Você está na página 1de 104

Transversal

Elaboração de Plano Municipal


de Saneamento Básico

Guia do profissional em treinamento Nível 2


Promoção Rede Nacional de Capacitação e Extensão Tecnológica em Saneamento Ambiental – ReCESA

Realização Núcleo Regional Nordeste – NURENE

Instituições integrantes do NURENE Universidade Federal da Bahia (líder) | Universidade Federal do Ceará |
Universidade Federal da Paraíba | Universidade Federal de Pernambuco

Financiamento Financiadora de Estudos e Projetos do Ministério da Ciência e Tecnologia I Fundação Nacional de Saúde do
Ministério da Saúde I Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades

Apoio organizacional Programa de Modernização do Setor de Saneamento – PMSS

Comitê gestor da ReCESA Comitê consultivo da ReCESA


- Ministério das Cidades; - Associação Brasileira de Captação e Manejo de Água de Chuva – ABCMAC
- Ministério da Ciência e Tecnologia; - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – ABES
- Ministério do Meio Ambiente; - Associação Brasileira de Recursos Hídricos – ABRH
- Ministério da Educação; - Associação Brasileira de Resíduos Sólidos e Limpeza Pública – ABLP
- Ministério da Integração Nacional; - Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais – AESBE
- Ministério da Saúde; - Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento – ASSEMAE
- Banco Nacional de Desenvolvimento - Conselho de Dirigentes dos Centros Federais de Educação Tecnológica – CONCEFET
Econômico Social (BNDES); - Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia – CONFEA
- Caixa Econômica Federal (CAIXA). - Federação de Órgão para a Assistência Social e Educacional – FASE
- Federação Nacional dos Urbanitários – FNU
- Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas – FNCBHS
- Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras
– FORPROEX
- Fórum Nacional Lixo e Cidadania – L&P
- Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental – FNSA
- Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM
- Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS
- Programa Nacional de Conservação de Energia – PROCEL
- Rede Brasileira de Capacitação em Recursos Hídricos – Cap-Net Brasil

Parceiros do NURENE
- ARCE – Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará
- Cagece – Companhia de Água e Esgoto do Ceará
- Cagepa – Companhia de Água e Esgotos da Paraíba
- CEFET Cariri – Centro Federal de Educação Tecnológica do Cariri/CE
- CENTEC Cariri – Faculdade de Tecnologia CENTEC do Cariri/CE
- Cerb – Companhia de Engenharia Rural da Bahia
- Compesa – Companhia Pernambucana de Saneamento
- Conder – Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia
- EMASA – Empresa Municipal de Águas e Saneamento de Itabuna/BA
- Embasa – Empresa Baiana de Águas e Saneamento
- Emlur – Empresa Municipal de Limpeza Urbana de João Pessoa
- Emlurb / Fortaleza – Empresa Municipal de Limpeza e Urbanização de Fortaleza
- Emlurb / Recife – Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife
- Limpurb – Empresa de Limpeza Urbana de Salvador
- SAAE – Serviço Autônomo de Água e Esgoto do Município de Alagoinhas/BA
- SANEAR – Autarquia de Saneamento do Recife
- SECTMA – Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do Estado de Pernambuco
- SEDUR – Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Bahia
- SEINF – Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Infra-Estrutura de Fortaleza
- SEMAM / Fortaleza – Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Controle Urbano
- SEMAM / João Pessoa – Secretaria Executiva de Meio Ambiente
- SENAC / PE – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial de Pernambuco
- SENAI / CE – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial do Ceará
- SENAI / PE – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial de Pernambuco
- SEPLAN – Secretaria de Planejamento de João Pessoa
- SUDEMA – Superintendência de Administração do Meio Ambiente do Estado da Paraíba
- UECE – Universidade Estadual do Ceará
- UFMA – Universidade Federal do Maranhão
- UNICAP – Universidade Católica de Pernambuco
- UPE – Universidade de Pernambuco
Transversal

Elaboração de Plano Municipal


de Saneamento Básico

Guia do profissional em treinamento Nível 2


EXX Tema Transversais: plano municipal de saneamento básico:
guia do profissional em treinamento: nível 2 / Secretaria Nacional
de Saneamento Ambiental (org). – Salvador: ReCESA, 2008. 99 p.

Nota: Realização do NURENE – Núcleo Regional Nordeste;


coordenação de Viviana Maria Zanta, José Fernando Thomé Jucá,
Heber Pimentel Gomes e Marco Aurélio Holanda.

1. Saneamento no Brasil – Política. 2. Saneamento e


saúde. 3. Políticas sociais. 4. Planejamento urbano – aspectos
teóricos. 5. Participação social – metodologia. 6. Gestão dos
serviços. 7. Acesso ao saneamento – Direito social. 8. Plano
Municipal – Saneamento. 9. Estudo de caso. I. Brasil.
Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. II. Núcleo
Regional Nordeste.

CDD – XXX.X

Catalogação da Fonte:

Coordenação Geral do NURENE


Profª. Drª. Viviana Maria Zanta

Organização do guia
Pesquisadora Drª. Patrícia Campos Borja
Professor Luiz Roberto Santos Moraes, PhD.

Créditos
Alessandra Gomes Lopes Sampaio Silva
Maria Teresa Chenaud Sá de Oliveira
Silvio Romero de Melo Ferreira

Revisão
Ana Maria Siqueira

Central de Produção de Material Didático


Patrícia Campos Borja | Alessandra Gomes Lopes Sampaio Silva

Projeto Gráfico
Marco Severo | Rachel Barreto | Romero Ronconi

É permitida a reprodução total ou parcial desta publicação, desde que citada a fonte.
Apresentação da ReCESA

A criação do Ministério das Cidades no A ReCESA tem o propósito de reunir um


Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da conjunto de instituições e entidades com
Silva, em 2003, permitiu que os imensos o objetivo de coordenar o
desafios urbanos passassem a ser desenvolvimento de propostas
encarados como política de Estado. Nesse pedagógicas e de material didático, bem
contexto, a Secretaria Nacional de como promover ações de intercâmbio e de
Saneamento Ambiental (SNSA) inaugurou extensão tecnológica que levem em
um paradigma que inscreve o saneamento consideração as peculiaridades regionais e
como política pública, com dimensão as diferentes políticas, técnicas e
urbana e ambiental, promotora de tecnologias visando capacitar
desenvolvimento e redução das profissionais para a operação,
desigualdades sociais. Uma concepção de manutenção e gestão dos sistemas e
saneamento em que a técnica e a serviços de saneamento. Para a
tecnologia são colocadas a favor da estruturação da ReCESA foram formados
prestação de um serviço público e Núcleos Regionais e um Comitê Gestor,
essencial. em nível nacional.

A missão da SNSA ganhou maior


Por fim, cabe destacar que este projeto
relevância e efetividade com a agenda do
tem sido bastante desafiador para todos
saneamento para o quadriênio 2007-
nós: um grupo predominantemente
2010, haja vista a decisão do Governo
formado por profissionais da área de
Federal de destinar, dos recursos
engenharia que compreendeu a
reservados ao Programa de Aceleração do
necessidade de agregar outros olhares e
Crescimento (PAC), 40 bilhões de reais
saberes, ainda que para isso tenha sido
para investimentos em saneamento.
necessário "contornar todos os meandros
do rio, antes de chegar ao seu curso
Nesse novo cenário, a SNSA conduz ações principal".
de capacitação como um dos
instrumentos estratégicos para a
Comitê Gestor da ReCESA
modificação de paradigmas, o alcance de
melhorias de desempenho e da qualidade
na prestação dos serviços e a integração
de políticas setoriais. O projeto de
estruturação da Rede de Capacitação e
Extensão Tecnológica em Saneamento
Ambiental – ReCESA constitui importante
iniciativa nessa direção.
NURENE Os Guias

O Núcleo Regional Nordeste (NURENE) tem A coletânea de materiais didáticos


por objetivo o desenvolvimento de produzidos pelo NURENE é composta de
atividades de capacitação de profissionais 19 guias que serão utilizados nas Oficinas
da área de saneamento, em quatro de Capacitação para profissionais que
estados da região Nordeste do Brasil: atuam na área de saneamento. Quatro
Bahia, Ceará, Paraíba e Pernambuco. guias tratam de temas transversais,
quatro abordam o manejo das águas
O NURENE é coordenado pela pluviais, três estão relacionados aos
Universidade Federal da Bahia (UFBA), sistemas de abastecimento de água, três
tendo como instituições co-executoras a são sobre esgotamento sanitário e cinco
Universidade Federal do Ceará (UFC), a versam sobre o manejo dos resíduos
Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e a sólidos e limpeza pública.
Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). O público alvo do NURENE envolve
profissionais que atuam na área dos
O NURENE espera que suas atividades serviços de saneamento e que possuem
possam contribuir para a alteração do um grau de escolaridade que varia do
quadro sanitário do Nordeste e, semi-alfabetizado ao terceiro grau.
consequentemente, para a melhoria da
qualidade de vida da população dessa Os guias representam um esforço do
região marcada pela desigualdade social. NURENE no sentido de abordar as
temáticas de saneamento segundo uma
proposta pedagógica pautada no
Coordenadores
Coordenadores Institucionais do NURENE
reconhecimento das práticas atuais e em
uma reflexão crítica sobre essas ações
para a produção de uma nova prática
capaz de contribuir para a promoção de
um saneamento de qualidade para todos.

Equipe da Central de
de Produção de Material Didático – CPMD
Apresentação da área temática

Tema transversal

A natureza das ações de saneamento


ambiental exige um pensar que ultrapasse
a visão disciplinar e fragmentada, herdada
do pensamento ocidental. Com esse
intuito, o NURENE incorporou a
transversalidade às temáticas dos cursos
de capacitação. Desse modo, busca-se um
espaço para a reintegração de aspectos
que ficam isolados uns dos outros em
decorrência do tratamento disciplinar.
Assim, questões como a saúde do
trabalhador, as políticas e os planos de
saneamento, o saneamento integrado, as
tecnologias apropriadas e os projetos de
captação de recursos passam a constituir
temas que possibilitam uma abordagem
mais integral e ampla do saneamento.

Equipe da Central de Produção


Produção de Material Didático – CPMD
Introdução

O desafio do NURENE é formar e capacitar profissionais que tenham a capacidade de atuar


em uma realidade complexa e multifacetada que envolve questões de ordem social, cultural,
econômica, financeira, ambiental, tecnológica e institucional.

Nessa perspectiva, capacitar um profissional no campo do saneamento ambiental envolve a


abordagem de uma série de conteúdos que estão além da questão tecnológica em seu
sentido restrito. A complexidade da realidade contemporânea exige um profissional que
tenha um perfil cada vez mais interdisciplinar. A própria crise paradigmática da ciência tem
mostrado os limites concretos das abordagens disciplinares, assim como da própria técnica.
Cada vez mais, a análise da realidade exige um olhar que contemple diversas dimensões,
como a social, a cultural, a institucional, a política, a ambiental etc.

Assim, capacitar um profissional no nosso tempo exige o esforço de romper com os


paradigmas da engenharia sanitária e ambiental, enraizados na cultura da engenharia
brasileira. Esse rompimento passa por introduzir conteúdos que envolvem, minimamente,
dois campos: o do planejamento e o da tecnologia.
tecnologia O campo do planejamento envolve as
políticas públicas e sociais, as formas de gestão e prestação dos serviços, o controle e a
participação social, a avaliação de política e programas, a intersetorialidade, a educação
sanitária e ambiental, etc. O campo da tecnologia envolve a adoção de técnicas e
instrumentos não só apropriados à realidade local, como se defendia nos anos 80, mas
também indutores de novos comportamentos diante dos padrões de consumo de água e da
geração de resíduos líquidos e sólidos. Ou seja, tecnologias que busquem privilegiar o
controle na utilização das águas e na geração de resíduos sólidos, ou a sua minimização, o
reúso e a reciclagem. Com essa abordagem, certamente, seria necessário imprimir
modificações profundas em termos de projeto (uso e contribuição per capita nas estruturas
de captação, transporte e tratamento dos resíduos). No campo da drenagem, o caos urbano
gerado pelas cheias já tem demonstrado e exigido novas abordagens, que passam ao largo
das estruturas caras dos sistemas convencionais usados atualmente. Para um futuro, que já
é agora, deve-se buscar privilegiar o controle do uso e da ocupação do solo; o
aproveitamento das águas de chuva para fins domiciliares e públicos e o escoamento
superficial com o uso de pavimentos mais permeáveis e estruturas superficiais. Essa tarefa
passa por uma ação integrada de desenho urbano e de engenharia, e para a sua execução
faz-se necessário o diálogo entre as disciplinas e a introdução de novos requisitos de
projeto, incluindo também ações não estruturais.

É certo que a adoção desse novo paradigma irá exigir, também, uma construção social, mas
será principalmente uma tarefa da engenharia nacional. Um programa de governo para a
capacitação de técnicos nesse campo disciplinar pode ser uma oportunidade para uma
reflexão sobre saneamento e ambiente e as modificações que devem ser operadas para a
construção de uma engenharia mais sintonizada com nossa realidade social, política,
econômica, financeira e ambiental, segundo novos pressupostos de planejamento e de
tecnologia.
De uma forma específica, alguns conteúdos são essenciais para a capacitação de recursos
humanos no campo da engenharia sanitária e ambiental, quer seja no nível técnico
(operadores), superior ou no nível dos gestores. Dois eixos principais podem agregar os
conteúdos, devendo ser aprofundados segundo o público alvo:

Planejamento e Política (processos urbanos, políticas públicas e sociais, elaboração de


políticas e planos de saneamento, avaliação de políticas, programas e projetos, participação
e controle social, gestão e prestação dos serviços de saneamento ambiental, saúde
ambiental, controle e vigilância ambiental, ações integradas e interdisciplinares, aspectos
legais e institucionais, educação sanitária e ambiental).

Tecnológico (ações,
ações, atividades, processos e sistemas de abastecimento de água,
esgotamento sanitário, de águas pluviais e de resíduos sólidos, contemplando os princípios
do controle na fonte, redução, reúso, reciclagem, controle ambiental de vetores e
reservatórios de doenças).

Assim, o presente projeto pedagógico expressa a intenção do NURENE de promover um


processo de capacitação capaz de imprimir uma nova forma de “fazer saneamento”, capaz
de dar suporte ao esforço do Governo Federal de garantir saneamento ambiental de
qualidade para todos. Tal esforço não se constitui uma tarefa fácil, uma vez que os
caminhos não estão completamente claros. Embora se entenda que os conteúdos de um
programa de capacitação não são estáticos, que se movem em função dos contextos
institucionais, políticos, sociais e financeiros, é necessário estabelecer claramente os
objetivos, as diretrizes, os princípios norteadores do programa para que as ementas das
disciplinas, os conteúdos programáticos e as estratégias didáticas estejam perfeitamente
articulados com tais propósitos.
Sumário

O ACESSO ÀS AÇÕES E SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO COMO UM DIREITO SOCIAL ............. 11

A RELAÇÃO ENTRE O SANEAMENTO BÁSICO E A SAÚDE DAS CRIANÇAS ................................. 25

POLÍTICA DE SANEAMENTO NO BRASIL ......................................................................... 29

ASPECTOS CONCEITUAIS E METODOLÓGICOS DA PARTICIPAÇÃO E DO CONTROLE SOCIAL .......... 40

GESTÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO ........................................................... 52

ASPECTOS TEÓRICOS DO PLANEJAMENTO URBANO ......................................................... 68

PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO................................................................. 82

ESTUDO DE CASO: PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO AMBIENTAL DE ALAGOINHAS ............. 90


O acesso às ações e serviços de saneamento
básico como um direito
direito social1
Patrícia Campos Borja
Luiz Roberto Santos Moraes

A humanidade,
ação de saneamento básico, ao longo da história da
tem sido tratada com conteúdos diferenciados
em função do contexto social, político, econômico e cultural
de cada época e nação. Por vezes, o saneamento básico toma
recortes de uma política social; por outras, mostra-se apenas
como uma política pública. Essa ambigüidade está traduzida
não só no campo teórico, como na ação governamental. Nos
países centrais, onde as questões básicas de saneamento já
foram superadas há muitas décadas, as ações de saneamento
básico são tratadas no bojo das intervenções de infra-estrutura
das cidades. Nos países ditos em desenvolvimento e
subdesenvolvidos, as ações de saneamento básico deveriam
ser encaradas como uma medida de saúde pública. Essa
abordagem aproximaria as políticas de saneamento básico das
políticas sociais; no entanto, essa concepção não é unânime.

O presente trabalho tem por objetivo discutir o conteúdo social das ações e dos serviços de
saneamento básico e delinear os princípios de uma política pública para essa área. A
metodologia do estudo envolve revisão de bibliografia e análise crítica de conteúdos.

Os Conceitos de saneamento

O conceito de saneamento, como qualquer outro, vem sendo socialmente construído ao


longo da história da humanidade, de acordo com as condições materiais e sociais de cada
época, com o avanço do conhecimento e a sua apropriação pela população. Assim,
dependendo da relação existente entre homem-natureza, a noção de saneamento assume
conteúdos diferenciados em cada cultura. O mesmo ocorre em cada classe social; nesse
caso, a relação que se estabelece é entre o homem e as condições materiais de sua
existência e o nível de sua informação e seu conhecimento.

1 Adaptado de trabalho publicado em: SIMPÓSIO LUSO-BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, XII., 2006, Figueira da
Foz. Anais... Figueira da Foz-Portugal: APRH, APESB, ABES, 2006. 1 CD ROM.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 11


Ações de saneamento existem desde os primórdios da humanidade, tendo-se registro na
História de avanços e recuos do conhecimento, seguindo a evolução e a decadência das
civilizações. Na Idade Média, houve um grande retrocesso no que se refere à produção do
saber, com perdas do que já havia sido produzido, ocorrendo o “esmagamento da minoria
que detinha os atributos do conhecimento” (MENEZES, 1984, p. 56), o que gerou
insalubridade ambiental e epidemias.

Com o término do tempo medieval nasce o chamado Mercantilismo (1500–1750), que


representou a aurora de um novo momento na História da Humanidade, o período moderno,
quando se registraram os primórdios da ciência. O comércio e a indústria cresceram e, com
eles, emergiu uma nova classe social: a burguesia. As cidades também cresceram e
passaram a ser monitorizadas por estatísticas. É nesse ambiente que se consolidam os
governos centrais e o Estado nacional. Esses governos, algumas vezes, assumiam as ações
de saúde pública, mas, no geral, cabia à comunidade local cuidar dos problemas de saúde
(ROSEN, 1994).

Foucault (1979), ao estudar as origens da medicina social e da medicina urbana no mundo


ocidental, destaca que, no século XVII, tanto na França como na Inglaterra, a única
preocupação sanitária do Estado era com as estatísticas de saúde, não havendo, portanto,
intervenções efetivas para elevar o nível de saúde da população, ao contrário do que ocorria
na Alemanha. O autor registra que na França a medicina social só aparece no século XVIII,
quando passa a ocorrer o que ele chamou de “pânico urbano”, causado pelo estado de
degradação das cidades. É daí que surge a noção de higiene pública e o sonho político-
médico da boa organização sanitária das cidades.

A Revolução Industrial, no século XIX, gerou uma série de transformações nas cidades. Os
subúrbios são ocupados pela classe média e operária e os arredores pelas indústrias. A
condição de vida do proletariado passa a ser uma preocupação, devido à insalubridade do
meio. A nova ordem e a nova cidade passam a ser objeto de observação e reflexão. É
justamente nesse momento que surge o pré-urbanismo como disciplina (CHOAY, 1979).

Engels (1975), ao fazer uma descrição detalhada das condições materiais e sociais da classe
operária na Inglaterra no século XIX, desnuda a situação de saneamento básico da época,
revelando os seus vínculos com o processo de acumulação capitalista, que se dava por meio
de intenso processo de industrialização e exploração da força de trabalho. Naquele
momento, a Inglaterra efetuava a sua segunda Revolução Industrial e Engels procura retratar
a problemática das cidades por meio da condição de vida da classe trabalhadora.

Embora a palavra saneamento básico não tenha sido utilizada por Foucault e Engels, as
abordagens dos autores permitem perceber que as preocupações sanitárias se ampliam com
a chegada da cidade industrial e que existia uma forte relação entre a produção da cidade,
as condições de saneamento básico e o nível de saúde da população. Permitem ainda
concluir que já havia a percepção de que era necessário sanear a cidade para promover a
saúde e garantir a reprodução social e produção de capital.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 12


Ao longo dos séculos, o saneamento foi tratado segundo diferentes abordagens. No final da
Idade Média, já se fazia uma relação, ainda que intuitiva, entre saneamento do meio e
processo de doença – concepção que se manteve no século XVII, com a Teoria dos Miasmas.
No século XVIII, as enfermidades eram atribuídas às condições de vida e de trabalho das
populações. Com o advento da microbiologia, a concepção “ambiental” foi substituída pela
“biológica”, e a importância do ambiente físico e social passou a ser subestimada (LIMA,
2001).

Assim, apesar dos avanços e recuos, as ações de saneamento mantinham uma estreita
relação com a saúde pública. Por terem conseguido uma situação de salubridade em suas
cidades, os países centrais deixaram de se preocupar com o saneamento básico por um
dado período, tanto o governo quanto a população. Mais tarde, porém, a poluição das águas
e do ar fez emergir novas enfermidades, tomando a cena ao surgir como uma problemática
de saúde pública e provocando todo um movimento relacionado à defesa do meio ambiente.
Nos países periféricos, onde ainda persistem níveis baixos de serviços de saneamento
básico, estes se constituem uma importante medida de saúde pública.

Pode-se perceber, portanto, que, ao longo do tempo, as preocupações no campo do


saneamento passam a incorporar não só questões de ordem sanitária, mas também
ambiental. A visão antropocêntrica de antes perde um pouco a sua força e dá lugar a uma
nova perspectiva da relação sociedade-ambiente. Certamente por essa razão, o conceito de
saneamento passa a ser tratado em termos de saneamento, saneamento básico e
saneamento ambiental.

Apesar dos avanços dos conceitos, a noção de saneamento vinculada à infra-estrutura das
cidades se tornou hegemônica. O Banco Mundial (BIRD) e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) tratam as ações de saneamento básico no âmbito da “pasta” de infra-
estrutura. A forte influência dessas instituições nas políticas públicas dos países ditos
periféricos implicou um alinhamento desses países às orientações dessas instituições. O
afastamento das ações e serviços de saneamento básico do campo da saúde pública teve
como reflexo o seu distanciamento do campo da política social, onde o dever do Estado
perante a sua promoção seria mais amplo (BORJA, 2004).

Saindo da discussão do saneamento no âmbito mais


global e partindo para abordar o conceito estrito de Agora responda: Como evoluiu o
saneamento básico, observa-se que, ao longo do conceito de saneamento no Brasil? Que
tempo, essa ação tem sido entendida e tratada conceito predomina atualmente?
____________________________
segundo lógicas vinculadas aos contextos político e
____________________________
social de cada época.
____________________________
____________________________
A definição clássica de saneamento básico explicita
____________________________
ser essa ação “o conjunto de medidas que visam a ____________________________
modificar as condições do meio ambiente, com a ____________________________
finalidade de prevenir doenças e promover a saúde” ____________________________
(MENEZES, 1984, p.26). Moraes (1994a), por __________________________
considerar muito amplo o conceito de meio __________________________

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 13


ambiente, passa a utilizar o conceito de salubridade ambiental, permitindo, com isso, uma
definição mais precisa. Assim, para esse autor, saneamento básico é o conjunto de ações e
medidas que visam à melhoria da salubridade ambiental, com a finalidade de prevenir
doenças e promover a saúde. A noção de saneamento está ligada à de higiene e, uma vez
que a palavra higiene significa algo relativo à saúde (FERREIRA, 2000), então, a noção de
saneamento relaciona-se à noção de saúde.

Menezes (1984) faz uma distinção entre “saneamento básico”, que seria uma restrição do
conceito de saneamento para designar as ações direcionadas ao controle dos agentes
patogênicos e seus vetores, e “saneamento ambiental” que teria um sentido mais amplo,
para alcançar a administração do equilíbrio ecológico, relacionando-se, também, com os
aspectos culturais, econômicos e administrativos e medidas de uso e ocupação do solo.

Moraes (1994a) define saneamento básico como:

O conjunto de ações, entendidas, fundamentalmente, como de saúde


pública, compreendendo o abastecimento de água em quantidade
suficiente para assegurar a higiene adequada e o conforto, com qualidade
compatível com os padrões de potabilidade; coleta, tratamento e
disposição adequada dos esgotos e dos resíduos sólidos; drenagem urbana
de águas pluviais e controle ambiental de roedores, insetos, helmintos e
outros vetores e reservatórios de doenças (MORAES, 1994a, s.p.).

Na Constituição do Estado da Bahia, saneamento básico é uma ação entendida,


fundamentalmente, como de saúde pública, que compreende abastecimento de água, coleta e
disposição adequada dos esgotos e do lixo, drenagem urbana de águas pluviais, controle de
vetores transmissores de doenças e atividades relevantes para a promoção da qualidade de vida
(BAHIA, 1989).

O direito a cidades sustentáveis e ao saneamento ambiental, para as gerações presentes e


futuras, passa a ser considerado pela Lei nº. 10.257, de 10/07/2001, denominada de
Estatuto da Cidade, que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece
diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. No seu Art. 2º, a Lei estabelece
que a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais
da cidade e da propriedade urbana (BRASIL, 2001). O inciso I do mesmo artigo da Lei
diferencia saneamento ambiental de infra-estrutura urbana, entretanto a referida Lei não
define o saneamento ambiental, embora na época já existissem definições para o termo por
diversos autores e instituições (MENEZES, 1984; MORAES, 1993; FUNASA, 1999).

Recentemente, a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades,


em documento preliminar para proposição de uma política nacional, definiu saneamento
ambiental como:

[...] o conjunto de ações técnicas e socioeconômicas, entendidas


fundamentalmente como de saúde pública, tendo por objetivo alcançar
níveis crescentes de salubridade ambiental, compreendendo o

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 14


abastecimento de água em quantidade e dentro dos padrões de
potabilidade vigentes, o manejo de esgotos sanitários, resíduos sólidos e
emissões atmosféricas, a drenagem de águas pluviais, o controle ambiental
de vetores e reservatórios de doenças, a promoção sanitária e o controle
ambiental do uso e ocupação do solo e a prevenção e controle do excesso
de ruídos, tendo como finalidade promover e melhorar as condições de vida
urbana e rural (SNSA, 2003, s.p.).

Os princípios
princípios de uma política pública de saneamento básico

Os princípios de uma política pública de saneamento básico no Brasil vêm sendo construídos
na história recente do País, principalmente, a partir de meados da década de 1980,
recebendo influência de sete fatos que merecem destaque: (a) a discussão em torno da
Reforma Sanitária, que culminou com a realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde; (b)
o colapso do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), quando a discussão sobre uma
política pública de saneamento mobiliza diversos segmentos da sociedade; (c) a
promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988, em que os princípios democráticos
tomaram a cena da política; (d) as discussões em torno do Projeto de Lei nº. 053/91 e do
Projeto de Lei da Câmara nº. 199/93, quando os princípios de uma política pública de
saneamento começam a ser delineados; (e) a proposição e debate em torno do Projeto de Lei
do Senado nº. 266/1996 e do Projeto de Lei do Poder Executivo nº. 4.147/2001, que tinham
como um dos objetivos a privatização dos serviços de abastecimento de água e de
esgotamento sanitário no Brasil; (f) a I Conferência Nacional de Saneamento Ambiental,
realizada em 1999, a partir da qual os princípios fundamentais de uma política pública de
saneamento passam a ser formulados e discutidos; e (g) o Projeto de Lei nº. 5.296/2005,
que institui diretrizes para os serviços públicos de saneamento básico e a Política Nacional
de Saneamento Básico, encaminhado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional.

A noção de saúde como um direito surge nos anos 80 em meio ao debate sobre a Reforma
Sanitária e em um ambiente marcado por intensos movimentos sociais e políticos. Naquele
momento, entendia-se a saúde como um direito do cidadão. A saúde passa a ser vista
como a arte de integrar as ações preventivas de massa com as ações curativas individuais,
não estando, portanto, confinada à atenção médica. Dessa forma, resgatava-se o caráter da
saúde como um bem público, como um direito social de todo cidadão. Esses pressupostos
significaram um avanço histórico (ABRASCO, 1985).

A Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), fortemente


integrada ao movimento da Reforma Sanitária, defendia a redefinição dos papéis
institucionais da área de saúde, propondo algumas diretrizes, tais como: universalização e
equalização do atendimento; descentralização da gestão dos serviços; integração
institucional; novas relações entre público e privado; definição de uma política de recursos
humanos; e participação de profissionais e usuários nos serviços de saúde (ABRASCO,
1985).

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 15


A 8a Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, foi o acontecimento mais
importante do movimento da Reforma Sanitária no Brasil. Em seu relatório final está
registrado um preceito que vai marcar a história da saúde pública brasileira e vai,
posteriormente, já na década de 90, influenciar os rumos teóricos e conceituais da área de
saneamento. Dentre os itens levantados no relatório é importante resgatar alguns que têm
relação com o saneamento.

Direito à saúde significa a garantia, pelo Estado, de condições dignas de


vida e de acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção,
proteção e recuperação de saúde, em todos os seus níveis, a todos os
habitantes do território nacional, levando ao desenvolvimento pleno do ser
humano em sua individualidade [...]. Deste conceito amplo de saúde e de
noção de direito como conquista social, emerge a idéia de que o pleno
exercício do direito à saúde implica garantir [...] moradia higiênica e digna
[...] qualidade adequada do meio ambiente. [...] O Estado tem como
responsabilidades básicas quanto ao direito à saúde [...] (Ministério da
Saúde, 1986, p. 4-5, grifos nossos).

Dentre os princípios que, segundo os resultados da


Conferência, deveriam reger o novo Sistema Nacional de
Saúde, podem ser destacados os que, posteriormente, vão
inspirar a delimitação dos princípios de uma política
pública de saneamento: descentralização, participação da
população, fortalecimento do papel do município,
universalização e equidade (ABRASCO, 1985).

Fonte: DEA-UFBA-GESAN, 2002.


A participação da área de saúde na política de
saneamento básico é claramente defendida como uma das
atribuições principais do Sistema Único de Saúde (SUS),
sendo colocada nos seguintes termos: “definição de
políticas setoriais de tecnologia, saneamento, recursos
humanos [...]” (ABRASCO, 1985, p. 13, grifo nosso).

