimar

Edição n.3, v.1 51 ISSN 2179-6165


Artigos
o pensamento gramsciano no cenário Com o poder de veto nas votações, os cinco
internacional. Cox deixa claro que o papel das permanentes estabelecem de onde emana o real
Organizações Internacionais é fundamental para poder do Conselho de Segurança. Cox, mesmo
esse processo. As Organizações Internacionais aceitando o fator de expressão da hegemonia
(OI) são mecanismos pelos quais as normas pelas instituições, vai, em uma leitura atual,
universais de hegemonia mundial são considerar que os Estados menos poderosos,
expressadas. (MUNHOZ, 2005, p. 94) Para Cox, também influem nas relações interestatais.
entre as características das OIs que expressam Segundo Cox:
seu papel na hegemonia estão: Eles têm um interesse coletivo em impor limites
[...] (i) elas incorporam regras que facilitam a à atividade das grandes potências e estimulam
expansão de ordens hegemônicas mundiais; (ii) normas de conduta internacional anticoloniais e
elas mesmas são um produto da ordem antiintervencionistas, favorecendo a
hegemônica mundial; (iii) elas legitimam redistribuição dos recursos mundiais. Mesmo
ideologicamente as normas da ordem mundial; quando é uma vitima, o Estado pequeno enfatiza
(iv) elas cooptam as elites de Estados periféricos; a mudança da hegemonia para a dominância,
e (v) elas absorvem ideias contra-hegemônicas. minando as certezas morais, enfatizando a
(COX, 1993, p. 62) arbitrariedade e o desrespeito às regras. Basta
As OI são as grandes responsáveis por mostrar lembrar como a crença hegemônica foi
uma coesão de pensamento que tornam legítima prejudicada nos casos do Vietnã, do Afeganistão,
qualquer ação perante o sistema. A cooptação de de Granada, de Nicarágua, de El Salvador e do
outras ideologias é fundamental para a Panamá. (COX, 2000, p. 197-198).
manutenção dessa ordem, representada, por Como já foi visto neste artigo, ficou clara a
exemplo, na participação de Estados que na dificuldade do Conselho de Segurança e de seus
maioria das vezes não têm expressão no cenário membros permanentes em estabelecer um
internacional e se limitam a desempenhar o papel consenso sobre o que deve ser feito a respeito da
de atores meramente representativos nessas questão síria. Posicionamentos geopolíticos e
instituições. São imbuídos de coerção financeira econômicos são fatores constantemente
e senso comum do bem estar ao participar destas consultados na análise de cada Estado envolvido
organizações, sem se questionar sobre qual é o para a tomada de decisão. Diante disso,
resultado de estar envolvido no processo. Cox questionamentos começam a ser levantados
segue: acerca de qual seria a legitimidade dos membros
A hegemonia expande-se e é mantida pelo permanentes em deter a exclusividade da
sucesso das práticas das camadas sociais decisão sobre o que deve ser feito na Síria.
dominantes e da influência que elas exercem Ao longo do tempo, o Conselho de Segurança,
sobre outros estratos da sociedade por meio do com premissas de manutenção da paz e Direitos
processo que Gramsci descreveu como uma Humanos, conseguiu disseminar a legitimidade
revolução passiva. A hegemonia determina as que Cox – assim como Gramsci – considera
ideias e, assim, circunscreve a ação. (COX, 2000, necessária para o alcance da hegemonia. Para
p. 194). isso, deve-se partir da centralidade estabelecida
O Conselho de Segurança tem mecanismos pela hegemonia norte-americana que conseguiu,
que tendem a disponibilizar momentaneamente a no pós- Segunda Guerra Mundial, tornar seu
participação de outros Estados no seu núcleo de padrão social universal em diversas culturas,
decisão. Para tanto, possui os membros rotativos. utilizando a ONU e o próprio Conselho de
Estes são eleitos para um mandato de dois anos Segurança como ferramentas dessa expansão de
como membros rotativos, participando do dia-a- pensamento até os dias de hoje.
dia da tomada de decisão do Conselho de [...] a união de poder, ideologia e instituições
Segurança. Entretanto, a força hegemônica se constituiu a base da chamada pax americana
mostra como a grande ilusionista de um sistema (pós-1945), período caracterizado pela
que supostamente tenderia a ser democrático. hegemonia norte-americana. Dentro dessa

Edição n.3, v.1 52 ISSN 2179-6165


Artigos
concepção, não é possível entender a hegemonia Segurança na tomada de decisões, algumas
apenas em termos de domínio militar e condições puderam ser observadas.
econômico, como sugerem as teorias A primeira delas é que existe um consenso
realistas/neo-realistas. No caso especifico da pax gerado pós-Segunda Guerra Mundial, em que o
americana, teria sido central a internalização do melhor caminho para a resolução de conflitos e
Estado, ou seja, as forças materiais norte- problemas do sistema internacional passa
americanas atreladas à ideologia do livre- inevitavelmente pelo Conselho de Segurança.
comércio levaram a uma institucionalização do Esse consenso, pelo que se percebe, foi criado
ideário norte-americano, principalmente pela com a ajuda norte-americana que
constituição de instituições como o Fundo intersubjetivamente, ou seja, com noções
Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e compartilhadas socialmente sobre as relações
ex-GATT em termos econômicos, e a OTAN, no sociais que tendem a se perpetuar na forma de
caso da segurança internacional. Ou seja, a hábitos e expectativas de comportamento,
internacionalização da política norte-americana influíram na criação desse consenso. Outrossim,
construiu uma forte noção de obrigação o Conselho de Segurança hoje é uma ferramenta
internacional que desde o final da Segunda ou, como diria Gramsci, um aparelho privado de
Guerra Mundial tornou-se parte do DNA do hegemonia, pois pressupõe de seus membros
governo norte-americano. (SARFATI, 2005, p. uma adesão voluntária, contratual, não formando
255) assim o que Gramsci chamou de Estado-coerção.
Termos como “guerra contra o terror”, por A segunda condição percebida
exemplo, só foram abertamente discutidos (empiricamente) é que o Conselho de Segurança
mediante a influência norte-americana. Até tornou-se uma ferramenta política para seus
mesmo a questão síria, em que muito se falou da membros permanentes e que, por esse motivo,
intervenção permeada pela necessidade de sua capacidade de resolução pacífica de conflitos
defesa dos Direitos Humanos, é percebida como encontra-se comprometida. Foi observado que,
fator maleável às necessidades dominantes (de quando se trata de resolução de conflitos,
uma elite internacional). Da mesma forma, por principalmente quando o que está em jogo são
exemplo, não vemos esforços dentre os membros resoluções para ingerência externa em um
do Conselho de Segurança em discutir a Estado, o fator político envolvido condiciona seus
intervenção permeada pela questão dos Direitos membros a rever todas as condicionantes, para
Humanos em outros conflitos como no Congo. que essas não destoem de seus interesses
Assim, Cox mostra que as OI's (ONU) são a econômicos, políticos, geopolíticos, alianças e
expressão da hegemonia de sociedades que etc.
possuem o amplo domínio cultural e de Assim, no caso sírio, percebe-se que o
pensamento que na maioria das vezes impasse estabelecido dentro do Conselho de
magnetizam outras sociedades a aceitar suas Segurança não é meramente condicionado à
regras e viver seus ideais. A Teoria Crítica, tendo resolução do problema, mas consiste na disputa
como característica ontológica o questionamento, de poder, principalmente no que tange à
irá questionar a ordem existente e essas manutenção do status quo do poder de cada um
instituições - que são o resultado direto de uma de seus membros permanentes.
ampla cadeia de fatores hegemônicos, expressos Por fim, percebe-se que a aplicação de um
em nível internacional. conjunto de teorias construídas para o “conserto”
de certos problemas do sistema internacional não
5. CONCLUSÃO possibilita, no campo das Relações
Internacionais, um pensar que modifique
Após analisarmos o contexto do conflito na significativamente a estrutura das relações
Síria, e as perspectivas teóricas da Teoria Crítica, internacionais, tão somente uma parte
aplicadas, principalmente, à condição de problemática limitada por um período histórico
dominância estabelecida pelo Conselho de fechado. Durante o processo de abordagem feito

Edição n.3, v.1 53 ISSN 2179-6165


Artigos
sobre a Teoria Crítica para a aplicação no caso, foi Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005.
percebido o quão importante é o COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo
dimensionamento dado aos outros fatores sobre seu pensamento político. Rio de Janeiro:
levantados por essa teoria. A esses fatores deve- Civilização Brasileira, 1999.
se principalmente a abordagem de Robert Cox CHAUÍ, Marilena De Sousa. O Que é Ideologia.
que desconstrói, a partir dos conceitos São Paulo: Abril Cultural/Brasiliense, 1984.
gramscianos, a velha estrutura de poder D i s p o n í v e l e m :
condicionada pela Teoria Realista/Neo-Realista http://pendientedemigracion.ucm.es/info/nomad
que tende, como produto teórico das escolas as/12/wsoares.pdf acessado em: 21/11/12
europeias e norte-americana, conceber o sistema GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere (vol.
internacional como sendo único, 2). São Paulo: Editora Civilização Brasileira, 2000
desconsiderando, por exemplo, o contexto GRUPPI, Luciano. O Conceito de Hegemonia em
histórico das relações internacionais. Gramsci. 3˚ Edição. Rio de Janeiro: Graal, 1991.
Não se busca com isso creditar à Teoria Critica NOGUEIRA J.P; MESSARI, N. Teoria das
uma superioridade de análise das Relações Relações Internacionais. Rio de Janeiro:
Internacionais. Como cita Cox, sempre há um Campus, 2005.
propósito na concepção de uma teoria e MEZZAROBA, Orides. Gramsci e a hegemonia.
provavelmente a Teoria Critica não foge também In: MEZZAROBA, Orides (org). Gramsci: Estado
dessa regra. No entanto, ao reconstruir a e Relações Internacionais. Florianópolis:
realidade sobre outra perspectiva, insere-se nas Fundação Boiteux, 2005. p. 7-27.
Relações Internacionais uma outra possibilidade, MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Hegemonia
um outro caminho, garantindo ao observador uma e reforma do Conselho de Segurança da ONU. In:
outra lente para a análise das relações MEZZAROBA, Orides (org). Gramsci: Estado e
internacionais contemporâneas. Relações Internacionais. Florianópolis: Fundação
Boiteux, 2005. p. 79-121.
BIBLIOGRAFIA REBELATTO, Arthur Galli. A atuação da ONU nos
conflitos em Darfur (2003 a jul/2007): uma
BEDIN, Gilmar Antonio. A Sociedade abordagem crítica. 2011. 32 páginas. Trabalho de
Internacional e o Século XXI: Em busca da Conclusão de Curso. Relações Internacionais.
construção de uma ordem mundial justa e UNIVALI. Balneário Camboriú
solidária. Ijuí: UNIJUÍ, 2001. SARFATI, Gilberto. Teoria das Relações
COX, Robert W. (1995a), “Critical Political Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2006.
Economy”, in B. Hettne (org.), International SILVA, Marco Antonio de Meneses, Teoria Crítica
Political Economy: Underglobal Disorder. Nova em Relações Internacionais. Disponível em:
Scotia: Fernwood Books. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010285292
_______. [1981] (1995b), “Social Forces, States 005000200001&script=sci_abstract&tlng=pt
and World Orders: Beyond Inter- national Acessado em: 05/12/2012
Relations Theory”, in R. W. Cox e T. Sinclair, VINSETINI, P.F; PEREIRA, A.D. História Mundial
Approaches to World Order. Cambridge: Contemporânea (1776-1991): Da independência
Cambridge University Press. dos Estados Unidos ao Colapso da União
_______. [1995] (2000), “Rumo a uma Con- Soviética. 3˚ Edição. Brasília: Fundação
ceituação Pós-hegemônica da Ordem Mundial: Alexandre de Gusmão, 2012.
Reflexões sobre a Relevância de Ibn Kaldun”, in J.
N. Rosenau e E-O Czempiel (orgs.), Governança ______________________________________
sem Governo: Ordem e Transformação na
Política Mundial. Brasília: Editora da UnB. Graduando do Curso de Relações Internacionais
C A R N E VA L I , G i o r g i o . A t e o r i a p o l í t i c a pela UNIVALI – Universidade do Vale do Itajaí –
internacional em Gramsci, in Orides Mezzaroba SC. E-mail: luisrea@me.com.
(org), Gramsci: Estado e Relações Internacionais. Depois da II Guerra Mundial, que devastou

Edição n.3, v.1 54 ISSN 2179-6165


Artigos
dezenas de países e tomou a vida de milhares de Acessado em: 28 set. 2012
seres humanos, existia na comunidade O Conselho de Segurança é o órgão da ONU
internacional um sentimento generalizado de que responsável pela paz e segurança internacionais.
era necessário encontrar uma forma de manter a Ele é formado por 15 membros: cinco
paz entre os países. Disponível em: permanentes, que possuem o direito a veto –
<http://www.onu.org.br/conheca-a-onu/a- Estados Unidos, Rússia, Grã-Bretanha, França e
historia-da-organizacao> Acessado em 04 dez. China – e dez membros não permanentes, eleitos
2012. pela Assembleia Geral por dois anos. Este é o
Buscou-se a visão de Robert W. Cox neste único órgão da ONU que tem poder decisório, isto
trabalho, pois o presente artigo é resultado de um é, todos os membros das Nações Unidas devem
trabalho de Laboratório de Análise de Relações aceitar e cumprir as decisões do Conselho.
Internacionais (LARI) em conjunto com a Disponível em: http://www.onu.org.br/conheca-a-
aplicação da Teoria das Relações Internacionais, onu/como-funciona/ acessado em: 04/10/2012
em que se foi trabalhado o supracitado autor. Não D i s p o n í v e l e m :
se desconsidera com isso a existência de outros <http://www.bbc.co.uk/portuguese/ultimas_notici
autores que abordam a visão da Teoria Crítica das as/2012/05/120531_clinton_russia_siria_rn_rc.s
Relações Internacionais. html> Acessado em: 04 out. 2012
D i s p o n í v e l e m : D i s p o n í v e l e m :
<http://noticias.r7.com/internacional/noticias/um- <http://noticias.bol.uol.com.br/internacional/2012
ano-apos-inicio-da-primavera-arabe-novos- /07/06/eua-pedem-resolucao-da-onu-sobre-
lideres-se-dividem-entre-islamismo-radical-e- transicao-na-siria-com-ameacas-de-
moderado-20111218.html> Acessado em: 28 sancoes.jhtm> Acessado em: 04 out. 2012
ago. 2012 Tradução nossa, do original: He has missed
D i s p o n í v e l e m : opportunity after opportunity to present a genuine
<http://www.viomundo.com.br/politica/vladimir- reform agenda. And that's why we've been
safatle-a-primavera-arabe-e-a-indignacao- working at an international level to make sure we
seletiva.html> Acessado em: 25 ago. 2012 keep the pressure up. Disponível em :
D i s p o n í v e l e m : <http://www.nytimes.com/2011/07/13/world/midd
<http://educacao.uol.com.br/disciplinas/atualida leeast/13policy.html?pagewanted=all> Acessado
des/crise-na-siria-atentado-aumenta-tensao-em- em: 04 out. 2012
damasco.htm> Acessado em: 03 set. 2012 D i s p o n í v e l e m :
D i s p o n í v e l e m : http://www.diariodarussia.com.br/internacional/n
<http://www1.folha.uol.com.br/mundo/1182277- oticias/2012/06/07/russia-e-china-mantem-
fui-feito-para-viver-e-morrer-na-siria-diz- posicao-sobre-a-questao-siria/> Acessado em:
ditador.shtml> Acessado em: 07 set. 2012 04 out. 2012
D i s p o n í v e l e m : D i s p o n í v e l e m :
<http://www.cartamaior.com.br/templates/materi <http://www.diariodarussia.com.br/internacional/
aMostrar.cfm?materia_id=19680> Acessado em: noticias/2012/03/14/russia-reafirma-o-direito-de-
10 set. 2012 soberania-do-governo-da-siria/> Acessado em:
D i s p o n í v e l e m : 04 out. 2012
<http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias Disponível em: <http://unic.un.org/imucms/rio-
/24092/conflito+na+siria+e+quase+impossivel+d de-janeiro/64/35/o-secretario-geral.aspx>
e+ser+resolvido+admite+enviado+especial+da+ Acessado em: 04 out. 2012
onu.shtml> Acessado em: 27 set. 2012 D i s p o n í v e l e m :
D i s p o n í v e l e m : <http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias
<http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias /20399/kofi+annan+condena+possivel+intervenc
/19250/russia+impedira+que+conselho+de+seg ao+militar+na+siria.shtml> Acessado em: 04 out.
uranca+aprove+intervencao+na+siria.shtml> 2012

Edição n.3, v.1 55 ISSN 2179-6165


Artigos
Disponível em: <http://www.onu.org.br/conheca- Nações Unidas para Direitos Humanos, estima-
a-onu/como-funciona/> Acessado em: 05 out. se que o número de mortos hoje é de 70 mil
2012 pessoas. A estimativa é que mais de 4 milhões de
Tradução nossa, do original: The increasing pessoas necessitem de assistência humanitária
militarization on the ground and the clear lack of urgente, incluindo mais de 2 milhões de
unity in the Security Council, have fundamentally deslocados internos. Até 18 de fevereiro, o
changed the circumstances for the effective número de refugiados sírios no Egito, Iraque,
exercise of my role […] At a time when we need – Jordânia, Líbano e Turquia já superava os 857 mil.
when the Syrian people desperately need action – Se o fluxo de refugiados se mantiver, a previsão é
there continues to be finger-pointing and name- que cheguem a 1,1 milhão até junho. Disponível
calling in the security council […] Without serious, em: <http://www.onu.org.br/siria/> Acessado em:
purposeful and united international pressure, 19 abr. 2013
including from the powers of the region, it is [...] idéia de que o mundo é como é em razão da
impossible for me, or anyone, to compel the ordem natural das coisas. (CHAUÍ, 1984)
Syrian government in the first place, and also the “Essa contemporaneidade, em parte, das
opposition, to take the steps necessary to begin a concepções realistas do paradigma realista, foi,
political process. Disponível em: justamente, o fato que impulsionou alguns
<www.un.org/apps/news/infocus/Syria/press.asp autores, como GILPIN e WALTZ, a buscarem
?sID=41> Acessado em: 07 out. 2012 atualizar os principais pressupostos realistas, em
D i s p o n í v e l e m : um movimento chamado neo-realismo político.
<http://www.estadao.com.br/noticias/internacion Esses autores neo-realistas iniciam a sua
al,vladimir-putin-considera-renuncia-de-annan- contribuição ao estudos das relações
uma-grande-perda,909977,0.htm> Acessado internacionais nos anos setenta, numa clara
em: 10 out. 2012 tentativa de conferir à teoria clássica do realismo
D i s p o n í v e l e m : um tratamento mais sistemático e rigoroso, que
<http://gazetarussa.com.br/articles/2012/10/02/c até então não possuía. Assim, sem abrir mão dos
rise_siria_e_um_teste_para_a_onu_15815.html pressupostos do realismo, esses autores neo-
> Acessado em: 10 out. 2012 realistas buscaram ultrapassar a visão intuitiva e
D i s p o n í v e l e m : histórica e, numa certa medida simplista,
<http://blogs.estadao.com.br/gustavo- comumente atribuída às ideias realistas.”
chacra/entenda-a-disputa-sobre-a-siria-no- (BEDIN, 2001, p. 261).
conselho-de-seguranca/> Acessado em: 10 dez. Tradução nossa. Do original: Problem-solving
2012 theories can be represented, in the broader
D i s p o n í v e l e m : perspective of critical theory, as serving particular
<http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/eua- national, sectional, or class interests, which are
anunciam-us-45-milhoes-adicionais-em-ajuda- confortable within the given order. Indeed, the
para-a-siria> Acessado em: 10 dez. 2012 purpose served by problem-solving theory is
D i s p o n í v e l e m : conservative, since it aims to solve the problems
<http://mn.ru/politics/20120227/312306749.html arising in various parts of a complex whole in order
> Acessado em: 10 dez. 2012 to smooth the functioning of the whole.
D i s p o n í v e l e m : “Após tantos anos de esforço para formular
<http://mn.ru/politics/20120227/312306749.html métodos científicos neutros, encontramos um
> Acessado em: 10 dez. 2012 autor que afirma abertamente que “toda teoria é
D i s p o n í v e l e m : para algo e para alguém, ou seja, toda teoria é
<http://www1.folha.uol.com.br/mundo/1178660- interessada em um estado de coisas, seja ele
ong-eleva-numero-de-mortos-na-siria-para-36- político, econômico ou social. Assim como
mil.shtml> Acessado em: 11 dez. 2012 fizeram os membros da Escola de Frankfurt, Cox
Segundo dados do Alto Comissariado das defende a ideia de que toda teoria é relativa aos

Edição n.3, v.1 56 ISSN 2179-6165


Artigos
seu tempo e lugar e, portanto, não pode ser OTAN em escala global e o recurso direto à OTAN
transformada em um modelo absoluto, aplicável por parte de membros da ONU representam
universalmente, como se não estivesse precedentes importantes.” Disponível em:
associada a certo contexto histórico e politico. As <http://dx.doi.org/10.1590/S0102-
teorias tem sempre uma perspectiva, um olhar 85292010000100003> Acessado em: 19 abr.
engajado com a realidade sobre a qual está 2013
refletindo, sendo influenciada e influenciando tal Cabe ressaltar que a Escola Inglesa das
realidade.” (NOGUEIRA, J.P; MESSARI, N. 2005, Relações Internacionais, destacadamente
p. 139) representada por Martin Wight e Hedley Bull, já
Tradução nossa. Do original: Critical theory is, of preconizava, durante a década de 60 e 70, a
course, not unconcerned with the problems of the análise do apanhado histórico, principalmente na
real world. Its aims are just as practical as those of modificação do marco teórico normativo. Sua
problem-solving theory, but it approaches practice diferenciação para a Teoria Crítica, é que esta
from a perspective which transcends that of the ultima, realiza sua análise à luz dos conceitos
existing order, which problem-solving theory takes marxistas/gramscianos.
as its starting point.
“A hegemonia gramsciana se materializa
precisamente na criação dessa vontade coletiva,
motor de um “bloco histórico” que articula numa
totalidade diferentes grupos sociais, todos eles
capazes de operar, em maior ou menor medida, o
movimento “catártico” de superação de seus
interesses meramente “econômico-corporativos”,
no sentido da criação de uma consciência “ético-
política”, universalizadora”. (COUTINHO, 2009,
p. 251
O Congo na atualidade, vive uma das mais
sangrentas guerras civis do continente Africano.
D i s p o n í v e l e m
<http://www.ihu.unisinos.br/noticias/516127-
conflito-no-congo-e-ignorado-pelo-mundo>.
Acessado em: 11 dez. 2012.
É notável o número crescente de intervenções,
tidas como humanitárias, realizadas pela OTAN
(Organização do Atlântico Norte), sem que exista
um maior questionamento em nível internacional
sobre a legitimidade destas intervenções ou
sobre a partir de que momento criou-se o
consenso sobre a necessidade de tais
intervenções e seus métodos intervencionistas.
“A frequência de lançamento das missões,
contudo, difere de toda a história anterior e
mantém paridade com os anos 1990. No mesmo
período, o número de novas operações da OTAN
também cresceu, e entre os anos 2000 e 2008
atingiu um total ligeiramente maior que o
registrado para a ONU no mesmo período. Mais
do que isso, a atuação independente por parte da

Edição n.3, v.1 57 ISSN 2179-6165


Artigos
O MECANICISMO EXPLICATIVO E A The Cold War is the great label of the 20th
ELIPSE DA VONTADE: O CONCEITO DE century. At the same time, the study of
BIPOLARIDADE International Relations became internationally
vigorous and received a great deal of resources
Luiz Fernando Castelo Branco Rebello Horta and academic support. In both cases, the Realist
theory, that has a mechanistic explanation about
RESUMO international politics, was the most important
theoretical effort to interpret a world which was in
A Guerra Fria é como marca do século XX, da the middle of the conflict between USA and USSR.
mesma forma que as Relações Internacionais The central concept used was, undoubtedly,
como disciplina de estudo ganharam notoriedade bipolarity. Although bipolarity became the key
mundial durante o mesmo período. Em ambos os concept to understand the Cold War, its premises
casos, a teoria realista, cujo princípio explicativo é cannot afford the real deal of the Cold War:
mecanicista, foi preponderante para dar ideology. In fact, Waltz's concept cannot be used
inteligibilidade ao momento da política mundial because it cannot give enough space to the
que se afigurava, a priori, como um confronto ideology, which is recognized as a touch-stone of
entre EUA e URSS. O conceito utilizado para the Cold War. Structuralist realism cannot admit
compreensão do período foi a bipolaridade. the ideology (like an actor-based force) is
Ocorre que o termo bipolaridade não comporta, important to bipolarity. Based on this important
em sua matriz explicativa, a ideia de ideologia. A issue, Cold War cannot be used, as it commonly
bipolaridade, especialmente a estrutural de Waltz, is, as a twin concept for bipolarity. For historians,
atribui aos atores um papel muito menor do que ideology is the main force which organizes the
aquele que confere aos condicionantes world of Cold War into an almost insoluble conflict,
estruturais. Nesse sentido, apesar de Guerra Fria but at the same time, realism does not accept it.
e bipolaridade serem (e foram pensadas para Realism became the largest and most important
isso) muitas vezes usadas como intercambiáveis, research program in International Relations
devido as suas premissas, a conceituação desses around the world, although it had never been able
dois termos torna-os impossíveis de serem to solve this important theoretical flaw among
conjugados em uníssono. O ponto de divergência ideology, structural explanation and Cold War.
extrema entre eles é o conceito de ideologia. Tal
conceito, que é aceito por historiadores como Keywords: Realism, Theory, Epistemology,
sendo a força-motriz do conflito da Guerra Fria Ideology, Cold War
não encontra guarida adequada na explicação
estruturalista realista das Relações 1. INTRODUÇÃO
Internacionais. Embora o realismo tenha-se
tornado hegemônico como programa de pesquisa É comum a literatura oferecer como explicação
na disciplina, ele nunca ofereceu uma explicação do pós-Segunda Guerra Mundial o conceito de
a contento para esse problema teórico. Guerra Guerra Fria. Esse conflito não deflagrado por
Fria e bipolaridade não são apenas conceitos meios tradicionais que teria envolvido duas
diferentes, mas chegam a ser antagônicos se “superpotências” em uma rivalidade cujo campo
olhados sob o prisma da incongruência entre o de atuação, embora discutido, continua tendo
mecanicismo explicativo em oposição ao conceito fronteiras imprecisas. As descrições das
de ideologia. características desse período reforçam o caráter
da rivalidade existente entre EUA e URSS e,
Palavras Chave: Realismo, Epistemologia, embora sob diferentes pontos de vista, apontam
Teoria, Ideologia, Guerra Fria para a formação de um “mundo” diferenciado que
correspondeu à Guerra Fria. Por meio dessa
ABSTRACT argumentação, o entendimento da Guerra Fria
não pode ser fixado propriamente uma vez que o

Edição n.3, v.1 58 ISSN 2179-6165


Artigos
universo de percepção de onde emanam os tais conceitos conseguiram elipsar o que de mais
condicionantes conceituais de tal conflito tornou- essencial existe no estudo da política que é o
se muito maior do que é possível definir. animus operandi (o que é chamado, por analogia,
O entendimento a respeito do período da no título de “vontade”). Por eludir à noção de que
rivalidade entre EUA e URSS, no entanto, não as ações humanas são causa da formação
parecia estar suficientemente alicerçado para político-social engendrada em seu tempo, o
suportar tamanho peso explicativo e, ainda, por Realismo (CARR, 1962, p. 10) afastou o conceito
um período tão longo (1945-1989). Ciente dessa de ideologia de suas formulações (o que até seria
inconsistência, em 1948, Hans Morgenthau salutar na visão científica norte-americana da
ofereceu uma primeira explicação de tal relação época da Guerra Fria (GUILHOT, 2011, p. 6-12)) e
em seu livro “A política entre as nações”. pôde, assim, oferecer uma explicação dita como
Morgenthau denominou o que seria diferencial “científica” para o fenômeno nomeado Guerra
entre o período que se iniciava e os anteriores Fria. O que o Realismo não pôde prever foram
(notadamente as duas grandes guerras) com o exatamente os efeitos da ação humana que, de
termo “bipolaridade”. tão deletérios para a explicação “estrutural”,
O termo é emprestado da Física – mais acabaram por destruí-la com o fim abrupto da
precisamente dos estudos eletromagnéticos. A bipolaridade. Como a explicação científica
revolução que a Teoria da Relatividade (proposta obedece a condicionantes sócio-políticos, o
por Einstein em 1905, mas apenas submetida à realismo parece lutar contra a empiria e, no pós
prova empírica no pós-segunda Guerra) vinha Guerra Fria, trabalha arduamente para constituir
provocando em toda a ciência também tomou de novamente seus dois polos teóricos,
assalto as percepções no campo da política reorganizando a dicotomia da Guerra Fria e
internacional. Enquanto a Física parecia reconstruindo o seu mundo inteligível. O que
apresentar-se ao mundo como uma forma ficará claro ao final do texto é que essa criação
definitiva de ciência, cuja capacidade explicativa teórica gera o conceito de bipolaridade, e não o
surgia como um modelo de abrangência, contrário.
c o n c i s ã o e s i m p l i c i d a d e ( a Te o r i a d a
Relatividade); muito do seu jargão, seus “Spatial demarcation and immobility marks the
conceitos e teorias passaram a inspirar ideias e polar 'axis.' The cold war both produces a space
explicações em outros campos do saber. Aqui and is produced by it. Perhaps, then, the original
interessa destacar a apropriação feita por magnetic metaphor is better than Clausewitz's
Morgenthau da noção de bipolaridade. appropriation would have it: in the very middle a
Em 1979, Kenneth Waltz, em seu livro “Theory neutralized nullity between poles locked in the
of International Politics”, dá maior consistência ao equilibrium of attracting opposites.”
caminho iniciado por Morgenthau e elege, (STEPHANSON, 2007, p. 20)
também, como centro explicativo da relação de
política internacional pós-Segunda Guerra Da mesma forma que a constituição do mundo
Mundial, o conceito de bipolaridade, o que faz em dois polos, no período da Guerra Fria, foi um
com maior precisão e, por conseguinte, maior esforço político (e não científico), atualmente, o
capacidade explicativa se comparado a esforço de reconstrução normativo está
Morgenthau. Contudo, a base mecanicista do novamente em curso, trocando-se apenas os
conceito de Morgenthau mantém-se no conceito atores internacionais.
de Waltz e, ainda que os conceitos sejam
diferentes, os dois partilham de problemas 2.. O MECANICISMO BIPOLAR
ontológicos semelhantes.
Nesse artigo apresentar-se-ão os conceitos de A ideia de bipolaridade foi primeiramente
bipolaridade de Morgenthau e Waltz enfocando apresentada em 1948 por Hans Morgenthau em
também suas imprecisões e argumentar-se-á sua obra “A política entre as nações”. Em
que, utilizando uma lógica mecanicista estrutural, Morgenthau, percebe-se o conceito de

Edição n.3, v.1 59 ISSN 2179-6165


Artigos
bipolaridade como tributário de duas linhas de Bretanha, Japão e Alemanha – e todos os demais
raciocínio distintas: (a) do conceito de balança de países combinados, pelo outro lado, que a
poder e (b) da ideia de estabilidade. defecção de uma aliado ou o acréscimo de um
Para o autor, um polo constitui-se como força outro país não mais poderia desequilibrar a
dentro do espectro internacional quando balança de poder e, com isso, afetar
“materialmente” sua relação com os demais materialmente o resultado final da luta. É bem
Estados se torna tão desigual em função da possível que, sob a influência de mudanças de
“disparidade de poder” que o “equilíbrio não pode alinhamento um dos pratos da balança pudesse
ser alterado de modo decisivo” por eventuais elevar-se um pouco, enquanto o outro baixaria
mudanças de alinhamento de um ou outro ainda mais, sob um peso maior.”
Estado. Assim, pólo define-se pela comparação (MORGENTHAU, 2003, p. 625) grifo nosso
material entre si e outros Estados e, também, pela “De agora em diante, só passava a ter relevância
estabilidade que oferece ao sistema a posição das grandes potências (...) Essa
engendrando “alinhamentos” na política situação, que foi pela primeira vez constatada
internacional. durante a Primeira Guerra Mundial, viu-se
Não se pode deixar de perceber, como base acentuada pela polaridade entre Estados Unidos
conceitual subjacente, o conceito de polaridade e a União Soviética, e constitui hoje a mais
magnética da Física cuja expressão mais importante característica da política internacional.
evidente vem da empiria gráfica simbolizada pela A potência dos Estados Unidos e da União
figura 1: soviética em comparação o poder de seus aliados
O estudo físico do fenômeno do magnetismo efetivos ou potenciais, tornou-se de tal modo
mostra que um campo magnético se forma entre avassaladora, que, graças ao seu peso
dois polos com propriedades distintas e opostas, predominante, as duas superpotências
um como dispersor (polo norte – N) e outro como determinam o equilíbrio de poder entre as duas
receptor (polo sul – S). Elementos cuja (sic). No momento esse equilíbrio não pode ser
propriedade física se coadune com o magnetismo alterado de modo decisivo, pelo menos a curto
(ferromagnéticos, paramagnéticos ou prazo, por eventuais mudanças de alinhamento
diamagnéticos) ordenar-se-ão segundo as linhas de um ou outro de seus aliados. O equilíbrio de
de força presentes no campo, sempre da mesma poder transformou-se de multipolar em bipolar”
forma, seguindo as linhas dispersoras do polo (MORGENTHAU, 2003, p. 625-626)
Norte até o ponto receptor no polo Sul. Outra
característica dessa relação é sua estabilidade. Em um momento, de acordo com a definição de
Não há possibilidade de se separar os polos norte Morgenthau, o equilíbrio se dá por meio dos
e sul, assim como não se pode suprimir a “pratos” em uma balança, noutro se dá por meio
arrumação espacial que esses polos fazem da “posição” dos países dentro do sistema. Os
segundo suas linhas de força. O conceito de dois conceitos apresentados por Morgenthau são
bipolaridade na física, portanto, é relacional e relacionais (bipolaridade como relação), mas, no
dependente da interação entre os polos norte e primeiro, a relação comparativa se dá livre do
sul que inexistem separados. vetor espacial, estando vinculada apenas a outras
O conceito de Morgenthau, entretanto, oscila nações; já no segundo conceito, ela se dá de
entre uma ideia sistêmica, baseada na correlação forma planificada posicional, atrelada ao espaço-
de forças entre as potências, calcado no seu plano internacional, podendo ser explicitada de
conceito de “equilíbrio de poder” (ou balança de forma gráfica:
poder), e outra estrutural, baseada na “posição
das grandes potências”: “This can be represented spatially, where the
distance between any two states is a measure of
“Era tão grande a disparidade de poder entre, por the conflict of interest between them. A bipolar
um lado, os países de primeira categoria – tais system embedded in an anarchic world is likely to
como Estados Unidos, União Soviética, Grã- distribute its constituent great powers 180

Edição n.3, v.1 60 ISSN 2179-6165


Artigos
degrees from each other” (GOWA, 1989, p. 1249) causes Y. X and Y are different outcomes
produced by different actions or agents. A and B
No primeiro caso é um referencial meramente are stronger, faster, earlier, or weightier than X and
comparativo enquanto que, no segundo, se torna Y. By observing the values of variables, by
um referencial competitivo, pois orienta calculating their covariance, and by tracing
“posições” opostas numa teórica representação sequences, such causes are fixed. Because A and
bidimensional do espectro internacional. No caso B are different, they produce different effects. In
do poder como advindo de um referencial de contrast, structures limit and mold agents and
comparação, a rivalidade entre os Estados agencies and point them in ways that tend toward
estabelece-se se, e somente se, esses Estados a common quality of outcomes even though the
assim manifestarem (animus), podendo, efforts and aims of agents and agencies vary.
portanto, existir a possibilidade de coexistência Structures do not work their effects directly.
de vários poderes de mesma grandeza: Structures do not act as agents and agencies do.”
(WALTZ, 1979, p. 74)
“Não se diga que a mecânica do novo equilíbrio de
poder produziu necessariamente esse estado Dessa forma, os Estados, segundo o autor, são
político do mundo [bipolaridade]. A estrutura funcionalmente iguais, mas possuem
modificada do sistema de equilíbrio de poder capacidades distintas, o que torna-os diferentes.
permitiu que a oposição hostil de dois gigantescos Contudo, o próprio Waltz assinala uma
blocos de poder se tornasse possível, mas não incongruência no seu pensamento quando diz:
inevitável” (MORGENTHAU, 2003, p. 655) grifo “The first problem is this: Capability tells us
nosso. something about units. Defining structure partly in
terms of the distribution of capabilities seems to
Em Morgenthau, segundo sua primeira violate my instruction to keep unit attributes out of
interpretação, a rivalidade surgida da structural definitions” (Idem, p. 97) para então
bipolaridade é fruto da vontade dos países-polo e resolver a contradição em termos afirmando o
não de um constrangimento estrutural, conforme caráter posicional de seu conceito estrutural
destaca Waltz. O conceito de Waltz diz que há “States are differently placed by their power”
uma relação estrutural da bipolaridade em que os (Ibidem, p. 97, grifo nosso).
Estados se colocam conforme suas capacidades: Waltz afirma que o termo “capacidades” é um
“States vary widely in size, wealth, power and atributo de cada Estado, podendo ser medido
form. And yet variations in these and in other materialmente. É, portanto, objetivo, enquanto
respects are variations among like units” (WALTZ, que o termo poder (que vem a ser uma função da
1979, p. 96). “distribuição de capacidades”) passa a ser um
É necessária essa afirmação, pois, no caso de ente relacional que só se pode entender dentro da
o poder como referencial estrutural, a rivalidade análise sistêmica.
entre os polos é inerente à configuração
bidimensional. Na bipolaridade estrutural (Waltz), “In defining international-political structures we
não há a necessidade de as nações manifestarem take states with whatever traditions, habits,
hostilidade, ela existe, necessariamente, por objectives, desires, and forms of government they
condição de configuração internacional. Nesse may have. We do not ask whether states are
ponto, os Estados estão dispensados de revolutionary or legitimate, authoritarian or
apresentarem o “animus” de rivalidade, pois, democratic, ideological or pragmatic. We abstract
indiferente a sua postura, a condição estrutural do from every attribute of states except their
sistema coloca-lhes como rivais. capabilities. Nor in thinking about structure do we
Já para definir estrutura, Waltz diz: ask about the relations of states-their feelings of
friendship and hostility, their diplomatic
“Structures are causes, but they are not causes in exchanges, the alliances they form, and the extent
the sense meant by saying that A causes X and B of the contacts and exchanges among them.”

