Você está na página 1de 13

EIXO TEMÁTICO II - Saúde e trabalho docente

TRABALHO DOCENTE E SAÚDE EM UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR DA


BAHIA

Nara Eloy Machado da Silva


Daniel dos Santos Figueirêdo
Carlos Eduardo Soares de Freitas
Tânia Maria de Araújo
Ivone de Sena Paranhos
Núcleo de Epidemiologia – Universidade Estadual de Feira de Santana

RESUMO

Estudos envolvendo atividades docentes e sofrimento profissional vêm sendo


ressaltados nos últimos anos. O professor, como sujeito de direito, está envolvido por duas
realidades: ora possui plena capacidade laborativa, ora fica impossibilitado de trabalhar,
muitas vezes por motivo de doença ou acidente de trabalho. Pesquisas revelaram que as
condições precárias de trabalho têm gerado um processo de desgaste físico, mental e até
mesmo jurídico à categoria dos docentes. Foi realizado estudo qualitativo por meio de
pesquisa bibliográfica a partir de material já existente, como livros, artigos, legislações que
não tiveram sua interpretação exaurida e permitem uma releitura; apoiou-se, ainda, em
dados de pesquisa quantitativa desenvolvida pelo Núcleo de Epidemiologia da Universidade
Estadual de Feira de Santana (UEFS). Constatou-se que dos 314 docentes entrevistados, a
maioria se encontrava na faixa etária de 30-39 anos, o sexo feminino foi predominante
(52,9%). Destaca-se que o contexto político neoliberal produz efeitos nocivos à saúde e às
condições de trabalho dos professores. A política de ensino público atual é circundada por
aspectos negativos, dentre eles estão a falta de recursos materiais, a omissão estatal, os
baixos salários e o desconhecimento por parte dos docentes servidores públicos das suas
garantias jurídicas, bem como a inexistência destas. Por um longo período a doença do
trabalho e as péssimas condições laborativas da categoria docente permaneceram
invisíveis. O estudo revelou, ainda, que os professores apresentaram significativo padrão de
desgaste físico e mental. A política educacional implementada pelo governo estadual que
pouco prioriza a educação e a ausência de reconhecimento da sociedade à atividade
docente, aliados à inadequada qualidade do ambiente e as condições em que exerciam o
trabalho contribuíam para o desgaste observado. Evidenciou-se também a escassez de
legislação específica sobre proteção da saúde e regularização do ambiente de trabalho do
professor universitário.
Palavras-chaves: Ambiente de trabalho – Legislação – Universidade – Trabalho docente.

VI SEMINÁRIO DA REDEST RADO - Regulação Educacional e Trabalho Docente


06 e 07 de novembro de 2006 – UERJ - Rio de Janeiro-RJ
1
EIXO TEMÁTICO II - Saúde e trabalho docente

1 INTRODUÇÃO

O trabalho sempre teve papel essencial na vida dos seres humanos. Desde o
período primitivo o homem já necessitava trabalhar para sobreviver. Com o decorrer do
tempo os objetivos do trabalho e o seu processo foram sendo alterados, no entanto sua
finalidade de sobrevivência sempre foi mantida.
A globalização mundial e as políticas neoliberais têm reestruturado a organização
atual do trabalho, sendo responsáveis pelo desencadeamento de um processo de imposição
constante aos trabalhadores de deficientes condições de trabalho, geradoras de doenças e
danos à saúde física e mental dos mesmos. Além disso, há uma crescente instabilidade nas
relações de trabalho, a flexibilização de garantias jurídicas é evidente.
Neste contexto, o trabalhador, como sujeito de direito, está envolvido por duas
realidades, ora possui plena capacidade laborativa, ora fica impossibilitado de trabalhar por
motivo de doenças e acidentes relacionados às suas relações de trabalho (PICARELLI,
2001).
O contexto político neoliberal produz efeitos prejudiciais à saúde e ao ambiente de
trabalho do professor. As condições materiais de labor são inadequadas, a influência das
mudanças sociais e a falta de resultados do trabalho produzido pelo docente têm causado
um estranhamento no mesmo, como afirma Freitas (2005, p. 139): “é como se o professor
se defrontasse com algo alheio a si, que por sua vez foi produto de seu próprio esforço.”,
nestas situações o professor não se identifica com o próprio trabalho realizado.
Segundo Kokay (2002), o professor situa-se em dois extremos: primeiro na divindade
que é ser educador e, em um segundo momento, no descaso com que é visto pela
sociedade e com a desvalorização da educação.
Por um longo período a doença do trabalho e as péssimas condições laborativas da
categoria docente foram invisíveis. A partir da percepção que estes dois aspectos são
reflexos de uma organização de trabalho que não valoriza o professor como ser humano, os
mesmos passaram a impulsionar a luta pela preservação da saúde deste trabalhador.
Neste cenário tomado pelo poder capitalista, o professor se vê obrigado a
estabelecer um posicionamento político que implica reconhecer as verdadeiras condições de
vida, trabalho, saúde e a necessidade de lutar pelos seus interesses (CARVALHO, 1995).
Embora já se saiba que há algum tempo os efeitos nocivos que podem ser
ocasionados por determinadas atividades laborais, o aprofundamento de estudos referentes
a esta temática na educação é recente (WERNICK, 2000). O presente estudo tem como
finalidade analisar um setor profissional que tem ganhado visibilidade científica: o trabalho
dos professores do ensino superior.