No mesmo ano da 8a Conferência (1986), a Superintendência de Desenvolvimento do


Nordeste (SUDENE) produz o documento “Proposições para uma Nova Política de
Saneamento Básico”, em que aponta a responsabilidade do Estado na produção e
gerenciamento dos serviços de saneamento e define esse serviço como uma necessidade
universal, de indiscutível interesse para a sociedade, sendo um direito inerente à cidadania,
devendo, portanto, atender a toda a população2 (SUDENE, 1987, p. 7). Além disso, são
apontadas diretrizes para a área, tais como a democratização; a participação comunitária; as
mudanças tecnológicas para diminuir o grau de dependência do setor dos poderes públicos;
subsídio em face do grande número de sistemas deficitários, principalmente, devido à

2 Esta premissa é um grande avanço em relação às metas do Planasa, estabelecidas em 1971, que previam o atendimento de 80%
da população urbana e de pelo menos 80% das cidades brasileiras com abastecimento de água e levar esgotamento sanitário às
capitais dos estados e cidades de maior porte, até o ano de 1980.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 16


pobreza da população; arcabouço institucional com definições de competências nacional,
regional e estadual; participação do município; ações intersetoriais; adequação da política
tarifária; gradualismo na implementação das ações; igualdade do benefício a grandes e
pequenas comunidades e segmentos da população de alta e baixa renda.

Ricão e outros (1987), ao realizarem uma reflexão sobre a Reforma Sanitária e o


saneamento, defendem que essas ações se constituem uma medida de saúde pública,
embora não deixem de pontuar sua relação com a infra-estrutura das cidades. Dentre as
sugestões apresentadas para a formulação de uma nova política de saneamento, podem ser
destacadas: responsabilidade do Estado na prestação dos serviços; coordenação e gestão
das ações por meio de órgãos colegiados nos três níveis de governo; participação social,
desde a identificação das necessidades à definição de prioridades, das soluções adotadas,
planejamento, acompanhamento e avaliação; eliminação da lógica exclusivamente
empresarial; descentralização, com fortalecimento dos municípios; articulação entre os
vários órgãos envolvidos nos três níveis de governo; e prioridade definida segundo critérios
epidemiológicos. Nota-se que, naquele momento, antes da CF de 1988, existia um debate
em torno da revisão do papel do Estado no âmbito das políticas de saúde e de saneamento
básico. Essas propostas surgem em um ambiente de intenso debate sobre a Reforma
Sanitária e de re-orientação da política de saneamento básico do País, face ao colapso do
Planasa em 1986. Os debates dessa época e a conjuntura política influenciaram na
promulgação da CF de 1988, quando a saúde passa a ser um direito de todos e dever do
Estado, devendo o seu acesso ser universal e igualitário, conforme disposto no Art.196:

A saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantida mediante


políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a
sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988, p. 115, grifos nossos).

As responsabilidades do SUS quanto às ações de saneamento básico estão definidas no


Inciso IV, do Art. 200, da CF de 1988, que estabelece a atribuição desse sistema de “[...]
participar da formulação de políticas e da execução das ações de saneamento básico” (ibid.,
1988, p. 116). Assim, a CF associa a área de saneamento ao campo da saúde e,
conseqüentemente, a coloca no âmbito da política social. As medidas de saneamento
passam a ser encaradas, constitucionalmente, como uma atividade de prevenção e de
proteção à saúde da população. No capítulo de Direitos Sociais (Art. 6º), a Constituição
estabeleceu que “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”
(BRASIL, 1988, s.p.). Em 2000, esse artigo recebe nova redação incorporando a moradia
como direito social. O saneamento, em tal artigo, aparece implicitamente tanto no direito
social que se refere à saúde quanto no que diz respeito à moradia.

Benjamin (2003)3, ao discutir os aspectos jurídicos que envolvem o direito ao saneamento


ambiental, observa que, segundo a CF de 1988, o saneamento é visto como um direito à

3 Esse autor é Procurador de Justiça de São Paulo e Professor de Direito Ambiental na Universidade do Texas.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 17


saúde, sendo, portanto, parte constituinte do SUS. Apesar desse avanço constitucional, essa
definição teve pouca influência nas relações entre as áreas de saúde e saneamento e dentro
da própria área de saneamento básico, que vivia um momento de paralisia política e
financeira que veio a se agravar na década de 1990. Esse fato é observado por Costa e
Fiszon (1989). Esses dois autores afirmam que “passou sem nenhum registro a decisão da
Constituinte que inclui, no Capítulo da Ordem Social, a competência do Sistema Único de
Saúde no setor saneamento” (COSTA e FISZON, 1989, p. 3).

Desde a década de 1970 até hoje, duas noções estão colocadas: a primeira considera o
saneamento básico como uma medida de infra-estrutura das cidades, como um
investimento necessário à reprodução do capital, como um serviço que deve ser submetido
à lógica empresarial, tendo a auto-sustentação como um pressuposto fundamental, e a
segunda, como uma medida de saúde pública e, consequentemente, integrante da política
social. A polarização que existe em torno da natureza das ações e serviços de saneamento
(desde a década de 1980) fica bastante clara nas palavras de Costa e Fiszon (1989):

Essa limitação ao acesso através das leis de mercado indica outro aspecto
restritivo da política pública para o setor: o saneamento foi encarado como
um investimento financeiro que devia ser remunerado a preços de mercado.
Obviamente que essa não deve ser a lógica para o setor, caso ele possa ser
pensado não só como mais um investimento em infra-estrutura rentável à
reprodução do capital, mas como um item da política social (COSTA e
FISZON, 1989, p. 3).

A Constituição Federal e os debates em torno da política de saneamento básico, gerados a


partir do texto constitucional, passam a exercer influências visíveis: a Constituição do
Estado da Bahia, promulgada em 1989, cria um capítulo para o saneamento básico e, em
seu Art. 227, estabelece que:

Todos têm o direito aos serviços de saneamento básico, entendidos


fundamentalmente como de saúde pública, compreendendo o
abastecimento d’água, coleta e disposição adequada dos esgotos e do lixo,
drenagem urbana de águas pluviais, controle de vetores transmissores de
doenças e atividades relevantes para a promoção da qualidade de vida.
(BAHIA, 1989, p.104, grifos nossos).

No Parágrafo 1o do Art. 228, esse instrumento legal estabelecia que “O Estado desenvolverá
mecanismos institucionais e financeiros destinados a garantir os benefícios do saneamento
básico à totalidade da população” (BAHIA, 1989, p. 104, grifos nossos).

Em 1991, o Projeto de Lei nº. 53, da então Deputada Irma Passoni (PT-SP), que dispunha
sobre a Política Nacional de Saneamento, propõe que essa política deveria assegurar a
salubridade ambiental; o direito de todos aos serviços de saneamento e o dever de todos e

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 18


obrigação do Estado em sua provisão; o acesso universal e igualitário; a descentralização; a
participação da comunidade; a articulação institucional, dentre outros.

Em 1992, a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou a Lei nº. 7.750, que
dispõe sobre a Política Estadual de Saneamento. Aqui, merecem destaque: o objetivo da
política, de assegurar os benefícios da salubridade ambiental à totalidade da população; a
definição de que ambiente salubre é direito de todos; a diretriz para a atuação articulada,
integrada e cooperativa entre os órgãos públicos. A Lei também definiu a elaboração de um
Plano Estadual de Saneamento e instituiu o Sistema e o Fundo Estadual de Saneamento
(Revista SABESP, 1992).

Na Bahia, em 1993, e sob a influência da Lei de São Paulo, o então Deputado Paulo Jackson
Vilasboas (PT-BA) apresentou o Projeto de Lei nº. 10.105, que propunha a instituição da
Política de Saneamento do Estado da Bahia. Este PL estabelecia que a política deveria
assegurar: a proteção da saúde da população; a salubridade do meio ambiente, que seria
direito de todos e dever do Poder Público e da coletividade; a integração interinstitucional; e
a participação da sociedade. A participação dar-se-ia por meio do Sistema Estadual de
Saneamento Básico, composto pelos seguintes instrumentos: Plano, Conferência, Conselho e
Fundo Estadual de Saneamento Básico.

Em 1993, passa a tramitar no Congresso Nacional o Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº. 199,
que dispunha sobre a Política Nacional de Saneamento. Tendo como referência o já citado PL
n. 53/91, o projeto previa o acesso ao saneamento de forma universal e igualitária, a
participação da população, a descentralização das ações nos três níveis de governo, a
integração interinstitucional, além de considerar o saneamento como um direito e dever de
todos e obrigação do Estado. As propostas desse PLC foram produto de ampla discussão e
negociação de diversos segmentos da sociedade relacionados ao saneamento. Embora, em
1994, tenha sido aprovado pelo Congresso Nacional, o PLC nº. 199 foi vetado integralmente
no início de 1995 pelo então recém empossado Presidente da República Fernando Henrique
Cardoso (FHC). Naquele momento, já se delineava a diretriz política do governo FHC para a
privatização dos serviços de saneamento.

No mesmo ano do veto, em 1995, o Plano Nacional de Saúde e Ambiente no


Desenvolvimento Humano Sustentável constituiu-se um documento de referência para o
campo saúde-ambiente, com propostas que vinham ao encontro dos debates anteriores.
Para o saneamento, o Plano estabeleceu como objetivo:

[...] universalizar o atendimento, com equidade, garantindo o atendimento à


população de baixa renda, abrangendo os serviços de abastecimento de
água, esgotamento sanitário, limpeza pública, drenagem urbana e controle
de vetores (COPASAD, 1995, p. 61, grifos nossos).

Seguindo outra orientação, também em 1995, o governo FHC divulga a Política Nacional de
Saneamento (PNS). Essa política tinha como elementos centrais a modernização e
flexibilização na prestação dos serviços, com a privatização assumindo um papel

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 19


estratégico, estabelecendo-se como prioridade a definição de marcos para a regulação e o
controle da política, conforme orientações do Banco Mundial e Fundo Monetário
Internacional (FMI). Segundo o Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) (1997), a PNS
busca promover a

[...] descentralização da gestão e a articulação das ações dos diversos


agentes [...]; favoreça a mobilização de esforços políticos e de recursos
financeiros para a universalização do acesso aos serviços; propicie a criação
de um ambiente de eficácia e eficiência no setor e institucionalize os
instrumentos de regulação e controle necessários à adequada prestação
desses serviços (MPO, 1997, p. 17, grifos nossos).

Embora a PNS incorpore alguns pontos já amplamente aceitos no campo do saneamento, a


universalização pretendida ficou mais clara em 1997, quando é definido como meta
aumentar a cobertura, visando à universalização dos serviços, com garantia do atendimento
em nível essencial (MPO, 1997).

Os pressupostos dessa política ficaram mais explícitos no Projeto de Lei do Senado nº. 266
de 1996, de autoria do então Senador José Serra (PSDB-SP) (BRASIL, 1996) e no Projeto de
Lei do Poder Executivo nº. 4.147 de 2001 (BRASIL, 2001), que tinham como um dos
objetivos estimular e facilitar a privatização dos serviços de saneamento básico.

Heller (1996), ao discutir o quadro legal e institucional do saneamento no Brasil na década


de 90, considerou que existia por parte do governo a intenção de privatizar os serviços de
saneamento. O autor apontou a universalização e a eqüidade como pontos fundamentais,
além da ampliação do conceito de saneamento; a extensão dos benefícios a todas as
parcelas da população; introdução da visão de saúde pública na prática do saneamento;
criação de fóruns de decisão, dentre outros.

Em 1997, a Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (ASSEMAE),


entidade que passa a ter uma atuação importante na defesa de uma política pública de
saneamento, elabora e divulga a cartilha intitulada “Saneamento: Responsabilidade do
Município. Como fazer saneamento em seu Município” (COSTA e MELO, 1997). Ao proporem
o fortalecimento do município na execução das ações de saneamento, Costa e Melo (1997)
ressaltam a importância de o dirigente municipal exercer a titularidade do serviço,
assumindo o poder que lhe é atribuído pela Constituição de 1988. Além de proporem a
elaboração de um Plano Municipal de Saneamento, os autores apresentam alguns princípios
que deveriam nortear uma política de saneamento, a saber: universalidade, por considerar o
acesso aos serviços de saneamento como um direito de todos e um dever do Estado
brasileiro; eqüidade; integralidade; e participação da população (COSTA e MELO, 1997).

Em 1998, inspirado nas discussões travadas na década de 90, a Câmara Municipal de Santo
André-SP aprova e o Prefeito Municipal sanciona a Lei nº. 7.733, que dispõe sobre a Política
Municipal de Gestão e Saneamento Ambiental, o que tornou esse Município o primeiro no
Brasil a possuir uma política de saneamento instituída em lei. Dentre os princípios

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 20


fundamentais dessa política podem ser citados: o interesse público; a universalização; a
melhoria contínua da qualidade ambiental; a participação da sociedade nos processos de
decisão; uso racional dos recursos naturais; disciplinamento do uso e exploração dos
recursos hídricos; e respeito à capacidade de pagamento dos usuários (SANTO ANDRÉ,
1998). Nota-se que a Lei de Santo André, além de reunir pressupostos que já vinham sendo
discutidos para uma política pública de saneamento, acrescenta dispositivos que
incorporam, fortemente, a questão da proteção dos recursos naturais, sendo inovadora
nesse sentido.

Em 1999, é realizada a I Conferência Nacional de


Saneamento, por iniciativa da Câmara dos Deputados. Qual a natureza das ações de
Dentre as propostas da Conferência, podem ser saneamento?
destacadas: garantia do acesso universal e igualitário _____________________________
aos benefícios do saneamento; defesa da autonomia _____________________________
municipal quanto à prestação dos serviços; reforço
_____________________________
_____________________________
quanto à titularidade municipal como poder concedente
_____________________________
dos serviços; gestão municipal, pública e autônoma;
_____________________________
salubridade ambiental, entendida como direito do _____________________________
cidadão e dever do Estado, devendo ser assegurada por _____________________________
políticas sociais; e controle social (CÂMARA DOS _____________________________
DEPUTADOS, 2000). _____________________________
_____________________________
Posteriormente, essas discussões vão influenciar a _____________________________
promulgação de leis que instituem políticas municipais ___________________________
de saneamento, a exemplo da Lei nº. 2.788/2000, de __________________________
Aracaju-SE (ARACAJU, 2000), da Lei nº. 8.260/2001, de
Belo Horizonte-MG (BELO HORIZONTE, 2001) e da Lei nº. 1.460/2001, de Alagoinhas-BA
(ALAGOINHAS, 2001).

Assim, se por um lado a lógica da área de saneamento recebia forte influência do PLANASA,
por outro começaram a surgir dois movimentos. Um deles articulava-se com idéias
democráticas, ligadas à descentralização, ao fortalecimento do papel do Estado, ao resgate
do papel do Poder Municipal e à participação popular. O outro ocorria no âmbito do Governo
Federal, que buscava dar uma nova orientação para a área, a qual atendia à lógica
neoliberal, apontando para a privatização dos serviços de saneamento. Essa nova
orientação seguia o modelo PLANASA, ao tratar o saneamento como uma atividade
empresarial e ligada ao mercado. Esses dois movimentos vão cada vez mais se polarizar.

Em 2003, o recém empossado governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por meio do
Ministério das Cidades, elabora um documento preliminar intitulado “Política Nacional de
Saneamento Ambiental” (SNSA, 2003), no qual são indicados os princípios de uma política
pública de saneamento que incorpora os debates anteriores, a saber: universalidade,
integralidade das ações, equidade, participação e controle social, titularidade municipal,
gestão pública e integração institucional. Por outro lado, as áreas econômica e de
planejamento do Governo Lula indicam como solução para a infra-estrutura do País o uso de
Parceria Público-Privada (PPP), inclusive para a área de saneamento básico, sendo então

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 21


aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República a Lei nº.
11.079, de 30/12/2004, que “institui normas gerais para licitação e contratação de parceria
público-privada no âmbito da administração pública” (BRASIL, 2004, p.1).

Já em maio de 2005, o Poder Executivo encaminha


ao Congresso Nacional, após processo de consulta
pública, discussão em reuniões regionais e nacional PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA
realizadas com esse objetivo, e apreciação e POLÍTICA DE SANEAMENTO
aprovação pelos Conselho das Cidades e Conselho
Nacional de Saúde, o Projeto de Lei nº. 5.296/2005,
que institui as diretrizes para os serviços públicos O saneamento básico é uma
de saneamento básico e a Política Nacional de meta social diante de sua
Saneamento Básico. Tal PL considera como
essencialidade à vida humana
saneamento básico “o conjunto de serviços e ações
com o objetivo de alcançar níveis crescentes de e à proteção ambiental, o que
salubridade ambiental, nas condições que evidencia o seu caráter público
maximizem a promoção e melhoria das condições
e o dever do Estado na sua
de vida nos meios urbano e rural, compreendendo o
abastecimento de água, o esgotamento sanitário, o promoção, constituindo-se
manejo de resíduos sólidos e o manejo de águas um direito social, integrante
pluviais” (BRASIL, 2005, p.1), e contempla como de políticas públicas e sociais.
diretrizes a universalização, integralidade, equidade,
sustentabilidade, intersetorialidade, promoção e
proteção da saúde, participação e controle social,
dentre outras.

Das discussões, percebe-se que as ações de saneamento básico têm sido tratadas, às vezes,
como uma política social e, dessa forma, como um direito social; outras vezes, apenas como
uma política pública, passível de ser submetida à lógica de mercado. Essa ambigüidade se
traduz não só no campo teórico como na ação governamental.

É importante ressaltar, contudo, que a natureza de uma ação de saneamento básico a torna
essencial à vida humana e à proteção ambiental. Por ser uma ação eminentemente coletiva
em virtude da extensão dos efeitos de sua ausência, ela se constitui uma meta social,
situando-se, assim, no plano coletivo, no qual os indivíduos, a comunidade e o Estado têm
papéis a desempenhar. Dada a sua natureza, a sua promoção exige esforços em vários
níveis, envolvendo diversos atores. As ações de saneamento básico, além de serem,
fundamentalmente, de saúde pública e de proteção ambiental, constituem-se serviços
essenciais, direito social do cidadão e dever do Estado. Desse modo, a promoção das ações
de saneamento está mais compatível com as políticas públicas e sociais (BORJA, 2004).

Das discussões anteriores, os princípios de uma política pública de saneamento básico


podem ser sistematizados como apresentado no Quadro 1.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 22


Quadro 1 – Princípios de uma Política Pública de Saneamento Básico
Princípio Definição
As ações e serviços de saneamento básico, além de serem, fundamentalmente, de saúde
pública e de proteção ambiental, são também essenciais à vida, um direito social básico e
Universalidade dever do Estado. Assim, o acesso aos serviços de saneamento básico deve ser garantido a
todos os cidadãos mediante tecnologias apropriadas à realidade socioeconômica, cultural e
ambiental.
As ações e os serviços de saneamento básico devem ser promovidos de forma integral, em
Integralidade face da grande inter-relação entre os seus diversos componentes, principalmente, o
das ações abastecimento de água, o esgotamento sanitário, o manejo de águas pluviais, o manejo de
resíduos sólidos e o controle ambiental de vetores e reservatórios de doenças. Muitas vezes, a
efetividade, a eficácia e a eficiência de uma ação de saneamento básico dependem da
existência dos outros componentes.
A igualdade diz respeito a direitos iguais, independentemente de etnia, credo, situação
Igualdade4 socioeconômica; ou seja, considera-se que todos os cidadãos têm direitos iguais no acesso a
serviços de saneamento básico de boa qualidade.
A participação social na definição de princípios e diretrizes de uma política pública de
saneamento básico, no planejamento das ações, no acompanhamento da sua execução e na
Participação e
sua avaliação constitui-se um ponto fundamental para democratizar o processo de decisão e
controle social
implementação das ações de saneamento básico. Essa participação pode ocorrer com o uso de
diversos instrumentos, como conferências e conselhos.
Uma vez que os serviços de saneamento básico são de interesse local e o poder local tem a
competência para organizá-los e prestá-los, o Município é o titular do serviço. Uma política de
saneamento básico deve partir do pressuposto de que o Município tem autonomia e
competência para organizar, regular, controlar e promover a realização dos serviços de
saneamento básico de natureza local, no âmbito de seu território, podendo fazê-lo diretamente
Titularidade
ou sob regime de concessão ou permissão, associado com outros municípios ou não,
Municipal
respeitando as condições gerais estabelecidas na legislação nacional sobre o assunto. A
gestão municipal deve se basear no exercício pleno da titularidade e da competência municipal
na implementação de instâncias e instrumentos de participação e controle social sobre a
prestação dos serviços em âmbito local, qualquer que seja a natureza dos prestadores, tendo
como objetivo maior promover serviços de saneamento básico justo do ponto de vista social.
Os serviços de saneamento básico são, por sua natureza, públicos, prestados sob regime de
monopólio, essenciais e vitais para a vida humana, em face da sua capacidade de promover a
Gestão saúde pública e o controle ambiental. Esses serviços são indispensáveis para a elevação da
pública qualidade de vida das populações urbanas e rurais. Contribuem também para o
desenvolvimento social e econômico. Sendo um direito social e uma medida de saúde pública,
a gestão dos serviços deve ser de responsabilidade do Poder Público.
As ações dos diferentes componentes e instituições da área de saneamento básico são,
geralmente, promovidas de forma fragmentada no âmbito da estrutura governamental. Tal
prática gera, na maioria das vezes, pulverização de recursos financeiros, materiais e humanos.
Articulação ou A articulação e integração institucional representam importantes mecanismos de uma política
integração pública de saneamento básico, uma vez que permitem compatibilizar e racionalizar a execução
institucional de diversas ações, planos e projetos, ampliando a eficiência, efetividade e eficácia de uma
política. A área de saneamento básico tem interface com as de saúde pública, desenvolvimento
urbano, habitação, meio ambiente e recursos hídricos, dentre outras. A conjugação de esforços
dos diversos organismos que atuam nessas áreas oferece um grande potencial para a melhoria
da qualidade de vida da população.

4 Aqui, optou-se por resgatar o termo igualdade, usado na Constituição Federal de 1988 e no PLC 199/93, em vez de eqüidade.
Segundo Fonseca (1998), no modelo neoliberal, a equidade adquiriu a noção mais relacionada à capacidade individual de agir diante
das circunstâncias adversas, sendo a desigualdade resultado dos efeitos naturais das circunstâncias em que os indivíduos estão
inseridos. Dessa forma, a garantia dos direitos sociais passaria pela ação individual, debilitando o papel do Estado como provedor
de políticas de garantia de justiça social.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 23


Conclusão

Da discussão realizada, pode-se perceber que o conceito de saneamento básico está


submetido e condicionado ao próprio processo de construção do conhecimento ao longo da
história, o qual tem se pautado por movimentos de continuidade e descontinuidade.
Movimentos estes que não se dão de forma neutra e que estão inseridos na complexidade
do contexto social e político do momento. Como observa Foucault (1992), ao fazer uma
genealogia do conhecimento no ensaio “As palavras e as coisas”, os conceitos e as teorias
são limitados e aproximados, construídos pelo homem a partir de uma cultura. Ou seja, a
produção do conhecimento não se dá de forma neutra; pelo contrário, ela está inserida no
contexto político e social em que ocorre.

Quais os princípios de uma política pública de saneamento básico?

_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 24


A relação entre o saneamento básico e a
saúde das crianças5
Luiz Roberto Santos Moraes

A oentendidos
longo das últimas décadas, as ações e os serviços de saneamento básico vêm sendo
como, fundamentalmente, de saúde pública, compreendendo os
componentes de abastecimento de água, em quantidade suficiente para assegurar a higiene
adequada, o conforto e bem-estar e com qualidade compatível com os padrões de
potabilidade, de esgotamento sanitário, de manejo/drenagem de água pluviais, manejo de
resíduos sólidos e controle ambiental de vetores transmissores e reservatórios de doenças,
como estabelecem, por exemplo, a Constituição do Estado da Bahia (1989), a lei que dispõe
sobre a Política de Saneamento do Estado de São Paulo (1992) e as leis que dispõem sobre a
Política de Saneamento dos municípios de Santo

http://www.5elementos.org.br/eduamb/imagens/foto11.jpg
André/SP (1998), Aracaju/SE (2000), Alagoinhas/BA
(2001) e Belo Horizonte/MG (2001).

Embora já estejamos no século XXI, os serviços de


saneamento básico no Brasil são ainda deficientes em
muitos locais ou inexistentes em outros, gerando
ambientes insalubres e impactos negativos na saúde das
populações, principalmente, na saúde das crianças, mais
susceptíveis a esses ambientes e impactos. Isto também
se deve à falta de política de saneamento básico
institucionalizada nos três níveis (Federal, Estadual e
Municipal) que contemple a cooperação entre eles e que
dê prioridade a investimentos nessa área, uma vez que
Fonte:

apenas recentemente o País passou a contar com a Lei


nº. 11.445/2007.

As enfermidades associadas à deficiência ou inexistência de saneamento básico e a


conseqüente melhoria da saúde devido à implantação de tais medidas têm sido objeto de
discussão em diversos estudos. Entre essas doenças, a diarréia e as doenças parasitárias,
em particular as verminoses, e mais recentemente, a desnutrição, têm merecido a atenção
de estudiosos e das autoridades sanitárias em todo o mundo. Benefícios específicos de
intervenções de saneamento básico incluem a diminuição da morbidade e/ou da
mortalidade causada por essas doenças, principalmente em crianças (ESREY e OUTROS,
1990). Por exemplo, melhorias na disposição de excretas humanos/esgotos sanitários têm
uma grande importância na redução da exposição à infecção. Sua importância como medida de

5 Adaptado de artigo publicado na Revista da Saúde, Conselho Nacional de Saúde, ano IV, n.4, p.21-22, abr. 2003.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 25


controle na infecção de helmintoses é de conhecimento público, sendo que a sua falta pode
contribuir para facilitar a transmissão fecal-oral (WHO, 1987).

O manejo e a drenagem de águas pluviais e o manejo de resíduos sólidos também têm relação
com a saúde pública. Alguns autores consideram os resíduos sólidos como um dos
determinantes da estrutura epidemiológica da comunidade, por eles exercerem sua ação sobre
a incidência de doenças ao lado de outros fatores.

Do ponto de vista sanitário, a importância dos resíduos sólidos como causa direta de doenças
não está muito comprovada. Porém, como fator indireto, os resíduos sólidos têm grande
importância na transmissão de doenças como, por exemplo, por meio de vetores como
artrópodes - moscas, mosquitos, baratas - e roedores que encontram nos resíduos sólidos seu
alimento e as condições adequadas para sua proliferação (SCHMID, 1965).

No Brasil, alguns estudos têm sido realizados visando estudar o impacto do saneamento
básico na saúde das crianças. Moraes (1996), estudando o impacto de medidas de
saneamento básico, principalmente, o destino dos dejetos/esgotos sanitários sobre a saúde
de crianças em nove assentamentos periurbanos situados na bacia hidrográfica do Rio
Camarajipe, em Salvador, reunidos em 3 grupos de 3 assentamentos em cada, sendo um
dotado de rede simplificada de esgotos, outro com escadarias e rampas drenantes e outro
com esgoto escoando a céu aberto, encontrou uma diferença estatisticamente significante
quando comparou a incidência de diarréia em crianças menores de 5 anos de idade entre os
3 grupos. As crianças das comunidades dotadas de rede simplificada de esgotos
apresentaram incidência de 1,7 episódios de diarréia por criança/ano, enquanto aquelas das
comunidades sem intervenção apresentaram incidência muito superior, igual a 5,5 episódios
por criança/ano. O mesmo aconteceu quando se avaliou o estado nutricional das mesmas
crianças pelo indicador antropométrico altura por idade, verificou-se desnutrição crônica
menor nas crianças dos assentamentos com rede simplificada de esgotos.

Estudando a morbidade por parasitoses intestinais em crianças entre 5 e 14 anos de idade


nos mesmos assentamentos, Moraes (1996) encontrou também uma diferença
estatisticamente significante entre a prevalência e a intensidade de Ascaris lumbricoides
(lombriga), Trichuris trichiura e ancilostomídeos (amarelão), sendo que as crianças dos
assentamentos com rede simplificada de esgotos apresentaram prevalências e intensidades
menores que aquelas dos assentamentos sem intervenção em saneamento básico. Esses
resultados indicam uma significativa redução no padrão de morbidade da população de
crianças residentes em assentamentos localizados em áreas dotadas com soluções
adequadas de esgotamento sanitário, ou seja, com bom nível de salubridade ambiental,
mesmo quando outros fatores de risco demográficos, socioeconômicos e culturais foram
considerados.

Esses resultados também encaminham para implicações de ordem política. A transmissão de


doenças no ambiente de domínio público é um problema público, requerendo investimentos
públicos (em sistemas de abastecimento de água, de disposição de excretas humanos/esgotos
sanitários, de drenagem de águas pluviais e de manejo de resíduos sólidos) ou regulação
(normas e padrões de qualidade de água, proibição por lei de descarga ou lançamento

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 26


clandestino de resíduos) para preveni-la. Os governos federal, estaduais e municipais não
podem se eximir de suas responsabilidades de proteger os indivíduos dos esgotos escoando a
céu aberto ou extravasando nas ruas, bem como de evitar lançamento de lixo nos sistemas de
drenagem e de esgotamento sanitário (CAIRNCROSS e OUTROS, 1996). A formulação e a
implementação de políticas públicas integradas visando à melhoria da salubridade ambiental
são de fundamental importância, principalmente, em assentamentos periurbanos e
localidades rurais, para que se promovam ações e serviços de saneamento básico que
contribuam para a saúde das crianças e da população em geral.

Os municípios e os Estados precisam urgentemente de um arcabouço jurídico-institucional


na área de saneamento básico que venha a reafirmar a titularidade municipal dos serviços,
garantida pelo art. 30, inciso V, da Constituição Federal de 1988, sua organização e
desenvolvimento institucional, bem como precisam adotar providências visando à
implementação da Lei nº. 11.445/2007. Tal arcabouço é necessário para fortalecer os
princípios de função social dos serviços de saneamento, seu caráter público, devendo seu
atendimento considerar os princípios de universalidade (o acesso é um direito de todos),
equidade (os cidadãos têm direito a serviços de qualidade), integralidade (acesso aos
serviços de acordo com a necessidade dos cidadãos) e de participação e controle social.

O Poder Público deveria dar prioridade a essa área e realizar investimentos em saneamento
básico, visando a ampliar a cobertura de atendimento e melhorar a prestação dos serviços
como uma forma de contribuir para a redução das dívidas social e ambiental, destacando
essa prioridade como uma ação política pública social. A normatização e o controle dos
serviços públicos de saneamento básico devem estar sempre sob a absoluta tutela do Poder
Público e da população local, na defesa de seus reais interesses e impedindo o monopólio
técnico e financeiro. O processo de fiscalização e controle dos serviços, bem como a
transparência na sua execução e alocação dos recursos da área, não podem fugir das mãos
do Poder Público e da população.