Edição n.3, v.1 61 ISSN 2179-6165


Artigos
(WALTZ, 1979, p. 99) grifo nosso that either power can exert a positive control
everywhere in the world, but each has global
Segundo o autor, no sistema internacional interests which it can care for unaided, though
existe o nível das unidades (Estados), o nível help may often be desirable” (WALTZ, 1964, p.
sistêmico (alianças, hostilidades etc.) e o nível 888). Bipolaridade significa um sistema onde as
estrutural, numa alusão muito semelhante à Super-Potências sofrem “(…) the nearly constant
alegoria das 3 imagens, que ele mesmo sugere presence of pressure and the recurrence of
em seu primeiro livro “Man, the State and War”. crises” (WALTZ, 1964, p. 883).
Wa l t z d e fi n e e s t r u t u r a a t r a v é s d e t r ê s É importante separar a noção de polarização
componentes: do mundo em dois Estados (ou blocos) que
competem entre si no nível sistêmico (conceito de
“Structures are defined, first, according to the Morgenthau) da distribuição de capacidades
principle by which a system is ordered. (…) entre Estados de forma estrutural, sendo que dois
Structures are defined, second, by the deles sejam muito mais fortes do que quaisquer
specification of functions of differentiated units. outros – bipolaridade na condição de Waltz
(...)Structures are defined, third, by the distribution (WALTZ, 1964, p. 892), como chama à atenção
of capabilities across units.” (WALTZ, 1979, p. Harrison Wagner (WAGNER, 1993, p. 81-82).
100-101) Esse esforço é importante para se compreender a
diferença conceitual que Waltz propõe e para que
Ao assumir seu conceito de bipolaridade como se possa vislumbrar a diferença que Wagner
algo existente em nível estrutural, Waltz procura afirma existir, “(...) the polarization of the world into
fortalecer sua teoria de forma diferente da de two hostile camps commonly is assumed to have
Morgenthau. Em Waltz, a bipolaridade não é ended long before bipolarity did (...)” (WAGNER,
causada pelo equilíbrio de poder (ou pelo 1993, p. 85).
comportamento dos Estados), mas é, sim, uma Assim, fica clara a pertinência da relação
característica estrutural da distribuição de mecanicista no conceito de bipolaridade, bem
capacidades dos Estados num sistema como a diferença entre o conceito de Waltz e
Estrutural-Anárquico (sem a existência de um Morgenthau. Sendo que o conceito de Waltz é
poder soberano). consideravelmente mais tributário do
Wa l t z u s a o t e r m o “ d i s t r i b u i ç ã o d e mecanicismo do que o de Morgenthau. O
capacidades” para definir a polarização: problema é que ao definir bipolaridade por seu
arranjo numa hipotética representação
“(…) the difficulty of counting poles is rooted in the bidimensional do espaço internacional, Waltz (e
failure to observe the distinction. A systems theory também em certa medida Morgenthau) incorre
requires one to define structures partly by the em quatro problemas que debilitam o seu
distribution of capabilities across units. (…) The argumento: (1) falta de precisão do conceito de
economic, military, and other capabilities of poder, (2) impossibilidade de medição empírica
nations cannot be sectored and separately de poder (ou capacidades) dos Estados, (3) falta
weighed. States are not placed in the top rank de comprovação empírica para a explicação da
because they excel in one way or another. Their organização espacial bipolar numa oposição
rank depends on how they score on all of the diametral entre os polos (EUA e URSS), (4)
following items: size of population and territory, incapacidade de explicação singular histórica
resource endowment, economic capability, para o surgimento da bipolaridade e também para
military strength, political stability and seu término.
competence.” (WALTZ, 1979 p. 131).
3. A ANÁLISE
O sentido que Waltz dá para bipolaridade
coloca-a na situação de relação em caráter O Realismo enquanto teoria é devedor claro da
global. Falar em bipolaridade “(…) does not mean ideia de poder (DOUGHERTY e PFALTZGRAFF,

Edição n.3, v.1 62 ISSN 2179-6165


Artigos
2003, p. 94). Isso fica evidente quando se verifica “The world was bipolar in the late 1940s, when the
que os Estados buscam “poder”, seja para United States had few atomic bombs and the
manterem o equilíbrio dentro do conceito de Soviet Union had none. Nuclear weapons did not
“balança de poder” de Morgenthau, ou dentro da cause the condition of bipolarity; other states by
ideia de sobrevivência em um sistema anárquico, acquiring them cannot change the condition.
segundo a formulação mais estrita de Waltz. Nuclear weapons do not equalize the power of
Ocorre que, apesar de usar o termo poder de nations because they do not change the economic
forma tão clara para alicerçar suas conclusões, bases of a nation's power. Nuclear capabilities
nenhum dos dois autores preocupa-se em definir reinforce a condition that would exist in their
precisamente o que seja poder. Tanto Waltz absence: Even without nuclear technology the
quanto Morgenthau deixam subentendido o United States and the Soviet Union would have
conceito para então partir para a sua developed weapons of immense destructive
instrumentalização como dado objetivo, power.” (WALTZ, 1979, p. 180-181)
verificável empiricamente:
O que leva à dúvida quanto ao início do sistema
“O cálculo racional da força relativa de várias bipolar que, para Morgenthau, seria no final dos
nações, que constitui a própria essência vital do anos 50, enquanto que Waltz advoga que a
equilibro de poder, transforma-se em uma série bipolaridade já é visível cerca de dez anos antes:
de intuições cuja correção só é possível
comprovar mais tarde, em retrospecto”. “The Soviet Union has concentrated heavily on
(MORGENTHAU, 2006 p. 386) medium-range bombers and missiles and, to our
“Power is estimated by com paring the capabilities surprise, has built relatively few intercontinental
of a number of units. Although capabilities are weapons. The country of possibly aggressive
attributes of units, the distribution of capabilities intent has assumed a posture of passive
across units is not. The distribution of capabilities deterrence vis-a-vis her major adversary, whom
is not a unit attribute, but rather a system-wide she quite sensibly does not want to fight. Against
concept” (WALTZ, 1979, p. 97-98) European and other lesser states, the Soviet
Union has a considerable offensive capability.
S e g u n d o Wa l t z , p o r e x e m p l o , p a r a Hence nuclear capabilities merely reinforce a
determinarem-se os polos da estrutura basta condition that would exist in their absence: without
“apenas” ranquear os Estados pelas suas nuclear technology both the United States and the
capacidades: “We need only rank them roughly by Soviet Union have the ability to develop weapons
capability” (Idem, p. 131). of considerable destructive power.” (WALTZ,
Ambos os conceitos parecem convergir para 1964, p. 885)
uma percepção materialista empírica de um “If number of states is less important than the
poder que tem a capacidade de ser medido por existence of nuclear power, then one must ask
algum índice econômico, demográfico ou militar. whether the world balance would continue to be
Isso se choca claramente com a concepção stable were three or more states able to raise
teórica de ambos os autores que usam o termo themselves to comparable levels of nuclear
poder como relacional. Essa inconsistência potency. (…) Because bipolarity preceded a two-
conceitual gera uma incapacidade objetiva de power nuclear competition, because in the
operacionalização da análise realista. Tentando absence of nuclear weapons destructive power
resolver essa aresta, Morgenthau centra sua would still be great, because the existence of a
análise na existência de armas nucleares e sua number of nuclear states would increase the
importância enquanto sinalizadoras claras do range of difficult political choices, and finally, as
diferencial de poder entre os polos will be discussed below, because nuclear
(superpotências) e outros Estados, mas encontra weapons must first be seen as a product of great
em Waltz um franco opositor a essa postura: national capabilities rather than as their cause,
one is led to the conclusion that nuclear weapons

Edição n.3, v.1 63 ISSN 2179-6165


Artigos
cannot by themselves be used to explain the ignored or transcended by Gorbachev.” (YOUNG
stability-or the instability-of international e KENT, 2004, p. 14)
systems.” (WALTZ, 1964, p. 887) A questão que surge nesse momento é como
um sistema cuja explicação sobre seu surgimento
De toda sorte, também se deve levar em conta e manutenção recai em seu caráter estrutural
o fato de que toda a teoria realista se baseia em (segundo o entendimento bipolar do realismo) – e,
apenas um estudo de caso, pois, o próprio Waltz portanto, externo ao desejo simples dos Estados
sinaliza a Guerra Fria como sendo o único – pôde terminar pela expressão de vontade
sistema bipolar que o mundo conheceu. Ruggie unilateral de um dos agentes (no caso a URSS)?
vai ainda mais longe e pergunta: O realismo não aponta explicação para isso e,
ainda, nega o papel da vontade dos agentes para
“How many cases of nuclear bipolarity have there consolidação do sistema. Sequer o componente
been, on the basis of which one could say with ideológico, tão caro para o entendimento da
some assurance that it caused this or that pattern Guerra Fria, está presente no entendimento do
in international regimes? Indeed, how many cases conceito de bipolaridade realista:
of bipolarity, period? How many cases of
hegemony are there “like” Britain in the nineteenth “As regards the Cold War, realists see it as a
century or “like” the United States in the postwar power political competition between two
era?.” (RUGGIE, 1998, p. 86) (grifo nosso) competing power systems led by the US and
USSR with their development of new and more
Mesma afirmação surge quando Lebow diz: powerful weapons. Hence, the ideological and
“However, neorealism drew on a single case of domestic considerations are not seen as
bipolarity to construct its theory. If that case does important determinants of the Cold War” (YOUNG
not fit the theory, it raises serious doubts about the e KENT, 2004, p. 3)
validity of the theory.” (LEBOW, 1994, p. 252) “But suppose we were considering the causes of
(grifo nosso). Ou seja, em termos de the Cold War and asked, what if the United States
comprovação empírica a noção de bipolaridade had been a socialist country in 1945, would have
carece de maior sustentação nos termos been a Cold War? Or suppose the Soviet Union
apresentados pela teoria. had come out of World War II with a capitalist
Essa carência se vê aumentada pelo andar da government; would there have been a Cold War?
História quando, mesmo afirmada a estabilidade These counterfactual questions explore the
do sistema bipolar (WALTZ, 1964), ela theory that the Cold War was caused primarily by
desvaneceu-se entre 1989-1991 sem que ideology. An alternative hypothesis is that the
houvesse ao menos um confronto entre os dois bipolar international structure caused a Cold War.
polos. Segundo Gaddis, poder-se-ia coincidir o Given the distribution of power after World War II,
momento do fim da bipolaridade com o discurso we could expect some sort of tension even if the
de Gorbatchev na ONU, cortando unilateralmente United States had been socialist.” (NYE, 2007, p.
as forças militares soviéticas da Europa 53)
(GADDIS, 1987, p. 236). E mesmo que não se
defina tal momento como o ponto exato do fim da Nesse sentido, ao negar o componente
bipolaridade, é consenso na literatura que a ideológico, o conceito de bipolaridade,
mudança de postura soviética claramente, não comunga das capacidades
(distencionamento), principalmente após a explicativas requeridas pelo conceito de Guerra
chegada ao poder de Gorbatchev, é definidora Fria. Sem o componente ideológico, ambos os
para o término da Guerra Fria: conceitos se afastam ao invés de se aproximarem
“It was precisely when these forces were both e a bipolaridade tem, consideravelmente, menos
encouraging international confrontation and capacidade explicativa.
redefining economic and social policy that the "But the commom view that the Cold War was
Cold War ended, or perhaps, more accurately was 'firmly rooted in the [bipolar] structure of

Edição n.3, v.1 64 ISSN 2179-6165


Artigos
international politics" (Waltz), that America and between them was the continuation of a struggle
Russia were "enemies by position" (Aron), and between Leninist-style socialism and Western
that such conflicts are to be understood in terms of capitalism that began with the Bolshevik
the "geometry" of conflict (Butterfield), is to my revolution in 1918” (LEBOW in COX, et al. 2009 p.
mind fundamentally mistaken" 22)
(TRACHTENBERG, 2012, p. 25-26)
Nesse caso específico, pouca diferença faz
4. ANIMUS, VONTADE E IDEOLOGIA utilizar-se o conceito individual de ideologia
(como sinônimo de ideário ou grupo de ideias e
A grande diferenciação entre os conceitos de crenças de um indivíduo) ou a interpretação
Guerra Fria e Bipolaridade reside, num primeiro totalizante da noção de ideologia, segundo a qual
plano, na questão da ideologia. É consenso que a ideologia é um discurso normativo constituído e
não se pode explicar a Guerra Fria sem o presente em grupos, sociedades, tempos
entendimento das concepções político-sociais históricos ou locais geográficos delimitados
que emanavam das ditas superpotências durante (MANNHEIM, 1954, p. 49-51). O fato é que
o período. ideologia mais do que organiza realidades, cria-
as de forma consistente, pois induz prática
“American assessments were afflicted by two humana (animus) sendo que somente assim se
decidedly different preconceptions. The first of pode efetivamente ver seus efeitos dentro do
these was 'mirror imaging', which came to the fore amálgama sócio-político.
after the Cuban Missile Crisis when the Americans Por que é necessária a percepção das forças
wanted to ease tensions and 'manage' the Cold que engendram a organização bipolar quando do
War. In the absence of convincing intelligence uso analógico do conceito de bipolaridade para a
about how Soviet leaders viewed their rivalry with explicação da política internacional?
the United States, many Americans were inclined Ao seguir a analogia proposta por Morgenthau
to assume that Soviet leaders were, at the heart, e Waltz, assumindo o sistema bipolar como sendo
not so different from themselves and they would explicativo de uma conformação específica
react to events much as they would” (BARRASS, ocorrida no plano internacional durante a Guerra
2009, p. 386) Fria sem explicar as forças que efetivamente
“Generally speaking, the actions of the Americans fizeram esse alinhamento, incorre-se em uma
and the Russians were largely shaped by incompleição explicativa. Esse problema é
preconceptions, or by what Walter Lippman, comumente resolvido aplicando-se o senso
distinguished American columnist of early Cold comum, ou seja, tornando a ideia de ideologia
War years, liked to call 'the pictures in our heads'” subjacente muda do arranjo bipolar.
(BARRASS, 2009, p. 404) Essa, porém, não é a única forma de tentar
resolver o problema teórico dos arranjos
A profundidade, importância, abrangência e internacionais. Foram tentadas outras formas de
eficácia de tais discursos são, entretanto, de explicação como, por exemplo, a de Nye, que
entendimentos diversos. Verificar o papel da afirma que o sistema mantinha-se em equilíbrio
ideologia dentro do processo da Guerra Fria é pelo medo:
bastante complicado em virtude da correção do
método científico. É necessário que, primeiro, se “Ao contrário do sistema de equilíbrio de poder do
delimite o conceito de ideologia e, nesse ponto, as século XIX, em que as cinco grandes potências
argumentações não são consensuais. trocavam alianças, o equilíbrio na Guerra Fria
organizou-se muito claramente ao redor dos dois
“The ideas explanation conceives of the Cold War estados muito grandes, cada um deles capaz de
as primarily an ideological struggle. The Soviet destruir o outro em um instante. (...) O equilíbrio
Union and the United States represented do terror coincidiu com o período da bipolaridade”
incompatible social systems, and the clash (NYE, 2009, p. 178)

Edição n.3, v.1 65 ISSN 2179-6165


Artigos
realities shape policy." (TRACHTENBERG, 2012,
Outra, ainda, é a tese de que as armas p. viii)
nucleares geraram a estabilidade do sistema “Hence the importance of each side's crusading
bipolar (HUNTER, 1998, p. 98). Entretanto, “Even ideology and its ideological relationship to foreign
though there is no direct evidence for or against policy and the real world may be linked more to
the contention that peace has been preserved Cold War misrepresentations than
with threats of nuclear retaliation, our acceptance misperceptions. Moreover these
or rejection of this notion need not be a mere misrepresentations may have formed a vital part
matter of opinion” (KUGLER, 1984, p. 472-473). of a coordinated propaganda campaign to
Além de inconsistente, novamente, a explicação persuade the masses that the Cold War was more
para criação e/ou manutenção do sistema bipolar to do with power and military capabilities than it
é posta fora da vontade humana, nesse caso, no was to do with ideology.” (YOUNG e KENT, 2004,
conceito de dissuasão nuclear (GUILHOT, 2011, p. 31)
p. 40).
Nomear o sistema pós-Segunda Guerra como Tratchenberg pergunta-se, provocativamente,
bipolar a partir de uma descrição muito particular “an invisible hand in international politics?”
de seu funcionamento deixa aberta uma lacuna – seguindo com a crítica “(...) the Cold War case in
que consiste em evidenciar as forças itself shows that fundamental problems can, to a
responsáveis pelo arranjo espacial internacional certain extent, be structural in nature (...) but if this
em dois polos – que vem sendo preenchida is a structural interpretation, it is rather different
discricionariamente com formas inconsistentes e from the sort of structural explanation one finds in
não verificáveis cientificamente, mais the literature [realista]. For one thing, it does not
precisamente com o “senso comum”. view the conflict as automatic – that is, as
A elipse – proposital – do componente spontaneously generated by simple bipolar
ideológico como força-motriz do arranjo structure of power." (TRACHTENBERG, 2012, p.
internacional no período da Guerra Fria feita pelos 34). O autor ainda acrescenta que "(…) if the
teóricos do realismo responde às necessidades system is not a basic source of instability, then it
de explicação da Guerra Fria como um conflito follows that the real problems are generated by
entre o Bem e o Mal personificados forces welling up at the unit level" (Idem p. 35).
respectivamente pelos EUA e URSS (GUILHOT, O questionamento da capacidade explicativa
2011, p. 35). Assumir a ideologia, significa dar da teoria realista, alicerçada em sua base
papel ativo aos agentes que passam a serem estrutural, reforça a ideia de incompleição da
entendidos como capazes de modificação do abordagem defendida por Waltz, especialmente
sistema e não apenas “reativos” frente às pela elipse da vontade dos atores que é matéria
necessidades do “sistema” (forma realista de condicionante dos arranjos políticos
explicação da Guerra Fria) (YOUNG e KENT, internacionais. John Young e John Kent vão no
2004, p. 24). mesmo caminho para mostrar de forma ainda
Embora o papel ideológico seja afastado pela mais profunda a falta que faz à teoria realista o
teoria realista, ele é bastante evidente nos conceito de ideologia:
trabalhos históricos.
“The onset of the Cold War conflict has been given
"American power and Soviet power, it seemed, a number of different historical roots and
balanced each other so completely that both sides chronological starting points. The developments
were locked into the status quo; but if that were the of two large land-based empires, particularly in the
case, where was the problem? Why wasn't the nineteenth century, could have paved the way for
status quo of a divided Europe perfectly stable what has been seen as an inevitable clash. The
from the very start? The whole way of looking at economic and human resources they possessed
things was obviously grounded in a certain sense were likely to produce growing international power
for how international politics works - for how power and influence and a greater sense of rivalry. This

Edição n.3, v.1 66 ISSN 2179-6165


Artigos
certainly fits with a realist explanation of Nesse sentido a teoria realista falha ao deixar
international relations but ignores the ideological de perceber os movimentos ideológicos e,
conflict between communism and capitalism também, ao deixar de perceber-se ideológica. Os
which is thus subordinated to geopolitical rivalries autores afirmam, ainda, que “When blame is given
and a competition for resources. Yet the two land- to one side it is often done as a part of fighting
based empires with rival ideologies had coexisted rather than explaining the Cold War” (YOUNG e
since 1917 and the relations which developed KENT, 2004, p. 11). A postura de colocar as
after 1945 were clearly different from those “causas” do arranjo bipolar internacional na
existing before the First and Second World Wars.” “estrutura internacional” é, também, uma forma
(YOUNG e KENT, 2004, p. 2) de luta ideológica no mesmo sentido dado pelos
Conforme os autores apontam, a questão autores.
ideológica não é só central como há mudança Os historiadores que não se atêm somente ao
nesse processo (“new sense of ideological esqueleto explicativo realista afirmam o papel
rivalry”) entre o período que vai de 1917 até 1945. central que a ideologia desempenha nos países
Ta l m u d a n ç a é e n t e n d i d a c o m o u m a rivais: “We can be more certain that while
criação/recriação da realidade – tendo aqui o Americans, then and in subsequent historical
agente (ou agentes) um papel positivo no accounts, have seen Soviet imperialism as part of
processo de significação da realidade e an ideological crusade for global domination, their
alargamento das premissas ideológicas de todos Soviet counterparts have seen our power and
os espaços e entendimentos no período, o que se ideology in precisely the same light.” (YOUNG e
aproxima muito do “entendimento do senso KENT, 2004, p. 29). Sendo que, nos EUA, o
comum”: “The Cold War was in fact a battle for the interesse do governo em dar vazão à luta
domestic and international survival of states, ideológica foi disfarçado no conceito de “national
social elites, and ways of life. In such security” fazendo com que “even the moderate US
circumstances students should be aware of how opinion tended to regard Marxist based political
much elites on both sides have been prepared to opposition to capitalism as undermining of the
invest in distorting the truth” (Idem p. 4). security of the state.” (YOUNG e KENT, 2004, p.
Criar condicionamentos ideológicos que 77).
legitimem posturas políticas e sociais cujos Assim, o conceito de ideologia some dos
interesses estão calcados nos “interesses discursos teóricos a respeito do período
nacionais” ou no interesse das “elites” e espraia- (conquanto o realismo dominou quase totalmente
los de forma a que se tornem “senso comum”, os estudos de política internacional no Ocidente)
sendo partilhados por um grande número de e é substituído pelo “interesse nacional”. As forças
pessoas ao redor do mundo parece ter sido a que poderiam explicar efetivamente a
verdadeira luta na Guerra Fria (YOUNG e KENT, organização da política internacional deixam de
2004, p. 22). Nesse sentido, a grande serventia do ser alvo de debate e pesquisa uma vez que o
Realismo é colocar todo esse esforço positivo de realismo afirma que a bipolaridade é estrutural, e,
ação político-ideológica embaixo de um “tapete sobre isso, não se consegue uma hipótese
teórico” que o nega peremptoriamente de tal sorte verificável. Ao mesmo tempo é cristalizada na
que as atitudes de molde dessa ideologia são sociedade a noção de que Guerra Fria e
explicadas como se fossem reativas à estrutura Bipolaridade são conceitos semelhantes,
(GUILHOT, 2011, p. 35-37). correlatos e algumas vezes intercambiáveis, o
que esconde essencialmente a grande diferença
“In order to do this, governments were prepared to entre eles e, principalmente, retira da política
exaggerate or invent an actual and immediate internacional o animus operandi, para, ao invés,
military threat when what they really feared was an estabelecer que no período de 1945-1989 operou
ideological challenge or a potential, long term no mundo um conflito sem fronteiras cuja luta
military danger.” (YOUNG e KENT, 2004, p. 7) poderia ser resumida no embate entre os
defensores da liberdade, capitalismo e

Edição n.3, v.1 67 ISSN 2179-6165


Artigos
democracia, contra os ditadores comunistas Internacionais. São Paulo: Gente, 2009.
tirânicos. É hora de verificar-se que essa RUGGIE, J. G. Constructing the World Polity:
percepção está calcada numa teoria cuja Essay on International Institutionalization. Nova
capacidade explicativa nunca foi suficientemente York: Routledge, 1998.
consistente e, inclusive, continua a mostrar-se STEPHANSON, A. Fourteen Notes on the very
nos dias de hoje como uma percepção mais concept of the Cold War. H-Diplo Essay, New
normativa do que explicativa da política York, February 2007.
internacional. TICKNER, A.; WEAVER, O. International
Relations Scholarship around the world. New
BIBLIOGRAFIA York: Routledge, 2009.
TRACHTENBERG, M. The cold war and after:
ACHARYA, A.; BUZAN, B. Non-Western History, Theory, and the logic of International
International Relations Theory. New York: Politics. Princeton: Princeton University Press,
Routledge, 2009. 2012.
BARRASS, G. The Great Cold War: A jorney WAGNER, H. What was bipolarity? International
through the hall of mirrors. Stanford: Stanford Organization, MIT press, v. 47, n. 1, p. 77-106,
University Press, 2009. Winter 1993.
CARR, E. H. The Twenty Year's Crisis 1919-1939. WALTZ, K. The stability of a bipolar World.
2a. ed. Londres: Macmillan, 1962. American Academy of Art & Sciences, MIT Press,
DOUGHERTY, J.; PFALTZGRAFF, R. Relações v. 93, n. 3, p. 881-909, Summer 1964.
Internacionais: as teorias em confronto. Lisboa: WALTZ, K. Theory of International Politics.
Gradiva, 2003. Berkeley: Addison-Wesley, 1979.
GADDIS, J. The Long Peace: Elements of YOUNG, J. W.; KENT, J. International Relations
Stability in the Postwar International System. New since 1945: a Global History. New York: Oxford,
York: Oxford University Press, 1987. 2004.
GOWA, J. Bipolarity, Multipolarity and free trade. YOUNG, J.; KENT, J. International Relations
The american political Science Review, v. 83, n. 4, since 1945: A global history. New York: Oxford
p. 1245-1256, Dezembro 1989. University Press, 2004.
GUILHOT, N. The Invention of International
Relations Theory. New York: Columbia University ______________________________________
Press, 2011.
H U N T E R , A . R e t h i n k i n g t h e c o l d Wa r. Mestre em História das Relações Internacionais/
Philadelphia: Temple, 1998. UNB. Email: fernandohorta@unb.br
K U G L E R , J . Te r r o r W i t h o u t d e t e r e n c e : “(...) o equilíbrio de poder consiste em um
reassessing the role of nuclear weapons. Journal mecanismo criado para a autodefesa de nações
of Conflict Resolution, Sage, v. 28, n. 3, p. 470- cuja independência e existência estejam
506, setembro 1984. ameaçadas por um desproporcional aumento de
LEBOW, N. The Long Peace, the End of the Cold poder de outra nação” . Para outra definição ver
War, and the Failure of Realism. International Nye .
Organization, v. 48, n. 2, p. 249-277, Spring 1994. Para uma diferença entre os termos sistema e
MANNHEIM, K. Ideology and Utopia: an estrutura ver WALTZ, 1979 capítulo 4.
introduction to the sociology of knowledge. Em realidade, Morgenthau oscila entre essas
Londres: Routledge, 1954. duas visões em toda a sua obra.
MORGENTHAU, H. A política entre as nações. (MORGENTHAU, 2006 p. 543-544, 560-561, 589,
Brasília: UNB, 2003. 604, 623)
NYE, J. Understanding International Conflicts: An Segundo Waltz no livro “Man, The State and War”,
introduction to Theory and Hystory. 6a. ed. New a primeira imagem seria o nível do
York: Longman, 2007. comportamento humano, a primeira forma
NYE, J. Cooperação e conflito nas relações explicativa dos fenômenos sociais (International

Edição n.3, v.1 68 ISSN 2179-6165


Artigos
Conflitct and Human Behavior), a segunda each side could easily tolerate the loss of some of
imagem seria o nível interno dos Estados, sua its members. But this expectation is dramatically
política interna (Internal Structure of States) e a disconfirmed by U.S. efforts to organize and
terceira imagem seria o nível internacional solidify the Western bloc and most blatantly by the
anárquico (International Anarchy) intense U.S. concern over its credibility, a hallmark
Waltz não define claramente o conceito de of U.S. Cold War policy. If a bipolar world was so
grandes potências. Essa inconsistência é table, how are we to explain the enormous effort to
apontada por Wagner . O conceito de Snyder e preserve and enhance U.S. credibility in Europe,
Diesing, nesse sentido, é mais conciso: “(...) is Korea, Vietnam, and elsewhere?” (LAIRSON in
defined by the number of major actors in the HUNTER, 1998 p. 66)
system and the distribution of military power and Basta verificar, por exemplo, o conteúdo do NSC
potential among them. (…) A bipolar system is one 68, documento que pautou a partir de 1950 a
with only two Great Powers and a number of política externa americana: “14. The gravest
smaller states.” grifo nosso threat to the security of the United States within
“Realist definitions of power are imprecise, the foreseeable future stems from the hostile
making it difficult to develop measures of polarity.” designs and formidable power of the USSR, and
e “Ao destacarem o poder como motivação from the nature of the Soviet system. 15. The
principal para a conduta política, a teoria realista political, economic, and psychological warfare
não chegou a produzir uma definição aceitável de which the USSR is now waging has dangerous
poder” potentialities for weakening the relative world
Para um estudo comparando das condições de position of the United States and disrupting its
polarização ver traditional institutions by means short of war,
“A União soviética, embora tenha sido sempre unless sufficient resistance is encountered in the
virtualmente uma grande potência, só passou, na policies of this and other non-communist
realidade, a merecer tal título quando ingressou countries.” (National Security Council
na lista das mais importantes potências Memorandum 68 disponível em
industriais, na década de 1930. Ela só se tornou http://www.fas.org/irp/offdocs/ nsc-hst/nsc-
rival dos Estados Unidos, na qualidade 'a outra 68.htm).
superpotência', quando conseguiu alcançar, nos
anos 1950, a capacitação industrial para
combater em uma guerra nuclear”
(MORGENTHAU, 2003, p. 235).
“There are two central weakness in bipolarity as
model of the international system during the Cold
War. First it does not conform to the realities of
power in the system. Certainly bipolarity captures
one central truth: namely, the division of much of
the world into two competing blocs led by the two
most powerful states. But bipolarity misses the
even more important fact that one nation and bloc
– the United States and the West – were always
much stronger in political, military, and economic
terms.
Second, the prediction of the bipolar model are
contradicted by the most important aspect of U.S.
behavior. Gaddis suggests that bipolarity is a
simple system to manage: given stable alliances,
and the fact that defections could not meaningfully
alter the power balance between the two blocs,

Edição n.3, v.1 69 ISSN 2179-6165


Artigos
AS MULHERES E A GUERRA insignificant exceptions except for rare cases,
always and everywhere, were excluded.
THE WOMEN AND THE WAR Obviously, women do not fight. They rarely fight
each other, nor, in any military sense, fight men.
Juliana Graffunder Barbosa The aim is to disclose the gaps, contradictions and
incongruities of the military thought - expanding
RESUMO the theme - from the work of John Keegan, A
History of Warfare. The article conceives a critical
O presente artigo problematiza a assertiva do bibliography and a regulatory review of the military
historiador britânico John Keegan (1995:93): “se a historiography in such his work, crisscrossing the
guerra é tão antiga quanto a história e tão adjacent areas of International Relations and
universal quanto a humanidade, devemos agora Strategic Studies and Future; and, under a liberal
acrescentar a limitação mais importante: trata-se feminism t perspective, discusses the limitations,
de uma atividade inteiramente masculina.” De the role, the challenges, the dilemmas, and
fato, a guerra é uma atividade humana da qual as difficulties of women within the context of war.
mulheres, com exceções insignificantes salvo
raras exceções , sempre e em todos os lugares, Key-words: Feminism. International Relations.
ficaram foram excluídas. Obviamente as War.
mulheres não lutam. Raramente lutam entre si e
tampouco, em qualquer sentido militar, lutam com 1. INTRODUÇÃO
os homens. Essa frase ficou estranha a ponto de
eu não entender o que o autor quis dizer. A atividade da guerra é um tema relacionado à
Recomendo que seja removida. O objetivo é experiência masculina, à figura do homem,
revelar lacunas, contradições e incongruências considerado ser imbuído de capacidades,
do pensamento militar - ampliando a temática - a técnicas e experiências em assuntos militares,
partir da obra de John Keegan, Uma História da excluindo, nesta linha de raciocínio, a
Guerra. O artigo concebe uma crítica bibliográfica participação da mulher em assuntos de defesa.
e uma revisão normativa da historiografia militar Em âmbito mundial, temas de alta relevância são
em na referida obra, entrecruzando as áreas classificados pelo autor liberal das Relações
contíguas de Relações Internacionais e Estudos Internacionais, Joseph Nye Jr. (2009), como
Estratégicos e de Futuro; e, sob uma perspectiva objetos de high politics, contrapondo-se com a
do feminismo liberal, discutir as limitações, o assuntos relegados a um segundo nível de
papel, os desafios, os dilemas e as dificuldades importância denominado de low politics. Nesta
das mulheres no contexto das guerras. hierarquização de temas internacionais, é
observada observa-se a reprodução ordenada da
Palavras-chave: Feminismo. Relações gênese do gênero, onde o homem imputa seus
Internacionais. Guerra. valores e características no comando e
coordenação dos assuntos considerados de
ABSTRACT maior valor, como a guerra e a política, e, à
mulher, resta à a posição de subserviência.
This article discusses the assertive statement Segundo a corrente paradigmática do
of the British historian John Keegan (1995:93): “if construtivismo feminista, o sexo gênero influencia
the war is such old as the history and such a linguagem e o imaginário da guerra. O gênero
universal as the humanity, now we must add the perpassa os instrumentos da política mundial em
most important limitation: it is an entirely male suas dicotonomias guerra/paz,
activity.” Já que o autor da frase é britânico, o conflito/cooperação, onde, de acordo com Jacqui
autor do artigo deve procurar a citacão original. True (in NYE, 2009), “identidades e interesses (...)
Busquei no Google sem sucesso. Actually, war is são moldados em nível mundial.”.
a human activity in which women, with Correlacionando com o feminismo existencial da

Edição n.3, v.1 70 ISSN 2179-6165


Artigos
filósofa Simone de Beauvoir, nas ideias expostas os relacionamentos eram tornam-se à de longo
e desenvolvidas principalmente em seu livro O prazo, e exigia-se exigindo uma maior dedicação
Segundo Sexo, “o homem é definido como ser à maternidade, a necessidade de abrigo e
humano e a mulher, como fêmea.” (2001, p.p 276- alimento transportado.
277), ou seja, é uma forma de percepção externa,
onde o masculino é o padrão, o Eu, que é “As mulheres podem constituir líderes guerreiros
caracterizado por ser “ativo e consciente, messiânicos, obtendo, com a integração da
enquanto o Outro [o feminino] é tudo o que o Eu química complexa da feminilidade com reações
rejeita: passivo, sem voz e sem poder.” (2001, masculinas, um grau de fidelidade e auto-
p.276). sacrifício de seus seguidores masculinos que um
Deste modo, a guerra é, de fato, uma atividade homem é bem capaz de não conseguir.”
de gênero, onde as mulheres são frequentemente (KEEGAN, 1995, p. 92)
subordinadas. O setor militar, responsável por
executar efetivamente a guerra, é coordenado por Contudo, considerando a guerra uma atividade
homens, em suma, além de ser espaço de culto que extrapola o social, pois, como salienta
aos valores estereotipados como masculinos: Keegan “a guerra abarca muito mais que a
razão, ação, força, entre outros. política, que é sempre uma expressão de cultura,
Tendo em vista a assertiva categórica do com freqüência um determinante de formas
historiador militar britânico, John Keegan (1995, culturais e, em algumas sociedades, é a própria
p.p 92-93), que “[s]e a guerra é tão antiga quanto a cultura.” (1995, p. 28), a análise deve iniciar a
história e tão universal quanto a humanidade, partir da evolução dessa diferenciação.
devemos agora acrescentar a limitação mais Tomando como unidade social primitiva a
importante: trata-se de uma atividade família patriarcal, a Teoria da Agressão Grupal
inteiramente masculina.”, o presente trabalho afirma que o pai da família, detentor dos direitos
buscará problematizar a questão da exclusivos sobre as mulheres, instaura a
exclusividade da guerra, apontada pelo autor, exogamia e o tabu do incesto. Através de atitudes,
realizando uma análise crítica e fundamentada, por parte dos homens, que burlam ou tentam
objetivando expor o papel das mulheres na burlar estas normas postas, é que “[a]s mulheres
guerra. podem ser causa e pretexto da guerra - o roubo de
esposas é a principal fonte de conflitos nas
2. HISTÓRICO DE DIFERENCIAÇÃO sociedades primitivas” (KEEGAN, 1995, p. 92).
Já Robin Fox e Lionel Tiger desenvolvem um
A diferenciação dos papéis através do sexo é, estudo etológico sobre a Teoria da Liderança
originalmente, biológica. Biologicamente, o Masculina, que seria considerada o ethos das
homem e a mulher não são iguais. A origem dessa formas de organização social. A liderança era
separação dá-se com as conseqüências das motivada pela eficiência, em busca do sustento
mudanças na formação do feto para a mãe. O do grupo. Desse modo, bandos de caça
Homo Erectus aumentou desproporcionalmente constituíram-se exclusivamente por machos, pois
o tamanho da cabeça em relação ao corpo, já que estes eram mais fortes e a presença
ocasionando na extensão dos cuidados feminina acarretava em uma distração biológica.
maternos, o que fez com que a mãe despendesse Sendo a mulher a principal motivação para que
mais tempo no local de sua alimentação. conflitos em organizações sociais primitivas
Igualmente, houve a modificação no esqueleto ocorressem, Claude Lévi-Strauss apresenta uma
feminino, para que o bebê fosse comportado. explicação antropológica para o estado de
Neste momento, as mulheres deixam de ter estro, ausência de conflito. A existência de um tabu
e seu corpo torna-se menos propenso a sustentado pelo mito contra o incesto nas
perambular com os caçadores de alimentos. A sociedades primitivas surgiu como uma espécie
partir dessas transformações, é que se explica de mecanismo de adaptação, onde a permuta da
explica-se o crescimento da unidade familiar, pois 'mercadoria' mais valiosa, que era a mulher, entre

Edição n.3, v.1 71 ISSN 2179-6165


Artigos
as unidades sociais, equilibrava rancores. classificar-se-ia na construção social do feminino,
Conforme Keegan nos descreve, citando e todas suas adjetivações discriminatórias, como
inclusive um exemplo da renomada literatura a fragilidade, a emoção e o sentimento à frente da
shakespeariana, apesar da posição subordinada razão, . Até mesmo a dependência, como Keegan
da mulher, que não exerce papéis de tomada de consegue explanar com mérito: “[a]s mulheres
decisão, de ou chefia, elas possuem têm procuram os homens para protegê-las do perigo e
influência sobre seus filhos e, na em sua censuram-nos amargamente quando não
formação deles, instiga valores que os conseguem defendê-las.” (1995, p. 92)
acompanharão:
4. AS DIMENSÕES DE INTERAÇÃO
“Podem ser as instigadoras de violência em sua
forma extrema: Lady Macbeth é um tipo A partir dos anos 80, e mais expressivamente
reconhecido universalmente; elas também dos anos 90, a área de Relações Internacionais
podem ser mães de guerreiros notavelmente reformulou sua agenda, em face ao término da
empedernidas, algumas preferindo Guerra Fria (1945-1989), e ganhou novo fôlego
aparentemente as dores da perda à vergonha de com o debate metodológico entre positivistas e
aceitar a volta de um covarde. (1995, p. 92) pós-positivistas. Nesse contexto surge o tópico da
mulher, até então ausente.
3. A POLÍTICA MUNDIAL E O GÊNERO O teórico e historiador das Relações
Internacionais, Fred Halliday, faz uma análise
Em âmbito internacional, a atividade de gênero pertinente do papel da mulher no palco
é reproduzida nas mesmas condições internas e internacional, identificando quatro dimensões nas
societárias. Como afirma Keegan (1995, p.92): quais há interação. Do trabalho de Halliday
“Metade da humanidade - a metade feminina - é, podem-se tirar conclusões relacionadas ao tema
de qualquer modo, muito ambivalente em relação do presente artigo.
à guerra.”, e não apenas à guerra, mas a toda e De maneira crescente, as mulheres estão
qualquer atividade que exerça poder, como a aumentando a sua participação em processos
política e a diplomacia. transnacionais, e, em um espectro mais amplo,
Entretanto, o autor frisa o caráter especial da nas dinâmicas de tomada de decisões que
guerra, em contraponto com as demais atividades incidem em sobre a detenção de poder. A atuação
de high politics. Conforme cita Keegan: “A guerra internacional feminina tem-se expandido de
é completamente diferente da diplomacia ou da forma qualitativa e quantitativa, fato que incide
política porque precisa ser travada por homens implica diretamente sobre a guerra, levando em
cujos valores e habilidades não são os dos consideração que as maiores vítimas dessa são
políticos e diplomatas.” (1995, p.p. 16-17). do sexo feminino.
Sendo uma questão valorativa, torna-se Não podemos mais nos prender a à visão
imprescindível ter em mente a origem dessa limitada de que as mulheres possuem um têm
caracterização oficial dos militares. Com o papel secundário na guerra, como Keegan
surgimento do primeiro exército nacional na coloca:
França, sob Napoleão, surgem os Regimentos.
Esses comandos militares, chamados pelos “As mulheres têm seguido os tambores, cuidando
franceses de compagnies d'ordonnance, tinham dos feridos, lavrando os campos e pastoreando
como princípios a dedicação, a obediência total, a os rebanhos quando o homem da família vai atrás
coragem pura, a honra e o auto-sacrifício. de seu líder; elas até mesmo cavaram trincheiras
A rigidez de normas forma, ao longo dos anos para os homens, defenderam e trabalharam nas
de paz armada no contexto europeu anterior às oficinas para mandar-lhes armas.” (1995, p.p. 92-
Grandes Guerras, o conjunto de especificações 93)
que são atribuídas aos homens, moldando
estereótipos, onde o contrário da figura máscula As mulheres desempenham papéis cruciais

Edição n.3, v.1 72 ISSN 2179-6165


Artigos
em atividades relacionadas à guerra, como mundial ocorrida nos anos 80 contra a
esposas de diplomatas, negociadoras de disseminação das armas nucleares.
contratos na área da defesa, prostitutas em bases Entre os países que fazem parte da OTAN -
militares, vítimas civis de guerra e refugiadas, Organização do Tratado do Atlântico Norte, -
segundo Elshtain (1987). Mais do que isso, a houve uma difusão do recrutamento feminino em
guerra para as mulheres possui tem caráter exércitos regulares em tempos de paz. Um
simbólico e mobilizatório. exemplo disso foi o contingente de trinta mil
Primeiramente, a figura da “mãe-pátria” é mulheres entre os quinhentos mil soldados que
símbolo do nacionalismo, bem maior, motivação serviram os Estados Unidos durante a Guerra do
para lutar e defender-se. Contudo, essa Golfo, além das mulheres que participaram da
simbologia escondia seu caráter subjugador, o invasão ao Panamá.
qual colocava a mulher em posição de Outras questões envolvendo mulheres e a
obediência, servindo de instrumento de política guerra, como os litígios compensatórios após os
quando refere-se à disputa populacional, onde a conflitos, mostram que elas são agentes e vítimas
“mãe-pátria” tem a obrigação de gerar filhos para da guerra. Um caso ilustrativo que ocorreu
repor trabalhadores e soldados, reerguendo, durante a Segunda Guerra Mundial é entre foi o
assim, a economia, em uma visão malthusiana de acordo celebrado, em 1993, entre Coréia do Sul e
que quantidade populacional infligia implica em Japão, visando compensações às quase
empoderamento nacional. duzentas mil “mulheres de conforto”, feitas
Além disso, havia os perversos efeitos prostitutas para servir o exército japonês.
secundários, como a violação. Exemplos dessa a República da Coréia, que moveu uma ação
prática nefasta são a aceitação do estupro contra o Japão visando compensações as às
japonês de Nankin, ocorrido em 1937, e a quase duzentas mil “mulheres de conforto”, feitas
legitimação dada por Stalin ao Exército Vermelho prostitutas para servir o exército japonês. O
para subjugar os povos nos territórios invadidos, acordo foi celebrado em 1993.
em sua maioria mulheres e crianças que Desse modo, atualmente, não podemos mais
tentavam refugiar-se da guerra. deter-nos a à perspectiva restrita de que as
Em segunda instância, as mulheres não mulheres possuem tem um encargo papel
poderiam deixar de serem lembradas nas secundário na guerra, como defende Keegan. O
mobilizações contra e a favor das guerras. Seu panorama mundial contemporâneo mostra-nos
papel estende-se pela produção bélica nas que na maioria dos países ocidentais, as
indústrias armamentícias, agrícola de alimentos, mulheres desempenham papel significativo entre
e suprimentos de primeira necessidade; na as Forças Armadas, sobretudo nos serviços de
reprodução, como citado anteriormente; e, apoio ao combate. Exemplos de países que
atuando junto às forças armadas e serviços de abriram o domínio militar ao sexo feminino são:
inteligência. Alemanha, Bélgica, Brasil, Canadá, Dinamarca,
Em políticas pacifistas, destacam-se os Espanha, Estados Unidos da América, França,
movimentos de resistência francesa durante a Itália, Inglaterra e Portugal (VIEIRA, 2001).
Segunda Guerra Mundial, e campanhas contra a Entrementes, podemos visualizar tem-se na
Guerra Fria. O movimento WSP - Women Strikes Bélgica e na Dinamarca a generalização das
for Peace-, iniciou nos anos 60 nos Estados especialidades de combate para ambos os sexos,
Unidos, convencendo o presidente Kennedy da ocorrida nas décadas de 1980 e 1990,
implementação de caráter emergencial de um respectivamente. Haja vista, outros países
acordo sobre armas nucleares com a União aceitam mulheres em combate, porém, com
Soviética (SWERDLOW, 1990). Enloe (1994) restrições, usualmente para fuzileiro, tripulação
mostra a contribuição que as mães russas deram de submarinos, infantaria e blindados.
para que o regime soviético fosse deslegitimado, O progresso tecnológico também gerou uma
ao retirarem seu apoio à continuação da Guerra vantagem para o sexo feminino. As armas
Fria. Outro fato marcante foi a maciça campanha tornaram-se mais leves e de menor porte,

Edição n.3, v.1 73 ISSN 2179-6165


Artigos
exigindo menos força física do combatente. Além inglês buscou basear-se. Por conseguinte, a
disso, o sexo feminino se concentra nas temática foi ampliada e trazida para o século XX e
atividades de apoio ao combate, fazendo com que a atualidade, demonstrando, através de
a representação feminina cresça entre as forças exemplificações e dados concretos, que o papel
de reserva. Conforme argumenta Lowther “as das mulheres na guerra é tão fundamental quanto
guerras frequentemente dão às mulheres a o papel dos homens, fazendo com quêe a gênese
oportunidade de servir.” (2010, p. 58) de gênero em assuntos militares sofra um
Mandy Segal elaborou uma interessante substantivo declínio.
pesquisa na qual teoriza sobre os elementos que Entretanto, apesar de seus esforços para
levam à participação militar das mulheres. Ela adentrar nas áreas em que existe, ainda, o
elenca três fatores-chave e, desses, predomínio de homens, verifica-se que o maior
desencadeiam pontos de análise: desafio das mulheres frente à guerra é eliminar ou
De maneira crescente, as mulheres têm minimizar as discrepâncias de tratamento, a
expandido sua atuação na sociedade, de forma discriminação sofrida pela hierarquização
qualitativa e quantitativa, fato que incide existente da gênese do sexo. Conforme o
diretamente sobre a guerra. A feminismo liberal baliza como meta, a igualdade
contemporaneidade proporcionou meios para com o respeito às diferenciações natas, de
que a mulher se tornasse mais independente, natureza estritamente biológicas, devem servir de
através da tecnologia, dos avanços da medicina, foco para que dificuldades em contexto de guerra,
da jurisdição específica para sua proteção e como violações e formas de trabalho forçado,
manutenção da igualdade de gênero, e mesmo da sejam superadas.
cultura, que se modifica ao longo do tempo.
Contudo, na esfera militar, as Forças Armadas, BIBLIOGRAFIA
a instituição social que mais preservava valores
referentes à masculinidade, ainda limitam a ELSHTAIN, J. B. Women and War. Nova York:
entrada o exercício do sexo oposto feminino em Basic, 1987.
algumas de suas funções. Não obstante, as ENLOE, Cyntia. Bananas Beaches and Bases:
mulheres estão galgando novos espaços a cada making feminist sense of international relations.
dia, e mostrando que, por mais que não suportem Berkeley University of California Press, 1990.
tanta dor e detenham menor força física que os _________. The Morning After: sexual politics at
homens, podem guerrear com eficiência, the end of the cold war. Berkeley: University of
coragem e audácia, usufruindo da tecnologia California Press, 1994.
disponível. HALLIDAY, Fred. Repensando as Relações
Internacionais. Porto Alegre: Editora da
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Universidade/UFRGS, 1999.
JACKSON, Robert; SORENSEN, George.
O estudo faz uma crítica bibliográfica à Introdução às Relações Internacionais: teorias e
afirmação de John Keegan de que a guerra abordagens. Trad. Bárbara Duarte. Rio de
restringe-se apenas aos homens. , considerando Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2007
que as mulheres possuem um têm papel KEEGAN, John. Uma História da Guerra.
fundamental na guerra, atuando não apenas Tradução: Pedro Maia Soares. 1ª reimpressão.
secundariamente, mas como agentes, tanto pró São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
quanto anti-conflitos. LOWTHER, Adam. Como Compreender as
A análise buscou apresentar as raízes do Forças Armadas Americanas: demografia,
pensamento construído socialmente de que características de personalidade, psicologia,
mulheres não guerreiam, mostrando aspectos da liderança e percepções. Air and Space Power
biologia, antropologia, sociologia e filosofia que, Journal. Vol. XXII, nº4, 2010. Disponível em
juntamente com a compreensão histórica, <http://www.airpower.au.af.mil/apjinternational/a
tentaram introduzir o âmbito pelo qual o autor pj-p/2010/2010-4/2010_4_06_Lowther.pdf>.

