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Infância e adolescência: impasses e saídas.

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Angelina Harari - EBP/AMP - Vice-presidente da AMP

Gostaria de parabenizar, nessa mesa de abertura, a Seção São Paulo pelo intenso trabalho feito até
aqui atraindo tanto interesse! Gostaria de parabenizar e agradecer a Maria Josefina Sota Fuentes,
coordenadora dessas Jornadas e na sua pessoa, toda sua comissão organizadora.
Difícil reconhecer que não me cabe mais essa tarefa, que a fila andou e me resta apreciar o trabalho
dos outros. Essa definição de transferência de trabalho em Lacan é preciosa: "Transmissão de saber
de um sujeito à outro pela via da transferência de trabalho”2, entendida por Miller como “abrindo,
desse modo, espaço para o trabalho do outro”3.
“A fila andou” expressa a ideia de que outros vieram ocupar um lugar que ficou vago. Sem
vacância, não se abre espaço ao outro. Não participar em nada na organização dessas Jornadas da
EBP-SP foi minha façanha!
Falta apenas dizer algumas palavras a vocês, nessa Abertura, para cumprir minha função e depois
poder admirar e aprender com as autoridades analíticas no assunto dos impasses e das saídas da
infância/adolescência. Podemos afirmar a existência de autoridades analíticas nesse tema, muito
embora não seja possível dizer que haja especialistas em psicanálise. A autoridade analítica provém
da prática, portanto no a posteriori que se pode observar um percurso, uma tendência na prática de
cada um, um por um.
Comecei a prática pela psicologia no final dos anos 70, época em que imperava a norma de se
começar atendendo crianças e adolescentes, supostamente por ser mais fácil. A atuação como
psicóloga deixou marcas indeléveis em minha prática, posso dizer assim. A marca indelével diz
respeito ao atendimento de crianças e adolescentes, que, com a prática da psicanálise, iniciada nos
finais dos anos 80, deixei de sofrer. Deixei de receber crianças e adolescentes, ou seja a etapa da
psicologia deixou marcas de terror, longe do que designamos de horror que o psicanalista tem de
seu ato.
O fato de não haver especialistas e de, na minha prática, crianças e adolescentes sejam esparsos
avulsos, não significa que o tema não tenha sua grande importância para o campo de investigação
psicanalítica. Exatamente por não ser um conceito fundamental da psicanálise, talvez um conceito
oriundo da experiência analítica nos últimos tempos, leva-nos a questionar como enfocar o tema
pelo viés psicanalítico.
O que caracteriza o adolescente é o errático; nunca está integralmente inscrito em nenhuma
instituição, seja na família, seja na escola etc, diferentemente da criança que está sempre inscrita.
É nessa idade "adolescente" que os vícios se iniciam tornando muitas vezes o transitório em
permanente, quando os jovens esbarram em dificuldades na tarefa de se desprenderem da família,
ponto abordado desde Freud, em o Mal-Estar na Cultura4.
Quase que juntos entram em cena a adolescência e a falência da função paterna, dificultando mais
ainda o engatar em novas identificações, movimento contínuo, próprio do adolescente. O
psicanalista para estar antenado em sua época deve acompanhar os adolescentes em busca sempre
pela mais nova identificação. A frase "o youtuber que viralizou na net" não seria decifrada há
alguns anos atrás.
A inquietação permanente move o adolescente levando-o a se envolver em situações de risco em
nome de um nome com o qual se identificar, seja um amor, seja uma profissão, seja o que for.
Apesar dos riscos, a adolescência é a fase pela qual temos mais nostalgia, ninguém fica com
saudade do início da vida adulta, como se fica em relação à idade adolescente. Difícil querer voltar
ao tempo das primeiras remunerações, voltar ao início de uma carreira.
Convido-os a "sermos todos adolescentes durante dois dias", acompanhar atentamente os trabalhos,
abrindo-nos para o novo, aprendendo com cada adolescente que colocou na psicanálise alguma
expectativa.

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Intervenção proferida durante a Abertura das Jornadas da EBP-SP, Infância e adolescência: impasses e saídas, em 26 e
27 de agosto de 2016.
2
LACAN, J. Ato de Fundação(28/02/1971). In Outros Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, pp. 235-247.
3
MILLER, J.-A. El banquete de los analistas. Buenos Aires: Paidós, 2011.
4
FREUD, S. (1930). “O mal-estar na civilização”. Obras Completas, vol. XXI. Rio de Janeiro: Imago.

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