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Os princípios constitucionais do Direito do Trabalho e os direitos

trabalhistas constitucionais: uma breve reflexão crítica

Inicialmente, convém destacar que os princípios constitucionais


do Direito do Trabalho estão voltados para o trabalhador enquanto indivíduo e
enquanto parte integrante de uma coletividade social e econômica específica.

Neste sentido, o eminente professor Celso Ribeiro Bastos observa que


a expressão trabalhador empregada pela Constituição vigente refere-se, a
princípio, ao empregado, cuja definição legal é dada pela legislação
infraconstitucional ordinária, mas precisamente pelo artigo 3º. da vestuta CLT.

Vislumbro que os princípios jurídicos constitucionais que delimitam o


Direito do Trabalho se fundamentam numa série de pressupostos abstratos de
caráter jurídico que conferem validade e eficácia jurídica às normas legais dessa
disciplina jurídica, quer a nível constitucional, quer a nível infra-constitucional,
pressupostos abstratos esses alicerçados num conjunto integrado de valores de
cunho político e social aceitos pela Sociedade Brasileira.

Em outras palavras, os princípios constitucionais trabalhistas são


preceitos jurídicos de caráter geral e abstrato que delimitam os contornos das
soluções dos litígios judiciais laborais, quer no âmbito do dissídio individual, quer
no âmbito do dissídio coletivo.

Por via de conseqüência, a aferição da validade e eficácia jurídicas das


garantias e direitos trabalhistas agasalhados no texto constitucional vinculam-se
diretamente à aplicabilidade dos princípios constitucionais trabalhistas tanto em
termos sociais e políticos, no sentido amplo, quanto em termos jurídicos stricto
sensu.

In casu

, seguindo o magistério do ilustre jurista e tratadista José Afonso da Silva, as


normas e princípios jurídicos constitucionais podem ser classificadas quanto a
sua eficácia, como se segue: 1º.)normas e princípios jurídicos constitucionais de
eficácia plena e aplicabilidade imediata; 2º.)normas e princípios jurídicos
constitucionais de eficácia contida e aplicabilidade imediata, mas passíveis de
restrições; e 3º.)normas e princípios jurídicos constitucionais de eficácia limitada
ou reduzida.

Os princípios jurídicos constitucionais e as garantias e os direitos


laborais insertos na Lex Legum de 1988, infelizmente, são normas e princípios
jurídicos, via de regra, de caráter programático e, enquanto tal, despidas de
eficácia jurídica imediata. (9)

Entendo que não deveria ser assim. Em especial, vejo que os princípios
constitucionais trabalhistas - enquanto bens jurídicos fundamentais pertinentes
à toda Sociedade Brasileira - correspondem a normas de observância obrigatória
e dotadas de função pragmática no âmbito do sistema jurídico, qual seja a de
definir, mediante a imposição de limites ético-jurídicos e parâmetros sócio-
políticos, a eficácia jurídica dos direitos e garantias constitucionais trabalhistas.

Ressalto que a minha concepção acima exposta não é metafísica, mas


uma concepção de cunho sociológico e histórico. Quanto maior for o consenso
acerca da validade dos princípios jurídicos constitucionais, maior será a sua
eficácia e, portanto, maior será o seu grau de legitimação perante a Sociedade.

Os princípios jurídicos constitucionais e as garantias e os direitos


laborais constantes na atual Carta Política se classificam em: 1º.)princípios,
garantias e direitos materiais trabalhistas; e 2º.)princípios, garantias e direitos
processuais trabalhistas. Os primeiros, por sua vez, se subdividem em:
1º.)princípios, garantias e direitos materiais trabalhistas individuais; e
2º.)princípios, garantias e direitos materiais trabalhistas coletivos.

As garantias e direitos constitucionais materiais trabalhistas, apesar de


serem, em grande sua maioria, normas de eficácia de eficácia contida, são
normas que tem "... eficácia paralisante de efeitos de normas que forem
incompatíveis e impeditiva de qualquer contrária ao que estabelecerem." (10)
Neste diapasão, ad exemplum, o prazo do aviso prévio não poderá ser nunca
inferior a 30 (trinta) dias (Constituição Federal de 1988, artigo 7º., inciso XXI).

Julgo que o Constituinte de 1988 deixou escapar a oportunidade de dar


um significativo passo adiante, qual seja o de fixar de maneira precisa os limites
da eficácia das garantias e dos direitos laborais, eis que tais espécies de
garantias e direitos reclamam do Estado, necessariamente, uma postura ativa, a
fim de propiciar uma liberdade concreta do hipossuficiente - o obreiro -, e não
apenas uma liberdade formal, possibilitando, desta maneira, a criação de um
equilíbrio jurídico na relação capital x trabalho.

Incluo as garantias e os direitos trabalhistas reconhecidos pela Lex


Legum vigente no âmbito das liberdades públicas, cabendo ao cidadão
destinatário de tais garantias e direitos - o trabalhador - o sagrado direito de
reivindicar do Estado a sua fruição plena.