Edição n.3, v.1 74 ISSN 2179-6165


Artigos
Acesso em 15 de julho de 2012.
NYE Jr., Joseph S. Cooperação e Conflito nas
Relações Internacionais: uma leitura essencial
para entender as principais questões da política
mundial. São Paulo: Gente, 2009.
O Livro da Filosofia. Tradução Rosemarie
Ziegelmaier. São Paulo: Globo, 2001.
SEGAL, Mady Wechsler. Funções Militares das
Mulheres numa Perspectiva Comparada:
passado, presente e futuro. Revista Nação e
Defesa, nº88, inverno 1999, p.p. 15-43.
SWERDLOW, Amy. Motherhood and the
Subversion of the Military State: women strikes for
the peace confronts the house committee on UN -
American activies. In: ELSHTAIN, J. B.; TOBIAS,
J. Women, Militarism and War: essays in politic,
history and social theory. Savage, MD: Rowman &
Littlefied, 1990.
TRUE, Jaqui. Feminism. In: NYE Jr., Joseph S.
Cooperação e Conflito nas Relações
Internacionais: uma leitura essencial para
entender as principais questões da política
mundial. São Paulo: Gente, 2009.
VIEIRA, Marco Antonio Damasceno. Presença
Feminina das Forças Armadas. Brasília:
Consultoria Legislativa da Câmara dos
Deputados: Nota Técnica, dez. 2001

______________________________________

Graduanda do curso de Relações Internacionais


da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
e pesquisadora vinculada ao Núcleo de
Pesquisas em Relações Internacionais de Santa
Maria (PRISMA). Email: jugraffunder@gmail.com

Edição n.3, v.1 75 ISSN 2179-6165


Artigos
FUGA PELA VIDA: OS REFUGIADOS acadêmicas, tanto nacionais quanto
CONGOLESES EM RUANDA internacionais, serviram de base para a
UMA ANÁLISE A PARTIR DA reconstrução da evolução do tema refúgio, para o
GOVERNANÇA GLOBAL levantamento da história da República
Democrática do Congo (RDC) e para a aplicação
ON THE RUN FOR LIFE: THE CONGOLESE teórica sobre o tema. A questão do refúgio é
REFUGEES IN RWANDA trazida para a análise através da descrição do
AN ANALYSIS FROM GLOBAL caso dos refugiados nacionais da República
GOVERNANCE Democrática do Congo que, ao longo das últimas
décadas, fugiram das instabilidades causadas
Maria Clara Kretzer por conflitos armados internos e buscaram abrigo
e m R u a n d a , Esta d o fro n te i ri ço à R D C .
RESUMO Inicialmente, buscou-se trazer de maneira breve a
evolução do conceito de “refugiado”. Aqui, deu-se
Este trabalho apresenta a questão dos especial atenção para as adaptações que o termo
refugiados, com especial atenção para o caso dos sofreu na África, a fim de melhor abranger as
refugiados nacionais da República Democrática particularidades dos países que compõem este
do Congo que, devido a conflitos armados continente.
internos, abandonam seu país e buscam abrigo Em seguida, é abordado o histórico de
no Estado vizinho de Ruanda. O tema é, em instabilidades na República Democrática do
seguida, analisado sob a perspectiva da Congo desde a década de 1990 e o fluxo de
Governança Global. refugiados gerado ao longo destes anos de
conflito. O foco recai sobre os congoleses que
Palavras-chave: Refugiados, República buscaram refúgio em Ruanda. Descreve-se o
Democrática do Congo, Ruanda, Governança processo de construção de campos de refugiados
Global em solo ruandês destinados a abrigarem os
nacionais da RDC. Em seguida, são descritos os
ABSTRACT métodos de assistência prestados aos
congoleses nestes campos, trazendo relatos
This paper presents the refugee question with tanto sobre as dificuldades enfrentadas quanto
special attention to the case of refugees from the sobre os avanços alcançados até aqui.
Democratic Republic of Congo that, forced by Por fim, os fatos apresentados são analisados
internal armed conflicts, abandoned their country sob a perspectiva da Governança Global. Após a
searching for protection in Rwanda. The theme is apresentação dos principais pontos desta, faz-se
then analyzed under the perspective of Global um paralelo entre as ações efetivamente tomadas
Governance. com relação aos refugiados congoleses em
Ruanda e as premissas nas quais se baseia a
Keywords: Refugees, Democratic Republic of Governança Global. O objetivo do texto é lançar
Congo, Rwanda, Global Governance um novo olhar sob a questão do refugiado,
buscando compreender se, ao lidar com o tema, a
1. INTRODUÇÃO ação conjunta em vários níveis de organização
social é capaz de gerar melhores resultados.
Os dados fornecidos ao longo do texto provêm
em sua maioria dos estudos e estatísticas do Alto 2. O REFÚGIO NA ÁFRICA: EVOLUÇÃO DO
Comissariado das Nações Unidas para CONCEITO E OS CONFLITOS ARMADOS
Refugiados (ACNUR). Informações também
foram coletadas em publicações on-line de O relatório estatístico do Alto Comissariado das
entidades relacionadas ao tema, bem como a Nações Unidas para Refugiados (ACNUR),
mídia nacional e internacional. Produções publicado em junho de 2012, estima que haja no

Edição n.3, v.1 76 ISSN 2179-6165


Artigos
mundo cerca de 15,2 milhões de refugiados, A partir desta definição, a proteção aos
sendo que mais de 800 mil adquiriram esta refugiados pode alcançar os afetados por um dos
condição apenas no ano 2011 (ACNUR, 2012). flagelos que castigam o continente africano: os
Inicialmente tratado como algo limitado à Europa conflitos internos armados. Os números trazem
na década de 1950 em decorrência da Segunda uma dimensão do problema: somente entre os
Guerra Mundial, o problema dos refugiados anos de 1989 e 2009 foram contabilizados na
mostrou-se muito mais abrangente, tornando África 41 conflitos armados, mais do que em
necessária a ampliação do conceito inicialmente qualquer outra região do globo. (HARBOM;
estabelecido pela Convenção de Genebra de WALLENSTEEN, 2010) Caracterizados “by a
1951. Já nas décadas seguintes, acompanhando diversity of irregular military actors including
a tendência inaugurada pelo Protocolo de 1967 paramilitary groups, militias, insurgents,
Relativo ao Estatuto dos Refugiados, outras warringtribes, bandits, feral gangs, terrorists, and
regiões do globo adotaram definições próprias e private military companies” (FARREL; SCHMITT,
mais abrangentes com relação ao refúgio 2012, p. 5), estes conflitos distinguem-se dos
(FERRAZ; HAUSER, 2002). Mantendo o que já tradicionais combates interestatais por não
fora conquistado até então em relação aos buscarem unicamente a destruição de forças
direitos dos refugiados, estas convenções inimigas e a ocupação de territórios, mas
buscaram adaptar a matéria às situações principalmente a pilhagem e o domínio da
regionais específicas. população local. Os habitantes destas regiões
Na África, coube à Organização de Unidade vêem-se forçados a abandonarem seus lares, a
Africana (OUA) criar, em 1969, a Convenção da fim de fugir dos efeitos causados pelos conflitos.
OUA que Rege os Aspectos Específicos dos Enquanto alguns buscam outras áreas do próprio
Problemas dos Refugiados na África. Com país para viver – os chamados deslocados
entrada em vigor no ano de 1974, o tratado define internos –, outros atravessam a fronteira e rumam
que: para outro Estado em busca de proteção. O
destino dessas pessoas é, na maioria dos casos,
a) O termo refugiado aplica-se a qualquer um só: um campo de refugiados (FARREL;
pessoa que, receando com razão, ser perseguida SCHMITT, 2012).
em virtude da sua raça, religião, nacionalidade,
filiação em certo grupo social ou das suas 3 . I N S TA B I L I D A D E S D A R E P Ú B L I C A
opiniões políticas, se encontra fora do país da sua DEMOCRÁTICA DO CONGO E A FUGA PARA
nacionalidade e não possa, ou em virtude daquele RUANDA
receio, não queira requerer a protecção daquele
país; ou que, se não tiver nacionalidade e estiver A República Democrática do Congo é um dos
fora do país da sua anterior residência habitual países africanos que há anos convive com os
após aqueles acontecimentos, não possa ou, em conflitos armados internos. Na década de 1990,
virtude desse receio, não queira lá voltar. as hostilidades de milícias armadas
independentes, tanto entre si quanto contra
b) O termo refugiado aplica-se também a forças do governo, geraram graves distúrbios. A
qualquer pessoa que, devido a uma agressão, primeira década dos anos 2000 foi igualmente
ocupação externa, dominação estrangeira ou a transtornada (SILVA, 2011). Apesar de aparentes
acontecimentos que perturbem gravemente a avanços em 2003 na busca de uma resolução
ordem pública numa parte ou na totalidade do seu pacífica para os conflitos com as milícias, o ano de
país de origem ou do país de que tem 2008 presenciou o retorno das hostilidades, que
nacionalidade, seja obrigada a deixar o lugar da resultaram numa nova tentativa de paz através de
residência habitual para procurar refúgio noutro acordo assinado já no ano seguinte. Três anos
lugar fora do seu país de origem ou de depois, em 2012, o conflito aberto volta a atingir
nacionalidade. (Grifo meu) os congoleses, quando membros das forças
oficiais congolesas desertam e constituem uma

Edição n.3, v.1 77 ISSN 2179-6165


Artigos
nova milícia armada, autointitulada M23. governo de Ruanda, juntamente com o ACNUR,
Um dos resultados deste histórico de anuncia a abertura do campo Kigeme. Um mês
instabilidades é a existência de quase 500 mil após sua inauguração, Kigeme já abrigava dez
refugiados de origem congolesa contabilizados mil congoleses, enquanto mais de oito mil
pelo ACNUR até janeiro de 2012. Destes, mais de aguardavam em Nkamira sua vez de serem
50 mil buscaram abrigo em Ruanda, país vizinho transferidos.
à República Democrática do Congo. Dividindo
uma fronteira de 217 km com as províncias 4. ASSISTÊNCIA AOS CONGOLOSES EM
congolesas de Kivu Norte e Kivu Sul – as mais RUANDA: UM PANORAMA
instáveis do país –, Ruanda recebe refugiados
congoleses desde a década de 1990, período no O governo de Ruanda, o ACNUR e grupos
qual eclodiram os primeiros conflitos armados de internacionais como o World Food Programme
grandes proporções na RDC. (WFP) e a American Refugee Committe (ARC)
Em 1996, ano em que inicia a Primeira Guerra atuam nos campos de refugiados visando
do Congo, é criado o campo de refugiados Kiziba, oferecer as melhores condições de vida possíveis
nas proximidades da cidade de Kibuye. Gerido aos que ali habitam. Milhares de congoleses
pelo governo de Ruanda, com suporte técnico e chamam os campos ruandeses de “casa” há mais
financeiro do ACNUR, Kiziba abriga quase 19 mil de 15 anos, e o retorno à terra natal em condições
refugiados de origem congolesa. Com 27 seguras não parece uma perspectiva real no curto
hectares de extensão, o campo foi criado como prazo. A assistência nestes campos torna-se,
resposta ao grande fluxo de congoleses que se portanto, fundamental, já que eles são mais que
dirigiram a Ruanda, fugindo dos conflitos que moradias temporárias, tornando-se verdadeiros
então ocorriam na província congolesa de Kivu lares para famílias inteiras, tanto as que
Norte. No mesmo ano é criado o campo de chegaram juntas a Ruanda quanto aquelas que
Gihembi, também em resposta aos conflitos se formaram já na condição do refúgio.
armados internos na República Democrática do No que tange à satisfação das necessidades
Congo. Localizado a 60 km da capital ruandesa, básicas de sobrevivência, os esforços parecem
Kigali, e a 200 km da fronteira de Ruanda com a ser bem sucedidos. O acesso a alimento em
RDC, Gihembi é o lar de aproximadamente 20 mil quantidade necessária é garantido na maior parte
congoleses. do ano, salvo exceções em períodos de escassez
Quase dez anos depois, os novos conflitos na temporária de alguns suprimentos. Durante estes
província de Kivu do Norte causaram a períodos, busca-se remediar a situação através
superlotação dos campos de refugiados já da agricultura local de pequena escala, que
existentes. O governo de Ruanda pede ajuda ao fornece alguns víveres para abastecimento. O
American Refugee Committe (ARC) que, em abril suprimento de água varia de acordo com o
de 2005, cria o campo de Nyabiheke. Inicialmente campo, numa média de sete até 20 litros diários
projetado para receber cinco mil refugiados, o disponíveis por pessoa. Aos refugiados são
campo acolheu novos influxos de congoleses nos fornecidas moradias individuais para cada
anos e 2007 e 2008, fazendo o número de família. A maioria das casas é construída “with
habitantes saltar de cinco para 15 mil no fim da wooden poles with the sides covered with mud
primeira década dos anos 2000. and the roofs made from plastic sheeting”.Os
O retorno das hostilidades em abril de 2012 fez campos também contam com atendimento
surgir novas levas de refugiados. Somente no médico em postos locais: os casos mais graves
período entre abril e junho deste ano mais de dez são enviados para hospitais em cidades
mil congoleses atravessaram a fronteira da RDC ruandesas próximas. Quanto à educação, os
em busca de abrigo em Ruanda. Com a refugiados podem matricular seus filhos em
superlotação do centro de trânsito Nkamira, surge escolas primárias, montadas dentro dos limites
a necessidade de criar-se um novo campo de dos campos.
refugiados. No começo de junho de 2012, o Em uma análise inicial, a situação dos

Edição n.3, v.1 78 ISSN 2179-6165


Artigos
refugiados congoleses abrigados em Ruanda consequences, and could lead to sexual and
parece satisfatória. De fato, apesar de persistirem gender-based violence, HIV and AIDS, early
casos de anemia e desnutrição, é garantido aos pregnancies and increased high school drop-out
habitantes dos campos de refugiados ruandeses rates for girls, prostitution, and protection and
o atendimento à suas necessidades mínimas de psychosocial risks for children and other
sobrevivência. Um estudo mais aprofundado, vulnerable individuals.
porém, permite perceber que persistem
problemas que não devem ser desconsiderados. Reportagens produzidas pela mídia ruandesa
Uma das dificuldades enfrentadas pelos mostram que a prostituição e gravidez precoce já
refugiados é a falta de oportunidades. Sem são realidade em alguns campos. São vários os
esperanças de retornarem tão cedo à República casos de adolescentes pobres e sem
Democrática do Congo, os congoleses perspectivas que aceitam dinheiro de homens de
permanecem dependentes da ajuda do ACNUR e fora do campo – os únicos que dispõem de
outras entidades. Apesar de alguns jovens terem alguma renda – em troca de favores sexuais. Sem
acesso a cursos de alfaiataria, artes culinárias e acesso a métodos contraceptivos, muitas
engenharia elétrica, são poucas as vagas de engravidam ainda jovens. As poucas palavras de
emprego disponíveis. Em visita ao campo de uma habitante do campo de Kiziba revelam a
Gihembi no ano de 2010, repórteres da Agência situação desesperadora destas garotas: “how can
Brasil relatam que “segundo os moradores, há you force a man to use a condom when he offers to
gente com diploma que vive ali, sem perspectiva, give you money [?]”. Também há relatos de raptos
esperando há anos para poder voltar para casa. O e violência sexual contra meninas jovens e
máximo que consegue é dar aulas na escola mulheres adultas.
primária.” Muitos jovens, sem ter o que fazer após Em meio à desesperança e falta de horizontes
os 14 anos – idade na qual terminam os estudos otimistas, surgem alguns casos pontuais de
primários oferecidos aos refugiados –, envolvem- refugiados que tentam romper o ciclo de total
se com drogas, violência e prostituição. dependência externa, agindo localmente para
Habitantes do campo de Kigeme afirmam que conseguirem renda extra e melhora em suas
“inactivity in the camp, mainly among the youth, is condições de vida. É o caso, por exemplo, de
leading some individuals to involve in negative Desanges Mukashema, que abandonou a
activities” República Democrática do Congo em 2012 e, no
Segundo o ACNUR, a pouca disponibilidade de campo de refugiados de Kigeme, retomou a
terras para a ampliação dos campos faz com que atividade que a sustentava em sua terra natal: a
cada refugiado disponha, em média, de 16,2 costura. O dinheiro ganho com o serviço, apesar
metros quadrados para seu uso, quando o padrão de pouco, é útil para complementar os
recomendado é de 45 metros. O pouco solo suprimentos que recebe do governo de Ruanda,
disponível é pobre, fato que não permite o do ACNUR e de outras organizações
desenvolvimento agrícola em grande escala que, internacionais. Segundo ela, “the money I earn
como conseqüência, dificulta a produção de helps me a lot. I now have the capacity to cater for
alimentos e barra a criação de empregos na some basic needs.”Enquanto isso, no campo de
lavoura. Kiziba, um gerador sustenta uma pequena
O aumento da população residente nestes barbearia e salão de beleza, além de uma central
campos tende a agravar os problemas existentes, de carregamento de baterias para celular.
além de trazer novos desafios. Segundo o Coordenado pela administração do campo, todo o
ACNUR: lucro arrecadado com estes serviços é destinado
unicamente para melhoras internas em Kiziba,
With populations growing by some 30 births a como o investimento em terras para a cultura de
month, the substandard conditions are made even alguns alimentos.
worse by the lack of durable roofing materials and
latrines. Such conditions have far-reaching 5. UMA ANÁLISE DO REFÚGIO SOB A

Edição n.3, v.1 79 ISSN 2179-6165


Artigos
PERSPECTIVA DA GOVERNANÇA GLOBAL participação e responsabilidade democráticas”
(RONIZE, 2004, p.1).
Em um mundo no qual as fronteiras tornam-se As primeiras reflexões sobre o termo
cada vez mais porosas e os povos se movem em “governança” são colocadas pelo Banco Mundial
escala global, a questão do refúgio ganha na década de 1990 (GONÇALVES, 2005). Já nas
destaque. Nas últimas décadas do século XX, o primeiras páginas de seu documento de 1992,
refugiado é conseqüência não apenas de intitulado “Governance and Development”, a
conflitos interestatais, mas, principalmente, de instituição define o termo como “the manner in
conflitos ocorridos dentro das fronteiras de seu which power is exercised in the management of a
próprio país de origem (BARNETT, 2002). Sem o country's economic and social resources for
amparo da máquina estatal, milhares vêem-se development” (WORLD BANK, 1999, p.1). Ainda
obrigados a abandonarem seus lares, buscando na mesma década, o termo “governança global” é
proteção na figura de um país estrangeiro. definido pela Comissão sobre Governança Global
Mediante esta nova realidade – na qual o da Organização das Nações Unidas como:
refúgio pode ser encarado como conseqüência da
ineficiência do Estado em prover segurança a “The sum of the many ways individuals and
seus cidadãos –, surge a oportunidade de institutions, public and private, manage their
analisar a questão através de uma ótica diferente common affairs. It is a continuing process through
daquela adotada pelos seguidores de teorias which conflicting or diverse interests may be
tradicionais das Relações Internacionais. Ao accommodated and cooperative actions may be
envolver questões como a noção clássica de taken.
soberania estatal, os direitos humanos, tratados
internacionais e a possibilidade de atuação do A definição da Comissão segue em suas
terceiro setor, o problema do refúgio toca não considerações sobre o termo, afirmando que a
apenas a esfera estatal, mas também outros “governança global”, até então compreendida
níveis sociais diretamente preocupados com apenas como as relações intergovernamentais
estas questões. Abre-se, assim, espaço para a entre os diferentes Estados, “must now be
análise do tema através da perspectiva da understood as also involving non-governmental
Governança Global, buscando uma melhor organizations (NGOs), citizens' movements,
compreensão dos papéis desempenhados pelos multinational corporations, and the global capital
diversos atores no tratamento do tema. O market”, juntamente com a mídia de massas. A
caso dos refugiados da República Democrática produção acadêmica sobre governança global
do Congo em Ruanda fornece, por fim, um que surge a partir deste momento mostra-se
exemplo prático de uma situação na qual a variada, com diversos autores adotando versões
interação entre diversos níveis pode contribuir próprias sobre o conceito. No debate acadêmico,
para a melhor condução do tema. o termo é muitas vezes utilizado quando se deseja
nomear algum tipo de processo ou estrutura
5.1 A GOVERNANÇA GLOBAL política que não dependa exclusivamente da
figura do Estado. Este tipo de emprego carece de
O uso do termo “governança global” solidez, uma vez que não oferece real
começa a ganhar força no fim da década de 1980, contribuição ao entendimento do fenômeno da
quando a Guerra Fria caminhava para seu governança global, seu funcionamento e suas
término. Foi a partir daí que “juntamente com o características. O uso descuidado, que apresenta
crescente interesse mundial no processo de o termo de maneira tão vaga, contribuiu para
democratização, emergiu também uma aumentar a confusão que paira sobre a questão
preocupação com as instituições e com a questão da governança global, limitando o avanço dos
da governança”, que passou a ser vista “como estudos sobre o tema.
uma condição necessária para reformas efetivas Preocupados com este fato, Dingwerth e
e também servindo a uma nova retórica sobre Pattberg (2006), em seu artigo intitulado “Global

Edição n.3, v.1 80 ISSN 2179-6165


Artigos
Governance as a Perspective on World Politics”, Internacional, empresa ou Estado – geram e
argumentam que o uso mais cuidadoso do termo sofrem os efeitos diretos ou indiretos das ações
se faz necessário para superar a confusão atual e dos demais. (2006, p. 192)
permitir o desenvolvimento de teorias mais Sendo compreendida como dinâmica e
coerentes sobre o tema. Tomando como base o flexível, a governança global não prevê a
fator finalidade, os autores distinguem dois usos existência de um único meio de negociação.
para o termo: 1) o que chamam de uso analítico, Sendo o cenário composto por uma multiplicidade
“that attempts to capture the – actual, perceived, de atores além do Estado, os canais de
or constructed – reality of contemporary world comunicação são os mais variados. Aqui, têm
politics” (2006, p. 189), em outras palavras, uma importância não apenas as negociações
realidade observável e; 2) o uso normativo, “Used interestatais, mas também os processos menos
to denote a specific political program, expressing formais que ocorrem entre os demais atores,
either a normative perspective on how political tanto públicos quanto privados. (2006, p. 192)
institutions should react to the reduced steering Por fim, ao considerar-se a perspectiva da
capacity of national political systems or a critical governança global, concebe-se a existência de
perspective that refers to global governance as a novas formas de autoridade independentes do
hegemonic discourse (2006, p. 189) Estado. Tratam-se de fontes de liderança
Tomando como base a análise feita pelos alternativas, diferentes do tradicional modelo no
autores supracitados, opta-se por considerar a qual o Estado é a única entidade com a
governança global em seu aspecto analítico. Para capacidade de tomar decisões efetivas e
tal, faz-se necessário abordar com maior atenção geradoras de resultados. Dingwerth e Pattberg
algumas importantes características atribuídas à ilustram esta afirmação mencionando, por
governança global sob esta perspectiva. exemplo:
Primeiramente, pode-se abordar como premissa
básica da Governança Global a constatação “that “Private interfirm regimes that regulate whole
a plethora of forms of social organization and market segments; private standard-setting
political decisionmaking exist that are neither cooperations between different societal actors;
directed toward the state nor emanate from it” transnational advocacy networks that exercise
(2006, p. 191). A hierarquia tradicionalmente moral authority in issue areas ranging from
estabelecida pelas demais teorias, que colocam o biodiversity to human rights; and illicit authorities,
Estado acima de todos os outros atores, such as the mafia or mercenary armies (2006, p.
desaparece. Agora figuram ao seu lado outros 193).
participantes do cenário internacional: ONGs,
empresas transnacionais, Organizações 5.2 O REFUGIADO: RESPONSABILIDADE DE
Internacionais, a mídia de massas e muitos VÁRIOS ATORES
outros. “In essence, global governance implies a
multiactor perspective on world politics.” (2006, p. As profundas transformações pelas quais o
191) mundo passou e ainda passa alteraram o
O termo governança global traz consigo o relacionamento entre o Estado e sociedade. Este
entendimento de que a política – ao contrário do fato “trouxe como consequência uma mudança no
padrão clássico de abordagem no qual as papel do Estado nacional (não sua extinção, mas
relações entre Estados são analisadas em certamente uma reconfiguração) e suas relações
separado das relações em outros níveis sociais – no cenário internacional”, impulsionando “a
é na verdade um sistema composto por diversos discussão sobre os novos meios e padrões de
níveis, no qual processos políticos locais, articulação entre os indivíduos, organizações,
nacionais, regionais e globais estão unidos de empresas e o próprio Estado, deixando clara a
maneira inseparável. Trata-se de admitir que as importância da governança em todos os níveis”
ideias e ações adotadas em determinado âmbito (GONÇALVES, 2005, p. 3). A globalização, em
– comunidade local, sindicato, Organização seus aspectos econômicos, sociais, políticos e

Edição n.3, v.1 81 ISSN 2179-6165


Artigos
culturais, mudou o comportamento convierten en refugiados esta red de seguridad
tradicionalmente esperado dos atores desaparece. Los refugiados que huyen de la
internacionais, fazendo com que assuntos antes guerra o de la persecución a menudo están en
considerados de competência exclusiva do una situación muy vulnerable, ellos no tienen la
Estado sejam, agora, divididos com um número protección de su proprio Estado.
maior de participantes.
Um dos temas a ser contestado como encargo Tomando como premissa a constatação
exclusivo do Estado é a segurança do ser supracitada de que, sendo os Estados incapazes
humano. Segundo Axworthy, “hobbled by de garantir de maneira autônoma a proteção de
economic adversity, outrun by globalization, and seus cidadãos, a segurança humana torna-se
undermined from within by bad governance, the responsabilidade de uma gama maior de atores
capacity of some states to provide this protection internacionais, é possível concluir que o instituto
has increasingly come into question” (2001, p. do refúgio segue a mesma lógica.
19). Esta incapacidade seria facilmente Partindo desta afirmação, entende-se que a
observável ao analisarem-se as sociedades abordagem do problema do refúgio pela ótica da
atingidas por conflitos, nas quais o Estado – Governança Global pode ser utilizada como uma
quando não é ele mesmo uma ameaça aos seus rica maneira de análise da questão. Adotar esta
cidadãos – é incapaz de promover proteção perspectiva implica aceitar que o refúgio não pode
mediante a atuação autônoma de senhores de ser considerado unicamente como problema a ser
guerra e grupos paramilitares. Esta constatação resolvido no âmbito das negociações
levaria a questão da proteção à vida humana para interestatais. Também leva a aceitar que, apesar
além das fronteiras estatais, inserindo o tema da da grande relevância dos tratados internacionais
garantia de segurança no debate internacional e sobre o tema e das agências internacionais
colocando-o como responsabilidade não apenas oficialmente destinadas a tratar da questão, estes
de governos centralizados, mas também de uma não são suficientes para garantirem a proteção e
gama maior de atores. Assim, ainda segundo o assistência ao refugiado. A abordagem eficaz da
autor, haveria a necessidade de abandonar o questão deve ser realizada num ambiente
rígido discurso dos direitos dos Estados e da composto por múltiplos atores, nos quais o
soberania, fazendo com que questões como a Estado e as Organizações Internacionais
proteção de civis deixem de ser abordadas desempenham papel importante ao lado de
através de um conjunto de posturas unilaterais e outras formas de organização social. Não se trata
transformem-se num diálogo. de excluir nenhum dos participantes do cenário
Partindo destas percepções, pode-se afirmar internacional do tema, mas sim de analisar uma
que o problema dos refugiados originários de redistribuição das responsabilidades
conflitos armados internos está diretamente relacionadas ao refúgio e o modo como esta nova
relacionado à incapacidade estatal de prover a configuração aperfeiçoa o tratamento da questão.
segurança de seus cidadãos. Ao não De fato, cada ator desempenha um papel
encontrarem proteção em seu país de origem, diferenciado no que tange ao instituto do refúgio.
vivendo numa situação de vulnerabilidade Somadas, estas diferentes atuações geram um
mediante a ação de grupos armados autônomos, complexo panorama de relações, que permitem
muitos enxergam a fuga para outro Estado como observar o alto grau de influência que as ideias e
a única maneira de garantir a sobrevivência atitudes de um participante possuem sobre as
própria e de seus familiares. Segundo o Alto ideias e atitudes dos demais. Uma breve análise
Comissariado das Nações Unidas para das responsabilidades assumidas por alguns dos
Refugiados: atores envolvidos na questão do refúgio permite-
nos lançar nova luz sobre o tema.
“Generalmente los gobiernos garantizan los
derechos humanos básicos y la seguridad física 5.2.1 Múltiplos atores, múltiplas funções
de sus ciudadanos, pero cuando las personas se

Edição n.3, v.1 82 ISSN 2179-6165


Artigos
A figura do Estado desempenha papel ligadas à questão do refúgio, ganha destaque o
fundamental na instituição do refúgio: é dele que ACNUR. Atualmente, a organização realiza uma
provém o reconhecimento ou não de um série de funções com relação aos refugiados, das
refugiado. A concessão do status de refugiado quais se podem destacar: 1) a garantia da
depende da interpretação adotada pelo Estado manutenção e eficácia de um regime de Direito
mediante um caso concreto. De fato, “the Internacional para a questão dos refugiados; 2) a
individual refugee is subject to the right of the state garantia da proteção legal efetiva àqueles
to grant asylum – it is not the right of the individual reconhecidos como refugiados; 3) a coordenação
to gain that status” (BARNETT, 2002, p. 258). Só e gerenciamento de campos de refugiados e do
há refugiado reconhecido como tal se o Estado abastecimento das necessidades básicas de
assim o entender. Além disso, nenhuma seus habitantes, diretamente ou pela prestação
organização internacional ou organização não- de auxílio aos responsáveis por estas
governamental estrangeira pode ter acesso aos instalações, e; 4) a busca por soluções
refugiados sem que o Estado que os acolhe lhes duradouras para o problema do refúgio, seja
forneça permissão para tal. Por fim, os Estados através do repatriamento voluntário ao país de
também contribuem para a garantia da proteção origem ou da promoção de integração local e do
dos refugiados ao fornecerem assistência assentamento do refugiado ao Estado no qual
financeira – tanto para organizações que lidam buscou abrigo (ACNUR, 2009).
com o problema quanto para outros Estados que O terceiro setor também atua diretamente com
recebem grandes fluxos de refugiados –, a questão dos refugiados. As Organizações Não-
oportunidade de restabelecimento do refugiado Governamentais (ONGs) são, muitas vezes, as
em seus territórios e o cumprimento do princípio primeiras a chegarem aos que necessitam de
da não-devolução (BECKLUMB; ELGERSMA, apoio em uma emergência. As ONGs, através de
2008). sua presença e envolvimento direto com os
Os tratados internacionais referentes ao tema indivíduos que necessitam de apoio, podem
do refúgio são de vital importância para a ajudar na proteção dos refugiados de diversas
condução de tema. Eles não apenas estabelecem maneiras, assumido desde a função de levar ao
os requisitos que permitem classificar alguém conhecimento público os acontecimentos
como refugiado, como também definem direitos daquela localidade, a fim de angariar apoio, até o
aos contemplados com esta classificação, bem encargo de fornecer assistência direta através de
como parâmetros de tratamento a serem serviços sociais, educacionais e médicos.
dispensados a estes pelos Estados que os As ONGs também desempenham outro papel
acolhem. A Convenção de 1951 iniciou o fundamental: o de envolver o próprio refugiado na
processo, instituindo “verdadeiros direitos solução de seus problemas. Trata-se de retirá-los
subjetivos aos refugiados e os correlatos deveres da posição passiva na qual são normalmente
estatais daí decorrentes” (CUNHA, 2008, p. 8), colocados, tornando-os agentes ativos na
criando o ACNUR e estabelecendo “as condições tentativa de ver cumprirem-se os direitos a eles
objetivas para que um indivíduo possa gozar do garantidos, bem como na busca de respostas
status de refugiado, e, a partir disto, beneficiar-se para as questões que os afetam em seu cotidiano.
de direitos que lhe são próprios” (CUNHA, 2008,
p. 9). Anos mais tarde, a África, bem como a “NGO staff can help protect refugees by involving
América Latina, adotou um tratado que amplia a them in all aspects of planning and maintaining
definição do refúgio, adaptando a matérias às assistance activities. Refugees know and
realidades locais. Através disso, foi possível understand their own communities better than
estender a proteção ao refugiado a uma gama anyone. They should always participate in
maior de pessoas, que não se encaixariam na determining the need of their community and
definição inicialmente adotada na década de planning and designing programs to meet those
1950 (CUNHA, 2008). needs. By doing so, mutual trust and confidence
Das organizações e agências internacionais will grow, NGO staff will have access to the

Edição n.3, v.1 83 ISSN 2179-6165


Artigos
broadest possible refugee population, and the reconhecer, de acordo com as informações
refugees will retain their self-respect and self- levantadas, que o país empenha-se em auxiliar os
confidence. All refugee men, women and children, congoleses da melhor maneira possível. O
not just their representatives, should be included governo de Ruanda não apenas reconhece os
in these activities. solicitantes de refúgio vindos da República
Democrática do Congo, como também permite
5.3 RESULTADOS DE UMA AÇÃO CONJUNTA: A que o ACNUR e as ONGs trabalhem diretamente
ATUAÇÃO EM VÁRIOS NÍVEIS E SEUS com eles, auxiliando no processo administrativo.
EFEITOS NOS CAMPOS DE REFUGIADOS Também concede terras para a criação dos
CONGOLESES EM RUANDA campos de refugiados e busca responder com
prontidão às necessidades elencadas pelas
As ações supracitadas assumidas por organizações atuantes no país, a exemplo da
alguns atores participantes da gestão da temática abertura de um novo campo de refugiados, em
do refúgio geram, quando isoladas, poucos parceria com o ACNUR, mediante o novo fluxo de
resultados realmente positivos. A análise do refugiados congoleses iniciado em 2012.
conjunto destas ações, porém, evidencia um alto O ACNUR, por sua vez, cuida da administração
grau de complementaridade entre as mesmas, dos campos, elegendo prioridades e identificando
mostrando a importância que a atuação em dificuldades a serem vencidas, sendo também o
diversos níveis adquire no que diz respeito ao responsável pelo registro dos refugiados e pela
tratamento do problema dos refugiados. provisão de víveres básicos (CRISP;
Estas relações de complementaridade são SLAUGHTER, 2009). Tornou-se senso comum
complexas e interligam todas as esferas colocar sobre os ombros da ACNUR o papel de
envolvidas, mostrando que todas as ideias e zelar pela proteção e pelos direitos dos
ações de determinado ator influenciam e são refugiados. É perceptível, porém, que a
influenciadas pelas ideias e ações dos demais organização é incapaz de realizar esta tarefa
atores. O caso dos mais de 50 mil refugiados sozinha, e que sua atuação torna-se mais
congoleses em Ruanda traz consigo o exemplo eficiente quando há o trabalho conjunto com
dos benefícios que a interação dos vários níveis outras esferas de organização social.
de atuação traz para a resolução do problema,
que se dá através do trabalho conjunto realizado “In order to address the outsized role of UNHCR in
pelo governo, pelo ACNUR e pelas diversas protracted refugee situations, there must be a
ONGs atuantes no país. broader recognition that the organization is not the
É importante ressaltar que Ruanda, como only member of the humanitarian community or
qualquer outro Estado, carrega limitações e the UN system that has a substantive role to play
problemas com os quais precisa arcar. O país in this area. When people flee from their own
possui um histórico de conflitos internos próprios, country, cross an international border and acquire
dos quais o genocídio de 1994 – no qual cerca de the status of refugee, they naturally become of
800 mil pessoas foram mortas num período de direct and immediate concern to UNHCR. But in
cem dias – é o exemplo mais conhecido. Com becoming refugees, they do not cease to be of
90% de sua população dedicada à agricultura de concern to other actors within and outside the UN -
subsistência, Ruanda conta um PIB per capita de actors whose mandate and activities lie in areas
$1.400 dólares e, apesar de apresentar certa other than humanitarian relief, such as socio-
melhora em seus indicadores econômicos nos economic and community development,
últimos anos, está longe de ser um país com education and training, agriculture and micro-
grandes somas de recursos disponíveis para finance. The search for effective responses to
questões como o acolhimento de refugiados. É protracted refugee situations should not be
provável que, na ausência destes fatores, a regarded as the fiefdom of UNHCR, but as a
atuação de Ruanda junto aos refugiados fosse responsibility to be shared with - and amongst -
mais intensa. De qualquer forma, é preciso these other actors (CRISP; SLAUGHTER, 2009,