Nesse sentido, torna-se necessário o estabelecimento de mecanismos e processos


institucionais apropriados, que possibilitem um controle real e democrático por parte do
Poder Público e da população sobre o planejamento, a regulação, fiscalização e prestação
dos serviços. A instituição da Política de Saneamento Básico de forma participativa, como a
do município de Alagoinhas (Bahia), vem atender a essas demandas e contempla como
instrumento básico o Sistema Municipal de Saneamento, composto pelo Plano Municipal de
Saneamento, Fundo Municipal de Saneamento e Sistema Municipal de Informações em
Saneamento, além de contar com instâncias de participação e controle social, tais como: a
Conferência Municipal de Saneamento e o Conselho Municipal de Saneamento, este último
de caráter deliberativo, contando na sua composição com a participação do Poder Público e,
de forma majoritária, com representantes de organizações da sociedade civil. Que tal sirva
de exemplo a outros municípios brasileiros e que a implementação da referida política,
integrada a outras políticas públicas sociais, possa contribuir para a promoção de ambientes
saudáveis e para a melhoria da saúde das crianças.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 27


Escreva aqui algo que achou importante:

_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 28


Política de Saneamento no Brasil

Luiz Roberto Santos Moraes


Patrícia Campos Borja

A stanto
políticas de saneamento no Brasil têm fortes vínculos com os interesses econômicos,
internacionais como nacionais. Já no início do século XX, a Fundação Rockfeller,
entidade americana voltada para questões de saúde pública, forneceu apoio técnico e
econômico para o combate às endemias rurais da malária e ancilostomíase que
representavam obstáculos para as atividades econômicas. Sua atuação começou em São
Paulo e, posteriormente, se estendeu para outros estados brasileiros, iniciando-se
justamente no momento em que o Governo Federal passou a se responsabilizar pelas ações
de saneamento em nível nacional, fruto das ações desenvolvidas no âmbito da Liga Pró-
saneamento (REZENDE, 2000).

Em 1942, é criado o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), com auxílio técnico e
financeiro dos Estados Unidos. Pretendia-se criar condições para a integração do País ao
modelo de desenvolvimento pautado em uma economia de mercado subalterna, produtora
de matéria-prima e consumidora de produtos industrializados da metrópole. Segundo
Rezende e Heller (2002), a razão para essa cooperação era a demanda por recursos minerais
e vegetais, após a Segunda Guerra Mundial. Interessavam aos Estados Unidos as fontes
produtoras do vale do rio Amazonas, do estado de Goiás e do vale do rio Doce, o que
conduziu ao acordo de cooperação deste país com o Brasil. Em 1950, o SESP assumiu um
caráter mais nacionalista. Assim, quando em 1960 o convênio com os Estados Unidos
expira, esse serviço passa a ser chamado de Fundação SESP (FSESP), uma instituição ligada
ao Ministério da Saúde. Posteriormente, em 1991, há uma fusão da FSESP com a
Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM), dando origem à Fundação
Nacional de Saúde (FUNASA), que se mantém até hoje.

A atuação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no financiamento do


saneamento no Brasil data da década de 1960. Em 1966, essa instituição destinou recursos
para as autarquias municipais ligadas a FSESP responsáveis pelas ações de saneamento em
nível local. A criação, em 1959, da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste
(SUDENE) ampliou de forma significativa os empréstimos externos, via BID, para ações de
saneamento (REZENDE, 2000).

A partir desse momento começa a ser concebida, no âmbito da SUDENE, do Departamento


Nacional de Obras de Saneamento (DNOS) e BID, uma mudança fundamental na gestão dos
serviços de saneamento no Brasil. O modelo da administração via empresas de economia
mista e autarquias passou a ser encarado como mais viável e flexível que a administração
direta dos serviços (MERCEDES, 2002). É nesse momento que começa a ser implementada na
área de saneamento a lógica financeira do retorno do capital investido. O saneamento passa
a ser encarado como um serviço que deve ser auto-sustentável, via cobrança de tarifa,

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 29


modelo que vai se consolidar, no período de 1971 a 1986, com o Plano Nacional de
Saneamento (PLANASA).

Nesse momento, inicia-se o esvaziamento das ações de saneamento no âmbito do


Ministério da Saúde e, conseqüentemente, da FSESP, que passa a contar com parcos recursos
(REZENDE e HELLER, 2002; MERCEDES, 2002). Essa estratégia colocou como única alternativa
para a área de saneamento a consolidação do modelo via autarquias e empresas de
economia mista que deveriam ser geridas sob a lógica do retorno do investimento. Os
processos de urbanização e industrialização que o País vivenciou na década de 1950 passam
a justificar a adequação do modelo de gestão e a “modernização” da área de saneamento.

Assim, já na década de 1950, diversos programas de financiamento previam o retorno do


investimento via tarifa. Os Serviços Autônomos de Água e Esgoto (SAAE) foram os
precursores na implantação desse modelo. Rezende e Heller (2002), resgatando as idéias da
época, observam que, naquele momento, defendia-se que toda a água consumida deveria
ser paga, sendo que os pobres deveriam pagar taxa mínima para que pudessem utilizar
água suficiente para a higiene e nutrição. Segundo Mercedes (2002), o modelo dos SAAE
diferenciava-se da concepção anterior quando o saneamento estava mais ligado à área de
saúde, uma vez que se estruturava em torno da receita tarifária, “passando a distinguir-se
de outras políticas sociais como educação e saúde” (MERCEDES, 2002, p. 145).

Em 1960, o BID estimulou a formação das empresas de economia mista, tendo nas cláusulas
contratuais de financiamento, exigências quanto “à descrição das responsabilidades,
autonomia administrativa, autoridade para impor a tarifação, arrecadação e legislação por
parte das contratantes” (REZENDE e HELLER, 2002, p. 210). No final da década de 60 e início
de 70, o BID passou a condicionar seus empréstimos à transferência da concessão dos
serviços de saneamento dos municípios para as empresas estaduais de economia mista. Em
face dessa imposição dos agentes financiadores, os municípios passaram a transferir os
seus serviços para as companhias estaduais de água e esgoto, transferência esta facilitada
pelo regime militar (REZENDE e HELLER, 2002). Os municípios que não aderiram foram
marginalizados, não sendo contemplados com financiamentos para seus serviços. Segundo
Costa (1998), a exclusão dos serviços municipais do acesso aos recursos do Sistema
Financeiro de Saneamento (SFS) era necessária para viabilizar o PLANASA, uma vez que a
auto-sustentação financeira era o eixo do modelo. Segundo o autor, as sugestões para que
as tarifas cobrissem os custos de operação, manutenção e amortização dos empréstimos foi
feita pelo BID, nos anos 60.

Em 1967, já com o modelo das empresas de economia mista, o Banco Nacional de Habitação
(BNH) foi criado com o objetivo de promover e controlar a política de saneamento no Brasil.
Em 1968, foi criado o Sistema Financeiro de Saneamento (SFS), que passou a utilizar os
recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para realizar ações de
saneamento (MERCEDES, 2002).

O modelo de gestão via companhias estaduais começa a ser consolidado. O Governo Federal
condiciona a concessão de empréstimos com recursos provenientes do FGTS e de
organismos internacionais, como o BID e o Banco Mundial, à existência da companhia

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 30


estadual. Com esse mecanismo, pôde-se ampliar o raio de ação das companhias em todo o
território brasileiro (COSTA, 1998; REZENDE e HELLER, 2002; MERCEDES, 2002).

Na década de 1970, o governo militar, apoiado pelos Estados Unidos, conduziu a


centralização das políticas no Governo Federal. As estabilidades econômica e política,
obtidas por forte repressão militar, proporcionaram um ambiente atraente e seguro para a
entrada de capital estrangeiro.

Nesse momento, o saneamento é visto como uma atividade empresarial, passível de ser
conduzida sob a lógica do retorno do investimento via tarifa, considerado necessário para
dotar as cidades de infra-estrutura sanitária e fundamental para o processo de urbanização,
o qual exigia um ambiente favorável ao novo ciclo de desenvolvimento do Brasil, pautado no
crescimento econômico. No entanto, o modelo de desenvolvimento excluiu cidades e
regiões, contribuindo para a geração de um grande êxodo rural que conduziu a um
crescimento populacional urbano acelerado, cujas políticas implementadas não foram
suficientes para atender à demanda crescente por serviços urbanos no país. Os interesses
econômicos do capital internacional voltavam-se, naquele momento, para a construção de
um parque industrial, principalmente na Região Sudeste, o que fez canalizar os
investimentos em infra-estrutura para esta região. Essa prioridade fez elevar a cobertura de
serviços urbanos, inclusive os de saneamento, nessas regiões (BORJA e OUTROS, 1998;
MERCEDES, 2002).

Em 1971, o Planasa é criado e o País passa a contar com uma política de saneamento
centralizada no Governo Federal e executada em nível estadual pelas Companhias Estaduais
de Água e Esgoto. Rezende e Heller (2002) observam que o período do auge do Planasa
(1975-1983) “[...] ficou conhecido pelas ampliações dos investimentos em saneamento
básico [...] tendo havido um aumento nas atividades de financiamento por parte do Banco
Mundial para execução de projetos urbanos” (RESENDE e HELLER, 2002, p. 239).

O Planasa privilegiou as ações de abastecimento de


água e esgotamento sanitário, principalmente de
No modelo PLANASA, a lógica
áreas urbanas, para fazer frente à ampla empresarial e financeira passa a ser
industrialização do País e a conseqüente incorporada à área de saneamento.
urbanização. Por meio de concessões dos Desse modo, o serviço devia ser auto-
municípios, a execução da política coube às sustentável, via cobrança de tarifa (1971-
1986).
Companhias Estaduais, que eram financiadas com
recursos do BNH e de cada estado. Seguindo a lógica
da auto-sustentação, o retorno do capital investido
deveria vir por meio da cobrança de tarifas. Os municípios que não aderiram ao Planasa
foram excluídos do acesso aos recursos do Sistema Financeiro de Saneamento (SFS). Muitos
desses municípios constituíram Serviços Autônomos de Água e Esgoto (SAAE) ou eram
atendidos pela FSESP.

Apesar dos avanços na cobertura da população com serviços de abastecimento de água,


principalmente nas áreas urbanas, e dos pequenos avanços no que se refere ao esgotamento
sanitário, o modelo Planasa não se consolidou do ponto de vista administrativo e

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 31


econômico-financeiro. Após duas décadas, a rígida política centralizada no Governo Federal
e sob o comando das Companhias Estaduais não correspondeu às expectativas devido às
deseconomias geradas, aos desacertos políticos e administrativos. Inclusive, tal política não
proporcionou o atendimento das metas estabelecidas (cobertura de 90% da população em
água e 65% em esgoto, no ano de 1990). Além disso,
a noção de saneamento foi restringida para as ações
de abastecimento de água e esgotamento sanitário, O modelo Planasa não se consolidou. A
rígida política centralizada no Governo
sendo negligenciadas as de limpeza pública e
Federal não reconhecia a autonomia
manejo de resíduos sólidos e de drenagem e manejo municipal. Apesar dos avanços, o Plano
das águas pluviais, que continuaram a cargo dos não foi capaz de garantir serviços de
municípios, proporcionando um déficit grave de saneamento adequados para a maioria
cobertura da população com estes serviços, em da população brasileira.
função da carência de recursos (BORJA e OUTROS,
1998).

A recessão econômica, o endividamento externo, o declínio dos recursos do FGTS em face


do desemprego e as mudanças de perspectivas do papel do Estado no campo das políticas
públicas e sociais, conduziram à retração dos investimentos na chamada década perdida –
anos 80 (BORJA e ELBACHÁ, 1995; MERCEDES, 2002). A partir daí, as Companhias Estaduais
passam a conviver com uma crise financeira, ampliada com as dívidas acumuladas. O
modelo se mostrou incapaz de promover a expansão dos serviços a toda a população. Com
a extinção do BNH, em 1986, o Planasa entra em colapso.

O vazio institucional e a carência de recursos para ampliar os níveis de cobertura, aliados à


redemocratização do País, proporcionou a abertura do debate em torno da política de
saneamento em vários segmentos da sociedade. Foi nesse ambiente que emergiu o Projeto
de Lei nº. 199/93, que buscava instituir a Política Nacional de Saneamento, segundo os
princípios da descentralização, ações integradas (água, esgoto, lixo e drenagem) e controle
social (BRASIL, 1993). Tal projeto, apesar de ter sido aprovado pelo Congresso Nacional, foi
vetado integralmente pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, em
detrimento de outro projeto que começava a ser esboçado em torno do Projeto de
Modernização do Setor de Saneamento (PMSS), financiado pelo Banco Mundial e coordenado
pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) (BORJA e OUTROS, 1998).

Novas diretrizes econômicas e políticas passam a ser gestadas e o papel do Estado nas
políticas públicas passa a ser modificado. Os ideais neoliberais começam a ser disseminados
no Brasil do Governo José Sarney, eleito indiretamente pelo Congresso Nacional após a
abertura política; são confirmados no governo de Fernando Collor de Melo, eleito
diretamente pelo voto popular; são mantidos timidamente por Itamar Franco, levado ao
poder após o impeachment de Collor; e são completamente assumidos pelos dois governos
de FHC.

O receituário neoliberal para os países em desenvolvimento, estabelecido no Consenso de


Washington, passa a ser fielmente cumprido pelo governo de FHC, dentre eles a contenção
de gastos em políticas sociais, a modernização da administração pública e a privatização de
estatais. Essa diretriz neoliberal vai influenciar dramaticamente a área de saneamento. Após

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 32


a extinção do BNH, em 1986, a redução drástica dos investimentos faz emergir
enfermidades antes erradicadas como a cólera, a febre amarela e a dengue. A área de
saneamento passou a vivenciar o vazio institucional que perdurou até recentemente. A
solução apontada pelos organismos internacionais e aceita pelo governo brasileiro é a
privatização dos serviços. Diversas estratégias passam a ser adotadas pelo governo para
estabelecer a nova regulação do setor, com vistas a dar maior segurança aos investidores
internacionais ligados ao setor da água no mundo, a exemplo dos grupos Vivendi (ex-
Générale des Eaux) e Suez (ex-Lyonnaise des Eaux).

Em 1995, o esfacelamento técnico-financeiro e administrativo das companhias estaduais,


produto também do esvaziamento da política de saneamento no país, fez com que o
governo do presidente FHC, seguindo orientações do Banco Mundial, concebesse e
implantasse o Projeto de Modernização do Setor Saneamento (PMSS), de forma que fosse
possível fazer um diagnóstico e propor diretrizes para a chamada “modernização” do setor
(MORAES e BORJA, 2001). Tal projeto contou com recursos financeiros do Orçamento da
União, da Caixa Econômica Federal (CEF), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES) e do Banco Mundial (BIRD) para financiar consultorias internacionais visando
elaborar documentos que subsidiassem o Governo Federal na formulação de um marco
regulatório para a área de saneamento, bem como para a reestruturação de algumas
companhias estaduais (CORDEIRO, 2002). Para Costa (2003), a disseminação dos estudos do
PMSS em vários seminários no País tinha por objetivo apresentar as “novas idéias-força que
sintetizam a nova política” (COSTA, 2003, p.58), sendo que esse processo buscava construir
uma nova hegemonia para a política de saneamento
proposta pelo Governo FHC. O gerenciamento do A política de FHC tinha como meta a
PMSS era feito por uma Unidade de Gerenciamento privatização dos serviços de saneamento
básico no Brasil, seguindo as orientações
do Projeto (UGP), cujo coordenador, para ser
do Banco Mundial, FMI e da ideologia
nomeado, deveria receber o aval do Banco Mundial neoliberal.
(COSTA, 2003, p. 72).

O PMSS tinha como meta a privatização dos serviços de saneamento no Brasil, seguindo o
ideário neoliberal, tendo a elaboração de novo arranjo jurídico-institucional como ponto
fundamental (ASSEMAE, 1995; COSTA, 2003). O objetivo do PMSS era promover a
modernização da área de saneamento no Brasil e a retomada dos investimentos.

Para Mercedes (2002), no escopo e nas diretrizes do PMSS se distinguem claramente as


orientações de liberalização econômica que as agências multilaterais recomendavam. A série
de documentos do PMSS, para a autora, representa uma produção destinada a justificar e
defender a privatização dos serviços de saneamento.

Em 1995, o Ministério do Bem-Estar Social é extinto e o saneamento passa a ser de


responsabilidade da Secretaria de Política Urbana (SEPURB), do Ministério do Planejamento e
Orçamento (MPO). A partir daí, o desenvolvimento do PMSS ficou subordinado a SEPURB.

A Política Nacional de Saneamento (PNS), do Governo FHC, foi definida a partir dos
resultados dos trabalhos do PMSS e das Leis nº. 8.987/95 e 9.074/95 que dispõem sobre a
concessão ou permissão da prestação dos serviços públicos. Tal política teve como

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 33


elementos centrais: modernização; flexibilização na prestação dos serviços, com a
privatização assumindo um papel estratégico; e a definição de marcos regulatórios para a
regulação e controle da prestação de serviços. Ressurge, assim, de forma mais acabada,
mais até que o próprio PLANASA, a concepção das ações de saneamento como interligadas à
estrutura de mercado, e como tal, sujeitas ao lucro e susceptíveis às suas regras. A meta
estabelecida foi de aumentar a cobertura visando à universalização dos serviços, com
garantia do atendimento em nível essencial, ou seja: a universalização sem igualdade.

Para dar suporte à futura privatização dos serviços, além de iniciativas no campo legal, o
Governo FHC adotou uma série de medidas para “arrumar a casa”. Mercedes (2002)
identifica as seguintes ações: renegociação das dívidas das concessionárias; liberação de
recursos para o aumento de cobertura dos serviços nos segmentos não rentáveis; liberação
de crédito vinculada à existência de planos de “modernização” institucional e operacional,
dentre outros. Se por um lado, além dessas medidas, o Governo FHC restringiu o acesso aos
recursos públicos pelas companhias estaduais, por outro, ampliou o acesso à iniciativa
privada.

Em 1997, o Conselho Curador do FGTS aprovou a criação do Programa de Financiamento a


Concessionárias Privadas de Saneamento (FCP/SAN), disponibilizando, pela primeira vez,
recursos deste Fundo à iniciativa privada. Em 1998, com recursos da CEF e do BNDES, foi
criado o Programa de Assistência Técnica à Parceria Público-Privada em Saneamento
(PROPAR), com o objetivo de financiar a contratação de consultorias especializadas para a
realização de diagnósticos e definição do modelo de parceria público-privada na gestão dos
serviços de saneamento. Ainda em 1997, o Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou a
Resolução nº. 2.444/1997, que vetava empréstimos com recursos do FGTS e suspendia o
Pró-Saneamento, único programa que financiava o setor público. Em 1998, esse mesmo
Conselho aprova a Resolução n. 2.521/1998, que definiu o Contingenciamento de Crédito
ao Setor Público. Essa resolução considerou "extralimite", em relação ao endividamento
público, as operações que utilizassem recursos do FGTS para saneamento e habitação,
desde que os desembolsos previstos não superassem R$ 800 milhões por ano e que
tivessem sido aprovados pelo Banco Central do Brasil até 06/07/98 (OLIVEIRA FILHO e
MORAES, 1999).

Outra iniciativa do Governo Federal, via BNDES, foi dar início ao processo de privatização da
EMBASA (BA), da COMPESA (PE) e da CESAN (ES). Em setembro de 1999, o governo de
Pernambuco assinou o Contrato de Promessa de Compra e Venda de Ações da COMPESA
com a CEF e, em dezembro do mesmo ano, o Governo da Bahia firmou contrato similar
visando à privatização da EMBASA.

No campo legal, a estratégia do Governo FHC foi envidar esforços para a aprovação de
Projetos de Lei que dessem respaldo à privatização dos serviços de água e esgoto no Brasil.
Foi nessa perspectiva que, a partir de 1996, passam a tramitar no Congresso Nacional
projetos nesse sentido, como o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº. 266/96, do Senador José
Serra (PSDB/SP); o PLS n. 560/99 do Senador Paulo Hartung (PPS/ES); o Projeto de Lei
Complementar (PLP) nº. 72/99, do então Deputado Federal Adolfo Marinho (PSDB/CE); e,
finalmente, em fevereiro de 2001, o PL nº. 4.147/2001, encaminhado pelo Poder Executivo à

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 34


Câmara Federal. Um dos objetivos de tais projetos era transferir para os estados a
titularidade do município para organizar e prestar os serviços de saneamento, prerrogativa
garantida pela Constituição Federal. Vale observar que esse era, e ainda é, o maior
empecilho para o deslanche da privatização em virtude da necessidade da centralização das
demandas, de forma a envolver um maior número de usuários e, assim, possibilitar o
negócio da água.

O projeto de privatização dos serviços de saneamento fica mais evidente em 1999, quando o
Brasil firmou acordo com o FMI. Esse acordo estabeleceu uma série de exigências para o
ajuste estrutural do país, exigências estas constantes no Consenso de Washington, marco da
regulação das economias dos países em desenvolvimento. No acordo, o governo brasileiro
incluiu o item 27, transcrito a seguir: “O governo tenciona acelerar e ampliar o escopo do
programa de privatização − que já se configura como um dos mais ambiciosos do mundo.
[...] A moldura legal para a privatização e concessão dos serviços de água e esgoto está
sendo preparada [...]" (BRASIL e FMI, 1999, grifo nosso). O governo também se compromete
a limitar recursos para os municípios, como pode ser visto pela redação do item 13 do
acordo "[...] O acesso por parte dos municípios às novas formas de financiamento continuará
a ser severamente limitado" (BRASIL e FMI, 1999).

Em março de 1999, o governo solicita a uma missão do Banco Mundial, em visita ao Brasil,
"opinião sobre os passos, de caráter imediato, a serem seguidos a fim de se estabelecer um
arcabouço de controle mais eficaz para o setor de saneamento” (OLIVEIRA FILHO e MORAES,
1999). Em atendimento a essa solicitação, a missão do Banco apresentou o documento
“Regulação do Setor Saneamento no Brasil. Prioridades Imediatas”, que contemplava diversas
alternativas para viabilizar, do ponto de vista legal, a privatização dos serviços de
saneamento. Segundo o Banco Mundial, “a solução da questão do 'Poder Concedente' é o
passo crítico para permitir o desenvolvimento proveitoso da participação da iniciativa
privada no setor de saneamento no Brasil” (OLIVEIRA FILHO e MORAES, 1999). O Banco faz
então três sugestões:

1. Criação de uma legislação que se restringisse à outorga de concessões para grandes


áreas metropolitanas e municípios servidos por sistemas de distribuição integrados.
2. Adoção de Lei Complementar ao parágrafo terceiro, art. 25 da Constituição Federal,
que trata do “interesse comum” com vistas a colocar como de “interesse comum” sistemas
de água e esgoto que atendessem a mais de um município.
3. Proposição de emenda constitucional (EC) atribuindo aos Estados o poder concedente
das regiões metropolitanas (OLIVEIRA FILHO e MORAES, 1999).

Dentre essas opções, o próprio Banco Mundial recomenda a adoção da segunda. Assim, para
o Banco:

[...] acreditamos que a opção 2 é o melhor caminho a ser adotado pelo


governo federal. Esta opção oferece um grau maior de certeza legal, sem a
necessidade de um grande esforço político que seria exigido para a
aprovação de uma Emenda Constitucional. Ainda assim, a aprovação de uma
Lei Complementar pode sofrer atrasos, em decorrência de falta de consenso

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 35


no Congresso. Durante o período de discussões, o governo federal pode
lançar mão dos poderes que detiver, para promover acordos de cooperação
entre os estados e os municípios, os quais devem ser retroativos,
endossados e respaldados pela legislação (Banco Mundial, 1999, s.p.).

Em 1999, o Governo Federal modifica o estatuto da CEF, então o agente financeiro da área
de saneamento, permitindo que ela negocie ações de empresas públicas em troca do
compromisso com a privatização. Foi nesse bojo que as companhias de Pernambuco e da
Bahia firmaram contrato para venda de ações. No entanto, esse projeto embarrou na
seguinte questão legal: como os municípios são titulares dos serviços de saneamento e
fizeram uma concessão às companhias, estes municípios deveriam autorizar a concessão
para a empresa privada. Esse fato denunciou a fragilidade jurídico-institucional do processo
de privatização da área de saneamento, o que levou o governo brasileiro a propor o Projeto
de Lei nº. 4.147, de forma a dar suporte legal às privatizações.

Em 2001, o Poder Executivo envia à Câmara Federal o PL n. 4.147/2001, solicitando


aprovação em regime de urgência constitucional (45 dias para tramitação e aprovação). Esse
PL tem como objetivo fundamental estimular a privatização dos serviços de saneamento. O
seu interesse principal do PL é transferir para os estados a titularidade municipal na
prestação dos serviços de saneamento, garantida pela Constituição Federal. Essa operação
viria a facilitar o processo, já antecipado em alguns estados – impulsionado e sustentado
pelo Governo Federal –, de “privatização” das então 27 Companhias de Águas e Esgotos dos
Estados e do Distrito Federal visando atender ao Memorando de Política Econômica firmado
em 1999, com o FMI, já citado (MORAES e BORJA, 2001).

Para Cordeiro (2002, p.2), “este projeto contempla o conjunto das ações propostas pelo
BIRD, decorrentes de uma missão do Banco e sistematizadas no documento intitulado
Regulação do Setor Saneamento no Brasil: prioridades imediatas”. Para a autora, o
movimento protagonizado pelo Governo FHC, em aliança com o capital financeiro
internacional e bancos privados nacionais, tem apontado para a recentralização da gestão
do saneamento no País, estratégia que busca promover a privatização dos serviços de
saneamento. É curiosa essa conduta do Governo Federal, de retorno à centralização para a
área de saneamento, uma vez que tal conduta está na contra mão da história das políticas
públicas brasileiras pós-64, quando a descentralização das ações de diversos setores
passou a ocorrer, principalmente os de saúde e educação.

Essa grande operação com vistas à privatização visava atender à nova lógica neoliberal de
exoneração do Estado no campo das políticas públicas e sociais e ampliar as perspectivas de
mercado para o capital internacional, tendo como grandes protagonistas o FMI, o Banco
Mundial e o BID e com inteiro consentimento do governo brasileiro e das elites dirigentes.
Costa (2003), ao realizar uma avaliação da Política de Saneamento no período de 1996–
2000, avalia que:

[...] A condução da política de saneamento esteve a cargo de técnicos da


área econômica e de políticas públicas, que foram responsáveis pelo PMSS
[...] Passou a haver, então, uma sintonia clara na formulação da política

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 36


entre o IPEA, a SEPURB, o Banco Mundial e o núcleo político do governo
(COSTA, 2003, p. 108).

Pode-se perceber a forte influência das Instituições


Financeiras Internacionais (IFI) na concepção e
implementação das políticas de saneamento no
As instituições financeiras internacionais
Brasil e, por outro lado, a perfeita sintonia do mostram os caminhos para a privatização
governo brasileiro com essas instituições. No dos serviços de saneamento no Brasil.
entanto, pode-se perceber que outros atores
também influenciam na construção de um contra-
modelo. No caso da área de saneamento, nas
décadas de 1960 e 1970, quando da transição para o
modelo das companhias estaduais, diversos municípios não aderiam ao Planasa, sendo
punidos com a restrição de financiamento via SFS-BNH. Na década de 1990, esses
municípios, organizados em torno da Associação Nacional de Serviços Municipais de
Saneamento (ASSEMAE), passam a apresentar uma forte resistência aos esforços da
privatização dos serviços de água e esgoto no Brasil. Nesse momento, a sociedade civil
aparece como outro protagonista organizado em torno dos sindicatos de trabalhadores de
água e esgoto, da Federação Nacional dos Urbanitários e da Frente Nacional pelo
Saneamento Ambiental (FNSA). A Igreja Católica passa também a ser um grande parceiro na
defesa do saneamento público.

Com a eleição do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi criado o Ministério das Cidades e
em seu âmbito a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental com o objetivo de propor um
marco legal para o saneamento no País, bem como retomar os investimentos públicos, com
qualificação do gasto.

Nessa conjuntura, o PL nº. 5.296/05 foi apresentado ao Congresso Nacional e recursos do


Orçamento Geral da União, FGTS e FAT passaram a ser disponibilizados para investimentos
em saneamento. Entre 2003 e 2006, R$ 10,5 bilhões são aplicados no saneamento; a
alternativa da Parceria Público-Privada (PPP), proposta desde o Governo FHC, é instituída
pela Lei nº. 10.074/2004 e torna-se uma das alternativas para o saneamento, segundo
posição do grupo que conduz a política econômica
do governo; a Lei nº. 11.445/2007 – Lei Nacional do
Saneamento Básico é sancionada em 05/01/2007; e, Com a aprovação da Lei do Saneamento
Básico, o Brasil passar a contar com um
logo em seguida, dá-se o lançamento do Programa
marco legal que irá contribuir para a
de Aceleração do Crescimento (PAC) Saneamento conquista do saneamento básico de
2007-2010 com previsão de recursos de R$ 40 qualidade para todos.
bilhões.

Mas a superação dos déficits do saneamento no Brasil é um grande desafio para o Estado e a
sociedade brasileira. As Regiões Norte e Nordeste e as pequenas localidades rurais
merecem maior atenção em face dos baixos níveis de atendimento da população com
serviços de saneamento básico. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios –
PNAD (IBGE, 2005), na Região Norte, um pouco mais da metade dos domicílios particulares
permanentes dispõem de abastecimento de água (54,7%). Na Região Nordeste este

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 37


percentual sobe para 68% e na Região Sudeste atinge 91,6%, ou seja: quase a totalidade da
população. As disparidades regionais tornam-se ainda maiores e as condições de
esgotamento sanitário ainda mais preocupantes. A situação mais precária encontra-se nas
Regiões Nordeste e Centro-Oeste, com, respectivamente, 46,4% e 44,6% dos domicílios
particulares permanentes com acesso a um esgotamento sanitário adequado (rede coletora
ou fossa séptica). Na Região Norte, este indicador chega a 52,8%, enquanto que na Sudeste
atinge 87%. Quanto à coleta de lixo, 73,9% e 71,8% dos domicílios particulares permanentes
das Regiões Norte e Nordeste, respectivamente, dispõem deste serviço. Na Região Sudeste
esse indicador chega a 99,5% (Tabela 1).