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 O processo de trabalho docente.

A crise do padrão de acumulação taylorista/fordista, que aflorou em fins dos anos 60


desencadeou uma série de transformações no mundo laboral. Estas se tornaram reflexos de
uma reorganização do capital, mediante a acumulação flexível, que tem o modelo toyotista
como a mais avançada forma de intensificação do trabalho (ANTUNES, 2002).

VI SEMINÁRIO DA REDEST RADO - Regulação Educacional e Trabalho Docente


06 e 07 de novembro de 2006 – UERJ - Rio de Janeiro-RJ
2
EIXO TEMÁTICO II - Saúde e trabalho docente

As alterações na estrutura produtiva e na organização do trabalho, advindas deste


fenômeno globalizante (reestruturação produtiva e incidência das políticas neoliberais), têm
sido responsáveis por transformações no processo de trabalho do professor. A organização
do trabalho ocupa lugar central nessa discussão não somente por estabelecer como o
trabalho será feito, mas tem papel importante nos processos de desgaste físico e mental dos
trabalhadores.
Dejours (1992) faz distinção entre os conceitos de condição e organização de
trabalho:
“Por condição de trabalho é preciso entender, antes de
tudo, ambiente físico (temperatura, pressão, barulho,
vibração, irradiação, altitude etc), ambiente químico
(produtos manipulados, vapores e gases tóxicos, poeiras,
fumaças etc), o ambiente biológico (vírus, bactérias,
parasitas, fungos), as condições de higiene, de segurança,
e as características antropométricas do posto de trabalho.
Por organização do trabalho designamos a divisão do
trabalho, o conteúdo da tarefa (na medida em que ele dela
deriva), o sistema hierárquico, as modalidades de
comando, as relações de poder, as questões de
responsabilidade etc”.

O trabalho docente tem sua organização e administração delimitadas por estar


inserido na lógica de produção capitalista. Ao discutir as condições de trabalho dos
professores de escolas públicas brasileiras, Oliveira (2004) apresenta outros efeitos
ocasionados pelas alterações na forma de gestão e estruturação do trabalho escolar, quais
sejam: intensificação do labor docente, exigência de polivalência, desgaste e insatisfação,
assim como flexibilização e precarização da profissão.
O exercício da atividade educadora está circundado atualmente pela constante
sujeição do professor a ritmos acelerados de trabalho, a sobrecargas laborativas, a riscos à
saúde física e mental, além da degradação salarial e deterioração dos direitos individuais.
Nesta perspectiva, as concepções de ambiente de trabalho, de contexto econômico-
social e de saúde não podem ser analisadas de forma dissociada. Segundo Paranhos
(2002), a compreensão de saúde não deve se referir à mera ausência de doenças ou à
subjetiva noção de bem-estar físico, mental e social, mas sim à efetivação de condições
básicas de cidadania.
Para Marx (1987) o trabalho é definido como ação transformadora e intencional do
homem sobre a natureza para satisfação de suas necessidades. Tanto o trabalho quanto a
saúde das pessoas serão desenvolvidos de maneiras diversas a depender do contexto
social e econômico que os circunda.
Em uma pesquisa realizada com professores da rede privada do ensino médio em
Salvador/Bahia, constatou-se que as cargas de trabalho percebidas pelos educadores
referiam-se ao excesso de atividades pedagógicas executadas, responsável tanto pelo
desgaste sofrido quanto pela quantidade de horas trabalhadas. As queixas envolvendo
cargas laborais apontaram para a presença de problemas de saúde, decorrentes ou
agravadas, principalmente, pela exposição constante ao pó de giz, ausência de microfones
nas salas de aulas e esforço repetitivo (FREITAS, 2005).