Edição n.3, v.1 84 ISSN 2179-6165


Artigos
p. 13). A análise das informações levantadas com
relação aos refugiados da RDC que vivem em
Quanto às ONGs, estas auxiliam na Ruanda permite observar que, de fato, são várias
administração dos campos, sendo que em alguns as conquistas alcançadas com relação à
casos – como no campo de Nyabiheke, assistência adequada a estas pessoas. Neste
construído em 2005 sob os auspícios do grupo sentido, é de fácil percepção a importância que
American Refugee Committe (ARC) –, elas cada um dos vários atores envolvidos neste
assumem responsabilidade integral pela processo possui. Apesar do papel proeminente do
manutenção das instalações. Também atuam a ACNUR, a atuação em outros níveis – Estado,
fim de prover água, alimento e serviços de ONGs e os próprios refugiados – é vital para
atendimento médico ao refugiado, além de garantir a ajuda necessária.
realizarem trabalhos no combate à violência e na Com relação assistência básica – alimento,
proteção de crianças e adolescentes. água, moradia, serviços de saúde – os dados
Os frutos deste trabalho são mostrados em mostram que se alcançou grande sucesso. O
alguns relatórios produzidos pelo ACNUR sobre a problema persiste, porém, no que diz respeito às
situação de Ruanda no que diz respeito aos demais necessidades dos refugiados, que vão
refugiados. Apesar de persistirem algumas além da mera subsistência: são aquelas
dificuldades a serem vencidas – a ausência de relacionadas às questões humanas, e envolvem
bons solos para o plantio e pouco acesso a níveis especialmente a falta de perspectivas com
mais elevados de educação escolar, por exemplo relação ao futuro.
– observa-se que foram alcançados os padrões Considerando que o tempo de estadia nos
necessários para garantir um ambiente salubre campos é, por vezes, muito longo – chegando até
aos refugiados que habitam os campos. Pode-se a mais de uma década em alguns casos – a ajuda
destacar, por exemplo: o oferecimento de deve ir além do mero fornecimento de refeições
atendimento médico básico a todos os habitantes diárias e um teto. Os depoimentos aqui
do campo, bem como assistência especial para apresentados evidenciam que estes refugiados
os casos mais severos; os baixos índices de não desejam manterem-se dependentes da ajuda
desnutrição geral; o alto índice de matrículas nas de terceiros para sobreviverem: querem caminhar
escolas primárias; a prestação de assistência a com as próprias pernas, retomando a autonomia
todas as vítimas registradas de violência sexual. que perderam no momento em que abandonaram
Não se trata, com certeza, de um quadro perfeito, seus lares.
sendo que a própria ACNUR reconhece que são Com relação a este problema, percebe-se que
vários os problemas ainda existentes nos campos ainda há um longo caminho a ser trilhado. É
de refugiados de ruandeses. Comparando-se, preciso oferecer mais do que a educação
porém, a situação dos congoleses em Ruanda primária, permitindo que estas pessoas tenham
com o de outros refugiados espalhados pelo acesso a cursos de nível superior e sejam
mundo – como é o recente caso, por exemplo, dos capazes de formarem-se e adquirirem uma
sírios que buscaram abrigo na fronteira com a profissão. Em conjunto com a formação, devem
Turquia – observa-se que se trata de um quadro ser disponibilizadas vagas de emprego, para que
muito mais favorável. Este fato pode ser creditado os refugiados tenham a oportunidade de
não apenas a um dos atores envolvidos na trabalharem, exercendo uma profissão e
questão, mas, sim, ao conjunto de suas ações: conseguindo renda própria, a fim de diminuir ou
uma amostra do potencial que a cooperação entre eliminar a dependência com relação à ajuda de
vários atores, com vistas a atingir um objetivo Organizações Governamentais e ONGs de
comum, é capaz de gerar resultados, senão assistência.
ideais, no mínimo satisfatórios. As premissas da Governança Global podem
servir como um interessante ponto de análise
6. CONCLUSÃO sobre as melhores maneiras de lidar com a
questão. Observando que os avanços

Edição n.3, v.1 85 ISSN 2179-6165


Artigos
conquistados na provisão das necessidades Oxford University Press, 2002. Disponível em
básicas dão-se devido à atuação de vários atores, <http://oppenheimer.mcgill.ca/IMG/pdf/Barnett.p
é possível admitir que a resolução do problema da df> Acesso em 4 de dezembro de 2012
falta de perspectivas também pode ocorrer da BECKLUMB, Penny; ELGERSMA, Sandra;
mesma forma. Neste sentido, são muitos os PHILLIPS, Karin. Refugee Protection: the
meios pelos quais este objetivo pode ser International Context. Parliamentary Information
alcançado. É perceptível que a discussão a and Research Service from Canada, 2008.
respeito do refúgio não está encerrada, uma vez D i s p o n í v e l e m
que nem todos os problemas foram solucionados. <http://www.parl.gc.ca/content/LOP/ResearchPu
De fato, enquanto ainda existir a figura do blications/bp280-e.pdf> Acesso em 5 de
refugiado no globo – seja ele congolês ou de dezembro de 2012
qualquer outra nacionalidade – haverão questões CRISP; Jeff, SLAUGHTER, Amy. A surrogate
a serem respondidas e espaço para discuti-las. O state? The role of UNHCR in protracted refugee
principal objetivo do debate deve ser um só: situations. Policy Development and Evaluation
pensar formas de promover não apenas a Service, UNHCR; 2009. Disponível em
sobrevivência, mas o desenvolvimento dos <http://www.unhcr.org/4981cb432.html> Acesso
refugiados como seres humanos. em 5 de dezembro de 2012
CUNHA, Ana Paula. Asilo, Refúgio e a
BIBLIOGRAFIA Responsabilidade Internacional do Estado.
Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de
ABREU, Ronize Aline Matos. Conceito de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência
Governança Global: Problema da Reforma das Jurídica da UNIVALI, Itajaí, 3º quadrimestre de
Nações Unidas. 2004. Disponível em < 2 0 0 8 . D i s p o n í v e l e m
http://www.ronizealine.eti.br/download/conceitod <http://siaibib01.univali.br/pdf/Ana%20Paula%2
egovernancaglobal.pdf> Acesso em 1 de 0da%20Cunha.pdf> Acesso em 4 de dezembro
dezembro de 2012 de 2012
ACNUR. La Protección de los Refugiados y el DINGWERTH, Klaus; PATTBERG, Philipp. Global
papel de ACNUR -2008-2009. 2009. Disponível Governance as a Perspective on World Politics.
em<http://www.acnur.org/t3/fileadmin/scripts/doc Global Governance, Cambridge, vol. 12, p. 185-
.php?file=biblioteca/pdf/7029> Acesso em 4 de 2 0 3 , 2 0 0 6 . D i s p o n í v e l e m
dezembro de 2012 <http://www.glogov.net/images/doc/GG12_2_Din
ACNUR. A Year of Crisis – UNHCR Global Trends gwerth_Pattberg1.pdf> Acesso em 3 de
2 0 11 . 2 0 1 2 . D i s p o n í v e l e m dezembro de 2012
<http://www.unhcr.org/4fd6f87f9.html> Acesso FARRELL, Theo. SCHMITT, Olivier. The Causes,
em 16 de outubro de 2012. Character and Conduct of Armed Conflict, and the
ACNUR. Protecting Refugees: a Field Guide for Effects on Civilian Population, 1990-2010. 2012.
N G O s . D i s p o n í v e l e m : D i s p o n í v e l e m <
<http://www.unhcr.or.jp/protect/pdf/ProtectingRef http://www.unhcr.org/4f8d606d9.pdf> Acesso em
ugees-FieldGuideforNGOs.pdf >Acesso em 4 de 16 de outubro de 2012
dezembro de 2012 FERRAZ, Daniel Amin; HAUSER, Denise. A Nova
AXWORTHY, Lloyd. Human Security and Global Ordem Mundial e os Conflitos Armados. Belo
Governance: Putting People First. Global Horizonte: Editora Mandamentos, 2002
Governance, Cambridge, vol. 7, p. 19-23, Jan- GONÇALVES, A. F. O Conceito de Governança.
M a r 2 0 0 1 . D i s p o n í v e l e m In: XIV Congresso Nacional CONPEDI, 2005,
<http://marketcivilization-in- Fortaleza. Anais do XIV Conpedi 2005. Disponível
oz.wikispaces.com/file/view/Axworthy+Human+ em<http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/
Security.pdf> Acesso em 3 de dezembro de 2012 Anais/Alcindo%20Goncalves.pdf > Acesso em 23
BARNETT, Laura. Global Governance and the de novembro de 2012
Evolution of the International Refugee Regime. HARBOM, Lotta; WALLENSTEEN, Peter. Armed

Edição n.3, v.1 86 ISSN 2179-6165


Artigos
Conflicts: 1946-2009. Journal of Peace Research, SITE <http://focus.rw/wp/2012/05/congolese-
v. 4 7 , j u l h o d e 2 0 1 0 . D i s p o n í v e l e m < refugees-to-be-relocated/> Acesso em 6 de
http://jpr.sagepub.com/content/47/4/501.full.pdf+ novembro de 2012
html > Acesso em 22 de outubro de 2012 SITE<http://www.acnur.org/t3/noticias/noticia/ma
SILVA, Igor Castellano da. Guerra e Construção s-de-10-mil-refugiados-congolenos-han-llegado-
do Estado na Rep. Democrática do Congo: a a-ruanda-en-los-ultimos-meses/> Acesso em 6
definição militar do conflito como pré-condição de novembro de 2012
para a paz. 2011. 178 f. Dissertação (Mestrado SITE<http://www.acnur.org/t3/portugues/noticias
em Ciência Política) – Programa de Pós- /noticia/acnur-transfere-centenas-de-
Graduação em Ciência Política, Universidade congoleses-diariamente-para-novo-campo/>
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Acesso em 6 de novembro de 2012
D i s p o n í v e l e m SITE<http://www.unhcr.org/pages/49e45c576.ht
<http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/31730> ml> Acesso em 6 de novembro de 2012
Acesso em 2 de outubro de 2012 SITE<http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/201
The World Bank. Governance and Development. 0-09-22/em-ruanda-refugiados-congoleses-
Wa s h i n g t o n , D . C . 1 9 9 2 . D i s p o n í v e l e m estao-seguros-mas-querem-voltar-para-casa>
< h t t p : / / w w w - Acesso em 6 de novembro de 2012
wds.worldbank.org/external/default/WDSContent SITE<http://rwandain2011.blogspot.com.br/2011/
Server/WDSP/IB/1999/09/17/000178830_98101 06/kiziba-refugee-camp.html> Acesso em 12 de
911081228/Rendered/PDF/multi_page.pdf> novembro de 2012
Acesso em 1 de dezembro de 2012 SITE<http://allafrica.com/stories/201208310482.
Convenção da Organização de Unidade Africana html?page=2> Acesso em 6 de novembro de
que Rege os Aspectos Específicos dos 2012
Problemas dos Refugiados em África. Disponível SITE<http://www.unhcr.org/50a9f81fb.html>
em<http://www.fafich.ufmg.br/~luarnaut/convenc Acesso em 5 de dezembro de 2012
ao_oua.pdf> Acesso em 16 de outubro de 2012. SITE<https://www.cia.gov/library/publications/the
SITE<http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/201 -world-factbook/geos/rw.html> Acesso em 4 de
0-09-22/em-ruanda-refugiados-congoleses- junho de 2013
estao-seguros-mas-querem-voltar-para-casa> SITE<http://www.bbc.co.uk/news/world-africa-
Acessado em 28 de agosto de 2012 13431486> Acesso em 5 de junho de 2013
SITE<http://cdn.radionetherlands.nl/africa/article
/m23-rebels-breed-fear-congo-border-town> ______________________________________
Acesso em 30 de outubro de 2012
SITE<http://www.unhcr.org/cgi- Maria Clara Kretzer é graduanda em Relações
bin/texis/vtx/page?page=49e45c366&submit=G Internacionais pela Universidade do Vale do Itajaí
O> Acesso em 30 de outubro de 2012 – UNIVALI, em Balneário Camboriú. E-mail:
SITE<http://en.wikipedia.org/wiki/Geography_of maria_clara_kretzer@hotmail.com
_Rwanda> Acesso em 30 de outubro de 2012 A Convenção de Genebra de 1951 sobre o
SITE<http://blogs.state.gov/index.php/site/entry/ Estatuto dos Refugiados trata da questão do
congolese_refugees_rwanda> Acesso em 30 de refúgio, definindo quais as circunstâncias que
outubro de 2012 permitem considerar alguém como refugiado,
SITE<http://www.newtimes.co.rw/news/index.ph bem como seus direitos e proteção de que
p?i=14994&a=53685> Acesso em 30 de outubro dispõem. A Convenção de Genebra de 1951
de 2012 permitia considerar como refugiado aqueles
SITE<http://www.arcrelief.org/site/PageServer?p atingidos pelos “acontecimentos ocorridos antes
agename=index_about_arc> Acesso em 5 de de 1º de janeiro de 1951” e suas consequências
novembro de 2012 (Art. 1). O Protocolo de 1967 Relativo ao Estatuto
SITE<http://www.arc.org.rw/locations/nyabiheke- dos Refugiados foi criado pela percepção de que
camp.html> Acesso em 5 de novembro de 2012 desde a adoção da Convenção de 1951, novas

Edição n.3, v.1 87 ISSN 2179-6165


Artigos
categorias de refugiados surgiram. Sua grande http://www.newtimes.co.rw/news/index.php?i=14
contribuição foi ampliar a definição de refugiado 994&a=53685 Acesso em 30 de outubro de 2012
ao retirar a limitação temporal até então existente. D i s p o n í v e l e m
Convenção da Organização de Unidade Africana http://blogs.state.gov/index.php/site/entry/congol
que Rege os Aspectos Específicos dos ese_refugees_rwanda Acesso em 30 de outubro
Problemas dos Refugiados em África. Disponível de 2012
e m D i s p o n í v e l e m
http://www.fafich.ufmg.br/~luarnaut/convencao_ http://www.newtimes.co.rw/news/index.php?i=14
oua.pdf Acesso em 16 de outubro de 2012. 994&a=53685 Acesso em 30 de outubro de 2012
A Primeira Guerra do Congo (1996 – 1997) foi D i s p o n í v e l e m
uma guerra de caráter civil marcada pela forte http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2010-09-
atuação de forças estrangeiras em território 22/em-ruanda-refugiados-congoleses-estao-
congolês. A presença de milícias estrangeiras, em seguros-mas-querem-voltar-para-casa Acessado
especial de Ruanda, Burundi e Angola, foi vital em 28 de agosto de 2012
para o desenvolvimento do conflito. Seu desfecho “The American Refugee Committee is an
deu-se com a queda do presidente Mobutu Sese international nonprofit, nonsectarian organization
Seko - então no comando há mais de trinta anos - that has provided humanitarian assistance and
e sua substituição por Laurent Kabila, que training to millions of beneficiaries over the last 30
assumiu o poder no país. A Segunda Guerra do years. ARC works with refugee communities in 7
Congo (1998 – 2003),também chamada de countries around the world, helping people regain
Guerra Mundial Africana, foi marcada pelo control of their lives.” Para mais informações
envolvimento de vários Estados africanos da s o b r e o t r a b a l h o d a A R C ,
região e pelo importante papel desempenhado visitehttp://www.arcrelief.org/site/PageServer?pa
pelas guerrilhas armadas. As aspirações gename=index_about_arc Acesso em 5 de
nacionalistas de Laurent Kabila levaram seus novembro de 2012
antigos aliados da Primeira Guerra do Congo a D i s p o n í v e l e m
unirem-se novamente, desta vez para retirá-lo do http://www.arc.org.rw/locations/nyabiheke-
poder. Seu assassinato em 2001 e sua camp.html Acesso em 5 de novembro de 2012
substituição por Joseph Kabila, seu filho, foram D i s p o n í v e l e m
fundamentais para a resolução do conflito. “A http://www.acnur.org/t3/noticias/noticia/mas-de-
Segunda Guerra do Congo se encerrou por 10-mil-refugiados-congolenos-han-llegado-a-
completo em 2003, quando (...) todas as partes ruanda-en-los-ultimos-meses/ Acesso em 6 de
em conversações assinavam o acordo de paz (...) novembro de 2012
as inconsistências intrínsecas do Acordo de Os centros de trânsito são locais nos quais os
Pretória anunciavam a instabilidade que estava refugiados são registrados e onde podem
por vir” (SILVA, 2011, p. 125-126) Para mais descansar por alguns dias, antes de serem
informações sobre os conflitos e as milícias que encaminhados para outro local. Não são
os integram, consultar SILVA, 2011. projetados para abrigarem grande quantidade de
D i s p o n í v e l e m pessoas por longos períodos de tempo. O centro
http://cdn.radionetherlands.nl/africa/article/m23- de trânsito Nkamira atua principalmente na
rebels-breed-fear-congo-border-town Acesso em recepção de repatriados ruandeses, que fugiram
30 de outubro de 2012 de Ruanda na década de 1990 devido aos
Disponível em http://www.unhcr.org/cgi- conflitos do período e que agora desejam retornar
bin/texis/vtx/page?page=49e45c366&submit=G ao seu país de origem. Disponível em
O Acesso em 30 de outubro de 2012 http://focus.rw/wp/2012/05/congolese-refugees-
D i s p o n í v e l e m to-be-relocated/ Acesso em 6 de novembro de
http://en.wikipedia.org/wiki/Geography_of_Rwan 2012
da Acesso em 30 de outubro de 2012 D i s p o n í v e l e m
D i s p o n í v e l e m http://www.acnur.org/t3/noticias/noticia/mas-de-

Edição n.3, v.1 88 ISSN 2179-6165


Artigos
10-mil-refugiados-congolenos-han-llegado-a- age=2 Acesso em 6 de novembro de 2012
ruanda-en-los-ultimos-meses/ Acesso em 6 de D i s p o n í v e l e m
novembro de 2012 http://www.unhcr.org/pages/49e45c576.html
D i s p o n í v e l e m Acesso em 6 de novembro de 2012
http://www.acnur.org/t3/portugues/noticias/notici Idem.
a/acnur-transfere-centenas-de-congoleses- D i s p o n í v e l e m
diariamente-para-novo-campo/ Acesso em 6 de http://www.newtimes.co.rw/news/index.php?i=14
novembro de 2012 994&a=53685 Acesso em 6 de novembro de 2012
D i s p o n í v e l e m Idem.
http://blogs.state.gov/index.php/site/entry/congol D i s p o n í v e l e m
ese_refugees_rwanda Acesso em 6 de novembro http://allafrica.com/stories/201208310482.html
de 2012 Acesso em 12 de novembro de 2012
D i s p o n í v e l e m D i s p o n í v e l e m
http://www.unhcr.org/pages/49e45c576.html http://rwandain2011.blogspot.com.br/2011/06/kiz
Acesso em 6 de novembro de 2012 iba-refugee-camp.html Acesso em 12 de
D i s p o n í v e l e m novembro de 2012
http://blogs.state.gov/index.php/site/entry/congol Disponível em http://www.gdrc.org/u-gov/global-
ese_refugees_rwanda Acesso em 6 de novembro neighbourhood/chap1.htm Acesso em 1 de
de 2012 dezembro de 2012
D i s p o n í v e l e m Idem.
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2010-09- Adota-se como definição do termo “globalização”
22/em-ruanda-refugiados-congoleses-estao- aquela definida por Roland Pierik e utilizada por
seguros-mas-querem-voltar-para-casa Acesso Gonçalves na elaboração de seu artigo: “Um
em 6 de novembro de 2012 fenômeno multidimensional que envolve a
D i s p o n í v e l e m mudança na organização da atividade humana e
http://www.newtimes.co.rw/news/index.php?i=14 no deslocamento do poder de uma orientação
994&a=53685 Acesso em 6 de novembro de 2012 local e nacional no sentido de padrões globais,
D i s p o n í v e l e m com uma crescente interconexão na esfera
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2010-09- global”. (2005, p. 4)
22/em-ruanda-refugiados-congoleses-estao- Disponível em http://www.acnur.org/t3/que-
seguros-mas-querem-voltar-para-casa Acesso hace/proteccion/ Acesso em 4 de dezembro de
em 6 de novembro de 2012 2012
D i s p o n í v e l e m O reassentamento (resettlement) é a
http://www.unhcr.org/pages/49e45c576.html transferência do refugiado para um terceiro país,
Acesso em 6 de novembro de 2012 devido à impossibilidade de repatriamento ou de
D i s p o n í v e l e m permanência no país de primeiro asilo. Já o
http://www.newtimes.co.rw/news/index.php?i=14 princípio da não-devolução (non-refoulement) é a
994&a=53685 Acesso em 6 de novembro de 2012 garantia de que o refugiado ou solicitante de
D i s p o n í v e l e m refúgio não será forçosamente levado ao país que
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2010-09- abandonou em busca de proteção. Para mais
22/em-ruanda-refugiados-congoleses-estao- informações, ver: ACNUR. La Protección de los
seguros-mas-querem-voltar-para-casa Acesso Refugiados y el papel de ACNUR. 2008-2009.
em 6 de novembro de 2012 D i s p o n í v e l e m
D i s p o n í v e l e m http://www.acnur.org/t3/fileadmin/scripts/doc.php
http://rwandain2011.blogspot.com.br/2011/06/kiz ?file=biblioteca/pdf/7029
iba-refugee-camp.html Acesso em 12 de Protecting Refugees: a Field Guide for NGOs.
novembro de 2012 D i s p o n í v e l e m :
D i s p o n í v e l e m http://www.unhcr.or.jp/protect/pdf/ProtectingRefu
http://allafrica.com/stories/201208310482.html?p gees-FieldGuideforNGOs.pdf Acesso em 4 de

Edição n.3, v.1 89 ISSN 2179-6165


Artigos
dezembro de 2012
Idem. p. 26
Disponível em: http://www.bbc.co.uk/news/world-
africa-13431486 Acesso em 5 de junho de 2013
D i s p o n í v e l e m :
https://www.cia.gov/library/publications/the-
world-factbook/geos/rw.html Acesso em 4 de
junho de 2013
D i s p o n í v e l e m
http://www.unhcr.org/50a9f81fb.html Acesso em
5 de dezembro de 2012
D i s p o n í v e l e m
http://www.acnur.org/t3/noticias/noticia/mas-de-
10-mil-refugiados-congolenos-han-llegado-a-
ruanda-en-los-ultimos-meses/ Acesso em 21 de
agosto de 2012
D i s p o n í v e l e m
http://www.arcrelief.org/site/PageServer?pagena
me=index_about_arc Acesso em 5 de novembro
de 2012
D i s p o n í v e l e m
http://www.unhcr.org/50a9f81fb.html Acesso em
5 de dezembro de 2012
D i s p o n í v e l e m
http://www.unhcr.org/4fc880a16.html Acesso em
5 de dezembro de 2012
D i s p o n í v e l e m
http://www.estadao.com.br/noticias/internacional
,refugiados-sirios-vivem-situacao-de-miseria-e-
desespero,965478,0.htm Acesso em 5 de
dezembro de 2012

Edição n.3, v.1 90 ISSN 2179-6165


Artigos
LA DOCTRINA DE SEGURIDAD NACIONAL legitimizing of an interventionist practice, the DSN
DE LOS EE.UU. Y SU INFLUENCIA EN EL exerted a great influence on the political and
RÉGIMEN MILITAR BRASILEÑO security conjuncture of Latin American countries
through, for example, military and doctrinal
THE US NATIONAL SECURITY DOCTRINE training offered to officers of the armed forces of
AND ITS INFLUENCE IN THE BRAZILIAN these countries in School of the Americas, an
MILITAR REGIME institution sponsored and administered by the
Department of Defense of USA. From this context,
Leandro Wolpert dos Santos this paper will seek to understand the main
characteristics of the DSN and the School of the
RESUMÉN Americas originated in the early Cold War, with the
La formulación de la Doctrina de Seguridad goal of verifying, by means of a historical
Nacional (DSN) resultó del pensamiento y narrative, how these influenced the coup and the
estrategia geopolíticos estadunidenses military regime in Brazil in this period.
desarrollados en el bojo de la Guerra Fría, cuyo
rasgo principal era el combate político, militar, Keywords: National Security Doctrine, School of
económico e ideológico a la amenaza y al avanzo Americas, Military Coup, Military Regime.
comunista en el Occidente. Cimentada en el
principio de la seguridad colectiva y legitimadora RESUMO
de una práctica intervencionista, la DSN ejerció
una gran influencia en la coyuntura política y de A formulação da Doutrina de Segurança
seguridad de los países latino-americanos a Nacional (DSN) resultou do pensamento e
través, por ejemplo, de entrenamientos militares y estratégia geopolíticos estadunidenses
doctrinarios ofrecidos a oficiales de las fuerzas desenvolvidos no bojo da Guerra Fria, cujo traço
armadas de estos países en la Escuela de las marcante era o combate político, militar,
Américas, institución administrada y patrocinada econômico e ideológico á ameaça e ao avanço
por el Departamento de Defensa de EE.UU. A comunista no Ocidente. Alicerçada no principio de
partir de ese contexto, el presente artículo segurança coletiva e legitimadora de uma prática
buscará entender las características principales intervencionista, a DSN exerceu grande
de la DSN y de la Escuela de las Américas influência na conjuntura política e de segurança
originadas en el inicio de la Guerra Fría, con el dos países latino-americanos, através, por
objetivo de verificar, por medio de una narrativa exemplo, de treinamentos militares e doutrinários
histórica, de qué manera éstas influyeron el golpe oferecidos a oficiais das forças armadas desses
y régimen militares en Brasil en ese período. países na Escola das Américas, instituição
administrada e patrocinada pelo Departamento
Palabras Clave: Doctrina de Seguridad Nacional, de Defesa dos EUA. A partir desse contexto, o
Escuela de las Américas, Golpe Militar, Régimen presente artigo buscará entender as
Militar características principais da DSN e da Escola das
Américas originadas no inicio da Guerra Fria, com
ABSTRACT o objetivo de verificar, por meio de uma narrativa
histórica, de que maneira essas influenciaram o
The formulation of the National Security golpe e regime militares no Brasil nesse período.
Doctrine (NSD) was the result of the north-
American geopolitical thinking and strategy Palavras-chave: Doutrina de Segurança
developed in the scope of the Cold War, whose Nacional, Escola das Américas, Golpe Militar,
striking feature was the political, military, Regime Militar.
economic, and ideological combat against the
communist advance and threat in the West. 1. INTRODUCCIÓN
Founded on the principle of collective security and

Edição n.3, v.1 91 ISSN 2179-6165


Artigos
Desde los finales de la 2° Guerra Mundial hasta la internacional comunista, movimiento
el inicio de los años 90, la historia de las internacional político e ideológico que
relaciones internacionales fueron conformadas propugnaba el esparcimiento de los ideales
por el conflicto político, económico, ideológico y comunistas por todo el mundo (principalmente en
cultural entre dos grandes bloques de poder los países más pobres), el Pacto de Varsovia, que
liderados por EUA y URSS, expreso en las consagraba un acuerdo de defensa mutua entre
dicotomías occidente/oriente, libertad/igualdad, Rusia, los países de Asia central y los países
derecho a la autodeterminación/derecho al europeos orientales en oposición a la OTAN, y el
desarrollo, capitalismo/socialismo. En ese COMECON (Consejo para Asistencia Económica
contexto de orden internacional bipolar, los Mutua), que visaba la cooperación, integración y
conceptos de seguridad nacional y soberanía el desarrollo económico de las repúblicas
fueron flexibilizados y las fronteras geográficas soviéticas, también en contrapunto al Plano
fueron sustituidas por fronteras ideológicas. Marshall del bloque occidental.
Tanto los países europeos cuanto los países Así pues, por intermedio de eses dispositivos y
subdesarrollados (entre ellos, los estrategias, justificaban-se y se legitimaban, en
latinoamericanos) del occidente, así como ambos polos del globo, intervenciones militares
naciones asiáticas y oceánicas, a ejemplo de por parte de las dos grandes potencias
Japón y Australia, respectivamente, plasmaron mundiales, EE.UU y URSS, en países los cuales
sus estrategias geopolíticas y la defensa de su se creía eran incapaces por si propios de resistir a
integridad territorial en la capacidad militar e la influencia del bloque antagonista.
económica de los EE.UU, cuya área de influencia A partir de ese polarizado contexto
hegemónica era mantenida bajo el principio de internacional brevemente retratado, el presente
seguridad colectiva materializado en los trabajo pretende analizar la influencia de la
dispositivos jurídicos del TIAR-OEA, de la OTAN, geopolítica estadunidense hacia América Latina,
de la OTASE y del ANZUS. Para conferir mayor a través de la Doctrina de Seguridad Nacional
racionalidad a ese proyecto de defensa mutua expresa, entre otros medios, en las prácticas y
fueron implementados, además de diversos otros políticas implementadas en la Escuela de las
acuerdos bilaterales de cooperación, el plan Américas, tomándose el caso brasileño en el
Marshall y Colombo (o Plano Marshall II) en 1945 período dictatorial como punto de referencia. Así,
y 1951, respectivamente, que visaban fornecer el además de esa introducción y de las
suporte económico necesario para la consideraciones finales, ese ensayo contiene tres
reestructuración de los países europeos y de capítulos: el primer definirá los principios básicos
Japón en el pos 2° Guerra Mundial, bien como de la Doctrina de Seguridad Nacional (DSN) en
garantizar los intereses y la expansión económica paralelo al surgimiento de la Escuela de las
de los Estados Unidos, capitaneada por las Américas; el segundo abordará la formación de la
empresas multinacionales e inversiones DSN en Brasil, en donde se inténtalo mostrar
productivas estadunidenses, en dirección al cómo ésta influyó en la promoción del golpe militar
continente europeo y asiático (PADRÓS, 2007). de 64; el tercer y no menos importante, retrata la
Más tarde, en 1961, tras y en virtud de la evolución de la DSN en Brasil desde la
revolución cubana, fue lanzado el Programa implantación del régimen militar hasta el
Acción para el Progreso, que previa ayuda derrumbe de su resistencia, momento
financiera a los países latino-americanos considerado el auge de la aplicación de la
destinada al manejo de las discrepancias sociales doctrina.
de modo a evitar la eclosión de manifestaciones
populares y protestas sindicales que pudieran dar 2. LA DOCTRINA DE SEGURIDAD NACIONAL
oportunidad a la penetración de ideas y (DSN) Y LA ESCUELA DE LAS AMÉRICAS
movimientos comunistas. Todas esas iniciativas
tenían como objetivo común contener la De acuerdo con Montagna (1986), los orígenes
expansión de la influencia soviética estribada en de la DSN remontan al discurso del presidente

Edição n.3, v.1 92 ISSN 2179-6165


Artigos
Harry Truman frente al congreso estadunidense Intelligence Agency (CIA) (US DEPARTMENT OF
en 1947, en el que él solicita la aprobación de un STATE, 2013). En ese contexto es planeada la
programa de ayuda financiera, logística y técnica estrategia de combate a la URSS que fue utilizada
a los gobiernos de Grecia y Turquía, los cuales por los Estados Unidos durante toda la Guerra
pasaban por serios problemas políticos y Fría, denominada por el diplomático George
económicos a la par de disturbios y Kennan de política de contención y que consistía
manifestaciones sociales por mejores justamente en la constante vigilia y contención de
condiciones de vida. Según el discurso de Truman la expansión geográfica del área de influencia de
(L. G. L. LIBRARY, 2008), en aquel momento, la la URSS. A partir de entonces, una serie de actos,
libertad e independencia de esos países estaban dispositivos jurídicos y también otras doctrinas
seriamente amenazadas por fuerzas internas y fortalecerían y perfeccionarían las bases de la
externas sublevadas por terroristas comunistas, DSN lanzadas por Truman, como la OTAN,
de modo que su capitulación difundiría confusión OTASE y ANZUS descritos arriba, y la Doctrina
y desorden social por el medio oriente, implicando Eisenhower, elaborada en 1957, solidificando el
consecuencias desastrosas para todo el mundo compromiso de las fuerzas armadas
libre. Creyendo en la responsabilidad y liderazgo estadunidenses en proteger la integridad
internacionales que los EE.UU poseían en territorial y la independencia política de las
proteger las instituciones democráticas y el naciones bajo la amenaza y agresión armada
derecho a la autodeterminación, el presidente provenientes de países controlados por el
Truman planteaba una política exterior de comunismo internacional. (US DEPARTMENT
combate al comunismo en defensa a libertad de OF STATE, 2013)
las naciones, la paz mundial y quizá, aún más En lo que dice respecto especialmente a la
importante, la propia seguridad nacional de los región latinoamericana, conforme Martins Filho
EE.UU: (1999), la transmisión de la influencia de la DSN
The free peoples of the world look to us for se dio por medio de la estructura institucional
support in maintaining their freedoms. If we falter edificada en el Sistema Interamericano de
in our leadership, we may endanger the peace of Defensa. Uno de los primeros instrumentos
the world […] and we shall surely endanger the jurídicos de ese sistema fue el TIAR, firmado en
welfare of our own nation. Great responsibilities 1947 por la mayoría de los países del hemisferio,
have been placed upon us by the swift movement configurando un sistema de seguridad colectiva
of events. (HARRY S. TRUMAN, 1947 - L.G.L. en el que un ataque armado perpetrado por
LIBRARY, 2008) cualquier país en contra un estado americano era,
Por lo tanto, con la Doctrina Truman, fue o por lo menos debería ser, considerado un
establecido que los EE.UU proveerían asistencia ataque en contra todos ellos. En 1948, fue
política, militar y económica a todas las naciones fundada la OEA, en la que los países miembros se
democráticas que estuvieran bajo amenazas de comprometían a celar la seguridad común del
fuerzas autoritarias, internas o externas. De continente, promover la cooperación y el
hecho, “the Truman Doctrine effectively desarrollo económico, solucionar de manera
reoriented U.S. foreign policy, away from its usual pacífica y coordinada las controversias y los
stance of withdrawal from regional conflicts not problemas de la región, respetar y defender
directly involving the United States, to one of principios comunes tales como democracia y no-
possible intervention in far away conflicts”. (US intervención, etc. Con todo, consonante Silva e
DEPARTMENT OF STATE, 2013). En ese Gonçalves (2010), en términos prácticos:
mismo año, la Doctrina Truman se institucionalizó Durante la Guerra Fría, la OEA actuó como un
con el National Security Act, en el cual se foro para que los Estados Unidos promovieran su
instituían las organizaciones responsables por la política de seguridad en el hemisferio, insertada
formulación y ejecución de la política exterior en el contexto de sus posiciones ideológicas
respecto la seguridad nacional, a ejemplo del globales. En la práctica, por tanto, la organización
National Security Council (NSC) y de la Central se presentó, en aquel periodo, como una mera

Edição n.3, v.1 93 ISSN 2179-6165


Artigos
alianza anticomunista. prioridades de la política exterior de EE.UU.
Tras la Guerra de la Corea y la Revolución puesto que fundamental para la manutención de
China, el gobierno estadunidense incrementó el la sobrevivencia de este Estado. A partir de
presupuesto de sus gastos militares, lo que entonces, durante el mandato de John Kennedy,
posibilitó la aprobación por parte del Congreso de la DSN, ahora nombrada Doctrina Mac Namara,
EE.UU. de la “ley de Seguridad Mutua”, la que asume un perfil esencialmente contra-
viabilizaba la realización y concretización de revolucionaria o contra-insurrección. Conforme
varios acuerdos militares bilaterales también con Montagna (1986, p. 36), para la actualizada DSN:
todos los países latinoamericanos, con excepción El peligro ahora, no más era la invasión rusa
de Argentina y México. Esa iniciativa hacia parte por el Atlántico, sino la subversión interna,
del Programa de Ayuda Militar, el que, de acuerdo infiltración y revoluciones en países del Tercer
con Matins Filho (1999, p. 68), “trataba de la Mundo, todas ellas comandas, instigadas,
simples extensión de la política de defensa orientadas y financiadas por Moscú, con la
nacional de los EUA a sus vecinos más débiles del finalidad de dominar el mundo. La guerra sin
Sur”. cuartel contra el comunismo debería ahora ser
De ese modo, al final de la década de 50, el promovida en el interior de las naciones del Tercer
sistema militar continental, pautado en la DSN, Mundo contra el enemigo interno, a través de sus
abarcaba: misiones militares estadunidenses en fuerzas armadas y de seguridad nacional,
18 países, con 550 asesores de las tres fuerzas contando con la ayuda americana que enviaba
armadas; cerca de 800 oficiales de EE.UU. en material para luchas anti-guerrillas y dólares.
América Latina; intenso entrenamiento de En ese sentido, según Fernandes (2009),
oficiales latinoamericanos en bases de Panamá la DSN se fundamentaba en tres conceptos clave:
(incluso la Escuela de las Américas) y de EE.UU.; enemigo interno, fronteras ideológicas y guerra
vendas amplias de equipamientos militares; revolucionaria. A partir del primero, el peligro
visitas regulares a los Estados Unidos por parte comunista no estaba, mayoritariamente,
de oficiales latino-americanos; un comando relacionado a agresiones externas, provenientes
militar unificado para América Latina, establecido por ejemplo de un ataque lanzado por las fuerzas
en la Zona del Canal – el SOUTHCOM (MARTINS armadas de la URSS, sino que insuflado dentro
FILHO, 1999, p. 69). de las fronteras nacionales de cada país por
Sin embargo, hasta aquel momento, la actores políticos y sociales internos, como grupos
seguridad hemisférica ocupaba una posición armados de izquierda (guerrilleros- terroristas),
secundaria en la agenda externa de los EE.UU, partidos democrático-burgueses de oposición,
en virtud de ser poco probable un ataque recto de sindicatos de trabajadores, movimiento
las fuerzas comunistas en América Latina. Ese estudiantil, sectores progresistas de la Iglesia,
panorama cambiaría radicalmente con la eclosión defensores de los derechos humanos, o cualquier
de la Revolución Cubana en 1959, cuando simple ciudadano opositor al sistema. Conforme
entonces, en función del poder de influencia de el segundo concepto, el de fronteras ideológicas,
este evento en movimientos nacionalistas, se reconocía que el “enemigo interno” podía estar
reformistas y antiamericanos en el subcontinente, en otro país, sea en exilio o clandestinamente.
vinculada al futuro alineamiento del régimen Bien así el “enemigo interno” de una nación
castrista con la URSS (culminando en la Crisis de también representaba amenaza para las otras
los Misiles en 1962), el gobierno estadunidense naciones, luego, debería ser enfrentado
se dio cuenta que el peligro comunista se conjuntamente. Por consiguiente, una vez que
encontraba más cerca que nunca, a solo una pasaba a ser justificable la injerencia externa en el
centena de kilómetros de las fronteras combate al enemigo común y en defensa de la
geográficas de su país, demostrando la escala seguridad nacional, las fronteras territoriales
ultrajante que los tentáculos soviéticos habían fueron suplantadas por las “fronteras
alcanzado en el “mundo libre occidental”. ideológicas”, lo que exigía una redefinición del
Así pues, América Latina pasó a ser una de las concepto de soberanía, tornándola más flexible.