Tabela 1- Percentual de domicílios particulares permanentes, por macro região,


segundo características do saneamento no domicílio – Brasil - 2005
Situação N NE SE S CO
Com rede de
54,7% 68,4% 91,6% 84,0% 78,2%
abastecimento de água
Com rede coletora de
esgotamento sanitário 52,8% 46,4% 87,0% 76,9% 44,6%
ou fossa séptica
Com coleta de lixo 73,9% 71,9% 99,5% 87,9% 87,1%
Fonte: PNAD 2005 - IBGE, 2006.

Uma outra questão que deverá ser alvo de políticas públicas diz respeito à superação da
desigualdade na distribuição dos serviços de saneamento em relação à renda da população.
As desigualdades são maiores em relação aos serviços de esgotamento sanitário, embora a
distribuição dos outros serviços também siga este padrão (Figura 1).

100%
80%
60%
40%
20%
0%
+1 a

+2 a

+3 a

+10 a
1SM

2SM

3SM

5SM

10SM

20SM

+20SM
Até

+5 a

Com rede de abastecimento de água


Com rede coletora de esgotamento sanitário ou fossa séptica
Com coleta de lixo

Figura 1 - Percentual da população com saneamento no


domicílio segundo classe de renda mensal - Brasil/PNAD, 2005.

O exercício da titularidade municipal no planejamento das ações de saneamento básico, a


regulação e fiscalização da prestação dos serviços, o uso de tecnologias apropriadas às
realidades locais, a qualificação do gasto público e a participação e o controle social são
elementos imprescindíveis para a universalização de serviços de saneamento básico de
qualidade no Brasil.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 38


Responda: Quais os períodos e as características da Política de Saneamento
Brasileira?

Características da Política de Saneamento Brasileira


Período Características

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 39


Aspectos conceituais e metodológicos
metodológicos da
participação
participação e do controle social
Maria Teresa Chenaud Sá de Oliveira

D entre os princípios colocados como fundamentais para a elaboração dos Planos


Municipais de Saneamento Básico (PMSB) está o da participação e controle social da
população. De fato, numa sociedade onde não há igualdade de acesso aos benefícios do
saneamento ambiental, é fundamental que a população conheça as prioridades dos
municípios nessa área e participe das etapas de decisão sobre o assunto, ou seja, conheça
as demandas existentes e saiba o que realmente é importante ser feito para evitar decisões
políticas que não beneficiem a todos.

O controle social, como uma forma de participação, vem sendo largamente defendido por
todos aqueles que buscam tornar as ações do Estado no campo do saneamento básico mais
voltadas para o interesse público, e, conseqüentemente, com impactos positivos para a
sociedade como um todo.

Embora a participação faça parte da vida de todas as


pessoas desde os tempos primitivos, ninguém nasce
sabendo participar. No entanto, por ser algo inerente A participação envolve a partilha de
à natureza social do homem, a habilidade de poder, a abertura de diálogo, o
participar cresce espontaneamente à medida que se estabelecimento de pactos e o
reconhecimento das diferenças.
percebe a sua importância. Pode-se também
aprender a participar e a verificar os resultados
positivos dessa prática. De fato, tendemos a ser
mais participativos quando vivenciamos os
resultados da participação.

Em grupos sociais em que não existe a prática de participação, o Poder Público pode
estimulá-la. É claro que, nesse estímulo, poderá haver intenções manipulatórias, mas haverá
certamente um desejo de auxiliar um processo mais ativo, crítico e independente. Com a
prática, a participação vai se aperfeiçoando, passando de uma forma mais débil, em uma
etapa inicial, ao exercício pleno de uma cidadania ativa e crítica, num estágio posterior.

Por ser uma tarefa coletiva, a participação se torna mais eficiente com a distribuição de
funções e a coordenação dos esforços individuais, o que demanda organização; definição de
procedimentos; normas e regras, além de espaços onde ela deve ocorrer. Adicionalmente,
pelo fato de reunir pessoas de diferentes talentos, experiências, conhecimentos, interesses e
recursos, a participação é uma prática que requer a utilização de meios adequados de
expressão e troca de idéias. Assim, a participação exige que as pessoas aprendam a ouvir, a
dar informações, a se comunicar com clareza, a usar bem diversos meios de comunicação e

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 40


métodos de discussão e debate, para que estes sejam produtivos e democráticos. A esse
conjunto de procedimentos denomina-se metodologia de participação.

No entanto, a participação não ocorre sem que haja dificuldades, já que implica partilha do
poder, exigindo assim que os participantes tenham a capacidade de estabelecer pactos e
negociações com vistas a garantir saldos positivos em termos de conquistas coletivas.

Dessa forma, este texto pretende abordar várias questões relacionadas à participação
começando com a apresentação de conceitos sobre participação e controle social e a sua
importância para construção do PMSB; além dos aspectos metodológicos requeridos para
sua prática. Serão apresentados os principais limites e as possibilidades da participação, de
maneira a deixar claro que a participação não deve ser vista como uma fórmula mágica para
conseguir as mudanças necessárias e que promover a participação crítica e ativa é, antes de
tudo, um grande desafio, cuja realização é possível, principalmente quando cada um se
predispõe a fazer a sua parte para que o processo de mudança na promoção de serviços de
saneamento básico de fato ocorra com equidade e justiça.

Compreendendo o que é participação e controle social: conceitos

Participação, do latim participatio, participationis, implica a idéia de associação, ligação,


união. O Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa traz as seguintes definições para
participação: tomar parte, fazer parte, informação, associação pelo pensamento ou pelo
sentimento. Ou seja, a palavra participação está fortemente ligada à palavra parte, pois
participar é mesmo fazer parte, tomar parte ou ter parte em alguma coisa. Mas será que
todas essas expressões são iguais? Alguns exemplos podem elucidar essa questão:

a) Maria faz parte da nossa equipe escolar, mas, raramente, toma parte das reuniões que
fazemos.

b) Fazemos, todos, parte da população brasileira, mas não tomamos parte nas decisões
importantes do nosso país.

c) Mario faz parte da empresa de tubos cerâmicos de nossa cidade, mas não tem parte
alguma nos lucros da empresa.

Esses exemplos indicam que é possível fazer parte Agora responda: O que é
participação e controle social?
sem, contudo tomar parte e que tomar parte
____________________________
representa um nível mais intenso de participação. Eis, ____________________________
portanto, a diferença entre participação passiva e ____________________________
participação ativa ou, em outras palavras, a distância ____________________________
entre o cidadão inerte, que apenas faz parte e o ____________________________
cidadão engajado, que toma parte em algum projeto. ____________________________
____________________________
Assim, é importante refletir criticamente sobre o ____________________________
assunto fazendo uma separação entre o que de fato é ____________________________

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 41


e o que não é uma verdadeira participação. Em outras palavras, é necessário evitar igualar
experiências ditas participativas, procurando distinguir a legítima participação da
pseudoparticipação.

Pode-se, assim, conceituar controle social como sendo a participação ativa, pois esse modo
de participação é uma forma da sociedade exercer controle sobre o Estado, ou ainda a
possibilidade de os cidadãos definirem meios para fiscalizar a ação pública. Nesse sentido, o
controle social, no contexto do PMSB, pode ser definido como qualquer ação conjunta dos
cidadãos para regular e fiscalizar os serviços de saneamento básico ofertados e para
potencializar os seus efeitos sobre a saúde da população, bem como os benefícios
socioambientais de interesse público, resultante de ações sanitárias implantadas. Esse
entendimento de controle social tem dois aspectos básicos: o primeiro corresponde ao
controle dos serviços de saneamento quanto à sua efetividade, eficácia e eficiência como,
por exemplo, a prestação de contas do setor público ao cidadão; o segundo, decorrente do
primeiro, consiste na responsabilização dos agentes públicos pelos atos praticados em
nome da sociedade, conforme procedimentos estabelecidos em leis e padrões éticos
vigentes. Observa-se que não se trata de uma negação ao sistema de representação formal,
mas sim a busca de seu aperfeiçoamento, exigindo a responsabilidade social, política e
jurídica dos gestores públicos.

Como observa Borja (2004), a participação e o controle social constam dos princípios e
diretrizes de uma política pública de saneamento, constituindo ponto fundamental para
democratizar o processo de decisão e implementação das ações de saneamento.

A participação e o controle social devem ser encarados, portanto, como um direito e como
contribuição para uma maior atuação conjunta de vários atores sociais na busca de soluções
para o enfrentamento das questões relacionadas ao saneamento básico. De fato, as
experiências demonstram que quando a população participa, com o seu conhecimento e
experiência, das decisões referentes a um plano ou um projeto de saneamento básico, estes
se mostram mais adequados, tanto às suas necessidades, quanto à realidade local.

Nos últimos anos a questão da participação e controle social tem também sido objeto de
debates em diferentes contextos de projetos públicos, em razão do crescente
reconhecimento da importância do seu papel no processo construção de políticas públicas
mais voltadas para as reais necessidades da população e, consequentemente, para uma
sociedade mais democrática.

Por isso, Bernardo Toro chama a atenção para o fato de que:

[...] a participação é uma aprendizagem. Se conseguimos hoje nos entender,


decidir e agir para alcançar alguma coisa, [...] depois seremos capazes de
construir e viabilizar soluções para outros problemas. Podemos ainda nos
articular com outros grupos para desafios maiores. Quando aprendemos a
conversar, a decidir e agir coletivamente ganhamos confiança na nossa
capacidade de gerar e viabilizar soluções para nossos problemas,
fundamentos para a construção de uma sociedade com identidade e
autonomia (TORO,1997, p. 27).

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 42


Portanto, a participação tem uma importante dimensão educativa, porque a verdadeira
participação, tomar parte, requer um aprendizado coletivo. Aprendizado esse que começa
na disposição dos envolvidos em aprender com todos os participantes, uma vez que todos
possuem conhecimentos importantes sobre a realidade local, que podem e devem ser
compartilhados para a construção do PMSB que, ao final, deve representar os reais anseios
de todos os cidadãos do município.

Assim, a elaboração de um PMSB participativo envolve o engajamento de cidadãos ativos em


suas comunidades. Com isso, o Plano passa a ser um “[...] indutor de um movimento que
transmite uma preocupação e um desejo de mudança compartilhado. O ideal é fazer cada
um compreender como são responsáveis e capazes de promover e construir mudanças”
(TORO, 1997, p. 46).

Por outro lado, a participação não se dá sem dificuldades, em razão da necessária partilha
de poder - nem sempre vista como legítima por parte de alguns -; das diferenças sociais,
culturais, técnicas, econômicas e étnicas existentes entre os participantes; dos possíveis
anseios divergentes etc. Porém, o reconhecimento dos diferentes interesses e a capacidade
de negociação das partes, sem perda da autonomia na construção do interesse público,
representam os desafios a serem vencidos e fazem parte de um aprendizado coletivo. Dessa
forma, os difíceis aprendizados que a participação envolve têm que ser levados em
consideração na construção do PMSB. Além disso, desde o primeiro momento deve ficar
claro o caráter integrador e participativo da elaboração do Plano. Esse caráter irá conferir a
multiinstitucionalidade e interdisciplinaridade necessárias ao processo de elaboração e
posterior implementação do Plano.

Aspectos metodológicos da participação

Metodologias participativas estão associadas, inicialmente, a um processo de mobilização


que tem por objetivo informar e divulgar os propósitos da construção do PMSB e mostrar
como as pessoas podem participar no processo de planejamento, de uma forma que consiga
envolver os cidadãos.

Os serviços de saneamento básico reúnem benefícios com interferências diretas na saúde da


população e no meio ambiente, os quais precisam ser conhecidos e compreendidos para
serem valorizados por todos os cidadãos. A participação dos munícipes na elaboração do
PMSB apresenta-se como uma oportunidade para diferentes opiniões serem incorporadas
visando à qualidade dos serviços de saneamento básico.

Para a participação ter seu início é importante realizar um planejamento para a organização
das reuniões e atividades dos grupos que participarão do processo, bem como a definição
do espaço onde se realizarão os encontros. Esse planejamento e essa organização podem
ser feitos por meio de um moderador, ou seja, uma pessoa qualificada para conduzir as
reuniões, permitindo o desenvolvimento do trabalho participativo. Deve-se também definir

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 43


os procedimentos, as normas e as regras de participação no grupo e comunicar essas
definições claramente a todos os integrantes do processo.

A programação das reuniões, denominadas também de


oficinas de trabalho, deve ser feita de forma a
compatibilizar as demandas dos envolvidos. As oficinas
A comunicação e a informação são
são espaços de aprendizagem, onde o conhecimento é fundamentais para a promoção de uma
construído conjuntamente e onde se aprende fazendo e participação ativa e crítica, capaz de
se faz aprendendo. Nessas oficinas, o grupo vai ter imprimir mudanças sociais.
acesso às diretrizes a serem perseguidas na construção
do plano e vai poder se integrar efetivamente ao
processo. É preciso também dar tempo ao tempo, para
que as pessoas criem o hábito e se acostumem a participar. Seria uma ilusão acreditar que
apenas realizar oficinas fosse o suficiente para trazer mudanças efetivas, de uma só vez, no
complicado equilíbrio do sistema político, econômico e social de um município.

Um importante instrumento utilizado nas oficinas é a comunicação. É necessário que todos


os participantes tenham interesse e disposição tanto para absorver quanto para fornecer
informações. O comportamento comunicativo é determinante, pois é condição fundamental
para o sucesso de um processo participativo. A informação sobre os problemas relacionados
ao saneamento básico do município e sobre o que irá acontecer nas diversas fases da
elaboração do PMSB é indispensável, é o primeiro passo para que as pessoas formem
opiniões próprias e se disponham a agir. A partir do momento que os participantes se
apropriam de uma informação, vão poder utilizá-la, repassá-la e, assim, se tornarem, elas
próprias, fontes de novas informações.

Na condução desse processo de aprendizado, podem ser utilizadas diversas técnicas e


metodologias participativas como, por exemplo: o Diagnóstico Rápido Participativo – DRP; o
Planejamento Municipal Participativo (PMP); o planejamento de projetos orientados pelos
objetivos ou Método ZOOP; o Método da Visualização Móvel (METAPLAN), dentre outras
metodologias. Todas essas metodologias têm o objetivo de organizar e orientar os grupos e
facilitar o aprendizado conjunto necessário para que ele participe da construção de um
plano. Em outras palavras, as metodologias são apenas ferramentas de trabalho, um guia
que orienta o processo de formação e fortalecimento dos participantes na elaboração do
PMSB. No entanto, não se pode pensá-las como uma camisa-de-força, que iniba a
criatividade dos atores envolvidos. Ou seja, o instrumento fundamental desse processo é
mais o diálogo, a negociação, a articulação do que uma dada metodologia. E mais, o nome
ou a sistemática do instrumental participativo utilizado tem menos importância do que a
dinâmica das alterações na forma de construção do Plano que se pretende alcançar.

Andrade Neto (1994) chama a atenção para a escolha das equipes estimuladoras do
processo de mobilização, dos instrumentos e métodos de comunicação a serem utilizados
durante o processo de participação, que devem levar em conta as características próprias de
cada contexto social. A adequada assimilação das informações também contribui para a
participação, afirma esse autor.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 44


O fato é que acontecendo em um espaço de comunicação, as oficinas possibilitam a troca de
experiências entre os participantes, permitindo, em especial aos técnicos e gestores
públicos, o aprendizado importante de que é preciso saber ouvir, valorizar e considerar a
opinião das pessoas. Por isso, a capacitação deve ser entendida como um processo, uma
ação com começo, mas sem fim. A partir do desenvolvimento das oficinas o moderador vai
percebendo a necessidade de aperfeiçoamento dos trabalhos no grupo, criando novas
oportunidades de discussão, reflexão conjunta e conhecimento. Conhecer mais a fundo a
realidade dos municípios, por intermédio dos seus próprios integrantes, é o meio mais
viável para se obter dados e informações sobre as reais necessidades locais e envolver,
efetivamente, a população na busca de soluções para os problemas relacionados ao
saneamento básico do município, fundamentais para a construção do PMSB.

A participação e o conhecimento adquirido podem estimular os indivíduos a terem uma


postura cidadã e a buscarem um processo de maior interação – entre si, com os gestores
públicos e a sua comunidade – com vistas à construção do PMSB e, dessa maneira, torná-lo
mais efetivo.

Principais Limites e Possibilidades da Participação

Muitos autores contemporâneos têm analisado processos participativos em projetos


públicos. Acredita-se que a sua colaboração no aprimoramento de outros projetos pode ser
importante, principalmente, no que diz respeito aos limites sinalizados nas diferentes
experiências vivenciadas. Dessa forma, serão apresentados os principais limites para a
construção de PMSB participativos, segundo a visão de alguns autores.

Furriela (1999, p. 61) estudando os problemas inerentes à participação em projetos


públicos, realizou uma extensa revisão bibliográfica sobre o tema6, o que se procurou
sistematizar, conforme apresentado a seguir:

Adoção de políticas públicas participativas: a adoção de políticas públicas participativas


geralmente precisa ser negociada dentro de uma estrutura governamental onde um certo
número de grupos externos influi sobre as ações do governo. Assim, a transferência de
poder a populações menos favorecidas, muitas vezes, sofre a oposição de diversos grupos
econômicos poderosos externos ao governo.

Planejamento irrealista: muitas vezes o processo de participação é subestimado e


considerado simples. Esse tipo de postura pode fazer com que a instituição responsável pelo
processo se depare com problemas de difícil solução. Portanto, é importante que o processo
de consulta ou participação seja exaustivo e cuidadosamente planejado para evitar
surpresas indesejadas. Outra questão é a necessidade dos governos de atingir metas

6 Dentre os principais autores cujos dados foram aqui utilizados citam-se: B. Jaffray, Public Involvement: an annotated bibliography.
Illinois; CPL Bibliographies, 1981; Roberts, R. Public involvement: from consultation to participation. In: Vanclay, F. and Bronstein, D.
A. (org). Environmental and Social Impact Assessment. Wiley, 1995, p. 221-246; Abers, Rebecca. Inventing Local Democracy –
Neighborhood Organizing and Participatory Policy- Making in Porto Alegre, Brazil. Los Angeles, Universidade da California, 1997:
Tese submitted for the degree Doctor of Philosophy in Urban Planning.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 45


rapidamente e medir casos de sucesso em termos econômicos e prazos curtos, que não são
condizentes com o tempo necessário para a mobilização e para a participação pública.
Deve-se ter em mente que a participação pode ser cara, lenta e gerar demora na tomada de
decisões.

Participação institucional interna: o pessoal interno das instituições que conduzem


processos de envolvimento público muitas vezes é esquecido ou está pouco informado
sobre estes. Isso pode ocasionar uma série de problemas e desentendimentos. Os
funcionários internos e os consultores, caso existam, devem ser informados adequadamente
do processo que irá ocorrer, seus graus e níveis, para evitar problemas.

Ceticismo do público: o público pode se tornar cético quanto ao seu real envolvimento se os
resultados de contribuições anteriores tenham sido ignorados.

Interlocução entre instituição e população: tem dado bons resultados, nos projetos
avaliados, a designação de um funcionário dentro da instituição para fazer a ponte entre a
população e os principais dirigentes da instituição responsável pela implementação do
projeto. Esse interlocutor, por sua vez, deve ter a capacidade de defender, junto aos
responsáveis da instituição, a importância do envolvimento da população. Deve ser bem
informado, estimulado e apoiado para poder desempenhar bem seu trabalho da forma mais
adequada possível.

Mais trabalho para a população: em razão do aumento do número de atividades em que se


solicita, cada vez mais, o envolvimento da população, os atores disponíveis para tais
processos na sociedade podem chegar a um ponto tal de saturação de demandas que não
vão mais dar conta da sua participação.

Questões financeiras: em muitos casos o envolvimento público fica prejudicado por falta de
recursos financeiros. Deve-se procurar evitar que participantes tenham gastos e se garantir,
ao menos, o transporte, a alimentação, reprodução de documentos, etc. Diferentes soluções
já foram encontradas para isso, por exemplo: diferentes instituições do governo cobrem os
custos, o próprio projeto cobre os custos, etc.

Trabalho excessivo x alienação da equipe responsável: nas instituições públicas tem havido
uma tendência de redução de pessoal interno, por razões de ordem econômica e de direção
política. Isso termina causando um aumento da carga de trabalho para os remanescentes,
que muitas vezes acabam por não dar conta das demandas necessárias. Por outro lado,
existem funcionários muitas vezes alienados, pouco se importando com os membros da
comunidade e seus problemas. Ocorrem ainda situações em que se decide sobre um
problema específico em áreas com outros problemas sociais amplos, prejudicando o
sucesso da intervenção e desestimulando os funcionários que as executa. Outro aspecto
refere-se aos dirigentes de instituições governamentais que podem apoiar políticas
participativas, mas seus funcionários podem resistir a esses mecanismos, sendo o contrário
também possível.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 46


Controlando a participação: os governos, em geral, dão maior espaço em fóruns
participativos aos grupos com que costumam formar alianças, para proteger coalizões
políticas. Em outros casos procuram controlar as instituições da sociedade civil (até mesmo
por meio de cooptação), para que elas não ajam em desconformidade com seus interesses,
anulando a possibilidade de participação.

Percepção população x dados técnicos: os técnicos participantes desses processos devem


ser escolhidos de acordo com sua credibilidade e capacidade profissional e também sua
imparcialidade. Se ficar explícito que são partidários de uma posição ou de outra, podem
acontecer diversos conflitos e a população tender a formar uma percepção contrária às suas
argumentações técnicas. Em relação aos representantes da sociedade civil, uma série de
elementos opera na mesma direção, dificultando uma participação mais igualitária, sendo o
mais importante deles a exigência de qualificação – técnica e política. De fato, uma
verdadeira participação exige, quase sempre, o domínio de um saber técnico especializado,
do qual os representantes da sociedade civil, especialmente os dos setores subalternos, em
geral não dispõem. Por exemplo: entender um orçamento ou uma planilha de custos,
conhecer opções de tratamento da água, do esgoto e dos resíduos sólidos, estar informado
sobre diferentes materiais de construção, técnicas de despoluição dos rios, etc. não é algo
simples para a maior parte dos envolvidos. Há, assim, uma infindável lista de conhecimentos
exigidos nos vários espaços de atuação. Além disso, um outro tipo de qualificação se impõe,
o que diz respeito ao conhecimento sobre o próprio funcionamento do Estado e das
prefeituras, da máquina administrativa e dos procedimentos aí envolvidos. A necessidade de
uma qualificação técnica específica tem se revelado um desafio importante para a sociedade,
não só porque ela é condição necessária para uma participação efetiva, mas também pelas
implicações que ela tem assumido na prática para o controle social. Nesse sentido, pode
ocorrer uma desigualdade de conhecimento que pode acabar reproduzindo exatamente o
que se tem como objetivo eliminar: o acesso privilegiado aos recursos do Estado que causa
a desigualdade social mais ampla.

Excesso ou falta de dados: muitas vezes o processo de envolvimento da população implica a


análise de um grande número de informações apresentadas na forma escrita, oral, eletrônica
etc., de complicada organização e assimilação. O tratamento a ser dispensado para a
utilização dessa grande quantidade de informações no processo participativo deve ser
criteriosamente planejado e adequado ao público. Existem também instituições que
dificultam as informações, utilizando-se do artifício de apenas circular informação
previamente selecionadas ou maculadas de vícios.

Acesso à informação: existe uma grande disparidade no acesso à informação sobre serviços
públicos. A restrição da população pobre no acesso à informação pode acarretar
desmotivação e desmobilização de lideranças comunitárias.

Partilha do poder: o conflito pela partilha efetiva do poder surge em alguns casos de
participação. Manifesta-se como uma demanda pela ampliação desse poder no âmbito das
decisões. As queixas relativas à fragmentação, à setorização etc. das políticas têm mostrado

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 47


que, mesmo quando essa partilha do poder de fato ocorre, ela tem um caráter limitado e
restrito, não se estende para decisões sobre políticas públicas mais amplas que possam ter
um impacto significativo para a sociedade como um todo.

Representação de líderes selecionados: a inclusão de algumas lideranças no processo de


participação não significa que a totalidade dos participantes de uma dada comunidade
esteja necessariamente representada. A participação, então, pode não ser legítima, ou seja,
alguns representantes não são necessariamente aqueles que devem ser os reais portadores
da opinião do público ou da população alvo das intervenções. Nesses casos, cria-se uma
aparente democracia, que não se traduz em verdadeira e ampla participação da sociedade.
Sabe-se que muitas instâncias participativas estão formadas por grupos minoritários, outras
estão compostas por representantes menos privilegiados economicamente, ou ainda com
nível educacional inferior. Como raramente esses grupos estão capacitados para
acompanhar discussões políticas complexas, contribuem para que outros grupos de elite
dominem essas instâncias participativas no lugar da população que, de fato, acaba pouco
representada.

Por fim, lança-se mão das recomendações de Andrade Neto (1999), sanitarista e especialista
em saneamento básico, sobre as condições que melhor possibilitam a participação, criando
mecanismos e canais para o envolvimento dos técnicos, das associações existentes,
concessionária e comunidade como um todo, em torno dos problemas locais de saneamento
básico:

• O agente indutor não pode e não deve interferir nos conflitos internos, de
compreensão exclusiva da própria comunidade, deixando clara a sua disposição de
trabalhar “com” e não “para” a comunidade.

• Na abordagem à comunidade, é necessário identificar o nível socioeconômico da


população, envolver seus líderes e representantes já constituídos, instituições e
associações com atuação local em suas respectivas áreas de influência. O processo
de mobilização deve permitir e incentivar o surgimento, a legitimação e a atuação de
lideranças naturais espontâneas e promover a articulação entre as instituições
parceiras, objetivando a conjunção de esforços.

• É necessário identificar as necessidades sentidas, as pretensões e as prioridades da


comunidade e a importância do problema de saneamento básico local, com o
cuidado de dimensionar a capacidade de resolução, no tempo e no espaço, para não
criar expectativas atemporais ou improváveis, que podem levar ao descrédito da
população.

• O discurso de motivação, a sensibilização e informação devem ser comprometidos


com a verdade, em linguagem clara e acessível, compatível com a realidade
sociocultural da comunidade, uniforme, porém evolutivo (dinâmico) e, sobretudo
coerente.

• A informação e o esclarecimento devem ser abundantes, a partir da divulgação dos


propósitos, objetivos, idéias e propostas, na instância apropriada. A informação deve

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 48


ser a mais fundamental: as origens, causas e conseqüências dos problemas e as
várias alternativas de solução, com seus efeitos e implicações. A dificuldade de
entender um processo decorre da falta de informação. Não é necessário raciocinar
pela comunidade, mas lhe propiciar informações básicas suficientes.

• Em razão das audiências diferentes, na dimensão e na qualificação e no interesse das


pessoas pelos serviços de saneamento básico, é necessário identificar e distinguir
com cautela e competência os “fóruns” e os meios mais adequados em cada caso,
para melhor reunir os interessados e veicular a informação.

• Em função das oportunidades de divulgação e da audiência, devem ser escolhidos os


instrumentos de comunicação que podem ser mais ou menos convenientes,
adequados ou impróprios em cada caso, entre uma variada gama de opções, a saber:
cartazes, faixas, folhetos explicativos, encenação teatral, recursos audiovisuais, carro
de som, rádio, televisão, jornais, maquetes, reuniões, etc.

• A definição e distribuição de funções, responsabilidades, direitos, deveres, ônus e


benefícios devem resultar de livre negociação entre as partes interessadas, porém
seguindo algumas regras básicas, que preservem os objetivos sem prejudicar a
viabilidade do projeto proposto. A negociação é, sobretudo, a mediação de
interesses e deve identificar e contemplar as diferentes formas de participação do
indivíduo, dos grupos, de pessoas e da comunidade como um todo.

• Como é importante a evolução cultural da comunidade, toda oportunidade deve ser


aproveitada para promoção da educação sanitária e ambiental, no mínimo no tocante
ao bom uso e à conservação dos sistemas de saneamento básico. A fase de execução
das obras é muito propícia para isso.

• Durante a operação dos sistemas de saneamento básico, as visitas periódicas


(vistorias) devem ser aproveitadas para levar maior informação às pessoas da
comunidade sobre os sistemas já existentes, abordando sobre seu funcionamento
geral, uso correto e preservação.

Apesar dos obstáculos e das dificuldades para a participação, existem exemplos de sucesso,
vivenciados por muitas coletividades, que têm incentivado, em alguma medida, a
continuidade dos processos participativos. Os exemplos evidenciam um contexto de
emergência de novos valores, novas relações entre usuários e poder público, que em última
instância podem contribuir para que surja um movimento em favor de um novo projeto de
sociabilidade.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 49


Conclusão

A falta de participação e controle social nas ações de saneamento básico tem levado a uma
série de problemas de relacionamento entre as populações e as instituições públicas
responsáveis por esses serviços. Costuma-se, por exemplo, questionar se o problema
básico está no fato de os técnicos dos governos não informarem, claramente, sobre os
serviços prestados à população, ou se a população não sabe solicitar, de forma adequada, as
informações necessárias sobre os serviços que estão sendo prestados. E, quase sempre,
surge uma terceira opção, na qual os governantes oferecem serviços que não tinham sido
demandados pelas comunidades. Dessa forma, participação na construção do PMSB e o
controle social mostram-se importantes na busca de solução para essas questões.

A participação, como visto, é uma premissa básica para elaboração do PMSB. Exige, no
entanto, uma profunda mudança de papéis dos principais agentes envolvidos em todo o
processo de construção do Plano. Como destaca Toro (1997, p. 25) “a participação se
sustenta por uma postura ética, que visa o interesse coletivo acima do individual”. Enfim,
não só as populações, mas também os gestores públicos precisariam adotar novos
conhecimentos e práticas para levar a cabo o PMSB, de forma a contemplar um de seus
aspectos mais fundamentais: a inclusão da sociedade no planejamento das ações de
saneamento.

O controle social, como uma forma de participação, tem como um dos seus objetivos buscar
um aumento da transparência, eficiência e da eficácia na prestação dos serviços públicos de
saneamento básico. Ou seja, o cidadão participando, cobrando ações dos governos, leva os
governantes a se sentirem mais responsáveis em suas ações, por saberem que estão sendo
acompanhados e fiscalizados pelas pessoas de sua comunidade.

Para que a verdadeira participação ocorra, é preciso que todos os participantes tenham uma
postura e um comportamento comunicativo e tenham interesse e disposição para absorver e
fornecer informações. A compreensão das razões que inspiram o comportamento de
pessoas ou grupos é de grande importância para evitar repetição de práticas paternalistas e
a cooptação. Em outras palavras, todos devem aprender a aprender a participar. Nesse
contexto, é fundamental que se estabeleça uma relação de diálogo entre conhecimento
técnico e o saber gerado no cotidiano das pessoas.