VI SEMINÁRIO DA REDEST RADO - Regulação Educacional e Trabalho Docente


06 e 07 de novembro de 2006 – UERJ - Rio de Janeiro-RJ
3
EIXO TEMÁTICO II - Saúde e trabalho docente

Investigação realizada na Universidade Estadual de Feira de Santana, (PARANHOS,


2002), caracterizou o processo de trabalho docente nesta instituição. Segundo a autora, a
estruturação organizacional da universidade era tida pelos professores como burocrática e
centralizadora, as decisões eram exercidas pela reitoria, não haveria uma efetiva autonomia
financeira e gerencial dos departamentos. A opinião docente inclinou-se, contudo, a
considerar que ainda haveria um controle sobre o desenvolvimento do ato de ensinar, sendo
limitado apenas pelos trâmites burocráticos.
No que diz respeito ao modelo didático-pedagógico adotado houve uma
convergência no entendimento apontado pelos professores indicando que a orientação de
cada professor definiria seu modo de ensinar. Por fim, as más condições de trabalho, com
problemas que envolviam a falta de salas de aula adequadas, escassez de material
pedagógico e a utilização do quadro de giz, representaram cargas fisiológicas e psíquicas
para os docentes, mas a principal reclamação abrange os reduzidos salários desse grupo
profissional.
Em trabalho realizado por Wernick (2000), com professores da Universidade Federal
da Bahia, constatou-se que os principais problemas relatados referiam-se à estrutura física e
pessoal da instituição, assim como dificuldades em torno da saúde. As salas de aulas foram
desaprovadas pelos professores e a ausência de pessoal de apoio era um gerador de
sobrecarga do quadro docente existente. Outros resultados apontados foram os riscos de
violência pessoal e os riscos ergonômicos.
A precarização das condições materiais e ambientais em que se processa a atividade
docente nas universidades públicas expressa o desinteresse com que as autoridades
governamentais têm tratado o problema (WERNICK, 2000; PARANHOS, 2002).
É recente a percepção de que as doenças do trabalho existem e que estas podem
ser fruto da precária qualidade do ambiente laboral universitário. O trabalho do professor
sempre foi visto como um sacerdócio que justificava qualquer tipo de sofrimento
experimentado pelo mesmo. No entanto, tal concepção passou a ser questionada quando se
percebeu que os professores estavam ficando doentes (DORT, rouquidão, hipertensão),
possivelmente, em decorrência da má condição do ambiente em que exerciam o trabalho
(FREITAS, 2005).

2.2 A Proteção Jurídica dos docentes

A industrialização crescente, a urbanização e a organização da massa operária


promoveu a necessidade de avocar ao Estado a responsabilidade pela saúde da população,
visando garantir a ausência de doenças, o completo bem estar físico, mental e social, e a
concretização da cidadania.
Dejours (1992) alerta que, com a intensa organização dos trabalhadores, se
alcançou o direito primordial de viver, mesmo que em condições incertas. Para ele é a partir
deste momento que começam a crescer reivindicações diversas, as quais convergiam no
sentido de garantir ao empregado o direito à saúde. Neste contexto, é que a busca da
melhoria das condições de trabalho torna-se a palavra de ordem, seja qual for a categoria
profissional.
Este breve histórico de reclamações e acanhadas conquistas, assim como a luta
trabalhista atual, respalda o posicionamento doutrinário que tem indicado a formação de
uma nova disciplina jurídica, qual seja o Direito Sanitário do Trabalho, “que tem o
trabalhador como o sujeito de direitos, eis que o seu objeto é a regulamentação das normas

VI SEMINÁRIO DA REDEST RADO - Regulação Educacional e Trabalho Docente


06 e 07 de novembro de 2006 – UERJ - Rio de Janeiro-RJ
4
EIXO TEMÁTICO II - Saúde e trabalho docente

