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Prognósticos Desenvolvimento
e perspectivas Hum.cerebral
atuais na paralisia 2010; 20(2): 342-350 REVISÃO
Rev Bras Crescimento Desenvolvimento Hum. 2010; 20(2): 342-350
REVIEW
Rebel, MF et al. Prognóstico motor e perspectivas atuais na paralisia cerebral. Rev. Bras.
Cresc. e Desenv. Hum. 2010; 20(2): 342-350
Resumo:
A paralisia cerebral é uma sequela de agressão encefálica caracterizada por transtorno motor
não evolutivo quanto à sua lesão. De acordo com o local da lesão pode provocar diferentes
seqüelas que resultam em incapacidade funcional. Objetivo: revisar de forma não sistemática
sobre o tema paralisia cerebral, enfocando o seu prognóstico motor, incluindo expectativa
de vida e funcionalidade. Método: utilização das bases de dados Medline e LILACS, dos
últimos quinze anos, com os unitermos paralisia cerebral, quadriplegia, diplegia, hemiplegia,
prognóstico. Resultados: foram listados 474 artigos científicos, sendo selecionados para
esta revisão 34 artigos com base em: título, resumo, assunto, originalidade e disponibilidade
de acesso pelo portal da CAPES. Foram identificadas as variáveis que podem influenciar o
prognóstico motor nas crianças com paralisia cerebral. O prejuízo motor das crianças com
paralisia cerebral está diretamente relacionado com o nível de gravidade da paralisia cerebral,
assistência terapêutica e o tipo apresentado pelas crianças. Os pacientes com hemiplegia
resultante de paralisia cerebral apresentam um prognóstico motor mais favorável comparado
aos diplégicos e quadriplégicos.
1 Professor assistente de fisioterapia pediátrica da UFRJ - Av Brigadeiro Trompowski, s/n – Cidade Universitária – Ilha do
Fundão
2 Rafaela Fintelman Rodrigues, acadêmica do curso de fisioterapia da UFRJ
3 Professora adjunta de neuropediatria da UFRJ, pós-doutorado - Av Brigadeiro Trompowski, s/n – Cidade Universitária – Ilha
do Fundão. Email: alexprufer@hotmail.com
4 Professor adjunto da UFPR Litoral e do Programa de Pós Graduação de Educação Física - UFPR - Rua Jaguariaíva, 512 –
Caiobá/Matinhos – PR – 83260000. Email: clynton@ufpr.br
Não existe conflito de interesse entre os autores
Correspondências para: Marcos Ferreira Rebel. Núcleo de Reabilitação do desenvolvimento neuropsicomotor - Av. Brigadeiro
Trompowski, s/n - Cidade Universitária – Ilha do Fundão - Rio de Janeiro – Brasil - CEP: 21941901. Email:
marcosrebel@hucff.ufrj.br - Telefone: (21) 25626184
Artigo baseado na tese de mestrado do autor Marcos Ferreira Rebel, intitulada “Estudo de Crianças Hemiplégicas através do
inventário de avaliação pediátrica de disfunção” no ano de 2007 na Pós Graduação Setor da Criança e Adolescente da UFRJ.
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Abstract:
Cerebral palsy it is a consequence characterized by non-progressive motor disturbance
referring to his lesion. According to the lesion area, can promote different outcomes that
result in functional disabilities. Objective: to review by non-systematic way the theme
cerebral palsy focusing motor prognosis, including life expectancy and functionality.
Methods: using the Medline and LILACS, data bases searching for the last fifteen years
with the terms cerebral palsy, quadriplegia, diplegia, hemiplegia, prognosis. Results: a
total of 474 scientific papers were listed and 34 select based on: title, abstract, subject,
original article and access through CAPES homepage. Were identified variables that could
affect motor prognosis in children with cerebral palsy. The motor impairment from children
is directly related to cerebral palsy severity level, therapeutic assistance and cerebral palsy
type presented in children. The patients with hemiplegic cerebral palsy showed most
favorable motor outcomes compared to diplegic and quadriplegic ones.
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guns tópicos de discussão concernentes à PC, sistência dos chamados reflexos primitivos, além
em especial, ao prognóstico motor dessas crian- da idade esperada. Nestes casos, deve-se iniciar
ças que poderão servir como marco teórico a investigação etiológica e estimulação essen-
facilitador e/ou encorajador para futuras pes- cial até que o diagnóstico possa ser definido12.
quisas exploratórias nessa área. Aos 12 meses de idade 2,5 por 1000 crian-
ças são diagnosticadas com PC, enquanto, a
prevalência desta aos 7 anos é relatada em 2 por
MÉTODO 1000 nascidos vivos13. Entretanto, a investiga-
ção deve ser orientada a um diagnóstico preco-
Os autores realizaram busca de artigos ce, antes que o quadro clínico seja estabelecido
científicos nos bancos de dados eletrônicos plenamente por padrões anormais de movimen-
Medline e LILACS, compreendendo os anos to, encurtamento e/ou deformidades14.