Edição n.3, v.1 94 ISSN 2179-6165


Artigos
Por último en conformidad al concepto de guerra Batallones de Mariners etc. (PADRÓS, 2007).
revolucionaria, todos los conflictos armados que En efecto, de acuerdo con Padrós (2007), todo
visaban o bien la liberación nacional, o bien ese sistema de cooperación militar, expreso en el
reformas institucionales o cualquier otra forma de entrenamiento, adoctrinamiento, armamiento y
contestación era percibida como movimiento suporte logístico a las fuerzas armadas de
revolucionario de corte comunista con el fin de América Latina, significó la inserción de ese
conquistar el poder político. De hecho, para la continente en el ámbito de seguridad interna de
DSN, era por intermedio de la guerra EE.UU., provocando lo que el autor llama de
revolucionaria que la Unión Soviética iba a Pentagonización de América Latina.
controlar América Latina, en particular, y el Tercer Uno de los principales instrumentos para la
Mundo, en general. edificación de ese complejo militar e ideológico
Estribada en los principios de la DSN fue la actuación de la National Security War, o
descriptos arriba, y en defensa de los valores School of the Americas-SOA (Escuela de las
cristianos y democráticos del mundo occidental, Américas), fundada en 1946 bajo el nombre
la estrategia elegida para el combate de la Centro de Adiestramiento Latinoamericana:
amenaza comunista subversiva fue la guerra división terrestre, en el Fuerte Amador en
contra-revolucionaria, que detenía dos líneas de Panamá. Consonante Klein (2005), esa
acción. La primera, de carácter socio-económica, institución desempeñó un rol de importancia
consistía en programas de acciones cívicas de creciente principalmente a partir de 1961,
combate a las molestias sociales de los países cuando el presidente estadunidense John
periféricos de suerte a atenuar las Kennedy determinó la que sería su misión
contradicciones sociales - a ejemplo de la esencial hasta los años 90: preparar a las fuerzas
pobreza aguda - propicias a la infiltración de los armadas para combatir la amenaza comunista,
ideales y reivindicaciones socialistas. Por otro colaborar con el desarrollo de una contraofensiva
lado, miraba conquistar la simpatía y confianza de a la creciente influencia cubana y soviética en la
la populación nativa. En ese sentido, la Alianza formación de grupos guerrilleros”. (KLEIN, 2005,
para el Progreso correspondió al más importante p. 4)
programa de asistencia y comercio por parte de De hecho, conforme Fernandes (2009), la
los EE.UU. a los países latinoamericanos. La otra escuela de las Américas fue fundamental en la
línea de acción era estrictamente militar y consolidación de los principios basilares de una
consistía en la estrecha cooperación entre las doctrina propia para estudiar y perfeccionar la
fuerzas armadas de EE.UU y de los demás países política externa estadunidense en el contexto de
latino-americanos, comprendiendo: intercambio Guerra Fría bajo la mirada de seguridad colectiva,
de información, fornecimiento de equipamientos cual sea, la DSN contra-insurgente. Además de
militares y munición, entrenamiento diverso para entrenamientos ofrecidos a oficiales latino-
la garantía de la seguridad interna (del orden americanos, esa institución sirvió de inspiración
social) - incluyendo el aprendizaje de tácticas para creación de escuelas militares en América
contra-insurgentes y de operaciones psicológicas Latina, como la Escuela Superior de Guerra
-, instrucción para el establecimiento y (ESG) en Brasil, la Academia de Guerra en Chile,
organización de servicios de inteligencia la Escuela Nacional de Guerra en Paraguay, la
(espionaje, etc.), implementación de sistema de Escuela Superior de Guerra en Colombia y la
propaganda y comunicación, elaboración de Escuela de Altos Estudios Militares en Bolivia.
métodos de interrogación de prisioneros, oferta De acuerdo con Padrós (2007), de los cursos
de líneas de financiamiento específicas y la ministrados en la Escuela de las Américas, se
instalación en el subcontinente de bases militares destacaban: 1- los de operaciones técnicas –
y unidades especiales estadunidenses, a ejemplo comunicaciones, ingeniería y manutención de
del Fort Gulik, que acogió el Grupo IV de armas y vehículos; 2- los de operaciones de
Unidades Especiales – los “Boinas Verdes” apoyo – cursos de policía militar, logística y
(Special Action Force for Latin America) y dos sanidad; 3- el departamento de mando para jefes

Edição n.3, v.1 95 ISSN 2179-6165


Artigos
de alta patente y oficiales de Estado Mayor; 4- los fueron marcadas por la aplicación de las
de operaciones de combate con entrenamiento directrices e ideología de la DSN diseminadas por
en guerra irregular en la selva, combate a la la Escuela de las Américas y pos sus réplicas en
guerrilla urbana y técnicas de investigación los países latinoamericanos. A partir de esas
criminal. Una de las características centrales de afirmaciones, se verá a continuación de qué
esos cursos eran los métodos de obtención de manera la DSN y la SOA actuaron sobre la
informaciones (interrogatorios) para medidas realidad brasileña en meados del siglo XX.
preventivas de seguridad, los cuales, aunque no
de forma explícita, estaban vinculados al uso de 3. LA DOCTRINA DE SEGURIDAD EN BRASIL
tortura. Y EL GOLPE MILITAR
Además del entrenamiento de oficiales latino-
americanos para el combate a la “subversión De acuerdo con Costa (2010), hay dos
comunista”, los cursos ofrecidos en la Escuela de hipótesis de explicación para los orígenes de la
las Américas visaban estrechar los lazos entre los Doctrina de Seguridad Nacional implementada en
dirigentes militares de EE.UU. y de los países del Brasil: una que enmarca sus raíces en las
subcontinente, los cuales se creía iban a asumir, características internas de la historia del sistema
en corto plazo, funciones políticas estratégicas político brasileño, a ejemplo de la tradición estatal
frente la amenaza de rupturas revolucionarias. patrimonialista consolidad por el pensamiento
(PADRÓS, 2007). autoritario brasileño de inicio del siglo XX y fruto
En ese sentido, fue engendrada en el seno de de la influencia positivista y militar; y otra que
la SOA y de las demás escuelas militares latino- reputa la influencia directa y mecánica de la
americanas una ideología, plasmada en la DSN, política exterior estadunidense representada por
que confería un rol protagónico a las fuerzas la Doctrina Truman y por los imperativos de la
armadas en la refundación del Estado corrompido Guerra Fría. En ese paper se cree que ambos
por los intereses particulares de sus dirigentes tipos de factores, tanto internos cuanto externos,
civiles bien como fragmentado por inúmeras contribuyeron para la conformación de la DSN en
facciones partidarias y grupos sociales radicales. Brasil, o sea, las dos variables explicativas son
Por lo que cabría a los militares asumir la frente complementares y no excluyentes. Sin embargo,
del Estado, aglutinando las capacidades de la por motivos de espacio y de coherencia con los
nación e insuflando el sentimiento nacionalista en objetivos planteados en el inicio del trabajo, se
dirección al progreso de la patria. En efecto, en buscará aquí demostrar solamente la influencia
razón de las cualidades intrínsecas de las de la segunda variable explicativa sobre el
corporaciones militares tales como disciplina, sistema brasileño de seguridad nacional durante
orden y patriotismo, el establecimiento de el golpe y regímenes militares.
regímenes político-militares era considerado la Según Comblin (1978), la influencia de la
única manera de solucionar las malezas sociales Doctrina de Seguridad Nacional desarrollada en
y corregir los problemas económicos y políticos los Estados Unidos, en el contexto de Guerra Fría,
existentes en el inestable contexto mundial pasa a ser difundida en Brasil ya desde los fines
marcado por la constante amenaza comunista. de la década de 1940, cuando del nacimiento de
Según Padrós (2007), el peligro comunista en la Escuela Superior de Guerra (ESG). De hecho,
América Latina potencializado por la eclosión y es en el interior de esa institución que los
desdoblamientos de la Revolución Cubana principios de la DSN brasileña son gestados y
resultó en la “pentagonización” del subcontinente perfeccionados durante los años siguientes, a
a el que se siguió el copatrocinio del golpe de través, por ejemplo, de su implementación en el
Estado de 1964 en Brasil y la promoción de la golpe militar de 1964 y en los actos institucionales
invasión de la República Dominicana en 1965. que señalan el inicio del régimen militar en el país.
Para Fernandes (2009), las dictaduras civil- Sin embargo, la consolidación de la doctrina
militares instituidas en Brasil. Bolivia, Uruguay, solo ocurrió con la promulgación del Decreto-Ley
Chile y Argentina en las décadas de 1960 y 1970 nº 314 de 1967 (Ley de Seguridad Nacional) y de

Edição n.3, v.1 96 ISSN 2179-6165


Artigos
la constitución de 1967, que le fornecían a DSN teóricos de los estudios geopolíticos del general
brasileña el embasamiento jurídico-legislativo Golbery do Colto e Silva, él que también hizo
“necesario para la debida” defensa de la entrenamiento militar en los Estados Unidos).
seguridad nacional y del orden político y social de Así como la estadunidense, la vertiente
Brasil. Con la promulgación del Decreto-Ley nº brasileña de la DSN poseía como principal objeto
898 de 1969, lo cual remplazó el de 1967, y del la defensa de los dichos intereses nacionales
Acto Institucional nº 14 (A.I.14), la doctrina de típicos del mundo occidental: la independencia e
seguridad brasileña y sus consecuentes efectos la integridad territorial (soberanía), la democracia
represivos a los derechos humanos y a las y la libertad, el progreso, la paz social, el
libertades ciudadanas alcanzan su expresión cristianismo y el desarrollo económico. Por lo que
máxima en el país. luchar por la protección de la seguridad nacional
equivalía luchar por la garantía de todos los
3.1. ESG, GEOPOLÍTICA Y LA VARIANTE valores arriba. Conferida tamaña importancia a la
BRASILEÑA DE LA DSN seguridad del país, el uso de cualquier medio para
su obtención se tornaba justificable.
Finalizada la 2º Guerra Mundial, los militares Siguiendo su matriz, la DSN brasileña
brasileños que integraron la Força Expedicionária reconocía que la principal amenaza a la seguridad
Brasileira (FEB), antes de volver a Brasil, fueron de todo el hemisferio occidental (y, por tanto, a la
enviados a los EE.UU. para entrar en contacto de Brasil) consistía en el comunismo
con sus instituciones militares de enseñanza y internacional. Éste, por su vez, consonante al
recibir entrenamiento especializado en lo que concepto clave del enemigo interno, no sería
había de más moderno. A partir de eso momento, estimulado por medio de una agresión externa,
los oficiales brasileños empiezan a sufrir sino desde el interior de las fronteras nacionales
influencia de la ideología militar estadunidense. de cada país. Por lo que podía disfrazarse bajo
En 1949, basado en el modelo de la Escuela varias formas en la sociedad. Es decir, el enemigo
National War College y después del envío de una a ser combatido se desvelaba indefinido y al
misión de asesoría militar estadunidense a Brasil, mismo tiempo omnipresente. Eso parece
surge la Escuela Superior de Guerra (ESG), cuyo bastante evidente en el discurso del jefe de
principal objetivo era promover estudios y Estado-Mayor del Ejército brasileño durante una
políticas estratégicas de defensa bien como el reunión de jefes de Estado-Mayor de todo el
planeamiento de la Seguridad Nacional. continente americano en 1976:
Institucionalmente, la ESG estaba subordinada Hoy día enfrentamos, no solo en nuestro país,
al Estado-Mayor de las Fuerzas Armadas. Con pero en cuasi todas las naciones de mundo libre,
todo, el ejército era la fuerza que más influencia una infiltración silenciosa y subterránea en todos
tenía sobre esa institución, y fue por medio de ella los sectores de actividad, con fines de crear
que él pasó a ejercer una actuación contradicciones, explotar los problemas actuales,
preponderante en la toma de decisiones políticas verdaderos o ficticios, lanzar hermanos contra
del país, especialmente tras el golpe de Estado de hermanos y país contra país, pero manteniendo
1964. siempre la misma idea, la que es el desprecio por
Según Coimbra (2000) y también Fernandes los principios religiosos, familiares y patrióticos en
(2009), la ESG fue la institución responsable por los cuales se embasa nuestra civilización
la reelaboración en Brasil de la DSN asimilada en cristiana. Intentan principalmente conquista la
EE.UU. En efecto, después de la revolución juventud que, debido a su idealismo, su
cubana, diversos oficiales de la ESG, desapego, su falta de madurez, y la simpatía
particularmente los de alto escalón, recibieron natural que los jóvenes despiertan en todas las
entrenamiento y perfeccionamiento profesional camadas del pueblo, constituye la masa de
en los programas militares implementados por la maniobra ideal para sus intereses. Para esa
Escuela de las Américas. Por lo que la Doctrina de acción junto a los jóvenes, los agentes
Seguridad brasileña también contó con aportes comunistas utilizan todos los medios, desde el

Edição n.3, v.1 97 ISSN 2179-6165


Artigos
chantaje y la coacción psicológica hacia el uso de 3- proyectó la importancia geopolítica de Brasil en
tóxicos y frecuentemente de la seducción sexual, la defensa del hemisferio occidental, en función
predicando y practicando el amor libre… El de su prestigio internacional, riqueza en recursos
enemigo es indefinido, se sirve del mimetismo y naturales, potencial humano, y posición
se adapta a cualquier ambiente, utilizando todos geográfica al largo del Océano Atlántico
los medios, lícitos o ilícitos, para alcanzar sus fundamental al sistema de seguridad del
objetivos. Se enmascara de padre o profesor, de hemisferio occidental (COUTO e SILVA, G. do
alumno o campesino, de vigilante defensor de la 1981); 4- planteó, a través de la “Teoría del
democracia o de intelectual avanzado… Cerco”, la intervención militar en los países
(COMBLIN, Joseph. 1978, p. 48). vecinos que pudiesen ofrecer amenaza
A partir de esa amenaza taimada, fue subversiva comunista (FERNANDES, 2009).
incorporada la idea de que no solo los sectores
políticos y militares son los responsables por la 3.2. GOLPE MILITAR DE 64
defensa nacional, sino que la sociedad como un
todo, de modo que aquellos que se oponen o se Como ya dicho anteriormente, puede afirmarse
abstienen en hacerlo son considerados enemigos que desde la creación de la ESG, las fuerzas
de la nación. armadas brasileñas venían siendo influenciadas
Los conceptos de frontera ideológica y guerra por la ideología militar estadunidense y, a partir
revolucionaria de la DSN igual fueron 1954, la DNS pasa a ser gestada en el interior de
incorporados por la vertiente brasileña. De hecho, esa institución. De hecho, elementos de esa
la estabilidad política de los países vecinos pasó a doctrina ya podían ser vislumbrados en el
ser de primordial importancia a la seguridad pensamiento anticomunista de las fuerzas
nacional de Brasil, de suerte que la presencia de armadas brasileñas en el inicio de la década de
grupos guerrilleros en el territorio continental 50. De acuerdo con Skidimore (1988), los últimos
representaba una gran amenaza a la años del segundo gobierno de Vargas (1951-
sobrevivencia de la nación, lo que engendró una 1954) fueron marcados por una intensa
estrecha cooperación militar, plasmada en el conspiración de los militares, que lo identificaban
Sistema Condor, entre Brasil y otros países como partidario del comunismo, en función de las
suramericanos en el combate de manifestaciones políticas de fuerte carácter populista (aumento del
consideradas subversivas en la región. salario de los trabajadores) y nacionalista
Así mismo la geopolítica elaborada por Golbery (industrialización endógena y restricciones a
do Couto también influyó en mucho en el entrada de capital extranjero) implementadas en
desarrollo de la Doctrina de Seguridad Brasileña su gestión. En 1954, la redacción de un manifiesto
en la medida que: 1- hizo una lectura de un militar exigiendo la renuncia del presidente,
contexto internacional bipolar, configurado por un acusándolo de criminen de corrupción y como lo
equilibrio de fuerzas entre dos grandes potencias responsable por la crisis político-militar que
antagonistas, EE.UU. y URSS, en un conflicto colocaba en serio riesgo la situación económica y
maniquea de profundas raíces ideológicas entre el bien-estar social del país, contribuyó, en gran
la civilización cristiana, democrática y libre del medida, para que Vargas cometiese el suicidio en
Occidente y el materialismo comunista, totalitario ese año.
y despótico del Oriente; 2- introdujo Brasil en el Con la intensificación del ánimo beligerante
sistema ideológico y de seguridad interregional entre los dos bloques de poder en la Guerra Fría,
del occidente, liderado por la supremacía militar y la ESG asume cada vez más importancia en la
económica de los EE.UU; 3- identificó el toma de decisiones políticas del país, tornándose,
comunismo como la principal amenaza a la de acuerdo con Fernandes (2009), un gran
seguridad occidental, especialmente bajo la laboratorio de ideas respecto del futuro de la
forma de la guerra “insurreccional” o “social- nación brasileña. Hasta que, en 1964, en un
revolucionaria”, por lo que todos los medios de contexto de fuerte inestabilidad política y
contención y represión deberían ser empleados; económica, la ESG detiene el poder suficiente

Edição n.3, v.1 98 ISSN 2179-6165


Artigos
para decidir el rumbo del país, orquestando un desequilibrios en las cuentas públicas y en el
golpe de Estado que pone fin al régimen balance de pagos, acompañados por la inflación
democrático brasileño. Con efecto, tanto los altos galopante, los cuales perseveraban ya desde el
oficiales militares cuanto los civiles de la capa gobierno de Vargas y que fueron potenciados
dominante responsables por el derrumbe del durante la implementación del proyecto
presidente João Goulart (conocido como Jango) industrializador de Kubtsheck; 2- la presión
recibieron formación de la ESG. Incluso, el primer internacional ejercida principalmente por los
presidente del régimen militar, el mariscal Castelo EE.UU, en razón de algunas medidas tomadas
Branco, fue uno de los exponentes de esa por Jango, destacándose: la nacionalización de
institución. empresas estadunidenses; la promulgación, en
Así como en el fin del gobierno de Vargas, la 1962, de una ley severa de control de remesa de
principal causa para la instalación de la dictadura lucros al extranjero; la adopción, a partir de 1963,
militar fue, al menos discursivamente, el temor, de una estrategia nacionalista radical; y la
difundido en las elites empresariales y en las continuación de la Política Externa Independente
fuerzas armadas brasileñas, a la infiltración del (PEI) elaborada en el gobierno de Quadros, que
comunismo en el país. Y ese temor remonta a la visaba el no alineamiento automático a los
crisis institucional que se instauró con la renuncia Estados Unidos en las relaciones internacionales,
del presidente Jânio Quadros en 1961. En esa la defensa del principio de no injerencia externa
ocasión, los tres ministros militares (ejército, en asuntos nacionales, la diversificación de las
marina y aeronáutica), liderados por el entonces relaciones diplomáticas con el fin de ampliar los
ministro de la Guerra mariscal Odílio Denys, mercados externos a los productos brasileños, y
intentaron impedir la toma de posesión del vice- el desarrollo en detrimento de la seguridad
presidente João Goulart que, en aquél momento, hemisférica en cuanto fuerza motriz de la política
se encontraba en visita diplomática a la República exterior brasileña; 3- el acercamiento de João
Popular de China. Goulart, en 1963, a los partidos de izquierda y a
La justificación para tanto serían los evidentes las clases populares, en la búsqueda de edificar
rasgos comunistas de Jango, expresados, una base de apoyo político en un contexto
además de su visita a China, en su orientación altamente polarizado entre trabajadores,
pro-sindicalista cuando ministro del trabajo de centrales de sindicatos, movimiento estudiantil,
Vargas, corresponsable por las políticas de intelectuales y partidos de izquierda de un lado y
aumento del sueldo realizadas en aquél periodo. fuerzas militares, elites empresariales
De veras, los militares recelaban que, una vez en dominantes, Iglesia, prensa, partido políticos de
el poder, João Goulart “promoviese la infiltración derecha (UDN), organizaciones civiles (a ejemplo
de las fuerzas armadas, las transformando, así, del IBAD e IPES) y movimientos sociales (a
en 'simples milicias comunistas'”. Se entrevía, ejemplo de la CAMDE).
pues, “el fantasma de un conflicto entre El acercamiento de Jango a la izquierda se
trabajadores y militares”. (SKIDIMORE, T. p 32). explica por su aislamiento político anterior a 1963.
No obstante los planes golpistas hayan Por un lado, las fuerza militares y los demás
fracasado en esa ocasión, frente al levante de la grupos de derecha, consustanciados por la
“campaña por la legalidad”, protagonizada tanto injerencia externa estadunidense, desde
por sectores civiles, liderados por el PTB (Partido siempre, como expuesto arriba, desconfiaban de
dos Trabalhadores do Brasil), cuanto por sectores las orientaciones ideológicas de Jango. Por otro
de militares moderados, y que mantuvo vigente el lado, el programa de estabilización económica,
régimen democrático (aunque inicialmente bajo la caracterizado por severas políticas recesivas,
forma parlamentaria), los legalistas no tuvieron la implantado en el periodo de crisis, hirió los
misma suerte en 1964. Una serie de elementos intereses de los trabajadores bien como de las
contribuyeron para la inestabilidad política que clases populares al implicar reducción de las
sacó Jango de la presidencia: 1- la crisis oportunidades de empleo y disminución de los
económica nacional, decurrente de los grabes sueldos.

Edição n.3, v.1 99 ISSN 2179-6165


Artigos
Ahora bien, una vez elegida la base de apoyo, 4. EL RÉGIMEN MILITAR, LOS ACTOS
João Goulart pasó a aplicar una serie de reformas INSTITUCIONALES Y LOS DECRETOS-LEYES
de base que solo instigaron la polarización política
ya existente, incrementando el temor a la 4.1. PRIMEROS AÑOS DE IMPLEMENTACIÓN
influencia del “enemigo interno comunista”. DE LA DSN
Dentro de esas reformas, ameritan ser
destacadas la agraria, la educacional, la Una vez instaurada la dictadura militar el 31 de
tributaria, la habitacional. Adjunto a eso, el marzo de 1964, la Escuela Superior de Guerra
decreto del estado de sitio en octubre de 1963, la pasa a ejercer un gran control tanto sobre la
sindicalización de los militares y la realización de política interna como externa de Brasil, tornando
diversos comicios políticos, en donde Jango posible la concretización de los principios de la
decretaba nuevas reformas de base y aclamaba Doctrina de Seguridad Nacional brasileña. En
por el apoyo popular en contra las fuerzas efecto, el primer presidente del nuevo régimen,
oposicionistas internas mancomunadas a los Castelo Branco, consistía en un exponente de la
intereses extranjeros, agudizaron los instintos ESG
conspiradores civiles, pero, sobre todo, militares, Con Castelo Branco y los militares en el poder,
que, en 1964, accionaron los principios de la DSN la vertiente brasileña de la DSN avanzó bastante y
brasileña para instalar el régimen dictatorial. libremente. Avanzó porque, primero, la ESG,
Por último y no menos importante, se debe institución donde esa doctrina se originó, ahora se
destacar la fuerte y abarcadora campaña encontraba en el centro de decisión del país.
ideológica orquestada por la elite orgánica de Segundo, porque su implementación hacía parte
Brasil institucionalizada en el sistema IPES/IBAD, de una estrategia de Castelo Branco de
que se oponía al ejecutivo acusándole por sus reacercamiento a los Estados Unidos, con el fin
prácticas populistas y sus tendencias de lograr la ayuda y los recursos necesarios
consideradas comunistas. Por otro lado, en la (renegociación de los débitos junto a los bancos
arena política, adotaba una postura moderada, multilaterales, así como la obtención de nuevos
anticomunista es verdad, pero también anti- prestemos de éstos), para la implementación de
oligárquica, se posicionando como gran su programa de estabilización económica, el
defensora de la honestidad pública y del tan PAEG (Programa de Ação Econômica do
propalado régimen democrático, de la libertad, de Governo), que buscaba la solución de la crisis
la economía de mercado “humanitaria” y del modo económica que se alastraba desde el período
de vida occidental bajo el liderazgo democrático (Vargas). En trueque de esa ayuda,
estadunidense. Tal estrategia hegemónica tan de acuerdo con Cruz (2009), Brasil abandonó la
bien diseñada e implementada por la clase postura contestataria y tercer-mundista en el
dominante actuaba sobre amplios sectores ámbito de la OEA y ONU (consustanciada por los
sociales, a ejemplo de integrantes del Congreso principios de la PEI), y adhirió a la tesis
Nacional y otros varios dirigentes políticos, estadunidense respecto la seguridad del
empresarios, sindicatos de trabajadores, Hemisferio, la cual, como ya ha sido visto,
movimiento estudiantil, clero, intelectuales y entrevía el enemigo interno comunista como la
profesores universitarios, asociaciones principal amenaza a ser contenida.
comunitarias, deportistas, artistas, etc. Y lo hacía
por intermedio de la edición, promoción, En ese sentido, el reacercamiento con los
financiamiento y publicación de libros, artículos, Estados Unidos fue cercado de hiperbólicas
manifiestos, periódicos, revistas, películas de declaraciones de fidelidad irrestricta al bloco
cine, piezas de teatro, dibujos animados, occidental, de reconocimiento de la insustituible
elaboración de cursos de capacitación, hegemonía norte-americana y de condenación a
conferencias, simposios, entrevistas, bien así a todo y cualquier tipo de abordaje soviética a los
través de la propaganda en televisión y países del continente. (GONÇALVEZ, W.,
mayormente radio. (DREIFUS, R. A. 1987). MYIAMOTO, S., p. 216)

Edição n.3, v.1 100 ISSN 2179-6165


Artigos
1967, marcando la consolidación de la DSN
La vertiente brasileña de la DSN gana cuerpo brasileña en el país.
en el periodo 64-67, con la creación de agencias En general, el primer acto institucional,
gubernamentales especializadas en su promulgado el 9 de abril de 1964, tenía como fin
implementación en todo lo que toca a la seguridad mayor el refuerzo del Poder Ejecutivo en
nacional, tales como: el Centro de Informações do detrimento del Congreso Nacional (detentor del
Exterior (CIEX) y el Serviço Nacional de poder legislativo). Lo que importa para los
Informações (SNI). El principal objetivo del CIEX, objetivos del presente artículo es que tal
conforme Cruz (2009), era espiar y combatir todos dispositivo, consonante a Boris Fausto (1997):
los enemigos del régimen militar en el exterior, suspendió las inmunidades de los parlamentares,
definición que abarcaba, en compatibilidad con la los derechos políticos, bien como las garantías de
DSN, los exilados que difamaban el país en la vitalicio y estabilidad conferidos a los magistrados
prensa internacional hasta los gobiernos y servicios públicos; autorizó el comando central
extranjeros y grupos insurgentes latino- del régimen militar (CSN) a casar mandatos
americanos que auxiliaban las guerrillas en Brasil. políticos en cualquier nivel – municipal, estadual y
Igualmente, el CIEX fornecía a las Fuerzas federal; plantó las bases para la instalación de los
Armadas informes que complementaban las Inquéritos Policiais Militares (IPMs),
informaciones por ellas cogidas dentro del País, responsables por juzgar todos aquellos que
en la medida en que mapeaba las conexiones practicasen crimen contra el Estado o su
internacionales de las guerrillas. Para tanto, la patrimonio y contra el orden político y social, o
agencia tenía oficinas en las principales aquellos que estuviesen involucrados en guerras
embajadas de Brasil en América del Sur y en el revolucionarias. Para Fausto (1997), “A partir de
este europeo. El SNI, en su vez, idealizado por el eses poderes excepcionales, se desencadenaron
general Golbery do Couto, consistía, conforme persecuciones a los adversarios del régimen,
Coimbra (2000), en una máquina de producción y involucrando prisiones y torturas.”
operación de informaciones que, en la práctica, Con el triunfo de la oposición en las elecciones
ejecutaba las directrices del Consejo de estaduales del 1965, el gobierno militar promulgó
Seguridad Nacional, órgano administrativo el segundo acto institucional, pronto pasado 24
responsable por la gestión de la seguridad días del resultado electoral. Ese dispositivo, para
nacional. En otras palabras, era el SNI quién fines de interés de ese paper, reforzó aún más los
elaboraba y aplicaba los métodos de represión, poderes del presidente, al establecer que lo
tortura y de colección de informaciones mismo podría promulgar actos complementares
(interrogatorio). De hecho, consonante al mismo a ello así como decretos-leyes en materia de
autor, el SNI representó el órgano más importante seguridad nacional. De ahí que “el gobierno paso
de represión durante el régimen militar, a legislar sobre asuntos relevantes a través de
poseyendo sub-agencias en Ministerios, decretos-leyes, ampliando hasta donde quiso el
empresas estatales y privadas, universidades, concepto de seguridad nacional”. (FAUSTO, B. p.
gobiernos estaduales y federales, llegando a 474). Además de eso, con el A.I.2, la Justicia
convertirse en una especie de cuarta fuerza Militar paso a detener el monopolio sobre la
armada. Ya para Fausto (1997), el SNI se competencia de procesar y juzgar los crimines
transformó en un centro de poder casi tan contra la seguridad nacional. Conforme la crítica
importante como el ejecutivo, actuando de Coimbra (200o) a ese respecto, en esos
autónomamente en la “lucha contra el enemigo juzgamientos prevaleció la lógica “injusta” de
interno”. escoger siempre la interpretación más
Es por intermedio del conjunto de agencias desfavorable a las personas acusadas de
descritas arriba que son implementados los crimines contra el régimen.
cuatro primeros actos institucionales (A.I.1, A.I.2, El A.I.3, en su turno, determinaba elecciones
A.I.3 y A.I.4), y, finalmente, la Ley de Seguridad indirectas para gobernadores y sus vices (la
Nacional (Decreto-Ley nº 314) y la constitución de elecciones indirectas para la presidencia fueron

Edição n.3, v.1 101 ISSN 2179-6165


Artigos
establecidas por el A.I.2), las cuales serían 2º ratifica la asertiva de que el principal objetivo de
realizadas por el colegio electoral estadual. Los la DSN corresponde al logro de los intereses
alcaldes de las capitales y de las ciudades de nacionales pautados por la seguridad nacional.
seguridad nacional, dada su importancia Los párrafos primero y tercero del artículo 3º,
geopolítica, igual serían elegidos indirectamente, afirman el concepto clave de enemigo interno y el
por medio de la indicación de los gobernadores. concepto de guerra revolucionaria,
Por fin, el A.I.4 preparó el terreno para la respectivamente. En fin, otros tantos principios de
siguiente aprobación de la constitución de 1967 y la DSN pueden ser observados en los capítulos 2
la Ley de Seguridad Nacional. El primero y 3 del decreto, los cuales definen los crímenes a
dispositivo fue utilizado por el ejecutivo para la re- la seguridad nacional y sus penas
convocación, del Congreso, que había sido correspondientes, bien como versan sobre el
cerrado en octubre de 1966, para la aprobación proceso de juzgamiento, respectivamente. De
de la constitución de 67, la cual sustituía la de 46, hecho, conforme Coimbra (2000), la constitución
hasta entonces vigente. La nueva carta-magna de 1967 y todos los actos institucionales
semi-otorgada, aunque no mantuvo los anteriores a ella, agregándose también la Ley de
dispositivos excepcionales que posibilitaban Seguridad Nacional, lograron conformar un
nuevas casaciones de mandatos y de derechos Estado de Seguridad Nacional en Brasil.
políticos, reunió y perfeccionó toda la legislación En el periodo 1967-1970, la DSN brasileña
(actos complementares y actos institucionales) asume su expresión máxima. Por un lado, debido
que había ampliado el poder del ejecutivo, del al cambio de gobierno en el régimen militar, en el
CSN y de las fuerzas armadas, especialmente en que Castelo Branco y su equipo es sustituida por
lo que toca a la seguridad nacional. Por ejemplo, el general Costa e Silva, representante del grupo
la capacidad de legislar sobre esta materia y llamado “linha-dura” en las fuerzas armadas
sobre cuestiones presupuestarias pasa a ser brasileñas, justamente, entre otros motivos, por
exclusiva del ejecutivo. Igual, las emendas su radicalizada posición anti-comunista. Este
constitucionales, antes de prerrogativa del militar del alto mando contaba con meses de
legislativo, pasan a la iniciativa única del entrenamiento en los Estados Unidos.
ejecutivo. También a través de la constitución de Por otro lado, en virtud de la necesidad de
67, se permite la aplicación de la pena de muerte fortalecer el régimen autoritario frente a la
para los crímenes de seguridad nacional, se reorganización de las izquierdas y el incremento
restringe el derecho a la huelga de los de la oposición al gobierno. Desde 1966, la
trabajadores y se abre espacio para el decreto de oposición, pasado el impacto de la primera ola de
leyes de censura. represión, logró se articular y sectores de la
Iglesia ya mostraban una posición áspera con el
4.2. LA CONSOLIDACIÓN Y EL AUGE DE LA gobierno. También los estudiantes lograron
DSN BRASILEÑA rearticularse en torno a la Unión Nacional
Estudiantil (UNE), ofreciendo gran resistencia en
El Decreto-Ley 314 termina por consolidar la grande paseatas urbanas que contaban con la
DSN en Brasil. Examinando el cuerpo de ese participación de amplios sectores de la sociedad.
dispositivo, así como de la constitución de 67, se El año 1968 fue especialmente un año de
puede observar todos los principios y directrices mucha agitación en torno a los movimientos
de la Doctrina de Seguridad Nacional planteada sociales a nivel internacional, en Alemania,
por la ESG. En el capítulo primero del dispositivo, Francia, Estados Unidos y diversos lugares del
por ejemplo: el artículo 1º contiene la idea de que mundo se organizó la sociedad para manifestarse
no solo los sectores políticos y militares son los frente a diversas problemáticas, como la guerra
responsables por la defensa nacional, sino que la de Vietnam, la educación, derechos de las
sociedad como un todo, de modo que aquellos mujeres, etc. En este contexto internacional,
que se oponen o se abstienen en hacerlo son Brasil no fue la excepción, y las altas expectativas
considerados enemigos de la nación.; el artículo depositadas en la sociedad propiciaron el auge de

Edição n.3, v.1 102 ISSN 2179-6165


Artigos
la movilización social. (MAC), la Facção Anticomunista, la Vanguarda
El auge de la DSN se dio a partir de la creación Anticomunista, el Grupo Anticomunista, la Ação
de nuevos actos institucionales, tales como: 1- el Anticomunista Brasileira y la Falange Pátria.
A.I.5, de 1968, que restablece el poder del
presidente de cerrar provisoriamente el 5. CONCLUSION
Congreso, de casar los mandatos y suspender los
derechos políticos; suspende el derecho de Tras contextualizar los orígenes históricos de
habeas corpus a los acusados de crímenes e la Doctrina de Seguridad Nacional (DSN)
inflaciones contra el orden económico, social y desarrollada en los Estados Unidos, el trabajo
político, así como, especialmente, contra la buscó analizar de qué manera la DSN y la Escuela
seguridad nacional; 2- el A.I.13, de 5 septiembre de las Américas influyeron sobre el golpe y el
de 1969, que crea la pena de destierro del régimen militares brasileños en las décadas de 60
territorio nacional, siendo aplicable a todo y 70. La literatura revisada demostró que esa
brasileño considerado nocivo o peligroso a la influencia se dio de dos maneras principales: por
seguridad nacional; 3- el A.I.14, de 10 de medio del entrenamiento militar y doctrinario (a
septiembre de 69, que estableció, amparado en la partir de los preceptos de la DSN estadunidense)
constitución de 67, la pena de muerte para los en la Escuela de las Américas de los oficiales
casos de guerra externa, psicológica adversa, brasileños que organizaron o participaron del
revolucionaria o subversiva; y el Decreto-Ley 898, golpe de Estado en 1964 y ejercieron gran
de 29 de septiembre de 1969, que reforma el influencia en la conducción política de la nación
Decreto-Ley 314, le agrega las disposiciones de durante el régimen de las fuerzas armadas; y por
los actos institucionales creados después de su medio del apoyo directo - establecimiento de
promulgación, amplia la lista de los crimines a la bases militares en el subcontinente
seguridad nacional y profundiza la rigurosidad de latinoamericano y el envío durante el golpe de
sus penas fragatas de guerra en un posible movimiento
Igualmente fueron edificadas nuevas agencias contra-revolucionario o contra-golpe – y/o
institucionales que van a componer el esqueleto indirecto – venda de armas, financiamiento, etc.-
material del Estado de Seguridad y que van a de los EE.UU.
aplicar toda la legislación descrita arriba. Son
ellas: el Centro de Informações do Exército (CIE), BIBLIOGRAFIA
en 1967, el Centro de Informações da Aeronáutica
(CIA), en 1970 y el Centro de Informações da COIMBRA, Cecília Maria Bouças. Doutrinas de
Aeronáutica (CIA), en 1971, todos ellos Segurança: Banalizando a Violência. Revista
coordinados por el SNI; la Operação Psicologia em Estudo, v.5, n. 2, 2000;
Bandeirantes (Oban), en 1969, que en el año COLTO e SILVA, G. do. Conjuntura Política
siguiente fue remplazada por los DOI-CODI; el Nacional: o poder executivo & geopolítica do
Destacamento de Operações e Informações Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981;
(DOI) y el Centro de Operações de Defesa Interna COMBLIN, Joseph. A ideologia da Segurança
(CODI), los cuales consistieron en los principales Nacional: o poder militar na América Latina. Rio
c e n t r o s d e t o r t u r a d e l r é g i m e n m i l i t a r, de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978;
extendiéndose por varios estados del país. COSTA, Frederico C. de S. Doutrina de
También deben ser mencionados órganos no Segurança Nacional: Uma Genealogia. In: Anais
oficiales, legales o clandestinos, y extremamente Eletrônicos do 34° Encontro Anual da Anpocs,
conservadores, pero que en gran medida también 2010, Caxambu/MG. São Paulo, Associação
fornecieron aportes a la implementación de los Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
principios de la DSN brasileña: la Sociedade Ciências Sociais (ANPOCS), 1977. Disponible
Brasileira de Defesa da Tradição, Família e en: http://www. anpocs. org/portal/index.
Propiedade (TFP), Comando de Caças ao php?option = com_ docman &task=doc_view&gid
Comunista (CCC), el Movimento Anticomunista =1447&Itemid=350. Aceso en: 17 junio 2013;

Edição n.3, v.1 103 ISSN 2179-6165


Artigos
CRUZ, Eduardo L. V. Política Externa Brasileira MARTINS FILHO, João Roberto. Os Estados
no período 1964-1979: o papel do itamaraty, das Unidos, a Revolução Cubana e a contra-
forças armadas e do ministério da fazenda. insurreição. In: Revista de Sociologia e Política.
Franca : UNESP, 2009; Paraná.: n. 12, 1999, pp. 67-82. Disponible en:
DINGES, John. Os Anos do Condor: uma década http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n12/n12a04.pdf.
de terrorismo internacional no Cone Sul. São Aceso en: 14 junio 2013;
Paulo: Companhia das Letras, 2005; NORTH ATLANTIC TREATY ORGANIZATION.
DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do H i s t o r y. D i s p o n i b l e e n :
Estado: ação política, poder e golpe de classe. 5. http://www.nato.int/history/index.html. Aceso en:
ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 1987; 14 junio 2013;
FAUSTO, Boris. História do Brasil, ed. 5, São PADRÓS, Enrique S. As Escolas Militares dos
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Estados Unidos e a Pentagonização das Forças
Fundação do desenvolvimento da Educação, Armadas da América Latina. In: Outros Tempos;
1997; Rio Grande do Sul, v. 1, 2007. Disponible en:
FERNANDES, Ananda Simões. A reformulação http:// www.outros tempos.uema .br/ vol_ especial
da Doutrina de Segurança Nacional pela Escola /dossie especialart 02.pdf. Aceso en: 14 junio
Superior de Guerra no Brasil: a geopolítica de 2013;
Golbery do Couto e Silva. Revista Antíteses, v.2, PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Constituição da
n. 4, 2009, pp. 831-856; República Federativa do Brasil de 1967.
FORÇAS ARMADAS DO BRASIL. Decreto-lei n° Disponible en: http://www. planalto.gov.
898, de 29 de setembro de 1969. Disponible en: br/ccivil_03/ constituicao/ constitui %C3%
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/126023/d A7ao67.htm. Acceso en: 30 abril 2013;
ecreto-lei-898-69. Acceso en: 30 abril 2013; Decreto-lei n° 314, de 13 de março de 1967.
GONÇALVES, William da S.; MIYAMOTO, D i s p o n i b l e e n :
Shiguenoli. Os Militares na Política Externa http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/126124/d
Brasileira: 1964-1984. Revista Estudos ecreto-lei-314-67. Acceso en: 30 abril 2013;
Históricos, Rio de Janeiro, v. 6, n.12, 1993; RAPOPORT, M.; LAUFER, R. Os Estados Unidos
JUNTA INTERAMERICANA DE DEFENSA. diante do Brasil e da Argentina: os golpes militares
Reseña Histórica. Disponible en: da década de 1960. In: Revista Brasileira de
http://www.jid.org/quienes-somos/resena- Política Internacional. Brasília: v. 43, n. 1, 2000.
historica-de-la-sede-de-la-jid. Aceso en: 14 junio D i s p o n i b l e e n : h t t p : / / w w w. s c i e l o .
2013; br/pdf/rbpi/v43n1/v43n1a 04.pdf. Aceso en: 17
KLEIN, Darío. Escuela de las Américas: la junio 2013;
academia militar de la Guerra Fría. Centro de ROVATI, Alejandro. Manuales Militares de la
Estudios Miguel Enríquez, Archivo Chile, 2005. Escuela de las Américas. 2009. Escrito el 15
D i s p o n i b l e e n : febrero 2011 en el Blog Hermandad y Acción.
www.archivochile.com/Imperialismo/escu.../USe Disponible en: http:// unidad-intel- latinoamerica.
scamerica0001.pdf. Acceso en: 30 abil 2013; webnode.com. ar/news/manuales -militares-de-
LILLIAM GOLDMAN LAW LIBRARY. Truman la-escuela-de-las-americas-/. Aceso en: 17 junio
Doctrine: President Harry S. Truman's Address 2013;
Before a Joint Session of Congress, March 12, S C H O O L O F A M E R I C A S WAT C H ( S O A
1947. In: The Avalon Project, 2008. Disponible WATCH). What is SOA? Disponible en:
en:http://avalon.law.yale.edu/20th_century/trudo http://www.soaw.org/about-the-
c.asp. Aceso en: 14 junio 2013; soawhinsec/what-is-the-soawhinsec. Acceso en:
MONTAGNA, Wilson. A Doutrina da Segurança 30 abril 2013;
Nacional. In: Revista Projeto História. São Paulo: SILVA, Guilherme A.; GONÇALVES, Williams.
v. 6 , 1 9 8 6 . D i s p o n i b l e e n : Dicionário de Relações Internacionais. 2° ed –
http://revistas.pucsp.br/index.php/revph Barueri, SP: Ed. Manole, 2010;
/article/view/12296. Aceso en: 14 junio 2013; SKIDIMORE, Thomas. De Castelo à Tancredo:

Edição n.3, v.1 104 ISSN 2179-6165


Artigos
1964-1985. Editora Paz e Terra, São Paulo, 5 Igual hubo versiones adaptadas de la OTAN en el
Reimpressão, 1988; sudeste asiático y en la Oceanía llamadas OTASE
US DEPARTMENT OF STATE. Office of the – Organización del Tratado del Sudeste Asiático –
Historian - Milestones: 1945-1952. 2013. y ANZUS – tratado de defensa mutua firmada
D i s p o n i b l e e n : entre Australia, Nueva Zelandia y EE.UU.
http://history.state.gov/milestones/1945- Establecido por las partes contratantes Argentina,
1952/TrumanDoctrine. Aceso en: 14 junio 2013. Brasil, Chile, Colombia, Costa Rica, Cuba,
E c u a d o r, E l S a l v a d o r, E s t a d o s U n i d o s ,
______________________________________ Guatemala, Haití, Honduras, México, Panamá,
Paraguay, Perú, República Dominicana, Trinada
Graduando do curso de Relações Internacionais & Tobago, Uruguay y Venezuela, el TIAR dispone
pela UFSC. Membro do grupo de pesquisa en su 3° Artículo que:
Governança Global, Cooperação Internacional e En manuales estadunidenses de entrenamiento
Análise de Política Externa. Integrante do OIRÃ – militar de oficiales latino-americanos producidos
Grupo de Pesquisa e Extensão em Cooperação en aquella época, las actividades guerrilleras son
Regional. E-mail: leandro_wolpert@hotmail.com tratadas como sinónimas de terrorismo en
En verdad, algunas de esas categorías América Latina (ROVATTI, 2009)
dicotómicas fueron en gran medida forjadas por Sin embargo, con el sucesor de Kennedy
discursos maniqueos elaborados tanto por (después de su asesinato), Lindon Jonhson, la
dirigentes políticos estadounidenses cuanto Alianza para el Progreso fue quitada.
soviéticos, con el objetivo de, en el ámbito de la (FERNANDES, 2009)
acerrada disputa ideológica, enaltecer la imagen Cuatro años después de su fundación, la School
de sus propias naciones y sus respectivos modos of the Americas (SOA) “fue trasladada a otra base
de vida en detrimento del otro. En ese sentido, panameña Fuerte Gulick, donde adaptó el
ambos países se acusaban recíprocamente de español como lengua oficial y pasó a llamarse
perpetrar políticas antidemocráticas, 'Escuela del Caribe del Ejercito de Estados
imperialistas y que cerceaban los derechos y la Unidos'”. (KLEIN, 2005, p. 4). Desde 1964, “the
libertad de los individuos. SOA has trained over 64,000 Latin American
TIAR - Tratado Interamericano de Asistencia soldiers in counterinsurgency techniques, sniper
Recíproca, o Tratado del Rio. OEA – Organización training, commando and psychological warfare,
de los Estados Americanos. Fundada en 1948, la military intelligence and interrogation tactics”.
OEA cuenta, además del TIAR, con el suporte (SOA WATCH, 2013). En 2001, la SOA fue
ofrecido por la Junta Interamericana de Defensa, renombrada de Western Hemisphere Institute for
creada en 1942, con el objetivo de prestar a Security Cooperation (WHINSEC), se ubicando
aquella y sus Estados miembros “servicios de desde 1984 en el Fort Benning, Georgia.
asesoramiento técnico, consultivo y educativo en En virtud de que muchos de los oficiales
asuntos relacionados a temas militares y de latinoamericanos (cerca de 496) formados en
defensa el Hemisferio para contribuir al SOA fueron acusados de encabezar la
cumplimiento de la Carta de la OEA.” (JUNTA instauración de regímenes dictatoriales y
INTERAMERICANA DE DEFENSA, 2013). perpetrar crimines diversos contra los derechos
Originada en 1949, con la firma del Tratado del humanos en sus países, a la par del hecho de que
Atlántico Norte, de donde deriva su nombre, la las estrategias de control y métodos de
OTAN o Alianza del Atlántico comprendía los investigación existentes en sus seis manuales de
EE.UU y Canadá, en el continente americano, entrenamiento tenían notorios parecidos con las
más los países europeos occidentales: Bélgica, técnicas utilizadas por varias de las dictaduras
Dinamarca, Francia, Islandia, Italia, Luxemburgo, latinoamericanos de los 70 y 80, como las de
Holanda, Noruega, Portugal y Reino Unido Argentina, Brasil, Chile o Uruguay, la SOA pasó a
(NORTH ATLANTIC TREATY ORGANIZATION, ser nombrada por sus inúmeros críticos,
2013). capitaneados en gran medida por la Organización

