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2001n4p101
contemporânea, assume, de fato, uma forma cultural: sembocam numa concepção precisa, e instrumentali-
“A cultura é parte decisiva do mundo dos negócios e o zada, de cidadãos como consumidores da cidade.
é como grande negócio”. O modelo generalizou-se, virou receita difundida
Essa convergência é elucidada por Arantes ao dis- mundo afora. A cidade, transformada em mercadoria,
cutir, no plano teórico, uma série de processos e di- é posta em circulação e, mediante imagens que operam
mensões em que se casam o interesse econômico da a serviço dessa visão mercadológica, são descortinados
cultura e as alegações culturais das elites econômicas, seus atrativos comerciais, turísticos e culturais, na bus-
que cercam cidades como Barcelona, Bilbao, Paris, ca de atração de investimentos. Para dentro da cidade,
Baltimore, Berlim ou Lisboa, com seus governos mi- a mercadotecnia urbana gera uma visão de cidadania
diáticos, processos, por sinal, reeditados com agilidade que assalta, principalmente, os próprios cidadãos. Se-
em cidades periféricas bem embaixo de nossos pés. A duzidos pelo catálogo de espaços “renovados” e pelo
análise de tais processos, criativamente tecida no en- discurso da eficiência administrativa que estaria traba-
saio, mostra a existência de um “pensamento único das lhando a seu favor, eles encontram poderosas barreiras,
cidades”, próprio desta virada de século, uma matriz culturais e políticas, à sua expressão em movimentos de
conceitual e operativa comum na definição das estraté- resistência ou à participação em ações críticas, pois es-
gias urbanas. sas costumam ser esvaziadas, tomadas como manifesta-
O elenco de estratégias, que vêm sendo sistemati- ções de “desamor à cidade”.
camente adotadas, parece confirmar essa comunhão: Carlos Vainer vê na instauração da cidade-
grandes equipamentos públicos (museus, centros empresa uma negação radical da cidade enquanto es-
culturais) no repertório das políticas culturais para a paço político, de construção da cidadania; aponta para
reativação econômica dos lugares; arquitetura da gran- um encolhimento radical do espaço público, uma total
diosidade, assinada por algum astro de renome inter- subordinação do poder público às exigências do capi-
nacional; reabilitação de áreas urbanas (por meio de tal internacional com interesses localizados. Em sua
atração de investidores, atividades e moradores solven- construção teórica, ele mostra as imbricações entre
tes); promoção de megaeventos, ou mesmo preserva- cidade-empresa e cidade-pátria: a produtivização e o
ção de edifícios alçados à condição de patrimônio e consenso, bases permanentes para a cooperação
tornados emblemáticos dos programas de renovação público-privada, a cidade unificada sem brechas, trata-
urbana. Essas operações estratégicas são transformadas da como um bloco em torno de um projeto único que,
em iscas, grandes vitrines publicitárias da cidade- só assim, será vitorioso. A tendência à despolitização é
espetáculo, as quais buscam consagrar os projetos também identificada pelo autor na redução da questão
de cidade e despertar o espírito cívico, o orgulho, a sen- do governo da cidade à estreita questão da competên-
sação de pertencimento, ao mesmo tempo que se orien- cia técnica de seus administradores, cuja manifestação
tam para a neutralização dos conflitos, das diferenças. é perceptível, tanto nas práticas de planejamento quan-
O ensaio de Arantes vai além e mostra, junto to na produção teórica dessas práticas.
àquelas intervenções urbanísticas que produzem mate- O consenso construído em volta da cidade-
rialmente essa fase da modernização, outras dimensões mercadoria é desafiado, também, por Ermínia Maricato,
do casamento entre cultura e economia, as quais im- cujo ensaio se encarrega de mostrar o que não entra nas
primem novos valores às práticas de gestão: é a cidade contas do urbanismo de resultados e seus espaços de
pensada e administrada como uma empresa que com- distinção: o crescimento exponencial da cidade ilegal, a
pete no mercado global, é a cidade empreendedora, a enorme expansão espacial da pobreza, a violência urba-
“máquina do crescimento”, na expressão de Molotch, na, a exclusão. Esta é, para a autora, a cidade dissimu-
a qual conjuga governos e coalizões das elites econômi- lada, invisibilizada cultural e politicamente, cuja au-
cas num amplo leque de negócios, com suas fabulações sência faz parte das estratégias de dominação próprias
correlatas da geração de empregos e com suas metáfo- do capitalismo periférico e do urbanismo de mercado.
ras do bolo que cresce e derrama sua graça a todos os É como se o mundo real da pobreza urbana não
cidadãos; é a cultura da gestão eficiente e da qualidade fizesse parte da virtualidade da cidade reinventada
total na prestação de serviços, como caminhos que de- para os negócios. Quem vê o mundo pelos olhos do