Nesta ordem de idéias, entendo que aquelas garantias e direitos


trabalhistas constitucionalmente previstos que ainda aguardam regulamentação,
ou que foram regulamentados de forma incompleta pelo legislador ordinário, são
passíveis de serem tutelados via Mandado de Injunção a ser ajuizado perante o
Pretório Excelso, com fulcro no disposto no artigo 5º.

No meu entendimento, concessa maxima venia de todos os doutos que


porventura tenham visão divergente da ora perfilhada, a principal inovação da
assim denominada Constituição Cidadã no âmbito das garantias e dos direitos
trabalhistas constitucionais, foi o seu redimencionamento ético-jurídico no
sentido de colocá-los não mais como no âmbito dos direitos individuais stricto
sensu mas como direitos sociais alicerçados no trabalho como elemento
definidor da dignidade humana.
Ressalte-se, por oportuno, que o artigo 6º. da "Constituição Cidadã"
elenca o trabalho como direito social, na forma da Constituição.

Tal dispositivo constitucional, nos moldes que se encontra redigido, não


encontra paralelo no nosso ordenamento jurídico pretérito, quer a nível
constitucional, quer a nível infraconstitucional.

Até as normas processuais constitucionais aplicáveis ao Direito do


Trabalho adquiriram, salvo melhor juízo, um novo dimensionamento jurídico, eis
que devem serem aplicadas, a partir da vigência da Constituição de 1988, em
conformidade com a valorização do trabalho enquanto elemento da aludida
dignidade humana.

A competência da Justiça do Trabalho foi ampliada, o que representa,


sem a menor sombra de dúvida, uma conquista de enorme importância não só
para a classe obreira, como também para a Sociedade como um todo.

Sem embargo, e na esteira do entendimento acima firmado, vejo que a


atual Constituição trouxe inovações de monta no âmbito das garantias postas à
disposição do trabalhador a fim de fazer valer os seus direitos, em especial o
Mandado de Injunção, o Mandado de Segurança Coletivo, o Habeas Data e a
ampliação do campo de abrangência da Ação Civil Pública. Daí resultar que a
eficácia jurídica das garantias e direitos constitucionais trabalhistas vigentes
deve ser aferida tendo como parâmetro fundante ou principal a sua adequação
à realidade da Sociedade como um todo e, no particular, às necessidades
econômicas do destinatário último das garantias e direitos ora em comento: o
obreiro.

O real sentido da supremacia jurídica das normas principiológicas


constitucionais relativas às garantias e aos direitos laborais deve ser buscado na
sua aplicabilidade de forma a mais abrangente possível e nunca de maneira
restritiva. Por outras palavras, creio que os princípios constitucionais trabalhistas
devem ser mesurados tomando como ponto de partida a sua efetividade social.

Cumpre destacar que a atual Carta Magna apresentou duas inovações


principiológicas de monta no tocante aos princípios jurídicos trabalhistas, qual
sejam: 1º.)o Princípio da Igualdade de Direitos entre os Trabalhadores Urbanos
e Rurais (12); 2º.)o Princípio da Proteção contra Despedida Arbitrária ou Sem
Justa Causa.

Desde a Constituição de 1934, quando foram introduzidos os primeiros


direitos sociais no nosso ordenamento jurídico, não se dava um passo tão
significativo no tocante ao reconhecimento da igualdade entre ambas as
espécies de trabalhadores. Na esteira do magistério sempre preciso do ilustre
mestre Arnaldo Süssekind, os direitos trabalhistas elencados no artigo 7º. da
atual Lex Fundamentalis aplicam-se, exceto as exceções legalmente previstas,
aos empregados urbanos e rurais, sem distinção de sexo, idade, estado civil e
credo religioso.
No tocante ao segundo princípio, expresso no inciso I do art. 7º. da
Constituição da República, "... corresponde, na verdade, um conjunto de normas
aplicáveis à despedida arbitrária ou sem juta causa:

a)indenização compensatória (inc. I);

b)seguro-desemprego (inc. II);

c)levantamento dos depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de


Serviço - FGTS (inc. III)." (13)

O Princípio de Direito de Greve insculpido no caput do artigo 9º. da


atual Lex Legum é abrangente, eis que engloba os empregados das empresas
privadas, das empresas públicas para-estatais e servidores públicos da
administração pública direta e indireta da União Federal, Estados-Membros,
Distrito Federal e Municípios. Esta abrangência é outra inovação de monta
havida na Constituição vigente.

O exercício do direito de greve, evidentemente, não é irrestrito,


submetendo-se às restrições legais em conformidade com os interesses da
Coletividade.

Por fim, resta abordar uma questão que julgo de extrema importância, a
saber: como interpretar os princípios constitucionais do Direito do Trabalho?