Edição n.3, v.1 105 ISSN 2179-6165


Artigos
No-Gubernamental SOA WATCH, de “Escuela de Consonante Dinges (2005), la característica más
los Asesinos” o Escuela de Golpes (KLEIN, 2005). bien retratada en los documentos de su fundación
Para un interesante análisis sobre el primer era el establecimiento de un banco de de dados
abordaje mencionada arriba, consultar: COSTA, central para el cual todos los países miembros
Frederico C. de S. Doutrina de Segurança fornecían informaciones. Así mismo, según el
Nacional: Uma Genealogia. In: Anais Eletrônicos autor: “El sistema [Condor] creó una elaborada
do 34° Encontro Anual da Anpocs, 2010. infraestructura de inteligencia multilateral con un
Fuerza militar brasileña, compuesta por el despacho central en Chile y filiales en cada país.
ejército, marina y aeronáutica, que luchó a favor Esos elementos – información, comunicación y el
de los aliados durante la 2 º Gran Guerra. empleo de personal operacional – generaron una
“La Escuela Superior de Guerra (ESG), criada por enorme capacidad potencial de actividad
la Ley nº 785/49, es un Instituto de Altos Estudios internacional. No podía haber ilusiones sobre
de Política, Estrategia y Defensa, integrante de la como pretendían usar esa capacidad. […] el
estructura del Ministerio de la Defensa, y se Condor estaba siendo creado [en 1975] para
destina a desarrollar y consolidar los capturar e interrogar sus enemigos izquierdistas
conocimientos necesarios al ejercicio de en América Latina, y para 'eliminar' aquellos que
funciones de dirección y asesoramiento superior vivían como exilados en otras regiones del
para el planeamiento de la Defensa Nacional, en mundo”. (DINGES, 2005, p. 190)
ella incluidos los aspectos fundamentales de la “Ora, Brasil, surgido para el mundo y la civilización
Seguridad y del Desarrollo.” (Disponible en: bajo el signo de la propia Cristiandad, producto de
http://www.esg.br/a-esg/, acceso en: 01/07/2012 una trasplantación feliz de esa cultura del
“En Brasil, la ESG ya era un centro altamente Occidente europeo para tierras cuasi desiertas y
influyente de estudios políticos a través de sus vírgenes donde no había cultura autóctona que se
cursos de un año de duración frecuentados por le resistiera o pudiera se le corromper la esencia,
igual número de civiles y militares destacados en tradicionalmente alimentado, durante toda su
sus áreas de actividad. De la doctrina allí jornada histórica ya larga de cuasi cinco
enseñada constaba a teoría de la "guerra interna" centenales, en las fuentes más límpidas del
introducida por los militares en Brasil por pensamiento y de la fe occidentales, no podría
influencia de la Revolución Cubana. Según esa renegar jamás ese Occidente en que se creó
teoría, la principal amenaza venia no de la desde la cuna y cuyos ideales democráticos y
invasión externa, sino de los sindicatos laborales cristianos profundamente incorporó a su propia
de izquierda, de los intelectuales, de las cultura.” (COUTO e SILVA. Golbery do. 1958, p.
organizaciones de trabajadores rurales, del clero 226)
y de los estudiantes profesores universitarios. “[…] Representando la contención al comunismo,
Todas esas categorías representaban seria en sus actuales fronteras, el propósito
amenaza para el país y por eso tendrían que ser fundamental de la estrategia del Occidente,
todas ellas neutralizadas o extirpadas a través de natural es, pues, que los EE.UU., como país líder
acciones decisivas.” (SKIDIMORE, T., p. 21, del bloco occidental, por su muy superior poderío
1988) económico y militar, vengan concentrando
El Sistema Condor o Operación Condor consistía esfuerzos […] mediante la ayuda financiera
en un sistema de cooperación política y militar altamente discriminadora, la asistencia técnica en
establecida entre las fuerzas armadas y los elevada escala, el fornecimiento de material de
servicios de inteligencia de Argentina, Brasil, guerra, la cooperación económica amplia y la
Bolivia, Chile, Paraguay y Uruguay. La palabra manutención […] de poderosas fuerzas militares”.
Condor hace referencia al pájaro nacional de (Ibidem, p. 245)
Chile, en una “homenaje” al país anfitrión del “[…] es que la ideología comunista cumple su rol
Primer Encuentro de Trabajo Interamericano capital de […] movilizar una minoría disciplinada y
sobre Inteligencia Nacional, ocurrido en 1975, fanática de profesionales de la revolución, […]
ocasión en que el sistema fue constituido. crear un ambiente de agitación y tumultos, […]

Edição n.3, v.1 106 ISSN 2179-6165


Artigos
profundizar todas las disensiones y explotar todos empresarios, abogados, tecnócratas y oficiales
los resentimientos, […] insuflar constantemente el de las fuerzas armadas que consistía en una
odio respecto al Occidente, todo de modo a especie de gobierno marginal.
promover, en la primera oportunidad favorable, la CAMDE – Campaña de la Mujer por la
irrupción, conforme el caso, de un golpe de Democracia, movimiento femenino que,
Estado - como en Irak - o de una insurrección de conforme Skidimore, era “especializado en la
masas – como en Indochina. Y ahí tenemos una organización de marchas de protesta contra la
guerra subversiva, insurreccional o social- supuesta participación de comunistas en el
revolucionaria, que posibilita la agresión indirecta gobierno y otros asuntos polémicos”, y que
y aunque a la distancia, comandada del exterior, también contribuyo para el derrumbe de Jango.
apoyada con técnicos de la subversión, o Compuesta, entre otros, por el Partido dos
intitulados voluntarios, armas, recursos, Trabalhadores do Brasil (PTB), por el Partido
propaganda y amenazas de toda la naturaleza, Comunista do Brasil (PCdoB), por el Comando
cuando no la presencia en las inmediaciones de Geral dos Trabalhadores (CGT), por la União
los propios tanques y aviones soviéticos o Nacional dos Estudantes (UNE) y por miembros
chinos.” (ibídem, p. 237) de la Liga Camponesa. Entretanto, como bien
Tal planteamiento en adjunto al concepto de resguardado por Skidimore, esa base no se
fronteras ideológicas de la DSN, en gran medida encontraba sólidamente unida, lo que facilitó la
fueron utilizadas para legitimar la injerencia de la vitoria de los conservadores.
política exterior y el expansionismo territorial “La motivación para el golpe se fundó en la
brasileños en los países latino americanos supuesta izquerdización del gobierno del
durante la dictadura militar. Es el caso, por presidente João Goulart. El quiebre de la
ejemplo, de la participación del país en la jerarquía entre los militares y el surgimiento de
Operación Condor. lideratos partidarios, sindicales y estudiantiles,
Como recién desvelado por algunos documentos que se desarrollaron al margen del sistema
oficiales del gobierno estadunidense, durante el partidario erguido en 1946, llevaron las elites
golpe militar en Brasil, los EE.UU mantenían conservadoras a recelar la total pérdida del
fragatas de guerra en la cuesta brasileña caso las control de la vida política del país”.
fuerzas armadas de Brasil necesitaran de suporte (GONÇALVES, W., MIYAMOTO, S. p. 213). El
en el enfrentamiento a la resistencia. Para saber siguiente trecho, por su vez, resume bien el
más sobre la participación directa de EE.UU. en el desfecho del gobierno de Jango: Antes que todo
golpe militar de Brasil, ver: RAPOPORT, M.; ese clima de efervescencia [polarización política]
LAUFER, R. Os Estados Unidos diante do Brasil e alcanzase limites revolucionarios, los
da Argentina: os golpes militares da década de conservadores desencadenaron amplia agitación
1960. In: Revista Brasileira de Política golpista, la cual era estimulada claramente por el
Internacional, v. 43, 2000. gobierno norte-americano, asustado por las
IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática, banderas nacionalistas. El "pacto populista" entre
que, según Fernandez, fue fundado en 1959, el gobierno de João Goulart y los sectores
teniendo por “finalidad combatir las políticas populares comenzaba a tomarse peligroso para la
desarrollistas del gobierno Juscelino expansión del capital extranjero. La situación
Kubitscheck, planeando posibles formas de crítica de la economía brasileña, con inflación
inserción en Brasil de grandes empresas y del galopante, crisis de recesión y el fantasma de la
capital internacional, influyendo en los debates comunización propiciaban la propaganda, junto a
económicos, político y social del país a través de las clases medias, de la necesidad de un gobierno
acciones publicitarias, patrocinadas por fuerte. En ese cuadro se dio el golpe militar de
empresarios brasileños y norte-americanas.” 1964, cuando las fuerzas armadas ocuparon el
IPES - Insituto de Pesquisas e Estudos Sociais, Estado, para sirvieren a los intereses de los
que, según Skidimore, fue fundado en el capitales extranjeros.
comienzo de la década de 60 por un grupo de En efecto, de acuerdo con Fausto (1997), “los

Edição n.3, v.1 107 ISSN 2179-6165


Artigos
hombres que asumieron el poder [en el nuevo reivindicación de los derechos de los
régimen] formaban en su mayoría un grupo con trabajadores.
fuertes ligaciones con la ESG.” “A partir del AI-5, el núcleo militar del poder se
Es en ese contexto que, según Cruz (2009), el concentró en la llamada comunidad de
gobierno brasileño fornece tropas a la Fuerza informaciones, esto es, en aquellas figuras que
Interamericana de Paz (FIP) que ocupó la estaban en el comando de los órganos de
República Dominicana el 1965, con la finalidad de vigilancia e represión, Se abrió un nuevo ciclo de
restablecer el orden y las nacionales y recuperar casación de mandatos, pérdida de derechos
los derechos individuales perdidos con la eclosión políticos y expurgos en el funcionalismo,
de una guerra civil entre un gobierno de corte abarcando muchos profesores universitario. Se
popular y militares conservadores. Resuelto el estableció en la práctica la censura a los medios
conflicto, Brasil pasa a plantear la transformación de comunicación; la tortura pasó a hacer parte
de la FIP en instrumento permanente – y no solo integrante de los métodos del gobierno”.
temporario, restricto al caso dominicano – de la (FAUSTO, B. p. 480)
OEA, destinado a intervenir en otros países Para acceder el texto del decreto en la íntegra,
americanos amenazados por el comunismo. v e r : h t t p : / / w w w. j u s b r a s i l . c o m . b r /
Según Fausto (1997), “el SNI tenía como principal legislacao/126023/ decreto-lei-898-69.
objetivo expreso 'colectar y analizar
informaciones pertinentes a la seguridad
nacional, a la contra-información y a la
información sobre cuestiones de subversión
interna.”
Para tener acceso al texto íntegro de la
c o n s t i t u c i ó n , a c c e d e r :
h t t p : / / w w w. p l a n a l t o . g o v. b r / c c i v i l
_03/constituicao/Constitui%C3%A7ao67.htm..
Art. 1º: Toda persona natural o jurídica es
responsable por la seguridad nacional, en los
límites definidos en ley.
Art. 2º La seguridad nacional es la garantía de la
consecución de los objetivos nacionales contra
antagonismos, tanto internos como externos.
§ 1º La seguridad interna, integrada en la
seguridad nacional, dice respecto a las amenazas
o presiones antagónicas, de cualquier origen,
forma o naturaleza, que se manifiesten o
produzcan efecto en ámbito interno del país.
§ 3º La guerra revolucionaria es el conflicto
interno, generalmente inspirado en una ideología
o auxiliado del exterior, que visa a la conquista
subversiva del poder por el control progresivo de
la Nación.
Para el acceso del Decreto-Ley 314 en su
integridad, consultar: http://www.jusbrasil.
com.br/legislacao/126124/decreto-lei-314-67.
Es en este periodo también que se organiza el
movimiento Frente Amplio en Montevideo, con el
objetivo de planear estrategia de la lucha armada
para la redemocratización de Brasil y la

Edição n.3, v.1 108 ISSN 2179-6165


Artigos
A INTRODUÇÃO DE GRAMSCI NAS Keywords: Gramsci, Cox; Hegemony, Civil
RELAÇÕES INTERNACIONAIS: ASPECTOS Society, Theory of International Relations
METODOLÓGICOS
1. INTRODUÇÃO
Ana Saggioro Garcia
Apesar de ter sido iniciado nos anos 1980, a
RESUMO chamada “abordagem gramsciana” das Relações
Internacionais (RI) ainda é pouco conhecida fora
Este artigo busca situar a introdução do da disciplina, mesmo entre os diferentes
pensamento de Gramsci no debate teórico das estudiosos do pensador e militante comunista
Relações Internacionais. De forma sucinta, italiano. Socializar este antigo debate pode nos
apresento aqui a entrada do pensamento fornecer importantes ferramentas para reflexão
gramsciano como crítica metodológica e sobre a ordem mundial hoje. Nesse ensaio,
epistemológica ao pensamento dominante nas discorrerei sobre a introdução de Gramsci como
teorias das Relações Internacionais, o crítica metodológica e epistemológica às teorias
(neo)realismo e o (neo)institucionalismo. Logo, dominantes nas Relações Internacionais, a saber,
discorrerei sobre alguns dos principais conceitos o realismo, neo-realismo e o institucionalismo,
trazidos por Robert W. Cox - o conceito de usando como exemplo alguns dos principais
estrutura, de agência ou sociedade civil e de conceitos das RI. Logo, apresentarei algumas das
hegemonia – e como eles se diferem das teorias críticas marxistas aos "gramscianos". Busco,
dominantes. Por fim, trago alguns aspectos de aqui, simplificar a leitura teórica com o objetivo de
pensadores marxistas críticos aos gramscianos. facilitar a compreensão de alunos iniciantes no
Argumento que o debate ainda é útil e importante debate teórico das Relações Internacionais, além
para compreender as mudanças na atual fase da de atingir estudiosos e interessados de fora da
ordem mundial. disciplina.

Palavras-chave: Gramsci, Cox, Hegemonia, 2. A ABORDAGEM GRAMSCIANA COMO


S o c i e d a d e c i v i l , Te o r i a d a s R e l a ç õ e s MÉTODO EM RI/EPI
Internacionais
Gramsci "entra" nas Relações Internacionais e
ABSTRACT na Economia Política internacional (EPI)
primeiramente como uma crítica metodológica e
This article aims to situate the introduction of epistemológica às teorias positivistas, que
Gramsci's thoughts in the theoretical debate of predominaram nessa área nos anos 1980,
International Relations. Briefly, I present the especialmente o neo-realismo. Em seu famoso
entrance of Gramscian thought as a artigo de 1981, “Social forces, states and world
methodological and epistemological critique to the orders”, Robert W. Cox fez uma das mais
dominant theories of International Relations, influentes críticas na disciplina, baseando-se na
namely (neo)realism and (neo)institutionalism. Escola de Frankfurt, ao dividir o campo teórico
Thus, I discuss some of the major concepts entre "teorias de solução de problemas" e "teoria
brought by Robert W. Cox - the concept of crítica". A premissa que permeia a distinção é a de
structure, agency or civil society and hegemony - que "uma teoria é sempre para alguém e para
and how they differ from the dominant theories. algum propósito", ou seja, todas as teorias
Finally, I bring some aspects brought by marxists, advêm de uma determinada perspectiva, que
that are critical to (neo)gramscians. I argue that deriva de uma posição em tempo e espaço,
the debate is still useful and important to especialmente tempo e espaço político e social.
understand changes in the current phase of the As "teorias de solução de problemas" têm um viés
world order. conservador. Elas elaboram, a partir de
verificações empíricas, mecanismos e princípios

Edição n.3, v.1 109 ISSN 2179-6165


Artigos
para o melhor funcionamento das relações em realismo divide de forma rígida o “dentro” e o
uma estrutura previamente dada, que não é “fora” dos Estados: dentro rege a hierarquia (que
questionada. Metodologicamente, elas tentam garante a paz), fora rege a anarquia, resultando
expressar variáveis livres de valor, ou seja, na necessidade de segurança para a
objetivas e distantes do sujeito que as analisa, sobrevivência. A anarquia torna-se um
operando dentro do viés positivista da ciência. constrangimento estrutural para todos os
Esses mecanismos e princípios, detectados por Estados, determinando as possibilidade de
elas em determinadas estruturas históricas, relações inter-nacionais. Porque os Estados
acabam perdendo sua contextualização em convivem num sistema anárquico, eles precisam
tempo e espaço. Deste modo, são transformados acumular poder para sobreviver. A natureza dos
em tendências gerais do sistema internacional, Estados e do sistema é conflituosa.
que são repetidas/repetitivas, ou seja, Conseqüentemente, o sistema é de auto-ajuda,
observáveis e, mais importante, previsíveis. Com pois cada Estado só se pode contar consigo
isso, tomam uma forma de pensamento derivada mesmo para sobreviver. O interesse nacional é
de uma fase particular da história e assumem definido em termos de poder: um Estado quer
como universalmente válida. Essas teorias sempre acumular, demonstrar ou preservar
buscam solucionar problemas dentro de poder. Nesse sistema anárquico, competitivo e de
determinada ordem social e política que é auto-ajuda, um Estado preocupa-se com seus
constante, não problematizando seu surgimento ganhos relativos frente aos outros. O poder de um
histórico e, portanto, não contemplando uma é mensurado e controlado pelo aumento ou
transformação radical dela. Em outras palavras, diminuição de poder do outro. Assim, a balança de
busca-se explicar acomodações e ajustes dentro poder torna-se um mecanismo automático do
de uma estrutura, e não sua transformação. sistema. O pensamento realista das Relações
Resulta que para essas teorias, que são Internacionais é pautado pelas guerras mundiais,
perspectivas históricas e sociais, "o futuro será a guerra fria, a questão da bomba atômica e o
sempre como o passado”. Segundo Cox (1981), perigo de uma guerra nuclear. Ele explica de
essas teorias interessam aos que se beneficiam forma mais abrangente as questões de
de determinada ordem, ou seja, aqueles que segurança internacional.
falam desde o lócus de poder que, no século XX Outra poderosa e influente "teoria de solução
(ápice das Relações Internacionais como de problemas" é o institucionalismo ou o
disciplina acadêmica), foram os EUA. liberalismo nas RI. Sua base filosófica se
Quais são as "teorias de solução de encontra em Grotius (especialmente a noção de
problemas"? Cox dirigiu-se especialmente ao uma moral universal e de uma guerra justa),
realismo. Sua base filosófica está em Maquiavel e assim como em Kant (a idéia de que repúblicas
Hobbes, partindo, assim, do princípio de que a tendem a não fazer guerra transplanta-se para a
natureza humana é ruim e que a preocupação de que democracias não fazem guerras com
mais essencial do ser humano é sua segurança e outras democracias). Para os institucionalistas,
sobrevivência. O sistema de Estados seria apesar da anarquia, Estados cooperam uns com
análogo ao estado de natureza hobbesiano. Na os outros. Em analogia aos indivíduos no
leitura realista, os Estados são os únicos atores pensamento liberal, aqui os Estados são
relevantes no sistema. Eles são “unidades” racionais e egoístas, e calculam o custo-benefício
fechadas, coesas, com um “interesse nacional”. da cooperação para maximizar seus ganhos. Sua
Os Estados agem como atores racionais, preocupação é com ganhos absolutos, e não mais
devendo o estadista agir livre de preceitos morais. relativos. Os Estados estão em relação de
O princípio da anarquia guia a vida internacional. interdependência complexa com os demais, ou
Por que a anarquia? Porque Estados não abrem seja, existem sensibilidades e vulnerabilidades
mão de sua soberania, não havendo, portanto, mútuas e desiguais no sistema. Eles continuam
nenhum poder acima deles. O duo sendo os principais atores no plano internacional,
anarquia/soberania são, assim, indissociáveis. O no entanto, há a interação com atores não-

Edição n.3, v.1 110 ISSN 2179-6165


Artigos
estatais (empresas, indivíduos, organismos política ao Estado, justificando a não-intervenção
internacionais), que compõem essa deste naquele. Waever (1996) chamou a
interdependência complexa. Os Estados têm convergência desses dois paradigmas teóricos
diferentes preferências (interesses), sendo a nos anos 1980 de “síntese neo-neo”, uma vez
segurança e a sobrevivência uma das ambos convergiam em um programa de pesquisa
preferências, mas não a única (outras seriam racionalista, uma concepção estreita de ciência,
bem-estar econômico, status, etc.). As assumindo a premissa da anarquia no sistema
instituições jogam um papel fundamental no plano internacional, Estados como unidades
internacional. Elas facilitam a cooperação entre atomísticas e fechadas, discutindo entre si
os Estados, porque provêem informação, apenas sobre as possibilidades de cooperação e
diminuem os custos de barganha e negociação, a importância de instituições. A convergência
estabelecem regras e normas que "aprisionam" entre neo-realismo e neo-institucionalismo no
(lock-in) as decisões tomadas, condicionando campo teórico "coincide" no final dos 70/início dos
decisões futuras e gerando, assim, estabilidade. 80, com a convergência política entre Reagan,
Conseqüentemente, as instituições geram uma Thatcher e Xio-Ping, culminando na política e no
dependência do caminho traçado (path ideário neoliberal que veio a prosperar com o fim
dependence), proporcionando mais estabilidade. da guerra fria.
Elas intervêm no comportamento dos Estados, o Nota-se a falta de um lugar relevante para o
que diferencia os institucionalistas dos realistas (e marxismo no debate teórico das RI. Ele é trazido
marxistas). Para esses, as instituições refletem o "à rebarba" com as teorias do Imperialismo (que,
poder das potências. Elas só existem porque e além de uma análise de classes sociais, traz o
enquanto o Estado mais poderoso tiver interesse Esta d o co m o a to r c e n tra l n u m s i s te m a
em mantê-las, não alterando as relações de poder hierárquico, onde guerra é resultado de
nem os interesses de um Estado. Já para os competição inter-imperialista) e a Teoria de
institucionalistas, as instituições não são simples Dependência (que baseia-se numa divisão
reflexo dos mais poderosos no sistema, ao internacional do trabalho, onde o
contrário, podem conter a política de poder desenvolvimento do norte e subdesenvolvimento
através de normas e regras que são iguais para das ex-colônias estão inter-ligados no sistema).
todos, inclusive para as potências. O pensamento Ambas, entretanto, não se restringem ao campo
institucionalista ganhou fôlego no final da década das RI, sendo transcendentes a diversas áreas de
de 1960, início de 1970, com a crise financeira conhecimento e ação política. Posteriormente,
mundial, o fim do padrão dólar-ouro e o choque do passou-se a reconhecer as abordagens do
petróleo. Daí emerge a noção de "sistema-mundo" como uma perspectiva marxista
"interdependência complexa", notoriamente na e estruturalista na disciplina. Ela busca explicar a
visão de pensadores situados nos países interligação entre centro, semi-periferia e periferia
centrais, enquanto que, na periferia do sistema, em uma única estrutura que é capitalista. O
no mesmo período, discutia-se a Teoria da sistema de Estados moderno está estreitamente
Dependência (e não uma "interdependência"). vinculado ao sistema capitalista, sendo uma
Tanto o realismo quanto o institucionalismo estrutura histórica que, assim como as outras, é
passam por reformulações, incorporando o terminal e não eterna. Segundo Nogueira/Messari
prefixo "neo" ao seus nomes, convergindo, no (2005), enquanto o pensamento de Lênin
final dos anos 1970, no que ficou chamado de enfatizou aspectos temporais, entendo o
"racionalismo". Eles aproximam-se ainda mais de imperialismo como um estágio na evolução do
uma metodologia positivista e empiricista, capitalismo, os teóricos "dependentistas"
transferindo para o estudo da política mundial enfatizaram o aspecto espacial, baseando-se em
elementos da microeconomia e das ciências uma divisão geográfica no sistema. Os teóricos
exatas. Se confinaram em uma visão liberal da do "sistema-mundo", por sua vez, buscaram
ordem mundial, onde a economia dizia respeito combinar a evolução histórica e deslocamento
ao mercado (e à esfera da sociedade civil), e a geográfico, enfatizando o deslocamento dos

Edição n.3, v.1 111 ISSN 2179-6165


Artigos
centros de acumulação do capital de acordo com vê no conflito um processo de contínuo refazer da
ciclos de expansão e declínio. natureza humana. É a partir dos conflitos e da
contestação de dada hegemonia de forças sociais
3. A ABORDAGEM GRAMSCIANA COMO dominantes que impulsionamos transformações
TEORIA CRÍTICA DAS RELAÇÕES estruturais.
INTERNACIONAIS Cox (1981) faz a ligação entre metodologia e o
conteúdo: as teorias de solução de problemas
Já dizia o ditado que "em tem terra de cego, servem às forças sociais dominantes, que
quem tem um olho é rei". E se tudo que é sólido se buscam administrar o sistema para manter-se no
dissolve no ar, frente à “solidez” das teorias de poder, já a teoria crítica vai servir àquelas forças
solução de problemas, outras buscaram sociais que estão em luta e contestação da ordem
descortinar as contradições e compreender as social. Ele estabelece também a relação entre
transformações na ordem social e política. De teoria e período histórico: períodos de aparente
acordo com Cox (1981), a "teoria crítica" vai estabilidade ou relações fixas de poder
buscar contextualizar os fenômenos explicados favorecem a abordagem de solução de
pelas "teorias de solução de problemas" em problemas, como foi a guerra fria, enquanto que a
determinadas estruturas históricas, condição de incerteza sobre as relações de poder
preocupando-se com as especificidades. Ela apóiam a abordagem crítica, posto que as
questiona como esta estrutura surgiu para, então, pessoas buscam entender oportunidades e riscos
buscar elementos sobre como ela pode se de mudanças.
transformar. A teoria crítica rejeita a possibilidade Segundo Cox (1981), o materialismo histórico
de um presente constante, que é funcional é capaz de “corrigir” as abordagens
àqueles no poder. Sua preocupação é com a convencionais a partir de diversos fatores. Em
compreensão do todo com suas complexidades e primeiro lugar, uma metodologia dialética,
contradições. Para isso é necessário analisar a explorando as contradições e o potencial para
totalidade em movimento, e não de forma formas alternativas de desenvolvimento, que
estática, preocupando-se em vislumbrar “de cima surgem da confrontação de forças sociais
para baixo e de baixo para cima” a realidade opostas numa situação histórica concreta. Além
social, considerando grupos, classe ou Estados isso, ele adiciona a dimensão vertical à dimensão
oprimidos e subalternizados, expondo as horizontal de poder entre Estados rivais,
contradições de certos fenômenos e visões de apontada pelo realismo. Desse modo, a
mundo. Questiona-se quem são os incluído e os dimensão de dominação e subordinação na
excluídos de certas visões de mundo que economia mundial de metrópoles sobre colônias,
informam as teorias. A noção de movimento traz e centro sobre periferia, ficam evidentes. O
a idéia de prática para a transformação e não para materialismo histórico expande a perspectiva da
a "administração" do sistema. Ao desvendar as política internacional para a relação entre Estado
contradições, é possível verificar como certos e sociedade civil, tornando o complexo
consensos foram construídos (e destruídos) - por Estado/sociedade a entidade constituinte da
quem, para quem e de que forma - iluminando ordem mundial. Diferencia-se, assim, do
assim possibilidades de pensar outras formas de realismo, que trata a sociedade como um
mundo, outros imaginários, e outras realidades constrangimento sobre o Estado, e uma limitação
sociais que estão em constante reconstrução. imposta por interesses particulares sobre a raison
A teoria crítica vai identificar, portanto, onde d'Etat, que é concebida e definida como
certos consensos escondem conflitos. Enquanto independente da sociedade civil. Por fim, o
o neo-realismo vê o conflito como inerente à materialismo histórico foca no processo produtivo
condição humana, um fator constante da como elemento fundamental para formas
essência da natureza humana que busca o poder, históricas particulares do complexo
sendo ele conseqüência recorrente de estruturas Estado/sociedade, sendo a internacionalização
contínuas, teoria crítica e o materialismo histórico da produção e a expansão do comércio fatores

Edição n.3, v.1 112 ISSN 2179-6165


Artigos
centrais, que geram a re-estruturação das classes Estados, podendo haver momentos históricos de
sociais e, com isso, as forças sociais que incidem uma estrutura multipolar ou bipolar. Entretanto, o
no processo político. Assim, o materialismo constrangimento estrutural da anarquia é uma
histórico analisa as ligações entre poder na constante. Em Cox (1981), as ações se dão
produção, no Estado e na ordem mundial. sempre dentro de estruturas históricas, que
Na tentativa de situar o debate teórico em constituem a problemática a ser estudada. O
relação à política internacional, podemos papel da teoria crítica é entender e explicar como
observar: um primeiro debate teórico no início do determinadas ações são moldadas pela
século XX, exposto especificamente por Carr, estrutura, e como, ao mesmo tempo, certas ações
entre o idealismo e o realismo, que é um debate são capazes de transformar a estrutura.
ontológico sobre as possibilidades de paz e Estruturas históricas são compostas de bases
guerra; um segundo debate no período pós- materiais, idéias e instituições (não há prioridade
Segunda Guerra Mundial, entre metodologias de uma sobre a outra). Estas estruturas
tradicionalistas ou do chamado "behaviorismo" históricas, por sua vez, formam três esferas de
das ciências políticas estadunidenses, pautado atividades: forças sociais (derivadas das relações
pela guerra fria e pela possibilidade de uso da sociais de produção) formas de Estado e ordem
bomba atômica pelas potências; por fim, um mundial (hegemônica ou não-hegemônica).
debate "inter-paradigmático" entre as A estrutura relaciona-se com os agentes, e
abordagens neo-realista, neo-institucionalista e o vice-versa. No realismo, somente o Estado tem
próprio marxismo, cujas diferenças e agência na estrutura internacional. Essa tem
convergências expusemos acima. Com o fim da poder de constranger a ação dos Estados, suas
guerra fria, que "amarrava" e condicionava o ações são moldadas pelo constrangimento
pensamento mais amplo sobre a ordem mundial, estrutural. No liberalismo, outros atores têm
floresceu uma diversidade de abordagens agência (por ex. grupos de interesse, empresas
denominadas "pós-positivistas", ou multinacionais) que podem influir sobre os
simplesmente "reflexivistas", resultado do Estados. As organizações internacionais têm
momento histórico de abertura da década de poder de mudar a ordem de preferência dos
1990, contestando o pensamento racionalista e Estados. Há, assim, uma relação mais dinâmica
positivistas das teorias de solução de problemas. entre agentes e estrutura. A sociedade civil, para
É nesse contexto que surgem os "neo- os liberais, são grupos de interesse domésticos e
gramscianos", que são reconhecidos com uma transnacionais que irão disputar sua influência
corrente teórica que se baseia em Gramsci para sobre os Estados. Ela é separada destes, ou seja,
analisar e compreender as relações ambos são esferas distintas. Em Cox (1999), a
internacionais. sociedade civil é o espaço onde a ordem vigente é
fundada, mas também onde uma nova ordem
4. CONCEITOS RELEVANTES pode ser construída. A sociedade civil é
formadora e formada, ao mesmo tempo um
Exposta a diferenciação entre "teoria crítica" e agente de estabilização e reprodução e um
"teoria de solução de problemas", buscaremos agente potencial de transformação. Sua
agora compreender as diferentes definições e característica é dialética. As forças sociais não
usos de conceitos e fenômenos nas relações existem somente dentro do Estado. Elas
internacionais. Por exemplo, o conceito de ultrapassam fronteiras dos Estados, e as
estrutura. Nas teorias estruturalistas tradicionais estruturas mundiais podem ser descritas em
de RI, a natureza do sistema é anárquica e não termos de forças sociais. O mundo pode ser
muda. A estrutura constrange os agentes descrito como padrões de forças sociais, no qual
(Estados) de forma mecânica, e a anarquia os Estados jogam um papel intermediário, mas
explica o modo de agir dos Estados. A estrutura autônomo, entre estrutura global das forças
pode mudar de acordo com a distribuição de sociais e configurações locais de forças sociais
capacidades (materiais e bélicas) entre os dentro de certos países.

Edição n.3, v.1 113 ISSN 2179-6165


Artigos
Cox (2009) argumenta que prefere usar o de um Estado dominante é equivalente à
termo "forças sociais" ao invés de classes, pois hegemonia.
esta refletia a natureza de sociedades industriais, Para um expoente do realismo, Robert Gilpin
que hoje são mais complexas e diferenciadas. (1981), a hegemonia de um Estado é
Para ele, hoje, trabalhadores estabelecidos conseqüência da vitória de uma guerra gerada
podem ser representados como "privilegiados" pelo desequilíbrio na distribuição de poder no
frente às massas desempregadas e em sistema internacional. Uma guerra hegemônica
empregos precários e informais. Em algumas se caracteriza por três elementos: a contestação
sociedades, populações indígenas não se direta entre o poder dominante e Estados
encaixariam no conceito de "proletariado". O revisionistas, por mudanças na natureza e a
termo "forças sociais" é explicitamente vago, governança no sistema, e por meios de violência
forçando-nos a averiguar historicamente e em quase ilimitados. As grandes transformações na
cada sociedade quem são as populações história mundial foram derivadas de guerras
expropriadas e os agentes de transformação. hegemônicas entre rivais políticos, cujo resultado
Estes não estão previamente definidos, serão é o re-ordenamento do sistema a partir de idéias e
construídos em determinados processos de lutas valores do Estado vencedor.
emancipatórias. Gilpin (1981) afirma que marxistas e realistas
As forças sociais podem ser "top-down" ou compartilham da visão de que, enquanto for
"bottom-up". As primeiras são parte integrante do possível a expansão territorial e de recursos, a lei
mercado, agencias onde forças econômicas do desenvolvimento desigual pode operar sem
(managerial class) formam uma hegemonia alterar a estabilidade do sistema como um todo.
cultural e intelectual para assegurar a ordem No entanto, quando seus limites são alcançados,
capitalista entre as massas. Estas forças o sistema entra em crise, o que levou a uma
dominantes penetram e cooptam partes dos intensificação do conflito e ao colapso final do
movimentos sociais (especialmente com sistema em duas grandes guerras. Observa-se
subsídios econômicos) para garantir a que o mesmo processo histórico caracterizado
conformidade e legitimidade da ordem vigente. por Gilpin como guerra hegemônica, para Lênin é
Forças "bottom-up" são identificadas como denominado guerra inter-imperialista.
espaço onde excluídos e trabalhadores Para Gilpin (1981) a tática de fazer concessões
precarizados se engajam na construção de uma aos poderes menores para assegurar o status-
alternativa contra-hegemônica, disputando um quo pode demonstrar um sinal de
novo senso comum na população nacional e enfraquecimento do hegemon, gerando um ciclo
internacional. vicioso de demandas por mais concessões. Este
Cox (1999; 2001) traz componentes de classe ponto expõe uma diferença entre a concepção de
ao conceito abstrato de sociedade civil, e provê a hegemonia como poder militar, política, territorial
base material sobre a qual a sociedade civil ganha e econômico (semelhando a imperialismo) e
um caráter público ou privado. O conceito de aqueles que trabalham com “consenso e
sociedade civil é colocado dentro da questão da coerção”. Para estes, a habilidade de construção
democracia e direitos sócio-econômicos. As de consenso a partir de concessões legitimará a
forças "bottom-up" constituem a potencial liderança do hegemon, que usará a coerção
agência de emancipação e transformação. somente quando necessário. Assim, as formas de
O principal conceito pelo qual Gramsci é concessão e compromissos internacionais são
trazido para as RI é o de hegemonia. instrumentos de legitimação do poder.
Especialmente para o realismo, a noção de No pensamento de Gilpin (1981), assim como
hegemonia é baseada no poder do Estado em sua outros autores realistas e institucionalistas, a paz
forma simples (instituição de autoridade política), equivale a uma “estabilidade hegemônica”, uma
e há pouca diferenciação entre hegemonia, vez que ela é assegurada e vigiada por um poder
dominação (Estado dominante) e império. A maior, que coordena a política mundial a partir da
supremacia do poder militar, político e econômico sua visão de mundo. A história torna-se ciclos

Edição n.3, v.1 114 ISSN 2179-6165


Artigos
padronizados, que seguem as mesmas etapas de daria fim a um “estado de natureza de todos
ascensão, contestação, guerra e nova contra todos”, também o hegemon pode
hegemonia, num movimento intercalado, porém minimizar os efeitos da anarquia internacional.
repetitivo, entre guerra e paz hegemônica. A Desta forma, o “bem comum” (estabilidade, paz,
hegemonia é tratada em termos racionalistas: a ordem) seria garantido. Diferentemente de
relação custo-benefício para que o Estado, até Gramsci, quem, através do conceito de
então dominante, mantenha ou recupere sua hegemonia, denunciava a opressão e
posição de poder, e o Estado em ascensão use as subalternidade de uma classe frente a outra, para
oportunidades de crise para conseguir crescer. estes teóricos do realismo e do institucionalismo,
A noção de uma estabilidade hegemônica a desigualdade social e internacional não é um
nasceu primeiramente com Kindleberger em sua mal em si, podendo ser “um mal necessário” para
obra de 1973. Para ele, a crise e a Grande garantir a ordem do sistema.
Depressão dos anos 1930 poderiam ter sido Autores críticos convergem com realistas e
evitadas se a Inglaterra tivesse tido capacidade, e institucionalistas sobre a relativa estabilidade do
os EUA a vontade política de exercer liderança. sistema através da formação de uma ordem
Ambos foram incapazes de preservar o “bem mundial hegemônica. No entanto, buscaram
público”, voltando-se para si, privilegiando revidar a noção de uma hegemonia “benévola”,
questões particulares ao invés do bem comum, trabalhando, a partir da teoria gramsciana, os
que seria a estabilidade do sistema como um instrumentos de liderança e manutenção do
todo. As visões de Gilpin e Kindleberger deram poder na ordem mundial. A estabilidade da ordem
origem à chamada “teoria da estabilidade hegemônica é constituída através de uma
hegemônica”, desenvolvida posteriormente por hierárquica de poder, que resulta em opressão de
Keohane (1993), expoente do paradigma Estados poderosos e as classes dominantes
institucionalista das RI. De acordo com ele, o mundiais sobre as classes subalternas e Estados
poder como recurso para a estabilidade é mais na periferia, que são submetidos aos
efetivo em alguns regimes (como o do petróleo) e disciplinamento econômico e político ditado de
em outros menos (como o regime monetário e de cima para baixo. Assim, o poder do hegemon não
comércio). Os regimes econômicos é necessariamente benevolente para todos de
internacionais fortes dependem de um poder maneira universal (entre classes e entre centro e
hegemônico, ao passo que fragmentação do periferia da ordem mundial), apesar de aparentar
poder entre países em competição pode levar à tal universalidade.
fragmentação do regime. A concentração de Em termos gramscianos, a hegemonia é
poder indica, portanto, estabilidade. constituída pelas classes dominantes, que
Keohane (1993) afirma que países maiores e lideram na sociedade civil e, ao chegaram ao
menores têm incentivos para colaborar dentro de poder do Estado, são capazes de representar
um regime internacional, uma vez que a potência seus interesses particulares em termos
hegemônica ganha capacidade de configurar e universais. O projeto hegemônico é, assim,
dominar seu entorno internacional, enquanto que percebido como algo que abarca os interesses de
administra um certo fluxo de benefícios a grupos subordinados. Cox definiu hegemonia em
pequenas e médias potências para convencê-las seu livro de 1987 "Power, Production and World
de que têm interesses coincidentes. Na medida Order" como uma dominação de forma particular,
em que a distribuição de recursos (especialmente onde um Estado cria uma ordem baseada
econômicos) se torna mais equitativa, aumentam ideologicamente, em ampla medida, em
os custos do hegemon em manter estabilidade e o consentimento. A ordem hegemônica funciona de
cumprimento das regras, e os regimes se acordo com princípios gerais que, na verdade,
debilitam. Inicia-se assim um período de transição asseguram a contínua supremacia do Estado
e de instabilidade. líder e sua classes social dominante, oferecendo,
Nota-se aqui que a hegemonia adquire uma ao mesmo tempo, alguma medida de satisfação
conotação benigna. Assim como um “Leviatã” aos menos poderosos. Deste modo, para se