As metodologias participativas não são mais que instrumentos, fios condutores de


processos participativos, que sofrem influências de muitas variáveis. Assim, os diferentes
métodos participativos possibilitam maiores chances de se organizar e aperfeiçoar o
processo de participação, porém não garantem o seu êxito. O fundamental é realmente
fazer com que as pessoas reflitam, se expressem e decidam de forma autônoma sobre os
seus problemas relacionados ao saneamento, registrando e comunicando suas decisões aos
participantes. São essas ações e reações que fortalecem a confiança mútua, a integração e a
cooperação no grupo. Permitem ainda a troca de experiências entre os participantes e
diferentes aprendizados, principalmente o de que é importante ouvir, valorizar e considerar
a opinião de todos.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 50


Apesar dos limites para a participação apresentados, experiências demonstram que esta
ainda é uma maneira de viabilizar ações públicas transparentes e duradouras. A capacitação
das pessoas, a prática participativa e a busca do conhecimento contínuo podem também
auxiliar todos a perceberem a importância de defender seus interesses de forma mais ativa,
como um exercício de direito legítimo de cidadãos.

Descreva os limites e as dificuldades de um processo participativo e indique


como enfrentá-los para se obter a participação crítica e ativa da população na
definição de políticas públicas.

Limites/dificuldades Como pode ser enfrentado

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 51


Gestão dos Serviços de Saneamento Básico
Patrícia Campos Borja
Alessandra Gomes Lopes Sampaio Silva

D esde a Constituição de 1967, os municípios brasileiros são responsáveis pela prestação


dos serviços de interesse local, dentre eles os de saneamento, prerrogativa que foi
mantida na Constituição Federal de 1988. Segundo o inciso V do art. 30 dessa Constituição,
compete aos municípios organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, os serviços públicos de interesse local, o que inclui os serviços de saneamento
(OLIVEIRA e OUTROS, 2006).

Embora, nos anos 90, a titularidade municipal dos serviços de saneamento tenha sido posta
em questão em face das discussões em torno do novo arcabouço jurídico institucional do
saneamento, esse preceito legal ainda está sendo respeitado até que sejam julgadas, pelo
Supremo Tribunal Federal – STF, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN) da Bahia e
do Rio de Janeiro. Essas ações foram movidas no sentido de dirimir dúvidas de estados e
municípios quanto à titularidade municipal dos serviços de saneamento básico. Inclusive, na
Lei nº. 11.445, de 05/01/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento
básico e para a Política Federal de Saneamento Básico, foi utilizada como estratégia a não
referência quanto à titularidade municipal para que não houvesse questionamentos
posteriores de sua legalidade.

Heller e Nascimento (2005) chamam a atenção da importância da gestão dos serviços.


Segundo os autores, é relevante e crucial a influência exercida pela gestão dos serviços, uma
vez que esta poderá tanto potencializar quanto restringir os benefícios sanitários
pretendidos com a implantação de um sistema de saneamento.

Atualmente, dois tipos de prestação dos serviços de água e esgoto são predominantes no
Brasil: via concessionárias estaduais, por meio de contratos de concessão7 e a prestação
pelo município, via administração direta ou autarquia municipal. De forma secundária,
principalmente em áreas rurais, a prestação dos serviços é delegada a uma associação de
moradores, a uma ONG ou a uma cooperativa. Mais recentemente, a conjuntura política e
econômica do País fez emergir novas experiências de prestação dos serviços, a exemplo dos
consórcios municipais e a atuação de empresas privadas, via processo de licitação (OLIVEIRA
e OUTROS, 2006).

A prestação dos serviços de água e esgoto via concessionária começou a ser implementada
no Brasil no início da década de 70, no bojo do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA).

7 Com a instituição das Leis nº. 11.107/2005 e no. 11.445/2007, os municípios passam a delegar os serviços via contrato de
programa. A concessão passa a ser aplicada apenas quando da delegação à empresa privada via processo de licitação, segundo a Lei
nº. 8.666/1993, e a Lei nº. 8.987/1995, que estabelece normas para a concessão de serviços públicos pela União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 52


Os municípios, como os titulares dos serviços, realizaram contratos de concessão, passando
para as Companhias Estaduais a exploração dos mesmos. Atualmente, as Companhias
Estaduais atendem a cerca de 70% do total de municípios brasileiros. Os municípios que não
aderiram ao Planasa constituíram Serviços Autônomos de Água e Esgoto ou passaram a
prestar diretamente os serviços. A antiga Fundação SESP, hoje Fundação Nacional de Saúde,
por muito tempo operou sistemas de abastecimento de água e esgoto no País. Durante o
governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, esta atribuição foi retornada aos
municípios, que organizaram autarquias municipais, empresas municipais ou passaram a
prestar os serviços diretamente (OLIVEIRA e OUTROS, 2006).

Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico – PNSB 2000, as companhias


estaduais eram responsáveis pela prestação dos serviços de abastecimento de água de
45,5% dos distritos brasileiros, enquanto que as autarquias municipais atendiam a 8,9% e a
administração direta a 30,5%. O serviço de esgotamento sanitário era prestado pelas
companhias estaduais em aproximadamente 25% dos distritos, sendo que as autarquias
atendiam a 11%, as empresas privadas a 1,2% e as administrações diretas das prefeituras a
63% (Tabela 2). Ou seja, a maior parte dos sistemas de esgotos eram operados diretamente
pelas prefeituras municipais (IBGE, 2000).

Tabela 2 - Percentual de distritos com serviço de abastecimento


de água e coleta de esgoto sanitário por entidades prestadoras
% de distritos
Tipo de prestação do serviço
Água Esgoto
Administração direta do Poder Público 30,5 62,6
Autarquia 8,9 10,7
Companhias Estaduais 45,5 24,9
Empresa privada 4,8 1,2
Outra 10,3 0,7
Fonte: PNSB 2000 (IBGE, 2002).

Os serviços de drenagem das águas pluviais são prestados pelos municípios, na maioria dos
casos por administração direta (99% dos distritos brasileiros; ver Tabela 3) e os serviços de
limpeza pública também têm diversos arranjos, como administração direta do Poder Público
(87% dos distritos; ver Tabela 4), empresa privada (11% dos distritos) e empresa pública
(0,6% dos distritos).

Tabela 3 - Número de entidades prestadoras de serviços de drenagem


urbana por tipo de constituição jurídica, 2000
Empresa com
Administração
participação Empresa
Local Total direta do Poder Autarquia Outra
majoritária do privada
Público
poder público
Brasil 100 99,0 0,5 0,3 0,1 0,1
Norte 100 97,8 - 0,4 1,4 0,4
Nordeste 100 99,4 0,2 0,3 0,1 -
Sudeste 100 98,4 1,0 0,5 0,1 -
Sul 100 99,8 0,2 - - -
Centro-
100 98,7 0,3 0,7 0,3 -
Oeste
Fonte: Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2000 (IBGE, 2002).

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 53


Tabela 4 – Número de entidades prestadoras de serviços de limpeza urbana

e/ou coleta de lixo por tipo de constituição jurídica, 2000.


Empresa com
Administração
participação Empresa
Local Total direta do poder Autarquia Outra
majoritária do privada
público
poder público
Brasil 100 86,9 0,4 0,6 11,8 0,3
Norte 100 92,1 - - 7,3 0,6
Nordeste 100 91,1 0,1 0,3 8,4 0,1
Sudeste 100 87,1 1,0 1,1 10,7 0,1
Sul 100 77,8 0,1 0,7 20,7 0,7
Centro- 100 92,3 0,6 0,2 6,9 -
Oeste
Fonte: Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2000 (IBGE, 2002).

Porém, a que pressupostos teóricos os diferentes modelos de gestão dos serviços estariam
associados? Os conceitos de gestão presentes na literatura fundamentam-se em matrizes
teóricas diversas, sendo as mais usuais aquelas presentes no campo da administração.
Nesse campo, o conceito de gestão relaciona-se à “função organizacional voltada para o
comando, a coordenação, o planejamento, o controle, a orientação e a integração das ações
levadas a efeito nos diversos níveis e setores incumbidos da execução dos serviços”
(MOTTA, 2002, p. 45). Ou seja, é uma função que ocorre no âmbito de uma organização
(empresa), seja ela pública ou privada.

Para Moraes (1994b), gestão dos serviços de saneamento é uma atividade analítica e criativa
que envolve:

• formulação de princípios e diretrizes.


• elaboração de documentos orientadores e normativos.
• estruturação de sistemas gerenciais para a tomada de decisão.
• planejamento, execução, operação e avaliação das obras e serviços públicos de
saneamento e a racionalização dos gastos.

Esse conjunto de funções e ações, de acordo com esse autor, deve contar com a participação
e o controle social, envolvendo mecanismos e procedimentos que garantam à sociedade
informação, representação técnica e participação nos processos de decisão.

A idéia de incorporação da participação e do controle social na gestão pública, conforme


Moraes (1994b), pode ser associada ao conceito de gestão social discutido por Motta (2002),
uma vez que este também prevê o controle social nos processos de decisão. Motta (2002)
parte do pressuposto de que são possíveis novos modelos de gestão de serviços públicos
que sejam orientados por princípios mais flexíveis e descentralizadores, em contraposição
aos princípios burocráticos, que primam pela rigidez e pela centralização decisória. No caso

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 54


da gestão social, a função de planejar, coordenar procedimentos, etc., caberia aos grupos
sociais e não aos integrantes de instituições/empresas. Assim, o processo decisório passa a
ser exercido por meio de diferentes sujeitos sociais participantes da ação social.

Apesar de o conceito de gestão ter evoluído muito ao longo do último século, ainda não é
possível se encontrar uma definição universalmente aceita. No entanto, existe algum
consenso de que este conceito deva incluir, obrigatoriamente, um conjunto de tarefas que
procurem garantir a aplicação eficaz de todos os recursos disponibilizados pela organização
pública, a fim de que os objetivos predeterminados sejam atingidos. Em outras palavras,
cabe à gestão a otimização do funcionamento das instituições públicas por meio da tomada
de decisões racionais e fundamentadas no tratamento de dados e informações relevantes,
contribuindo, dessa forma, para o seu desenvolvimento, a satisfação dos interesses de todos
os seus colaboradores e das necessidades da sociedade em geral ou de um grupo em
particular (NUNES, 2007).

Segundo a Lei nº. 11.445, de 05/01/2007, a gestão dos serviços de saneamento básico no
Brasil deve envolver cinco elementos fundamentais, a saber: o planejamento, a regulação, a
fiscalização, a prestação dos serviços e o controle social (Figura 2).

Controle
Planejamento Social

GESTÃO
Prestação
dos serviços
Regulação

Fiscalização

Figura 2 – Elementos da Gestão dos Serviços


de Saneamento Básico.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 55


O planejamento
planejamento

O planejamento envolve as atividades de identificação, qualificação, quantificação,


organização e orientação de todas as ações, públicas e privadas, por meio das quais um
serviço público deve ser prestado ou colocado à disposição de forma adequada (BRASIL,
2007a).

O planejamento, realizado pelo titular dos serviços e não delegável a outro ente, envolve a
elaboração de um Plano de Saneamento Básico que deverá conter um diagnóstico da
situação e avaliação de seus impactos nas condições de vida da população, a definição de
objetivos e metas para a universalização do serviço, o estabelecimento de programas e
projetos, a definição de ações para emergências e contingências e o desenvolvimento de
mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da eficiência e eficácia das ações
programadas, devendo contar com a participação e o controle social (BRASIL, 2007b).

A Lei nº. 11.445/07 estabelece a competência do titular dos serviços na formulação de uma
política pública de saneamento básico, que deverá envolver:

• a elaboração do plano de saneamento básico;

• a prestação direta ou por meio de autorização da delegação dos serviços;

• definição do ente responsável pela sua regulação e fiscalização, bem como os


procedimentos de sua atuação;

• adoção de parâmetros para a garantia do atendimento essencial à saúde pública,


inclusive quanto ao volume mínimo per capita de água para abastecimento público,
observadas as normas nacionais relativas à potabilidade da água;

• fixação dos direitos e os deveres dos usuários;

• estabelecimento de mecanismos de controle social;

• estabelecimento de sistema de informações sobre os serviços, articulado com o


Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico – SINISA;

• intervenção e retorno da operação dos serviços delegados, por indicação da


entidade reguladora, nos casos e condições previstos em lei e nos documentos
contratuais.

A Lei nº. 11.445/07 define que o planejamento para a prestação dos serviços de
saneamento básico será realizado por meio da elaboração de um Plano de Saneamento
Básico de competência do titular do serviço (BRASIL, 2007b, art. 19 do Capítulo IV da Lei nº.
11.445/07). A elaboração desse Plano deve atender aos princípios fundamentais da
prestação dos serviços públicos de saneamento básico, estabelecidos no Art. 2º. da referida
Lei, a saber:

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 56


• universalização do acesso;
• integralidade, compreendida como o conjunto de todas as atividades e
componentes de cada um dos diversos serviços de saneamento básico;
• abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos
resíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do
meio ambiente;
• disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços de drenagem e de
manejo das águas pluviais adequados à saúde pública e à segurança da vida e do
patrimônio público e privado;
• adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as peculiaridades
locais e regionais;
• articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e regional, de habitação,
de combate à pobreza e de sua erradicação, de proteção ambiental, de promoção
da saúde e outras de relevante interesse social voltadas para a melhoria da
qualidade de vida;
• eficiência e sustentabilidade econômica;
• utilização de tecnologias apropriadas, considerando a capacidade de pagamento
dos usuários e a adoção de soluções graduais e progressivas;
• transparência das ações, baseada em sistemas de informações e processos
decisórios institucionalizados;
• controle social;
• segurança, qualidade e regularidade;
• integração das infra-estruturas e serviços com a gestão eficiente dos recursos
hídricos (BRASIL 2007b).

Visando possibilitar o pleno exercício da titularidade dos serviços e a consonância entre


titular e prestador dos serviços, a Lei nº. 11.445/2007 condiciona, em seu art. 11, a
validade dos contratos de prestação de serviços públicos de saneamento básico à existência
de plano de saneamento básico (BRASIL, 2007b). A validade dos contratos também está
condicionada à existência de estudo comprovando a viabilidade técnica e econômico-
financeira da prestação universal e integral dos serviços, nos termos do plano de
saneamento básico. Os planos de investimentos e os projetos relativos ao contrato deverão
ser compatíveis com o respectivo plano de saneamento básico.

Os planos de saneamento básico deverão ser revistos periodicamente a cada quatro anos,
antes da elaboração do Plano Plurianual, devendo englobar integralmente o território do
ente da Federação que o elaborou, exceto quando o mesmo for regional.

Os planos deverão ser editados pelos titulares, podendo ser elaborados com base em
estudos fornecidos pelos prestadores de cada serviço. No caso da elaboração de planos
específicos dos componentes do saneamento básico, a consolidação e compatibilização
devem ser efetuadas pelo titular. Mesmo com a delegação dos serviços de saneamento
básico, o prestador deverá cumprir o plano de saneamento básico em vigor.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 57


Os planos deverão estar compatíveis com os planos das bacias hidrográficas em que
estiverem inseridos.

Em consonância com o princípio da transparência das ações e do controle social, as


propostas dos planos e os estudos que os fundamentam devem, segundo o Parágrafo 5º. do
art. 19 da referida Lei, ser amplamente divulgados, inclusive com a realização de audiências
ou consultas públicas (BRASIL, 2007b). O art. 51 da Lei nº. 11.445/2007 determina que, nas
consultas ou audiências públicas, deva estar previsto o recebimento de sugestões e críticas
e a análise e opinião de órgão colegiado, quando da sua existência. A divulgação do plano e
dos estudos dar-se-á por meio da disponibilização integral de seu teor a todos os
interessados, inclusive por meio da Internet.

A entidade reguladora e fiscalizadora dos serviços é a responsável pela verificação do


cumprimento dos planos de saneamento por parte dos prestadores de serviços, na forma
das disposições legais, regulamentares e contratuais.

Nos serviços regionalizados, ou seja, com um único prestador do serviço para vários
municípios, sejam estes contíguos ou não, deverá haver compatibilidade de planejamento,
segundo o art. 17 da Lei nº. 11.445/07. Poderá ser elaborado um Plano para o conjunto de
municípios atendidos (BRASIL, 2007b).

Os planos de saneamento passam a ser instrumento importante não só para o planejamento


e avaliação da prestação dos serviços como também para obtenção de financiamentos. Isso
porque, segundo a Lei nº. 11.445/07, a alocação de recursos federais será feita em
conformidade com as diretrizes e objetivos da Política Federal de Saneamento Básico –
estabelecidos em seus art. 48 e 49 - e com os planos de saneamento básico. Ou seja, os
Planos passam a ser um referencial para obtenção de recursos.

A regulação

Segundo o Decreto 6.017/2007, a regulação envolve todo e qualquer ato, normativo ou não,
que discipline ou organize determinado serviço público, incluindo suas características,
padrões de qualidade, impactos socioambientais, direitos e obrigações dos usuários e dos
responsáveis por sua oferta ou prestação e fixação e revisão do valor de tarifas e outros
preços públicos (BRASIL, 2007a).

A regulação, segundo o Decreto 6.017/2007, passível de ser delegada pelo titular a outro
ente, envolve o estabelecimento de legislação que contemple padrões e normas técnicas,
econômicas e sociais para a adequada prestação dos serviços e satisfação dos usuários; a
garantia do cumprimento das condições e metas estabelecidas; a prevenção e repressão de
abuso do poder econômico, ressalvada a competência dos órgãos integrantes do sistema
nacional de defesa da concorrência; e a definição de tarifas que assegurem o equilíbrio
econômico e financeiro e a modicidade tarifária. O ente regulador deve ter independência
decisória, autonomia administrativa, orçamentária e financeira, devendo estar assegurada a
transparência, tecnicidade, celeridade e objetividade das decisões (BRASIL, 2007b).

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 58


A fiscalização

A fiscalização, segundo o Decreto nº. 6.017/2007, refere-se às atividades de


acompanhamento, monitoramento, controle e avaliação, no sentido de garantir a utilização,
efetiva ou potencial, do serviço público (BRASIL, 2007a).

A fiscalização, delegável pelo titular dos serviços a ente público, refere-se às atividades de
acompanhamento, monitoramento, controle, avaliação e de aplicação de penalidades no
sentido de garantir a utilização dos serviços de saneamento básico. As diretrizes, normas e
os padrões do ente regulador devem ser atendidos.

A prestação dos serviços

A prestação de serviço público envolve a execução


Agora responda: que atividades
de toda e qualquer atividade ou obra com o objetivo compõem a gestão dos serviços de
de permitir o acesso a um serviço público em estrita saneamento? Defina cada uma.
conformidade com o estabelecido no planejamento e ______________________________
na regulação (BRASIL, 2005). ______________________________
______________________________
A prestação dos serviços, delegável pelo titular, ______________________________
obedecerá a um Plano Municipal de Saneamento
______________________________
______________________________
Básico, devendo atender a requisitos mínimos de
______________________________
qualidade, incluindo a regularidade, a continuidade e ______________________________
aqueles relativos aos produtos oferecidos, ao ______________________________
atendimento dos usuários e às condições ____________________________
operacionais e de manutenção dos sistemas. ____________________________

O controle social

Segundo o art. 3º da Lei nº. 11.445/07, o controle social é o conjunto de mecanismos e


procedimentos que garantem à sociedade informações, representações técnicas e
participações nos processos de formulação de políticas, de planejamento e de avaliação
relacionados aos serviços públicos de saneamento básico (BRASIL, 2007b). A participação e
o controle social constam dos princípios e diretrizes de uma política pública de saneamento
básico, constituindo-se em ponto fundamental para democratizar o processo de decisão e
implementação das ações.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 59


A prestação dos serviços de saneamento básico

Existem três modalidades de prestação dos serviços de saneamento básico previstas em lei:
a prestação direta, a indireta e a gestão associada, conforme mostra a Figura 3.

Régie direta
Centralizada Régie indireta

Direta Autarquia
Empresa Pública
Descentralizada Sociedade de Economia Mista
(Outorga) Fundação

Contrato de Concessão
Indireta Licitação
(empresa privada)
(Delegação)
Fonte: RIBEIRO, 2005.

Consórcio Público Contrato


Gestão Associada de
Programa
Convênio de Cooperação

Figura 3 - Formas de prestação de serviço público permitidas pela legislação vigente

Prestação direta

O titular assume a prestação dos serviços de saneamento básico por meio de órgão da
administração direta, com regime jurídico de direito público.

As principais características que diferem as pessoas jurídicas de direito público e as de


direito privado podem ser observadas no Quadro 2. As organizações de direito público
visam a assegurar as necessidades básicas da sociedade, como a educação, a saúde e o
saneamento, não se preocupando com os interesses individuais e sim com os coletivos. Já
aquelas de direito privado visam, primordialmente, ao alcance dos interesses próprios dos
seus criadores, estando, no entanto, sujeitas à fiscalização do poder público.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 60


Quadro 2 - Características básicas que diferem o direito público do direito privado
Regime Jurídico
Principais Características
Direito Público Direito Privado
Origem Vontade do Estado Vontade de pessoas particulares
Finalidades Interesses coletivos Interesses individuais ou de grupos
Liberdade na determinação ou alteração de seus fins Não Sim
Possibilidade de extinção por decisão própria Não Sim
Prerrogativas de autoridade Sim Não
Fiscalização do Poder Público Sim Sim
Controle social Sim Não
Fonte: BRASIL, 1995.

- Entidades da administração descentralizada

As autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas,


cujas características gerais encontram-se descritas no Quadro 3, constituem-se o que
denominamos entidades de administração descentralizada.

Quadro 3 – Características gerais da administração descentralizada


Prestadores de
Pessoas Conceito / Regime Responsabilidade
Serviços Fins Prerrogativas
Jurídicas Definição Jurídico sobre o serviço
Públicos
Órgãos e
Organização,
Órgãos da repartições da Titularidade do Confunde-se com a
Administração Direito exploração e
Administração Adm. Pública serviço, em nome da Administração
Direta Público concessão do
Direta Regime estatal da Administração Pública
serviço
desconcentrado
Autarquia Organização, Titularidade do
Órgãos
Administração Fundação Direito exploração e serviço Transferida da
autônomos
Descentralizada Pública – Público concessão do transferida pela Administração
criados por lei
Direito Público serviço Administração
Empresa Sociedades
Pública mercantil-
Exploração do
Sociedade de industriais para
serviço
Economia cumprir função Titularidade não
pública relevante Direta sobre a
Entidades Mista transferida.
Direito prestação –
Governamentais Entidade sem fins Prerrogativas
Privado transferida do poder
de Direito Privado lucrativos, Prestação do estabelecidas no
Fundação concedente
destinada a serviço sem ato de criação
Pública –
cumprir serviço obtenção de
Direito Privado
de interesse lucro
público
Sociedade
mercantil-
Empresa Exploração do Direta sobre a
industrial de
Privada serviço prestação –
prestação de Titularidade não
transferida do poder
serviço transferida.
Entidades Direito concedente
Fundação Entidades sem Prerrogativas
Privadas Privado Serviço ou
Privada fins lucrativos, inerentes ao
atividades
destinadas a serviço
Sociedade Civil cumprir serviço auxiliares sem Do poder
sem Fins obtenção de concedente – não é
de interesse lucro
Lucrativos público transferida
Fonte: Adaptado de BRASIL, 1995, p. 196 a 199.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 61


Prestação indireta

No caso da prestação indireta, são obrigatórios a realização de uma licitação e um


subseqüente contrato de concessão, uma vez que o ente público, titular da prestação dos
serviços, deve delegar essa tarefa, em atendimento à Lei nº. 8.666/1993, que dispõe sobre
normas gerais de licitação e contratação para a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios e à Lei nº. 8.987/1995, que estabelece normas para a concessão de serviços
públicos pela União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Como exemplo, pode-se citar a contratação de um prestador privado por meio de licitação
por consórcio intermunicipal. Assim, municípios celebrarão entre si um consórcio público
que firmará um contrato de concessão com o prestador privado habilitado mediante
licitação.

Gestão Associada

Segundo definições da Lei nº. 11.455/07 e do Decreto nº. 6.017/07, gestão associada:

“é a associação voluntária de entes federados, por convênio de cooperação


ou consórcio público, para o exercício das atividades de planejamento,
regulação ou fiscalização de serviços públicos, acompanhadas ou não da
prestação de serviços públicos, mediante um contrato de programa que
traga a constituição e a regulação das obrigações entre os entes federados
conveniados ou consorciados” (BRASIL, 2007a).

Existem diversos modelos de gestão associada. Para tornar mais fácil a compreensão dessa
forma de prestação dos serviços de saneamento básico, apresentam-se alguns exemplos a
seguir:

- A contratação individual da Companhia Estadual de Água e Esgoto por cada município para
os serviços de água e esgotos: nesse caso, o Estado e o Município celebrarão um CONVÊNIO
DE COOPERAÇÃO por meio de um CONTRATO DE PROGRAMA assinado entre a companhia
ou autarquia estadual responsável e o município.

- A contratação de um órgão municipal por outro município: aqui, dois municípios


celebrarão um CONVÊNIO DE COOPERAÇÃO por meio de um CONTRATO DE PROGRAMA
assinado entre uma companhia ou autarquia municipal e o município interessado na
prestação de seus serviços.

- A contratação coletiva da Companhia Estadual de Água e Esgoto por consórcio público:


nessa variante, Municípios e Estado celebrarão um CONSÓRCIO PÚBLICO, que firmará um
CONTRATO DE PROGRAMA com a companhia estadual.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 62


- A contratação coletiva de um órgão municipal por consórcio público: aqui, municípios
celebrarão um CONSÓRCIO PÚBLICO, que firmará um CONTRATO DE PROGRAMA com a
autarquia, companhia municipal ou intermunicipal que prestará o serviço.

- A contratação de um consórcio público como prestador do serviço: nesse último exemplo,


municípios celebrarão entre si um CONSÓRCIO PÚBLICO e cada um deles firmará um
CONTRATO DE PROGRAMA com o consórcio.

Conforme definição do Ministério das Cidades, os consórcios públicos:

[...] são parcerias formadas por dois ou mais entes da federação, para a
realização de objetivos de interesse comum, em qualquer área. Os
consócios podem discutir formas de promover o desenvolvimento regional,
gerir o tratamento de lixo, água e esgoto da região ou construir novos
hospitais ou escolas. Eles têm origem nas associações dos municípios, que
já eram previstas na Constituição de 1937 [...] (BRASIL, 2007c).

Ainda segundo o Ministério das Cidades, existem atualmente centenas de consórcios


funcionando no País; quase 2.000 apenas na área de saúde. Com o Decreto nº. 6.017/07, a
lei de Consórcios foi regulamentada, garantindo maior clareza e segurança jurídica para
aqueles que já estão em funcionamento e estimular a formação de novas associações, de
modo que os serviços prestados tenham a eficiência e a eficácia necessárias e contribuam
efetivamente para a melhoria da qualidade de vida da população.

A Figura 4 ilustra diversos modelos de gestão associada.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 63


Fonte: RIBEIRO (2005).

Figura 4 – Modelos de gestão associada

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 64


Fonte: RIBEIRO (2005).

Figura 4 – Modelos de gestão associada. Continuação

Segundo Ribeiro (2005), atualmente existem no Brasil diversos tipos de gestão associada,
tais como:

- consórcios intermunicipais de municípios com ou sem SAAEs;


- autarquias intermunicipais de água e esgoto ou resíduos sólidos;
- consórcio regional (município e estado) prestador dos serviços de água e esgoto em
parceria com serviços municipais;
- consórcio intermunicipal como agência de bacia;
- consórcio intermunicipal como unidade gerenciadora de projeto de investimento
intermunicipal;
- adoção do convênio de cooperação estado/município e contrato de programa
município/CEAE.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 65


Vantagens e desvantagens de cada um dos modelos de gestão de serviços de saneamento

Cada modelo de gestão de serviços de saneamento possui suas características e


peculiaridades, as quais podem trazer maior ou menor viabilidade em determinados
aspectos, como os organizacionais, gerenciais e operacionais. O Quadro 4 traz um resumo
das principais vantagens e desvantagens de cada um deles.

Agora responda: quais as diferentes formas de prestação dos serviços de


saneamento básico, segundo a legislação vigente? Identifique as vantagens e
desvantagens de cada uma.

Forma de prestação dos Vantagem Desvantagem


serviços de saneamento
básico

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 66


Quadro 4 – Vantagens e desvantagens de cada um dos modelos de gestão de serviços de saneamento.
Modelo de Gestão Prestação do Serviço Vantagens Desvantagens
• regulação através de lei municipal;
• escala para ratear os custos administrativos, comerciais,
Diretamente pelo município através da de engenharia, técnicos, para controles sanitários e
Viabilidade de tarifas e de recursos
Municipal administração direta, autarquia ou empresa ambientais;
orçamentários compatíveis.
municipal. • dificuldades: acesso a financiamentos; manutenção de
tarifas realistas; reciclagem tecnológica do parque
produtivo; continuidade técnica e administrativa.
Viabilidade de tarifas, financiamentos, • regulação específica;
Empresa privada, para um ou vários municípios ou regiões de alto consumo, • tarifas mais elevadas para garantir a rentabilidade;
Empresas privadas
municípios. poder aquisitivo alto e/ou sistemas com • restrição de mercado;
baixa necessidade de investimentos. • baixa aceitação da população.
Em parceria pelo poder público (municipal
Maiores dificuldades:
ou estadual) e por empresas privadas; Tarifas específicas para os serviços
• rejeição cultural;
Sistema misto geralmente, parte do sistema é construído e prestados, financiamentos, orçamento,
• regulação;
público-privado operado pelo setor privado por um período viável em sistemas com problemas
• sistematização do mercado;
e, posteriormente, transferido para o setor específicos (ETAs, ETEs, poços).
• financiamentos específicos.
público.
Tarifas, financiamentos, economia de Maiores dificuldades:
escala, recursos orçamentários, • construção de agente regulador único ou regional;
Empresa estadual Empresa estatal estadual. evolução tecnológica, participação dos • atender simultaneamente as demandas de todos os
poderes concedentes na gestão e municípios;
audiências publicas. • repasse de todos os custos para as tarifas.
• municípios vizinhos heterogêneos;
Tarifas, financiamentos, economia de
• construção de agente regulador regional;
Empresas escala, recursos orçamentários,
• critérios para indicação dos gestores;
Regionais Empresa de um conjunto de municípios. evolução tecnológica, participação dos
• continuidade administrativa com mudanças dos
(CONSÓRCIOS) poderes concedentes na gestão e
executivos municipais;
conselhos do cidadão.
• repasse de todos os custos para as tarifas.
Fonte: Adaptado de <http://www.comitepcj.sp.gov.br/download/CT-SA_13-Ord_07-12-05_04.pdf>.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 67


Aspectos
Aspectos Teóricos do Planejamento Urbano
Patrícia Campos Borja

A planejamento
experiência da URSS com a economia planificada pelo Estado foi a fonte inspiradora do
regional e urbano. Posteriormente, essa ação de planejamento do Estado
foi ampliada, posteriormente, após a Segunda Guerra Mundial, quando os países passam
a adotar esta atividade não só para reconstruir as cidades destruídas pela guerra, dotando-
as de ordenamento e estruturação, mas também para enfrentar às repercussões sociais e
econômicas da crise do capitalismo. Nesse contexto, são estabelecidas as condições
históricas para um pacto social entre capital e trabalho, inaugurando as bases do chamado
Estado do Bem–Estar Social. Para a estruturação desse Estado emerge a necessidade de
estabelecer ações planejadas para adoção das políticas sociais capazes de dotar a classe
trabalhadora de condições de vida que garantissem a sua reprodução social e,
consequentemente, a produção de capital. Esse movimento constitui-se a gênese do
planejamento urbano.