Em síntese, julgo que a interpretação dos princípios constitucionais


trabalhistas deve ser feita de forma sistêmica, isto é, levando-se em
consideração as regras constitucionais em seu conjunto. Em outras palavras, os
aludidos princípios constitucionais devem ser interpretados levando-se em
consideração a estrutura normativa constitucional como um todo, tanto sob
aspecto teleológico quanto sob o aspecto histórico e sociológico e, nesta medida,
deve necessariamente ter como fundamentos ou parâmetros principais: 1º.)a
proteção do hipossuficiente; 2º.)a preponderância dos interesses coletivos sobre
os interesses individuais; 3º.)a desconsideração de eventuais formalismos legais
em face das necessidades reais, concretas, da Sociedade como um todo.

Isto posto, e a partir de uma análise lógico-sistemática da atual Carta


Política, podemos concluir este tópico afirmando que os princípios jurídicos
constitucionais do Direito do Trabalho são todos aqueles preceitos que informam
a construção de uma ordem social mais justa e um sistema econômico mais
eficiente, ordem e estrutura essas que tem como primado o trabalho e que
possuem como objetivos primários o bem-estar geral da população e uma justiça
social. Quando digo uma ordem social mais justa e um sistema econômico mais
eficiente alicerçados no trabalho não estou pugnado o estabelecimento de
um regime jurídico do Estado de cunho socialista, mas tão-somente a criação de
um sistema legal que priorize a eliminação, tanto quanto possível, das gritantes
desigualdades sócio-econômicas existentes no nosso país.

Por via de conseqüência, os princípios constitucionais do Direito do


Trabalho devem delimitar, fixar, os principais parâmetros legais da atuação do
Estado Democrático de Direito não em termos abstratos, mas em um plano
prático através de metas ético-jurídicas de amplo alcance sócio-econômico e
político que venham a diminuir os desníveis sociais e econômicos mais agudos
hoje existentes no Brasil.

REFLEXÕES FINAIS

Os princípios jurídicos constitucionais se constituem num dos principais


pilares de um ordenamento jurídico, seja positivado, seja consuetudinário.

A não observância dos princípios jurídicos ocasiona, via de regra, a


ruptura do sistema legal positivado, em especial quanto à não-efetividade da
aplicação concreta das normas legais, resultando, não raro, na ruptura do Estado
Democrático de Direito.

Independentemente da criação de novos direitos e garantias a nível


constitucional, tanto o legislador, quanto os operadores do Direito (juiz,
procurador, advogado, etc.), devem estar sempre em busca de novos
mecanismos jurídicos que permitam efetivar os princípios jurídicos
constitucionais já existentes.

Nesta ordem de idéias, apesar de sua origem claramente corporativista-


autoritária, vislumbro que o Direito do Trabalho no Brasil tem um desígnio de
fundamental importância a cumprir, qual seja de ser "... o amparo aos
trabalhadores e a consecução de uma igualdade substancial e prática para os
sujeitos envolvidos." (14) Em especial, entendo que os operadores do Direito do
Trabalho devem apoiar as modalidades de tutelas extrajudiciais de solução dos
litígios trabalhistas, sem perder de vista os princípios basilares dessa disciplina
jurídica, sobretudo a tutela protetora do hipossuficiente: o obreiro.

Na verdade, considero que o constituinte de 1988, quando pretendeu


permitir a flexibilização dos direitos laborais reconhecidos constitucionalmente,
o fez privilegiando a negociação coletiva em detrimento da negociação
individual, procurando, desta maneira, criar ou estimular as condições mínimas
para a auto-composição dos litígios trabalhistas, sem, contudo, cair na falácia
dos dogmas neo-liberais, como, ad exemplum, os mitos da autonomia da
vontade e da liberdade absoluta das partes na gênese e desenvolvimento dos
contratos trabalhistas. (15)

Ante tudo o que foi exposto e analisado acima, concluo a presente obra
afirmando que os princípios constitucionais que informam o Direito do Trabalho
adquirem uma importância capital no âmbito da Ciência do Direito,
transcendendo em muito o estreito campo de atuação do Direito do Trabalho, eis
que se constituem atualmente num dos principais pressupostos jurídicos e meta-
jurídicos garantidores do modelo de Estado Democrático de Direito almejado
pelo Constituinte de 1988, modelo esse que, com o tempo, deve lograr realizar,
de maneira efetiva, real, os direitos sociais insertos no bojo do texto
constitucional em vigor. Neste contexto, considerando que não há Sociedade
sem ordem e nem ordem social sem normatividade jurídica, porque esta é o
espelho daquela, entendo que os princípios constitucionais que regem o Direito
do Trabalho devem servir de bússola para as futuras reformas do Direito Laboral,
reformas essas que devem ser efetuadas não pela mera vontade ou capricho do
legislador pátrio ou dos poderosos de plantão, mas pelo prisma dos valores
éticos e sociais e das reais necessidades sociais da vontade popular, em
especial da classe obreira.
Autor

Ricardo Luiz Alves


ALVES, Ricardo Luiz. Os princípios constitucionais do Direito do Trabalho e os direitos
trabalhistas constitucionais: uma breve reflexão crítica. Revista Jus Navigandi, ISSN
1518-4862, Teresina, ano 9, n. 490, 9 nov. 2004.

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