e princípios que regem a relação jurídica que se estabelece no local de trabalho entre as
partes, com vista a maior proteção da saúde do agente da atividade laboral” (PICARELLI,
2001).
Três outras disciplinas jurídicas consubstanciam o Direito Sanitário do Trabalho:
Direito Ambiental, Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social.
Martins (2003) chama a atenção para a necessidade de efetivação da segurança e
da medicina ocupacional como segmentos do direito tutelar do trabalho, com a finalidade de
oferecer garantias protetivas à saúde do funcionário em seu meio ambiente laboral, e sua
devida recuperação quando não se encontrar em condições plenas de saúde.
A Carta Magna brasileira preconiza que a saúde é um direito de todos e dever do
Estado, devendo ser garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a
redução do risco de doenças e de outros agravos. Traz ainda em seu artigo 200, inciso VIII,
que compete ao Sistema Único de Saúde (SUS) “colaborar na proteção do meio ambiente,
nele compreendido o do trabalho”.
Partindo-se desta conjuntura sobre a legislação trabalhista, que permanece com uma
atuação tímida na tutela da vida e da saúde dos trabalhadores, é que se adentrará no
campo específico das bases legais da profissão docente.
O exercício do professorado é regido pela Lei de Diretrizes e Bases, Lei n.º
9.394/1996, e pela Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-Lei n.º 5.452/1943, caso o
vínculo empregatício seja de ordem privada, e, em se tratando de servidores públicos, o
vínculo trabalhista é regido por Regime Jurídico específico (por meio de estatuto) nas
instâncias federal, estadual e municipal (PARANHOS,2002).
Na Bahia, a Lei n.º 6.677/1994 dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Públicos Civis
do Estado da Bahia, das Autarquias e das Fundações Públicas Estaduais. Especificamente,
a Lei 8.352/2002 estabelece o Estatuto do Magistério Público das Universidades do Estado
da Bahia, o qual regulamenta o trabalho docente na Universidade Estadual de Feira de
Santana.
Ambos os textos legislativos estaduais não fazem maiores referências a mecanismos
de elevação da melhoria das condições do ambiente de trabalho e da proteção e promoção
da saúde do docente universitário.
Segundo dados do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Terceiro Grau do
Estado da Bahia/UEFS (SINTEST/BA), a Lei n.º 8.889/2003 trouxe alterações à estruturação
dos cargos e vencimentos no âmbito do Poder Executivo do Estado da Bahia. A mencionada
lei reduziu direitos dos professores/servidores públicos, como por exemplo, a gratificação e
a progressão na carreira.
No tocante ao docente servidor público, a literatura jurídica ainda tem se mostrado
incipiente na análise da regulamentação e na defesa dos direitos relativos ao bem-estar
laboral, à garantia de um local de trabalho sadio e à prevenção de futuros danos
decorrentes do exercício desgastante da docência superior.

3 METODOLOGIA

A presente pesquisa caracterizou-se como um estudo qualitativo com corte temporal-


espacial, realizado na Universidade Estadual de Feira de Santana, pelo Núcleo de
Epidemiologia. Tal método foi eleito o mais eficaz para responder aos questionamentos
propostos pela investigação.

VI SEMINÁRIO DA REDEST RADO - Regulação Educacional e Trabalho Docente


06 e 07 de novembro de 2006 – UERJ - Rio de Janeiro-RJ
5
EIXO TEMÁTICO II - Saúde e trabalho docente

Os estudos dessa espécie permitem que se obtenham dados descritivos da situação


objeto de estudo; são dados simbólicos, situados em determinado contexto social. O método
de pesquisa selecionado tem aporte na utilização de dados quantitativos, a fim de
enriquecer as constatações obtidas, bem como partir dos mesmos dados para tentar
compreender a perspectiva e situação dos agentes envolvidos no fenômeno.
Essa interação entre os dois métodos é chamada por Morse (1991, p.131) de
“triangulação seqüenciada”, em que os resultados de um método são utilizados como
alicerce para a estruturação do uso de outra metodologia que o acompanha e complementa-
o.
A população estudada na pesquisa quantitativa que serve como fonte suplementar
nessa investigação, foi composta por 314 professores de todos os departamentos da UEFS.
Foram estudados os docentes que se encontravam em efetivo exercício de suas funções
dos departamentos de Saúde, Educação, Física, Letras e Artes, Biologia, Ciências Exatas,
Tecnologia, Filosofia e Ciências Humanas e Ciências Aplicadas. Foram considerados
elegíveis para o estudo apenas os docentes com vínculos permanentes como Auxiliar,
Assistente, Adjunto ou Titular.
As informações que constituíram o banco de dados quantitativo foram coletadas
através de questionário padronizado autopreenchível, sem necessidade de identificação,
composto dos seguintes blocos de questões:
1. Identificação geral do entrevistado;
2. Condições do ambiente de trabalho;
3. Aspectos organizacionais do processo de trabalho;
4. Problemas de saúde física;
5. Avaliação de Saúde mental (Transtornos Mentais Comuns);
6. Avaliação do consumo de álcool;
7. Hábitos de vida.

Dentre as formas de pesquisa qualitativa, a selecionada para este estudo foi a


pesquisa bibliográfica que, segundo Gil (1999, p. 65), “é desenvolvida a partir de material já
elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos.” Este método prevê a
análise de materiais da literatura que ainda não tiveram sua interpretação exaurida ou que
podem ser reavaliados com objetivo de novos ou complementares posicionamentos
hermenêuticos.
A temática condições do ambiente de trabalho e saúde do professor universitário foi
analisada, por meio de estudos bibliográficos, sob enfoque jurídico-sociológico.
Normas legais, literatura jurídica e da sociologia do trabalho, seminários sobre saúde
do trabalhador, palestras com estudiosos da área (a exemplo de Ricardo Antunes), teses e
dissertações sobre o tema em comento, artigos científicos foram os meios utilizados para o
aprofundamento bibliográfico mencionado.
A investigação dos dados quantitativos, após o exame acima descrito, resultou em
conclusões específicas sobre o trabalho docente e as condições que lhe são impostas em
uma universidade estadual e devidamente apresentadas nesta oportunidade.
Foram eleitos alguns dados da pesquisa quantitativa para releitura a partir do
acumulado dos estudos bibliográficos, resultando na presente análise. As questões
selecionadas englobaram: queixas relacionadas à saúde; ritmo de trabalho; estrutura
organizacional da universidade, carga de trabalho, sindicalização, remuneração.