O planejamento urbano surge na URSS e se fortalece após a Segunda Guerra Mundial com o Estado do
Bem-Estar Social.

Embora o Estado de Bem-Estar Social tenha, para a maioria dos países do mundo, se
constituído apenas um referencial teórico, não se pode deixar de lado sua influência no
processo de planejamento. A história revelou que, na sociedade de mercado, o
planejamento conviveu com a contradição entre o discurso do interesse coletivo e a
necessidade da manutenção da precariedade e fragmentação das infra-estruturas da
produção, inclusive as espaciais, como forma de garantir a reprodução capitalista. Com o
esvaziamento do Estado Provedor e o fortalecimento do Estado neoliberal, o descompasso
entre o discurso e a prática diminui devido à estratégia de fragilização do aparelho do
Estado na sociedade de mercado.

Influências

A experiência militar influenciou fortemente a ação de planejamento, a exemplo das técnicas


de previsão de eventos, busca da eficiência, estabelecimento de estratégias de ação,
definição dos percursos ótimos, eleições de alvos, necessidade de fazer previsões. Até hoje
as técnicas militares possibilitam a ampliação dos instrumentos de planejamento, como
pode atestar o uso das fotos de satélites, dentre outros.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 68


A experiência militar, as atividades da iniciativa privada e a estatística influenciam a
atividade de planejamento.

As atividades das empresas privadas também influenciaram o planejamento com sua prática
de prever eventos, de avaliar a dinâmica do mercado, com as técnicas de planificação para
maximizar recursos com busca da eficiência, otimização e racionalização de processos,
dentre outros.

Os métodos matemáticos e estatísticos também deram a sua contribuição às atividades de


planejamento, com as ações de armazenamento, processamento de dados, cruzamento de
informações, quantificação, estabelecimentos de modelos de previsão. influindo na ênfase
do planejamento na previsão e no processo.

Conceito

A atividade de planejamento é inerente à racionalidade humana, sendo usada implícita ou


explicitamente pelos indivíduos, organizações e governos. NO planejamento público é usado
para alcançar objetivos de interesse geral.

Planejar significa avaliar o Estado presente para definir o Estado futuro desejado (Figura 5).

Transformação

Estado presente Estado futuro

Figura 5 – O Planejamento: do estado presente para o futuro.

O Estado presente é avaliado a partir de um diagnóstico do objeto do planejamento,


devendo envolver os diferentes sujeitos: técnicos, gestores e sociedade civil organizada.
Para definir o Estado desejado devem ser estabelecidos os princípios, objetivos, metas,
diretrizes e programas capazes de promover a transformação desejada.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 69


A palavra planejamento tem o sentido de empreendimento, projeto, sonho e intenção. O
planejamento revela a vontade de intervir sobre uma dada realidade em uma determinada
direção, a fim de se concretizar alguma intenção. A intenção em si carrega subjetividades
que se relacionam com as visões de mundo, os valores, a cultura, dentre outros aspectos.

O planejamento é um processo dinâmico e, portanto, deve ser bem diferenciado de plano,


programa e projeto, que são documentos, na forma de relatórios, contendo todas as
informações necessárias à implantação, execução e controle das proposições feitas
(AMBIENTE BRASIL, 2007).

O processo de planejamento deve considerar a sua viabilidade econômica, técnica, política e


institucional de forma que as ações propostas sejam factíveis e condizentes com a realidade
concreta do município. Na viabilidade econômica devem ser considerados os custos das
intervenções propostas, as receitas disponíveis, as condições de financiamento e a
capacidade de pagamento. Na viabilidade técnica deve-se considerar a disponibilidade de
matéria prima e equipamentos para execução das intervenções; a adequação das
tecnologias propostas á realidade cultural, social e ambiental; e a existência de pessoal
capacitado para desenvolver as ações planejadas. A viabilidade política envolve
considerações sobre o contexto político em que se insere o plano e as possibilidades
concretas de sua execução, a sua capacidade de dialogar e de tratar os diferentes interesses
dos protagonistas da cena urbana, ou seja: políticos, movimentos sociais, ONG, funcionários
do aparato estatal e interesses privados. A viabilidade institucional diz respeito à capacidade
de governar, de dispor das estruturas e condições administrativas e legais para realizar e
executar a ação de planejamento.

Para Góis (200-?), planejar é um ato “político, dialógico, de construção e realização de uma
vontade coletiva de superação, de humanização e de convivência profunda com a cidade”
(GÓIS, 200-?, p. 1) e não um ato de submeter tecnicamente a cidade aos interesses de
grupos e classes. Para o autor, o planejamento deve ser discutido

como um processo da consciência frente às suas necessidades e exigências


da realidade, e como um pensar coletivo e um agir metódico, direcionados
para a construção de uma realidade desejável e possível (futuro), seja para
um indivíduo, grupo, coletividade ou nação, sempre visando à humanização
(GÓIS, 200-?, p.1).

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 70


Vertentes teóricas do planejamento

Há diversas vertentes teóricas de planejamento urbano. Para permitir a compreensão dessa


diversidade, essas diferentes visões são apresentadas de uma forma resumida no Quadro 5.

Quadro 5 – Vertentes teóricas do planejamento


Vertente Características
Busca a raiz do problema, a totalidade do fenômeno. Pensamento filosófico pautado no idealismo. A realidade é
Globalista vista como um conjunto ordenado de regularidades. O argumento científico prevalece sobre o político. Idealiza
(anos 30 a 50) que o Estado busca o bem comum. A meta é o equilíbrio de interesses. Diagnósticos exaustivos. São
genéricos, com previsões de longo prazo.
Visão pragmática. Não visa ao ótimo e sim o possível. Aceita a realidade existente. A realidade é imperfeita,
Incrementalist assim como o homem. Não acredita em um plano de consenso. O Estado não é neutro, considera o domínio de
a (EUA) classe. Centrado na ação e não no todo. Buscam-se as condições políticas reais para a execução do plano
mais específico, com horizontes precisos. Privilégio aos planos setoriais.
Pensa o todo em relação às partes do ponto de vista dialético. Considera as desigualdades entre as partes. O
mundo é ordenado por uma estrutura, cujas partes devem ser conhecidas para que o todo possa ser
modificado. O planejamento é realizado segundo variáveis estruturais. O planejamento não é neutro, interage
com o objeto a partir da visão social de mundo. Os projetos e planos são expressão da realidade estruturada.
Estruturalista
Prevê a regulação do Estado com conteúdos sociais, embora admita influência de classe e grupos. Tenta
(Europa)
alinhar os grupos que têm preocupações com questões estruturais. Não afasta o longo prazo. A meta pode ser
adaptada no percurso. Baseia-se na práxis e não na utopia. Adapta-se à noção de tempo e de recursos. Viável
é o que é desejável e não o que é possível. Planejamento setorial na perspectiva do planejamento estratégico.
Limite: idéia de que o plano pode controlar a realidade (MARX, ENGELS).
Crítica ao globalismo e o incrementalismo. Planejamento feito pelo próprio interessado, pela comunidade, em
Advocacional
nível local e encaminhado pelo Estado. O planejador funciona como advogado da comunidade. Limites:
(Comunitário)
organização comunitária e acesso a recursos (anos 60).
Influência da Teoria Geral dos Sistemas (TGS). O todo é maior que a soma das partes. Visão de totalidade, das
Sistêmico inter-relações. Incorpora a interdisciplinaridade. Aproxima-se da visão estruturalista: em vez de estrutura, o
sistema. Limites: trata os fenômenos da cultura segundo a mesma lógica da natureza.
Influenciada por diversas vertentes do planejamento, tendo maior aproximação com a visão sistêmica. Inter e
transdisciplinar. No final dos anos 80, incorpora a perspectiva da sustentabilidade. Busca pensar em termos
Ambiental locais e o globais. Visão para as presentes e futuras gerações. Já no século XIX, em plena primeira revolução
industrial, foi vislumbrada a escassez de recurso, motivo pelo qual esta vertente do planejamento defendia a
proteção de florestas e rios, a preservação da pureza das águas, do ar e do solo (FRANCO, 2000).
Com a emergência do movimento social nos anos 80, surge um novo protagonista no processo de
planejamento - a sociedade civil organizada (movimentos sociais, sindicatos, ONG, grupos ambientalistas,
Participativo
associações profissionais). Busca a participação crítica e ativa em todas as fases do planejamento (diagnóstico,
análises, elaboração de objetivos, planos e avaliação). Ação de parceria com o Estado.
Fonte: Adaptado de Sampaio (1995).

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 71


Planejamento urbano no Brasil

Início do século XX

O planejamento urbano no Brasil data do início do século XX, momento em que se buscava a
modernização das cidades, tendo sofrido forte influência européia, dos ideais de Haussman8
e do modelo higienista. O ideal era a cidade limpa, baseada nas inovações técnicas de
saneamento e nas teorias científicas da área médica (FABIANO, 2005). O modelo
Haussmann, meados do século XIX, visava à construção de um espaço ideal, uma cidade
ordenada, planejada, uma geometria modeladora de homens, trazendo em seu bojo a
negação da história. Buscava-se, enfim, uma cidade que representasse o novo momento do
capital. Tal modelo influenciou toda uma geração de urbanistas e planejadores.

Sob essas influências foram projetadas a cidade de Belo Horizonte e Teresinha realizadas
intervenções no centro do Rio de Janeiro e elaborados os “Planos de Melhoramento da
Capital de São Paulo”. O Código Sanitário do Estado de São Paulo, de 1894, inspirado na
legislação francesa da higiene residencial, representou o maior exemplo da disseminação do
conceito de cidade limpa, que deu sustentação às ações repressivas do Estado para a
preservação e reprodução da força de trabalho da cidade (ROLNIK, 1997).

Nesse código, a questão das epidemias é tratada não como um reflexo das condições de
salubridade das cidades, mas como reflexo do modo de vida dos miseráveis urbanos. Surge,
assim, um conjunto de regras que determinam a segregação do espaço urbano, sendo
excluídos os mais pobres (ROLNIK, 1989). Para Fabiano (2005), a idéia de cidade limpa,
bonita e arejada da Europa entra no Brasil para ser aplicada no espaço das elites. A
insalubridade dos espaços pobres é atribuída aos próprios pobres, concepção que ainda
persiste nos dias de hoje quando as favelas são vistas como espaço violento, de marginais e
de gente sem instrução, e não como o produto de um processo de urbanização caótico e
desigual e espaço desprovido de intervenções públicas consistentes.

Assim, planejamento urbano, no início do século XX, teve forte influência dos ideais
europeus de cidade, sendo tratado segundo princípios positivistas, a partir de uma análise
apolítica e tecnicista do real. As intervenções higiênicas vinham para acabar com as
epidemias, para mostrar a beleza e esconder a feiúra da pobreza (FABIANO, 2005; ROLNIK,
1997).

Anos 30 – 50

No período do Estado Novo (1930-1950) a meta não era o ordenamento do espaço, mas o
desenvolvimento econômico. O planejamento econômico era visto como a via para a
modernização, para o progresso. O eixo central era o crescimento econômico e a
industrialização. Acreditava-se que a modernização contribuiria para o planejamento

8 Prefeito de Paris que promoveu a remodelação desta cidade, cujo modelo pautava-se em grandes avenidas e vias de circulação,
construção de redes de água e esgoto, além de edifícios, equipamentos e espaços livres como praças. A ocupação do território
baseava-se no quarteirão, que se articulava com o traçado viário.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 72


urbano. Pregava-se que haveria um crescimento harmônico equilibrado das cidades. O
planejamento era a solução dos problemas do subdesenvolvimento. Dissemina-se o mito de
que a técnica de planejamento equacionaria os problemas sociais e o pensamento de que o
Estado era neutro e de que resolveria os problemas das contradições do modo de produção
capitalista. É desse período o apoio internacional ao planejamento no Brasil, inclusive para a
capacitação de recursos humanos.

No planejamento urbano, as influências européias e higienista do pensar e projetar a cidade


se mantém, sendo incorporado um espírito de antiurbanismo, a partir do qual a cidade é
vista como maléfica, como um local de miséria moral e social. Tal movimento é estimulado
pelo governo populista de Getúlio Vargas, que buscava a ocupação do território brasileiro,
vista como estratégica para o fortalecimento da nação (FABIANO, 2005).

Apesar do forte controle do governo Vargas, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre e São Paulo
elaboram seus planos diretores, todos segundo a concepção higienista (RIBEIRO e CARDOSO,
1996). Nesse momento surgem os conflitos entre a cidade legal - projetada, e a clandestina
- situada à margem da lei. É também nesse período que surgem as idéias do zoneamento
funcional da cidade sob influência de urbanistas alemães e americanos, estratégia que,
segundo Fabiano (2005), vem satisfazer ao poder de polícia do estado, ao definir espaços
para diversos tipos de uso e tipologias de ocupação.

No final da década de 1950 e nos anos 60, o processo de urbanização é acelerado havendo,
inclusive, grandes fluxos migratórios campo-cidade. O planejamento passa, então, a buscar
adaptar o espaço urbano às rápidas mudanças que isso provoca. O ritmo dessas mudanças é
acelerado pela implantação da indústria automobilística que, além de trazer novas
demandas urbanas – determinando, por exemplo, a necessidade de ampliação do sistema
viário –, produz inovações tecnológicas na construção civil, o que, por sua vez, vai
possibilitar a verticalização das cidades (ROLNIK, 1989).

Anos 60

Nos anos 60, o planejamento assume um papel estratégico para promover a infra-estrutura
necessária ao período desenvolvimentista. Os planejadores passam a racionalizar a gestão
das cidades. Reafirma-se uma atuação tecnicista, apolítica, estimulada pelo regime de
exceção. A questão urbana passa a ser vinculada à modernização e ao desenvolvimento da
nação, sendo que a questão social revelada nas desigualdades do espaço das cidades é mais
uma vez posta de lado (RIBEIRO e CARDOSO, 1989).

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 73


Anos 70

Na década de 1970, no período do milagre econômico e sob a égide de um Estado


autoritário e centralizador, o crescimento econômico torna-se a pauta maior. A
problemática das cidades é vinculada a uma questão administrativa, devendo ser resolvida a
partir de uma abrangência regional (RIBEIRO e CARDOSO, 1996). O planejamento é
influenciado pelo positivismo, o que leva a um aprimoramento da abordagem tecnicista da
problemática urbana. A questão urbana é vista como uma disfunção do sistema, devendo
ser curada pelo poder central (ROLNIK, 1989). Estados e municípios perdem o controle sobre
a gestão de seus territórios, com a imposição de políticas setoriais, a exemplo da política de
habitação e saneamento, ambas sob o comando de um banco, o Banco Nacional de
Habitação (BNH). Esse modelo de planejamento passou a ser intitulado como tecnocrático-
centralizado-autoritário.

É dessa época a elaboração de planos diretores integrados, concebidos por um grupo de


técnicos e necessários para a obtenção de financiamentos. Tais planos sofreram forte
influência da visão positivista e tecnicista, buscando abordar a globalidade da realidade ao
tratar de temas setoriais (educação, saúde, saneamento, transporte, etc.) A maioria desses
planos consistia em peças descoladas da realidade e foram esquecidas nas prateleiras de
órgãos públicos, sem que pudessem guiar um processo de desenvolvimento social no país.

Nessa época, buscava-se um desenvolvimento nacional integrado com o foco na cidade


industrial, daí a implantação de grandes pólos industriais e de projetos arrojados de infra-
estrutura para lhe dar suporte (ROLNIK, 1989). A instituição de um sistema nacional de
planejamento também foi a marca desse tempo, com a criação do Serviço Federal de
Habitação e Urbanismo, BNH - Banco Nacional da Habitação, Conselho Nacional de
Desenvolvimento Urbano (CNDU), dentre outros.

Com a crise do capitalismo e do Estado que lhe dava suporte, a ação de planejamento se
esvai. As cidades sofrem um processo de urbanização acelerado e desigual e as políticas e
programas governamentais não conseguem responder às demandas que o espaço urbano
passa a requerer. As ocupações de terras em áreas periféricas das grandes cidades, iniciadas
na década de 40, se ampliam formando um verdadeiro contingente de excluídos de serviços
essenciais como os de saneamento.

No final dos anos 70, a crise se agrava fazendo emergir um forte movimento social em
defesa da moradia, da reforma urbana e do direito à cidade. Esse movimento articula-se
com a Igreja Católica, com segmentos acadêmicos e de profissionais liberais, permitindo
uma atuação qualificada e, na década de 80, passa a ser chamado de Movimento Nacional
pela Reforma Urbana (MNRU).

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 74


Anos 80

A situação econômica e social do país e, por outro lado, a mobilização e organização da


sociedade, tendo como marco a criação do Partido dos Trabalhadores em 1980, fizeram com
que o regime militar começasse um movimento lento e gradual de abertura política. Em
1984 surge um forte clamor popular em torno das eleições diretas para a presidência da
República, movimento intitulado Diretas Já, que culminou com a ementa constitucional
Dante de Oliveira, derrotada no Congresso Nacional. O movimento popular e os partidos de
centro e de esquerda forçam a abertura política, culminando com a eleição, pelo Congresso
Nacional, de Tancredo Neves. Com a morte de Tancredo, José Sarney assume a presidência
da República. Começa, então, não só um período marcado pela construção da democracia
mas também a mudança do papel do Estado nas políticas públicas, o que veio a ser
chamado de desregulamentação e modernização do Estado, cujo aporte ideológico se
sustentou no Estado neoliberal de Margaret Thacher, na Inglaterra e Ronald Reagan, nos
EUA.

Em 1988, a organização da sociedade e dos partidos políticos possibilitou a promulgação de


uma Constituição Federal (CF) com fortes compromissos com a questão social, por essa
razão intitulada a Constituição Cidadã. A CF incorporou, no art. 182 do capítulo II, a Política
Urbana, que estabeleceu que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder
público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes” (BRASIL, 1988). No parágrafo primeiro, a CF estabelece a obrigatoriedade da
elaboração de Planos Diretores para cidades com mais de 20.000 habitantes. Tal plano é
visto como instrumento da política de desenvolvimento e de expansão urbana, devendo ser
aprovado pela Câmara Municipal. Inicia-se, assim, o período em que o planejamento
urbano é uma exigência constitucional.

Com a CF, o poder local sai fortalecido e os municípios passam a ter a atribuição de
“promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e
controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano” e, ainda, “organizar e
prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de
interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial” (BRASIL, 1988,
Art. 30 da CF). Por outro lado, governos municipais passam a ser administrados por grupos
progressistas, o que vai proporcionar o surgimento de uma série de experiências mais
transparentes e democráticas de atuação do Poder Público, com a participação popular nos
processos de planejamento e implementação de programas, sendo o maior exemplo os
orçamentos participativos.

Dentro desse cenário, o chamado planejamento participativo passa a ser um referencial de


atuação da administração pública. Tal planejamento prevê a abertura de diálogos entre os
diversos atores que produzem a cidade, superando a abordagem tecnicista. No entanto,
esse tipo de planejamento foi e vem sendo praticado de forma restrita e pontual, pois, além
de fragilidades metodológicas, existem ainda dificuldades para a sua implementação efetiva
devido a interesses antagônicos em relação à cidade.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 75


Apesar das diversas experiências participativas, as políticas de cunho neoliberal avançam. É
nesse período que o Sistema Nacional de Habitação e de Saneamento entra em colapso, o
BNH é extinto e instala-se um vazio político e institucional no campo do planejamento
urbano em nível nacional.

Anos 90

Nos anos 90, o ideário neoliberal se fortalece no Brasil, seguindo a tendência mundial que
surge com a chamada crise das energias utópicas após a perda do referencial marxista na
construção de uma sociedade mais justa e igualitária, principalmente, depois da queda do
Muro de Berlim. Inicia-se o período do chamado pensamento único. São registrados os
menores investimentos em políticas sociais, diversos indicadores retrocedem, doenças antes
erradicadas ressurgem. A fragmentação da ação pública se reproduz no território formando
espaços altamente especializados e produtivos nas grandes metrópoles e, por outro lado,
um crescente contingente de espoliados urbanos. As cidades passam a crescer sob a égide
do capital local. Para Ferreira (2003), o modelo de cidade “procura se legitimar através da
imposição de uma suposta matriz "moderna e global" por sobre a cidade arcaica e desigual”
(FERREIRA, 2003, p. 23).

Após os conturbados governos de Fernando Collor e Itamar Franco, Fernando Henrique


Cardoso (FHC) assume a presidência da República, passando a instituir a Reforma do Estado
Brasileiro, à luz das diretrizes neoliberais constantes no Consenso de Washington e nas
cláusulas dos acordos do Brasil com o Fundo Monetário Internacional-FMI.

Com o ideário liberal-conservador, um novo vocabulário passou a fazer parte dos discursos
sobre a cidade. Palavras como gerenciamento, governabilidade, flexibilidade,
empregabilidade, vantagem competitiva, globalização, localismo, exclusão, gentrificação,
parceria entre setor público e privado passam a fazer parte da retórica oficial.

O planejamento, com seu legado de ser incapaz de solucionar as questões sociais,


econômicas e urbanas, passa para segundo plano, enquanto que a idéia de “gestão” toma a
cena. Para Souza,

o hiperprivilegiamento da idéia de gestão em detrimento de um


planejamento consistente representa o triunfo do imediatismo e da miopia
dos ideólogos ultraconservadores do “mercado livre”. Em outras palavras ele
representa a substituição de um “planejamento forte”, típico da era fordista,
por um “planejamento fraco” (muita gestão e pouco planejamento), o que
combina bem com a era pós-fordismo, da desregulamentação e do “Estado
mínimo [...]” (SOUZA, 2002, p. 31)

Nesse período, convive-se com duas abordagens de planejamento. Uma baseada nas
experiências de planejamento participativo – que inclusive foi estimulado após a
Constituição com a instituição de diversos mecanismos de consulta e participação da

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 76


sociedade civil nas decisões como, por exemplo, a implantação de projetos de moradias
populares e revitalização de favelas, as práticas de planejamento via Sistema Único de Saúde
(através de conferências) e a participação em conselhos ou, ainda, em audiências públicas
para discussão dos Estudos de Impacto Ambiental de empreendimentos. Outra
fundamentada no planejamento estratégico – que sai do âmbito empresarial e chega à
administração pública.

O surgimento do planejamento estratégico é creditado a pesquisa tecnológica e ao


gerenciamento científico desenvolvidos pelas Forças Armadas pós-segunda guerra mundial.
A partir daí são formuladas regras básicas da administração como a competência,
racionalização, informatização, clareza dos objetivos e o pensamento positivo. Assim,
inspirado nas experiências militares, a partir de 1970, o Planejamento Estratégico passou a
ser o instrumento mais utilizado pelas empresas. Essa idéia de planejamento estratégico é
transportada para as cidades, que passam a ser encaradas como uma empresa.

Para Kotler (1975, p. 79), “o Planejamento Estratégico é uma metodologia gerencial que
permite estabelecer a direção a ser seguida pela Organização, visando maior grau de
interação com o ambiente”. Para Ferreira (2003), as idéias que embasam essa forma de
planejar foram disseminadas sob o argumento de que a sobrevivência das cidades ao
ambiente competitivo e globalizado da economia atual estaria condicionada ao atendimento
do receituário neoliberal, condicionado a "novas" técnicas de urbanismo como o
Planejamento Estratégico. A experiência de Barcelona passa a ser o ícone dessa vertente do
planejamento. Esse modo de planejar vem dar sustentação ao pleno desenvolvimento
econômico do mercado, em que a cidade se torna mais uma mercadoria a ser vendida, em
um mercado de extrema competitividade.

Em contrapartida, o planejamento participativo surge a partir de algumas experiências de


administrações municipais alinhadas com o ideário de construção de uma cidade mais
democrática e justa para todos. Tal planejamento busca incluir a população nas decisões
governamentais, com vistas a superar o caráter excludente do neoliberalismo. Essa prática
aumenta o envolvimento, nos processos de decisão, dos excluídos do direito à cidade,
possibilitando a definição de prioridades de cunho mais social. Com a experiência do
planejamento participativo, os papéis entre sociedade e Estado estão sendo reelaborados a
partir da cooperação, para que se estabeleçam pactos que busquem resolver conflitos de
interesses.

[...] a constituição de redes plurais, embora torne mais complexo o trabalho


de coordenação do debate e dos processos decisórios, é um elemento que
contribui para uma gestão pública mais democrática. Além do que permite
evidenciar os conflitos latentes que perpassam o Estado e sociedade civil,
possibilitando uma abordagem mais condizente com essa perspectiva
(MOURA, 1997, p. 1778).

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 77


Anos 2000

Os anos 2000 podem ser considerados o marco na construção da Reforma Urbana, com a
aprovação da Lei no. 10.257, de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da
política urbana, chamada de Estatuto da Cidade.

A lei tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da
propriedade urbana, tendo, dentre outras, as seguintes diretrizes:

– garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à


moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços
públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;

– gestão democrática por meio da participação da população e de associações


representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e
acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;

– planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população


e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de
modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre
o meio ambiente;

– ordenação e controle do uso do solo;

– adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana


compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município
e do território sob sua área de influência;

– justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização;

– proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do


patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico (BRASIL, 2001).

Dentre os instrumentos estabelecidos pela Política Urbana, em atendimento aos arts. 182 e
183 da Constituição Federal, está o planejamento municipal definido por meio de: plano
diretor; disciplina do parcelamento do uso e da ocupação do solo; zoneamento ambiental;
plano plurianual; diretrizes orçamentárias e orçamento anual; gestão orçamentária
participativa; planos, programas e projetos setoriais; planos de desenvolvimento econômico
e social; dentre outros (BRASIL, 2001).

O plano diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana,


devendo ser instituído por lei municipal. O Estatuto prevê uma ampla discussão do Plano
com a sociedade, devendo para isso serem realizadas audiências públicas e debates com a
participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da
comunidade; publicidade e acesso aos documentos e informações produzidos. O Plano
Diretor é obrigatório para as cidades com mais de vinte mil habitantes, integrantes de

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 78


regiões metropolitanas e aglomerações urbanas ou ainda integrantes de áreas de especial
interesse turístico, dentre outras (BRASIL 2001).

O Estatuto garante a gestão democrática da cidade, devendo para isso, serem instituídos
órgãos colegiados de política urbana e realizados debates, audiências, consultas públicas,
conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal.
É previsto, ainda, projeto de lei de iniciativa popular de planos, programas e projetos de
desenvolvimento urbano (BRASIL 2001).

A experiência na implementação do Estatuto das Cidades ainda é muito recente, embora já


possam ser identificados problemas, principalmente quanto à capacidade de as
administrações municipais superarem a prática do planejamento tecnicista e burocrático e
incorporarem as diretrizes nele previstas quanto à necessidade da abertura de diálogo com
a sociedade. Como tratar os conflitos entre os diferentes projetos para as cidades e os
diversos interesses em jogo desponta como um dos grandes desafios. Os segmentos que
detêm o poder sobre as cidades, os donos das terras e os empreendedores imobiliários têm
mantido suas práticas de cooptação para influir nos rumos dos Planos Diretores, ou seja das
cidades. Por outro lado, os movimentos sociais urbanos encontram-se fragilizados e com
uma atuação extremamente débil considerando as oportunidades da nova lei para a
construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Por fim, com a crise da ciência moderna, surgem as dúvidas sobre a possibilidade de esse
instrumento - o planejamento – ser capaz de dar conta da problemática das cidades. O
modelo tecnicista, que se pautava no poder da ciência e se ancorava em amplos
diagnósticos e dados estatísticos, se mostrou incapaz de tratar a realidade complexa da
cidade contemporânea (FABIANO, 2005). A crença no controle racional e centralizado dos
destinos das políticas públicas urbanas, do molde keyneisiano, é posta em questão (FERRARI
JÚNIOR, 200-?). A cidade ideal dos urbanistas e planejadores estava distante da realidade
concreta do território desigual, da política e das contradições de uma sociedade de
mercado. Para Ferreira (1999), o legado do planejamento “era uma falácia asséptica,
distanciada da práxis e da realidade, ou seja, da política” (FERREIRA, 1999, p.50). A autora
observa que o processo de planejamento possui um duplo movimento de alienação: “técnico
em relação à realidade, ao vivido, e do político em relação ao planejamento em si”
(FERREIRA, 1999, p. 52). O resultado é a descrença no planejamento e na sua capacidade de
dar respostas aos anseios da sociedade.

Ferrari Júnior (200-?) avalia que a função do planejamento pode ser entendida pelo
intervencionismo e regulacionismo estatal, com o intuito de tentar manter as condições
favoráveis manutenção do status quo capitalista. Tal interpretação sobre o papel do
planejamento na produção da cidade capitalista toma fôlego com os autores Henri Lefebvre,
David Harvey e Manuel Castells. Para Harvey (1980),

O urbanismo é uma forma social, um modo de vida, ligado entre outras


coisas, a uma certa divisão do trabalho e a uma certa ordem hierárquica de
atividades, que é amplamente consistente com o modo de produção
dominante (HARVEY, 1980, p. 174).

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 79


Embora já esteja claro que nem a prática nem a execução de planos podem garantir uma
sociedade mais justa, uma vez que ambas dependem de uma ação coletiva mais ampla para
a revisão do modelo de reprodução social, certamente, a execução de planejamentos que
envolvam os diversos atores sociais, que esteja pautado em um diálogo crítico e aberto com
a realidade e que seja elaborado considerando aspectos políticos, ideológicos, culturais e
econômicos pode contribuir para a construção de uma sociedade mais justa.

Etapas do processo de planejamento

As etapas de um planejamento dependem muito das dinâmicas locais, da capacidade técnica


do município, do nível de organização social, dos recursos disponíveis para o processo, dos
interesses que estão em jogo e da própria escolha da administração local em relação às
abordagens de planejamento.