de 1995 até 2009, utilizando as seguintes pala- A avaliação neurológica do desenvol-
vras-chave: paralisia cerebral, quadriplegia, vimento e a avaliação funcional fornecem aos
diplegia, hemiplegia, prognóstico e equivalen- médicos informações diagnósticas importan-
tes em inglês e espanhol. Foram obtidos 474 tes15. A anamnese fornecerá dados em relação
artigos, sendo selecionados para esta revisão à etiologia (distócia, anóxia, prematuridade,
34 artigos, considerando as seguintes variáveis: placenta prévia, gestação) e clínica (paralisi-
título, resumo, assunto, originalidade e dispo- as, convulsões), o exame físico indicará o atra-
nibilidade de acesso pelo portal da CAPES. A so motor (manter a cabeça, sentar, andar, agar-
busca pelos artigos priorizou estudos publica- rar objetos, falar, rir), a observação da face, a
dos sobre o prognóstico motor na PC. Além mímica, os movimentos voluntários, a atitu-
disso, os seguintes critérios de inclusão foram de das mãos, a postura e atitude corporal, o
utilizados: (1) pesquisa realizada em seres hu- tônus muscular, o estado dos reflexos. Infor-
manos; (2) participantes deveriam ter diagnós- mações estas que facilitarão o diagnóstico
tico de PC; (3) estudos abordando o aspecto correto e precoce14. Evidências da progressão
motor da PC; (4) publicação de artigos nos se- da doença devem ser continuamente procura-
guintes idiomas: português, espanhol e/ou in- das e, quando presentes, excluem o diagnós-
glês. Esse estudo caracteriza-se por uma revi- tico de PC16.
são de literatura não sistemática e, portanto, A persistência dos reflexos primitivos e
não sendo necessária a análise estatística. o atraso ou falha em adquirir reações posturais
são indicadores precoces da disfunção do SNC.
Os reflexos primitivos são mediados no tron-
DIAGNÓSTICO DE PARALISIA co cerebral. O desenvolvimento de conexões
CEREBRAL corticais gradualmente sobrepõe essas respos-
tas primitivas durante os primeiros 6 a 8 meses
O diagnóstico da PC é clínico e geralmen- de vida. Enquanto os reflexos primitivos estão
te não oferece dificuldades. No entanto, enquan- sendo integrados, as reações de endireitamento,
to as capacidades motoras ainda estão em de- proteção e equilíbrio postural estão emergin-
senvolvimento, como nos recém-nascidos e do. Esta transição pode ser atrasada ou nunca
lactentes, a detecção dos distúrbios motores de- ocorrer nas crianças com anormalidades
manda maior atenção. Nesta faixa etária obser- encefálicas15.
va-se um atraso do desenvolvimento O exame físico também determinará a
neuropsicomotor, em maior ou menor grau, as- extensão dos problemas motores e a sua quali-
sociado geralmente à alteração do tônus e à per- dade possibilitando classificar tal acometimen-
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to de acordo com uma das 3 definições que (2) Habilidade motora funcional:
seguem abaixo: Gross Motor Function Classification Scale
A) O Comitê de Nomenclatura e Classi- (GMFCS) baseado na incapacidade e na limi-
ficação da Academia Americana de Paralisia tação funcional.
Cerebral, em 1956, classificou17 as crianças em (3) Anatômico: quadriplegia (com-
3 grupos fisiológicos, a saber: prometimento dos 4 membros e tronco, sendo
(1) Piramidal (caracterizado pela os membros superiores mais acometidos que
espasticidade). Caracteriza-se pelo aumento da os membros inferiores, caracterizando esta for-
resistência dos membros aos movimentos pas- ma como a mais grave de PC), diplegia (mem-
sivos e com rápida velocidade. bros inferiores são mais acometidos que os
(2) Extra-piramidal (coreoatetose, superiores) e hemiplegia (comprometimento
atetose, distonia e ataxia). Esse grupo é carac- dos membros superior e inferior do mesmo
terizado pela variação de tônus durante o re- dimídio). Monoplegia e triplegia são incomuns.
pouso e em situações de estresse. Apesar dessas classificações mais usu-
(3) Topográfico: diplegia (comprometi- ais, existem autores que preferem classificar a
mento dos membros inferiores), hemiplegia PC pela natureza e tipologia da lesão
(comprometimento de membro superior e in- (espasticidade, distonia, ataxia e atetose), po-
ferior do mesmo dimídio), triplegia (compro- rém quanto à classificação anatômica, os ter-
metimentos dos membros inferiores e um dos mos diplegia e quadriplegia são muito utiliza-
membros superiores), dupla-hemiplegia (com- dos na pesquisa e na clínica, mas esses termos
prometimento dos 4 membros, porém com devem ser evitados como mecanismo de clas-
maior espasticidade em membros superiores) sificação, visto que há um uso impreciso des-
e quadriplegia (comprometimento grave nos 4 ses termos na prática clínica19.
membros).