VI SEMINÁRIO DA REDEST RADO - Regulação Educacional e Trabalho Docente


06 e 07 de novembro de 2006 – UERJ - Rio de Janeiro-RJ
6
EIXO TEMÁTICO II - Saúde e trabalho docente

Neste espaço, os dados da pesquisa quantitativa foram investigados à luz de


dispositivos legais que regulamentam a atividade docente na universidade estadual.

4 RESULTADOS

A população estudada foi composta por um universo de 314 professores distribuídos


pelos departamentos da Universidade Estadual de Feira de Santana: Biologia/DBIO (47
professores), Letras e Artes/DLETRAS (45), Educação/DEDUC (43), Saúde/DSAU (80),
Física/DFIS (12), Ciências sociais/DCIS (23), Ciências Humanas e Filosofia/DCHF (26) e
Exatas/DEXA (19).

4.1 Características da população estudada

O corpo de educadores da Universidade Estadual de Feira de Santana estava


composto por 52,9% de mulheres e 47,1% de homens, com idades que variavam de 20 a
mais de 60 anos, com predomínio das faixas de idade de entre 30-39 anos (39,5%) e 40-49
anos (35,0%).
Prevaleceu a presença de professores casados/união estável (65,7%), que
possuíam uma renda mensal maior ou igual a dez salários mínimos (96,3%). No que tange
ao nível de formação dos docentes, 56,6% tinha mestrado e doutorado e apenas 7% eram
graduados. Havia maior concentração de trabalho no regime de 40 horas semanais (53,0%);
o regime de Dedicação Exclusiva correspondeu a 42,0% e apenas 4,9% trabalhavam com
carga horária de 20 horas semanais. Em relação ao tempo de trabalho na UEFS, foi
verificado que 38,9% possuíam menos de 5 anos de trabalho.

4.2 Condições ambientais do trabalho docente

No decorrer deste estudo foi possível constatar que havia precarização das
condições materiais e ambientais em que se processava o labor educativo. As salas de aula
são consideradas pouco adequadas para o desenvolvimento pleno do trabalho, faltavam
iluminação e ventilação adequadas, aliado a isto, observou-se ainda a escassez de
manutenção dos equipamentos didático-pedagógicos e das instalações.
As salas de aula, ainda, foram consideradas barulhentas e intranqüilas, sendo este
fator um dos possíveis ensejadores de estresse no trabalho do professor.
O ambiente laboral do educador era circundado por riscos biológicos, físicos e
químicos. O primeiro foi considerado de baixa frequência pelos professores entrevistados; o
segundo apresentou um risco médio, enquanto o terceiro foi considerado o risco mais
evidente, sendo a exposição constante ao pó de giz o principal risco químico.
No que diz respeito à saúde dos professores, os principais problemas detectados
referiam-se a dores na garganta, dores no braço, alergia respiratória, rouquidão e rinite.
Foram citadas ainda, as queixas relacionadas ao cansaço mental e ao nervosismo.
Foi possível perceber que mais da metade dos professores entrevistados
consideraram o ritmo de trabalho acelerado, gerando elevada carga física e psíquica. O
exercício da docência em posições inadequadas, também, foram citadas como causa de
dores nas costas, cabeça e braços.

VI SEMINÁRIO DA REDEST RADO - Regulação Educacional e Trabalho Docente


06 e 07 de novembro de 2006 – UERJ - Rio de Janeiro-RJ
7
EIXO TEMÁTICO II - Saúde e trabalho docente

Ficou evidenciado que a estrutura organizacional da UEFS, caracterizada pela


burocracia e centralização, não favorecia a atuação satisfatória e adequada do professor.
Apesar da manutenção do domínio do docente sobre seu processo de trabalho, o mesmo
sofria restrições ao requisitar junto à administração institucional o atendimento de diversas
necessidades materiais referentes ao desenvolvimento da atividade educacional.
A ausência de planejamento das atividades universitárias também foi citada pelos
professores como um fator de desgaste, que os obrigava a estenderem sua carga horária a
fim de atender as exigências da atividade laboral.