É importante observar que o planejamento não se encerra no plano, ele se constitui um


processo dinâmico que deve ser periodicamente revisto e reorientado com vistas a atingir os
objetivos ou até revê-los. Um bom planejamento deve estar articulado com as
transformações da sociedade, não é uma coisa pronta, imutável e sim dinâmica, como a
própria sociedade. No entanto, em linhas gerais, podem-se identificar etapas no processo
de planejamento, conforme mostra o Quadro 6:

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 80


Quadro 6 – Etapas do processo de planejamento
Etapa Enfoque Pergunta chave
A equipe técnica deve estar preparada para Quem deve compor a equipe técnica
Definição de equipe
trabalhar com conflitos de interesses e ser multidisciplinar?
técnica
capaz de estabelecer pactos sendo importante
multidisciplinar
ter uma composição multidisciplinar.
O Comitê Técnico (CT) deve ser composto Que segmentos organizados da sociedade
pelos diversos segmentos da sociedade e do e representantes governamentais devem
aparato estatal, a exemplo da composição dos compor o Comitê?
Definição de Comitê
Conselhos das Cidades. O CT tem a atribuição
Técnico de
de dar as diretrizes para a elaboração do Plano,
acompanhamento
analisar documentos preliminares, entre outros.
Deve também manter o diálogo com o conselho
municipal das Cidades ou similar.
Definição da área Deve ser definida a poligonal da área e das Qual a área territorial objeto do
objeto de áreas de influência planejamento?
planejamento
A partir de uma ampla discussão com os Planejar para quê? Planejar considerando
diversos segmentos da sociedade deve-se quais princípios? Com que objetivo?
Formulação preliminar buscar o debate intersetorial. Uma instância de Visando atingir o quê? Onde se deseja
dos princípios, planejamento como o conselho deve assumir a chegar?
diretrizes, objetivos e liderança do processo. Nesse momento, deve-
metas se discutir o cenário atual e o desejado a partir
das concepções de mundo de cada segmento
envolvido no processo.
Coleta de dados primários e secundários, tais Quais são as informações relevantes? De
como: clima, topografia, geologia, fauna, flora, quais informações se dispõe? Onde os
recursos hídricos qualidade ambiental existente dados podem ser obtidos? Como esses
(solo, ar, água), aspectos institucionais e legais, dados estão se comportando?
Levantamento de
saneamento ambiental (água, esgoto, manejo
dados
dos resíduos sólidos e das águas pluviais), uso
ocupação do solo, organização social, aspectos
culturais sociais e econômicos, posse da terra,
áreas de conservação, dentre outros.
Deve ser elaborado e discutido o diagnóstico, Qual o cenário da realidade atual?
Diagnóstico e Análise que poderá conter, além de uma parte analítica,
o georreferenciamento das informações.
Realização de conferência para a discussão do Qual a opinião dos diferentes segmentos
diagnóstico e definição coletiva dos princípios, da sociedade?
Conferência
diretrizes, objetivos, metas, programas e
projetos do plano.
Elaboração do plano segundo diagnóstico e Qual a estratégia, o plano necessário para
conferência, com estabelecimento de se alternar o cenário atual?
Elaboração do Plano
mecanismos legais, institucionais e financeiros
para a sua implementação.
Execução do plano com acompanhamento do O que realizar, quando, a que custo? Como
Execução
conselho e da sociedade organizada. está indo a execução do plano?
Avaliação crítica, participativa e democrática do Qual a efetividade do plano – ocorreram as
plano. transformações desejadas? Qual a eficácia
do plano – as metas e objetivos foram
Avaliação
atingidos? Qual a eficiência do plano – as
atividades foram realizadas com custos
compatíveis e nos prazos definidos?

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 81


Plano Municipal de Saneamento Básico
Patrícia Campos Borja

Asaneamento
Lei nº. 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o
básico e para a Política Federal de Saneamento Básico, inaugurou uma nova
face da prestação dos serviços de saneamento no Brasil. Ao estabelecer os instrumentos de
gestão da política de saneamento, a lei elege o planejamento como um item fundamental,
aliado à regulação, fiscalização, prestação dos serviços e participação e controle social.
Pode-se dizer que se inicia no Brasil um período importante marcado pela exigência do
planejamento público das intervenções do Estado no campo do saneamento básico.

O grande protagonista da formulação da política pública de saneamento e,


consequentemente, do planejamento é o titular dos serviços, sendo então reafirmado9 o
preceito constitucional estabelecido no art. 30, a saber:

Art. 30. Compete aos Municípios:


....................................................................................................
V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o transporte
coletivo, que tem caráter essencial [...] (BRASIL, 1988, s.p.).

A lei estabelece a competência do titular dos serviços na formulação da política pública de


saneamento básico, que deverá envolver:

• a elaboração do plano de saneamento básico;


• a prestação direta ou por meio de autorização da delegação dos serviços;
• definição do ente responsável pela sua regulação e fiscalização, bem como os
procedimentos de sua atuação;
• adoção de parâmetros para a garantia do atendimento essencial à saúde pública,
inclusive quanto ao volume mínimo per capita de água para abastecimento público,
observadas as normas nacionais relativas à potabilidade da água;
• fixação dos direitos e deveres dos usuários;
• estabelecimento de mecanismos de controle social;
• estabelecimento de sistema de informações sobre os serviços, articulado com o
Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico;

9 Como a Constituição também prevê, no parágrafo 3º do art. 25, que os Estados, mediante lei complementar, podem fixar normas
para a integração das funções públicas de interesse comum, instituindo regiões metropolitanas e outras figuras, passou haver um
conflito na interpretação da titularidade dos serviços em áreas metropolitanas, aglomerados urbanos e microrregiões. Atualmente, o
Supremo Tribunal Federal-STF está analisando três Ações de Inconstitucionalidade que deverá dirimir tal conflito de interpretação.
Uma vez que a referida ação ainda não tinha sido votada no STF, a estratégia colocada na Lei 11.445/07 foi tratar apenas do titular,
que pode ser lido como município, Estado ou Distrito Federal.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 82


• intervenção e retorno da operação dos serviços delegados, por indicação da
entidade reguladora, nos casos e condições previstos em lei e nos documentos
contratuais.

A lei define que o planejamento para a prestação dos serviços de saneamento básico será
realizado por meio da elaboração de um Plano de Saneamento Básico de competência do
titular do serviço (art. 19 do capítulo IV da Lei nº. 11.445/07). A elaboração desse plano
deve atender aos princípios fundamentais da prestação dos serviços públicos de
saneamento básico, estabelecidos no art. 2 do capítulo 1, a saber:

• universalização do acesso;
• integralidade, compreendida como o conjunto de todas as atividades e
componentes de cada um dos diversos serviços de saneamento básico;
• abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos
resíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do
meio ambiente;
• disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços de drenagem e de
manejo das águas pluviais adequados à saúde pública e à segurança da vida e do
patrimônio público e privado;
• adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as peculiaridades
locais e regionais;
• articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e regional, de habitação,
de combate à pobreza e de sua erradicação, de proteção ambiental, de promoção
da saúde e outras de relevante interesse social voltadas para a melhoria da
qualidade de vida;
• eficiência e sustentabilidade econômica;
• utilização de tecnologias apropriadas, considerando a capacidade de pagamento
dos usuários e a adoção de soluções graduais e progressivas;
• transparência das ações, baseada em sistemas de informações e processos
decisórios institucionalizados;
• controle social;
• segurança, qualidade e regularidade;
• integração das infra-estruturas e serviços com a gestão eficiente dos recursos
hídricos.

O Plano de Saneamento Básico deve conter no mínimo:

• diagnóstico da situação e de seus impactos nas condições de vida, utilizando


sistema de indicadores sanitários, epidemiológicos, ambientais e socioeconômicos
e apontando as causas das deficiências detectadas;
• objetivos e metas de curto, médio e longo prazos para a universalização,
admitidas soluções graduais e progressivas, observando a compatibilidade com os
demais planos setoriais;
• programas, projetos e ações necessárias para atingir os objetivos e as metas, de
modo compatível com os respectivos planos plurianuais e com outros planos
governamentais correlatos, identificando possíveis fontes de financiamento;

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 83


• ações para emergências e contingências;
• mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da eficiência e eficácia
das ações programadas.

Os planos devem envolver um conjunto de:

• diagnósticos e estudos específicos, se for o caso;


• princípios e diretrizes;
• objetivos e metas, que podem ser graduas e progressivas ao longo da execução
do plano;
• prioridades de áreas de intervenção e de investimentos considerando os
diferentes componentes do saneamento básico;
• programas e projetos para o atendimento universal e de qualidade;
• estrutura administrativa para a prestação, regulação, fiscalização e avaliação da
prestação dos serviços;
• atos normativos e procedimentos administrativos.

A programação das ações e dos investimentos


necessários para a prestação universal, integral e
Agora responda: segundo a Lei nº.
atualizada dos serviços é definida com base no 11.445/2007, a quem cabe a elaboração do
estado de salubridade ambiental e nos níveis de Plano de Saneamento Básico? Sob quais
prestação dos serviços públicos. princípios o Plano deve ser elaborado?
________________________________
Visando a possibilitar o pleno exercício da ________________________________
titularidade dos serviços e a consonância entre
________________________________
________________________________
titular e prestador dos serviços, a Lei nº.
________________________________
11.445/2007 condiciona a validade dos ________________________________
contratos de prestação de serviços públicos de ________________________________
saneamento básico à existência de plano de ________________________________
saneamento básico (art. 11, capítulo II da Lei). A ________________________________
validade dos contratos também está ________________________________
condicionada a existência de estudo ________________________________
comprovando a viabilidade técnica e econômico- ______________________________
financeira da prestação universal e integral dos
serviços, nos termos do plano de saneamento básico. Por outro lado, os planos de
investimentos e os projetos relativos ao contrato deverão ser compatíveis com o respectivo
plano de saneamento básico.

Segundo a Lei nº. 11.445/2007, os planos de saneamento básico deverão ser revistos
periodicamente a cada quatro anos, antes da elaboração do Plano Plurianual, devendo
englobar integralmente o território do ente da Federação que o elaborou, exceto quando o
mesmo for regional.

Os planos deverão ser editados pelos titulares, podendo ser elaborados com base em
estudos fornecidos pelos prestadores de cada serviço. No caso da elaboração de planos
específicos das componentes do saneamento, a consolidação e compatibilização devem ser

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 84


efetuadas pelo titular. Mesmo com a delegação dos serviços de saneamento básico, o
prestador deverá cumprir o plano de saneamento básico em vigor.

Os planos deverão estar compatíveis com os planos das bacias hidrográficas em que
estiverem inseridos.

Em consonância com o princípio da transparência das ações e do controle social as


propostas dos planos e os estudos que os fundamentam devem ser amplamente divulgados,
inclusive com a realização de audiências ou consultas públicas (parágrafo 5º do art. 19, do
capítulo IV). O art. 51 da referida lei determina que nas consultas ou audiências públicas
deverá estar previsto o recebimento de sugestões e críticas e a análise e opinião de órgão
colegiado quando da sua existência. A divulgação do plano e dos estudos deve se dar por
meio da disponibilização integral de seu teor a todos os interessados, inclusive por meio da
internet.

Cabe a entidade reguladora e fiscalizadora dos serviços, a responsabilidade da verificação


do cumprimento dos planos de saneamento por parte dos prestadores de serviços, na forma
das disposições legais, regulamentares e contratuais.

Nos serviços regionalizados, ou seja, com apenas um prestador do serviço para vários
Municípios, contíguos ou não, deverá haver compatibilidade de planejamento. Poderá ser
elaborado um Plano para o conjunto de municípios atendidos (art. 17 do Capítulo III, da Lei
nº. 11.445/07).

Os planos de saneamento passam a ser instrumento importante não só para o planejamento


e avaliação da prestação dos serviços como também para aquisição de financiamentos. Isso
porque, segundo a Lei nº. 11.445/07, a alocação de recursos federais será feita em
conformidade com as diretrizes e objetivos da Política Federal de Saneamento Básico
estabelecidos nos seus art. 48 e 49 e com os planos de saneamento básico. Ou seja, os
Planos passam a ser um referencial para obtenção de recursos.

O processo de elaboração de um Plano


Plano Municipal
Municipal de Saneamento Básico10

Para elaboração do Plano Municipal de Saneamento Básico, faz-se necessário que o Poder
Público Municipal tome a decisão política de realizá-lo. Assim sendo, a Prefeitura Municipal
deverá formar uma equipe de preferência com representantes e técnicos responsáveis pelos
serviços de saneamento básico, quais sejam: abastecimento de água, esgotamento sanitário,
limpeza pública e manejo dos resíduos sólidos e das águas pluviais. Caso a Prefeitura não
tenha capacidade técnica para elaborar o Plano, poderá buscar auxílio em Universidades
Públicas, via projetos de extensão universitária, ou, ainda, solicitar recursos junto ao
governo federal. No entanto, a Prefeitura não deve abrir mão da condução/direção do
processo.

10 Adaptado de Brasil (2005).

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 85


A elaboração do plano deve contemplar a participação crítica da população desde a fase do
diagnóstico, passando pelo acompanhamento de sua realização, incluindo os processos de
decisão quanto às suas diretrizes, princípios, metas, programas, projetos e ações.

Para a elaboração do plano, recomenda-se a formação de duas instâncias:

 Grupo Executivo, composto por técnicos e consultores das secretarias municipais


responsáveis pelos serviços de saneamento básico e das que tenham interface com
esses serviços, bem como por professores, pesquisadores e estudantes da(s)
universidade(s) que possam vir a se inserir no processo.

 Comitê Consultivo, instância formada por representantes (autoridades e/ou


técnicos) das instituições do Poder Público municipal, estadual e federal/nacional
relacionadas com o saneamento ambiental. Além dessas representações, esse
Comitê deverá contar com os membros do Conselho Municipal de Saneamento
Ambiental, de Saúde, de Meio Ambiente, caso existam, e de representantes de
organizações da Sociedade Civil (entidades do Movimento Social, entidades sindicais
e profissionais, grupos ambientalistas, entidades de Defesa do Consumidor, dentre
outras).

O Grupo Executivo tem como atribuições, dentre outras:

− elaborar o diagnóstico da situação do saneamento ambiental e de seus serviços no


município;
− avaliar estudos, projetos e planos existentes dos diferentes componentes do
saneamento ambiental, bem como outros que tenham relação com o saneamento
ambiental;
− propor ações para implementação ou melhoria dos serviços de saneamento
ambiental do ponto de vista técnico e institucional.

O Comitê Consultivo tem como atribuições, dentre outras:

− discutir e avaliar, mensalmente ou a cada dois meses, o trabalho produzido pelo


Grupo Executivo;
− criticar e sugerir alternativas, caso necessário, auxiliando o trabalho do Grupo
Executivo na elaboração do plano;
− avaliar o andamento dos trabalhos do ponto de vista da sua viabilidade técnica,
operacional, financeira, social, ambiental e institucional, buscando promover a
integração das ações de saneamento ambiental.

O tempo de duração para elaboração do plano é, em média, de doze meses, a depender do


contexto e das condições locais.

O Quadro 7 apresenta as etapas e atividades para a elaboração, aprovação,


institucionalização e implementação do Plano.
Plano

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 86


Quadro 7 – Etapas e Atividades para o Desenvolvimento de Plano Municipal
de Saneamento Básico
Etapa Atividades
− Definir princípios, diretrizes e conceitos básicos do Plano à luz da Lei nº. 11.445/2007.
− Elaborar diagnóstico da situação atual da prestação dos serviços de saneamento básico,
identificando as carências e determinando a demanda reprimida e futura.
− Estabelecer objetivos e metas de curto, médio e longo prazos para a universalização dos serviços
de saneamento básico, considerando a integralidade das ações, a prestação dos serviços de
forma equânime, regular e de qualidade.
− Realizar orientações gerais e específicas para cada órgão/prestador dos serviços responsáveis ou
1a Etapa relacionados com o saneamento básico.
− Identificar os impactos da situação de saneamento nas condições de vida, utilizando sistema de
Fundamentos indicadores sanitários, epidemiológicos, ambientais e socioeconômicos e apontando as causas
das deficiências detectadas.
− Desenvolver estudo comprovando a viabilidade técnica e econômico-financeira da prestação
universal e integral dos serviços.
− Discutir as diretrizes do Plano em reunião pública do Comitê Consultivo com participação dos
diversos setores da sociedade.
− Realizar prognóstico com avaliação das condições atuais e projeção para o horizonte proposto
pelo Plano, considerado o Plano Diretor Urbano, caso exista.
− Apresentar as conclusões da primeira etapa ao Comitê Consultivo em reunião pública para crítica
e encaminhamento de propostas.
− Realizar proposições contemplando os seguintes itens:
. Diretrizes para a ação municipal (obras, serviços e ações intersetoriais relacionadas aos
serviços de saneamento básico).
. Estrutura administrativa para a gestão dos serviços de saneamento, envolvendo planejamento,
regulação, fiscalização, prestação dos serviços e avaliação das ações, com definição de
competências.
. Sistema de avaliação permanente e integrado ao sistema de planejamento municipal.
a
2 Etapa . Prioridades de investimentos com orientação para o cronograma de implantação.
Propostas − Definir programas, projetos e ações necessárias para atingir os objetivos e as metas, de modo
compatível com os respectivos planos plurianuais e com outros planos governamentais correlatos,
identificando possíveis fontes de financiamento
− Definir ações para emergências e contingências
− Definir mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da efetividade, eficiência e
eficácia das ações programadas.
− Discutir as proposições em reuniões públicas do Comitê Consultivo.
− Realizar Audiência Pública, com a devida publicidade e disponibilização das peças do Plano, para
a população e segmentos organizados, com o objetivo de dirimir dúvidas, debater as críticas e as
sugestões do Relatório Final do Plano.
− Realizar as alterações do Plano à luz da Audiência Pública e encaminhar o Plano ao Conselho
Municipal de Saneamento Básico, caso exista, ou ao Poder Legislativo Municipal.
a − Discussão pelo Conselho Municipal de Saneamento Básico, ou similar, ou pelo Poder Legislativo
3 Etapa Municipal.
Aprovação − Aprovação pelo Conselho Municipal de Saneamento Básico, ou similar, ou pelo Poder Legislativo
Municipal e, em caso deste, sanção da Lei pelo Prefeito Municipal.
a − Elaboração de resoluções do Conselho ou decretos regulamentadores.
4 Etapa − Realização das alterações administrativas necessárias para implementar o Plano.
Institucionalização
− Realização de previsões orçamentárias.
a
5 Etapa − Implementação das ações propostas no Plano.
Implementação

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 87


Obviamente que o nível de detalhamento do plano depende da capacidade técnica dos
titulares dos serviços. No entanto, esses podem buscar apoio dos prestadores dos serviços,
de uma Universidade Pública ou ainda um financeiro de instituição pública para contratação
de equipe técnica.

Algumas diretrizes para um serviço de saneamento básico justo do ponto de vista social e
ambiental11

Um serviço de saneamento básico social e ambientalmente justo deve ser concebido,


implantado, operado, mantido e avaliado levando-se em consideração o ambiente físico-
natural, o ambiente político-social, cultural, institucional e financeiro. Para tanto, os
sistemas devem atender aos seguintes pressupostos:

No ambiente físico natural:

• minimização, redução, reutilização, reciclagem, coleta tratamento e disposição final


adequada de resíduos líquidos e sólidos, incluindo os resíduos inerentes à operação
e manutenção dos sistemas de saneamento;
• disponibilidade de recursos hídricos para suprimento de água da população de
projeto em quantidade e qualidade, assim como para o suprimento de água para
outras atividades essenciais à reprodução social, sem que sejam afetados os
ecossistemas locais;
• quando da adoção de soluções tecnológicas coletivas de esgotamento sanitário,
garantia da absorção das cargas poluidoras pelo corpo receptor tanto dos efluentes
das Estações de Tratamento de Esgoto - ETE, quanto dos resíduos das Estações de
Tratamento de Água – ETA;
• manejo das águas pluviais de forma a garantir a preservação (ao máximo) da rede de
escoamento natural e a manutenção das áreas de preservação permanente ou sua
recuperação e, também, permitir as áreas de recarga de aqüíferos e o
aproveitamento para consumo doméstico em usos não potáveis.

No ambiente social:

• participação da população no planejamento e concepção dos sistemas e no


acompanhamento da implantação, operação e manutenção dos mesmos;
• tecnologias apropriadas à capacidade de pagamento da população local;
• equidade na distribuição dos serviços;
• modicidade dos preços, taxas e tarifas; e
• disponibilidade de instalações hidráulicas e sanitárias.

11 Adaptado de Borja (2002).

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 88


No ambiente cultural:

• tecnologias apropriadas à cultura local ou a capacidade local de apreender novas


tecnologias, cabendo ao prestador do serviço promover amplas discussões para a
seleção das tecnologias a serem utilizadas e ações no sentido de buscar a inovação
tecnológica
• comportamentos e práticas sanitárias por parte da população para a disposição
adequada dos resíduos sólidos e líquidos.

No ambiente institucional e financeiro:

• presença de instrumentos legais e institucionais para a garantia de níveis adequados


de prestação de serviços;
• presença de instrumentos de planejamento continuado que incorpore a participação
e controle social;
• presença de uma política que promova a ação interinstitucional e intersetorial;
• existência de plano de investimentos e dotação orçamentária;
• estrutura tarifária compatível com a condição social da população e com a natureza
do serviço de saneamento;
• disponibilidade de recursos humanos com capacitação continuada e compatível ao
bom desempenho das atividades;
• disponibilidade de equipamento e pessoal para a operação e manutenção dos
serviços;
• presença de uma política de comunicação social e de atendimento à população que
garanta os direitos do cidadão;
• presença de programas de educação ambiental, de controle e vigilância da qualidade
da água de consumo humano, de controle e proteção ambiental e de programas para
a atualização tecnológica.

Escreva aqui algo que achou importante.

_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
____________________________________________________

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 89


Estudo de Caso: Plano Municipal de
Saneamento Ambiental de A
Alagoinhas
lagoinhas12
Luiz Roberto
Roberto Santos
Santos Moraes
Moraes
Maria das Graças
Graças de Castro
Castro Reis
Reis
Maria
Viviana M Zanta
aria Z anta
Lafayette Dantas
Dantas da Luz
Luz
Sílvio Roberto Magalhães Orrico
Orrico
Nélia Lima
Lima Machado
Machado
Severino Soares
Soares Agra
Agra Filho
Filho
Sérgio Augusto
Augusto de Morais
Morais Nascimento
Nascimento
Bruno JJardim Silva
ardim da S ilva

O melhorar
saneamento ambiental pode ser compreendido como o conjunto de ações que visam
a salubridade ambiental e que contemplam o abastecimento de água em
quantidade e qualidade, a coleta, tratamento e disposição final adequada dos resíduos
líquidos, sólidos e gasosos, a prevenção e o controle do excesso de ruídos, a drenagem das
águas pluviais, promoção da disciplina sanitária do uso e ocupação do solo, o controle
ambiental de vetores de doenças transmissíveis e demais serviços e obras especializados,
buscando contribuir para prevenir doenças e promover a saúde, o bem-estar e a cidadania
(MORAES, 1994).

As condições de salubridade ambiental na maioria dos municípios brasileiros são ainda


muito precárias devido à ausência ou deficiência de serviços públicos de saneamento
ambiental, o que é agravado pela falta de planejamento em nível municipal. Isso tem
conduzido a intervenções fragmentadas e/ou descontinuadas, representando um grande
desperdício de recursos e mostrando uma baixa eficácia, além da manutenção de grande
passivo socioambiental.

Em relação às pequenas localidades, a situação dos serviços de saneamento ambiental,


segundo avaliações realizadas pelo governo brasileiro, tem se caracterizado pelos baixos
níveis de atendimento, com impactos negativos nas condições de vida e de bem-estar da
população e, conseqüentemente, no seu grau de desenvolvimento. Tal precariedade é
produto da inexistência de uma política de saneamento ambiental para pequenas
localidades claramente definida.

Uma maneira de fortalecer os municípios é a retomada do planejamento por meio do


processo de elaboração do Plano Municipal de Saneamento Ambiental, de uma forma
democrática e que considere os princípios de universalidade, equidade, integralidade,
intersetorialidade, sustentabilidade e participação e controle social.

12 Adaptado de trabalho publicado pelos mesmos autores em: SIMPÓSIO LUSO-BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL,
XII., 2006, Figueira da Foz. Anais... Figueira da Foz-Portugal: APRH, APESB, ABES, 2006. 1 CD ROM.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 90


Visando atender a Lei Municipal no. 1.460/2001, que institui a Política de Saneamento
Ambiental de Alagoinhas e cria o Sistema Municipal de Saneamento Ambiental, incluindo
entre seus instrumentos o Plano Municipal de Saneamento Ambiental, a atual administração
da Prefeitura Municipal de Alagoinhas envidou esforços para retomar o planejamento das
ações e serviços de saneamento ambiental. Nesse sentido, buscou, em parceria com a
Universidade Federal da Bahia, desenvolver uma metodologia e elaborar o Plano Municipal
de Saneamento Ambiental.

A presente comunicação tem como objetivo apresentar a metodologia, o processo e os


resultados da elaboração do Plano Municipal de Saneamento Ambiental de Alagoinhas.

Plano de Saneamento Ambiental de Alagoinhas: a sua origem


origem e elaboração

O Município de Alagoinhas-BA, localizado a 108km de Salvador na Região Norte do Estado


possui, segundo o censo do IBGE 2000, uma população de 130.095 habitantes. Conhecida
como a “terra das laranjas”, a cidade cresceu às margens da linha férrea da antiga Leste do
Brasil, o que lhe conferiu ao longo de sua história uma força nos movimentos sociais devido
às diversas lutas travadas pelos trabalhadores deste segmento da sociedade.

Em 2001, o Partido dos Trabalhadores, em aliança


com outros partidos políticos, assumiu o governo A Lei Municipal de Saneamento
municipal de Alagoinhas, quando o município Ambiental de Alagoinhas foi elaborada
ostentava uma amarga herança marcada pela crise com participação popular.
instalada nos setores administrativos, cujo reflexo Aproximadamente 5.000 pessoas
participaram do processo. Os diversos
traduzia-se na dificuldade de acesso da população
segmentos da sociedade participaram
aos serviços essenciais básicos (ALAGOINHAS, das discussões, assim como
2001). Diante de um controle social fragilizado, o representantes do Poder Público
governo local foi impulsionado a adotar uma política Municipal.
transformadora baseada em princípios
democráticos, priorizando os sujeitos sociais na
definição dos rumos de gerenciamento do município e como co-partícipes nos processos
decisórios dos problemas vivenciados pela população. Nessa direção, a Prefeitura Municipal
de Alagoinhas e o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) firmaram-se no cenário
brasileiro a unir duas importantes diretrizes da administração municipal: a participação
social nos processos decisórios e a prevenção e promoção da saúde ao instituir a 1º
Conferência Municipal de Saneamento Ambiental – um evento histórico no município e
pioneiro, ocorrido no período de maio a junho de 2001, contando com a participação de
aproximadamente 5.000 pessoas e 166 delegados (131 eleitos e 35 natos). O principal fruto
desta Conferência foi a Lei Municipal de Saneamento Ambiental (Lei nº. 1.460/01), a
primeira instituída no país elaborada plenamente com a participação popular. Exemplo para
o Brasil, pois há um vazio em arcabouço jurídico-institucional na área de Saneamento
Ambiental, e para o mundo, mostrando que é possível formular políticas públicas com
participação popular.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 91


A falta de uma política municipal de saneamento ambiental, de controle social e de acesso a
serviços essenciais e de qualidade e, sobretudo, a falta de recursos financeiros para a gestão
dos referidos serviços no município de Alagoinhas, aliadas ao compromisso e à decisão
política da Prefeitura Municipal de ampliar o acesso e melhorar a qualidade dos mesmos,
levou o Governo Municipal e a sociedade, em 2001, a dar início a um processo de discussão
sobre o assunto. Assim, a prefeitura, visando a conhecer melhor os problemas e buscar
soluções, bem como a formular e implementar uma política de saneamento ambiental para o
município com participação e controle social, realizou - de forma organizada, participativa e
democrática - a 1a. Conferência Municipal de Saneamento Ambiental de Alagoinhas (1a.
CMSA-A).

Fruto de um amplo processo de construção com representantes de instituições


governamentais e representantes da sociedade civil, a 1a. CMSA-A foi produzida a partir de
uma comissão que teve o objetivo de coordenar, planejar, organizar, definir as pré-
conferências e os critérios para escolha de delegados, de elaborar regimento interno,
sistematizar diagnósticos e propostas, elaborar o Caderno da Conferência e criar todas as
condições para a sua realização. Nas dezessete pré-conferências regionais realizadas em
maio de 2001, os delegados eram eleitos em número proporcional à população de cada
região. Todos os delegados eleitos, titulares e suplentes, tinham a atribuição de elaborar
junto com suas comunidades um diagnóstico participativo. Realizaram-se quatro pré-
conferências temáticas sobre Recursos Hídricos e Abastecimento de Água; Esgotamento
Sanitário e Drenagem de Águas Pluviais; Resíduos Sólidos e Controle de Vetores; e Gestão do
Saneamento Ambiental, em junho de 2001.

Nas vinte e uma pré-conferências participaram das discussões 5.000 pessoas e foram
eleitos 131 delegados. Coube à Comissão Organizadora a sistematização dos diagnósticos
participativos para elaboração do Caderno da Conferência que também contou com
diagnóstico dos serviços públicos de saneamento ambiental na visão do Governo e com
propostas para discussão elaboradas pelos órgãos municipais, bem como a definição das
temáticas da Conferência.

A 1a. CMSA-A foi realizada entre 06 e 08 de julho de 2001, com a participação de 166
delegados, sendo 35 natos (representantes do Governo Municipal e Comissão
Organizadora).

Uma comissão composta de representantes da sociedade civil e do poder público foi eleita
na plenária final da 1a. CMSA-A com a atribuição de elaborar e encaminhar ao Poder
Executivo uma proposta de Política Municipal de Saneamento Ambiental e o estabelecimento
de um Sistema Municipal de Saneamento Ambiental. A proposta a ser elaborada deveria
contemplar os pontos discutidos e deliberados, quais sejam: os princípios de universalidade
(o acesso é direito de todos), equidade (todos os cidadãos têm direito a serviços de
qualidade), integralidade (acesso a todos os componentes do saneamento, de acordo com a
necessidade dos cidadãos) e participação e controle social (capacidade que os cidadãos têm
de interferir na gestão pública, colocando as ações do Estado na direção dos interesses da
comunidade) na prestação dos serviços. O sistema municipal teria como instâncias de
controle social a Conferência e o Conselho de Saneamento Ambiental, este último com 75%

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 92


de representantes da sociedade civil, além de instrumentos como o Plano Municipal de
Saneamento Ambiental, o Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e o Sistema de
Informações em Saneamento Ambiental.

