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Nota de leitura do artigo “Foucault e a noção de acontecimento” – Irene A. R. Cardoso.

Título da obra:
CARDOSO, I. Foucault e a noção de acontecimento. Tempo Social - Rev. Sociol. USP, 7(1-
2), pp. 53-66, 1995.

Tese e Objetivos:
Irene Cardoso procura neste artigo analisar a importância no trabalho de Foucault sobre
uma história do pensamento, em que a noção de acontecimento é central. Articulada às noções
de atualidade e de problematização, Foucault constitui uma ontologia do presente. A partir de
Kant caracteriza o ethos filosófico da crítica do presente e define a problematização da
atualidade como uma reativação da questão da Aufklärung, que faz desta um acontecimento que
nos questiona, enquanto possibilidade de constituição de nós mesmos, como sujeitos
autônomos. A interrogação sobre os limites do presente e a possibilidade de sua transgressão
instaura um campo problemático do pensamento, na tematização das questões da autonomia e
da liberdade. E é a partir desse campo que interroga sobre os gregos da Grécia clássica e a
questão da ética, como um tipo de relação que determina como o indivíduo se constitui como
sujeito moral de suas próprias ações.

Foucault e a noção de acontecimento


A autora, a partir das obras de Foucault, destaca uma ontologia da atualidade, que foi
escolha filosófica de Foucault de um pensamento crítico. Uma questão que Foucault coloca é
“o que é a nossa atualidade?” o que implica que interrogar a atualidade é questioná-la como
acontecimento na forma de uma problematização. Explica que esta problematização é a tarefa
de uma história do pensamento, na qual trata-se de definir as condições que o ser humano
problematiza o que ele é e o mundo no qual vive, sua atualidade. Essa problematização, ainda,
está inscrita em uma tradição kantiana de Aufklärung, na qual caracteriza o ethos (atitude de
reflexão) filosófica presente na crítica ontológica de nós mesmo como um prova histórico-
prática dos limites que podemos ultrapassar. Desta maneira, tentar observar sob quais
condições, ao preço de quais modificações ou de quais generalizações pode-se aplicar a questão
de Aufklärung, não importa qual momento da história, como os gregos da Grécia clássica na
qual Foucault deseja interrogar.
Noções de acontecimento, problematização e atualidade, já tinha sido analisadas por
Foucault anteriormente, no entanto, nas ultimas obras inscreve a novidade de uma ontologia da
atualidade e de uma preocupação filosófica da atualidade, por uma interrogação sobre a
atualidade como acontecimento, no qual é o acontecimento que constrói a interrogação sobre o
que somos, na perspectiva dos limites contemporâneos do necessário para a constituição de nós
mesmos, como sujeitos autônomos: a problematização.
A noção de atualidade não é idêntica à noção de presente, mas é construída a partir de
um certo tipo de temporalização deste. A interrogação sobre o que é a nossa atualidade, supondo
o movimento de atualização, constitui-se numa crítica do presente, desatualizando o hoje, e
reinscreve, através da reativação permanente de uma certa atitude, de um ethos filosófico
referente a Aufklärung, algo que permanece nos enfrentando. E na noção de acontecimento,
Foucault entende o acontecimento como a invasão súbita de uma singularidade única e aguda,
no lugar e no momento da sua produção, e vai definir “sentido-acontecimento”como o infinitivo
acontecer da liberdade e a ponta deslocada do presente. Então acontecimento é uma abertura de
possibilidades. Partindo dessas considerações, pode-se indicar como Foucault, a partir de Kant,
entende que a filosofia problematiza sua própria atualidade discursiva: atualidade que questiona
como acontecimento do qual ela pode dizer o sentido, o valor a singularidade filosófica. E
devido à tais considerações, também, a autora pontua que não se pode isolar a noção de
acontecimento, da problematização, nem da de atualidade.
Nessa reflexão sobre a problematização como acontecimento, talvez possa indicar que
a problematização seja um modo de apropriação do acontecimento pelo pensamento, através de
um questionamento da atualidade e que constitui-se numa abertura do pensamento diante da
abertura do acontecimento. Este movimento de apropriação do acontecimento pelo pensamento,
é simultaneamente reserva (apropriação do já pensado) e espera (como o aguardar pelo não
pensado ainda) e é ainda experimento, experiência como aquilo que consiste em nos afetar e
transformar. Então a problematização é um trabalho interrogativo do pensamento.
Na problematização de Foucault da sua própria atualidade, Cardoso mostra que há uma
“herança” de Aufklärung inscrita nesta, que é uma possibilidade herdada e escolhida. É através
da escolha, que se manifesta no modo como a problematização da atualidade se propõe.
Portanto, a possibilidade é herdada porque ela é possível, mas só se torna efetiva a partir da
decisão que a escolhe.
O que é reativado na interrogação da problemática grega por Foucault é a ética e a
liberdade, na qual a problematização da ética dava-se em domínios da vida em que imperavam
a liberdade e a liberdade seria a possibilidade mesma da ética.
Conseguinte, Foucault, numa interrogação sobre a atualidade, indica que os “impasses
da problemática das liberações” neste movimento reinscreve a problemática de uma ética de
existência como acontecimento, ainda problematiza na sua atualidade a possibilidade do que
seria “indispensável para a constituição de nós mesmos como sujeitos autônomos” e como uma
abertura de pensamento (reserva e espera). E reativa, através deste trabalho, um modo de pensar
a constituição do sujeito por si mesmo, como ser livre, e um modo de pensar a liberdade, como
alguma coisa que permanece nos enfrentando, a atualidade. Desta forma, como finaliza
Cardoso, que interpretando esse trabalho de uma “história do pensamento” mostra que esta foi
uma tentativa de responder a uma questão de Foucault “como é que um saber pode se
constituir?”.

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