4.3 Bases legais da profissão docente

O presente estudo revelou que além das condições de trabalho na docência superior
serem pouco adequadas, é escassa a legislação específica sobre a proteção da saúde e a
regularização do ambiente de trabalho deste setor da educação.
O Estatuto do Servidor Público Civil do Estado da Bahia traz em seu bojo apenas a
indicação da existência de riscos biológicos, físicos e químicos que podem afetar a saúde do
servidor, e apresenta, em seu artigo 8º os requisitos básicos para ingresso no serviço
público, dentre eles a boa saúde física e mental.
Também foi observado que embora exista uma legislação específica para o serviço
público na Bahia, este não alcança todos os problemas que envolvem a profissão docente.
Foi possível perceber ainda, que apesar de 68,3% dos professores da UEFS serem
sindicalizados, 42,6% destes consideravam que não havia influência significativa do
sindicato nas políticas adotadas pela Universidade.
A despeito disso, o sindicato da categoria apresentou uma nova tendência de
reivindicações, a luta sindical que sempre teve um cunho essencialmente financeiro,
redirecionou-se ao melhoramento das condições do ambiente de trabalho enfatizando-se
aspectos relacionados à assistência à saúde docente: exigiam o retorno de um atendimento
psiquiátrico para os professores, a distribuição de medicamentos para funcionários
hipertensos, a liberação dos processos de insalubridade e periculosidade, bem como a
ampliação e melhor qualidade do atendimento do PLANSERV – Plano de Saúde do Servidor
Público.
Constatou-se também o desconhecimento por parte dos docentes/servidores
públicos das garantias jurídicas existentes, ao que se soma, como sobredito, a própria
inexistência de legislação mais específica de amparo ao bem-estar físico e mental do
professor.
A principal queixa, no entanto, girava em torno da baixa remuneração percebida. Tal
fator é tido como símbolo de desrespeito e desvalorização do trabalho docente.

5 DISCUSSÃO

A temática sobre as condições do ambiente de trabalho e saúde dos professores


ainda é incipiente e escassa, em especial, quando se trata de professores universitários do
serviço público.
A noção de meio ambiente do trabalho deve ser entendida com base na concepção
geral de ambiente, atrelada aos elementos, inter-relações e condições que afetem de algum
modo a saúde física e mental dos trabalhadores. O elemento saúde depende

VI SEMINÁRIO DA REDEST RADO - Regulação Educacional e Trabalho Docente


06 e 07 de novembro de 2006 – UERJ - Rio de Janeiro-RJ
8
EIXO TEMÁTICO II - Saúde e trabalho docente

essencialmente do ambiente de trabalho. A proteção deste exige o estudo das causas e


medidas de prevenção, a fim de que se evite a ocorrência de acidentes do trabalho e
doenças ocupacionais (ROCHA, 2002).
Com a análise dos resultados sociodemográficos obtidos, foi possível observar que
havia maior proporção do sexo feminino entre os professores, o que demonstra uma maior
inserção da mulher no mercado de trabalho, reflexo de uma tendência mundial. Apesar do
foco desta pesquisa não ser a discussão de gênero, é válido destacar tal entendimento.
A população alvo pode ser considerada relativamente jovem, com família constituída
e trabalhando 40 horas semanais. A elevada carga horária foi uma das queixas dos
docentes. O atual modelo capitalista que impõe ao profissional exercer o maior número de
tarefas possível, apresenta-se como uma das causas ensejadoras da exaustão física e
mental; o trabalhador é submetido a uma excessiva carga de trabalho diária.
Houve predominância de mestres e doutores entre os professores. Verifica-se que a
busca por qualificação é constante, até mesmo por uma imposição da ordem
socioeconômica cada vez mais exigente. Em contrapartida, a mesma instituição que detinha
um corpo docente com elevada capacitação, não assegurava diretrizes de valorização e
proteção do professor, tanto no aspecto legal quanto no que se refere à saúde ocupacional.
Os professores da UEFS expressaram um significativo padrão de desgaste físico,
mental e até mesmo jurídico. O direito à saúde, prerrogativa de qualquer cidadão, é
relegado pelas autoridades competentes a partir do instante em que a atividade docente não
é valorizada. As salas de aulas são mantidas em condições precárias, os educadores são
obrigados à exposição constante ao pó de giz, além de perceber remuneração insuficiente.
Por meio dos resultados obtidos desta pesquisa, foi possível constatar que os
docentes têm adoecido cada vez mais. Os problemas de saúde envolviam afecções na
garganta e sistema respiratório, dores físicas e sofrimento mental. Estes efeitos podem ser
decorrentes das posições inadequadas em que os professores exerciam sua atividade, da
exposição ao pó de giz, material que deveria ser substituído pelo uso de pincel atômico,
além da reunião dos aspectos estruturais, sociais e econômicos que intensificavam o
sofrimento psíquico, somando-se a isto o ritmo acelerado em que exercia o trabalho
docente.
É imperioso destacar que o ambiente de trabalho não é o único e essencial
responsável pela deterioração do bem-estar do professor universitário, poderá haver uma
predisposição do mesmo a desenvolver certas doenças, não obstante a má qualidade dos
postos de trabalho poder interferir diretamente no possível processo de adoecimento, saúde
– trabalho – doença.
No que toca à proteção jurídica do professor universitário, este como servidor público
estadual não possui um sistema efetivo de proteção no ambiente de trabalho; ou seja, não
há garantias que materializem o direito constitucional à saúde e à segurança ocupacional
nesta categoria profissional.
Como constatado nos resultados apresentados, a base legal que rege o trabalho
docente exige que requisitos relacionados à boa saúde mental e física sejam atingidos para
que se permita o ingresso na instituição. Contudo, quando o profissional passa a compor o
quadro de funcionários da mesma, depara-se com a inexistência de mecanismos de
prevenção que mantenham o padrão inicial de saúde do trabalhador. Inicia-se, então, o
processo de desgaste profissional.
A Constituição Federal de 1988 prevê, de maneira geral, o direito a um meio
ambiente laboral saudável. Contudo, a efetivação desta prerrogativa ainda não foi alcançada