O Poder Executivo Municipal honrou o compromisso assumido publicamente na 1a. CMSA-A


e encaminhou, em novembro de 2001, para a Câmara de Vereadores a proposta elaborada
pela Comissão como o seu projeto de Lei. A Câmara de Vereadores apreciou e aprovou o
projeto de Lei, resultando na Lei nº. 1.460/01, que dispõe sobre a Política Municipal de
Saneamento Ambiental, sancionada em 03/12/01 pelo Prefeito Municipal, passando
Alagoinhas a ser o primeiro município do país a ter sua política de saneamento construída
com participação da sociedade, por meio de processo de Conferência.

O Plano de Municipal de Saneamento Ambiental elaborado pelo Poder Público de Alagoinhas


encontra-se em consonância com o previsto nos artigos 13 e 15 da Lei nº. 1.460/01:

Art.13. A Política Municipal de Saneamento Ambiental de Alagoinhas contará,


para execução das ações dela decorrentes, com o Sistema Municipal de
Saneamento Ambiental de Alagoinhas – SMSB.
Art.15. O Sistema Municipal de Saneamento Ambiental é composto dos
seguintes instrumentos:
I - Plano Municipal de Saneamento Ambiental – PMSA;
II – Conferência Municipal de Saneamento Ambiental – COMUSA;
III – Conselho Municipal de Saneamento Ambiental – CMSA;
IV – Fundo Municipal de Saneamento Ambiental – FMSA;
V – Sistema Municipal de Saneamento Ambiental – SMIS (ALAGOINHAS, 2001,
p.10-11).

Assim, o SMSA conta com instrumentos de controle social que permitem à sociedade civil
organizada interagir com o governo municipal nas decisões definindo os critérios e
prioridades nas ações do Saneamento Ambiental.

Bergman (1992, p.6) define controle social como a:

fiscalização direta da sociedade civil nos processos de gestão pública [...] é a


apropriação pela sociedade organizada, dos meios e instrumentos de
planejamento, fiscalização e análise [...]. A autora considera o controle social
como a possibilidade da sociedade civil interagir com o governo municipal
para estabelecer prioridades e definir políticas que atendam às necessidades
da população.

Para Carvalho (1995, p.8), “o controle social envolve a capacidade que a sociedade tem de
interferir na gestão pública, orientando ações do estado e os gastos estatais na direção dos
interesses da coletividade”.

Este Plano de Saneamento Ambiental elaborado a A elaboração de um plano municipal de


partir de uma instância deliberativa de caráter
saneamento de forma participativa torna-
se parte do controle social.
popular cria condições favoráveis a sua execução.
Traz resultados concretos, pois em seu conteúdo há

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 93


vários enfoques conjugados e interconectados no sentido de retratar interesses de forma
precisa e de responder a demandas, vinculando conhecimento técnico com aspectos
relevantes das comunidades envolvidas. Nesse caso, o Plano de Saneamento Ambiental, em
sua essência, torna-se parte do controle social ou, até mesmo, representa o planejamento
técnico apropriado pelo controle social, conjugado, realizado de forma sincrônica. Nele, a
opinião da população soma-se ao conhecimento acadêmico, configurando uma terceira
lógica em que as partes se complementam, humanizando o conhecimento e tornando
orgânica a execução do planejamento público na área de saneamento ambiental.

Metodologia

O Plano contempla, a partir de uma perspectiva integrada, a avaliação quali-quantitativa dos


recursos hídricos e o licenciamento ambiental. Para a sede do município
(118.000habitantes), abrange os componentes: abastecimento de água, esgotamento
sanitário, drenagem urbana e resíduos sólidos, incluindo geotecnia ambiental do aterro
sanitário e remediação do antigo lixão. Para sete localidades na área rural (500-
1.500habitantes), o plano envolve ações locais de abastecimento de água e disposição de
excretas humanos/esgotos sanitários, sendo que em quatro dessas, também haverá o
manejo de resíduos sólidos, tendo como eixo principal a participação comunitária. A
proposta de integração do plano inclui, ainda, considerar a sustentabilidade administrativa,
financeira e operacional dos serviços e a utilização de tecnologias apropriadas.

Entendendo que o Plano tem como objetivo definir estratégias de ações integradas para o
saneamento ambiental, ordenar atividades, identificar serviços necessários e estabelecer
prioridades, a metodologia utilizada para sua elaboração consistiu na formação de um
Grupo Executivo composto pôr técnicos dos órgãos do município responsáveis pelo
saneamento ambiental e de áreas relacionadas e pela equipe da Universidade Federal da
Bahia (professores/pesquisadores e estudantes de graduação dos cursos de Engenharia
Sanitária e Ambiental e de Geologia e de pós-graduação em Geoquímica e Meio Ambiente)
respaldado pelo Comitê Consultivo; este formado pela sociedade civil organizada e órgãos
públicos ligados ao Saneamento Ambiental. A Figura 6 ilustra modelo criado para elaboração
do Plano.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 94


GRUPO
EXECUTIVO

Equipe da Equipe da
Prefeitura UFBA

Reuniões do
Elaboração do PMSA Comitê
Consultivo

Análise e aprovação do PMSA pelo Conselho


Municipal de Saneamento Ambiental

Apreciação e aprovação do Projeto de Lei do Plano Municipal de


Saneamento Ambiental pela Câmara de Vereadores

Figura 6 - Fases do processo de elaboração e aprovação do


Plano Municipal de Saneamento Ambiental de Alagoinhas

Resultados e Discussão

O Plano, iniciado em abril de 2003 e concluído em setembro de 2004, foi elaborado pelo
Grupo Executivo formado por professores e pesquisadores da Universidade Federal da Bahia,
estudantes de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFBA, técnicos do SAAE e das Secretarias
de Serviços Públicos, Obras e Urbanismo, de Saúde, de Planejamento, Desenvolvimento
Econômico e Meio Ambiente, e de Educação da Prefeitura Municipal de Alagoinhas.

O Grupo Executivo teve como atribuições realizar: i) o diagnóstico da situação do


saneamento ambiental e de seus serviços no município; ii) avaliar os estudos, projetos e
planos existentes dos diferentes componentes do saneamento ambiental e de outras
atividades que interfiram ou se relacionem com as ações de saneamento ambiental; e iii)
propor ações necessárias para implementação ou melhoria dos serviços de saneamento
ambiental do ponto de vista técnico e institucional.

Numa periodicidade mensal, o trabalho produzido pelo Grupo Executivo foi apresentado,
discutido e avaliado por um Comitê Consultivo, instância formada por representantes
(autoridades ou técnicos) das instituições do Poder Público municipal, estadual e federal
relacionadas com o saneamento ambiental, bem como por representantes de organizações
da Sociedade Civil. As instituições/entidades eram formalmente convidadas a participar da
reunião do Comitê Consultivo por meio de ofício encaminhado pela coordenadora da equipe
da Prefeitura, que compunha o Grupo Executivo do Plano. A esse ofício eram anexados
resumos das exposições a serem realizadas em cada reunião mensal, que contavam com a
participação de 60 a 200 representantes. As críticas e sugestões do Comitê Consultivo
ajudaram a reorientar o trabalho do Grupo Executivo e foram incorporadas ao Plano.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 95


As etapas e atividades necessárias à elaboração, aprovação, estruturação e implementação
do Plano são:

• 1a Etapa - Fundamentos

a. Diretrizes e conceitos básicos com orientações gerais e específicas de cada órgão


relacionado com o saneamento ambiental.
b. Discussão das diretrizes do Plano em reunião pública do Comitê Consultivo com
participação dos diversos setores da sociedade na sua elaboração.
c. Complementação e detalhamento do diagnóstico com levantamento da situação
atual, identificação das carências e determinação da demanda reprimida.
d. Prognóstico com avaliação das condições atuais e projeção para o horizonte
proposto pelo Plano, considerado o Plano Diretor Urbano existente.

a
• 2 Etapa - Propostas

a. Apresentação das conclusões da primeira etapa ao Comitê Consultivo em reunião


pública para crítica e encaminhamento de propostas.
b. Proposições contempladas:
- Diretrizes para a ação municipal (obras, serviços e gestão dos serviços de
saneamento ambiental)
- Estrutura administrativa para a gestão do Plano e definição de competências.
- Sistema de avaliação permanente e integração ao sistema de planejamento.
- Prioridade com orientação para o cronograma de implantação.
c. Discussão das proposições em reuniões públicas do Comitê Consultivo.
d. Seminário final para o Comitê Consultivo visando discussão do relatório e
encaminhamento do Plano ao Conselho Municipal de Saneamento Ambiental para
apreciação e aprovação e depois encaminhamento de projeto de Lei do Plano à
Câmara de Vereadores.

a
• 3 Etapa - Aprovação

a. Discussão do PL do Plano na Câmara de Vereadores.


b. Aprovação do PL do Plano pela Câmara de Vereadores e sanção da Lei do Plano pelo
Exmo. Sr. Prefeito.

a
• 4 Etapa - Estruturação

a. Elaboração de decretos regulamentadores.


b. Alterações administrativas para implementar o sistema.
c. Previsões orçamentárias.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 96


a
• 5 Etapa – Implementação das ações propostas no Plano

O processo de elaboração, envolvendo a mobilização e participação de técnicos locais,


principalmente os do poder público municipal e de instituições estadual e federal pode
representar uma oportunidade inicial para a integração intra e interinstitucional, bem como
para o diálogo e engajamento da sociedade civil local organizada. O produto, materializado
pelo relatório do Plano, é de grande utilidade para o planejamento e gestão dos serviços
locais de saneamento ambiental, além de se constituir um norteador das ações a serem
implementadas.

O Plano Municipal de Saneamento Ambiental de Alagoinhas, no que se refere ao seu


relatório, é apresentado em dois tomos. O primeiro deles, básico e referencial, se propõe a
caracterizar o espaço objeto do estudo, historiar e diagnosticar, estabelecer termos
referenciais e direcionamentos básicos, além de apresentar proposições para as diferentes
componentes do saneamento ambiental da sede municipal, sendo composto de três
volumes. O Tomo II apresenta, a partir de estudos e diagnósticos, proposições para os
serviços e projetos dos sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário de
sete localidades e dos sistemas de resíduos sólidos de quatro localidades selecionadas pela
Prefeitura Municipal, sendo composto de sete volumes.

Conclusão

A metodologia para elaboração do Plano Municipal de Saneamento Ambiental é simples,


podendo ser adaptada à realidade técnico-institucional de cada município, o custo para sua
elaboração não é elevado, dependendo apenas, para sua realização e implementação, de
vontade e decisão política do Poder Público local.

O produto, materializado pelo relatório do Plano, configura-se como de grande utilidade


para o planejamento e gestão dos serviços locais de saneamento ambiental e como
norteador das ações a serem implementadas. Ressalte-se, porém, que o Plano extrapolou o
relatório na sua metodologia de elaboração, previu e realizou reuniões públicas mensais
com a participação de técnicos e administradores de instituições do Município, do Estado e
da União, e de representantes de organizações da Sociedade Civil local, nas quais a questão
Saneamento Ambiental foi discutida e avaliada.

Possibilitou-se, desta forma, um processo dinâmico e auto-regulador, em que mudanças de


rumo, prioridade de estudos e propostas eram definidos coletivamente. Assim, uma espécie
de processo educacional foi acionado. Além disso, elementos metodológicos e formas de
trabalhar a questão ambiental relacionados à própria cultura existente no quadro funcional
da Prefeitura Municipal foram considerados e criticados.

Prevêem-se a implementação das ações propostas, avaliação e complementação permanente


do plano ora iniciado, sob a batuta do Conselho Municipal de Saneamento Ambiental de
Alagoinhas, na medida em que este plano é concebido como processo de planejamento e
não como um documento que se finaliza nos limites de um relatório conclusivo.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 97


Identifique as diferentes metodologias que podem ser adotadas para
a elaboração de um Plano Municipal de Saneamento Básico.

_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 98


Referências

ALAGOINHAS. Lei nº. 1.460/01, de 03 de Dezembro de 2001. Dispõe sobre a Política


Municipal de Saneamento Ambiental de Alagoinhas. Alagoinhas: Prefeitura Municipal de
Alagoinhas, 2001.

____. Relatório de Gestão 2001. Alagoinhas: Secretaria Municipal de Saúde, 2001. 94p. Não
publicado.

ANDRADE NETO, Cícero Onofre. Apostila do curso sobre sistema condominial de esgotos.
Rio de Janeiro. ABES, 1994. Não publicado.

____. Participação da comunidade na implantação e na operação de sistemas de esgotos. In:


CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, 20., 1999, Rio de
Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ABES, 1999. 1 CD-ROM.

ARACAJU. Lei nº. 2.788, de 15 de março de 2000. Dispõe sobre a Política Municipal de
Saneamento, seus instrumentos e dá outras providências. Aracaju: Câmara Municipal de
Aracaju, 2000.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA.. Pelo Direito Universal à


Saúde. Contribuição da ABRASCO para os debates da VIII Conferência Nacional de Saúde. Rio
de Janeiro: ABRASCO, 1985.

BAHIA. Constituição do Estado da Bahia. Salvador: Assembléia Legislativa do Estado da


Bahia, 1989.

____. Projeto de Lei nº. 10.105, de 1993. Dispõe sobre a Política Estadual de Saneamento e
dá outras providências. Salvador: Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, 1993.

BANCO MUNDIAL. Regulação do Setor Saneamento no Brasil. Prioridades Imediatas. Brasília:


Banco Mundial, 1999. 14p. Não Publicado.

BELO HORIZONTE. Lei nº.. 8.260, de 03 de dezembro de 2001. Dispõe sobre a Política
Municipal de Saneamento de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Câmara Municipal de Belo
Horizonte, 2001.

BENJAMIN, A. H. Aspectos jurídicos que envolvem o direito ao saneamento ambiental.


Brasília: Câmara dos Deputados, 2003. Não publicado.

BERGMAN, A G. O exercício do controle social no município. In: Seminário A Saúde que


Queremos. Aracaju: Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde, 1992. Não
publicado.

BORJA, Patrícia C. et al. Cenário do Saneamento Básico no Brasil – Um enfoque sobre áreas
atingidas pela Seca e pelo projeto para a Redução da Mortalidade Infantil (PRMI). Brasília:
OPAS, 1998. Documento elaborado para a Organização Pan-Americana da Saúde,
Representação do Brasil. Não Publicado.

BORJA, Patrícia C.; ELBACHÁ, Adma T. Política de Saneamento do Estado da Bahia: Uma
avaliação crítica. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, 18.,
1995, Salvador. Anais... Rio de Janeiro: ABES, 1995.

BORJA, Patrícia Campos. O conceito de sustentabilidade dos serviços de saneamento:


controvérsias e ambigüidades. In: SIMPÖSIO LUSO-BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E
AMBIENTAL, X, Braga – Portugal, 16 a 19 de setembro de 2002. Anais... Braga:
APESB/APRH/ABES, 2002. 18p. 1 CD-ROM.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 99


____. Política de Saneamento, Instituições Financeiras Internacionais e Mega-programas: Um
olhar através do Programa Bahia Azul. 2004. 400f. Tese (Doutorado em Urbanismo) –
Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo, Universidade Federal da Bahia, Salvador.

BRASIL. Ministério das Cidades. Brasília (DF). Disponível em:


http://www.pmss.gov.br/pmss/PaginaCarrega.php?EWRErterterTERTer=128. Acesso em 19
jul. 2007c.

BRASIL, Núcleo de Pesquisas em Informações Urbanas da Universidade de São Paulo.


Fundamentos e Proposta de Ordenamento Institucional. Série Modernização do Setor
Saneamento. Vol. 1. Brasília: Ministério do Planejamento e Orçamento/Secretaria de Política
Urbana/IPEA, 1995.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília (DF): Congresso Nacional,


1988.

BRASIL. Projeto de Lei nº. 053, de 1991. Dispõe sobre a Política Nacional de Saneamento e dá
outras providências. Brasília (DF): Congresso Nacional, 1991.

BRASIL. Projeto de Lei da Câmara nº. 199, de 1993. Dispõe sobre a Política Nacional de
Saneamento e dá outras providências. Brasília (DF): Congresso Nacional, 1993.

BRASIL. Projeto de Lei do Senado nº. 266, de 1996. Estabelece Diretrizes para o Exercício do
poder concedente e para o inter-relacionamento entre União, Estados, Distrito Federal e
Municípios em matéria de serviços públicos de saneamento, e dá outras providências.
Brasília (DF): Congresso Nacional, 1996.

BRASIL. Lei no. 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da
Constituição Federal e estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras
providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCoIVIL/LEIS/LEIS_2001/L10257.htm> Acesso em: 30 jul.
2007b.

BRASIL. Projeto de Lei do Executivo nº. 4.147, de 2001. Institui Diretrizes Nacionais para
Saneamento Básico e dá outras providências. Brasília (DF): Congresso Nacional, 2001a.

BRASIL. Lei nº. 11.079, de 30/12/2004. Institui normas gerais para licitação e contratação
de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Brasília (DF): Câmara dos
Deputados, 2004.

BRASIL. Projeto de Lei do Executivo nº. 5.296, de 2005. Institui Diretrizes Nacionais para os
Serviços de Saneamento Básico e a Política Nacional de Saneamento Básico. Brasília (DF):
Congresso Nacional, 2005a.

BRASIL. Política e Plano Municipal de Saneamento Ambiental: Experiências e Recomendações.


Brasília (DF): OPAS/Ministério das Cidades, 2005b. (Elaborado por MORAES, Luiz Roberto
Santos; BORJA, Patrícia Campos).
BRASIL. Ministério das Cidades. Guia para elaboração de Planos Municipais de Saneamento/
Ministério das Cidades. Brasília (DF): M Cidades,2006.152p.

BRASIL. Decreto nº. 6.017 de 17 de Janeiro de 2007. Regulamenta a Lei nº. 11.107. Brasília
(DF): Diário Oficial da União, 2007a.

BRASIL. Lei nº. 11.445 de 5 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacionais para o
saneamento básico e para a política federal de saneamento básico. Brasília (DF): Diário
Oficial União, 2007b.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 100


BRASIL; FMI. Memorando de Política Econômica. Brasília: Ministério da Fazenda, 1999. Não
publicado.

CAIRNCROSS, S.; BLUMENTAU, U.; KOLSKY, P.; MORAES, L.; TAYEH, A. The public and domestic
domains in the transmission of disease. Tropical Medicine and International Health, v.1, n. 1, p.
27-34, 1996.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. 1ª Conferência Nacional de Saneamento. Brasília: Coordenação


de Publicações, 2000.

CARVALHO, A. I. Conselho de Saúde no Brasil: participação cidadã e controle social. Rio de


Janeiro: FASE, IBAM, 1995.

CHOAY, F. O Urbanismo. Utopias e Realidade. Uma Antologia. São Paulo: Perspectiva, 1979.

CONFERÊNCIA PAN-AMERICANA SOBRE SAÚDE E AMBIENTE NO DESENVOLVIMENTO HUMANO


SUSTENTÁVEL. Plano Nacional de Saúde e Ambiente no Desenvolvimento Sustentável.
Brasília: Ministério da Saúde, 1995.

CORDEIRO, Berenice. Saneamento: Direito Social e coletivo ou mercadoria: Reflexões sobre a


transformação do setor na era FHC. 2002. In: EXPOSIÇÃO DE EXPERIÊNCIA EM SANEAMENTO
MUNICIPAL, VII., 2002, Santo André. Anais... Brasília: ASSEMAE, 2002. 1 CD-ROM.

COSTA, A. M.; MELO, C. H. Saneamento: responsabilidade do município. Como Fazer


saneamento em seu Município. Brasília: ASSEMAE, 1997.

COSTA, André Monteiro. Avaliação da Política Nacional de Saneamento, Brasil – 1996/2000.


2003. 248f. Tese (Doutorado em Saúde Pública) – Programa de Doutorado, Escola Nacional
de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, Recife.

COSTA, N. R.; FISZON, J. T. Reforma Sanitária e saneamento: um tema para a Saúde Coletiva.
Boletim da ABRASCO, Rio de Janeiro, ano VIII, n.32, p. 3, jan./mar., 1989.

COSTA, Nilson do Rosário. Políticas Públicas, Justiça Distributiva e Inovação: Saúde e


Saneamento na agenda social. São Paulo: Hucitec, 1998.

ENGELS, F. As Grandes Cidades. In: A situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra. Lisboa:


Presença,1975. p. 43-110.

ESREY, S. A. et al. Health benefits from improvements in water supply and sanitation: survey
and analysis of the literature on selected diseases. Washington, DC: WASH, 1990 (WASH
Technical Report n. 66).

FABIANO. Pedro Carlos de Alcântara. O Processo de Planejamento Urbano e suas


Temporalidades: Uma análise da influência da legislação urbanística na produção do espaço
urbano de Belo Horizonte. Dissertação. Programa de Pós-Graduação em Geografia, Setor de
Ciências da Terra da Universidade Federal do Paraná. Curitiba. 2005.

FERRARI JÚNIOR, José Carlos. Limites e Potencialidades do Planejamento Urbano. Uma


discussão sobre os pilares e aspectos recentes da organização espacial das cidades
brasileiras. Estudos Geográficos, Rio Claro, 2(1), 15-28, junho - 2004 (ISSN 1678—698X).
Disponível em: <www.rc.unesp.br/igce/grad/geografia/revista.htm>.

FERREIRA, A. Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

FERREIRA, João Sette Whitaker. O mito da cidade global. Tese de Doutorado. FACULDADE DE
ARQUITETURA E URBANISMO. São Paulo. (2003).

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 101


FERREIRA, Tânia M. A. Planejamento Urbano: reflexões sobre as práticas no município de
Belo Horizonte. Belo Horizonte: IGC-UFMG, 1999. Dissertação.

FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. 6. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1992.

____. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

FUNASA. Manual de Saneamento. Brasília: FUNASA, 1999.

FURRIELA, R. B. Cidadania, democracia e proteção do meio ambiente. Dissertação de


Mestrado. Universidade de São Paulo, S P. 1999.

GÓIS, Cezar Wagner de Lima. Planejamento Estratégico de Cidade e Mobilização Social (1).
p@ranoá – periódico eletrônico de arquitetura e urbanismo. Volume 5.

HARVEY, David. A justiça e a cidade. São Paulo: HUCITEC, 1980.

HELLER, L. Quadro Institucional e Legal do Setor de Saneamento no Brasil. In: Simpósio Luso-
Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, VII. Lisboa (Portugal). Anais... Lisboa: APRH,
APESB, ABES, 1996. p. 32-43.

HELLER, Léo; NASCIMENTO, Nilo de Oliveira. Pesquisa e desenvolvimento na área de


saneamento no Brasil: necessidades e tendências. Revista Engenharia Sanitária e Ambiental,
Rio de Janeiro, n. 1, p.24-35, jan./mar. 2005.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Amostras de


Domicílio – 2005. Rio de Janeiro, 17/09/05. Disponível em: <http// www.ibge.gov.br>.
Acesso em: 20 jun. 2007.

KOTLER, Philip. Administração de marketing. São Paulo: Atlas, 1975.

LIMA, G. S. Saneamento: Um indicador de qualidade ambiental a serviço da qualidade de vida


e saúde pública: Uma análise do município de Volta Redonda. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, 21º., 2001. João Pessoa (Paraíba-Brasil). Anais... Rio
de Janeiro: ABES, 2001. 1CD-ROM.

MENEZES, Luiz Carlos. Considerações sobre saneamento básico, saúde pública e qualidade
de vida. Revista Engenharia Sanitária e Ambiental, Rio de Janeiro, v.23, n.1, p. 55-61,
jan./mar., 1984.

MERCEDES, Sônia Pereira. Análise Comparativa dos serviços de eletricidade e saneamento


básico no Brasil – Ajustes Liberais e Desenvolvimento. 2002. 285f. Tese (Doutorado em
Energia) – Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia, Universidade de São Paulo,
São Paulo.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. 8a. Conferência Nacional de Saúde. Relatório Final. Brasília (DF),
1986.

MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO-MPO. Política Nacional de Saneamento.


Brasília (DF), 1997. 39p.

Modelos de Prestação de Serviços de Saneamento. Apresentação nos Comitês PCJ. Câmara


Técnica de Saneamento – CT-SA. São Paulo, 2005. Disponível em:
<http://www.comitepcj.sp.gov.br/download/CT-SA_13-Ord_07-12-05_04.pdf>. Acesso em:
19 jul. 2007.

MORAES, Luiz Roberto Santos. Conceitos sobre Saneamento e Saúde. Salvador: DHS/UFBA,
1994a. 6p. Não publicado.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 102


____. Gestão do Saneamento. Salvador: DHS/UFBA, 1994b. 6p. Não Publicado.

____. Health impact of drainage and sewerage in poor urban areas in Salvador, Brazil. 1996.
243f. Tese. (Doutorado em Saúde Ambiental) London School of Hygiene and Tropical Medicine,
University of London, Londres, 1996.

MORAES, Luiz Roberto Santos; BORJA, Patrícia Campos. Política e Regulamentação do


Saneamento na Bahia: situação atual e necessidade de arcabouço jurídico-institucional. In:
CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, 21º., 2001, João Pessoa.
Anais... Rio de Janeiro: ABES, 2001. 1 CD-ROM.

MOTTA, Fernando C. Prestes. Teoria Geral da Administração. São Paulo: Pioneira Thomson
Learning, 2002.

NAZARETH, P. L. M. Sistemas condominiais de esgotos e sua aplicação no Distrito Federal.


Brasília: [s.n.], jun.1998, 60f. , il.

NUNES, Paulo. Conceito de Gestão e de Gestor. Disponível em:


<http://www.notapositiva.com/trab_professores/textos_apoio/gestao/01conc_gestao.htm>.
Acesso em: 18 jul. 2007.

OLIVEIRA FILHO, Abelardo de; MORAES, Luiz Roberto Santos. Saneamento no Brasil. Política e
Regulamentação. Salvador, 1999. Não Publicado.

OLIVEIRA, Augusto Fernandes Carvalho Sá de; BORJA, Patrícia Campos; OLIVEIRA, Maria
Teresa Chenaud Sá de; LOUREIRO, Aline Linhares; SILVA, Ricardo de Macedo Lula. Tecnologia
de Sistemas Condominiais de Esgotos: Uma avaliação de sua aplicação em cidades de
diferentes portes. Salvador: DEA/UFBA, 2006. (Relatório Final do Convênio
FUNASA/FEP/UFBA n. 530/2004).

PREFEITURA MUNICIPAL DE ALAGOINHAS, UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. Plano


Municipal de Saneamento Ambiental de Alagoinhas. Tomos I e II. Salvador: Prefeitura
Municipal de Alagoinhas, UFBA, 2004.

PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA DA CONQUISTA; UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA.


Plano de Saneamento Ambiental para Vitória da Conquista. Vitória da Conquista: Prefeitura
Municipal, UFBA, 1997. Não Publicado.

REZENDE, Sonaly Cristina. O Saneamento no Brasil. Evolução Histórica e Aspectos


Econômicos, Sociais, Políticos e Culturais. 2000. 167f. Dissertação (Mestrado em Meio
Ambiente, Recursos Hídricos e Saneamento) Escola de Engenharia, Universidade Federal de
Minas Gerais, Belo Horizonte.

REZENDE, Sonaly Cristina; HELLER, Léo. O Saneamento no Brasil. Políticas e Interfaces. Belo
Horizonte: UFMG, 2002.

RIBEIRO, Luiz César de Queiroz; CARDOSO, Adauto L. Da cidade à nação: gênese e evolução
do urbanismo no Brasil. In: RIBEIRO, Luis Cesar de Q. e PECHMAN, Robert (Orgs). Cidade,
povo e nação. Gênese do urbanismo moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. p.
53-78.

____. Plano diretor e gestão democrática da cidade. In: Anais do seminário: Plano Diretor
Municipal. São Paulo: 1989, p. 206-215.

RIBEIRO, Wladimir Antônio. A Lei de Consórcios Públicos (Lei nº. 11.107, de 06 de abril de
2005). Apresentação realizada na Reunião da Região Integrada de Desenvolvimento do
Distrito Federal e do Entorno. Brasília: Ministério das Cidades; Secretaria Nacional de
Saneamento Ambiental, 2005. Não publicado.

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 103


RICÃO, J. M.; BANDEIRA, L. H.; COSTA E SILVA, R.; NÓVOA, W. V.; FORMIGLI, V. L. A.; SÁ, M.
C.; LEAL, L. M. C. Reforma Sanitária e Saneamento: Algumas Contribuições e Propostas para
Discussão. Rio de Janeiro: FSESP, ABES, 1987. Não Publicado.

ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São
Paulo. São Paulo: Studio Nobel, Fapesp, 1997. 242p.

____. Plano diretor: desafio para uma gestão democrática da cidade. In: Anais do seminário:
Plano Diretor Municipal. São Paulo: 1989. p. 216-221.

ROSEN, G. Uma História da Saúde Pública. São Paulo: UNESP, ABRASCO, 1994.

SANTO ANDRÉ. Lei nº. 7.733, de 14 de outubro de 1998. Dispõe sobre Política Municipal de
Gestão e Saneamento Ambiental e da outras Providências. Prefeitura Municipal de Santo
André: Santo André, 1998.

SÃO PAULO. Lei nº. 7.750, de 31 de março de 1992. Dispõe sobre a Política Estadual de
Saneamento e dá outras providências. REVISTA DA SABESP, São Paulo, nº. 166, jul./ago., 1992.

SCHMID, A. W. Aspectos epidemiológicos ligados ao lixo. In: SEMINÁRIO SOBRE O PROBLEMA


DO LIXO NO MEIO URBANO, 1965, São Paulo. Anais... São Paulo: FSP/OPAS, 1965. p. 9-20.

SECRETARIA NACIONAL DE SANEAMENTO AMBIENTAL. Anteprojeto de Lei da Política Nacional


de Saneamento Ambiental. Brasília, 2003. Não publicado.

SOUZA, Marcelo José L. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão
urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

SUDENE. Proposições para uma Nova Política de Saneamento Básico. 2. ed. Recife: SUDENE,
1987.

TORO, José B. Mobilização social: um modo de construir a participação e a democracia.


Ministério do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Amazônia Legal. Brasília ABEAS, UNICEF,
1997.

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Prevention and control of intestinal parasitic infections.


Geneva: WHO, 1987 (Technical Report Series No. 749).

Guia do profissional em treinamento – ReCESA 104

Você também pode gostar