Edição n.3, v.1 115 ISSN 2179-6165


Artigos
tornar hegemônico, um Estado precisa fundar ou particulares, e políticas que beneficiam interesses
proteger uma ordem que seja universal em sua particulares do hegemon, expandindo e
concepção, mas em que outros Estados sintam assegurando a manutenção de seu poder.
em parte compatível com seus próprios
interesses. Neste tipo de ordem, a produção em 5 . C R Í T I C A S M A R X I S TA S A O N E O -
países particulares se conecta ao sistema GRAMSCIANISMO
mundial de produção. A classe dominante no
Estado hegemon encontra aliados em classes de De fora, muitos poderão imaginar que as
outros países. Uma sociedade mundial incipiente visões marxistas e neogramscianas nas
emerge no sistema inter-estatal, e os próprios Relações Internacionais são convergentes.
Estados se tornam internacionalizados, de modo Entretanto, houveram muitas críticas ao longo
que seus mecanismos e políticas são ajustadas dos anos. Uma das recentes críticas foi feita por
ao ritmo da ordem mundial. Hannes Lacher (2008; 2006). Para ele, a noção
Ao falarmos de hegemonia no nível mundial, de uma autoridade internacionalizada que se
devemos compreender a forma como as classes baseia em um alto grau de consenso nacional e
dominantes transnacionais chegam a um internacional (entre Estados e entre classes)
consenso hegemônico entre os principais países somente é pertinente para a caracterização do
e são capazes de implementar seu projeto em período da “pax americanna”. Ela não deveria ser
outros países através da atuação de instituições abstraída deste período particular, e ser tornar
internacionais (e nacionais). Com isso, uma uma categoria “transhistórica”. Segundo Lacher
hegemonia mundial é um projeto da classe (2008), o ciclo realista de ascensão e descenso
dominante num determinado Estado dominante, de grandes potências foi suplantado pelos
mas vai além dele, sendo capaz de construir gramscianos pela idéia de ascensão e descenso
globalmente um consenso em torno do seu de blocos históricos transnacionais. A hegemonia
projeto hegemônico e implementá-lo em outros deve ser compreendida, no entanto, como
países do sistema. Desta forma, é necessário resultado de um processo histórico, as tentativas
pensar o papel das classes e forças sociais na de integração social no fim do século XIX não só
construção da hegemonia mundial e da contra- através da cooptação, mas da incorporação de
hegemonia. grande parte da população na estratégia
Para Cox (1993), um importante mecanismo de hegemônica na Europa continental. Para ele, Cox
universalização de normas são as organizações não explica satisfatoriamente as mudanças
internacionais. Através delas são incorporadas as históricas no nível global, elas seriam concebidas
regras que facilitam a expansão de ordens como uma sucessão de blocos históricos (um
mundiais hegemônicas, legitimando "estruturalismo em miniatura"). Cox falha em
ideologicamente as normas desta ordem. Ao explicar como o sistema capitalista emerge,
mesmo tempo, elas mesmas são produto da explicando apenas diferentes formas de
hegemonia de um Estado dominante, e são capitalismo. Assim, o capitalismo é assumido
capazes de facilitar a cooptação de elites dos como dado, torna-se o elemento de continuidade
países periféricos, e absorver idéias contra- por toda a transição histórica entre blocos
hegemônicas. A construção da uma hegemonia particulares. Conjuntura e estrutura são, portanto,
mundial baseada nas organizações confundidas. Há uma tendência a "estruturalizar a
internacionais é, especialmente, uma conjuntura". Para explicar mudanças entre blocos
característica da "pax americanna." Contrária à históricos, Cox teria uma visão instrumentalista
argumentação de institucionalistas, como das elites transnacionais. A globalização
Ikenberry (2001), para quem as instituições e neoliberal parece ser um produto da "vontade" do
organizações internacionais puderam capital transnacional, de seus aliados privados e
constranger ou auto-limitar o próprio poder dos das burocracias públicas dos Estados líderes.
EUA, para Cox elas serviram para alcançar a Uma burguesia global parece impor seus
universalização de normas, valores e princípios interesses na forma que um novo conjunto de

Edição n.3, v.1 116 ISSN 2179-6165


Artigos
estruturas econômicas, políticas e mundiais. Esta baseados em Gramsci afirmando que o império
"nebulose global" geraria uma esfera econômica estadunidense foi hegemônico frente a outros
despegada, imperativos globais descontrolados Estados e classes capitalistas, porém, mesmo
que levam `a perda de habilidade da sociedade de com toda a penetração cultural e econômica dos
determinar democraticamente sobre seu futuro. EUA em outras sociedades, nunca houve uma
Desse modo, para Lacher (2008), os neo- “transferência de lealdade popular direta” de
gramscianos falharam em dar uma explicação outros povos aos EUA. Além disso, tampouco os
satisfatória sobre a relação entre agência EUA tiveram que incorporar demandas das
(reprodutiva ou transformadora) e estrutura classes subordinadas (em termos gramscianos)
(social, histórica). Estudos sobre resistência, em outros Estados dentro da construção de seu
movimentos e contra-hegemonia aparecem para império. O consentimento ativo para a dominação
remediar a tendência elitista, mas falham em do império informal sempre foi, de acordo com
apreciar com profundidade os déficits da Pantich e Gindin, mediado pela legitimidade que
abordagem histórica estrutural de Cox, que os outros Estados mantinham para si, ou reuniam
estariam ligadas à relação problemática entre em nome de qualquer projeto particular do Estado
estrutura, processo e agência. Segundo o autor, americano.
há, tanto por parte de institucionalistas quanto por Outra crítica feita por Panitch (1994) em
autores críticos, uma “sobre-valorização” das trabalhos anteriores diz respeito à analise de Cox
funções das instituições internacionais no sobre a internacionalização do Estado. Este seria
sistema de dominação global, obscurecendo o um processo que se origina "de fora para dentro",
quanto estas são apoiadas nos Estados. ou seja, do consenso internacional sobre
Outros críticos da abordagem neo-gramsciana obrigações e acordos aos quais os Estados
são Leo Panitch e Sam Gindin (2005). Central teriam que ajustar-se. Ele critica a noção de Cox
para esses autores é a análise sobre o "império do Estado nacional como uma “corrente
informal americano" (e não uma "pax transmissora” entre o global e o nacional, e como
americanna"), que é a construção do poder global um escudo que amortece as pressões do
estadunidense sem necessariamente estender mercado global. Cox deixaria de fora as
sua soberania ou ocupar territorialmente outros formações sociais internas, que são forças ativas
Estados como estratégia prioritária. Mais na barganha e na mediação das mudanças
importante foi a capacidade do Estado americano internas do Estado. Panitch baseia-se em
de penetração estrutural em antigos rivais e Poulantzas, para quem as transformações do
coordenação com outros Estados líderes Estado decorrem das formações contraditórias
capitalistas. Com isso, foi possível garantir, no internas, conflitos entre frações da burguesia e
período pós Segunda Guerra, a estruturação de demandas de trabalhadores.
outros Estados independentes como Estados
capitalistas, ou seja, que sustentam a 6. CONCLUSÃO
acumulação de capital e protejam a propriedade
privada (e não somente a propriedade do Estado Neste artigo busquei apresentar de forma
imperial) dentro de seus territórios. O projeto breve e simples a introdução de Gramsci nas
americano foi, portanto, não governar o mundo Relações Internacionais no marco da crítica
diretamente, nem repassar essa tarefa às metodológica e epistemológica às teorias
instituições internacionais, mas sim conceber um tradicionais na área. Para isso, resgatei alguns
projeto de capitalismo global consistente com a dos principais conceitos da disciplina, como
tentativa de tornar ou manter outros Estados estrutura, agente e hegemonia. Outros conceitos
capitalistas, com instituições e práticas relevantes para o pensamento de Gramsci, e
burocráticas, coercivas e jurídicas que adotados por autores para pensar o internacional,
assegurassem a acumulação de capital em todos seriam o de transformismo, revolução passiva,
os lugares. desenvolvimento desigual. Entretanto, esses são
Os autores se diferenciam dos teóricos críticos desconhecidos para as principais teorias na

Edição n.3, v.1 117 ISSN 2179-6165


Artigos
nossa área. Elas se preocupam com ajustes e dizemos e escrevemos, coerente às teorias sobre
acomodações para a manutenção e as quais apoiamos nossas reflexões. Essa é uma
administração da ordem, diferentemente de importante, árdua e constante tarefa.
Gramsci, quem preocupava-se teorica e
praticamente com a transformação, e fazia parte REFERÊNCIAS
de um instrumento político (o partido) que tinha a
meta de uma revolução socialista. ARRIGHI, Giovanni: “The three hegemonies of
Considero que, mesmo trazendo uma historical capitalism”. In: Gill, Stephen (ed.):
sistematização de um debate antigo, já muito Gramsci, historical materialism and International
discutido em outros espaços, ele se mantém Relations. Cambridge University Press, 1993
relevante para pensar o momento atual. Este é o AYERS, Alison J. (ed.): Gramsci, Political
de re-ordenamento na "ordem" mundial. Em meio Economy, and International Relations Theory.
à mudança, é difícil ter clareza sobre para onde Modern princes and naked emperors. New York,
vamos, com quem e quando. Estamos Palgrave Macmillan, 2008
vivenciando o declínio do poder estadunidense? COX, Robert W. Social forces, states and world
Um novo ciclo hegemônico na Ásia? Estamos orders. Beyond international relations theory.
vivenciando uma ordem hegemônica, não Millennium - Journal of International Studies 1981;
hegemônica ou mesmo contra-hegemônica? Em 10; 126
que medida a atual ascensão de países _________. Production, Power and World Order.
chamados "emergentes" configurariam uma Social forces in the marking of history. New York,
perspectiva de ordem não-hegemônica (ou Columbia University Press, 1987
contra-hegemônica)? Ou em que medida estes _________. Gramsci, hegemony and
países, e as diferentes das forças sociais, international relations: an essay in method. In:
reproduzem a lógica de acumulação capitalista, Gill (ed.): Gramsci, Historical Materialism and
levando assim a um novo ciclo de expansão do International Relations. Cambridge University
capital global? Enfim, em que medida a Press, 1993
hegemonia pode ser desafiada por países nos _________. Civil society at the turn of the
quais as forças e classes dominantes estão millenium: prospects for an alternative world
comprometidas com o próprio projeto order. Review of International Studies (1999), 25,
hegemônico? Estas complexas questões e nosso 3–28
delicado momento político no contexto de crise _________. Entrevista realizada por Ana Garcia,
econômica (social, ideológica, ambiental) têm Miguel Sá e Alessndro Biazzi em Cabbagetown,
ocupado aqueles/as estudiosos/as engajados/as Toronto, maio de 2009 (no prelo).
e comprometidos/as com a reflexão mais GILL, Stephen. Power and Resistance in the New
aprofundada sobre o que são as transformações World Order. New York, Palgrave Macmillan, 2008
e mudanças reais em nossas sociedades. É _________. Epistemology, ontology and the
necessário abrangermos e analisarmos a Italian school. In: Gill (ed.): Gramsci, Historical
totalidade dos fenômenos, atores e relações Materialism and International Relations.
sociais, para descortinarmos as tensões e Cambridge University Press, 1993
desdobramentos das mudanças e GILPIN, Robert. War and Change in World
movimentações de estruturas de poder. Nossos Politics. Cambridge University Press, 1981
estudos devem estar vinculados às resistências e GRAMSCI, Antonio. Selections of Prison's
lutas sociais, de onde nascem e partem as Notebooks. New York, International Publishers,
mudanças concretas das relações sociais e das 1971
formas de vida, que são as bases para a criação IKENBERRY, John. After Victory. Institutions,
de um novo mundo igualitário e justo. Gramsci strategic restraint, and the building of order after
nos dá o maior exemplo da vinculação entre luta e major wars. New Jersey, Princeton University
reflexão filosófica, prática e teoria. Nos recorda Press, 2001
que nossa prática deve ser coerente ao que _________. Getting hegemony right. The

Edição n.3, v.1 118 ISSN 2179-6165


Artigos
National Interest, Spring 2001 (63) trabalho de Cox. Esse autor é o primeiro a trazer
KINDLEBERGER, Charles. The World aspectos do pensamento de Gramsci para a
Depression, 1929-1939. University of Califórnia disciplina, inovando também tal pensamento com
Press, 1973 o conceito, por exemplo, de “internacionalização
KEOHANE, Robert. Instituciones internacionales do Estado”. Depois de Cox, outros autores
y poder estatal. Ensayos sobre teoria de las também inspirados em Gramsci trouxeram
relaciones internacionales. Grupo Editor reconhecidas contribuições teóricas, como Mark
Latinoamericano, colección Estúdios Rupert, Stephen Gill, Adam Morton, William
Internacionales, 1993 Robison, entre outros.
LACHER, Hannes. Beyond Globalization.
Capitalism, territoriality and the international
relations of modernity. Routledge, RIPE, 2006
_________. History, structures, and world orders.
On the (cross-)purposes of neo-Gramscian
theory. In: Ayers (ed.): Gramsci, Political Economy
and International Relations Theory. New York,
Palgrave Macmillan, 2008
MESSARI, Nizar/NOGUEIRA, João Pontes:
Teoria das Relações Internacionais. Correntes e
debates. Rio de Janeiro, Elsevier, 2005
NEVES SILVA, Eduardo/LAGE, Victor Coutinho.
Os Debates das Relações Internacionais:
Historiografia e Narrativa. In:
Lobato/Sabino/Abreu (orgs.): Iniciação Científica:
Destaques 2008. 1 ed. Belo Horizonte: Editora
PUC Minas, 2009, v. 1, p. 633-656.
PANITCH, Leo/GINDIN, Sam. Global capitalism
and American Empire. Socialist Register 2004.
London, Merlin Press
PANITCH, Leo. Globalization and the state.
Socialist Register 1994, p. 60-93
WALTZ, Kenneth. Theory of International Politics.
MacGraw-Hill, 1979
_________. O Homem, o Estado e a Guerra. Uma
análise teórica. São Paulo, Martins Fontes, 2004

______________________________________

Doutora pelo Instituto de Relações Internacionais


da PUC-Rio. Bolsista recém-doutora FAPERJ.
Professora de Economia Política Internacional no
Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.
Coordenadora do núcleo de pesquisa sobre
Sistemas de Inovação e Governança do
Desenvolvimento, do Centro de Estudos e
Pesquisas BRICS/ BRICS Policy Center. Email:
anasaggioro@gmail.com
É importante ressaltar que a vertente gramsciana
da Teoria Critica em RI não se esgota com o

Edição n.3, v.1 119 ISSN 2179-6165


Artigos
IS FLEXIBILITY GOOD FOR WORKERS? Cadeias Globais de Valor têm impactado
AN EVALUATION OF GLOBAL VALUE negativamente nos trabalhadores no início das
CHAINS cadeias, aumentando sua vulnerabilidade e
insegurança.
Renata Nunes Duarte
Palavras-chave: Informalidade; Cadeias Globais
ABSTRACT de Valor; Condições de Trabalho.

This paper aims to analyze the impacts on labor 1. INTRODUCTION


at the beginning of Global Value Chains. To do so, I
first analyze how flexibility is used as a way to This article aims to address some of the
cope with an increasing competitive environment impacts of the insertion of enterprises in Global
for firms and its potential benefits for labor. The Value Chains on labor, especially those
participation in Global Value Chains has concerning flexibility and informality in peripheral
increased the flexibilization in work relations, countries. The traditional view on flexible
leading to increased number of informal workers, specialization states the benefits of flexible work in
especially in the beginning of chains. Thus, I order to cope with increasing integration of
present the concept of informality, how it can be markets and competition among companies. The
measured and how Global Value Chains can deal development of new strategies such as Total
with labor improvement. Studies indicate that Quality Management and Human Resources
benefits for labor are limited. Some case studies Management stresses benefits concerning
are presented in order to show how Global Value decentralization and commitment of workers
Chains have negatively impacted labor in the (PIORE AND SABEL, 1984; PALPACUER, 2000).
beginning of chains, increasing insecurity and However, for labor, most of the empirical studies
vulnerability. show that these benefits are limited, mainly for
workers at the bottom of the chains. Inclusion in
Keywords: Informality; Global Value Chains; global markets can have net benefits in income
employment conditions. and level of employment (VAN DIJK AND
TRIENEKENS, 2012), but it also excludes some
RESUMO sectors of these potential benefits, increasing, in
practice, informality and decreasing levels of
Esse artigo tem como objetivo analisar os security and stable work (BARRIENTOS, 2001;
impactos nos trabalhadores no início de Cadeias STANDING, 1999; KNORRINGA AND PEGLER,
Globais de Mercadorias. Para tanto, 2006, etc.).
primeiramente, analiso como a flexibilização da Informality can be connected with poor
mão-de-obra é usada como uma forma de lidar employment conditions, low social protection and
com um ambiente cada vez mais competitivo para social security, and lack of formal working
firmas e seus potenciais benefícios para os contracts and it is seen as the most prominent
trabalhadores. A participação em Cadeias threat to decent work principles (ILO, 2012). As
Globais de Valor tem aumentado a flexibilização the spread of benefits especially for labor and
nas relações de trabalho, levando ao aumento da development are context dependent (PEGLER,
informalidade, especialmente no início dessas 2009), my goal is to deal with the consequences of
cadeias. Em seguimento, apresento o conceito de labor in agriculture and industrial commodity
informalidade, como pode ser medido e como chains in peripheral countries, based on an
Cadeias Globais de Valor podem lidar com evaluation of study cases in Kenya, Chile, South
melhoras nas condições de trabalho. Estudos Africa, Brazil and India (BARRIENTOS, 2001;
indicam que os benefícios para os trabalhadores DOLAN, 2004; PEGLER et al, 2010; PHILLIPS
são limitados. Alguns estudos de casos são AND SAKAMOTO, 2012; CARR et al, 2000;
apresentados com a finalidade de mostrar como KANTOR et al, 2006; MEZZADRI, 2008;). The

Edição n.3, v.1 120 ISSN 2179-6165


Artigos
analyses of the impacts on labor will be driven by The success of companies in Germany, Japan
three approaches with which we can measure and Italy, however, was not based on this model of
informality (CHEN, 2006): its dimension, linkages organization. They were adopting a flexible
and characteristics. organization model, in which products are
In order to discuss these issues, this article is customized following shifts in demand (PIORE
divided into five parts in addition to this AND SABEL, 1984; DAS AND
introduction. Firstly, I will characterize the PANAYIOTOPOULOS, 1996). “Greater flexibility
traditional view on restructuring of companies in of output requires changes in the work practices,
order to cope with a more competitive and requires multi tasking and multi skilling of
environment, which has led companies to use workforce” (DAS AND PANAYIOTOPOULOS,
flexible specialization as a competitive asset and 1996, p. 57). According to Piore and Sabel (1984),
its potential benefits for workers. The flexible flexible specialization was seen as the reason why
specialization has increased the level of some companies were able to provide good
integration between firms across countries and economic performance.
has spread the segmentation of labor also within In this sense, companies started trying to
global chains. Thus, secondly, I will mention the develop and strengthen internal capabilities in
spatial element of Global Value Chains, touching order to implement flexible specialization.
upon its origins and connections with dependency Palpacuer (2000) states that enterprises have
theories, in the division of labor, presenting first followed a path of decentralization and responsive
the concept of informality and its measurement work organization in order to build up these
approaches. Then, I will present the constraints necessary internal capabilities. New management
that governance and upgrading in Global Value techniques and strategies were put into practice
Chains can present to labor upgrading. by companies in order to cope with these changes
Afterwards, some critical views on the impact of in corporate strategies.
Global Value Chains on labor will be presented. In Total Quality Management was one of the new
the fifth session, I will present agricultural and strategies adopted by firms. According to Kanji
industrial case studies, showing the (1995, p. 3), “Total Quality Management is about
consequences on labor informality. The sixth continuous performance improvement of
session will conclude showing that impacts on individuals, of groups and of organisations” to
labor are not always beneficial. Most of the satisfy customers. Measuring performance,
workers participating in Global Value Chains face training and providing feedback to workers are
insecure working conditions, reflecting the power used in this management strategy as a way to
asymmetries found in the chains. encourage people to take responsibility in the
company's activities.
2. FLEXIBILITY: THE TRADITIONAL VIEW Human Resources Management is another
technique. According to Palpacuer (2000, p. 8),
Flexibility has been discussed with more developing
intensity since the 1980/90s. Piore and Sabel core competencies requires strong integration
(1984) attempted to explain the success of of individual tasks and knowledge within the
companies in Japan, Italy and Germany based on overall activities of the organisation, the
a new form of internal organization that overcame importance of lateral interaction and
the Fordist model of production, as a response to communication as opposed to vertical command,
economic crises. Fordism is understood as the and strong commitment of individuals to the
model in which there is a strong division of labor activities and goals of the organisation.
and thus specialization, with unskilled workers With weaker internal hierarchies, Human
performing specific routine tasks, and use of Resources Management is in charge of fostering
technology to provide economies of scale for individual commitment and integration of activities
standardized products (PIORE AND SABEL, to match companies' goals, working in attitude
1984; DAS AND PANAYIOTOPOULOS, 1996). changing and adapting. This creates an

Edição n.3, v.1 121 ISSN 2179-6165


Artigos
environment of mutual trust, embedded in improve workers' attitudes toward benefiting
common, shared values, which allow consistency company's activities? From the side of workers, is
of behaviors and attitudes within the company. this flexibility good?
The workers are considered as part of a team, and Piore and Sabel (1984) claim that, as flexible
their performance and commitment to the specialization requires multitask workers, workers
company are translated into their career will increase, or try to, their skill level and would
prospects and financial incentives. The more easily find new jobs, which pay more for the best
committed the worker is, the higher his or her skilled workers. Furthermore, some studies have
probability of being promoted or earning rewards. related positively flexible work with family time
According to Piore and Sabel (1984), this would spending. Flexibility in hours and in the location of
work as a booster for innovative competition for work is perceived as positive consequences of
workers. And because of the competition, workers flexibilization (Hill et al, 2001). GEO and BMRB
would feel more connected and committed to the (2009) show that most people in England see
company. The worker's attitude, added to his or flexible work as a way to increase time spent with
her profitability to the enterprise, determines his or children.
her permanence on the job (PALPACUER, 2000). In a macro-level, flexibility can also have
Competition although would have a limit, in which positive results. Studying the connection between
it will not hazard wages and working conditions. flexibility in the labor market and unemployment,
This would happen because “[c]orporate limits on Bernal-Verdugo et al (2012) found a strong
labor exploitation are important not only in making correlation between them. Based on data for 97
competition a spur to innovation, but also in countries for the period of 1980 to 2008, they have
maintaining the organizational cohesion required developed a combined index, which includes six
for flexibility” (PIORE AND SABEL, 1984, p. 271). kinds of regulations/restrictions on labor markets:
Thereby, flexibility of the labor force is used as a minimum wage; hiring and firing regulation;
core competency. Flexibility increases companies centralized collective wage bargaining; hiring
capacity of adaptation of products and processes costs; work dismissal costs; and use and duration
to constant moving demands, switching the of military conscription. The authors argue that the
number of hours worked and the amount of labor more flexible labor market is, the lower are the
needed (PALPACUER, 2000; CHUNG, 2007). levels of unemployment. Hiring and firing
Enterprises now utilize formal and informal regulations and hiring costs are the most
homework and a range of new categories of work, influential factors in unemployment, especially for
such as outsourcing, consultants, part-time, and the young (BERNAL-VERDUGO et al, 2012).
also geographical relocation of jobs and tasks. Nonetheless, the quality of employment is not
This increasing flexibility has become possible taken into account.
due to the development of information technology, Flexible specialization, although it can have
differentiation on the labor force, especially the some positive consequences, as analyzed in this
inclusion of women and minority groups such as session, can create segmentation within the labor
migrants, and institutional adaptations of force, as part of the adaptation strategy of
governments and unions (CARR et al, 2000; companies to new demands of global markets,
PALPACUER, 2000; STANDING, 1999). which has required organizational
From the company's point of view, flexibility can decentralization and flexibility in labor contracts.
be beneficial: it reduces costs and strengthen In the intra-firm level, it generates a core-
internal cohesion, removing from the organization periphery employment system, in which regular
individuals that are not embedded in the workers embody firm's core competencies, with
company's culture and values. However, until higher levels of stability, security and labor rights –
what level is this flexibility good? Is it possible to being part of the company's team -, and peripheral
create commitment in an environment with strong workers perform more simple tasks, usually in
differentiation between workers? Is not the more informal connections with the firm.
security of stable employment necessary to Furthermore, as companies are more and more

Edição n.3, v.1 122 ISSN 2179-6165


Artigos
involved in global production networks, the spatial relations inside Global Value Chains are related to
spread of production can have consequences on an overexplotation of work, in order to generate
the country level. The distribution of production economic rents that are transferred to developed
leads to core and peripheral activities among countries. Therefore, it is clear that Global Value
countries. Core tasks remain in developed Chains can be inserted in the Marxist Theory of
countries, while simple tasks are distributed in Dependence. The session 3b will explain how the
peripheral countries. At the point of view of structures of governance, which determines what,
employment and economic growth, the who and where and when the production will take
participation of peripheral countries in global place, reflects the segmentation of central and
production and markets often in these peripheral peripheral countries in the division of production.
activities can have positive outcomes. However, However, although there is a general tendency
as some authors point out (BARRIENTOS, 2001; towards an unequal division of tasks and power
KNORRINGA AND PEGLER, 2006; DOLAN AND between central and peripheral countries, the
HUMPHEY, 2000; etc.), the benefits are limited to picture is still mixed. Even in central countries,
peripheral workers, especially for those in there are some divisions in core and peripheral
peripheral countries. workers, with increasing outsourcing and
insecurities for the latters. The development of
3. GLOBAL VALUE CHAINS: A SPATIAL value chains has created a segmented labor
ELEMENT IN EMPLOYMENT RELATIONS force, both in developed and peripheral countries,
in the intra-firm level or within a chain. However,
The insertion of peripheral countries in global the consequences are felt in different ways,
production networks is usually made in peripheral mostly due to different domestic contexts, which
activities, in which economic activities are simpler. include different levels of institutional structures,
As the employment strategies follow an civil society pressures and state regulations.
international pattern dictated by the global Furthermore, there are some chains which drivers
production chains, due to the abundance of lower are located in peripheral countries, such as the
skilled labor force, flexibility is used as a central orange juice value chain (Neves, 2008) – which
competitive advantage to attract foreign surpass the dichotomy central-peripheral
investments. The goal of governments is to create countries in the division of production and
jobs, and the quality of them is not very much economic decisions. In this sense, we need to tak
object of attention, although it has long term into account the specificities and context in which
consequences in productivity and export the Global Value Chain we are analyzing is
performance (KNORRINGA AND PEGLER, inserted in.
2006). In this sense, one might state that the
participation of peripheral countries in Global A) INFORMALITY: DIMENSION, LINKAGES
Value Chains can be understood in the light of the AND CHARACTERISTICS
Marxist Dependency Theory. In this theory, being
dependent means that some countries are Firstly, in order to build a coherent analysis of
conditioned to the development of other countries' the consequences of inclusion in Global Value
economies, not achieving selfsustainability and Chains for labor and informality, first it is needed to
subordinating themselves to decisions taken in present the definition of informality I am using.
central countries (AMARAL and CARCANHOLO, Informal work is pretty much linked to poor
2009). The insertion in the global economy is thus employment conditions, low levels of security and
unequal and generates a perpetuating situation of formal arrangements (ILO, 2002). According to
exploration and underdevelopment for the the ILO (2002, p. 5),
peripheral countries, which are not part of the
economic decision taken (SILVA, 2011). The “Informal economy” refers to all economic
dependency is even clearer when it deals with activities by workers and economic units that are –
labor issues. The implications of dependent in law or in practice – not covered or insufficiently

Edição n.3, v.1 123 ISSN 2179-6165


Artigos
covered by formal arrangements. Their activities matter of availability more than choice. Thus, their
are not included in the law, which means that they income usually is irregular and variable, exposing
are operating outside the formal reach of the law; them to vulnerability, insecurity and, in most of the
or they are not covered in practice, which means cases, to poverty. Since informal workers and their
that – although they are operating within the activities are not formally recognized in the labor
formal reach of the law, the law is not applied or not laws and regulations, their ability to form
enforced; or the law discourages compliance organizations and collectively claim their rights is
because it is inappropriate, burdensome, or reduced. Marginalized groups, such as ethnic
imposes excessive costs. groups, women, youth and elder, found
themselves in an even more vulnerable situation
Informality can be approached in three forms. (ILO, 2002).
The first one considers the dimension of Having said that, according to the ILO, to
informality: the spatial/ geographical location of promote decent work, or at least decrease its
the informal economy, its nature, considering the deficits, it is necessary to improve labor conditions
production system it is involved in, and the especially for informal workers, “ensuring that
employment conditions. The workers can be men opportunities for livelihood and entrepreneurship
or women self-employed, homeworkers, unpaid are not destroyed, and promoting the protection
family workers, informal employees of regular or and incorporation of workers and economic units
not firms, temporary workers, unregistered in the informal economy into the mainstream
workers etc. They can be in rural or urban areas of economy” (ILO, 2002, p. 7).
developing or developed countries. Figure 3.1
shows some aspects of the dimension of B ) G L O B A L VA L U E C H A I N S A N D I T S
informality: the distribution of informal workers, CONSTRAINTS FOR LABOR POSITIVE
considering gender and level of income (CHEN, IMPACTS ON PERIPHERAL COUNTRIES
2006).
The second one is related to the linkage, i.e., It is also necessary to shortly analyze how
the movements of people from informal to formal Global Value Chains add important elements to
economy/work. This dimension is very often a the discussion of informality and its
continuous flow. Workers, depending on the consequences. Global Value Chains can be
circumstances, can be part of the informal and characterized as organized networks that regulate
formal economy at the same time, combining self- and coordinate production across countries, in
employed activities with a regular job (CHEN, which the producer of a good or service can be
2006). very distant from the global consumer (VAN DIJK
The third has to do with the characteristics of AND TRIENEKENS, 2012; DOLAN AND
the informal economy. ILO (2012) points out some HUMPHREY, 2000). It helps to explain how value
of the characteristics of informal work: “lack of is added in different stages of production and how
protection in the event of non-payment of wages, profits and benefits are distributed within the
compulsory overtime or extra shifts, lay-offs chain, in different locations. Many studies that use
without notice or compensation, unsafe working GVC as theoretical framework are critical on the
conditions and the absence of social benefits such consequences of informality for labor
as pensions, sick pay and health insurance”. (BARRIENTOS, 2000 AND 2004; DOLAN, 2004;
In this manner, informality is considered one of PEGLER et al, 2010, etc.).
the most prominent threats to achieve decent
work. Decent work, as defined by ILO, implicates There are some characteristics in Global Value
basic principles regarding work rights, good Chains theory that can help to paint a picture of the
employment and income conditions, social impacts in labor rearrangements. One of them is
security and social dialogue. As put before, the importance of governance within the chain,
informal workers are not covered by fundamental which can be seen as a reflection of the
labor rights, and their activities are usually a Dependency Theory (AMARAL and

Edição n.3, v.1 124 ISSN 2179-6165


Artigos
CARCANHOLO, 2009; GEREFFI, 1994). partly determined by its market share or by its
Governance implies the capacity to drive all sorts position in the chain that allows the company to
of decisions concerning the production: what is gain high returns, making difficult for other
produced, who will produce and where the companies to entry the chain and have an
production will take place (GEREFFI et al, 2001; important role in it (GEREFFI et al, 2001). Thus,
PEGLER, 2009). Governance is thus a matter of the initial level of insertion of an enterprise in a
power within the chain. There is a core center in global commodity chain has also a strategic
the chain, from where the organization of other importance. As usually chain drivers are located in
actors emanates, determining how the chain is developed countries, the opportunities for
structured, defining the requirements and how the peripheral countries to participate in a chain are
orders are transmitted across countries (DOLAN restricted to its lowest levels, as suppliers
AND HUMPHREY, 2000). Therefore, the role of generally with low power and influence in the
leading firms will determine whether a firm will be chain coordination. In networks where the levels
inserted or not in a chain and in which position of hierarchy are not so prominent - where there are
(LEE et al, 2011). arms-length relations -, the possibility of insertion
Although, in general, “[v]alue chains in a better level or growing is higher. However,
represent a separation of production control and “developing country insertion in global value
the execution of that production” (PEGLER, 2010, chains is most likely to be of a hierarchical type
p. 104), there are some differences in its and thus their insertion, by and large, offers fewer
coordination. Gereffi (1994) has defined two opportunities for local firms in the chain”
different types of organization of global chains (PEGLER, 2009: ?).
which have been broadly adopted in the literature: Some authors point out the imposition of
the producer and the buyer driven chains. In standards and codes of conduct, connected with
producer driven chains, “chain governance is corporate social responsibility, as a way to make
exercised by companies which control key suppliers improve conditions of production, to
technology and production facilities (DOLAN AND achieve better levels of environmental and labor
HUMPHREY, 2000, p. 150). These industries are requirements and the category of first suppliers or
capital and technology intensive and require large it is even a requirement for market entry
investments, which can be seen as a barrier to the (PALPACUER, 2000; RIISGAARD, 2009; LEE et
entrance of new companies (GEREFFI, 1994; al, 2011). Therefore, standards are also an
GEREFFI et al, 2001; DOLAN AND HUMPHREY, important instrument to govern the chain (LEE et
2000). In turn, buyer driven chains are al, 2011). Dolan and Twani (2000) also state that
characterized by firms, such as retailers, firms following these standards are less prone to
supermarkets, brand-names companies, who be replaced and more able to sustain their position
have a central role in the cross-country distribution in the chain.
of production. The leading company controls key In some cases, strengthening inter-firms
functions, such as design, product development, relations and networks can work as leverage for
retailing and marketing, in a labor-intensive chain upgrading, boosting the development of skills,
of consumer goods, (CARR et al, 2000; DOLAN innovation and production processes, in order to
AND HUMPHREY, 2000; GEREFFI, 1994; move upward in the chain (KNORRINGA AND
GEREFFI et al, 2001; PALPACUER, 2000). PEGLER, 2006). In this sense, Palpacuer (2000)
Furthermore, in tandem with these two models, presents the difference between first and second
the relations between firms can have different tier suppliers. The first tier suppliers are those who
levels of hierarchy, which also have important have direct connections with leading firms.
impacts on the role the company plays in the chain Usually this category of suppliers has better
(GEREFFI et al, 2001). conditions to implement standards, more access
Therefore, governance structure plays a to markets and more power in the chain. The
major role in defining the tasks and the distribution second tier suppliers are those more informal,
of benefits. The level of power of a leading firm is whose linkage in the chain is generally more

Edição n.3, v.1 125 ISSN 2179-6165


Artigos
unstable, indirect and ephemeral. 4. DOES FLEXIBILITY LEAD TO
However, until what point leading firms facilitate IMPROVEMENTS IN LABOR? A CRITICAL
upgrading? Most importantly, does upgrading REVIEW
have an impact on labor? Does it mean
improvements for labor? Does economic According to Lee et al (2011, p. 4)
upgrading lead to social upgrading (BERNHARDT
AND MILBERG, 2011)? Despite the fact that the Some workers in GPNs [Global Production
level of insertion can be helpful for the firm, the Chains], as a result of economic upgrading, may
results for workers are not always positive. The benefit from higher wages and strong labour
traditional economic theories state that economic standards. But for many others, particularly
growth leads to improvement in income, which women and migrant workers, economic upgrading
leads to poverty reduction. In this sense, may be achieved by putting them in highly flexible,
upgrading, that is, achieving high value activities unprotected and insecure work. Poor jobs are also
in a global production chain, will lead to higher fuelled by low productivity, subcontracting, and
levels of economic growth. With increasing supplier struggles to meet buyers' requirements.
participation in trade, benefiting from Progress made in employment and wages may
specialization and providing the market with high not extend to other dimensions, like freedom of
value goods, firms and individuals would gain association.
more, in terms of returns on capital and wages
(MCCULLOCH et al, 2001). Nonetheless, not Thereby, flexible work is used by employers as
always the benefits of growth will automatically a way to reduce costs, not only in terms of wages,
mean social benefits, in terms of growing but also in non-wage labor costs, such as social
employment and wages and poverty and insurance, maternity leave, etc. (BARRIENTOS,
vulnerability reduction, especially when we take 2001; STANDING, 1999). Because firms have to
into account other aspects of poverty rather than operate in an environment with high risks and
income (BARRIENTOS AND KANJI, 2002; uncertainties regarding buyers demands, and
KNORRINGA AND PEGLER, 2006; high levels of competition, producers in the lower
BERNHARDT AND MILBERG, 2011). levels of chains are constantly pressured in order
Hence, in a context of deepening integration of to present high quality products, variety and
global markets which demand new strategies and competitive price, with requests working in a “just-
adaptation of firms, flexibility and these new forms in-time” system (BARRIENTOS, 2001;
of employment, despite some positive views BARRIENTOS, 2008; CARR et al, 2000; DOLAN
(PIORE AND SABEL, 1984; PALPACUER, 2000), AND HUMPHREY, 2000; DOLAN AND TWARI,
generate rising levels of informality (STANDING, 2001). The possibility of being replaced in case
1999), which can have negative impacts on labor the producer does not fill the requirements also
(BARRIENTOS, 2001; CARR et al, 2000, etc.). plays an important role in work flexibility
Instead of creating an environment of trust and (BARRIENTOS, 2001).
commitment, “it seems more likely to assume that In this sense, buyer-driven chains, in which
most workers simply work harder because they linkages between suppliers and buyers are fragile,
are afraid to lose their jobs” (KNORRINGA AND and in the case of agricultural commodities, where
PEGLER, 2006, p. 473). Thus, this restructuring production face a range of additional risks (price
has left not much option for many workers, often fluctuations, weather, etc.), tend to employ, at the
pushing them to accept the opportunities that are bottom of the chain, flexible work, in order to cope
available (ILO, 2002; KANTUR et al, 2006). So, with these threats (BARRIENTOS, 2001; CARR et
will peripheral countries be able to achieve decent al, 2000). “A core regular work-force is used to
work through their participation in Global Value maintain quality and consistency of output,
Chains? What could be consequences complemented by the use of highly flexible
concerning informality of peripheral countries' casualized workers to meet variable just-in-time
inclusion in Global Value Chains? deadlines, at low cost” (BARRIENTOS, 2008, p.