VI SEMINÁRIO DA REDEST RADO - Regulação Educacional e Trabalho Docente


06 e 07 de novembro de 2006 – UERJ - Rio de Janeiro-RJ
9
EIXO TEMÁTICO II - Saúde e trabalho docente

pelo regime Jurídico Único dos servidores públicos do Estado da Bahia, que se limita a
trazer regulamentações concernentes à carreira, às atividades, ao regime de trabalho, à
remuneração, aos benefícios pecuniários concedidos ao professor, mas não preconiza
determinações preventivas sobre o ambiente e saúde dos trabalhadores.
O descaso governamental e até mesmo a ausência de reconhecimento da atividade
docente pela sociedade, juntamente com a inadequação da qualidade dos locais de trabalho
contribuem para o desgaste profissional, pesquisas iniciais já têm constatado tal associação
entre condições de trabalho e a saúde dos professores.
A política de ensino público atual é cingida por aspectos negativos, dentre eles estão
a falta de recursos materiais, a omissão estatal, o afastamento entre ensino, pesquisa e
extensão, a distribuição inadequada dos recursos entre setores/atividades. Além destes
fatores, podem ser ressaltados os baixos salários e o sofrimento físico e mental imposto ao
professor no desenvolvimento de seu trabalho em decorrência dessas condições precárias.
O movimento sindical dos professores da UEFS tem alterado sua pauta de
reivindicações, incluindo exigências que objetivam a devida promoção e proteção da saúde
docente. Aliada à necessária busca por melhores ganhos salariais (que também funciona
como regulador da qualidade de vida do professor), desponta, de modo relevante, a luta por
condições dignas de trabalho na docência superior.
Embora o quadro observado revele uma situação predominantemente negativa,
alguns avanços têm sido sentidos, como o crescimento da consciência ambientalista e de
resguardo da dignidade humana, aliados a preocupação de se prevenir a ocorrência de
doenças ocupacionais e de afronta aos direitos individuais no exercício da docência
superior.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo revelou que a problemática envolvendo condições de trabalho e saúde dos


professores universitários tem ganhado visibilidade com o crescente processo de
adoecimento e de perdas das garantias destes profissionais.
Na análise sobre o ambiente de trabalho da UEFS foi possível constatar que suas
condições influenciam diretamente na saúde dos docentes. Estes têm indicado insatisfação
com o seu ambiente de trabalho, faltam investimentos do governo para o melhoramento e
manutenção das instalações universitárias.
A associação entre condições de trabalho e regime legal evidenciou a ausência de
um arcabouço legislativo que promova e assegure o bem-estar do docente.
A legislação trabalhista ainda atua de forma tímida quando se trata de prevenir riscos
advindos do local de trabalho dos professores da UEFS.
É imprescindível registrar que a luta sindical tem alterado seus rumos ao ampliar seu
rol de reivindicações, incluindo exigências acerca da responsabilidade dos órgãos
superiores em estabelecer diretrizes de promoção e proteção da saúde do professor
universitário.
Desta forma, é essencial que sejam introduzidas políticas públicas que visem o
melhoramento das condições do ambiente de trabalho dos docentes do ensino superior, e
que os próprios profissionais reconheçam a precariedade laboral que os circunda, a fim de
que lutem por uma qualidade de trabalho e de vida.