B) A classificação17 do Clube Little de
1957 é feita da seguinte forma: (1) espástica PROGNÓSTICO DA PC
(hemiplegia, dupla hemiplegia e diplegia); (2) EXPECTATIVA DE VIDA
distônica; (3) coreoatetóide; (4) mista; (5)
atáxica e (6) PC atônica. Os níveis de sobrevida para pacientes
C) Rosenbaum, líder do Comitê da com PC têm sido calculados usando informa-
Academia Americana de Paralisia Cerebral ções de registros de dados da população colhi-
e Desenvolvimento da Medicina propôs uma dos desde 195220. Aproximadamente 87% das
classificação 18 baseada em vários compo- pessoas com PC sobrevivem até os 30 anos21 e
nentes de um trabalho de um grupo interna- quase 85% dos que passam dos 20 anos sobre-
cional que em 2005 incluiu os seguintes as- vivem até os 50 anos22. Diversos fatores influ-
pectos: enciam a sobrevida, como o tipo de PC (por
(1) Natureza e tipologia da desordem: exemplo, a quadriplegia espástica tem o pior
espasticidade (piramidal), o tônus muscular é prognóstico), presença ou não de epilepsia e
velocidade-dependente; discinesia (extra-pira- deficiência mental grave21.
midal), podendo ser distônica (inclui hipertonia Os padrões de sobrevivência de pessoas
e redução de atividade) ou coreoatetose (mo- com PC têm sido descritos usualmente conside-
vimentos involuntários dos membros); e ataxia rando os efeitos sobre a gravidade das desor-
(extrapiramidal), que refere à perda da coor- dens físicas, cognitivas e sensitivas. Os relatos
denação muscular, geralmente causada por um da literatura mostram que os indivíduos com PC
déficit cerebelar. com grau leve de disfunções, e até mesmo al-
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atingir tal objetivo e por quanto tempo ele será se considerar também as seguintes variáveis:
mantido. influência cognitiva sobre o desempenho mo-
No aspecto do treino funcional para tor; presença ou não de epilepsia; condição
aquisição e/ou manutenção da marcha, a ca- sócio-econômica da família; realização ou não
deira de rodas, embora pareça ser um meio de tratamento com equipe de reabilitação e as
antagônico da locomoção, deve ser vista como necessidades assistenciais na vida diária que
uma estratégia útil para a manutenção da mar- influenciam a independência funcional.
cha independente pelo maior tempo possível. Devem ser de conhecimento dos profis-
O uso integrado da cadeira de rodas com a sionais da saúde, em especial dos fisioterapeu-
marcha independente contínua, porém limita- tas e terapeutas ocupacionais, as várias formas
da, poderia possibilitar a um grande número de classificação da PC para fins de determina-
de pessoas que perderam a marcha devido à ção do prognóstico motor. Os pacientes com
dor articular, uma maior probabilidade de au- hemiplegia resultante de PC apresentam um
tonomia, permitindo, assim, um maior período prognóstico motor mais favorável comparado
de realização da marcha independente. Os com os diplégicos e quadriplégicos, porém o
terapeutas podem direcionar suas técnicas para prognóstico motor dos pacientes com diplegia
objetivos concretos, por exemplo, desenvolver é melhor quando comparado aos pacientes
a habilidade de tornar o paciente mais autôno- quadriplégicos. Todavia, deve ser analisada a
mo nas atividades de vida diária ou favorecer presença ou não de outras variáveis que po-
que o paciente participe mais ativamente com dem influenciar o desempenho motor.
o cuidador nessas atividades. Enfim, o princí- Quanto ao prognóstico da marcha, é
pio básico de qualquer plano terapêutico deve importante ressaltar que a utilização da cadei-
ser mais concentrado em uma abordagem que ra de rodas de forma intermitente à marcha in-
seja mais orientada à independência e menos dependente possibilita a marcha por um maior
preocupada com a importância simbólica da período de tempo.
marcha independente.37 Esforços contínuos devem ser realizados
Para definição de um prognóstico mo- para encontrar formas de aumentar as ativida-
tor, primeiramente deve ser conduzida uma des independentes e para promover a partici-
avaliação específica para os aspectos físico- pação das crianças com disfunção, assim como
funcionais. Além da relação direta entre o pre- abordar as disfunções secundárias que podem
juízo motor e o nível de gravidade da PC, deve- surgir.
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