Edição n.3, v.1 126 ISSN 2179-6165


Artigos
982). In turn, on the side of the buyers, CARR et al, 2000; STANDING, 1999) have
outsourcing production by contracting suppliers stressed the role of Global Value Chains in the
leads to an indirect connection with these flexible risen of informality especially for women. Most of
workers in the bottom of the chain. They eliminate buyer-driven chains, which are labor-intensive,
labor supervision and problems related to it tend to employ more women in the base of the
(PEGLER et al, 2010), although there are growing chain in flexible conditions (BARRIENTOS, 2001).
pressures by consumers toward minimum So, “the governance structures of global value
standards for suppliers, particularly in global chains create a hierarchy of power relations
brand companies (BARRIENTOS, 2008; CARR et between firms that is replicated in a gender
al, 2000; RIISGAARD, 2011). On the side of hierarchy of employment” (BARRIENTOS, 2001,
workers, informality reinforces their p. 89). Carr et al (2000) also state that the
vulnerabilities, reducing their ability to overcome presence of women in the informal sector is higher
their situation of chronic poverty, because working than men. Furthermore, most of informal work is
in the informal economy is often not their choice, not counted in official statistics, which would even
but an imposition of employers or a strategy of increase women's participation in this sector.
survival (BARRIENTOS, 2001; CHEN, 2006; Women are generally working as “self-employed
DOLAN, 2004; ILO, 2002; PHILIPS AND traders and producers, casual workers or
SAKAMOTO, 2012). subcontracted workers” (CARR et al, 2000, p.
Thus, the participation in Global Value Chains 127). Women are seen to be more prone to accept
can have unfavorable consequences. Increasing poorer employment conditions, because they
employment does not necessarily means benefits traditionally had lower levels of labour-force
for workers. At an initial level, the inclusion in participation than men, with less experience of
Global Value Chains of poor areas with cheap formal employment or traditional union
labor can have an “important pro-poor economic organization. Poverty and structural adjustment
stimulus” (KNORRINGA AND PEGLER, 2006, p. have also led more women to seek paid work, as
473). There can be relatively better working households could no longer survive on male
conditions and wages in the activities linked with earning alone in a liberalized flexible labour
GVC than in other sectors. However, quickly the market” (BARRIENTOS, 2001, p. 86).
perceptions of relative improvement disappear, The higher levels of insecurity and informality
with the increasing in pressures, insecurity and among women cannot be exclusively credited to
long workloads (KNORRINGA AND PEGLER, the expansion of global capitalism in peripheral
2006). countries, its flexible demanding restructuring
Furthermore, poor people can be adversely strategies and the growing women's insertion in
incorporated into economics activities (HOSPES Global Value Chains. The inclusion of women in
A N D C L A N C Y, 2 0 11 ; P H I L L I P S A N D these lower tiers of the chains can be also
SAKAMOTO, 2012), in the sense that the terms in connected to social structures “and patriarchal
which they are included in the labor markets within ideologies and practices, which together create a
the global value chains can lead to high particular opportunity structure for exploiting
vulnerability and loss of control of their main female labor” (BAIR, 2010, p. 209). Women work
asset- their work force (PHILLIPS AND tends to be associated with dexterity, docility and
SAKAMOTO, 2012). The increasing levels of cheapness (BAIR, 2010; DOLAN, 2004).
poverty make the necessity of survival imperative. Embedded in a stereotyped gendered division of
And it makes the submission to insecure, informal labor, strengthened by social and cultural
and exploited forms of labor a necessity. Under contexts, in the firm level and within the
these conditions, “inclusion in labour markets is household, women are suggested to prefer
not a means of lifting people out of poverty; rather, flexible work, due to the facility to combine work
it is a mechanism by which they become trapped and house caring, in addition to the necessity of
in it” (PHILLIPS AND SAKAMOTO, 2012, p. 297). entry and exit the labor market (DOLAN, 2004),
Barrientos (2001) and others (BAIR, 2010; despite some evidence that piece-rate payment

Edição n.3, v.1 127 ISSN 2179-6165


Artigos
work actually increases the number of hours and industrial urban chains contexts.
worked. Most importantly, in many cases, both
women workers and employers tend to see work 5. INFORMALITY IN AGRICULTURAL AND
incomes as supplementary within the household – INDUSTRIAL VALUE CHAINS
this is especially highlighted in home work cases
(BAIR, 2010; PEGLER et al, 2010). However, Many studies have shown that peripheral
there are some benefits of growing participation of countries are integrating global value chains as
women, even in home-based work, which is suppliers of food and agricultural products and in
increasing empowerment, translated into control the garment sector (BARRIENTOS, 2001;
of her own income, more independence from DOLAN, 2004; PEGLER et al, 2010; PHILLIPS
husbands or partner, and more participation in AND SAKAMOTO, 2012; CARR et al, 2000;
household decisions. Nonetheless, the NADVI AND JHOBURN, 2003; etc.). In some
seasonality of this kind of employment, depending countries, the non-traditional agricultural exports
mostly on demand pressures, does not lead to a are becoming one of the most important sources
shift in women's status in the long term (CARR et of foreign currency and having a relevant share of
al, 2000). GDP (DOLAN, 2004; KENYAN FLOWER
Studying the impacts of upgrading on labor, COUNCIL, 2013). The garment industry is also
Knorringa and Pegler (2006) state that among the sectors in which peripheral countries
improvements for labor are more likely to happen have been presenting good economic results.
when work activities require more skilled labor Brand-name and retails from developed countries
force, when the workers are more organized and have focused their activities on designing,
the unions more representative and have marketing and logistics and have spread
international connections. The commitment of the manufacturing by contracting local firms in
chain to more ethical initiatives, like corporate peripheral countries, searching for low production
social responsibility and voluntary codes of costs (CARR et al, 2000). As they are labor
conduct, also adds to labor improvement. intensive industries, this has increased the
However, they also stress that these conditions amount of employees in the sector in many
are more likely to happen for core workers or core countries, with emphasis on female worker
suppliers, leaving most part of small and second (CARR et al, 2000; DOLAN and TWARI, 2001).
tier suppliers out. Moreover, peripheral countries Nonetheless, most of the jobs created in this
usually are involved in activities that take sector are informal. To assess whether it is good or
advantage of their abundance of labor at low cost. not, I will try to analyze these chains examining the
These activities face high levels of competition, dimension, linkages and characteristics of
which make labor improvements, even for core informality in this sector as far as possible.
workers, something transitory (KNORRINGA AND
PEGLER, 2006). Barrientos (2008) also states 5.1. AGRICULTURAL CHAINS AND ITS
that codes of conduct have some positive impacts IMPACTS ON LABOR
on permanent and regular workers, but, for
contractual workers, its impacts are limited. She Due to the geographical dispersion of workers,
states that even some violations of the codes are lower levels of organization and seasonality of
found in some locations for contract workers. crops, data on informality in agricultural activities
The next session will address some of the is in general missing. Some countries even
challenges related to informal work in some “exclude agriculture from their measurement of
Global Value Chains in peripheral countries, the informal sector” (CHEN, 2006, p. 81) or count
based on a literature review of case studies and informality in a very strict sense, as being workers
addressing the approaches by which informality without register. Thus, the further analysis will be
can be measured, as presented in the sub- based on case studies that focus on horticulture
session 3.1. The analysis will be driven by value chains in Kenya, Chile, South Africa and
examining impacts on labor in agricultural rural tomato and cattle farming value chains in Brazil,

Edição n.3, v.1 128 ISSN 2179-6165


Artigos
conducted by Dolan (2004), Barrientos (2001), that, although piece rate working is an important
Pegler et al (2010) and Phillips and Sakamoto mechanism to raise workers' productivity, it
(2012). In all these cases, labor force is increases insecurity and health risks.
segmented in permanent and temporary workers, The labor conditions in the case of
hired in general during high season. tomatoes chain in Brazil were studied by Pegler et
The horticulture sector in Kenya has a al (2010). They also mention the segmentation in
predominant presence of women and informal the workforce in temporary tomato pickers and
workers (60% in packing houses and 56% on permanent workers. In general, permanent
farms) as labor force. Women are 66% of packing workers are formal, having access to social
house workers and 60% of farm workers (DOLAN, benefits, and compose the minority of the work
2004). The wages are lower in the farms and even force. They usually live on-farm and are
lower for temporary workers. Some activities in responsible for a range of activities, such as
both cases are seen by employers as feminine, irrigation and coordination of workforce. The
requiring dexterity, docility and cheapness, which tomato pickers are urban men and women
makes their presence be higher (BAIR, 2010; dwellers, who are selected on a daily basis by
DOLAN, 2004). Men are hired for “male” tasks, middlemen in local towns and villages. Because of
such as stocking heavy packages and applying the uncertainty of being selected the next day,
fertilizers in the crops. Most of workers, both in they work on a daily piece payment per box of
farms and packing houses, are migrant, young tomatoes picked. The piece rate payment also
and single men and women. Usually, their level of obliges workers to do overtime, and presents
education is low and their previous work dangers to their health. The work is seasonal –
experience is in the informal economy, as casual around 30 days -, which increase vulnerability of
workers for men and vegetable selling or income and make necessary compensate the lack
hairdressing businesses for women. This fact is a of employment between seasons with other
constraint for better employment prospects in activities. Because the tomato farms are located in
another sector. Although workers are attracted by a region with some potential for tourism (state of
relatively higher wages, they face lack of social Goiás), there is a possibility for these informal
protection and benefits, long working hours, workers to be hired in a more secure sector
usually with over time. Moreover, for temporary (PEGLER et al, 2010).
workers, the uncertainty of employment provides Philips and Sakamoto (2012) make an analysis
extra pressure. of the vulnerabilities of workers in chronic poverty
Analyzing the horticultural chain in Chile and situations in Brazil. In this study, they focus on the
South Africa, Barrientos (2001) found that expanding cattle farming in the Eastern Amazon,
women's employment is also strongly region known as the new Brazilian agricultural
concentrated in seasonal and casual work. Men frontier. Cattle sector in facing increasing
are 95% of permanent workers in Chile and 74% in domestic and international demand, which has
South Africa in this sector, while women are 52% pushed the expansion of farmers through the
of temporary labor force in Chile and 69% in South eastern border of the Amazon. This shift on the
Africa. In Chile, most of women temporary agricultural frontier has dramatic results regarding
workers live off-farm, in near villages. In turn, in deforestation, grabbing of public lands, “along
South Africa, women live on-farm, usually due to with precarious land tenure […] and […] the
husbands' contracts. This can explain why the unlawful employment of labour” (PHILIPS AND
share of permanent women worker is higher in SAKAMOTO, 2012, p. 292). Workers in this sector
South Africa. The presence of migrants as casual are usually hired under no formal contract and
workers in South Africa is prominent. They work high levels of insecurity.
during the high seasons. Temporary workers in Some of them are found in conditions
South African and Chilean horticulture sector are analogous to slavery, under high levels of
paid on a base of piece rate, performing variable exploitation,
amount of days and hours worked. She stresses including in the non-payment or underpayment

Edição n.3, v.1 129 ISSN 2179-6165


Artigos
of wages or the manipulation of the debt in order to It is documented that garment industries are a
claim that no wages are owed to the worker, in the good source of employment for many low skilled
imposition of harsh, degrading and physically workers, especially women (CARR et al, 2000;
unsustainable working conditions, and/or in the NADVI AND JHONBURN, 2003). This appears to
imposition of dehumanizing living conditions in be true, as we see the spread of local garment
which workers are deprived of the resources firms supplying for brand-name companies within
necessary for the reproduction of their labour a value chain. However, the quality of employment
power or, indeed, biological survival (PHILLIPS is again arguable, as in the case of agricultural
AND SAKAMOTO, 2012, p. 295). insertion in value chains. Because of constant
The most vulnerable to this overexploitation are search for lower costs of production, the
those workers coming from other regions to work competition between countries and firms in this
on peripheral activities in cattle sector, such as sector is high. This competition impacts negatively
deforestation and cleaning the land for pasture. on labor, which tends to be more and more
These workers are put as “invisible” due to their informal to better adjust to it. Moreover, the
constant mobility throughout the country in a seasonality of the industry – now with 6 or even
constant search for jobs in areas where economic more seasons – requires constant changes in
activities are rising. The profile of these workers is products and in the demand for them (CARR et al,
men with low levels of education and literacy. 2000).
Phillips and Sakamoto observe that the workers In this sense, the presence of female
usually found in “slavery” situations are not the homework is significant as a form to cope with
poorest. These workers are what the authors call these shifts in the garment sector. Home-based
“working poor”: individuals with “appropriate work can be dependent or not of contracts with
physical condition for extremely demanding forms firms for selling their products, both being paid on
of manual work, whose income levels do not a piece rate payment base.
position them in the category of extremely poor” Mezzadri (2008) has made a study of the
(PHILLIPS AND SAKAMOTO, 2012, p. 303). garment sector in Delhi, India. Among her
These workers end up in this sector due to findings, she acknowledges that the more in-
insecurity and instability of employment and depth integration with global markets has
income they face, exposing themselves to increased the level of informality and insecurity
degrading and even exhausting conditions among workers, although it has enlarged the
(PHILLIPS AND SAKAMOTO, 2012). employment in the sector. The garment sector has
In all cases shown, most of the characteristics expanded employment not only the traditional
proposed by ILO regarding informal work, as tailor caste, but also has attracted migrants from
presented in section 3.1, are present. The other regions of the country, especially rural
workers, especially the temporary ones, in these areas. As a singularity among apparel industries,
agricultural chains face challenges regarding 90% of the factory workers are men and “[t]hey are
social protection and benefits, long workloads, mainly temporary and casual workers, employed
with frequent overtime, insecurity of job for short periods or on a daily basis” (MEZZADRI,
permanence and threats to health. Due to their 2008, p. 609). The cycle for migrant workers lasts
geographical spread, low and irregular income, less than a year, when they come back to their
often lack of recognition, their ability to participate villages to work on agricultural harvests.
in unions and other worker organizations is Furthermore, she has found that garments firms in
reduced. Thus, their right of association, Delhi use what is known as “in-contracting”, in
representation and collective bargaining is also which labor management is in charge of
threatened. subcontractors. These middlemen, exploiting
migrants' lack of industrial experience and their
5.2. URBAN - INDUSTRIAL CHAINS AND ITS high level of poverty, hire groups of people and
IMPACTS ON LABOR bring them to the factories. The firm owners have
then no responsibility over the workers.

Edição n.3, v.1 130 ISSN 2179-6165


Artigos
The Delhi garment industry also relies in especially for women, through access to written
embroidery of clothes, machine or hand made. In contract and fair dismissal terms in order to fight
the case of machine embroidery, the workforce is increasing poverty levels that might be the driven
predominantly male migrants. The Indian hand to submission of such kind of “indecent” job
embroidery can be adda, related to a traditional (KANTUR et al, 2006).
Indian type of embroidery, or moti. In adda, the In these two cases in India, the workers face
work force employed is usually migrant children, lack of social benefits and protection. The ability to
whose wages are in general half of an adult participate in unions is also diminished. This is
worker. However, the embroidery units in Delhi especially important in the case of garment
only count for sampling and urgent deliveries. The industry in Delhi. Exporters and firm owners fear
gross of production is delivered to home workers unionism. They explore workers' conditions –
in small villages, using family members. The moti migration, lack of industrial experience, gender,
embroidery is made mostly by female workers in a age – to avoid unionism. Furthermore, exporters
home work basis, assisted by children, in or spread the production in several firms, in order to
around industrial areas (MEZZADRI, 2008). cope with risks in delivery due to labor possible
Kantor et al (2006) have proceeded a study of organization (MEZZADRI, 2008).
the informal sector in Surat, India. In this city, most
of the economic activity comes from diamond 6. CONCLUSIONS AND RECOMMENDATIONS
cutting, synthetic silk and Jari (gold thread), which
are connected to domestic and global chains. As As presented during the paper, flexibility in
in all India, Surat presents high levels of informal working relation was used as a response to shifts
work. Informality appears in the form of salary- in the global economy, which required adaptation
based, casual, self-employment and home-based in order to increase competitive advantages for
piece paid, which characteristics were outlined firms. The adjustments were also felt in the labor
through interviews with 814 women and men. market, with the inclusion of new groups in the
They have tried to measure the level of labor force, and institutional adaptation, regarding
vulnerabilities these workers face in the informal labor laws and regulations and unions' role.
economy, in terms of deficits in decent work However, although flexibility has been related to
standards, as proposed by the ILO and mentioned diminishing unemployment rates, it has created a
in the beginning of this session. Workers were differentiation within the labor force. While some
asked about security in the labor market, job, workers benefit from flexibility, especially those in
employment, work, skill reproduction, income and core positions (KNORRINGA AND PEGLER,
representation. 2006; BARRIENTOS, 2008) some workers have
Kantor et al (2006) results have shown slightly faced declining quality in jobs, regarding social
better labor conditions for male salary workers security, income and benefits. Thus, the inclusion
and the worst ones by male and female casual and of some workers in labor markets can be
piece rate workers. They point out that men are described as been carried in an adverse way
the majority labor force in casual work while the (PHILLIPS AND SAKAMOTO, 2012).
presence of women is higher in the home-based In this sense, the adverse inclusion has made
piece rate work. The level of insecurity for women more difficult to achieve decent work for all, both
is higher than for men, as the number of formal and informal workers. “Decent work can be
unemployed days for female workers and the level linked to poverty reduction since increased
of dismissal without warning are higher, for opportunities for work, increased rights at work,
example. The main problems found by the social protection and a greater voice in the
authors are the low levels of payment, especially workplace are associated with improvements in
for domestic servants and home-based piece rate capabilities and well-being” (KANTUR et al, 2006,
workers, the amount and regularity of work days p. 2089). Nevertheless, the segmentation in the
and training. There is a special recommendation labor for in formal and informal workers has
for increasing in some level formalization, increased the level of insecurity, and decreased

Edição n.3, v.1 131 ISSN 2179-6165


Artigos
voice and labor rights. This segmentation is women are usually hired for “feminine” positions,
happening not only at the macro level, with high in the lower levels of the chains, which have lower
differentiations in labor rights between developed payments and conditions (BAIR, 2010; DOLAN,
and peripheral countries, but also in the micro 2004). This situation can also be attributed to
level, within the firm, where we see some workers cultural values and contexts, in which female work
enjoying a more secure position and others facing is considered as a supplement income. Also
daily challenges and insecurity. because of cultural contexts, women face a trade-
Global Value Chain analysis allows us to make off between working outside and home caring.
a good picture of how these shifts have affected Some studies also point out benefits of women's
different sectors and different actors. Global Value inclusion in the labor markets, such as
Chains are related to the deep coordination of empowerment and participation in household
productivity and distributions of gains, in a chain decisions (CARR et al, 2000). Informality has also
where production control and management is strong impacts on mobile workers, as exposed by
separated from execution and manufacturing. The Dolan (2004) and Phillips and Sakamoto (2012).
concept of governance is crucial to understand The appearance of intermediate actors, which
this coordination, its hierarchies and the challenge the capacity of representation and the
distribution of benefits. The different types of value workers' control over his or her main asset, is also
chains determine the positions of its actors. a consequence of informality (PEGLER et al,
Thereby, the initial position that a firm entries in the 2010; MEZZANDRI, 2008).
chain is also very important. It determines the kind These analyses lead to the conclusion that
of relations developed between drivers and social and cultural backgrounds, gender and
suppliers and thus the possibilities of upgrading. mobility of workers are exploited in order to cope
The imposition of standards also plays a crucial with risks imposed by an integrated economy of
role in determining who is in and out of the chain, production. In this sense, because they involve
at the expense of small and less capitalized not only domestic actors that are restricted to the
producers. national context, but also international players
Upgrading is usually seen as a way to achieve with varied levels of power and influence, working
higher levels in the chain, and can be done with regulations need to be addressed from a global
products, process or functions. Upgrading can perspective too. Directives of ILO addressing
mean increased gains, but it does not say decent work deficits altogether with national
anything about the distribution of these gains, if programs are already trying to tackle these
there are some, especially for labor. In other problems. Voluntary and mandatory codes of
words, economic upgrading does not necessarily conduct, alongside internal organizational
means social upgrading. adjustments, right enforcement and compliance
As the literature analyzing Global Value monitoring are also paths that if followed can
Chains has shown, the inclusion of peripheral generate positive results for producers and
countries in these chains has not promoted decent workers (LOCKE et al, 2007).
work. The workers are often included in an A first and important attempt to include informal
adverse way, with high levels of informality, workers in the formal economy is giving them
insecurity and vulnerability, which can even end recognition as workers in laws and regulations. It
up in hard forms of exploitation, as put by Phillips means introducing new labor laws that recognize
and Sakamoto (2012). The women situation is informal workers' rights and punish labor abuses,
particularly delicate, as stated by many of the helping to direct employer's actions towards
studies presented. The inclusion of an increasing minimal improvements in employment conditions
number of women in the labor force can be a result and relations. New labor laws and regulations
of chronic poverty and structural adjustments that would allow the creation of informal workers'
made necessary more sources of income within organizations or strengthen their participation in
the household – a situation of increased unions, increasing their voice and their power for
vulnerability (MOSER, 1998). Nonetheless, demanding improvements. Without being

Edição n.3, v.1 132 ISSN 2179-6165


Artigos
recognized and organized, informal workers are Approach in Examining Labour Market Flexibility
unable to identify their mutual needs and lobby for Focusing on European Companies. International
progress. Supporting and encouraging women's Social Security Association International
th
participation is highly recommended, since Research Conference on Social Security, 5
women are the most affected by flexible working International Research Conference on Social
forms. Security and the Labour Market: A Mismatch?,
Warsaw, p. 1-36, Mar 2007.
REFERENCES DAS, S. K. and PANAYIOTOPOULOS, P.
Flexible Specialisation: New Paradigm for
AMARAL, M. S. and CARCANHOLO, M. D. A Industrialisation for Developing Countries?
Superexploração do Trabalho em Economias Economic and Political Weekly, v. 31, n.52, p.
P e r i f é r i c a s D e p e n d e n t e s . R e v. K a t á l . 57-61, 1996.
Florianópolis, v. 12, n. 2, p. 216-225, 2009. DIEESE and NEAD. Estatísticas do Meio Rural
BAIR, J. On Difference and Capital: Gender and 2010-2011, São Paulo: DIEESE, NEAD, MDA,
the Globalization of Production. Signs, v. 36, n. 1, 2011.
p 203-226, 2010. DOLAN, C. On Farm and Packhouse:
BARRIENTOS, S. Gender, Flexibility and Global Employment at the Bottom of a Global Value
Value Chains. IDS Bulletin, v. 32, n. 3, p. 83-93, Chain. Rural Sociology, v. 69, n. 1 ,p. 99–126,
2001. 2004.
BARRIENTOS, S. and KANJIi, N. Trade DOLAN, C. S. and HUMPHREY J. Governance
Liberalisation, Poverty and Livelihoods: and Trade in Fresh Vegetables: The Impact of UK
Understanding the linkages. IDS Working Paper, Supermarkets on the African Horticulture Industry.
v. 159, p. 1-45, 2002. Journal of Development Studies, v. 37, n. 2, p.147-
BERNAL-VERDUGO, L. E., FURCERI, D. and 76, 2000.
GUILLAUME, D. Labor Market Flexibility and DOLAN, C. S. and TWARI, M. From What We
Unemployment: New Empirical Evidence of Static Wear to What We Eat: Upgrading in Global Value
and Dynamic Effects. IMF Working Paper, p. 1-26, Chains. IDS Bulletin, v. 32, n. 3, p.94-104, 2001.
2012. GEO and BMRB. Flexible Working: Benefits and
BERNHARDT, T. and MILBERG, W. Does Barriers - Perceptions of Working Parents. 2009.
Economic Upgrading Generate Social D i s p o n í v e l e m :
Upgrading? Insights from the Horticulture, http://sta.geo.useconnect.co.uk/PDF/294951_G
Apparel, Mobile Phones and Tourism Sector”, EO_flexible_working_acc.pdf (Acesso em: 11
Capturing the Gains Working paper, v. 7, p. 1-34, Mar. 2013)
2011. GEREFFI, G., HUMPHREY, J., KAPLINSKY, R.
CARR, M., CHEN, M. A and TATE, J. Globalization and STURGEON, T. J. Introduction: Globalization,
and Home-Based Workers, Feminist Economics, Value Chains and Development. IDS Bulletin, v.
v. 6, n. 3, p. 123-142, 2000. 32, n. 3, p.1-8, 2001.
CHEN, M. A. Rethinking the Informal Economy: GEREFFI, G. The organisation of buyer-driven
Linkages with the Formal Economy and the global commodity chains: how US retailers shape
Formal Regulatory Environment. In: GUHA- overseas production networks. In: GEREFFI, G.
KHASNOBIS, B., KANBUR, R. and OSTROM, E. and KORNIEWICZ, M. (Orgs.). Commodity
(Org.). Linking the Formal and Informal Economy: chains and global capitalism, Westport:
Concepts and Policies. Oxford: Oxford University Greenwood Press, 1994, p. 95-123.
Press, p. 75-92, 2006. HILL, E. J., HAWKINS, A. J., FERRIS, M. and
CHUN, J. J. The Limits of Labor Exclusion: WEITZMAN, M. Finding an Extra Day a Week:
Redefining the Politics of Split Labor Markets The Positive Influence of Perceived Job
under Globalization. Critical Sociology, v. 34, n. 3, Flexibility on Work and Family Life Balance.
p. 433-452, 2008. Family Relations, v. 50, n.1, p. 49-58, 2001.
CHUNG, H. Flexibility for Whom: A New HOSPES, O. and CLANCY, J. Unpacking the

Edição n.3, v.1 133 ISSN 2179-6165


Artigos
discourse on social inclusion in value chains” in: employment. Competition and Change, v. 4, n.4,
HELMSING, A. H. J. and VELLEMA, S. (Orgs.) p.1-48, 2000.
Value Chains, Social Inclusion and Economic PEGLER, L. “Cadeias Produtivas”. In: CATTANI,
Development: Contrasting Theories and D. et al (Orgs.), Dicionário Internacional da Outra
Realities, Abingdon: Routledge, 2011, p. 23-41. Economia, Almedina, Coimbra: Almedina, 2009..
ILO (2002) “Effect to be given to resolutions PEGLER, L., SIEGMANN, K. A. and VELLEMA, S.
adopted by the International Labour Conference Labour in Globalized Agricultural Value Chains. In:
at its 90th Session”, 2002. Disponível em: HELMSING, A. H. J. and VELLEMA, S. (Orgs.)
http://www.ilo.org/public/libdoc/ilo/GB/285/GB.28 Value Chains, Social Inclusion and Economic
5_7_2_engl.pdf Acesso em: 28 Fev. 2013. Development: Contrasting Theories and
KANJJI, G. K. Quality and Statistical Concepts In: Realities, Abingdon: Routledge, 2012, p. 102-120.
___________ Total Quality Management – PHILLIPS, N. and SAKAMOTO, L. Global
Proceedings of the First World Congress. London: Production Networks, Chronic Poverty
Chapman & Hall, 1996, p. 3 -10. and 'Slave Labour' in Brazil. St Comp Int Dev, v.
KANTUR, P., RANI, U. and UNNI, J. Decent Work 47, p. 287–315, 2012.
Deficits in Informal Economy: Case of Surat. PIORE M. and SABEL, C. The Second Industrial
Economic and Political Weekly, p. 2089-2097, Divide, New York: Basic Books, 1984.
2006.. RIISGAARD, L. Global Value Chains, Labor
KNORRINGA, P. and PEGLER, L. Globalisation, Organization and Private Social
Firm Upgrading and Impacts on Labour. Standards: Lessons from East African Cut Flower
Tijdschirift voor Economische en Sociale Industries. World Development, v. 37, n.2,
Geografie, v. 97, n. 5 p.470-479, 2006. p.326–340, 2009.
LEE, J., GEREFFI, G. and BARRIENTOS, S. S I LVA , F. S . B . O f e n s i v a C a p i t a l i s t a e
Global Value Chains, Upgrading and Poverty Superexploração da Força de Trabalho: uma
Reduction. Briefing Note, v. 3, p. 1-6, 2011. Abordagem em Torno da Teoria Marxista da
D i s p o n í v e l e m : Dependência. VI Jornada Internacional de
http://www.capturingthegains.org/pdf/ctg_briefin Politicas Públicas, 2011.
g_note_3.pdf (Acesso em: 1 Mar. 2013) STANDING, G. Global Feminization through
LOCKE, R., KOCHAN, T., ROMIS, M. and QIN, F. Flexible Labor: a Theme revisited. World
Beyond corporate codes of conduct: Work Development, v. 27, n. 3 p. 583-682, 1999.
organization and labour standards at Nike's VAN DIJK, M. P. and TRIENEKENS, J. Global
suppliers. International Labour Review, v. 146, n. Value Chains – An Overview of the Issues and
1–2, p.21-40, 2007. C o n c e p t s .
MEZZADRI, A. The Rise of Neo-Liberal In:_______________________(Orgs.) Global
Globalisation and The 'New Old' Social Value Chains: Linking Local Producers from
Regulation of Labour: A Case of Delhi Garment Developing Countries to International Markets,
Sector. The Indian Journal of Labour Economics, Amsterdam: Amsterdam University Press, 2012,
v. 51, n. 4, p. 603-618, 2008. p. 9-30.
MCCULLHOCH, N., WINTER, L. A . and CICERA,
X. Trade liberalization and Poverty: a Handbook,
London: Centre for Economic Policy Research,
2001.
NADVI, K. and JHOBURN, J Vietnam in the
Global Garment and Textile Value Chain:
implications for firms and workers”, IDS, p. 1-26,
2003.
PALPACUER, F. Competence-based strategies
and global production networks: A discussion of
current changes and their implications for

Edição n.3, v.1 134 ISSN 2179-6165


Resumos
SILVEIRA, José Renato Ferraz da Silveira. William Quer dizer, o domínio sobre a Fortuna, o triunfo
Shakespeare e a teoria dos dois corpos do rei: sobre as dificuldades, os meios para obter e
a tragédia de Ricardo II. Resumo de tese de manter o poder. Logo se extrai a ideia de que ser
doutorado. São Paulo: Pontifícia Universidade bem sucedido na ação política é a meta do
Católica de São Paulo, 2009. Príncipe. Shakespeare projeta o saber histórico
artístico sobre o campo do pensamento político,
A tragédia da política é a certeza do marcando o momento da instauração da
inesperado, a constante reposição de energias modernidade. Por meio de pesquisa teórica e
humanas, o esforço para evitar o inexorável, a bibliográfica, este estudo se volta ao
busca da ordem e da harmonia em face do entendimento acerca do impactante e devastador
desequilíbrio e do caos, sob a linha tênue entre o significado de política como tragédia, em que
desejável e o possível, o planejado e o realizado, buscamos, com base na Hermenêutica – ciência,
o alcançável e o impossível. A trajetória técnica que tem por objeto a interpretação -
inequívoca do jogo dicotômico do poder perpassa enfocar, relacionar e analisar o tempo histórico da
épocas e gerações em que se sucedem governos obra de William Shakespeare (1564-1616), o
legítimos e governos usurpadores, legitimidade e governo do rei inglês Ricardo II (1377-1399), além
abuso do poder, enfim, bom governo e mau da controversa teoria do direito divino dos reis -
governo. A circularidade da história se encontra reforçada, discutida e ampliada - pelos juristas
nas grandes linhas do seu movimento, como a ingleses durante o governo da rainha Elisabeth
inevitabilidade do conflito. Ipso facto, a política (1558-1603). Foram selecionados - como
contém em si mesma o potencial permanente de recortes para análise - os conflitos, os paradoxos,
gerar a usurpação, a violência e a guerra. De as tensões, as intrigas, as traições, a busca de
Maquiavel a Nietzsche, passando por Hobbes e legalidade e legitimidade, os iminentes
Marx, a política como tragédia aponta para a envolvimentos dos seres humanos, em uma
insuficiência das práticas políticas e clarifica que o situação trágica, em que a vida e a morte,
governante (ou o indivíduo) não tem controle ascensão e decadência, glória e fracasso são
absoluto de suas ações. Nesse sentido, a etapas inevitáveis e constitutivas da eterna
imprevisibilidade e o descontrole fazem parte das disputa pelo poder político. Não podemos
conjunturas políticas. E é a partir do entendimento esquecer-nos do sofrimento que é um ingrediente
trágico da política que ela pode ser compreendida indispensável e inerente à condição humana.
como um reino portador de negatividade para o Acreditamos que Shakespeare intentou revelar a
indivíduo e para o coletivo, ao mesmo tempo em tragédia dos Dois Corpos do rei nessa peça
que é uma esfera de viabilidade para a vida em Ricardo II. A arte trágica de Shakespeare capta
sociedade. Essa dimensão trágica da vida política uma variedade quase infinita de estados de alma
em que o sujeito age em busca do poder político e – as suas peças foram escritas para o teatro
é “lançado” ao embate, tendo, de um lado, o contemporâneo – aproveitando as possibilidades
desejo, a vontade, o ímpeto a determinação do palco isabelino com enorme engenho e
humana, e de outro, um processo baseado na invenção. É um olhar penetrante, um olhar que
Razão de Estado, portador de uma lógica própria mergulha no coração do mundo. Mas é uma
e imperiosa, contém em si o embrião anunciado leitura crítica da vida social e política.
em “Macbeth” que pode gerar o “...horror, horror, Shakespeare percebe o poder como atraente,
horror”. Retomar o pensamento trágico, na traiçoeiro, caracterizado pela incerteza,
atualidade, insere-se numa realidade porquanto nada é estável e o espaço da política
fragmentada, em pedaços, como amizade, amor, constitui-se e é regido por mecanismos distintos
loucura, sonho, ambição, religião e morte, e está dos que norteiam a vida privada. Esse é o
em constante e absurdo movimento. A tragédia na pensamento político moderno que inaugura a
política é o reconhecimento que em cada situação tradição da razão de Estado (raison d´État) e a
há a necessidade de um certo tipo de ação política autonomia da política. Tanto Shakespeare como
diferente da que é solicitada em outras condições. Maquiavel desvinculam a moralidade cristã da

Edição n.3, v.1 135 ISSN 2179-6165


Resumos
política. Ou seja, expõem o realismo – escola,
teoria, paradigma – em que a meta do político é
evitar a todo custo a perda do poder. A peça
Ricardo II é reconhecida pela força dramática, a
linguagem política carregada de signos e
símbolos, e pelo debate em torno da teoria do
direito divino dos reis. Por essa razão, não se
pode separar essa doutrina jurídica medieval da
produção literária de Shakespeare e, se essa
teoria esvaneceu no tempo, ainda possui,
hodiernamente, significado concreto e humano,
isso, em grande parte, se deve a ele. Sem dúvida,
vemos que a literatura pode fornecer consistentes
elementos para auxiliar na compreensão da
realidade. O conhecimento produzido pela arte
amplia as fronteiras do conhecimento e agrega
novas potencialidades para a área do saber. E
consideramos, neste trabalho, que Shakespeare
dominava o jargão de quase todo o ofício
humano, além do contato deste com a fala
constitucional e jurídica de seu tempo. Além
disso, a concepção do poeta sobre a natureza
gêmea do rei não depende de amparo somente
constitucional, uma vez que a peça concebe a
face geminada do rei. Nesse sentido, objetivamos
que a pesquisa em pauta contribua à busca do
entendimento da teoria dos Dois Corpos do rei,
que consiste em uma ramificação do pensamento
teológico cristão e, consequentemente, essa
peça permaneça como marco da teologia política
cristã. Portanto, o presente estudo representa um
referencial teórico ímpar nos campos da teoria
política e da história das relações internacionais.

Edição n.3, v.1 136 ISSN 2179-6165


Resumos
LOPES, Gills. Reflexos da digitalização da proposto pela Escola de Copenhague, a qual
guerra na política internacional do século XXI: sustenta que uma análise objetiva de tal processo
uma análise exploratória da securitização do político é praticamente impossível (p. 53). O
ciberespaço nos Estados Unidos, Brasil e Esquema 1 demonstra o espectro da
Canadá. 2013. 129 f. Dissertação (Mestrado em securitização, segundo essa corrente de
Ciência Política) – Programa de Pós-Graduação pensadores.
em Ciência Política, UFPE, Recife, 2013. Quanto à revisão da literatura, autores
brasileiros e estrangeiros de Ciência Política e
A Dissertação ora em análise parte do Relações Internacionais figuram
pressuposto de que, no século XXI, as novas majoritariamente no corpo do trabalho, com
tecnologias de informação e comunicação (NTIC) especial atenção a Barry Buzan e seus
jogam papel fulcral para que muitos Estados colaboradores (1998), Clausewitz (2007), Érico
consolidem, no âmbito interno, a segurança de Duarte (2012), Joseph Nye (2008; 2011), Domício
seus cidadãos e, no externo, a defesa de sua Proença Jr. e Eugenio Diniz (1998), Rafael Villa e
independência e soberania. Entrementes, a Rossana Reis (2006), Richard Clarke e Robert
questão que envolve a defesa da soberania Knake (2012), Shiguenoli Miyamoto (1998; 2003),
estatal no ciberespaço cresce nos principais dentre outros.
fóruns nacionais e internacionais, sobretudo No que se refere à metodologia, utilizam-se a
quanto ao papel das forças armadas nesse lógica dedutiva popperiana e o estilo qualitativo e
ambiente que, assim como o sistema quantitativo de análise, com a utilização de
internacional, é anárquico, i.e., não possui um e- entrevistas (com especialistas nacionais e
Leviatã. internacionais em Segurança Internacional e em
A Dissertação aborda possíveis impactos de Ciência da Computação), estudos de caso
uma securitização militar do ciberespaço na (Estônia 2007, Geórgia 2008 e Stuxnet e suas
política internacional do século XXI. Escolhe-se a variantes 2010-2012), análise de discursos de
defesa cibernética como objeto de estudo, policy makers e militares e documentos oficiais,
justamente por ela possibilitar inferências sobre a bem como o auxílio de softwares de análises
materialização politicoinstitucional de tal quantitativa (R Project e IBM SPSS) e qualitativa
temática, buscando-se, para isso, sustentação na (ATLAS.ti).
teoria da securitização, proposta pela Escola de O framework proposto para a ESMC é
Copenhague. composto de três conjuntos de variáveis, sendo
Nesse sentido, o trabalho objetiva: (i) identificar uma quantitativa/objetiva e duas
as principais ameaças (ciber)existenciais para o qualitativas/subjetivas. O primeiro é o Índice de
setor militar, revelando o porque de esse Politização Virtual da Defesa Cibernética
processo se intensificar no século XXI; (ii) projetar (IPvDC). O segundo conjunto é o chamado Índice
quais as condições para tal securitização; e (iii) de Politização Documental da Defesa Cibernética
explicar seus efeitos na política internacional, (IPdDC). E o derradeiro é o Índice de Politização
com fulcro nos casos estadunidense, brasileiro e Institucional da Defesa Cibernética (IPiDC).
canadense. Quando esses três índices de politização da
A fim de satisfazer a esses objetivos, defesa cibernética são analisados conjuntamente
engendra-se o Espectro da Securitização Militar é possível evidenciar o ESMC.
do Ciberespaço (ESMC), um framework de Nesse sentido, a Dissertação se compõe de
análise – baseado na teoria da securitização – três seções, sete esquemas, 11 gráficos, 33
com foco na defesa cibernética num determinado tabelas, quatro capítulos, referências, glossário,
tempo (século XXI) e espaço (Estado). Assim, o cinco apêndices e um anexo.
presente trabalho sustenta que o processo de Sua primeira seção introduz onto, epistêmico e
securitização do ciberespaço pelo setor militar metodologicamente o trabalho. A seguinte versa a
pode ser objetiva e subjetivamente analisado, emergência do debate sobre “defesa cibernética”
como uma tentativa de superação do desafio na política internacional. A terceira seção realiza

Edição n.3, v.1 137 ISSN 2179-6165


Resumos
análise exploratória da securitização militar do
ciberespaço nos cases estadunidense, brasileiro
e canadense, de forma individual e agrupada.
Vale ressaltar que é nesta terceira seção em que o
ESMC é engendrado. E, por fim, a quarta seção
lança considerações finais, destacando à
concretização dos três objetivos da Dissertação
supracitados.
A seção conclusiva busca corroborar a
hipótese de que, além de haver a securitização do
ciberespaço pelo setor militar, tal processo tem
reflexos na política internacional hodierna. Como
consequência, é possível situar os três Estados
selecionados no ESMC, conforme o Esquema 2.

Edição n.3, v.1 138 ISSN 2179-6165


Comunicações
MATE-PAPO: AS RELAÇÕES convidados e aos temas desenvolvidos em cada
INTERNACIONAIS E O MUNDO encontro.
Com o objetivo de promover o projeto, foi
Claudio Sbrissa e Yasmin Ornelas c r i a d o u m b l o g ,
<http://projetomatepapo.blogspot.com.br/2012/0
O projeto de extensão “Mate-Papo: as 4/conhecendo-nosso-projeto.html> e uma página
Relações Internacionais e o Mundo” é composto n a r e d e s o c i a l F a c e b o o k
por uma série de eventos gratuitos e abertos ao <https://www.facebook.com/mate.papo>, os
público. O projeto é desenvolvido no âmbito do quais são alimentados constantemente, com
Curso de Relações Internacionais do Centro materiais sobre as futuras palestras, bem como
Universitário Ritter dos Reis e sua coordenação fazendo um breve resumo das que já ocorreram.
está a cargo dos professores Cristine Koehler Em consequência do sucesso do projeto acabou-
Zanella e Marc Antoni Deitos. Seu principal se optando por aderir também a outras redes
objetivo é estabelecer o convívio com s o c i a i s c o m o o T w i t t e r
profissionais que trabalham tanto no setor público <https://twitter.com/mate_papo>.
quanto no setor privado das mais variadas áreas Ao longo do ano de 2012, realizamos 09
das Relações Internacionais, como por exemplo, encontros. Após o Mate-Papo, os alunos bolsistas
a Antropologia, a Economia e a Sociologia. O editam momentos marcantes da fala do(a)
projeto se desenvolve por meio de encontros convidado(a), além de produzirem um DVD
mensais que privilegiam a dinâmica do diálogo composto pelo vídeo completo da entrevista, por
em substituição a uma exposição unívoca, sendo fotos do encontro e pelos materiais utilizados em
o diferencial o clima mais informal criado, bem sala de aula, compondo um registro completo de
como o tempo de duração do projeto, que é de cada Mate-Papo, o qual é disponibilizado através
uma hora, fazendo assim com que a fala do dos meios de comunicação já citados
entrevistado não seja massiva como geralmente anteriormente. Como convidados e temas do ano
o é uma palestra tradicional. Além do aprendizado de 2012 tivemos respectivamente: Rosana
adquirido e dos contatos feitos, os alunos de Pinheiro Machado e “Um diálogo sobre a China:
Relações Internacionais possuem, no Mate- vidas e universos por trás de um gigante em
Papo, um dia em que todos os estudantes do expansão”, Thales Augusto Zamberlan Pereira e
Curso e grande parte dos professores se as “Migrações: mitos nacionais, preconceitos
encontram, possibilitando uma troca de Culturais” Diego Trindade D'Ávila Magalhães e os
experiências entre os semestres avançados e os “Globalizadores do Século XXI: Países
iniciantes. Pelo foco do projeto constituir na Emergentes e a Globalização Sul-sul”, Érico
criação de uma atmosfera acolhedora, em que um Esteves Duarte e a “Estratégia de poder nas
chimarrão está sempre circulando, para tratar de Relações Internacionais – Segurança e Defesa
temas sérios e complexos das Relações em debate”, André Luiz Reis da Silva e a “Política
Internacionais, e visando estabelecer a Externa Brasileira: oportunidades e desafios em
interdisciplinaridade no Curso, neste dia todos os um mundo em reordenação”, Raphael Carvalho
professores realizam uma atividade avaliativa em de Vasconcelos e “A intervenção regional em
sala de aula sobre o tema abordado na conversa análise: estrutura e movimentos recentes do
com o convidado. O projeto conta com o apoio de processo no MERCOSUL”, Stéphane Rodrigues
dois bolsistas atualmente, Claudio Sbrissa e Dias e “A paz passa pelo discurso: contribuição da
Yasmin Ornelas, responsáveis pela organização linguística para mediação de conflitos políticos
do espaço, recepção dos alunos, alimentação das internacionais”, Edson José Neves Júnior e “O sul
redes sociais com materiais relativos aos da Ásia em pauta: segurança internacional e a

Edição n.3, v.1 139 ISSN 2179-6165


Comunicações
guerra contra o terror” e Kelly Lissandra Bruch e
as “Medidas de Defesa Comercial: o caso da
salvaguarda do vinho brasileiro”.
Ao término do primeiro semestre do Projeto, foi
aplicada uma pesquisa de satisfação, cujos
resultados demonstraram que a maioria dos
alunos aprovam os temas propostos e
consideram o projeto excelente para sua
formação profissional. Como conclusões parciais,
observamos que o evento está sendo muito bem
recebido pelo público e há um alto grau de
aproveitamento do conteúdo exposto nos Mate-
papos.
Nesse início de 2013 já ocorreram dois
encontros do Mate-Papo. No primeiro tivemos
como convidado Rodrigo Rodembusch, com o
tema “Entre conclaves e notícias: a prática da
cobertura jornalística de eventos de impacto
internacional”, e no segundo encontro contamos
com a presença de Sílvia Regina Ferabolli, sendo
“A dinâmica política do Mundo Árabe: reflexões
sobre primaveras e intervenções” o tema do
Mate-papo. Após recebermos uma resposta
positiva do corpo discente, foi procurado um
modo de envolver os alunos de uma forma mais
participativa. Para tanto, neste ano, surgiu o
concurso “Sua pergunta na pauta do Mate-Papo”,
em que os alunos, após a leitura do material
disponibilizado nos nossos meios de divulgação
(redes sociais e blog), enviam uma pergunta,
acerca do tema do próximo encontro, para a
seleção a ser realizada pelos dois professores
orientadores. O aluno cuja pergunta foi escolhida,
além de formula-la diretamente ao convidado,
tem seu nome vinculado ao livro do Mate-Papo e
recebe, como prêmio, um livro da área das
Relações Internacionais.

Edição n.3, v.1 140 ISSN 2179-6165

Você também pode gostar