VI SEMINÁRIO DA REDEST RADO - Regulação Educacional e Trabalho Docente


06 e 07 de novembro de 2006 – UERJ - Rio de Janeiro-RJ
10
EIXO TEMÁTICO II - Saúde e trabalho docente

Com a conjugação das necessidades supramencionadas será possível impulsionar


alterações legislativas, que sendo devidamente efetivadas, amortizem os efeitos
precarizantes da organização neoliberal do trabalho.

VI SEMINÁRIO DA REDEST RADO - Regulação Educacional e Trabalho Docente


06 e 07 de novembro de 2006 – UERJ - Rio de Janeiro-RJ
11
EIXO TEMÁTICO II - Saúde e trabalho docente

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES, R. As novas formas de acumulação de capital e as formas contemporâneas


de estranhamento (alienação). Caderno CRH, Salvador/Ba, n. 37, p. 23-45, jul./dez. 2002.

ARAÚJO, T.M. et al. Condições de trabalho e saúde em professores de ensino na Bahia.


Revista do Sindicato dos Professores. Salvador: SINPRO, 1998.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Seminário sobre Saúde do Trabalhador. Brasília: Centro de


Documentação e Informação da Câmara de Deputados, 2002.

CARVALHO, M.M.B. O professor: Um profissional, sua Saúde e a Educação em Saúde


na escola. Tese de Doutorado em Educação em Saúde Pública. São Paulo: USP, 1995.

DALLARI, S.G. O Direito à Saúde. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 22, n.1, fev. de
1988, p. 57-63. Disponível em: http://www.scielo.com.br. Acesso em 20 de maio de 2005.

DEJOURS, C. A loucura do trabalho: Estudo de Psicopatologia do Trabalho. 5ª ed.


ampliada. São Paulo: Editora Cortez Oboré, 1992.

FREITAS, C.E.S. Trabalho estranhado em professores do ensino particular em


Salvador em um contexto neoliberal. Tese de Doutorado apresentada ao Departamento
de Sociologia da Universidade de Brasília. Brasília: UnB, 2005.

GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5ª ed., São Paulo: Atlas, 1999.

MARTINS, S.P. Direito do Trabalho. 13ª ed., São Paulo: Editora Atlas, 2001.

MARX, K. O Capital: a crítica da economia política. 11ª ed. São Paulo: Difel, 1987.

MORSE, J. Approachs to qualitative-quantitative methodological triangulation, Nursing


Research, 40 (1), 1991, p. 120-132.

NEVES, J.L. Pesquisa qualitativa – características, usos e possibilidades. Caderno de


Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 1, n.º 3, 2º sem./1996.

OLIVEIRA, Dalila Andrade . A Reestruturação do Trabalho Docente: precarização e


flexibilização. Educação & Sociedade, Campinas - SP, v. 25, n. 89, p. 1127-1144, 2004.
Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em 20 de maio de 2005.

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. A condição dos professores:


recomendação Internacional de 1966, um instrumento para melhoria da condição dos
professores. Genebra: OIT; Unesco, 1984.

PARANHOS, I. de S. Interface entre Trabalho Docente e Saúde dos Professores da


Universidade Estadual de Feira de Santana. Dissertação de Mestrado, Departamento de
Saúde, Universidade Estadual de Feira de Santana. Feira de Santana/Bahia, 2002.

VI SEMINÁRIO DA REDEST RADO - Regulação Educacional e Trabalho Docente


06 e 07 de novembro de 2006 – UERJ - Rio de Janeiro-RJ
12
EIXO TEMÁTICO II - Saúde e trabalho docente

PICARELLI, M.F.S. Direito Sanitário do Trabalho e da Previdência Social. Disponível


em:http://www.saude.ba.gov.br/conferenciaST2005/cdrom/CD%20colet%C3%A2nea%20leis
%20e%20textos/Artigos/11.doc. Acesso em 06 de abril de 2005.

ROCHA, J.C.S. Direito Ambiental do trabalho: mudança de paradigma na tutela jurídica


à saúde do trabalhador. São Paulo: LTr , 2002.

SINTEST–BA. Ofício n.º 022/2005 ao Fórum de Diretores de Departamentos da


Universidade Estadual de Feira de Santana. Feira de Santana, 2005.

WERNICK, R. Condições de saúde e trabalho dos docentes da Universidade Federal


da Bahia. Dissertação Mestrado, Saúde Coletiva/ISC, Universidade Federal da Bahia.
Salvador, 2000.

VI SEMINÁRIO DA REDEST RADO - Regulação Educacional e Trabalho Docente


06 e 07 de novembro de 2006 – UERJ - Rio de Janeiro-RJ
13

Você também pode gostar